Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
História da advocacia no Brasil * Sérgio Sérvulo da Cunha 1. O maior achado do sociólogo francês Jacques Lambert, ao escrever um livro sobre o Brasil, está no seu título: “Os dois Brasis”. A distinção que ele aí sublinha, entre dois países contidos num só (um país rural, inculto, de um lado; um país urbano e civilizado de outro), aparentemente reproduz a mesma que se tem em mente ao dizer que o Brasil é uma Belíndia (Bélgica + Índia), com a qual já se assinala a riqueza (capitalismo, industrialização) de um lado e a miséria (analfabetismo, carência de serviços públicos, exclusão) de outro. Entretanto, às principais ou mais populosas cidades brasileiras hoje – entre elas São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Manaus, Fortaleza, Recife, Salvador, Curitiba – onde vivem milhões de pessoas, dificilmente se aplicariam as categorias descritivas das cidades européias implicadas no termo “burguesia”, assim como dificilmente se aplicam as categorias marxistas, quando a partir da revolução industrial enxergam no proletariado urbano um exército industrial de reserva. A dicotomia mais compreensiva dessa realidade, aquela que a atravessa desde suas origens até hoje, encontra-se a meu ver na distinção entre duas perspectivas: de um lado aquilo que eu chamo a perspectiva do poder, e, de outro, aquilo que eu chamo a perspectiva do vivente. A respeito da perspectiva do poder – a perspectiva, por exemplo, de Martim Afonso de Souza – a par dos registros sobre a psicologia dos primeiros colonizadores que ao Brasil chegavam à esperança de um dia retornarem ricos a Portugal, são raras as observações constantes dos estudos brasileiros de antropologia. O poder é a língua culta, o diploma universitário, a herança greco-romana, o Estado, o cheque especial; o poder, em resumo, é apolíneo. Todavia, a consciência oficial ignora-se a si mesma na medida em que, tomando- se pela totalidade, não reconhece a existência de uma perspectiva do vivente. Isto significa não que o saber oficial ignore o vivente, mas que o vivente não é sujeito do saber oficial. Ao pesquisar a administração dos primeiros municípios brasileiros, diz o historiador: “Para tentar entender quem era ‘homem bom’, comecemos por eliminar quem não era. Não era ‘homem bom’, em primeiro lugar, índio, negro, judeu, ou quem quer que possuísse sinal de, como se dizia então, ‘sangue infecto’. Em segundo lugar, não era ‘homem bom’ quem trabalhasse com as mãos. Sobrava o que? Os proprietários, os funcionários.” 1 Como os assim chamados “homens bons” não se ocupavam do trabalho, quem o fazia eram os índios, “agricultores, operários da construção, transportadores. Nesta última qualidade, * Texto preparado para o Congresso da Deutsch-Brasilianische Juristenvereinigung e. V., realizado em Potsdam em novembro de 2005. 1 Roberto Pompeu de Toledo, A capital da solidão (uma história de São Paulo das origens a 1900), Rio de Janeiro, Objetiva, 2003, p. 122. cabiam-lhes inclusive – e principalmente – os serviços de transporte no percurso serra do Mar abaixo ou acima, carregando não só o trigo para ser exportado pelo porto de Santos, não só tocando o gado para abastecer as vilas do litoral, como também sustentando nos ombros os senhores ou damas que, por velhice, doença, fragilidade, preguiça ou altivez, principalmente altivez, não se utilizavam das próprias pernas.” 2 Em famoso sermão, perguntava o padre Vieira: “Este povo, esta república, este Estado, não se pode sustentar sem índios. Quem nos há de ir buscar um pote de água ou um feixe de lenha? Quem nos há de fazer duas covas de mandioca? Hão de ir nossas mulheres? Hão de ir nossos filhos?” E respondia: “Quando a necessidade e a consciência obriguem a tanto, digo que sim, e torno a dizer que sim: que vós, que vossas mulheres, que vossos filhos e que todos nós nos sustentássemos dos nossos braços; porque melhor é sustentar do suor próprio que do sangue alheio. Ah fazendas do Maranhão, que se esses mantos e essas capas se torcerem, haviam de lançar sangue”. Sob a aura do romantismo, alguns literatos (v.g. Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias, José de Alencar) já haviam feito no século XIX o elogio do índio, numa sociedade que crescia arranhando o litoral, de costas para o interior, sonhando com a Europa e cultivando o ideal do “branqueamento”; apenas no século XX, com o sociólogo Gilberto Freyre, começou-se a enxergar na miscigenação uma virtude, que a Semana de Arte Moderna sublinharia em 1922. 3 Não era aí, porém, que se poderia surpreender a perspectiva do vivente, senão em manifestações marginais de cultura como era a princípio a capoeira, o candomblé, o samba. Em raros momentos ela aflora, como ao tomar voz na música de Noel Rosa: Não me incomodo que você me diga que a sociedade é minha inimiga pois cantando neste mundo sou escravo do meu samba muito embora vagabundo. Quanto a você, da aristocracia que tem dinheiro mas não compra a alegria há de viver eternamente como escravo dessa gente que cultiva a hipocrisia. Embora não seja o bastante para resgatá-lo politicamente, em tudo aquilo que, hoje, se considera como genuína característica brasileira, em que nos sentimos vitoriosos – o carnaval, o futebol, a arquitetura – predomina o elemento dionisíaco do vivente. 2. Os primeiros advogados brasileiros formavam-se em Portugal, na Universidade de Coimbra. 4 Depois de 1808, quando tangida por Bonaparte à corte portuguesa fugiu para o Rio de Janeiro, 2 id., p. 174. 3 Sobre a valorização da miscigenação como parte do ideal brasileiro, veja-se Yvonne Maggie: Mário de Andrade ainda vive? O ideário modernista em questão (Revista Brasileira de Ciências Sociais, 58/5. 4 Sobre a organização judiciária no Brasil Colônia e no Império, veja-se Waldemar Ferreira, História do Direito Brasileiro (Rio de Janeiro-São Paulo, Freitas Bastos, 19452); Milton Duarte Segurado, O Direito no Brasil ( São Paulo, Bushatsky, 1973); Haroldo Valladão, História do Direito, especialmente do Direito brasileiro (Rio de Janeiro-São Paulo, Freitas Bastos, 1973); Thomas Flory, Judge and jury in Imperial Brazil, 1808-1871 (Austin, University of Texas, 1981), com tradução espanhola: El juez de paz y el jurado en el Brasil imperial (México, Fondo de Cultura Económica, 1986). foi preciso dotar a antiga colônia, agora Reino Unido, do mínimo de civilização: franquia dos portos ao comércio das nações, fundação de bancos, imprensa, escolas, ereção de uma estrutura administrativa. 5 Após a criação dos cursos jurídicos (1827) – com a instalação de uma escola de Direito no Nordeste (Olinda) e outra no sudeste, 6 muitos “sinhozinhos” 7 chegavam para estudar, em São Paulo, “acompanhados de um ou mais escravos, para seu serviço pessoal... Os escravos, ou escravas, não serviam apenas para cozinhar, preparar a roupa e executar outros serviços domésticos. Também poderiam representar um reforço à mesada se postos ‘ao ganho’, como se dizia.” 8 Devendo formar os quadros da burocracia estatal, os primeiros advogados formados no Brasil eram os filhos dos grandes proprietários de terras, fazendeiros, produtores de cana e de café, que se incorporavam à perspectiva do poder. A partir de 1822, o Brasil era um Estado unitário, com sua capital no Rio de Janeiro. Enquanto o domínio hispânico da América do Sul se dividira em várias repúblicas regidas por Constituições liberais, e enquanto em Portugal, após a revolução do Porto, também se adotava uma Constituição liberal, a Independência brasileira se fizera em torno do herdeiroda coroa portuguesa, a quem se atribuiu o título de imperador. Em 1843 fundou-se o Instituto dos Advogados Brasileiros mediante aviso da Secretaria de Estado da Justiça, sendo aprovados por D. Pedro I os correspondentes estatutos e regimento interno. O IAB exercia função predominantemente cultural, em grande parte restrita ao Rio de Janeiro, mas como órgão de representação política dos advogados desde o início lutou pela criação de uma ordem dos advogados, que desse autonomia ao exercício da profissão. 9 Importantes instrumentos legais foram editados durante o Império, como a carta outorgada (1824), o código criminal (1830), o código de processo criminal (1832), o código comercial e o regulamento 737, que serviu como código de processo civil (1850). Após a Independência e a instalação dos cursos jurídicos, começou-se a criar no Brasil uma cultura jurídica própria. 10 5 Durante o período colonial, a Metrópole impedia que se instalasse curso superior no Brasil, chegou a proibir a importação de livros (carta régia de 1747) e mandou arrestar e remeter para Portugal uma pequena tipografia que tinha sido estabelecida no Rio de Janeiro (v. Milton Duarte Segurado, ob. cit., p. 255). 6 Sobre a criação dos cursos jurídicos no Brasil, v. O poder legislativo e a criação dos cursos jurídicos, Brasília, Senado Federal, 1977. 7 O termo “sinhozinho” é corruptela de “senhorzinho”. 8 R.P. Toledo, ob. cit., p. 317. 9 V. Instituto dos Advogados Brasileiros, 150 anos de história (IAB, Rio de Janeiro, Editora Destaque, 1995). Já em 1850 se apresentava ao Senado projeto de criação da Ordem dos Advogados. O texto integral desse projeto é reproduzido na “História da Ordem dos Advogados do Brasil” (editada na gestão de Rubens Approbato Machado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil), vol. 2, pp. 60-65. No mesmo volume encontra-se o texto tal como aprovado pelo Senado e remetido à Câmara dos Deputados (pp. 83-88), bem como referência aos debates que a propósito aí ocorreram (pp. 89-127). Adiada a matéria, seria ainda objeto de outros projetos durante o Império, também sem solução. 10 V. Pedro Dutra, Literatura jurídica no Império, Rio de Janeiro, Top books, 1992. Até a proclamação da República (1889), porém, o cerne do ordenamento brasileiro ainda eram as disposições reais portuguesas; 11 de 1858 foi a Consolidação das leis civis organizada por Teixeira de Freitas, mas o primeiro código civil só viria em 1916. A advocacia no Brasil se exercia segundo normas esparsas basicamente contidas nas Ordenações filipinas (1603), em decretos imperiais e em avisos do Ministério da Justiça; autorizados a exercer seu ofício pelos tribunais, os advogados eram subordinados à respectiva disciplina. 12 Por exemplo: a lei n° 234 (1841), ao dispor sobre o Conselho de Estado, fixou em dez o número de advogados que ali poderiam postular, e dispôs em seu art. 38: “O advogado que faltar ao devido respeito ao Conselho, às seções ou cada um dos seus conselheiros, será demitido; e se for um ato de ofício, além de demitido, será punido na forma das leis.” Também autorizados pelos tribunais eram os provisionados, popularmente e pejorativamente chamados “rábulas”, aqueles que, não tendo diploma, recebiam uma licença para postular em juízo, especialmente nos lugares carentes de bacharéis. Esse foi o caso de Luiz Gama, negro filho de liberta, que vendido pelo pai aos dez anos de idade, viveu como escravo até quando, havendo-se alfabetizado na adolescência, conseguiu a própria alforria. Advogado, Luiz Gama dedicou-se à libertação dos negros; não se integrando, como outros, à perspectiva do poder, optou por ser vivente: “Qual vespa, esvoaçando, atroz picante Com sátira mordaz sempre flamante Picando picarei por toda parte Se a tanto me ajudar ferrão e arte.” 13 3. Com a proclamação da República (1889), as antigas províncias transformaram-se em Estados semi-soberanos. Tinham bandeira, hino, milícia, Senado, sistema eleitoral e legislação processual própria; relacionavam-se diretamente com outros países, assumiam compromissos internacionais; nos negócios recíprocos, cobravam-se impostos aduaneiros. Na 1ª República, que ficou conhecida como República Velha, prevaleceu a “política dos governadores”, sob a liderança dos Estados de São Paulo e Minas Gerais (café com leite). As Constituições estaduais possuíam grande autonomia, sendo desvinculadas da maioria dos princípios e disposições fundamentais da Constituição federal. 14 Esta atribuiu competência por um lado à justiça federal, e por outro à justiça dos Estados. Na cúpula do sistema jurisdicional fixou-se o Supremo Tribunal Federal, para o qual se poderia recorrer, extraordinariamente, contra decisões judiciais que contivessem ofensa à Constituição. A centralização voltaria após a queda da República Velha, em 1930. 11 Sobre a história do Direito português, v.: Marcello Caetano, História do Direito Português [1140-1495], Lisboa, Verbo, s/d; Nuno J. Espinosa Gomes da Silva, História do Direito Português, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, s/d. 12 A História da Ordem dos Advogados do Brasil, editada pelo Conselho Federal da OAB, relaciona as disposições legais relativas a advogados editadas durante o Império. 13 cf. R.P. Toledo, ob. cit., p. 384. 14 Era emblemática a Constituição gaúcha, elaborada por Júlio de Castilhos. Foi nos primeiros dias do governo provisório de Getúlio Vargas (novembro de 1930) que se criou a Ordem dos Advogados, mediante um artigo enxertado em decreto que tratava da então designada Corte de Apelação (decreto 19.408, art. 17). Com o respectivo regulamento (decretos 20.784/1931 e 22.478/1933), a OAB viria pouco depois a consolidar-se como órgão disciplinar, de seleção e defesa da classe dos advogados. 15 Evandro Lins e Silva, que foi um dos maiores advogados brasileiros e ministro do Supremo Tribunal Federal, conta em suas memórias: “Formado em novembro de 1932, a minha primeira providência, quando recebi o diploma, foi registrá-lo na Secretaria da Corte de Apelação. Só mais tarde, quase dois anos depois, em junho de 1934, é que pedi e obtive inscrição nos quadros da Ordem. Isso não impediu o exercício diário e intenso da advocacia, sem exigência de inscrição.” 16 Na OAB passou-se a fazer a inscrição dos bacharéis em Direito; perante ela passaram a responder os advogados pelos deslizes éticos praticados no exercício da profissão. Atualmente, os estatutos da advocacia e da OAB encontram-se na lei 8.906, de 1994, que substituiu os estatutos promulgados com a lei 4.215 de 1963. A OAB é uma agência autárquica que exerce função delegada do governo, e cuja receita provém da contribuição dos advogados. Sua direção (o Conselho Federal, os conselhos estaduais, e as subsecções) é eleita pelos próprios advogados. Lê-se no art. 44 da lei 8.906: “A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, serviço público, dotado de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; II – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil. § 1° - a OAB não mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico.” 4. A arquitetura tradicional do judiciário brasileiro, esboçada desdeo início da República para atender aos conflitos entre proprietários, sofreu grande mudança com o surto modernizador iniciado em (19)30, ao ser criada a assim chamada Justiça do Trabalho. 17 Numa ambiência de extrema desigualdade social, em caso de litígio com o empregador o proletariado urbano via-se estimulado a “buscar seus direitos” – o que poderia fazer independentemente da assistência de advogado – nas juntas trabalhistas, formadas por um juiz togado e dois vogais (um representante dos empregados e um representante dos empregadores). Mesmo o excelente estudo de Luiz Werneck Vianna sobre esse tema 18 não esgotou o exame do impacto do Direito e da Justiça do Trabalho na cultura jurídica brasileira, seja 15 V. Instituto dos Advogados Brasileiros, 150 anos de história, pp. 163-170. 16 Evandro Lins e Silva, Arca de guardados, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1995. 17 Aquilo que podemos designar como governo de Getúlio Vargas teve quatro fases distintas: a primeira até ser promulgada a Constituição de 1934, a segunda até 1937 quando implantou-se a ditadura do “Estado Novo”, a terceira até sua queda em outubro de 1945, e a quarta o governo constitucional – após o interregno do governo Dutra (1946-1950) e a promulgação da Constituição de 1946 – que durou até agosto de 1954. Dentre os vários matizes político-administrativos que caracterizam essas fases podemos distinguir os que puseram ênfase na modernização, na composição dos conflitos entre o capital e o trabalho, e no nacionalismo. 18 Luiz Werneck Vianna, Liberalismo e sindicato no Brasil, Belo Horizonte, UFMG, 1999 (4a. edição). quanto ao hábito da litigância, seja quanto à criação, na advocacia, de um segmento dedicado ao estudo das relações de trabalho e dos direitos dos trabalhadores. Com a urbanização e o surto de desenvolvimento da década de (19)50, também as classes médias viriam a se incluir na clientela judiciária, tendo em vista principalmente as relações de família, de consumo, de trânsito, de moradia. Nas décadas de (19)60 e (19)70 a expansão da atividade estatal publicizou grande parte das relações jurídicas, e as varas especializadas das fazendas públicas passaram a receber enorme quantidade de pleitos. A sindicalização e os direitos trabalhistas estenderam-se ao meio rural. Foram muito além de geoeconômicas, políticas e administrativas, as conseqüências da mudança da capital da República do Rio de Janeiro para Brasília, ocorrida na década de (19)60. Somada à massificação da instrução ocorrida a partir de (19)70, e à difusão do ensino jurídico – ainda que de baixa qualidade – por todo o país, ela produziu importantes efeitos culturais, dentre eles a alteração do perfil da advocacia. Quando a sede do Conselho Federal da OAB mudou-se para Brasília, na década de (19)80, deixou para sempre, no Rio de Janeiro, a imagem de uma advocacia galante, formada por uma elite de advogados de esplendorosa cultura. Foi também nessa década que se passou a falar, no Brasil, de ações coletivas. É de julho de 1985 a lei 7.347, disciplinando a ação civil pública para a proteção de direitos difusos ou coletivos. A partir da Constituição de 1988 o esqueleto judiciário brasileiro ficou assim desenhado: a justiça federal comum (civil, previdenciária, criminal), competente nas matérias de maior interesse da União, expandindo-se cada vez mais das capitais para o interior; a justiça dos Estados, competente quanto às demais matérias e nas comarcas onde não exista Vara da justiça federal; a justiça do trabalho, a cargo da União; exercício das funções jurisdicionais por juízes singulares, salvo nos casos de crimes contra a economia popular e de crimes dolosos contra a vida, em que há júri popular. Recurso ordinário para os tribunais estaduais, e, no caso da justiça federal, para tribunais regionais federais. Por fim, os tribunais superiores da União: Superior Tribunal de Justiça (encarregado do controle da legalidade), o Tribunal Superior do Trabalho, o Tribunal Superior Eleitoral (última instância da justiça eleitoral) e o Tribunal Superior Militar (última instância da justiça militar); na cúpula do sistema, e incumbido principalmente do controle de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal. Nas comarcas encontram-se juizados da criança e do adolescente. 19 Os juízes são bacharéis, nomeados após sua aprovação em concurso público; eles são vitalícios e tecnicamente irresponsáveis, mas podem sofrer sanções por má conduta, por parte dos tribunais das respectivas circunscrições e suas corregedorias. A partir da emenda constitucional n° 45/2004 podem ser responsabilizados também perante o Conselho Nacional de Justiça. 19 Nos sites da OAB (www.oab.org.br/) e do Supremo Tribunal Federal (www.stf.gov.br/) podem ser encontradas outras informações a respeito do judiciário brasileiro. Os principais diplomas legislativos, além da Constituição, encontram-se na lei complementar n° 95/1998, na lei de introdução ao código civil (decreto lei 4.657/1942, no código civil (lei 10.406/2002), no código de processo civil (lei 5.869/1973), na lei que trata de recursos nos tribunais superiores (lei 8.038/1990), na consolidação das leis do trabalho (decreto lei 5.452/1943), no código tributário nacional (lei 5.172/1966), no código penal (decreto lei 2.848/1940, modificado principalmente pela lei 7.209/1984), e no código de processo penal (decreto lei 3.689/1941). Os juizados especiais de pequenas causas são disciplinados pelas leis 9.0099/1995 e 10.259/2002. Todos esses diplomas devem ser consultados com cautela, dadas suas constantes alterações. Os melhores repertórios da legislação civil e processual civil são os organizados por Theotonio Negrão (São Paulo, Saraiva). Nos tribunais de segunda instância, um quinto das vagas é preenchido por advogados e membros do ministério público, nomeados a partir de lista apresentada pelos respectivos órgãos de representação. Dentre suas inovações, a Constituição de 1988 criou dois instrumentos fortíssimos de ação coletiva: o mandado de segurança coletivo e a ação direta de inconstitucionalidade. Outras inovações importantes foram à instituição da Defensoria Pública para os que não têm condições de contratar advogado, e a possibilidade de criação de juizados especiais de pequenas causas. Estes, aos poucos, passam a se difundir e a ganhar mais eficiência. A independência da advocacia e a formação jurídica dos seus membros fizeram que nos seus quadros se encontrasse resistência aos regimes de exceção de que padeceu o Brasil no século XX, a saber: o Estado Novo, instaurado por Getúlio Vargas em 1937, e a ditadura militar de 1964. Bem por isso a advocacia e seu órgão de representação ganharam “status” constitucional. Diz a Constituição de 1988 que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.” (art. 133). O art. 103, ao seu turno, incluiu o Conselho Federal da OAB no reduzido rol de pessoas que podem propor ação direta de inconstitucionalidade. Encontram-se inscritos hoje, nas 27 seções estaduais da OAB, aproximadamente 540.000 advogados e estagiários. A inscrição é necessária para o exercício da advocacia, mas nem todos os inscritos a exercem. O Conselho Federal, formado por três representantes de cada uma das 27 seções estaduais, possui sede e serviços permanentes em Brasília, onde se reúne todos os meses. 20 Dentro da OAB não há partidos políticos ou influência partidária; seus militantes não se agrupam segundo colorações ideológicas, não obstante na ditadura se tivesse vincado a distinção entre progressistase conservadores. Quando pedem o voto dos colegas para as subseções ou conselhos, os advogados apresentam uma plataforma geralmente desdobrada em dois itens: os chamados itens corporativos, que tratam do exercício profissional e suas prerrogativas, e os itens que se ocupam da participação política da OAB, necessariamente não-partidária. Tendo conseguido estabelecer essa difícil distinção prática, a Ordem transformou-se em porta-voz de uma sociedade civil em geral decepcionada com os desacertos da democracia representativa. Nos congressos de advogados, e principalmente na Conferência Nacional realizada de três em três anos, busca-se organizar um temário que contemple esses itens, que seja multidisciplinar, e no qual ressoem as grandes preocupações da cidadania. Essa espécie de representação pública atípica, a OAB procura exercê-la não só mediante a propositura de ações direta de inconstitucionalidade, 21 mas também ao manifestar-se em momentos de crise política. Foi notória sua influência ao fim do regime militar e no processo de transição para a democracia. Foi decisiva sua participação no Movimento pela Ética na Política, durante o governo Fernando Collor de Mello: seu presidente, junto com o presidente da Associação Brasileira de Imprensa, tomou a iniciativa de denunciar o presidente da República pela prática de crime de responsabilidade. 5. Por fim, uma palavra sobre o ensino jurídico. 20 Para outras informações, consulte-se o site do Conselho Federal da OAB. Advogados formados em outros países podem ser admitidos a advogar no Brasil após um exame de revalidação do seu diploma, organizado pelo Ministério da Educação, e posterior inscrição na OAB. Também se admite a criação de sociedades de advogados, mediante inscrição na OAB. 21 Desde a Constituição de outubro de 1988, o Conselho Federal da OAB já ajuizou perante o Supremo Tribunal Federal quase 1.500 ações diretas de inconstitucionalidade. Somente a partir da República se instalaram outras faculdades de Direito: Bahia e Rio de Janeiro (1891), Minas Gerais (1892), Rio Grande do Sul (1900), Pará (1901), Ceará (1903), Amazonas (1912). Quando ingressei no ensino superior, em 1954, se bem me lembro no Estado de São Paulo existiam não mais do que quatro faculdades de Direito. Hoje, somente na minha cidade (Santos, de 450.000 habitantes), existem seis. Nas faculdades públicas, gratuitas, e que são minoria, o estudante é selecionado mediante um exame vestibular, e o mesmo acontece nas faculdades particulares, embora, pela sua disseminação, esse exame sofra um rebaixamento de nível. Havia queixas no sentido de que, sendo mais preparados, os estudantes de melhor situação econômica tinham vantagem nesse processo competitivo. O governo procurou atender a essas queixas estabelecendo um programa de incentivo mediante bolsas de estudo e reserva de vagas para estudantes negros ou pobres. Uma das principais atribuições da OAB, atualmente, consiste em a) opinar, pela Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal, quanto à instalação de novas faculdades de Direito; 22 b) realizar o assim chamado “exame de ordem”, para aprovação ou não dos bacharéis que se candidatam a inscrição como advogados. 22 Dentre textos publicados pela Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB, veja-se: Ensino jurídico – novas diretrizes curriculares (1996), 170 anos de cursos jurídicos no Brasil (1997), OAB recomenda. Um retrato dos cursos jurídicos (2001).
Compartilhar