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3Ego, Fome-e-Agressao-Fritz-Perls

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Dados Internacionais de Catalogaçao da Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Perls, Frederick S.
Ego, fome e agressão : uma revisão da teoria e do método de 
Freud / Frederick S. Perls ; tradução Georges D. J. Bloc Boris. - 
São Paulo : Summus, 2002.
Título original: Ego, hunger and aggression : a revision of 
Freud’s theory and method 
ISBN 85-323-0754-X
1. Ego (Psicologia) 2. Freud, Sigmund, 1856-1939 3. Gestalt- 
terapia 4. Personalidade 5. Psicanálise 6. Psicoterapia I. Título. 
II. Título: Uma revisão da teoria e do método de Freud.
02-2719 CDD-150.1982
índices para catálogo sistemático:
1. Gestalt : Psicologia 150.1982
2. Psicologia da Gestalt 150.1982
Compre em lugar de fotocopiar.
Cada real que você dá por um livro recompensa seus autores 
e os convida a produzir mais sobre o tema; 
incentiva seus editores a encomendar, traduzir e publicar 
outras obras sobre o assunto; 
e paga aos livreiros por estocar e levar até você livros 
para a sua informação e o seu entretenimento.
Cada real que você dá pela fotocópia não-autorizada de um livro 
financia um crime
e ajuda a matar a produção intelectual em todo o mundo.
Dados Internacionais de Catalogaçao da Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Perls, Frederick S.
Ego, fome e agressão : uma revisão da teoria e do método de 
Freud / Frederick S. Perls ; tradução Georges D. J. Bloc Boris. - 
São Paulo : Summus, 2002.
Título original: Ego, hunger and aggression : a revision of 
Freud’s theory and method 
ISBN 85-323-0754-X
1. Ego (Psicologia) 2. Freud, Sigmund, 1856-1939 3. Gestalt- 
terapia 4. Personalidade 5. Psicanálise 6. Psicoterapia I. Título. 
II. Título: Uma revisão da teoria e do método de Freud.
02-2719 CDD-150.1982
índices para catálogo sistemático:
1. Gestalt : Psicologia 150.1982
2. Psicologia da Gestalt 150.1982
Compre em lugar de fotocopiar.
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e ajuda a matar a produção intelectual em todo o mundo.
Frederick S. Perls
Uma revisão 
da teoria e do 
método de Freud
summus
editorial
Do original em língua inglesa 
EGO, HUNGER AND AGGRESSION 
Copyright © 1947 by F. S. Perls 
Todos os direitos reservados por Summus Editorial.
Tradução: Georges D. J. Bloc Boris 
Revisão da tradução: Denise Maria Bolanho 
Revisão técnica: Lilian Meyer Frazão 
Capa: Ana Lima
Editoração e Fotolitos: JOIN Bureau de Editoração
summus
editorial
Departamento editorial:
Rua Itapicuru, 613 - 7a andar 
05006-000 - São Paulo - SP 
Fone: (11) 3872-3322 
Fax: (11) 3872-7476 
http://www.summus.com.br 
e-mail: summus@summus.com.br
Atendimento ao consumidor: 
Summus Editorial 
Fone: (11) 3865-9890
Vendas por atacado:
Fone: (11) 3873-8638 
Fax: (11) 3873-7085 
e-mail: vendas@summus.com.br
Impresso no Brasil
http://www.summus.com.br
mailto:summus@summus.com.br
mailto:vendas@summus.com.br
Em memória de 
Max Wertheimer.
O capitão Frederick Perls de uniforme do 
Corpo Médico do Exército Sul-Africano 
durante a Segunda Guerra Mundial.
nr--
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_ v U „ . - yvltr*-^ r*> *| «-jnN». >'-®3 e~r- v-Wo « ^ °̂ >
^ O b "» t ^ ‘ ~ O » r - t 1~| V r^ -> - ra ̂ ' A . j -^o í O j . i
SUMÁRIO*
_ p l ^ W v
- s p ^ 3 d ^ 5 - ^ > v < 5 w ' C X U * * V 3 & -» C » > j . | t v J . f c r C « M > O o o * ^ ,
— 3l~-~ fJ'<L̂ .' ^ *• <1 - r ) 1 J , > . ) «
— ^ K ^ s i n j °^\ ' ®-1 ̂" \ r “ ( ' ^ ĉ Jr5
Apresentação à edição brasileira 9
Prefácio à edição brasileira. . 11
Sobre Fritz Perls e Ego, fome e agressão......................................... 19
Prefácio à edição do "The Gestalt Journal" 1992 ............................ 29
Prefácio à edição de 1969 da Rartdom House.................................. 35
Prefácio à edição de 1945 da Knox Publishing Company.................. 37
Intenção.......................................................................................... 39
Parte I — HOLISMO E PSICANAl ,INH
(l Pensamento diferenciul.....................
Cff Abordagem psicológica..................
3 O organismo e seu ri|uilíbiio.
4 Realidade..............................................
5 A resposta do organismo.................
cg) Defesa.........................................
O Bom e m au............... .........................
8̂ Neurose..............................................
( D Reorganização organísmiea...........
10 Psicanálise clássica..........................
11 Tempo..............................................
12 Passado e futuro ........................
13 Passado e presente.........................
. . . 43
. . . 58
.. . 66 
. . . 75
. . . 82 
. . . 88 
. . . 93
. . . 104 
. . . 120 
. . . 131 
. . . 144 
. . . . 151 
. . . . 156
Parte II — METABOLISMO MENTAL ~ Tís P e l23oN . r '
' \) Instinto de fom e........................................................ 165
2 Resistências................................................................. 171
3 Retroflexão e civilização.......................................... 180
§ ) Alimento mental....................................................... 184
5 Introjeção................................................................... 192
6 O complexo de fantoche............................................ 200
7J O ego como uma função do organismo.................. 205
8 / A cisão da personalidade......................................... 215
(g) Resistências sensomotoras....................................... 224
10 Projeção.............................................................. 230
11 O pseudometabolismo do caráter paranóico.......... 237
12 Complexo de megalomania-rejeição....................... 245
13 Resistências emocionais............................................ 251
Parte III — TERAPIA DE CONCENTRAÇÃO ' ^ '
6> A técnica..................................................................... 263
(l) Concentração e neurastenia...................................... 266
© Concentração no ato de comer.................................. 272
4 Visualização............................................................... 283
5 Senso de realidade.................................................... 291
6 Silêncio in terio r......................................................... 298
7 Primeira pessoa do singular...................................... 303
8 Desfazendo retroflexões............................................ 308
9 Concentração corporal.............................................. 318
10 A assimilação de projeções...................................... 330
II) Desfazendo uma negação (constipação)................. 343
I .V ( onsciência constrangida de si mesmo.................... 350
I t O significado da insônia............................................ 357
I I Gagueira..................................................................... 362
15’ O esl ado de ansiedade.............................................. 367
16) I >1 Jekyll e Mr. H y d e .............................................. 370
Friedrich Salomon 1'rrls 377
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APRESENTAÇAO 
À EDIÇÃO BRASILEIRA
Este livro foi escrito na África do Sul com base na experiência e 
nas insatisfações de Fritz Perls quando didata do Instituto Sul-Africa- 
no de Psicanálise, por ele fundado em 1935.
Inicialmente Perls pensara em transformar suas discordâncias em 
contribuições à psicanálise da época. Com esse intuito apresentou, 
em 1936, um trabalho a respeito de resistências orais ao Congresso 
Internacional de Psicanálise realizado na Checoslováquia. Sua apre­
sentação, porém, não teve a receptividade esperada por ele peranteos 
colegas psicanalistas. Poucos anos depois, em 1942, e tendo por base 
o trabalho apresentado na Checoslováquia, Perls publicou este livro. 
Diferentemente do trabalho original. Ego, fome e agressão recebeu 
por parte da imprensa leiga e especializada excelentes críticas e 
comentários.
Embora o marco de início da Gestalt terapia seja l(,,<l com fl 
publicação do livro Gestalt magia escrito por Perls, Hefferline e Go­
odman (traduzido e publicado no Brasil pela Summus Editorial) é em 
Ego, fome e agressão que podem ser encontradas as razões que afas­
taram Fritz Perls da psicanálise.
Na contracapa da edição da Vintage Books de 1969 lê-se:
Este livro desafia a teoria freudiana e a psicanálise a favor de um método 
terapêutico mais amplo que enfatiza uma abordagem prática e de contato 
humano na psiquiatria. Em termos leigos, através de exemplos concretos e 
casos clínicos, Perls explicita as bases da famosa Gestalt-terapia que ele de­
senvolveu. Insatisfeito com a ênfase ortodoxa colocada no inconsciente, nos
9
instintos e na função da repressão, o autor sugere que outros elementos da 
personalidade humana — o instinto de fome, a agressão biológica e a necessi­
dade de gratificação — foram subestimados.
Sem esquecer de situar este livro no contexto dos anos 40 
(e portanto levar em conta que a psicanálise à qual Fritz Perls se 
refere é bastante diferente da que conhecemos atualmente), convida­
mos o leitor a conhecer as primeiras idéias de Perls.
Em consonância com sua própria teoria, Perls transformou insa­
tisfação em criação lançando as sementes do que posteriormente viria 
a se tornar uma nova e revolucionária abordagem psicoterapêutica — 
a Gestalt-terapia.
Lilian Meyer Frazão 
Gestalt-terapeuta 
Abril/2002
10
PREFÁCIO
À EDIÇÃO BRASILEIRA
AS VÁRIAS FACES DE "EGO, FOME E AGRESSÃO"
Se quiser conhecer um povo e não puder viver com ele seu 
cotidiano, debruce-se sobre suas produções simbólicas ao longo dos 
tempos e chegará, com certeza, às suas idéias, a seus hábitos, a seu 
modus vivendi. Enfim, terá os elementos de construção de sua his­
tória; isso porque uma obra, seja uma pintura, uma música ou um 
livro, sempre é uma condensação das experiências de seu autor, mer­
gulhado nas idéias circulantes ao seu redor, tecido cultural do qual 
faz parte permanentemente como ator social: seja como criador, como 
co-autor, como defensor, seja como crítico ferrenho, como aquele 
que faz a ruptura, como o que instaura o novo, ou o que inaugura a 
antinomia do código reinante.
Engana-se aquele que supõe que o pensamento novo não foi 
gestado a partir das idéias circulantes, a partir do que se chamaria de 
velho, do já conhecido. Nenhuma produção humana, nenhuma idéia 
nasce do nada. Tudo isso para dizer da importância da tradução e da 
publicação de Ego, fome e agressão no Brasil pela Summus Editorial 
e tentar situá-la no contexto histórico-cultural do ano da graça de 
2002. Seguindo essa linha de raciocínio, o nascimento de um livro é, 
em si mesmo, a apresentação das idéias de seu autor (emergente das 
idéias de sua época), que vêm a público para serem cotejadas no 
contexto dos saberes vigentes. Assim, um livro nunca c uma obra
11
hilla
Realce
fechada e acabada porque pode ser repensado por diferentes gerações 
de leitores, todos eles agentes e representantes de suas respectivas 
épocas, podendo condená-lo, resgatá-lo, louvá-lo, transpô-lo, acres- 
centar-lhe idéias outras etc., num contínuo dinâmico de transforma­
ções. E também podem não lê-lo. O pior que se pode fazer com um 
autor não é criticar seu pensamento: é ignorá-lo.
Muitos livros envelhecem e morrem junto com seus autores. 
Outros, não. Renascem a cada nova edição e mantêm vivos seus 
autores por anos, séculos e milênios. Lembro Sócrates, Platão, Aris­
tóteles, da Grécia Clássica, cinco séculos antes de Cristo, e Dante 
Alighieri, poeta italiano do século XIII, e ainda Shakespeare, nos 
séculos XVI e XVII, cujas obras estão sempre se revigorando pela 
troca dialógica com seus leitores, fazendo-as testemunhas partici­
pantes contínuas da História.
Nesse sentido, a publicação de Ego, fome e agressão em portu­
guês é renascimento para Fritz Perls, para seu pensamento, suas in­
terrogações e propostas terapêuticas, datadas neste livro no início dos 
anos 40.
Ego, Hunger and Aggression é gestado sob a égide da Segunda 
Guerra Mundial, sendo publicado em 1942 em Durban, África do 
Sul, onde Fritz Perls se instalara para fugir dos horrores impostos aos 
judeus, como ele. Não nasce na língua-mãe de Fritz, o alemão, que, 
naquele momento, apontava para a perseguição e o horror produzidos 
pelos alemães nazistas: língua-mãe tomada madrasta. Ego, Hunger 
and Aggression nasce em inglês, idioma que acolhería as idéias de 
Perls doravante: mãe adotiva.
Em 1947, Ego, Hunger and Aggression é editado em Londres. 
Por que Londres? Provavelmente o melhor lugar para pôr em circula­
ção o pensamento de Perls, que, naquele momento, ainda mantinha 
em seu livro o subtítulo A Revision of Freud’s Theory and Method. 
Londres era, no pós-guerra, o fórum privilegiado para o pensamento 
psicanalítico, contando com a presença de analistas renomados que 
vieram a constituir o sólido movimento da Escola Britânica de Psica­
nálise. Foi nesse ambiente efervescente, em que as idéias de Freud 
não constituíam uma hegemonia, que Perls esperava divulgar seu
12
posicionamento em relação à psicanálise e apresentar a seus pares a 
novidade de seu pensamento, isto é, a proposta da Terapia de Con­
centração, exposta na Parte III de seu livro.
Na verdade, poder-se-ia pensar em Perls como mais um psicana­
lista que se desviava dos ensinamentos do mestre e propunha novos 
aportes à psicanálise, a partir de sua experiência clínica e mal-estar 
com aspectos da teoria. Lembro Otto Rank com o “trauma do nasci­
mento”, Sandor Ferenczi com a “técnica ativa”, Melanie Klein com a 
reinvenção da psicanálise com crianças e a criação de uma teoria que 
diferia de Freud em pontos fundamentais, como é a postulação da 
“posição esquizo-paranóide” e da “posição depressiva”. Entretanto, 
esses discípulos de Freud mantiveram-se dentro das fronteiras da 
■ psicanálise. Fritz Perls as ultrapassa. A exemplo de Carl Gustav Jung ̂
cujo distanciamento do pensamento freudiano resulta na criação 
da Psicologia Analítica, Fritz Perls de fato inauguraria, mais tarde, 
uma nova abordagem psicoterápica, que viria a chamar de Gestalt-te- 
rapia. Ego, Hunger and Aggression testemunha vivamente essa 
transformação.
Chega o ano de 1969. Ego, Hunger and Aggression é finalmente 
publicado nos Estados Unidos da América, país que recebeu Fritz 
no pós-guerra e foi o terreno fértil onde a Gestalt-terapia teve fran­
co desenvolvimento. jLpm ciso considerar que 18 anos antes, 
em 1951, Perls, juntamente com Paul Goodman e Ralph Heffer- 
line, publicara Gestalt Therapy, reconhecido pela comunidade 
gestáltica como sua obra mais importante, fundamental para a cons­
trução da identidade da Gestalt-terapia e para seu rompimento com a 
psicanálise. Pois bem: ainda em 1969, Gestalt Therapy é reeditado 
nos Estados Unidos (coincidência? Jogada de marketing?). Nessa 
reedição, Perls escreve uma apresentação na qual diz que a Gestalt 
terapia está alcançando a maioridade e reforça sua pertinência e a tu 
alidade como abordagem psicológica. Portanto, não causa estranhe/a 
o fato de a edição americana de Ego, Hunger inul Aggiessmn nao 
mais trazer o subtítulo A Revision oj Freud's Theory and Methad, 
que fazia parte das edições inglesa è sul africana e mantinha <> vfncu
13
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lo com a psicanálise. Aparece um novo subtítulo: The Beginning of_ 
Gestalt-Therapv.
Mas o que Perls omitiu do leitor na folha de rostro do livro (o 
subtítulo que remetia a Freud), ele reconheceu na Introdução que 
escreveu especialmente para aquela edição americana: “Para o leitor 
de hoje, Ego, fome e agressão representa a transição da psicanálise 
ortodoxa para a abordagem gestáltica”.Perls, coerentemente, assu­
mia sua origem como psicanalista, apresentava ao público uma obra 
descrevendo as transformações de seu pensamento e de sua prática 
clínica e assinava sua criação: a abordagem gestáltica. E certo que o 
conteúdo do livro em si não fora alterado, mas sem dúvida sua 
existência e compreensão fenomenológicas tornar-se-iam singular­
mente outras, na medida em que mudaram o cenário histórico-social 
e a polissemia dos saberes psicológicos na qual Ego, Hunger and 
Aggression produziría novas significações. (Perls sabia disto: remeto 
o leitor à Introdução deste volume).
Finalmente a edição brasileira! Ego, fome e agressão fala portu­
guês. Você já deve ter percebido que, neste texto, venho tentando 
mostrar que este é e não é o mesmo livro. Objetivamente, é o mesmo 
conteúdo. Subjetivamente, não. Explico: filio-me aos pensadores que 
sustentam que cada sociedade, em diferentes épocas, provê a seus 
atores sociais (sejam chamados de cidadãos, indivíduos ou sujeitos) 
lentes singulares para enxergarem o mundo e a si mesmos. Merleau- 
Ponty é radical ao afirmar a mútua constituição homem-mundo. As­
sim, essas lentes são formadas por valores éticos, saberes científicos, 
códigos de conduta, avanços tecnológicos, tradições culturais, inova­
ções artísticas, ideologias etc., além da poiesis, naturalmente. Tudo 
em contínuo processo, como diria Perls. A realidade não está imobi­
lizada, fora do sujeito. Estando em mútua constituição com ele, o 
mundo fenomenológico será o mundo dos significados humanos, sig- 
nificados que se transformalh na interação intersubjetiva e produzem 
novos sentidos para as mais variadas formas de expressão e de pro­
dução simbólica humanas.
Essa ótica que aponta para uma espécie de hermenêutica histori- 
cizada permite a afirmação paradoxal de que uma obra é e não é a
14
/<^vO ■ 1
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mesma ao longo dos tempos. Nessa direção, estou dizendo que 
quando um livro é publicado, as idéias do autor, sem perder sua 
autoria, serão irremediavelmente ressignificadas pelos leitores. E os 
leitores são, por sua vez, sujeitos singulares em constante signifi­
cação e ressignificação, imersos num mundo não de objetos, mas 
num mundo de sentidos.
Isso posto, cabe agora refletir sobre a publicação de Ego, fome e 
agressão numa época em que idéias pós-modernas atravessam os 
saberes contemporâneos. A cultura contemporânea tece a trama da 
pluralidade e da interdisciplinaridade, produzindo a experiência do 
desmoronamento dos saberes isolados e supostamente auto-sufi­
cientes. A intelligentia parece se render ante as evidências de que 
as ciências humanas só podem aproximar-se da verdade do fenô­
meno humano se admitirem que guardam em si mesmas uma espé­
cie de precariedade, de fenda, que impede a generalização absoluta 
de qualquer explicação sobre ele. A solução estatística é desprezar 
um fenômeno que foge a certo nível de significância arbitrado. É 
como se aquele fenômeno não existisse, pois ele não é estatistica­
mente significativo. Ora, penso que é justamente o fenômeno que 
incomoda, que não tènTãfnda inclusão dentro da teoria, aquele que 
exige o esforço para a sua explicação. Não vale desprezá-lo. Se 
não cabe no modelo vigente, todavia permanece lá, existindo, não 
se deixando apagar e requerendo do cientista que o considere e 
que, humildemente, se debruce sobre ele a fim de dar-lhe um lugar 
plausível nas suas teorias.
A pós modernidade diz respeito juslamenle .1 deseonstruçao dos 
saberes vigentes pelo abandono dos claustros que produzem igiiorân- 
cias arrogantes e ideologias narcfsicas a fim de que, reconligurados 
pela interface de outros saberes, pela discussão iiilerdÍM iplmai. pos 
sam vir a produzir de fato 0 novo pensamento.
Sessenta anos são passados desde a primeira edição de Ego, 
Hunger and Aggression, em 1942, até a presente edição, () fas< í 
níõ cego inicialmente despertado cedeu lugar a um olhai mais 
maduro e exigente, agora mais atento e menos permeável à intro-
.3̂
15
jeção rápida do tecnicismo não fundamentado que se disseminou 
entre os desavisados.
A publicação de Ego, fome e agressão no Brasil oferece a opor­
tunidade de ir às raízes da Gestalt-terapia. O livro é precioso para o 
empreendimento de investigações epistemológicas e para o entendi­
mento de como Perls articulou e sustentou seu arcabouço técnico e 
teórico-conceitual, baseado em sua experiência clínica.
O trabalho de tradução é levado a cabo por Georges Boris. O 
tradutor é generoso ao oferecer informações importantes sobre poe­
tas, filósofos e escritores que Perls mencionou no texto original, mas 
deixou ao leitor a tarefa de esclarecer-se por si mesmo. Georges 
Boris, em inúmeras notas do tradutor, nos poupa desse trabalho. Re­
centemente, enquanto relia a tradução com vistas a escrever este 
texto, fui me dando conta de como Ego, fome e agressão despertava 
meu interesse, produzindo numerosas idéias, fossem elas para vibrar 
com sua genialidade na explicação da nova Terapia de Concentração, 
fossem para contestar a imprecisão de Fritz no trato com certos con­
ceitos psicanalíticos. Acho improvável um gestalt-terapeuta ler Ego, 
fome e agressão sem se sentir vivamente envolvido. O livro exige a 
atenção do leitor, que, com certeza, se beneficiará dele sobretudo se 
focalizar seu olhar particularmente nas passagens em que Fritz fala 
do lugar de autor do novo, isto é, quando ele propõe o novo paradig­
ma, quando justifica e fundamenta seu approach teórico.
Este não é um livro para se aprender como teria sido a psicaná­
lise criticada por Perls. Nesse âmbito, Perls foi impreciso. No cenário 
pós-moderno de desconstrução e reconstrução de saberes, do pensa­
mento complexo, da pluralidade e interdisciplinaridade, gestalt-tera- 
peutas têm-se interessado por outros enfoques como a Psicologia 
Transpessoal, a Abordagem Centrada na Pessoa e o Psicodrama. À 
primeira vista, esse interesse não parece ser a prática deformada — já 
denunciada por I .aura Perls — do acoplamento tecnicista da Gestalt- 
terapia a alguma outra técnica. Hoje, muitos gestaltistas estão mais 
preocupados em não ser confundidos com repetidores incautos de 
técnicas. Cultivam a reflexão e o pensamento crítico. Abrem-se ao 
diálogo com outros estudiosos. Se o fazem com responsabilidade
16
poderão ser criativos e acrescentar sua marca à abordagem. Caberá à 
História julgar.
Tenho percebido em vários estudiosos da Gestalt-terapia um in­
teresse pelo pensamento psicanalítico. A bibliografia citada em 
livros de gestaltistas reconhecidos internacionalmente, como Gary 
Yontef, Lynne Jacobs, Richard Hycner, £ o casal Serge e Anne 
Ginger, inclui vários títulos psicanalíticos. O interesse pela psica­
nálise não os tornou psicanalistas. No Brasil, nos idos de 1986 ou 
1987, escutei Lilian Frazão tratar com consistência de aproximações 
possíveis entre a Gestalt-terapia e a Teoria das Relações Objetais. 
Suponho que muitos gestaltistas poderiam vir a se beneficiar em 
seu trabalho caso se interessassem também em conhecer a Psicolo­
gia do Self. Nos últimos 18 anos, tenho me beneficiado vivamente 
da perspectiva psicanalítica, da Mitologia, da Antropologia e de 
estudos sobre o imaginário e as narrativas, que me facilitam a 
escuta e a compreensão das histórias da clínica.
Uma das heranças deixadas por Perls foi nunca ficar imobilizado 
no status quo, ousar fazer o que acreditava e atrever-se a ser cria­
tivo com responsabilidade. Ego, fome e agressão é testemunha e 
produto de sua ousadia em ultrapassar modelos, de seu pensa­
mento inquieto, intuitivo e inteligente, que se propunha a resolver 
suas interrogações teórico-clínicas, experimentando, observando, 
vivenciando e pensando. Perls punha-se inteiro naquilo que fazia. 
Às vezes, dizem os que com ele conviveram, constrangedoramente 
inteiro Não cabe julgar se isso foi bom ou ruim. Importa com­
preendei que I go , Ibiiw c agressão , juntamente com Gestalt-lera 
pia, lambem publuado no Itiasi! pela Smiimus Kditorial,são a 
parte mais consistente do legado de Perls para os que, como ele, 
além de sentir, ousam pensai
Termino este texto com as palavras de Perls constantes da 
Introdução que ele escreveu paia um livro de I A Wínlei e citadas 
por M. Shepard na biografia ITitz Perls Lu Terapia Guestaltica 
mostrando o pensador sábio que, ciente da lalibilidade dos siste­
mas psicoterápicos, propõe o dialogo como alternativa a hostilidade, 
remete à escuta do outro e convida todos a respeitar a diferença
17
4
[...] no momento em que a psicanálise mesma era comumente menospreza­
da como teoria “excêntrica”, aprendi a não me assustar com zombarias. 
I Como pessoa que tentou levar contribuições à teoria psicanalítica, hoje ad­
mito, como admiti então, que a ciência da psicoterapia não é uma ciência 
fechada ou acabada. A divisão dos psicoterapeutas em “escolas” hostis 
entre si tem sido mais destrutiva para a jovem ciência da psicoterapia que a 
hostilidade inicial dos leigos; em sua batalha contra as outras, cada escola 
atuou como se tivesse todas as respostas e, em geral, ignorou os acertos de 
uma escola rival. A aplicação de epítetos se tomou um substituto do pensa­
mento independente, sangue vital de toda ciência. Os interesses da ciência 
(como os de quem acode ao científico à procura de ajuda) exigem que eu 
I seja sensível às idéias dos outros. As visões particulares, mal ou pouco 
1 acertadamente formuladas, são dignas de estudo... (Perls apud Shepard, 
j 1977, p. 63).
Maria Gercileni Campos de Araújo (Gercy)* 
Fortaleza, março de 2002
* Psicóloga, mestra o doutora cm Psicologia Clínica pela Universidade de São 
Paulo. Professora aposentada do Departamento de Psicologia da Universidade Federal 
do Ceará. Introduloia da < íestalt Terapia no Ceará (1978-1979). Integrante do primeiro 
grupo nacional de gestall terapeutas. Iispecialista em Fundamentos Filosóficos da Psi­
cologia e da Psicanálise pela Universidade de Campinas-sp.
18
Ç f
&
(5-»
SOBRE FRITZ PERLS E 
'EGO, FOME E AGRESSÃO'
Meu primeiro contato com Ego, fome e agressão ocorreu 
durante minha formação em Gestalt-terapia, no início dos anos 80, 
por intermédio de uma grande e sábia amiga, Gercy Campos, 
com quem aprendi a essência de muito do que aplico até hoje 
em minha prática fenomenológico-existencial. Ela me forne­
ceu a edição em espanhol do livro, o que me despertou grande 
interesse de buscar entender as origens da abordagem gestáltica. 
Posteriormente, consegui acesso à edição norte-americana, que me 
suscitou a idéia de traduzi-la para o português — seria meu trabalho 
de final de curso — já que a obra não existia em nossa língua. Isso 
favorecia o conhecimento de muitos que não dominam o inglês 
e o espanhol. Essa empreitada começou nessa época e é fruto de 
minhas preocupações com a consciência teórico-epistemológica da 
Gestalt-terapia.
A publicação de Ego, fome e agressão no Brasil, além de mar­
car o centenário de nascimento de Frederick (Fritz) S. Perls (1893- 
1993), fundamenta-se nas circunstâncias históricas e nas influências 
teóricas que levaram o criador da Gestalt-terapia à elaboração de sua 
primeira obra.
I im 1920, aos 27 anos, Fritz graduou-se em medicina, interessandt» 
se por neuropsiquiatria. Nessa época, se identifica com o movimento 
da contracultura, integra-se à classe boêmia de Berlim e ao grupo 
“Bauhaus”, de artistas e políticos dissidentes. Nesse meio, tem seu pri­
meiro contato com a filosofia, por meio de Sigmund Priedlaender,
19
autor de Creative indifference, que muito o influenciou. Em sua 
autobiografia (In and Out the Garbage Pail’), Perls assim se refere a 
Friedlaender:
“Meu primeiro encontro filosófico com o nada foi o nada em 
forma de zero. Descobri-o sob o nome de indiferença criativa, 
por meio de Sigmund Friedlaender.
Reconheço três gurus na minha vida. O primeiro foi S. Fried­
laender, que se autodenominava neokantiano. Com ele aprendi o 
significado do equilíbrio, do centro-zero1 2 dos opostos. O segundo é 
Selig, nosso escultor e arquiteto do Instituto Esalen.
1 Meu último guru foi Mitzie, uma linda gata branca. Ela me 
ensinou a sabedoria do animal”, (p. 71)
“Seu trabalho filosófico Creative indifference [Indiferença 
Criativa] teve tremendo impacto sobre mim. Como personalidade, 
ele foi o primeiro homem em cuja presença me senti humilde, 
cheio de veneração. Não havia lugar para a minha arrogância 
crônica”, (p. 95)
“... Friedlaender trouxe um modo simples de orientação pri­
mária. Qualquer coisa se diferencia em opostos. Se somos captu­
rados por uma dessas forcas opostas, estamos numa cilada, ou 
pelo menos, desequilibrados. Se ficamos no nada do centro-zero^ 
estamos equilibrados e temos perspectiva.
Mais tarde percebi que este é o equivalente ocidental do 
ensinamento de Lao-Tse”. (p. 96)
Em 1926, aos 33 anos, Fritz é analisado por Karen Horney_e se 
transfere para Frankfurt, por mgestão da psicanalista, para continuar 
sua formação psicanalítica. Ali trabalha com Kurt Goldstein, no Ins­
tituto de Soldados Portadores de Fesões Cerebrais, sob a visão da 
psicologia da gestalt, vindo a compreender que a interferência em
1. Publicadn no Brasil pola Summus Editorial, sob o título de Escarafun- 
chando Fritz'. dentro e fora <la lata do lixo.
2. O termo consagrado é "ponto-zero”. Mantivemos, porém, a tradução ori­
ginal, uma vez que se traia de uma citação literal. (N. do E.)
20
um elemento não afeta apenas este elemento isoladamente, mas a 
totalidade, sentindo-se atraído pelos existencialistas (Buber, Tillich e 
outros). Num seminário de Goldstein, conhece Lore (Laura) Posner, 
com quem se casaria, em 1929,
Podemos perceber a ligação de Fritz Perls com a psicanálise, ao 
lado de influências outras, como a psicologia da gestalt, a teoria 
organísmica e o existencialismo. Sua formação psicanalítica prosse­
gue até 1932, entre Frankfurt, Viena e Berlim. Em 1928, é analisado 
por Reich, de quem assimila os ensinamentos sobre a “couraça carac- 
tcrológica”. Desde a ascensão de Hitler, em 1931, Fritz vinha traba­
lhando nos movimentos de resistência ao nazismo. Em abril deJÜ93Á 
é obrigado a fugir para a Holanda, onde encontra o psicanalista Karl 
I .andauer, continuando sua capacitação. Por indicação do biógrafo de 
Freud, Ernest Jones, muda-se para a África do Sul, onde funda o 
"Instituto Sul-Africano de Psicanálise”, em 1935.
Em 1936, acontece o “Congresso Internacional de Psicanáli­
se”, na Tchecolosváquia. A expectativa de Fritz é grande e busca 
contribuir com a teoria psicanalítica proferindo uma palestra sobre 
“resistências orais”. A frustração também é grande: a palestra é 
severamente criticada, pois todas as resistências eram consideradas 
anais; o contato com Freud é breve e frio, e Reich mostra-se esquivo 
e mal-humorado, tendo dificuldade de reconhecê-lo. As repercus­
sões sobre Perls são inegáveis: é a partir dessa época que Fritz se 
afasta, cada vez mais, da psicanálise. Apesar de já ter iniciado um 
movimento de flexibilização de seu estilo psicoterápico, tornando- 
o mais cxperiencial e aberto (devido também à distância e ao iso- 
lamcntq cultural vivido na África do Sul), Perls jamais se libertou 
de sua ambiguidade (admiração/ressentimento) para com Freud e a 
psicanálise.
Assim, Fritz amplia o trabalho do “Congresso”, inclui elementos 
úteis de sua prática com Reich e do pensamento existencial e, em 
1940, conclui o manuscrito de Ego, hunger and aggression que, 
originalmente, tinha como subtítulo A revision o f Freud's theory 
and method (suprimido na edição norte-americana, de 1969), o que./, 
demonstra que, apesar da posição revisionista. Perls ainda se manti I 
nha inserto na perspectiva psicanalítica. O livro c publicado em 1942j 
em Durban (África do Sul); em 1947, na Inglaterra; e em 1969, nos
EUA, quando esse subtítulo é retirado. A vinculação de Fritz à psica­
nálise, entretanto, durou pelo menos 15 anos, desde os anos 20.
Ao se transferir para os EUA, em 1946, e, particularmente nos 
anos 60, Fritz se preocupou principalmenteem divulgar a Gestalt- 
terapia. Com a sua morte, em 1970, a tarefa de retomar a funda­
mentação teórica e epistemológica de sua criação passou a ser de 
seus seguidores. A publicação de Ego, fome e agressão em portu­
guês é, agora, mais um um passo decisivo no crescente papel que 
os gestalt-terapeutas brasileiros vêm desempenhando no desenvol­
vimento dessa fundamentação.
* * *
Ego, fome e agressão divide-se em três partes. Na Parte I, 
“Holismo e psicanálise”, em 13 capítulos, Perls adota um enfoque 
holístico-semântico. Critica a psicanálise por suifenfasena impor- 
tância do inconsciente e do instinto sexual, do passado e da causa­
lidade, das associações, da transferência e das repressões, bem 
como por subestimar ou depreciar as funções do ego e do instinto 
de fome (que seria mais básico do que o sexual), do presente e da 
intencionalidade, da concentração, das reações espontâneas e da 
retroflexão (questões posteriormente enfatizadas pela Gestalt-tera- 
pia). Portanto, Fritz evita a utilização de termos psicanalíticos que 
considera dúbios, como “libido” e “instinto de morte”. É nesta 
Parte I que Perls discute os pontos de ligação e de diferenciação 
entre a psicanálise e a futura Gestalt-terapia.
No Capítulo I, “Pensamento diferencial”, Fritz descreve seu con­
tato com as obras de Freud e com a filosofia da “indiferença criativa”, 
de S. Friedlaender. Quanto a esta última, afirma em sua autobiografia 
(ver nota de rodapé anterior): “para mim a orientação da indiferença 
criativa é lúcida. Não tenho nada a acrescentar ao primeiro capítulo 
de Ego, Hunger and Aggression”. Destaca a afirmação de Freud de 
que o homem criou a filosofia, a cultura e a religião e a necessidade 
de uma análise de nossa existência a partir do homem e não de 
agentes externos: as descobertas de Freud confirmaram o postulado 
da ciência atual acerca da interdependência de observador e fatos
22
observados, e Freud criou o primeiro sistema de uma psicologia ge­
nuinamente estrutural. Entretanto, Fritz acredita que a psicanálise 
apresenta algumas incompletudes e defeitos3: o tratamento isolacionista 
dos fatos psíquicos do organismo; o emprego da psicologia linear de 
associação; e o descuido do fenômeno da diferenciação. Assim, nesta 
revisão da psicanálise, Fritz pretende substituir o conceito psicológico 
por um conceito organísmico e a psicologia da associação pela psico­
logia da gestalt. Afirma que o pensamento diferencial, baseado na 
“indiferença criativa”, de S. Friedlaender, apresenta semelhanças com a 
teoria dialética, sem suas implicações metafísicas, distinguindo a dia­
lética como conceito filosófico das regras úteis aplicadas pela filoso­
fia de Flegel e Marx. Fritz refere-se ao trabalho de Kurt Goldstein, 
que demonstrou a regressão da personalidade em soldados com le­
sões cerebrais. Perls afirma a diferença do pensamento diferencial em 
relação à lei de causa e efeito, considerando que a maior parte das 
pessoas aceita como respostas satisfatórias a seus “porquês” o uso de 
racionalização, justificativa, concordância, desculpas, identidade e 
objetivos, propondo a descrição — perguntar “como” — como mé­
todo fenomenológico, mais adequado à sua resolução. Este impor­
tante capítulo é encerrado com a afirmação de que a ciência tem 
' demonstrado a existência de processos unificadores (í) e desunifica- 
dores (A), que atuam simultaneamente, sendo freqüentemente difícil 
isolar os opostos. Fritz exemplifica a distribuição das duas funções 
opostas nas relações humanas.
Nos quatro capítulos seguintes (Capítulo II, “Abordagem psicoló­
gica”; Capítulo m, “O organismo e seu equilíbrio”, Capítulo IV, “Rea­
lidade"; e Capítulo v, “A resposta do organismo”) Fritz aplica a 
perspectiva holístico-semântica (ou pensamento diferencial) à com­
preensão do funcionamento psicológico do organismo, criticando as 
perspectivas isolacionista-mecanicista e paralelista psicofísica, e enfati­
za a perspectiva holística (ou teoria do duplo aspecto) para explicar a
3. Thérèse A. Tellegen, em Gestalt e Grupos: uma perspectiva sistêmica. 
publicado pela Summus Iklitorial, lembra que a leitura de Freud por parle de 
Feris data de uma época em que o coadoi da psicanálise eslava reíormulando 
seu pensamento.
23
totalidade corpo-alma-mente, de forma muito próxima à do mate- 
rialismo dialético. Discute a percepção da realidade a partir de neces­
sidades organísmicas, que geram interesses específicos (realidade 
subjetiva), tratando do fenômeno figura-fundo e da relação entre 
nossos interesses e nossas respostas (contato, seletividade e evita- 
ção), do ciclo de interdependência de organismo e ambiente, da auto- 
regulação organísmica e de suas perturbações e outras formas de 
ajustamento.
Nos Capítulos VI (“Defesa”), v i l (“Bom e mau”), VIII (“Neu­
rose”) e IX (“Reorganização organísmica”), Perls diferencia agres­
são e aniquilação, discutindo as várias formas de defesa (evitação). 
Analisa o comportamento moral humano, destacando a importân­
cia da frustração temporária em nossa educação; trata dos meios 
de evitação do neurótico, classificando-os em modos de subtração, 
adição, ou mudanças e distorções. Baseado na perspectiva holísti- 
co-semântica, sugere modificações na técnica e no pensamento 
psicanalíticos, incluindo questões acerca do psiquismo e do corpo, 
por meio da análise e da síntese dialéticas, particularmente no que 
se refere à ansiedade.
Os quatro últimos capítulos desta Parte I, os Capítulos X 
(“Psicanálise clássica”), XI (“Tempo”), XII (“Passado e futuro”) e 
XIII (“Passado e presente”), são dedicados ao desenvolvimento de 
críticas sistemáticas à psicanálise, e Fritz destaca a importância da 
inclusão da análise do instinto de fome e das funções egóicas. 
Esclarece as relações entre passado, presente e futuro e justifica 
sua famosa ênfase ao aqui-e-agora.
. Na Parte II, “Metabolismo mental”, Fritz esboça uma teoria_d&__ 
personalidade a partir da psicanálise, da psicologia da gestalt.. da
Teoria organísmica de Kurt Goldstein, da perspectiva holística de__̂ 
Smuts e de outras influências. Discute a assimilação mental como 
correlato da assimilação alimentar e analisa psicopatologicamente o 
caráter paranóide (13 capítulos).
No Capítulo I (“Instinto de fome”), Fritz esboça uma teoria do 
desenvolvimento alimentar e dental como correlato do desenvolvi­
mento mental, por meio de seus estágios correspondentes: pré-natal, 
pré-dental (amamentação), incisivo (mordida dependente) e molar
24
(mordida e mastigação). Aqui, já anuncia os distúrbios de contato que 
podem ocorrer nestas fases.
O Capítulo li, “Resistências”, é, provavelmente, desenvolvido do 
trabalho apresentado em 1936, no Congresso Internacional de Psica­
nálise. Assim, Perls disserta sobre as resistências, particularmente 
sobre as orais, e, em especial, acerca do nojo e da sua repressão como 
uma resistência à resistência. Discute várias formas de parasitismo, 
tratando da agressão como uma função da instinto de fome.
Nos Capítulos III (“Retroflexão e civilização”), IV (“Alimento 
mental”) e v (“Introjeção”), Perls discute o papel fundamental da 
retroflexão no desenvolvimento de nossa civilização judaico-cristã, 
as conseqüências das perturbações da assimilação mental e as varia­
ções peculiares ao modo original de contato, a introjeção, e suas 
repercussões psicopatológicas.
Nos três capítulos seguintes, Capítulos VI (“O complexo de 
fantoche”), VII (“O ego como uma função do organismo”) e VIII 
(“A cisão da personalidade”), Fritz propõe e discute um tipo de 
resistência oral, baseado numa confluência do bebê que mantém o 
indivíduo numa atitude infantil, dependente e dissimulada, tratan­
do também de noções básicas para a Gestalt-terapia, como os pro­
cessos de identificação e alienação, a concepção de fronteira e os 
distúrbios de contato na confluência e na retroflexão.
Os cinco últimos capítulos da Parte II são relacionados entre si: 
no Capítulo IX (“Resistências sensomotoras”), Perls critica a perspec­
tivapsicanalítica acerca das resistências, fazendo considerações e 
propostas quanto ao trabalho com o embaraço, a vergonha, o nojo, a 
escotomização, a hiperestesia, a dessensitivação etc., sugerindo a des­
crição fenomenológica como método básico para a sua resolução. No 
Capítulo X (“Projeção”), confronta as polaridades opostas do caráter 
paranóide, projeção e expressão, discutindo não apenas os casos de 
projeções sobre o meio, mas também as dirigidas para partes da 
personalidade, como a culpa, por exemplo. Propõe a existência de 
um fenômeno patológico do caráter paranóico, que consistiría, na 
verdade, um pseudometabolismo, composto de confluências, introje- 
ções e projeções (Capítulo XI, “O pseudometabolismo do caráter 
paranóico”). Continuando neste tema, Fritz discute a ocorrência de 
um círculo vicioso,.de. introjeção projeção, agravado nas neuroses
25
obsessivas {Capítulo XII, “Complexo de megalomania-rejeição”). 
Finalmente, no último capítulo desta Parte II (Capítulo XIII, “Resis­
tências emocionais”), Perls classifica as emoções em auto e alo- 
plásticas, completas e incompletas, unificadoras e desunificadoras, 
positivas e negativas, aprofundando-se sobre a resistência às emo­
ções, principalmente o ressentimento e os chamados “traidores do 
organismo”: a vergonha, o embaraço, o nojo, a autoconsciência de si 
mesmo ou timidez, e o medo.
A Parte III tem a denominação original da Gestalt-terapia, “Tera­
pia de concentração’̂ e abrange as propostas técnicas de Fritz, basea­
das na substituição do método psicanalítico de associações livres por 
aquele que considera como o antídoto para a evitação: a concentração 
(16 capítulos). O Capítulo I, “A técnica”, discute a evolução da técni­
ca de concentração, a partir da psicanálise, definindo como meta a 
recuperação da “awareness”. O Capítulo II (“Concentração e neuras- 
tenia”) define concentração e faz sugestões de aplicação técnica à 
neurastenia. O Capítulo III (“Concentração no ato de comer”) trata 
dos hábitos alimentares; o Capítulo IV (“Visualização”) discute per­
cepção visual, imagens, devaneios e fantasias. O Capítulo v (“Senso 
de realidade”) trata da evitação do “estar plenamente presente”, 
enquanto o Capítulo VI (“Silêncio interior”) analisa a linguagem, a 
“intuição” e a “escuta” interior. No Capítulo VII (“Primeira pessoa do 
singular”), Perls discorre sobre a “despersonalização” e seu antídoto, 
a identificação. O Capítulo VIII (“Desfazendo retroflexões”) é dedica­
do à comparação da retroflexão com outras inibições (repressão, in- 
trojeção e projeção) e à discussão sobre seu antídoto, a agressão 
focalizada. O Capítulo IX (“Concentração corporal”) propõe exercí­
cios para vários sintomas e distúrbios somáticos, enquanto o Capítulo 
X (“A assimilação de projeções”) trata da projeção nas neuroses e nos 
sonhos, e de seus antídotos (“awareness”, identificação e assimila­
ção). O Capítulo XI (“Desfazendo uma negação [constipação]”) des­
vela os mecanismos negativos da “prisão de ventre”, e o Capítulo XII 
(“consciência constrangida de si mesmo”) diferencia timidez e “awa­
reness”. No Capítulo XIII, “O significado da insônia”, Fritz analisa a 
dificuldade de adormecer como “um sintoma de uma política de saú­
de de longo alcance do organismo a serviço do holismo” (p. 258); o 
tartamudeio)é discutido como uma interrupção ou auto-expressão
20
inadequada, noíCapítuIo XIV, “Gagueira”,\No Capítulo XV, “O estado 
de ansiedade”, Perls propõe a concentração na caixa torácica para a 
resolução deste problema. Finalmente, no Capítulo XVI (“Dr. Jekill e 
Mr. Hyde”), o criador da Gestalt-terapia fecha Ego, fome e agressão 
com o tema da concentração e do “ganho final” dos exercícios pro­
postos: o resgate do fluxo natural da formação figura-fundo.
A importância de Ego, fome e agressão vai além da obra em si. 
Representa, ao mesmo tempo, o ponto de ligação e de identificação 
entre psicanálise e “terapia de concentração”, a futura Gestalt-terapia. 
Até meados dos anos 40, Fritz Perls ainda se incluía no escopo teóri­
co da psicanálise. Portanto, Ego, fome e agressão constitui a fronteira 
de contato entre estes dois referenciais.
A noção de “fronteira de contato” significa um limite, uma sepa­
ração entre o antigo e o novo mas também é um espaço de contato e 
de diálogo. Para muitos de nós, gestaltistas, a psicanálise é ainda e 
apenas uma perspectiva a ser criticada e rejeitada; agimos, muitas 
vezes, emocionalmente ressentidos, como o próprio Fritz o fez, como se 
a psicanálise não tivesse nada a nos oferecer. Creio ter chegado o mo­
mento de rever nossas posições. O conhecimento científico não é único 
e acabado, e é um idealismo inútil pretender que qualquer filosofia, 
psicologia, ciência ou produção humana dê conta de toda uma reali­
dade. Este é um dado que j equer humildade científica e humana.
Meu intuito, ao apresentar e traduzir Ego, fome e agressão, 
não se deveu apenas à pretensão de destacar as considerações de­
senvolvidas pelo criador da Gestalt-terapia, mas ao reconhecimento 
da necessidade do resgate histórico e epistemológico, bem como 
de uma abertura de perspectivas de desenvolvimento para suas 
propostas. Nesse sentido, não deixa de ser significativo que as 
obras de Perls mais consistentes teoricamente, Ego, fome e agres­
são e “Gestalt-terapia” tenham sido as últimas a serem publicadas 
em português.
Acredito que o resgate de Ego, fome e agressão venha a con­
tribuir, e muito, com a retomada de um diálogo entre nós, com 
nossas origens e com novas possibilidades a construir. Fritz. Perls,
27
com Ego, fome e agressão abriu muitas trilhas: algumas ele desen­
volveu por meio de livros e de práticas posteriores; outras apenas 
esboçou o caminho, sem percorrê-lo; outras mais foram abandonadas 
ou rejeitadas ao longo do percurso; finalmente, algumas trilhas não 
foram mesmo tocadas. Este é um trabalho que, hoje, compete a nós: 
retomar, rever, modificar, acrescentar, criar e desenvolver as trilhas 
do criador da Gestalt-terapia. Boa leitura e bom trabalho a nós!
Georges D. J. Bloc Boris* 
Fortaleza, jul./ago. de 1993 
(revisto em março de 2002)
* Psicólogo pela Universidade Federal do Ceará, psicoterapeuta fenome- 
nológico-existencial e supervisor em Gestalt-terapia. Mestre em Educação (1992) 
e doutor em Sociologia (2000) pela Universidade Federal do Ceará; e-mail: 
geoboris@uol.com.br.
2K
mailto:geoboris@uol.com.br
PREFÁCIO À EDIÇÃO DO 
TH E GESTALT JOURNAL" - 1 992
As sementes dos fundamentos teóricos da Gestalt-terapia são 
encontradas em Ego, fome e agressão, escrito dez anos depois 
de a teoria ter sido plenamente articulada por Perls, Hefferline e 
Goodman em Gestalt-terapia (que, no original, traz o subtítulo 
Excitação e crescimento na personalidade humana). Trata-se de uma 
leitura essencial para qualquer estudioso sério da Gestalt-terapia. 
Frederick Perls começou a trabalhar no manuscrito de Ego, fome e 
agressão após mudar-se para a Cidade do Cabo, na África do Sul, 
em 1934. Suas notas pessoais para uma parte não publicada da 
introdução para a edição de 1969 da Random House revelam que o 
projeto servia a dois propósitos: um era expressar suas “revisões” da 
teoria psicanalítica de Freud. O outro era desenvolver suas habili­
dades em inglês, língua que ele começou a aprender somente após 
deixar a Alemanha, sua terra natal.
O manuscrito foi completado em 1941 e a Knox Publishing 
Company em Durban, África do Sul, concordou em publicá-lo. Jan 
Smuts, então primeiro-ministro da África do Sul e autor de Holism 
[Holismo], um livro que causou significativa impressão em Perls, 
aceitou escrever a introdução. Perls e Smuts haviam-se tornado ami­
gos depois que Perls, com sua esposa Lore, estabeleceu um instituto 
de treinamento em psicanálise na Cidade do Cabo. Contudo, a Segun­
da Guerra Mundial chegou ao continente africano e Smuts, envolvido 
com suas obrigações de primeiro ministro, jamais conseguiu escrever 
a introdução originalmente planejada.
29
A primeira edição surgiu em1942. Não tinha prefácio, introdu­
ção nem dedicatória. O livro começava com um capítulo chamado 
“Intenção”. Ao ser publicado, Ego, fome e agressão (com seu subtí­
tulo original: Uma revisão da teoria e do método de Freud), recebeu 
excelentes críticas na imprensa sul-africana. Na coluna “Medicus”, 
do Star and Cape Argus, a chamada era: “A psicanálise do senso 
comum” e o artigo dizia: “[...] grande prazer em fazer a resenha... 
Posso recomendar o livro não só a médicos e estudantes, mas tam­
bém ao público geral... O grande valor do livro consiste na sua revi­
são da psicanálise... Isto é psicanálise sadia... há algumas poucas 
coisas para se discordar, mas muito mais para elogiar”.
No Natal Daily News a chamada era: “Livro da semana. O siste­
ma de Freud desafiado”. O crítico achou o livro “renovador”, um 
“tratado abrangente” e “não técnico demais”.
No Sunday Times, o título era: “Hitler psicanalisado”. A crítica 
dizia: “Em um livro absorvente... o capitão Perls discute a psicologia 
do ditador alemão... Este livro, escrito por um psicólogo praticante, 
abre novos caminhos”.
O Daily Mail dizia: “Fatores negligenciados por Freud... Não há 
nada no livro que esteja além do alcance da inteligência do leigo 
comum e são dados alguns conselhos bastante práticos... Você achará 
o dr. Perls estimulante”.
O South African Opinion escolheu Ego, fome e agressão como 
“Livro do Mês”, afirmando: “[...] Sob muitos aspectos um livro inco- 
mum... deve ser-lhe concedida uma posição elevada na literatura psi­
cológica... um homem de inteligência extraordinária... talentos 
mentais inquestionáveis nas suas conclusões sagazes e práticas... em 
mais de uma ocasião surpreendentes pela sua audácia... o capítulo 
‘Bom e mau’ é uma pequena obra-prima”.
A manchete do Jewish Herald anunciava: “Médico abre novo 
caminho na Psicanálise”. A resenha de C. D. Keet dizia: “[...] uma 
revisão de longo alcance da teoria fundamental apresentada por 
Freud... um novo conceito de neurose... medidas práticas pelas quais 
a pessoa comum pode incrementar grandemente a atividade e a força 
de seu ego executando alguns exercícios físicos relativamente sim­
ples... Tais exercícios são a abordagem mais próxima de um método 
prático de auto-ajuda psicoterapêutica que até hoje apareceu”.
Ao mesmo tempo que o livro era publicado, Perls alistou-se no 
exército sul-africano, no qual serviu como capitão no corpo médico 
até o fimda guerra na Europa, em 1945.
Estimulada pelas vendas significativas pura uma pequena editora 
sul-africana em tempo de guerra, a Knox Publishing Company de­
cidiu publicar uma nova edição, pedindo a Perls que redigisse um 
prefácio. Além de escrevc-lo, Perls dedicou a nova edição à memória 
de Max Wertheimer, que falecera em 1943. A segunda edição veio à 
luz em 1945.
Depois da guerra, Perls e sua família imigraram para os Esta­
dos Unidos. Em 1947, George Allen and Unwin Ltd., uma editora 
em Londres, lançou ainda outra edição. Não está claro como 
George Allen and Unwin adquiriram o livro: se Perls os procurou, 
se foi procurado por eles, ou se a Knox serviu como intermediária. 
Não houve mudanças entre a edição da Knox de 1945 e a britânica 
de 1947, embora a datilografia e a tipologia tivessem sido comple- 
tumente refeitas.
Dezenove anos depois, em 1966, a Orbit Graphics Arts, uma 
companhia sediada em São Francisco, publicou uma edição norte- 
americana. A tecnologia de impressão já consistia na época em foto- 
ojfset, um processo pelo qual se podia fazer uma chapa impressora 
fotografando uma página impressa, tomando desnecessário o uso de 
li lios metálicos e, dessa forma, reduzindo drasticamente os custos 
envolvidos na produção de um livro. Gerada utilizando essa tecnolo­
gia, relativamente nova na época, uma reprodução da edição de 1947 
foi publicada pela Orbit Graphics Arts.
No final da década de 1960, com a Gestalt-terapia atraindo um 
público cada vez maior, Perls assinou contrato com a Random House 
para mais uma edição de Ego, fome e agressão. Esta editora utilizou 
novamente foto-offset para produzir o livro, fotografando a edição de 
1947. No entanto, trocaram o subtítulo original - Uma revisão da 
teoria e do método de Freud - par a Os primórdios da Gestalt-terapia, 
sem dúvida para estabelecer uma conexão entre o livro e a populari­
dade da Gestalt-terapia na mente dos compradores em potencial. 
Além disso, pediram a Perls que escrevesse uma nova introdução 
traçando o elo entre o livro e a Gestalt-terapia dos anos 60. O prefá­
cio original da edição de 1945 foi retirado, bem como uma breve
31
seção introdutória intitulada “Prescrição”. A dedicatória a Max Wer- 
theimer permaneceu. A Random House manteve a edição capadura 
vários anos, e depois mudou o livro para uma edição brochura sob o 
selo Vintage. As páginas de tefxto eram idênticas às da edição capa­
dura. A edição esgotou-se em 1990.
Esta, portanto, é a edição definitiva de Ego, fome e agressão. Ela 
inclui, na seguinte ordem, o prefácio da edição de 1945 da Knox 
Publishing Company, a introdução da edição de 1969 da Random 
House, bem como a “Intenção” e a “Prescrição” da primeira edição. 
Para referência, confrontamos esta edição com a original de 1942 e 
com a de 1945. Embora houvesse algumas diferenças entre ambas, 
para nós ficou claro que eram apenas correções de erros tipográficos, 
sem modificações substanciais.
Tem havido considerável discussão acerca da dedicatória origi­
nal de Ego, fome e agressão. Muitos argumentam, alguns em teses 
acadêmicas, que o livro era originalmente dedicado à esposa e asso­
ciada profissional de Perls, Lore (mais tarde “Laura”) Perls, sendo 
essa dedicatória posteriormente mudada. Em nenhum momento o 
livro foi dedicado a Lore Perls. Como o leitor poderá notar, a única 
dedicatória foi para Max Wertheimer. Perls deu crédito a Lore Perls 
na introdução da edição de 1945 (também incluída na de 1966, da 
) Orbit Graphics Arts). Foi por insistência da Random House que essa 
dedicatória foi retirada da edição de 1969 e substituída por outra, 
I relacionando o livro com a Gestalt-terapia.
Tomamos a liberdade de fazer diversas mudanças de estilo no 
texto. No original, “psychoanalysis” (psicanálise) aparecia como 
“psycho-analysis” (psico-análise). Retiramos o hífen. Além disso, 
optamos por trocar a grafia britânica pela norte-americana (como 
“colour” para “color”) e substituímos nomes britânicos por ameri­
canos (por exemplo, trocamos “lift” por “elevator” e “tram” por 
“trolley”).
Reintroduzimos o subtítulo original, Uma revisão da teoria e do 
método de Freud. A capa desta edição americana é uma reprodução 
exata da sobrecapa da edição de 1947 da George Allen and Unwin 
Ltd. Todas as ilustrações foram fotografadas diretamente da edição 
de 1947.
32
Tenho uma dívida para com Molly Rawlc por sua substancial 
contribuição no preparo desta edição de Ego, fome e agressão. Muitas 
idéias que deram o formato definitivo do projeto originaram-se dela. 
Também desejo reconhecer a valiosa colaboração dc Milt Silver, que 
serviu como editor de texto do projeto. Seu “olho” para as nuanças 
entre o inglês britânico e o americano foi notável.
Se houve algum erro na “modernização” e na “americanização” 
de Ego, fome e agressão, eu sou o responsável.
Joe Wysong, Editor 
Highland, Nova York 
Outono, 1992
33
PREFÁCIO À EDIÇÃO DE 1 969 DA 
RANDOM HOUSE
Para o leitor de hoje, Ego, fome e agressão representa a transição 
da psicanálise ortodoxa para a abordagem gestáltica. Contém muitas 
idéias que, mesmo agora — após 20 anos — não encontraram seu 
caminho na psiquiatria moderna.
Os conceitos de realidade aqui-e-agora, de organismo-como- 
um-todo e da dominância da necessidade mais urgente estão sendo 
aceitos. Contudo, o significado da agressão como força biológica, 
a relação entre agressão e assimilação, a natureza simbólica do 
ego, a atitude fóbica na neurose, a unidade organismo-meio estão 
longe de ser compreendidos.
Na última década, a teoria da “awareness”1 tem sido amplamenteaceita e é praticada sob os nomes de treinamento de sensibilidade e 
grupos-T. O significado da expressão não-verbal espontânea (como 
movimentos das mãos e dos olhos, postura, voz etc.) tem sido reco­
nhecido. No contexto terapêutico, a ênfase começa a se deslocar da 
situação fóbica (chamada objetiva) do divã para o encontro de um 
terapeuta humano com, não um caso, mas outro ser humano.
Estes são bons inícios, mas há ainda muito a fazer. A probabili­
dade de que a terapia individual e de longa duração possam, ambas, 
ser obsoletas ainda não se revelou para a vasta maioria de terapeutas e
1. Este termo não possui um equivalente adequado em português, tendo um 
sentido mais amplo do que “estar consciente de”; portanto, mantemos a expressão 
em inglês, que se refere a um processo que abrange o organismo como um todo. 
(N. do T.)
35
pacientes. Na verdade, grupos e workshops encontram crescente acei­
tação, mais por sua exeqüibilidade econômica do que por sua eficá­
cia. Contudo, a sessão individual deveria ser a exceção mais do que a 
regra. Talvez isto soe tão herético quanto a proposição que fiz algum 
tempo atrás: lidar com o comportamento fora do aqui-e-agora é uma 
perda de tempo.
Grandes avanços têm sido feitos desde as descobertas monumentais 
de Freud. Para mencionar alguns importantes: a ênfase de Sullivan na 
auto-estima; o conceito de jogo de Beme; o feedback de Rogers2; e, 
especialmente, Reich trazendo à tona a psicologia das resistências. O 
desenvolvimento do sintoma, para o caráter e a terapia existencial, até o 
surgimento da psicologia humanista é muito promissor.
Após escrever o manuscrito para Gestalt therapy, desenvolvi 
muitas idéias novas. Mais importante, eu finalmente consegui superar 
o impasse, o ponto de status quo no qual a terapia comum parece 
ficar presa. Sem perspectiva adequada, um terapeuta está perdido 
desde o início. O uso da melhor técnica ou do conceito mais enge­
nhoso não impedirá o paciente de compensar os esforços do terapeuta. 
Isso congela a terapia e impede a verdadeira maturação.
Ego, fome e agressão facilitará a aquisição desta perspectiva. 
Como ela está baseada em polaridades e em focalização, o primeiro 
capítulo, embora de leitura difícil, é importante. Quanto ao restante, 
muito de seu material histórico está agora obsoleto, mas o significado 
da agressão deslocada é tão válido hoje quanto era quando escrevi 
este livro. Um retomo do poder de agressão da destruição de cidades 
e povos para a assimilação e o crescimento... uma consumação a ser 
sinceramente desejada... Extremamente improvável.
Frederick S. Per Is 
1969
2. Roger, no original. (N. do T.)
PREFÁCIO À EDIÇÃO DE 1 945 DAj
KNOX PUBLISHING COMPANY
Este livro possui muitas falhas e insuficiências. Tenho plena 
consciência disso. Portanto, advirto ao leitor que espere encontrá-las, 
embora não possa desculpar-me pela presença delas.
Se eu pudesse, lería escrito um livro melhor se eu já estivesse 
falando inglês por mais de uma década, tanto meu vocabulário 
quanto minhas formas de expressão teriam sido mais adequados. Um 
QI mais alto ter-me-ia possibilitado visualizar estruturas mais funda­
mentais e descobrir mais contradições em outras teorias, bem como 
na minha própria. Se eu tivesse tido de cinqüenta a cem anos mais de 
experiência, teria abarrotado o leitor com histórias de casos. E se eu 
possuísse uma memória melhor, e se não houvesse uma guerra, se...
Atualmente existem muitas “psicologias”, e cada escola, ao 
menos em parte, tem razão. Mas, ai de nós!, cada escola também se 
jtthrrrdõhã da razão. O professor de psicologia tolerante, na maioria 
"cTõífcasoCtira as diferentes abordagens de seus respectivos casulos, 
discute-as, mostra sua preferência por uma ou duas delas, mas como 
faz pouco para integrá-las!
Tenho procurado demonstrar que algo dessa natureza pode sim 
ser feito, construindo pontes sobre os espaços vazios; e minha espe­
rança é ser capaz de estimular centenas de outros psicólogos, psica­
nalistas, psiquiatras etc. a fazer o mesmo.
Ao escrever este livro recebi muita ajuda, estímulos e encoraja­
mento de livros, amigos e professores; mas, sobretudo, de minha 
esposa, a dra. Lore Perls. Nossas discussões acerca dos problemas
37
abordados neste livro esclareceram muitos assuntos; e ela fez contri­
buições valiosas ao trabalho, como a descrição da atitude do dummy.
Ao professor K. Goldstein devõ meu primeiro "contato com a 
psicologia da gestalt. Infelizmente, em 1926, quando trabalhava sob 
sua orientação no Instituto Neurológico de Frankfurt, eu ainda estava 
preocupado demais com a abordagem psicanalítica ortodoxa para as­
similar mais do que uma fração do que me era oferecido.
Foi Wilhelm Reich quem pela primeira vez chamou minha aten­
ção para um aspecto importantíssimo da medicina psicossomática — 
a função do sistema motor como couraça.
Finalmente, agradeço aos amigos a ajuda na superação de minhas 
dificuldades lingüísticas, e por me proporcionarem assistência técnica.
Desde que escrevi os originais deste livro alguns anos atrás, mais 
trabalho prático tem justificado as teorias que apresento aqui. Mas estas 
teorias são apenas um início. No presente momento gstou envolvido em 
um trabalho de pesquisa sobre o mal* funcionamento do fenômeno figura- 
fundo nas psicoses em geral e na estrutura da esquizofrenia em particular. 
Ainda é cedo demais para dizer quais serão os resultados; parece que vai 
resultar em alguma coisa. Espero portanto que, num futuro naoTnuito 
distante, eu sejãcãpaz de lançar alguma luz sobre essa misteriosa doença.
Assim, por enquanto, apresento este livro como uma contribuição à 
medicina organísmica (psicossomática). Um passo foi dado rumo à 
meta final — uma teoria integrada que cubra todo fenômeno físico e 
psíquico. Por mais distantes que estejamos dessa meta, agora sabemos 
que ela existe e pode ser alcançada por síntese e cooperação de todas as 
escolas existentes hoje. Tal síntese, porém, deve ser precedida de um 
expurgo impiedoso de todas as idéias meramente hipotéticas; em espe­
cial daquelas hipóteses que se tomaram convicções rígidas e estáticas e 
que, na mente de alguns, transformaram-se em realidade em vez de 
teorias elásticas e precisam ser continuamente examinadas.
Estes originais foram escritos em 1941-1942. Muitas referências 
a agudas situações políticas e militares estarão obsoletas quando este 
livro estiver nas mãos dõ leitor, mas ainda serão relevantes dentro do 
seu contexto particular.
Frederick S. Perls 
134, Hospital Militar, África do Sul 
Dezembro de 1944
38
INTENÇÃO
A psicanálise se fundamenta seguramente nas observações 
dos fatos da vida mental; e por essa razão sua superestrutura 
está ainda incompleta e sujeita a constante alteração.
— Sigmund Freud
O propósito deste livro é examinar algumas reações psicológicas 
e psicopatológicas do organismo humano em seu ambiente.
A concepção central é a teoria de que o organismo se esforça 
pela manutenção de um equilíbrio que é continuamente alterado pelas 
suas necessidades, e recuperado por sua satisfação ou eliminação.
As dificuldades que surgem entre o indivíduo e a sociedade . 
resultarão na produção de delinqüência e de neurose. A neurose é 
caracterizada por diversas formas de evitação, principalmente a 
evitação de contato.
As relações entre indivíduo e sociedade, e entre grupos sociais, não 
podem ser compreendidas sem se considerar o problema da agressão.
Na presente guerra1, não há palavra mais utilizada ou desprezada 
do que “agressão”. Inúmeros livros publicados não só condenam a 
agressão como tentam encontrar um tratamento para ela, mas nem a 
análise nem o significado da agressão foram suficientemcnle csclare
1. A Segunda Guerra Mundial. (N. do T.)
39
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R
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JE
.
cidos. Até mesmo Rauschning2 não chegou a analisar bases biológicas 
da agressão. Por outro lado, os tratamentos prescritos para a cura da 
agressão são sempre os mesmos velhos e ineficazes agentes reprêssT- 
võsTIdêãhsino e religião.Não aprendemos nada sobre a dinâmica da agressão., apesar da 
advertência de Freud de que energias reprimidas não só^Sesaparecem 
mas podem até se tornar mais perigosas e efetivas se mantidas ocultas.
Quando decidi examinar a natureza da agressão, me convenci 
cada vez mais de que não havia nenhuma energia chamada agressão, 
que agressão era uma função biológica que em nossa época tornou-se 
um instrumento de insanidade coletiva.
Considerando que com o uso dos instrumentos intelectuais holis- 
mo (concepção de campo) e semântica (o sentido do significado) 
nossa perspectiva teórica pode agora ser tremendamente desenvol­
vida, temo que em relação à agressão coletiva eu não esteja em 
condições de oferecer um tratamento prático.
Em vez de ver a neurose e a agressão a partir de um ponto de 
vista puramente psicológico, a abordagem holístico-semântica revela 
uma série de deficiências até no mais desenvolvido dos métodos 
psicológicos: isto é, a psicanálise.
A psicanálise acentua a importância do inconsciente e do instinto 
sexual, do passado e da causalidade, das associações, da transferência 
e das repressões, mas subestima ou até negligencia as funções do ego 
do instinto de fome, do presente e da intencionalidade, da concentra­
ção, as reações espontâneas e a retroflexão.
Após as lacunas terem sido preenchidas, e termos psicanalíticos 
dúbios tais como libido, instinto de morte e outros serem examina­
dos, o mais vasto escopo do novo conceito será demonstrado na 
Parte II, que trata da assimilação mental e do caráter paranóide.
A Parte III é destinada a dar instruções detalhadas sobre uma 
técnica terapêutica resultante da perspectiva teórica modificada. Como a 
evitação é considerada o sintoma central dos distúrbios nervosos, 
substituí o método de associações livres ou do fluxo de idéias pelo 
antídoto da evitação — a concentração.
2. Herman Rauschning, escritor e político alemão nascido em 1887, serviu 
no exército alemão na Primeira Guerra Mundial. Ingressou no Partido Nacional- 
Socialista alemão, mas rompeu com os nazistas em 1935, transferindo-se para os 
EUA em 1940, naturalizando-se norte-americano em 1948. (N. do T.)
40
Parte I
HOLISMO E PSICANÁLISE
■
PENSAMENTO DIFERENCIAL
A ânsia de saber tudo sobre si mesmo e sobre os demais homens 
tem motivado jovens intelectuais de todos os tempos a buscar os 
grandes filósofos para obter informações sobre a personalidade hu­
mana. Alguns alcançaram uma perspectiva satisfatória, mas muitos 
permaneceram insatisfeitos e desapontados encontrando bem pouco 
realismo na filosofia e na psicologia acadêmicas, ou sentindo-se infe­
riores e estúpidos, aparentemente incapazes de captar tais conceitos 
filosóficos e científicos complicados.
Por um longo período de minha própria vida, pertenci ao grupo 
daqueles que, embora interessados, não podiam obter nenhum bene­
fício do estudo da filosofia e da psicologia acadêmicas, até conhecer 
as obras de Sigmund Freud, que estava então ainda completamente 
fora da ciência acadêmica, e a filosofia da “Indiferença Criativa” de 
S. Friedlaender.
Freud demonstrou que o homem criou a filosofia, a cultura e a 
rehgião e que, para resolver os enigmas de nossa existência, temos de 
ter õ homem como ponto de referência e não agentes externos, como 
todas as religiões e muitos filósofos têm sustentado. A interdepen­
dência do observador e dos fatos observados, postulada pela ciência 
atual, tem sido totalmente confirmada pelas descobertas de Freud. 
Conseqüentemente, seu sistema, também, não deve ser considerado 
sem incluí-lo como criador.
Dificilmente há uma esfera da atividade humana em que a pes 
quisa de Freud não tenha sido criativa, ou pelo menos estimulante. 
Para colocar ordem nas relações entre os muitos latos observados, ele
43
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desenvolveu uma série de teorias, que, juntas, formaram o primeiro 
sistema de uma psicologia genuinamente estrutural. Desde a época 
em que Freud criou seu sistema baseado em material inadequado, por 
um lado, e em certos complexos pessoais por outro, adquirimos tan­
tas compreensões científicas novas que podemos tentar reforçar a 
estrutura do sistema psicanalítico em que sua deficiência, e mesmo 
sua imperfeição, é mais óbvia:
a)
c)
No tratamento dos fatos psicológicos como se eles exis­
tissem isolados do organismo.
No uso da psicologia linear de associação como base para 
um sistema quadridimensional. ^ ) vvWj \̂, |<z
Na negligência do fenômeno da diferenciação.
Nesta revisão da psicanálise, pretendo:
a) Substituir um conceito psicológico por um organísmico (1.8).
b) Substituir a psicologia de associação pela psicologia da ges- 
talt (1.2).
c) Aplicar o pensamento diferencial, baseado na “Indiferença 
Criativa” de S. Friedlaender.
O pensamento diferencial apresenta uma semelhança com as teo­
rias dialéticas, mas sem suas implicações metafísicas. Portanto, tem a 
vantagem de poupar discussões acaloradas sobre o assunto (já que 
muitos leitores terão adquirido um entusiasmo a favor ou uma idio- 
sincrasia contra o método e a filosofia dialéticos) sem sacrificar o 
núcleo válido contido no modo dialético de pensar.
O método dialético pode ser mal empregado, e freqiientemente 
tem sido: às vezes podemos até nos sentir inclinados a concordar com 
as observações de Kant no sentido de que a dialética é uma ars 
sophistica disputatoria, conversa fiada (Geschwaetzigkeit) — uma 
atitude, contudo, que não impediu que ele mesmo utilizasse o pensa­
mento dialético.
Muito se tem a dizer contra o idealismo dialético de Hegel 
como uma tentativa filosófica de substituir Deus por outros con­
ceitos metafísicos. A transposição de Marx do método dialético do
44
- A o « /V \C £k <*'' £ ^ -* -^ 4 . - V A O - O u s A c ie /^ c jA ^ ^ v
materialismo é um progresso, mas não uma solução. Sua mistura de 
pesquisa científica com pensamento mágico, da mesma forma, não 
atingiu o realismo dialético.
Minha intenção é traçar uma distinção clara entre a dialética 
comcTum conceito filosófico e a utilidade de certas regras como as 
encontradas e aplicadas na filosofia de Hegel e Marx. Estas regras 
coincidem aproximadamente com o que nós poderiamos chamar de 
“pensamento diferencial”. Pessoalmente, sou da opinião de que em 
muitos casos este método é um meio apropriado para atingir uma 
nova compreensão científica, levando a resultados em que outros 
rmetódos intelectuais, por exemplo o pensamento em termos de causa
j e efeito, fracassaram.______ _________
- Muitos leitores relutarão em acompanhar uma discussão bastante 
teórica como introdução de um livro que trata de problemas de psico­
logia prática. Mas precisam se familiarizar com certos conceitos bá­
sicos difundidos na totalidade deste livro. Embora a validade prática 
destas idéias só se tome evidente pela persistência em sua aplicação 
repetida, eles devem, desde o início, conhecer a sua estrutura geral. 
Este método tem uma vantagem adicional: anteriormente, se aceitava 
a idéia de que o cientista observa uma série de fatos e deles tira 
conclusões. Contudo, agora, chegamos à conclusão de que as obser­
vações de qualquer pessoa são ditadas por interesses específicos, por 
idéias preconcebidas e por uma atitude — freqüentemente incons­
ciente — que reúne e seleciona os fatos de acordo com ela. Em outras 
palavras: não existe a chamada ciência objetiva, e, como todo escritor 
tem algum ponto de vista subjetivo, todo livro deve depender da 
mentalidade do escritor. Em psicologia, mais do que em qualquer 
outra ciência, observador e fatos observados são inseparáveis. A 
orientação mais conclusiva deve ser obtida se pudermos encontrar 
um ponto a partir do qual o observador possa alcançar a visão mais 
abrangente e não distorcida. Acredito que tal ponto de vista tenha 
sido descoberto por S. Friedlaender.
Em seu livro Creative indifference, Friedlaender apresenta a 
teoria de que todo evento está relacionadoa um ponto-/,ero, a 
partir do qual ocorre uma diferenciação em opostos. Esses opostos 
apresentam, em seu contexto específico, uma grande afinidade 
entre si. Permanecendo atentos no centro, podemos adquirir uma
45
habilidade criativa para ver ambos os lados de uma ocorrência e 
completar uma metade incompleta. Evitando uma perspectiva uni­
lateral, obtemos uma compreensão muito mais profunda da estru­
tura e da função do organismo.
Poderiamos obter uma orientação preliminar a partir do se­
guinte exemplo: observando um grupo de seis seres vivos, um 
imbecil (i), um cidadão “normal” comum (n), um importante esta­
dista (e), uma tartaruga (t), um gato (g) e um cavalo de corrida (c), 
descobrimos imediatamente que eles se dividem em dois grupos 
— seres humanos e animais — e que, do infinito número de carac­
terísticas de seres vivos, cada grupo tem uma qualidade específica: 
(i), (n) e (e) apresentam graus variáveis de inteligência; (t), (g) e 
(c) graus variáveis de velocidade — “diferem” um do outro em 
inteligência ou velocidade. Se dividirmos mais ainda, poderemos 
facilmente estabelecer uma ordem: o QI (quociente de inteligência) 
de n será considerado maior do que o de i e o de e maior do que o 
de n, assim como a velocidade de g é maior do que a de t e a de c 
maior do que a de g (e > n > i; c > g > t).
Podemos, agora, escolher mais animais e seres humanos — 
cada um deles um pouco diferente do seguinte nas características 
selecionadas. Podemos medir as diferenças, podemos até, com a 
ajuda do cálculo diferencial, preencher as lacunas, mas finalmente 
chegamos a um ponto em que os caminhos da matemática e da 
psicologia parecem se separar.
A linguagem matemática não conhece “lento” e “rápido”, 
apenas “mais lento” e “mais rápido”, mas em psicologia lidamos 
com termos como “lento”, “rápido”, “estúpido”, ou “inteligente”. 
Esses termos são concebidos a partir de um ponto de vista “normal”, 
que é “in”-diferente a todos aqueles eventos que não nos impressio­
nam por serem fora do comum. Somos indiferentes a jtudo que é 
“não-diferenciado” a partir de nosso ponto de vista subjetivo. O 
Tmtêresse evocado em nós é “zero”.
Este “zero” tem um significado duplo, o de um início e o de 
um centro. Nas contas das tribos primitivas e das crianças, zero é o 
início da seqüência 0, 1, 2, 3 etc. — em aritmética é o meio de um 
sistema mais/menos, é um ponto-zero com duas ramificações na 
direção de mais e de menos. Se aplicarmos as duas funções de zero
46
C*r*r\ ->-*=> -S Cí? .v í̂vA ̂ C. Ifx^A^íW? ■ “
I r'.’ -| s/s?1—
aos nossos exemplos, poderemos criar duas seqüências ou dois siste­
mas. Se estabelecermos que (i) tem um Q1 de 50, (n) de 100 e (e) de 
150, poderemos criar uma seqüência: 0, 50, 100, 150. Esta é uma 
ordem de inteligência crescente. Se, contudo, estabelecermos um Ql 
de 100 como normal, então, teremos um sistema mais/menos: - 50, 
0, + 50, no qual os números indicam um grau de diferenciação a 
partir do ponto-zero (centro).
Na realidade, há muitos sistemas em nosso organismo centradas 
em torno do ponto-zero de normalidade, saúde, indiferença etc. Cada *
um destes sistemas se diferencia em dois opostos como mais/menos, 
hábil/estúpido, rápido/lento etc.
Talvez o exemplo mais óbvio da esfera psicológica seja o 
sistema prazer/dor. Seu ponto-zero é — como será demonstrado
mais tarde — o equilíbrio do organismo. Qualquer distúrbio deste 
equilíbrio é êxperienciado como doloroso, o retorno a ele como 
prazeroso.
O médico está bem familiarizado com o ponto-zero metabólico (índi­
ce metabólico básico) que, embora obtido por meio de uma fórmula com­
plicada, tem o aspecto prático de normal = 0. Os desvios (metabolismo 
aumentado ou diminuído) são expressos em relação ao ponto-zero.
O pensamento diferencial — a compreensão do funcionamento 
de tais sistemas — nos oferece um instrumento de precisão mental 
que não é nem extremamente difícil de compreender nem de utilizar. 
Restringirei a discussão a esses três pontos indispensáveis para a 
compreensão deste livro: opostos, pré-diferença (ponto-zero) e grau 
de diferenciação.
^ 3
■ -y' ■. ■
f - r - J
tf* k
As Figuras la, lb e lc podem ser úteis no esclarecimento da 
minha concepção de pensamento diferencial, no que se refere às mi­
nhas idéias.
Figura IA
Suponhamos que A-B represente a superfície de uma porção de 
terra. Tomamos qualquer ponto como o ponto-zero, o ponto a pariir 
do qual se inicia a diferenciação.
47
Figura 1B
Temos partes diferenciadas do terreno na cavidade (C) e seu 
monte (M) correspondente. A diferenciação é gradual e continua si­
multânea (em tempo) e exatamente no mesmo grau para cada lado 
(em espaço). Toda pazada de terra produz um déficit no terreno, que 
é amontoado como um excedente sobre o monte (polarização).
Figura 1C
A diferenciação está terminada. Todo o nível foi transformado 
em dois opostos, cavidade e monte.
O pensamento em opostos é a quinta-essência da dialética. 
Opostos dentro do mesmo contexto estão mais estreitamente rela­
cionados entre si do que em relação a qualquer outra concepção^ 
No campo da cor pensamos em branco em conexão com preto, do 
que com verde ou rosa. Dia e noite, calor e frio, deTato, milhares 
de opostos são combinados na linguagem do dia-a-dia. Podemos 
até ir mais longe afirmando que nem “dia" nem “calor” existiríam, 
nem na realidade nem em palavras se não fossem contrastados 
com seus opostos “noite” c “frio”. Em vez de “awareness”, a indi­
ferença estéril prevalecería. Na terminologia da psicanálise, encon­
tramos réafização do desejo/frustração do desejo; sadismo/masoquismo;
48
consciente/inconsciente; princípio da realidade/princípio do prazer, 
e assim por diante.1
Freud percebeu e registrou como “uma de nossas descobertas 
mais surpreendentes” que um elemento no sonho manifesto ou recor­
dado que admite um oposto pode representar a si mesmo, seu oposto 
ou ambos ao mesmo tempo.
Ele também chama nossa atenção para o fato de que nas mais 
antigas línguas conhecidas por nós, opostos como luz-escuridão, 
grande-pequeno, eram expressos pela mesma raiz de palavras (o 
chamado sentido antitético das palavras primárias). Quando fala­
das, estas eram diferenciadas em seus dois significados distintos 
pela entonação e por gestos e, quando escritas, eram diferenciadas 
pela adição de um determinativo, isto é, uma figura ou um sinal 
que não seriam expressos oralmente por sons.
Para nossas duas palavras “alto” e “profundo”, o latim tem, 
apenas uma: altus, que simplesmente significa extensão no plano 
vertical; a situação ou o contexto determina se traduzimos esta 
palavra como “alto” ou “profundo”. Da mesma forma o latim sacer 
significa “tabu”, que na tradução é geralmente transcrito como 
“sagrado” ou “maldito1’.
1. Roget, em seu Thesaurus, avalia o quanto o mundo das palavras existe 
em opostos:
“Com o propósito de exibir com maior distinção as relações entre palavras 
que expressam idéias opostas e correlativas, eu, sempre que o assunto admitia 
tal arranjo, as colocava em duas colunas paralelas na mesma página, de forma 
que cada grupo de expressão pudesse ser rapidamente contrastado com aqueles 
que ocupavam a coluna adjacente, formando suas antíteses”.
E mais adiante, indicando que as oposições são ditadas não por palavras mas por 
seu contexto:
“Freqüentemente acontece de a mesma palavra ter vários termos corre- 
lativos, de acordo com as diferentes relações em que é considerada. Assim, para 
a palavra ‘dar’ são opostos tanto ‘receber’ como ‘tomar’: a primeira correlação 
se refere às pessoas envolvidas na transferência, enquanto a última se relaciona 
ao modo de transferir. ‘Velho’ tem por opostos tanto ‘novo’ como ‘jovem’ de 
acordo com sua aplicação a coisas ou a seres vivos. ‘Ataque’ e ‘defesa’ são termos 
correlatos, assim como ‘ataque’ e ‘resistência’. ‘Resistência’ também tem ‘sub 
missão’ como seu correlativo. ‘Verdade’, em termos abstratos, e oposta a ‘erro’, 
mas o oposto de verdade comunicada é ‘falsidade’” etc.
49

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