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Livro Engenharia Popular ESF 2020 ebook

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2 
 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 3 
 
 
 
 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia 
e inovação social 
 
Organização 
SANDRA RUFINO 
FERNANDA DEISTER MOREIRA 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ebook Engenharia Popular 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 5 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
Organização 
SANDRA RUFINO 
FERNANDA DEISTER MOREIRA 
 
 
Autores 
 ADALBERTO T. DOS SANTOS 
 ALICIANE DE S. PEIXOTO 
 ANA CLAUDIA A. ROSA 
 ANDRÉ S. KENEZ 
 BIANCA PARTICHELI 
 BRUNA VASCONCELLOS 
 CAMILA R. LARICCHIA 
 CAMILA S. DE A. CORREIA 
 CARLA MÂNCIO 
 CAROLINA V. P. COSTA 
 CELSO ALVEAR 
 CINTHIA V. S. VARELLA 
 CRISTIANO CRUZ 
 DÊNIS PACHECO 
 FERNANDA DE SOUZA CARDOSO 
 FERNANDA DEISTER MOREIRA 
 FRANCISCO DE P. A. LIMA 
 GABRIEL S. CHIELE 
 GUILHERME S. C. MACHADO 
 GUSTAVO F. MORAES 
 HUGO SOSINHO DA CUNHA 
 ISABELA F. ALI 
 JÚLIA ANTUNES 
 JULIANA J. STEK 
 LAIS FRAGA 
 LIGIA M. SILVA 
 LUANA CRISTINA O. PRADO 
 LUCCA P. POMPEU 
 LUCILA A. FERNANDES 
 LUISA DA S. MADEIRA 
 MABELI CAETANO 
 MARCELO DE S. F. C. SILVA 
 MARIANA M. GOMES 
 MARIANA V. FILGUEIRAS 
 MATHEUS SCAGLIA MAINARDI 
 NATÁLIA T. MARGARIDO 
 PAULIANA DA S. ARAÚJO 
 PEDRO H. S. THEBIT 
 PRISCILA B. CAUDURO 
 RAFAEL M. PRIVATO 
 RENÊ DE CASTRO 
 RODRIGO E. OLIVEIRA 
 RODRIGO EDSON CASTRO AVILA 
 SANDRA RUFINO 
 SUED TRAJANO DE OLIVEIRA 
 VICTÓRIA ABRAHÃO F. E SILVA 
 VINICIUS K. MUNIZ 
 VITOR HUGO DOS R. APARECIDA 
 VITOR T. CHAVES 
 
 
 
 
6 
ENGENHARIA POPULAR: 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
Copyright @2020 dos autores 
 
Realização Associação Engenheiros Sem Fronteiras-Brasil 
(ESF-Brasil) 
Presidente 
 Cleuller Camilo da Costa Vieira Silva 
Vice Presidente de Desenvolvimento 
 Nina Junqueira Ferracioli 
Vice Presidente de Acompanhamento 
 Adalberto Teodoro dos Santos 
Vice Presidente de Comunicação 
 Kamilla Suellen Teixeira Campos 
Vice Presidente Técnico 
 Pedro Capalbo Becalette 
 
Patrocínio Conselho Federal de Engenharia e Agronomia 
(CONFEA) 
 
Capa Maria Clara Pagotto de Freitas 
 
Diagramação Sandra Rufino 
 
Projeto Gráfico Sandra Rufino 
Maria Clara Pagotto de Freitas 
 
Revisão de Textos Fernanda Deister Moreira 
Sandra Rufino 
Victória Abrahão Fonseca e Silva 
 
Organização Sandra Rufino 
Fernanda Deister Moreira 
 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 7 
 
A Associação Engenheiros sem Fronteiras Brasil (ESF-Brasil) é 
parte de um movimento internacional que surgiu nos anos 1980 na 
França. Nossa rede internacional, chamada de Engineers Without 
Borders International (EWB-I), em busca de uma engenharia 
voltada para a comunidade, está presente em mais de 65 países. 
No Brasil desde 2010, o ESF-Brasil está presente em mais de 
70 cidades do país através de seus núcleos os quais são os 
responsáveis por fazer projetos sociais de engenharia na 
comunidade em que estão inseridos. Todos os núcleos tem estreita 
parceria com as Instituições de Ensino Superior a partir de ações e 
projetos de extensão universitária. 
Mais de 500 projetos já foram finalizados e constantemente 
temos projetos em andamento nos eixos: infraestrutura, 
sustentabilidade, educação e empreendedorismo e gestão social. 
Somos mais de 2000 voluntários espalhados pelo país colocando a 
mão na massa e transformando vidas! 
Em 2019, fomos contemplados com prêmios importantes do 
Terceiro Setor: Prêmio ENATS de Boas Práticas de Gestão no 3º 
Setor, Prêmio 100 Melhores ONGs do Brasil e Prêmio Melhor ONG 
de Desenvolvimento Local. Além de termos recebido certificado de 
ONG transparente do Instituto DOAR e o certificado internacional 
de transparência e boas práticas sociais internacionais da 
PHOMENTA. 
Além disso, fazemos parte de 12 coalizões e pactos de atuação 
em busca de fortalecer nossos compromissos com o 
desenvolvimento sustentável e justiça social. 
Para conhecer mais sobre o nosso trabalho e saber formas de 
se envolver com nossos projetos, acesse esf.org.br 
 
 
 
 
8 
 
Instituído em 1933, o Sistema Confea/Crea atua norteado 
pelos objetivos que motivaram a sua criação: valorizar os 
profissionais; participar ativamente do desenvolvimento do país; 
integrar equipes técnicas, esferas de governo; e colaborar com a 
definição de políticas públicas. 
Representado nos 26 estados e no Distrito Federal pelos 
Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia, os Creas, e, em 
diversas localidades, por 575 inspetorias, o Sistema tem 
registrados, aproximadamente, um milhão de profissionais e 265 
mil empresas. 
Em sua atuação, dinamiza a participação em diversos setores 
da sociedade. Junto ao Poder Legislativo, o Confea mantém uma 
agenda parlamentar que defende projetos de lei de interesse dos 
profissionais e da sociedade. 
Junto ao Poder Executivo, participa de representações 
nacionais no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e 
Ministério de Minas e Energia, por exemplo. A aproximação com 
instituições de ensino e associações é item permanente da pauta de 
atividades. 
No campo das relações internacionais, o Conselho tem o 
acordo de reciprocidade assinado com a Ordem dos Engenheiros de 
Portugal e integra a Federação Mundial de Organizações de 
Engenheiros. 
Entre as autarquias de regulamentação e fiscalização mais 
antigas do país, o Sistema Confea/Crea mantém a tradição de 
decisões colegiadas, tomadas a partir das discussões feitas pelos 
diversos fóruns consutivos que sustentam suas atividades: Colégio 
de Presidentes de Creas, Colégio de Entidades Nacionais, Câmaras 
Especializadas, Comissões Temáticas e Permanentes, e oficializadas 
pelo plenário composto por 18 conselheiros federais. 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 9 
Prefácio 
Desde sempre, a engenharia é considerada alavanca de 
desenvolvimento em função mesmo de sua essência: reunir 
atividades que se transformam em bem social para a humanidade. 
Área diretamente vinculada à economia, a engenharia em suas 
múltiplas modalidades depende de investimentos público e privado 
para mostrar seu potencial de transformação interferindo e 
fazendo girar as engrenagens que sustentam todas as atividades da 
sociedade moderna. Uma transformação que, muitas vezes, ao 
contrário do que seria lógico e esperado, aprofunda desigualdades 
sociais. 
Em maior ou menor grau, todas as economias, da mais rica à 
mais pobre, revelam descuidos e desrespeitos com relação ao 
cidadão comum no que se refere à qualidade da habitação popular, 
saúde, educação e segurança pública, setores em que a engenharia 
é a ciência base para o desenvolvimento social e econômico. 
É nesse contexto que ganha maior importância a parceria 
assumida pelo Conselho Federal de Engenharia e Agronomia 
(Confea) com a Associação Engenheiros Sem Fronteiras – Brasil 
(ESF-Brasil) para a publicação do livro “Engenharia Popular: 
construção e gestão de tecnologia e inovação social”. 
Valiosa, a publicação é assinada por 50 autores – docentes, 
pesquisadores, estudantes, profissionais e membros de 
organizações sociais – fiéis aos objetivos revelados na contracapa 
do livro: debater a engenharia como instrumento do 
desenvolvimento social e ambiental. 
Nessa empreitada, o Confea é mão de obra útil para ajudar a 
reduzir desigualdades, reparar falhas e aproximar a engenharia da 
base social, formada por um numeroso contingente de cidadãos 
que através de gerações aplicam os conhecimentos adquiridos de 
engenharia projetada a partir da realidade de cada pedaço de chão, 
proposta da engenharia popular. 
No Brasil,a Lei nº 11.888, sancionada em 2008, mais 
conhecida como Lei da Engenharia Pública, pode ser um 
 
 
 
10 
instrumento a auxiliar a ESF-Brasil a realizar a sua missão. Baseada 
em experiências populares bem sucedidas, realizadas pelos 
Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia (Creas) do Paraná 
e do Rio Grande do Norte, por exemplo, a legislação assegura o 
direito das famílias de baixa renda, residentes em áreas urbanas ou 
rurais, à assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a 
construção de habitação de interesse social, com até 60 m², para 
sua própria moradia, como parte integrante do direito social 
previsto na Constituição de 1988. 
A assistência técnica definida na lei – cuja aprovação o Confea 
defendeu no Congresso Nacional – alcança, inclusive, a 
regularização fundiária da habitação ajudando a evitar a ocupação 
de áreas de risco e de interesse ambiental. O outro aspecto é o 
estímulo às prefeituras, aos governos estaduais e ao federal a 
recompor suas equipes técnicas, desmanteladas ao longo dos 
últimos 30 anos. Ao estimular o mercado de trabalho, a legislação 
garante uma assistência técnica de qualidade a quem mais precisa. 
É hora de participar. É hora de os engenheiros assumirem o 
papel de educadores no que se refere à sustentabilidade ambiental, 
fortalecer a importância da ecologia, debater novas alternativas, 
novas possibilidades, refletir sobre práticas utilizadas, rever os 
velhos e criar novos conceitos. 
Agora parceiros, o Confea e a Associação Engenheiros Sem 
Fronteiras – Brasil somam objetivos, esforços e compartilham 
conhecimentos visando a uma sociedade menos desigual, mais 
solidária e mais promissora para as gerações futuras. 
 
Eng. civ. Osmar Barros Júnior 
Presidente em exercício do Confea 
 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 11 
Sumário 
Parte 1: Engenharia Popular ---------------------- 11 
Princípios norteadores da engenharia popular ---------- 13 
Engenharia e transformação social ------------------------- 25 
Construir alternativas tecnológicas com as classes 
populares: engenharia, educação popular e extensão 
universitária ------------------------------------------------------ 37 
Autogestão, sustentabilidade e replicabilidade de 
projetos sociais na engenharia ------------------------------ 47 
Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para a 
Engenharia -------------------------------------------------------- 57 
Parte 2: Gestão de Projetos de Tecnologia e 
Inovação Social --------------------------------------- 71 
Definindo o escopo do projeto com a comunidade ---- 73 
Mobilização de recursos e parceiros ----------------------- 83 
Relação da organização e seus beneficiários em projetos 
sociais -------------------------------------------------------------- 93 
Execução do projeto ------------------------------------------- 99 
Prestação de contas e divulgação dos resultados ----- 107 
Avaliação do projeto ----------------------------------------- 115 
 
 
 
12 
Parte 3: Experiências e Vivências --------------- 123 
Projetos de engenharia popular na prática: o que 
podemos aprender com eles? ----------------------------- 125 
Integrando as etapas da gestão de projetos de educação 
ambiental ------------------------------------------------------- 137 
Projeto Amenizar: mantas térmicas sustentáveis ----- 147 
Programa de capacitação e aperfeiçoamento 
profissional ----------------------------------------------------- 157 
Captação de água de chuva -------------------------------- 165 
Cooperação além das fronteiras -------------------------- 177 
Sapiência Ambiental ------------------------------------------ 187 
Habitat para a Humanidade Brasil: o programa de 
melhorias habitacionais ------------------------------------- 197 
Eventos em engenharia popular -------------------------- 207 
Quem são os autores? ----------------------------- 217 
Fotos dos Núcleos ESF -------------------------------- 1 
 
11 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 11 
Parte 1: Engenharia 
Popular 
 
 
 
 
 
12 
Nesta parte serão discutidas questões 
conceituais sobre a engenharia popular, para 
quem é, quem faz e discussões relacionadas ao 
desenvolvimento sustentável, à extensão 
universitária, autogestão e a educação popular. 
Essa parte do livro foi desenvolvida por 
profissionais e docentes com experiência em 
engenharia popular convidados pelo ESF-Brasil 
pois acreditamos na engenharia popular como 
uma das formas de alcançar o desenvolvimento 
local. Atualmente, o ESF-Brasil trabalha com 
alguns dos princípios da engenharia popular e 
sabemos que para alcançá-la plenamente existe 
uma longa jornada. Estamos certos de que a 
engenharia engajada, as tecnologias sociais e o 
objetivos do desenvolvimento sustentável são 
ferramentas importantes para alcançar nossa 
missão. 
 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 13 
Princípios norteadores da engenharia popular 
Celso Alvear, UFRJ, REPOS 
Bruna Vasconcellos, UFABC, REPOS 
Cristiano Cruz, ITA, REPOS 
Lais Fraga, Unicamp, REPOS 
 
A engenharia historicamente trouxe grandes avanços 
tecnológicos para a humanidade, mas também foi uma disciplina 
que ajudou a aprofundar desigualdades sociais. Dentre os 
motivos, podemos apontar que ela foi feita por e para as elites. 
Além disso, surgiu dentro de uma perspectiva militar. 
Posteriormente, foi majoritariamente financiada pelo grande 
capital para resolver seus problemas. E em seu processo de 
tecnificação, ficou cada vez mais isolada dos problemas da 
sociedade como um todo (BAZZO, 2015; DAGNINO; NOVAES, 
2008; RILEY, 2008). 
É importante ressaltar que, apesar de esse problema ficar 
mais evidente nos países do sul, é apenas na aparência que no 
norte a engenharia e suas tecnologias não geram desigualdades. 
Um bom exemplo seria pensar o sistema tecnológico dos 
telefones móveis. Enquanto temos ambientes de trabalho que 
parecem maravilhosos na Google, nos EUA, ou na Nokia, na 
Finlândia, essas tecnologias só são viáveis, porque em sua 
produção material tem as fábricas na China, com trabalhos 
degradantes, ou a energia que permite os datacenters geradas por 
belomontes, ou por geradores que se utilizam do petróleo que 
causa as guerras no Oriente Médio, ou pior ainda, da matéria-
prima coltan dos processadores, extraída à custa do sangue de 
muitos africanos, de estupros e de muita violência. Esse processo 
da relação entre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento, que 
é inerente ao capitalismo, já explicado por autores como o 
economista Celso Furtado. 
Embora a construção tecnológica e a engenharia estejam 
intimamente relacionadas a esses processos de constituição de 
desigualdades, essa é uma face recorrentemente – ou 
propositalmente – escondida do fazer tecnológico. A engenharia é 
Princípios norteadores da engenharia popular 
 
 
14 
 
fetichizada como instrumento mágico que poderia livrar a 
humanidade de todos os seus problemas, e, portanto, como algo 
inerentemente bom, que não precisa se ocupar de refletir sobre a 
realidade onde está imersa. Uma das consequências disso é que 
frequentemente nos cursos de engenharia estudantes se queixam 
da falta de elementos que os conectem com a prática nas salas de 
aula. Disciplinas e mais disciplinas teóricas da física, matemática, 
química, entre outras, os mantêm distantes de uma compreensão 
da ‘aplicabilidade’ de todo aquele conteúdo e das possibilidades 
de sua atuação profissional. 
É nesse contexto que, na América Latina, e especialmente, 
no nosso caso, no Brasil, surgem diversas iniciativas, inicialmente 
desarticuladas, de buscar repensar a engenharia a partir de nossa 
realidade, de nossos problemas. Poderíamos dizer que essas 
iniciativas buscam apenas cumprir o juramento da engenharia: 
Prometo que, no cumprimento do meu dever deEngenheiro 
não me deixarei cegar pelo brilho excessivo da tecnologia, de 
forma a não me esquecer de que trabalho para o bem do 
Homem e não da máquina. Respeitarei a natureza, evitando 
projetar ou construir equipamentos que destruam o 
equilíbrio ecológico ou poluam, além de colocar todo o meu 
conhecimento científico a serviço do conforto e 
desenvolvimento da humanidade. Assim sendo, estarei em 
paz Comigo e com Deus (BITENCOURT, 2016, p. 65). 
Ou seu código de ética: 
Do objetivo da profissão: I) A profissão é bem social da 
humanidade e o profissional é o agente capaz de exercê-la, 
tendo como objetivos maiores a preservação e o 
desenvolvimento harmônico do ser humano, de seu 
ambiente e de seus valores (CONFEA, 2019, p. 30) 
Assim, mesmo os manuais de ética e conduta da engenharia 
sendo permeados de perspectivas que humanizam sua atuação, a 
realidade de sua prática é muito distante disso. Via de regra os 
grandes projetos de engenharia têm, não só contribuído para o 
catastrófico cenário de degradação ambiental em que vivemos, 
mas também para firmar grandes desigualdades sociais. 
A ENGENHARIA POPULAR 
Buscando tensionar esse papel historicamente cumprido 
pelas engenharias e alimentar outras possibilidades para o fazer 
 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 15 
tecnológico, surgem iniciativas que, enfrentando essa ordem 
colocada, advogam pela construção de engenharias engajadas 
com a construção de um mundo menos desigual e mais justo para 
a humanidade como um todo. É nesse cenário que surge a 
Engenharia Popular (EP). 
A EP se enquadra em uma luta anticapitalista, pois está claro 
que o capitalismo não conseguiu construir uma sociedade mais 
justa, pelo contrário, avançamos cada vez mais para a barbárie 
(PIKETTY, 2014; COUGHLAN, 2019). Mas também não temos claro 
qual seria o caminho a seguir. Assim, dentro do que chamamos 
engenharia popular, existem grupos com diversas perspectivas. E 
talvez esse seja um elemento importante, pois percebemos que 
não tem como existir um modelo só de desenvolvimento, que o 
mundo é diverso, existem diferentes culturas, formas de ver a 
realidade, e que temos que pensar em soluções plurais, mas 
articuladas globalmente, para enfrentar a crise global em que 
estamos vivendo. 
Dessa forma, escolhemos apresentar a engenharia popular a 
partir de princípios que consideramos fundamentais nessa luta. 
Princípios estes que foram construídos a partir de debates 
coletivos dentro da Rede de Engenharia Popular Oswaldo Sevá 
(REPOS) (www.repos.net.br). A REPOS é uma rede que foi criada 
em 2014, pela articulação de uma série de estudantes, docentes e 
técnicos administrativos (de universidades), das engenharias, que 
desde 2004 foram constituindo vínculos através da organização 
dos encontros de Engenharia e Desenvolvimento Social 
(www.eneds.org.br), e cujos(as) integrantes foram 
mobilizados(as) ao longo desse período por diferentes práticas de 
extensão tecnológica (ALVEAR; CRUZ; MIRANDA, 2017). 
A REPOS (2020, sp) tem como objetivo: 
articular a engenharia para dialogar com as lutas dos 
movimentos sociais, grupos populares e trabalhadores(as) 
organizados(as). Dessa forma, partindo de nossos princípios, 
pretendemos auxiliar esses movimentos no 
desenvolvimento e readequação de processos e tecnologias 
de produção e comunicação, a partir do conhecimento da 
engenharia contextualizado com as questões sociais, 
Princípios norteadores da engenharia popular 
 
 
16 
 políticas, culturais, ambientais e econômicas específicas de 
suas realidades. 
Assim, a rede busca reconhecer que o processo tecnológico 
não é propriedade ou exclusivo das engenharias. Necessita de 
outros conhecimentos acadêmicos, e principalmente de outras 
formas de conhecimento que historicamente são excluídas pela 
modernidade, como os saberes ancestrais, tradicionais: 
Temos clareza que as tecnologias não são neutras, pois 
foram concebidas dentro do sistema capitalista e trazem 
seus valores em sua concepção. Assim, para que as 
tecnologias possam caminhar junto com a luta desses 
movimentos, devem ser concebidas a partir dos valores, 
crenças, expressões culturais, formas de organização e 
cultura política desses movimentos, sempre com o cuidado 
à vida e respeito ao meio ambiente (REPOS, 2020, sp). 
A seguir, apresentaremos aqueles que consideramos os 
princípios norteadores da prática da EP: educação popular; 
autogestão; justiça social e ambiental; feminismo, antirracismo e 
contra LGBTfobia; cuidado com a vida; valorização da cultura em 
sua diversidade; reconhecimento e diálogo entre os diversos 
saberes (populares, tradicionais e acadêmicos). 
EDUCAÇÃO POPULAR 
A Educação Popular, como entendida no trabalho de Paulo 
Freire, é norteadora da atuação da EP. Não apenas porque 
entendemos a educação como elemento central nos processos de 
transformação, e assim assumimos que como engenheiros(as) 
somos também educadores(as), mediadores(as) no processo de 
definição e construção coletiva da organização produtiva e das 
tecnologias, mas principalmente porque compartilhamos da 
compreensão de que as bases populares, marginalizadas pelo 
sistema socioeconômico, constituem o lugar a partir do qual – e 
para o qual – é possível transformar a realidade atual (FRAGA; 
SILVEIRA; VASCONCELLOS, 2011). 
Assim, a construção de uma consciência política 
compartilhada e o desenho coletivo de outras possibilidades de 
ser/estar no mundo são processos entendidos como 
necessariamente dialógicos, e sobretudo, concretos. E como 
engenheiros(as) educadores(as) nos cabe o trabalho de nos 
 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 17 
colocar à disposição da construção coletiva de apostas 
tecnológicas contra-hegemônicas, descendo do pretenso pedestal 
usualmente designado aos conhecedores das técnicas, e nos 
colocando lado a lado, ombro a ombro, com quem queremos 
construir novos mundos. Tendo clareza que nosso saber é um, e 
apenas um, diante de tantos saberes possíveis. 
AUTOGESTÃO 
O substrato a partir do qual tem sido possível construir essa 
noção de EP, ao longo do processo de constituição da REPOS, tem 
sido, em grande medida, as associações e cooperativas de 
Economia Solidária. São lugares concretos a partir dos quais tem 
sido experienciamos essas construções coletivas compartilhadas, 
de consciência e atuação política, de modos de organização do 
trabalho e da vida, assim como de outras possibilidades para a 
tecnologia e a engenharia. Em especial, a autogestão, como 
princípio de organização não-hierarquizada das relações, 
sobretudo no ambiente de trabalho, mas também no ambiente da 
vida comunitária, tem sido peça-chave como instrumento 
concreto e utópico para repensar a engenharia (FRAGA, 2011). 
A autogestão, como norte político, nos ajuda a refletir e 
buscar caminhos de atuação pautado em um constante processo 
de desconstrução de relações hierarquizadas, e 
consequentemente, desiguais, não apenas no trabalho, mas 
também na nossa vida cotidiana, na educação, nas casas, na 
política etc (WIRTH; FRAGA; NOVAES, 2013). Repensar essas 
hierarquias nos coloca diante do desafio de reconstruir as formas 
como organizamos o trabalho, nas cooperativas e associações, por 
exemplo, assim como as tecnologias que ocupam lugar central na 
organização desses lugares e suas relações. Usar uma esteira ou 
uma mesa, usar agrotóxico ou adubação verde, produzir em linha 
ou em círculo, ter ou não cozinha na cooperativa, tudo isso são 
decisões que passam necessariamente por uma profunda reflexão 
sobre quais relações de trabalho queremos fomentar. Buscar a 
construção da autogestão é, nesse sentido, um guia para que, no 
cotidiano de nosso trabalho e de nossas vidas, as decisões sejam 
tomadas na tentativa de des-hierarquizar as relações sociais, e 
Princípios norteadores da engenharia popular18 
 
assim dar passos concretos na tentativa de construir um mundo 
mais justo. 
O princípio de autogestão da EP é discutido em maior 
profundidade nos capítulos Autogestão, sustentabilidade e 
replicabilidade de projetos de projetos sociais na engenharia e 
Projetos de engenharia popular na prática: o que podemos 
aprender com eles? 
JUSTIÇA SOCIAL E AMBIENTAL 
No mesmo caminho, não é possível conceber uma 
engenharia engajada com a transformação social que não se 
ocupe de refletir sobre o cenário ambiental catastrófico que 
construímos para os nossos tempos, baseado em uma relação 
extremamente hierarquizada entre humanos e aquilo que 
definimos como natureza, ou mais marcadamente como ‘recursos 
naturais’, limitando o mundo natural a recursos à disposição das 
demandas humanas. 
As recentes catástrofes ambientais, além de serem fruto do 
modelo de produção e tecnologia que questionamos por meio da 
EP, atingem desigualmente a humanidade (ACSELRAD; MELLO; 
BEZERRA, 2009; PORTO; PACHECO; LEROY, 2013). Estudos 
recentes mostram como no Brasil, por exemplo, a mineração – 
uma das grandes causadoras de inúmeros crimes ambientais – 
atinge desproporcionalmente a população branca e não branca, 
sendo esta última aquela que sofre os piores impactos desses 
processos, mostrando que o racismo alcança também as questões 
ambientais (MILANEZ; LOSEKANN, 2016). É nesse sentido que foi 
cunhado termo racismo ambiental (PACHECO; FAUSTINO, 2013). 
Sendo assim, é necessário refletir sobre as inúmeras faces 
dos desastres ambientais, e sobretudo compreender quem são as 
pessoas envolvidas, sempre nos perguntando para quê e para 
quem estamos fazendo engenharia. 
FEMINISMO, ANTI-RACISMO E CONTRA LGBTFOBIA 
A engenharia além de ser historicamente elitizada, é 
território branco, é masculinizada e regida pela 
heteronormatividade, ou seja, supõem e fomenta que a 
heterossexualidade seja atributo compulsório de nossa 
 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 19 
experiência relacional e sexual. Sendo assim, a engenharia e a 
tecnologia também têm sido instrumentos de manutenção de 
relações sexistas, racistas, colonialistas e homofóbicas, e 
questioná-las passa, portanto, por repensar as hierarquizações de 
gênero, raça e etnia constitutivas de nossos tempos. 
A evidência mais óbvia disso é a própria composição dos 
cursos de engenharia atualmente, que seguem sendo 
majoritariamente ocupados por homens brancos das elites 
urbanas, seguidos da presença de mulheres brancas da mesma 
classe social (LOMBARDI, 2005), e que criam um ambiente 
extremamente hostil e austero para pessoas que não 
compartilhem com eles o mesmo lugar social. Além disso, depois 
de formadas, estas últimas continuam a enfrentar mais 
dificuldades no ambiente de trabalho hostil (BATISTA, 2018). 
Por outro lado, embora um aumento do acesso e da 
diversidade nos cursos seja necessário, apenas essa disputa não é 
suficiente. A própria estrutura das engenharias precisa ser 
repensada. Os livros, as disciplinas, as ementas, as linguagens 
dos(as) professores(as), os sistemas de horários, os critérios para 
bolsas, as tecnologias usadas e construídas, tudo isso carrega 
traços das hierarquias em disputa, e para repensar a engenharia, 
tudo isso precisa ser revisto. 
O exemplo da webcam desenvolvida pela HP que era capaz 
de fazer o reconhecimento facial dos(as) usuários(as), mas apenas 
daqueles(as) com a pele branca, é um daqueles casos icônicos de 
como a engenharia reproduz os valores, neste caso racistas, da 
sociedade onde se desenvolve. No entanto, se formos mais a 
fundo nessa questão, podemos perceber que as rotas do 
desenvolvimento tecnológico como conhecemos é toda 
permeada pelos valores hierarquizados que compõem nossa 
realidade social. 
CUIDADO COM A VIDA 
Ao pensar a EP nos propomos também a refletir sobre os 
desequilíbrios e as desigualdades geradas por uma engenharia 
voltada a pensar apenas os espaços de produção, e que se cega às 
demandas para sobrevivência e cuidados de nossa espécie (SILVA, 
Princípios norteadores da engenharia popular 
 
 
20 
 
2014; VASCONCELLOS, 2017), disputando para que o cuidado com 
a vida (ou seja, pensar para além do ambiente de trabalho, como 
o ambiente doméstico, chamado de ambiente reprodutivo, onde 
acontece o cuidado da casa, dos filhos, da alimentação etc) tenha 
lugar central nas apostas políticas que construímos na engenharia. 
Ou seja, alegamos que a hierarquia entre produção e reprodução 
da vida, própria do sistema capitalista, seja também tensionada, e 
repensada, colocando o cuidado com a vida como princípio 
constitutivo da EP. 
VALORIZAÇÃO DA CULTURA EM SUA DIVERSIDADE 
É importante entender que outra separação artificial da 
modernidade é a separação entre economia e vida (SHIVA, 1995). 
Isso fica evidente nas populações tradicionais, como indígenas, 
quilombolas e caiçaras, para as quais a pesca, por exemplo, não é 
só uma atividade produtiva para gerar renda, mas também é uma 
forma de vida, associada a festas, danças, forma de se relacionar 
com outras pessoas etc. 
Não é incomum, em processos de licenciamento ambiental, 
quando se vai construir uma grande indústria ou um grande 
empreendimento que vai afetar uma atividade produtiva, 
oferecer como contrapartida capacitação / requalificação 
profissional para que os afetados aprendam uma nova profissão. 
O que vemos muitas vezes é adoecimento mental, depressão, e 
inúmeros problemas sociais nas populações afetadas, que se 
originam do fato de as pessoas que estão propondo soluções aos 
problemas trazidos pelo empreendimento para esses grupos não 
entenderem que o empreendimento produz a destruição da 
cultura desses grupos (BONFIM, 2011; MARQUES, 2018). 
Assim, projetos de engenharia popular devem buscar 
reconhecer essas culturas de forma ampla. Mesmo em regiões 
urbanas. Por exemplo, quando falamos da economia popular, 
temos que entender que não é possível separar o trabalho da vida, 
a atividade profissional da vida familiar. Que muitos 
empreendimentos populares não são simplesmente um negócio, 
mas são formas de produzir e reproduzir a vida de maneira familiar 
e comunitária. Não é por nada que, muitas vezes, algumas 
qualificações de base empreendedora, que pregam a separação 
 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 21 
entre o negócio e a família, uma gestão eficiente, a busca pelo 
crescimento e profissionalização, levam a conflitos e ao fim de 
diversos desses empreendimentos. 
RECONHECIMENTO E DIÁLOGO ENTRE OS DIVERSOS SABERES 
Historicamente, a ciência foi construída em forte diálogo 
com o colonialismo, num processo de assassinato físico e 
simbólico dos conhecimentos e culturas daqueles que eram vistos 
como outros, não-civilizados, bárbaros, sem alma etc. Nesse 
sentido, Boaventura de Sousa Santos (1994) e Suely Carneiro 
(2005) usam o termo epistemicídio: 
o epistemicídio se constituiu e se constitui num dos 
instrumentos mais eficazes e duradouros da dominação 
étnica/racial, pela negação que empreende da legitimidade 
das formas de conhecimento, do conhecimento produzido 
pelos grupos dominados e, consequentemente, de seus 
membros enquanto sujeitos de conhecimento (CARNEIRO, 
2005, p. 96) 
Dessa forma, esse é um desafio imenso, pois os engenheiros 
e engenheiras são muitas vezes formados(as) para se colocarem 
como experts, com um conhecimento matemático, objetivo, 
racional, verdadeiro, único, para resolver os problemas da 
sociedade. 
Assim, na prática, exemplos interessantes podem ser vistos 
em processos de assessoria a habitação popular, no qual 
engenheiros(as) e arquitetos(as) populares pensam o projeto das 
casas em diálogo com os(as) moradores(as) e os(as) pedreiros(as). 
Tanto da perspectiva que ninguém melhor do que a pessoa que 
habitará aquela casa para saber o que precisa nela, mas tambémreconhecendo que os(as) pedreiros(as) e mestres de obra têm um 
conhecimento prático (que, em parte, não deixa de ser teórico 
também, pois ninguém faz sem refletir e acumular conhecimento 
por meio das inúmeras práticas e tentativas) que muitas vezes 
os(as) engenheiros(as) não têm. Um caso muito interessante a ser 
buscado é o Coletivo Usina de SP (http://www.usina-ctah.org.br/) 
e das cooperativas de habitação por ajuda mútua no Uruguai 
(https://www.fucvam.org.uy/). 
Princípios norteadores da engenharia popular 
 
 
22 
 
Outro exemplo interessante é a agroecologia. Esta pode ser 
entendida com uma ciência construída a partir do diálogo entre o 
saber tradicional e o conhecimento acadêmico. Por meio do 
resgate do conhecimento ancestral de como produzir sem o uso 
de venenos, com pouca maquinaria, mas combinando com 
conhecimento atuais de biologia, engenharia, geografia etc. para 
dar conta de novas questões climáticas, novas pragas etc. (NEDER; 
COSTA, 2014). 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Apresentamos ao longo deste capítulo os princípios que têm 
norteado a organização da REPOS e da Engenharia Popular que 
procuramos fomentar e fortalecer a partir dela. O fazemos não 
com intuito de que isso funcione como um manual prático do 
‘como fazer EP’, mas sim que sirva de base inicial de reflexão e 
crítica, quando nos propomos a fazer engenharia de modo 
engajado. Assumimos, talvez pretensiosamente, que aquilo que 
acumulados ao longo desses anos possa ser inspiração para outros 
grupos que compartilham conosco da utopia de que é possível que 
a engenharia seja instrumento do necessário processo de 
transformação radical da nossa sociedade. Falamos aos(às) 
engenheiros(as) dispostos a construir coletivamente a engenharia 
popular. Uma engenharia popular que só é possível, se formos 
capazes de dialogar com o povo e se colocarmos o saber que 
temos à prova, e ao serviço, das demandas populares por 
transformação social. 
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ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
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ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 25 
Engenharia e transformação social 
Cristiano Cruz, ITA, REPOS 
Celso Alvear, UFRJ, REPOS 
Bruna Vasconcellos, UFABC, REPOS 
 
Grupos como o dos Engenheiros sem Fronteiras, existentes 
em várias partes do mundo, e da Engenharia Popular, brasileira, 
trazem em seu horizonte de atuação o desejo de transformar o 
mundo. Enxergar que a transformação do mundo pode – ou deve 
– passar pela construção da tecnologia em geral, e a prática da 
engenharia, em particular, é, porém, algo bem recente na nossa 
história. 
Neste capítulo, apresentaremos um resumo de alguns dos 
principais marcos da constituição desses tipos de práticas 
engajadas da engenharia no Norte e no Sul globais. Ofereceremos 
também breves explicações de alguns entendimentos 
importantes que estudiosos da tecnologia desenvolveram a partir 
da década de 1980. 
Pelo espaço que temos disponível aqui, essa apresentação 
será necessariamente introdutória. Para aqueles/as que 
desejarem se aprofundar nessa reflexão, as REFERÊNCIAS 
oferecidas são um dos caminhos para isso. 
PROJETO PARTICIPATIVO, TECNOLOGIA E SOCIEDADE 
A incorporação ou escuta das pessoas que usarão ou serão 
afetadas por algum desenvolvimento técnico ao projeto deste é 
algo relativamente recente. No Norte global, ela emerge no final 
da década de 1960. Existe um disparador duplo desseprocesso lá: 
o fim dos anos de ouro de crescimento econômico do pós-II 
Guerra (que faz as pessoas se tornarem mais criteriosas com 
respeito ao que comprarão); e a progressiva tomada de 
consciência de que o desenvolvimento técnico-científico pode 
produzir morte e devastação (cujo momento emblemático é o 
lançamento de Silent Spring, de Rachel Carson, em 1962) (DE 
VRIES, 2009). 
Engenharia e transformação social 
 
 
26 
 Esse movimento pôs em xeque não apenas o modus operandi 
dominante na indústria, nos laboratórios de pesquisa e 
desenvolvimento e nas áreas técnicas dos governos, como abalou 
uma crença grandemente estabelecida então, a de que o 
desenvolvimento tecnológico derivaria, de forma dedutiva, do 
desenvolvimento científico; a famosa compreensão que assumia 
que a engenharia seria ciência aplicada (DE VRIES, 2009). 
Essa incorporação ou escuta das pessoas que usarão, 
operarão ou serão afetadas pela tecnologia a ser produzida teve, 
inicial e majoritariamente, uma intenção econômica: não se 
investir dinheiro no desenvolvimento de produtos que não teriam 
êxito comercial. Gradativamente, no entanto, ela possibilitou que 
práticas projetivas comprometidas com o empoderamento dos 
trabalhadores, ou, o que seria dizer o mesmo, com a 
democratização dos espaços de trabalho, surgissem. Esse foi o 
caso da tradição dos projetos participativos, de origem 
Escandinava, que surge já na década de 1970. 
Os projetos participativos vão sendo construídos na 
perspectiva de, em uma Escandinávia fortemente sindicalizada, 
proceder ao processo de informatização dos espaços de trabalho, 
de modo não apenas a incorporar a expertise dos trabalhadores 
nesse design, mas também de conformar um espaço laboral 
melhor para eles (em termos ergonômicos e existenciais), e no 
qual suas opiniões tivessem peso para as decisões a serem 
tomadas (VELDEN; MÖRTBERG, 2015; ROBERTSON; SIMONSEN, 
2013). 
Atualmente, práticas de projetos participativos ocorrem no 
mundo inteiro, sendo adotadas em uma grande variedade de 
projetos técnicos, não apenas naqueles relativos a artefatos ou 
processos produtivos. De igual modo, várias de suas aplicações 
perderam o vínculo inicial com o empoderamento dos 
coprojetistas (i.e., os usuários, operadores e/ou pessoas 
potencialmente afetadas que são incorporadas ao esforço 
projetivo), operando em uma perspectiva mercadológica de 
design de uma solução vendável e aceitável por seus futuros 
compradores e pela sociedade em geral (VELDEN; MÖRTBERG, 
2015; ROBERTSON; SIMONSEN, 2013). 
 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 27 
Seja como for, a tradição dos projetos participativos 
evidencia três aspectos centrais e absolutamente importantes da 
tecnologia e do processo de seu desenvolvimento. Primeiro, 
qualquer desafio técnico é passível de ser resolvido de distintas 
maneiras. A informatização dos espaços de trabalho, por exemplo, 
pode se dar incorporando os conhecimentos dos trabalhadores e 
produzindo soluções grandemente amigáveis à operação por 
essas pessoas, ou pode partir de cima para baixo e exigir um 
enorme esforço ou reciclagem dos trabalhadores para serem 
operadas. 
Isso, que se chama de subdeterminação (FEENBERG, 2019, 
caps. 1 e 4), pode ser visto em toda parte: no desafio técnico da 
agricultura (que pode ser resolvido segundo uma perspectiva 
agroecológica ou do agronegócio); no desafio técnico do 
transporte urbano (que pode ser resolvido com preferência ao 
transporte público ou aos carros); no desafio da gestão dos 
resíduos sólidos urbanos (que pode privilegiar a reciclagem ou a 
incineração, por exemplo); etc. 
O segundo aspecto evidenciado pela tradição dos projetos 
participativos é o de que, para escolhermos, dentre as soluções 
possíveis, aquela que será implementada, necessariamente 
lançamos mão de valores ético-políticos (como controle social ou 
empoderamento, inclusão ou exclusão, justiça social ou 
desigualdade, harmonização com ou submissão da natureza etc.). 
A informatização empoderadora dos espaços de trabalho 
escandinavos não se impõe por ser eficiente, ao passo que a 
desempoderadora não o seria. Na verdade, ambas as soluções 
seriam (ou poderiam ser) eficientes, mas se optou pela primeira, 
em função de a democratização ser um valor inegociável para os 
atores envolvidos. 
Inúmeros são os exemplos históricos desse tipo de coisa, 
desde o design das bicicletas (PINCH; BIJKER, 1986), da 
infraestrutura urbana acessível a cadeirantes (WINNER, 2017), de 
viadutos propositalmente baixos (idem), do trabalho infantil nas 
tecelagens inglesas e do projeto de caldeiras mais seguras nos 
Estados Unidos (FEENBERG, 2019), até tecnologias menos ou mais 
Engenharia e transformação social 
 
 
28 
 sustentáveis ecologicamente (FEENBERG, 2019) e procedimentos 
de teste clínico de medicamentos (COLINS; PINCH, 1998, cap. 7). 
Ou seja, o desenvolvimento tecnológico em geral, e a prática 
da engenharia, em particular, são necessariamente conformados 
pelos valores ético-políticos dos atores com poder de decisão 
nesses processos. A sociedade, nesse sentido, conforma ou 
determina, em certo grau, a tecnologia que produzimos. E isso não 
é algo negociável. Sem valores ético-políticos balizadores, 
simplesmente não teríamos como escolher dentre as várias 
soluções técnicas possíveis para um mesmo desafio (p.e., uma 
tecnologia mais poluidora e uma menos). 
Por fim, o terceiro aspecto que os projetos participativos 
evidenciam é que a tecnologia, de sua parte, também conforma a 
sociedade. Com efeito, as soluções de informática produzidas na 
Escandinávia dos anos 1970 geravam, a partir da sua mera 
utilização, um espaço de trabalho no qual o conhecimento e as 
opiniões dos trabalhadores tinham lugar central. 
De igual modo, cidades sem rampas de acesso para 
cadeirantes interditam a circulação deles por elas; viadutos que 
não permitem a passagem de ônibus impedem que os usuários 
destes acessem certos espaços; tecnologias menos sustentáveis 
ecologicamente produzem degradação ambiental; linhas de 
montagem produzem desqualificação profissional e 
desempoderamento dos trabalhadores etc. 
Ou seja, tecnologia e sociedade se conformam mutuamente 
em certo grau. Elas, na prática, constituem os dois lados de uma 
realidade indissociável; uma realidade que não é social e técnica 
separadamente, mas que é sociotécnica. Por essa razão, qualquer 
luta política para se transformar o modo como vivemos em termos 
coletivos (e mesmo as possibilidades de subjetivação, de 
construção de sentido e identidade pessoais) precisam ser 
também lutas por se transformar a base tecnológica disponível. 
Ou seja, qualquer outro mundo possível requererá uma tecnologia 
diferente da convencional ou dominante hoje, que é aquela que 
reforça ou emula, por sua mera operação, os valores hegemônicos 
que a conformam e selecionam. 
 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 29 
No Norte global, os projetos participativos são um modo de 
se buscar dar esses passos transformadores. O que o Sul global 
oferece para esse mesmo fim? É a isso que nos voltamos agora. 
TECNOLOGIA APROPRIADA, TECNOLOGIA SOCIAL E ENGENHARIA 
ENGAJADA 
Na América Latina, assim como em boa parte dos países 
periféricos, práticas questionadoras do status quo e que 
contribuem com o empoderamento dos coprojetistas ganham 
força sobretudo a partir do final da década de 1990. Para além da 
importação e adaptação de práticas equivalentes às do Norte 
global (como a dos projetos participativos), há também poderosas 
abordagens locais, várias das quais emergem como 
desdobramento crítico daquilo que ficou conhecido como 
movimento da tecnologia apropriada. 
Em linhas muito gerais, o movimento da tecnologia 
apropriada (TA) se inicia ou se inspira no resgate do uso da roca 
tradicional, por Gandhi, na Índia dos anos 1920. Emmeio à luta 
não violenta encabeçada por Gandhi contra a dominação inglesa 
sobre seu país, a Charkha, uma tecnologia de fácil uso, baixo custo 
de implementação e familiar à cultura indiana possibilitava uma 
forma de o povo fazer frente à metrópole europeia, deixando de 
consumir os produtos da poderosa indústria têxtil que os ingleses 
mantinham no país (DAGNINO et al., 2004). 
A TA se desenvolve primeiro na Índia e na China, vindo, 
apenas na década de 1960, a se expandir pela América Latina 
(THOMAS, 2009; SMITH et al., 2017). Diferentemente da roca de 
Gandhi, uma tecnologia tradicional na Índia, o movimento se 
caracterizou, grosso modo, pela transferência de soluções 
tecnológicas maduras nos países centrais para os países da 
periferia, aos quais elas eram oferecidas em uma versão 
simplificada, de baixo custo e de fácil operação (e, em muitos 
casos, também de fácil construção e/ou manutenção) pela 
população local (THOMAS, 2009). 
Constituíram exemplos desse movimento tecnologias de 
construção civil (com processos de construção de casas, sistemas 
de irrigação, estradas, saneamento básico etc.), de geração de 
Engenharia e transformação social 
 
 
30 
 energia (como os biodigestores e soluções de energia solar) e de 
produção agrícola (como as primeiras práticas agroecológicas) 
(THOMAS, 2009; SMITH et al., 2017). Ainda que, em várias 
situações, essas transferências se processaram de cima para 
baixo, sem diálogo com os grupos locais, nem adaptações a 
algumas das especificidades de seus territórios, valores e 
cosmovisões, em outras, a assistência técnica provida operou 
quase como pretexto para a organização e a articulação política 
das comunidades, em um tempo no qual boa parte da América 
Latina vivia sob ditaduras militares (SMITH et al., 2017). 
A TA, de todo modo, era majoritariamente financiada por 
organismos internacionais, como o Banco Internacional de 
Desenvolvimento (BID) e o USAID. Com isso, com a virada 
neoliberal que o mundo experimenta, capitaneada por Ronald 
Regan (EUA) e Margareth Thatcher (Inglaterra), a partir da década 
de 1980, essas iniciativas param de receber verbas e, 
gradativamente, vão desaparecendo (exceto na Índia e na China) 
(THOMAS, 2009; SMITH et al., 2017). Como, porém, fome e 
miséria não desaparecem do mundo, a segunda metade da 
década de 1990 testemunhará um ressurgimento de iniciativas 
voltadas à mitigação desses problemas e à transformação social. É 
no bojo desse processo que eclode, na América Latina, a 
tecnologia social (THOMAS, 2009). 
A tecnologia social (TS) pode ser descrita como “conjunto de 
técnicas e metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou 
aplicadas na interação com a população e apropriadas por ela, que 
representam soluções para inclusão social e melhoria das 
condições de vida” (ITS, 2004, p. 26). 
Como critérios inegociáveis para a TS estão o controle 
democrático sobre a técnica, a autogestão e o empoderamento de 
trabalhadores e usuários (DAGNINO, 2009). Em relação à 
tecnologia apropriada, a TS assume explicitamente a crítica à 
tecnologia convencional e à visão de mundo e valores 
(tecnocrático-capitalistas) que a conformam e são por ela 
reforçados sociotecnicamente, assim como o compromisso com o 
empoderamento dos grupos com os quais ela é co-construída. 
 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 31 
Um modo específico de se produzir TS é aquele engendrado 
pela engenharia popular (EP), apresentada no capítulo anterior 
Princípios norteadores da engenharia popular. 
Ao lado da TS e da EP, múltiplas outras abordagens técnicas, 
no Sul e no Norte globais, têm pretensões em algum grau 
transformadoras do status quo. Esse é o caso, por exemplo, da 
indiana Honey Bee Network (SMITH et al., 2017, cap. 8), do 
movimento maker e hacker (idem, cap. 6), da engenharia 
humanitária (do tipo desenvolvido pelos Engenheiros sem 
Fronteiras e pelo Teto ou Habitat para a Humanidade, por 
exemplo) e do empreendedorismo social (do tipo promovido, por 
exemplo, pela Enactus). Em comum, todas essas práticas 
assumem um compromisso com a responsabilidade social, com a 
melhoria das condições de vida das pessoas, prioritariamente, das 
mais vulneráveis. É por isso que se convencionou englobá-las 
todas sob o rótulo de engenharia engajada (KLEBA, 2017). 
Há, entretanto, importantes diferenças entre as distintas 
práticas de engenharia engajada. Isso tem a ver, por exemplo, com 
o grande horizonte ou objetivo buscado com tais iniciativas, que 
vai desde prover acesso a bens e serviços a sonhar e construir 
outro mundo possível, passando por aprimorar a ordem 
sociotécnica a partir da cosmovisão hegemônica estabelecida 
(KLEBA, 2017). 
Além disso, e como reflexo ou desdobramento do horizonte 
assumido, o grau ou tipo de crítica à tecnologia convencional, ao 
modo hegemônico de se praticar e ensinar engenharia, a políticas 
públicas de ciência e tecnologia, às cosmovisões e sonhos de 
mundo vigentes etc. pode variar grandemente de uma prática 
engajada para outra. Para algumas dessas práticas, inclusive, a 
estreita relação entre tecnologia e sociedade (que, como vimos, 
conformam-se mutuamente em certo grau) passa despercebida 
ou não problematizada, o que traz impactos evidentes aos tipos 
ou graus de transformação social que elas podem de fato 
promover. 
Engenharia e transformação social 
 
 
32 
 ENGENHARIA POPULAR 
No que concerne especificamente à engenharia popular, a 
atuação técnica, como vimos no capítulo anterior, não tem apenas 
a pretensão de colaborar com o grupo popular, na construção de 
uma solução que responda às suas necessidades, incorpore os 
seus saberes e valores e contribua com o seu empoderamento. Em 
paralelo e como condição para tudo isso, a EP tem um 
compromisso inegociável com a educação popular, entendida 
como processo não apenas de ganho de consciência crítica com 
relação à ordem sociotécnica instituída, mas também de sonho e 
gestação de outra ordem possível. 
Dessa forma, as práticas da EP, seja junto a empresas 
recuperadas por trabalhadores, cooperativas de catadores, 
empreendimentos agroecológicos populares, iniciativas de 
economia solidária etc., têm a pretensão de se oferecer como um 
experimento de utopia, como a antecipação e a materialização 
sociotécnica, ainda que em certa medida precária, desse outro 
mundo possível. 
Em termos históricos, a engenharia popular começa a se 
constituir no início dos anos 2000, sendo a articulação de três 
frentes que foram incentivadas ao longo dos governos Lula e 
Dilma: economia solidária; tecnologia social; e extensão 
universitária (FRAGA et al., 2020). 
O movimento da economia solidária surge, no Brasil, no 
início dos anos 1990, no contexto das altas taxas de desemprego, 
fome e pobreza de então. Sua primeira iniciativa concreta foi a 
Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida, lançada 
em março de 1993 por Hebert de Souza, o Betinho. Em 1994, a 
Ação lança a campanha Natal Sem Fome. Em 1995, é lançada a 
Ação pelo Emprego e o Desenvolvimento. Contudo, é apenas 
2001, com a primeira edição do Fórum Social Mundial, em Porto 
Alegre, que as diferentes forças e iniciativas desse campo 
encontram fórum adequado para construir uma unidade. A partir 
disso, a economia solidária será gradativamente identificada com 
iniciativas produtivas coletivas (cooperativas, associações e 
grupos informais) que operam de acordo com os princípios de 
autogestão, cooperação e solidariedade (FRAGA et al., 2020). 
 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 33 
Em 2003, no primeiro ano do primeiro governo Lula, é criado 
o Programa Nacional de Incubadoras (Proninc), que tinha como 
um de seus objetivos prover assistência técnica a 
empreendimentos de economia solidária, por meio da extensão 
universitária. Nesses termos, o Programa atuava em sintonia coma Secretaria Nacional de Economia Solidária, que foi criada nesse 
mesmo ano. Ao mesmo tempo, o Proninc oferecia um âmbito para 
a atuação da extensão universitária que satisfazia as orientações 
por enraizamento da extensão no entorno das instituições de 
ensino superior e pela descentralização dos processos de 
concepção e execução das atividades extensionistas, conforme 
preconizava o Programa de Extensão Universitária, que foi 
reativado também em 2003 (FRAGA et al., 2020). 
A engenharia popular, no modo como seus primeiros 
praticantes a realizarão, será uma atividade executada a partir da 
extensão universitária, tendo como objetivo a co-construção, 
junto a grupos populares, de tecnologias sociais, e tendo como 
horizonte ou ideal um outro mundo possível, norteado pelos 
princípios da economia solidária. [Em si, o desenvolvimento de 
tecnologia social será incentivado pela Secretaria Nacional de 
Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Social, criada no 
primeiro governo Lula (FRAGA et al., 2020)]. 
A EP, de todo modo, não emerge pronta. Seu processo de 
constituição, que segue sendo (re)feito, estará intimamente 
atrelado aos Encontros Nacionais de Engenharia e 
Desenvolvimento Social (ENEDS), que acontecem anualmente 
desde 2004, e às versões regionais do encontro (EREDS), que 
acontecem desde 2011. Esses eventos, que são abordados com 
mais profundidade no capítulo Eventos em Engenharia Popular, 
serão o equivalente, para a EP, do Fórum Social Mundial, para a 
economia solidária. Neles: diversos núcleos e projetos de 
extensão afinados com uma busca comum por outra ordem 
sociotécnica encontrarão espaço para trocarem experiência, 
aprimorarem suas práticas e construírem uma identidade comum; 
pesquisas acadêmicas relativas a temas caros à EP encontrarão 
audiência crítica interessada; estudantes simpáticos ao ideário da 
Engenharia e transformação social 
 
 
34 
 EP, mas desconhecedores dela, terão oportunidade de conhecê-la 
um pouco; e, talvez sobretudo, todos poderão nutrir e 
(re)acender, em si e uns nos outros, a chama da união, 
solidariedade e compromisso com esse outro mundo possível 
(FRAGA et al., 2020). 
Em 2014, e como desdobramento dos ENEDS/EREDS, 
constitui-se a Rede de Engenharia Popular Oswaldo Sevá (REPOS), 
que congrega todos os núcleos que se auto identificam como de 
engenharia popular. 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
Como vimos, múltiplos são os caminhos de, partindo-se da 
prática da engenharia, contribuir-se com a transformação da 
realidade sociotécnica em que vivemos. Cada um deles tem 
potenciais e limites específicos, boa parte dos quais atrelada ao 
objetivo de fundo que assumem (prover acesso a bens e serviços, 
oferecer melhorias à ordem instituída ou colaborar com a 
construção de outro mundo possível). No que concerne à 
engenharia popular, cuja prática é analisada em maior detalhe ao 
longo dos capítulos Princípios norteadores da engenharia popular 
e Construir alternativas tecnológicas com as classes populares: 
engenharia, educação popular e extensão universitária, o 
experimento de utopias é inegociável. Isso marca profundamente 
as abordagens que ela desenvolve. 
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ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 35 
FRAGA, L.; ALVEAR, C.; CRUZ, C. Na trilha da contra-hegemonia da engenharia no 
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Engenharia e transformação social 
 
 
36 
 
 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 37 
Construir alternativas tecnológicas com as 
classes populares: engenharia, educação 
popular e extensão universitária 
Lais Fraga, Unicamp, REPOS 
Bruna Vasconcellos, UFABC, REPOS 
 
Desde o início dos anos 2000 temos ouvido falar com 
frequência de tecnologia social (FBB, 2004). Ainda que não seja um 
tema que tenha destaque na grande mídia, existem diversas 
experiências, encontros acadêmicos e não acadêmicos, uma 
significativa produção bibliográfica (livros, revistas, artigos, teses 
e dissertações), políticas públicas de ciência e tecnologia para 
inclusão social (como a Secretaria Nacional de Ciência e 
Tecnologia para a Inclusão Social – SECIS), o banco e o prêmio de 
tecnologias sociais organizados pela Fundação Banco do Brasil 
entre outras diversas iniciativas. 
Desde então, nossa perspectiva sobre o tema é de crítica e 
autocrítica daquilo que já realizamos e do que podemos realizar a 
partir da relação entre universidade e sociedade, mais 
especificamente da atuação com grupos populares e movimentos 
sociais. Temos também insistido na necessidade de conectar essas 
iniciativas com a formação e atuação de engenheiros e 
engenheiras para que os processos já existentes ganhassem em 
qualidade e complexidade e para que os/as profissionais dessa 
área conhecessem uma possibilidade alternativa de atuação para 
além da grande empresa privada. 
Nesta perspectiva, apresentamos reflexões a partir do nosso 
envolvimento tanto com a Tecnologia Social quanto com a 
Engenharia Popular, para pensar as possibilidades de atuação a 
partir da extensão e da Educação Popular. Essa escolha nos 
permite compartilhar alguns acúmulos, na esperança de que esses 
processos possam ser continuados, criticados e melhorados. 
Almejamos contribuir para o fortalecimento dos processos de 
construção de uma alternativa tecnológica baseada em valoresConstruir alternativas tecnológicas com as classes populares 
 
 
38 
 como a solidariedade, a justiça social, a igualdade de gênero, o 
combate ao racismo, o cuidado com a vida. 
Esse texto está organizado em três partes, além dessa 
introdução e das considerações finais. Na primeira resgatamos a 
ideia de alternativa tecnológica e como isso aparece em alguns 
momentos de nossa história. Na segunda, abordamos a temática 
da extensão e atuação da engenharia a partir dela. Por fim, 
abordamos a educação popular como perspectiva necessária para 
pensarmos nossa atuação como engenheiros/as a partir da 
extensão universitária. As reflexões apresentadas tratam 
especialmente do livro Extensão ou comunicação? de Paulo Freire, 
que acreditamos ser um bom ponto de partida para coletivos de 
engenharia popular refletir sobre suas práticas. 
Um exemplo do engajamento do que propomos neste 
capítulo é apresentado no capítulo Projetos de engenharia 
popular na prática: o que podemos aprender com eles? que traz 
uma perspectiva dialógica da relação entre engenheiros/as e 
classes populares. 
O PONTO DE PARTIDA: A CONSTRUÇÃO DE ALTERNATIVAS 
TECNOLÓGICAS 
A ideia de construção de alternativas tecnológicas, ou seja, 
do desenvolvimento de sistemas sociotécnicos que se 
contraponham à tecnologia convencional, não é uma novidade. A 
tecnologia moderna, essa que conhecemos e que foi disseminada 
pelo mundo a partir da primeira Revolução Industrial, enfrentou 
historicamente inúmeros processos de resistência contra sua 
implementação. Temos o clássico exemplo dos ludistas que 
destruíam as máquinas nos seus lugares de trabalho na Grã-
Bretanha de final do século XVIII; e nos mais diversos territórios 
onde se impunham violentamente esses processos produtivos – 
através das invasões coloniais – haviam populações que se 
organizavam para manter e melhorar sistemas tradicionais de 
produção e desenvolvimento tecnológico. Os quilombos no Brasil, 
e a resistência indígena em território latino americano podem ser 
exemplos desses casos. 
Segundo os registros mais recorrentes sobre o tema, a ideia 
de tecnologia social emerge na América Latina inspirada no 
 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 39 
movimento da tecnologia apropriada (TA) dos anos 1960-1970 
(VASCONCELLOS, 2017). Um movimento que, em linhas gerais, 
construía caminhos para a implementação de tecnologias mais 
adequadas à realidade das zonas empobrecidas nos continentes 
africano e asiático, sobretudo na área rural. Nesse sentido, ações 
e programas internacionais de desenvolvimento eram 
desenhados para que os países do norte ampliassem o leque de 
oferta tecnológica considerada adequada aos países do sul, 
visando minimizar as precárias condições socioeconômicas desses 
territórios (VASCONCELLOS; DIAS; FRAGA, 2017). 
Esse movimento, por sua vez, surge inspirado na atuação de 
Gandhi no movimento nacionalista indiano de começo do século 
XX, que toma uma roca de fiar, a charkha, como principal símbolo 
de resistência ao Império Britânico. Ao disseminar uma tecnologia 
como forma de resistência socioeconômica ao Império, o 
movimento indiano teria difundido aquela que seria a primeira 
tecnologia apropriada (HERRERA, 2010). 
No Brasil dos anos 2000, parte dessa crítica ao modelo 
hegemônico de desenvolvimento tecnológico se organiza ao redor 
do conceito de Tecnologia Social. Esse movimento que se 
consolida no país especialmente ao final dos anos 1990, começo 
dos anos 2000, se inspira em outras experiências históricas que de 
modo semelhante se organizaram para evidenciar a necessidade 
da construção de alternativas tecnológicas. 
A ideia de Tecnologia Social surge, por sua vez, inspirado 
nessas experiências históricas, nas noções construtivistas da 
tecnologia que ganham espaço no meio acadêmico do país, do 
Pensamento Latino Americano em Ciência, Tecnologia e 
Sociedade e também respaldadas pelas ações concretas com 
grupos populares auto-organizados (DAGNINO; BRANDÃO; 
NOVAES, 2004). Assim, embora o conceito possa ter muitas 
definições, destacamos aqui seu caráter crítico ao sistema 
tecnológico hegemônico, e sua importância ao longo das duas 
últimas décadas na disputa por políticas de construção de 
tecnologias adequadas às necessidades da auto-organização 
popular e seu olhar atento às resistências sociotécnicas 
Construir alternativas tecnológicas com as classes populares 
 
 
40 
 construídas pelos movimentos sociais. Não menos importante são 
as leituras mais recentes que trazem abordagens feministas e anti-
racistas como parte integrante dessas críticas. 
Concebemos, vale destacar, a ideia de alternativa 
tecnológica, ou alternativa sociotécnica, como propõe 
Vasconcellos (2017), compreendida como um fenômeno amplo de 
busca por alternativas à tecnologia moderna, hegemônica desde 
as revoluções industriais. Nessa chave de leitura, Tecnologia 
Social, Tecnologia Apropriada, resistência tecnológica, 
desobediência tecnológica são fenômenos mais restritos e a ideia 
de alternativa tecnológica contém essas experiências. 
Para nós, a Engenharia Popular deve estar engajada na 
construção de alternativas tecnológicas. Essa afirmação tem como 
ponto de partida a ideia de que existem trajetórias tecnológicas 
distintas (e muitas vezes concorrentes) que precisam ser 
estudadas, compreendidas e apresentadas aos grupos populares 
com os quais trabalhamos. E esta não é uma afirmação simples, 
uma vez que escolher entre as diferentes trajetórias é uma ação 
técnica e política e demanda uma relação dialógica com os grupos 
populares e movimentos sociais. 
Mas a mudança tecnológica não é orientada apenas pela 
eficiência, isto é, pela melhor maneira de resolver um problema? 
Não seria apenas resolver um problema social ou ambiental da 
melhor maneira? A ideia de Tecnologia Social parte da negação 
dessa perspectiva. É exatamente por isso que se propõe uma 
outra forma de desenvolver tecnologia, uma alternativa 
tecnológica. 
Quando olhamos para propostas opostas de 
desenvolvimento tecnológico como o agronegócio e agroecologia, 
o software proprietário e o software livre, coleta seletiva solidária 
e incineração, entre tantos outros exemplos, fica mais clara a ideia 
de rotas ou trajetórias tecnológicas concorrentes (FRAGA, 2017). 
E é aí que entra a importância de compreender a tecnologia 
para além da perspectiva da engenharia (pelo menos da 
engenharia convencional). Existem muitos outros fatores que 
influenciam o desenvolvimento de uma tecnologia como aspectos 
 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 41 
sociais, ambientais, éticos, estéticos, etc para além de aspectos 
considerados puramente técnicos. 
EXTENSÃO: ATUAR A PARTIR DA UNIVERSIDADE 
Muitos dos coletivos de engenharia ou multidisciplinares que 
atuam no desenvolvimento de Tecnologia Social são coletivos 
compostos por estudantes universitários. Geralmente são grupos 
que desenvolvem atividades de extensão universitária, isto é, de 
interação da universidade com a comunidade. 
Atuar a partir da universidade traz alguns limitantes, mas 
também algumas potencialidades. A missão de formar pessoas da 
universidade nos possibilita experimentar diversas maneiras de 
atuação, como, por exemplo, a atuação da engenharia com grupos 
populares e movimentos sociais. 
Mas vamos nos ater a uma segunda missão da universidade 
que é produzir conhecimento. Quando atuamos na extensão 
estamos envolvidos com outros modos de conhecimento que não 
apenas o científico. O conhecimento tradicional, popular, das 
mulheres, dos quilombos, dos indígenas, dos/as catadores/as, 
dos/as agricultores/as, do sujeito periférico se faz presente e 
transforma aquilo que fazemos na universidade. 
O livro Extensão ou comunicação? de Paulo Freire é um 
marco no debate sobre extensão. O educador foi também um 
extensionistae já no exílio critica duramente a ideia de estender o 
conhecimento à sociedade. Freire (1983) afirma que o termo 
extensão se encontra em relação significativa com transmissão, 
entrega, doação, messianismo, mecanicismo, superioridade (do 
conteúdo de quem entrega), inferioridade (dos que recebem), 
invasão cultural, etc. A invasão cultural se dá “através do conteúdo 
levado, que reflete a visão do mundo daqueles que levam, que se 
superpõe à daqueles que passivamente recebem” (FREIRE, 1983, 
p. 13). Por isso, Paulo Freire qualifica a ação de um extensionista 
que transfere conhecimento como uma ação que nega o outro 
como ser de transformação do mundo, isto é, como alguém 
incapaz de transformar sua própria realidade. 
Construir alternativas tecnológicas com as classes populares 
 
 
42 
 Destacamos duas ideias centrais para nossa argumentação: 
a invasão cultural e a passividade do sujeito que recebe o 
conhecimento. A partir da primeira, decorrem dois argumentos 
fundantes da transferência de conhecimento: a) a ação de 
estender conhecimentos estende também normas e valores, isto 
é, visão de mundo; e b) considera-se que tanto conhecimento 
quanto a visão de mundo de quem transfere são superiores aos de 
quem recebe. A segunda ideia, a passividade do sujeito, decorre 
da negação do outro enquanto sujeito de transformação da 
sociedade (FRAGA, 2012). 
Thiollent (1984) amplia o debate para a transferência de 
tecnologia e, refletindo especificamente sobre difusão tecnológica 
no trabalho com produtores rurais, afirma que 
a concepção prevalecente da difusão é essencialmente 
recepcionista. Os usuários são simples receptores de 
informação acerca das técnicas e estão mais ou menos 
dispostos a aceitá-las. Não se imagina um esforço de criação 
de técnicas e de mobilização coletiva em torno de práticas 
adequadas à situação dos produtores. Pressupõe-se que a 
técnica é sempre importada pelo grupo receptor. Não há 
interesse particular na geração interna de ideias, técnicas ou 
em modos de difusão dotados de relativos graus de 
autonomia (THIOLLENT, 1984, p. 45). 
Um ponto que merece atenção e que é pouco explorado 
pelas diferentes formas de engenharia engajada (KLEBA, 2017) é 
que o texto de Paulo Freire (originalmente escrito em 1969) se 
refere à atuação do agrônomo e, por isso, é também sobre a 
atuação técnica. Com algumas considerações, podemos 
considerá-lo como uma das primeiras contribuições sobre esse 
engajamento das áreas técnicas com as classes populares. 
Nele o autor fala em agrônomo educador e foi de onde 
tiramos nossa inspiração para escrever o texto “Engenheiro 
Educador” no qual nos demos conta que havia uma atuação 
convencional da engenharia e outra possibilidade de atuação a 
partir da Educação Popular e da Tecnologia Social (FRAGA; 
SILVEIRA; VASCONCELLOS, 2011). 
Hoje nos entendemos como educadores/as populares, como 
engenheiros/as educadores/as e engenheiros/as populares. Não 
nos entendemos como detentores/as de um saber único e 
 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 43 
superior a ser estendido, transferido, aos grupos. Nos vemos 
como uma das partes em um processo coletivo de redefinição das 
tecnologias, para que estas fortaleçam projetos políticos de 
transformação social que sonhamos. Depois de dez anos dessa 
descoberta, encontramos muitos pares para essa reflexão e 
atuação na Rede de Engenharia Popular Oswaldo Sevá (REPOS). 
EDUCAÇÃO POPULAR: UMA PERSPECTIVA PARA A AÇÃO 
Este capítulo nos permite apenas uma breve aproximação 
com os temas abordados. E acreditamos que a Educação Popular 
merece mais atenção nas nossas discussões sobre a Engenharia 
Popular. Em outras áreas, como na educação e na saúde, há um 
espaço significativo para o tema nas reflexões acadêmicas e na 
atuação com as classes populares. 
Um bom ponto de partida é o livro de Paulo Freire, 
anteriormente citado, ela nos dá pistas, instala dúvidas nas nossas 
certezas e promove a autocrítica nas nossas ações. Será que, a 
partir da engenharia, estamos sendo autoritários? Estamos 
impondo aos grupos populares com os quais trabalhamos 
soluções tecnológicas, imaginando que os mesmos ‘não tem 
condições de opinar’ em assuntos técnicos? Discutimos qual é o 
nossa perspectiva teórico-metodológica para planejar nossas 
ações? Estamos estabelecendo diálogos verdadeiros com os 
grupos populares potencializando suas capacidades para resolver 
os problemas que enfrentam? Sabemos das nossas limitações 
como engenheiros/as para atuação com grupos populares? Quais 
as metodologias que temos utilizado para: 
a) Diagnosticar problemas ou necessidades técnicas dos 
grupos populares; 
b) Socializar diferentes modos de conhecimento entre os 
envolvidos nas experiências de extensão universitária; 
c) Promover a decisão coletiva entre engenheiros/as e os 
grupos populares para escolha das soluções técnicas 
adotadas; 
d) Avaliar as soluções escolhidas e implementadas? 
Construir alternativas tecnológicas com as classes populares 
 
 
44 
 É porque a Educação Popular considera as classes populares 
sujeito da sua própria história, portadora de conhecimentos 
válidos e necessários para mudar a realidade que ela é tão 
aderente a ideia de construção de alternativas tecnológicas. Ela 
nos ajuda a entender com profundidade a maneira pelas quais, 
mesmo sem querer, podemos estar sendo autoritários e 
silenciando os grupos populares. 
Por isso, acreditamos que através de uma constante 
interação dialógica entre engenheiros/as e os grupos populares é 
que se desenvolveriam alternativas tecnológicas. O/A 
engenheiro/a teria o papel de mediar diagnósticos participativos 
para elencar quais seriam os principais problemas tecnológicos 
enfrentados pelos grupos populares e, a partir disso, buscar 
soluções para esses problemas e conceber tecnologias sociais 
adequadas para essa realidade com esses grupos e não para esses 
grupos. 
Dizer que o/a engenheiro/a seria um/a mediador/a significa 
dizer que seria responsável por transitar entre os diferentes 
modos de conhecimento para mediar a construção coletiva de 
tecnologias. Por outro lado, caberia ao/à engenheiro/a promover 
processos educativos para que os grupos populares pudessem 
também transitar entre os diferentes modos de conhecimento. 
Para atingir esses objetivos, a engenharia deveria 
necessariamente estar comprometida com processos dialógicos e, 
por isso, deveriam ser não só engenheiros/as mas também 
educadores/as populares. A esse/a engenheiro/a chamamos 
Engenheiro/a Educador/a (FRAGA; SILVEIRA; VASCONCELLOS, 
2011). 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
A extensão universitária tem sido ao longo das últimas 
décadas uma das vias mobilizadas na organização de políticas, 
ações, pesquisa e produção de conhecimento e alternativas 
tecnológicas. Inspiradas na perspectiva de Educação Popular de 
Paulo Freire. Procuramos destacar a necessidade de refletir 
criticamente sobre nossa atuação como engenheiros/as populares 
em processos coletivos de construção de tecnologias. 
 
ENGENHARIA POPULAR 
construção e gestão de projetos de tecnologia e inovação social 
 
 
 Parte 1: A Engenharia Popular 45 
Tendo a extensão e a Educação Popular como pano de fundo, 
sugerimos especial atenção para não reproduzirmos uma lógica 
hierarquizada das relações entre diferentes modos de 
conhecimento e diferentes sujeitos. Alegamos que para essa 
perspectiva se faz necessária uma atuação de Engenheiros/as 
Educadores/as que se coloquem ao lado das classes populares 
para a construção coletiva de alternativas tecnológicas. 
Como sugestão para coletivos de engenharia popular, 
indicamos que iniciem (ou continuem) a reflexão sobre suas 
práticas a partir do livro clássico de Paulo Freire Extensão ou 
comunicação? Acreditamos ser um bom ponto de partida para 
pensarmos se, de alguma maneira, continuamos perpetuando as 
desigualdades e violências às quais as classes populares estão

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