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História da Advocacia no Brasil

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História da advocacia no Brasil * 
 
Sérgio Sérvulo da Cunha 
 
 
 
 
 
1. O maior achado do sociólogo francês Jacques Lambert, ao escrever um livro sobre 
o Brasil, está no seu título: “Os dois Brasis”. A distinção que ele aí sublinha, entre dois países contidos num 
só (um país rural, inculto, de um lado; um país urbano e civilizado de outro), aparentemente reproduz a 
mesma que se tem em mente ao dizer que o Brasil é uma Belíndia (Bélgica + Índia), com a qual já se assinala 
a riqueza (capitalismo, industrialização) de um lado e a miséria (analfabetismo, carência de serviços 
públicos, exclusão) de outro. 
 
 Entretanto, às principais ou mais populosas cidades brasileiras hoje – entre elas 
São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte, Manaus, Fortaleza, Recife, Salvador, Curitiba – onde 
vivem milhões de pessoas, dificilmente se aplicariam as categorias descritivas das cidades européias 
implicadas no termo “burguesia”, assim como dificilmente se aplicam as categorias marxistas, quando a 
partir da revolução industrial enxergam no proletariado urbano um exército industrial de reserva. 
 
 A dicotomia mais compreensiva dessa realidade, aquela que a atravessa desde 
suas origens até hoje, encontra-se a meu ver na distinção entre duas perspectivas: de um lado aquilo que eu 
chamo a perspectiva do poder, e, de outro, aquilo que eu chamo a perspectiva do vivente. 
 
 A respeito da perspectiva do poder – a perspectiva, por exemplo, de Martim 
Afonso de Souza – a par dos registros sobre a psicologia dos primeiros colonizadores que ao Brasil chegavam 
à esperança de um dia retornarem ricos a Portugal, são raras as observações constantes dos estudos 
brasileiros de antropologia. O poder é a língua culta, o diploma universitário, a herança greco-romana, o 
Estado, o cheque especial; o poder, em resumo, é apolíneo. 
 
 Todavia, a consciência oficial ignora-se a si mesma na medida em que, tomando-
se pela totalidade, não reconhece a existência de uma perspectiva do vivente. Isto significa não que o saber 
oficial ignore o vivente, mas que o vivente não é sujeito do saber oficial. 
 
 Ao pesquisar a administração dos primeiros municípios brasileiros, diz o 
historiador: “Para tentar entender quem era ‘homem bom’, comecemos por eliminar quem não era. Não era 
‘homem bom’, em primeiro lugar, índio, negro, judeu, ou quem quer que possuísse sinal de, como se dizia 
então, ‘sangue infecto’. Em segundo lugar, não era ‘homem bom’ quem trabalhasse com as mãos. Sobrava 
o que? Os proprietários, os funcionários.” 
1
 
 
 Como os assim chamados “homens bons” não se ocupavam do trabalho, quem o 
fazia eram os índios, “agricultores, operários da construção, transportadores. Nesta última qualidade, 
 
* Texto preparado para o Congresso da Deutsch-Brasilianische Juristenvereinigung e. V., realizado em 
Potsdam em novembro de 2005. 
 
1
 Roberto Pompeu de Toledo, A capital da solidão (uma história de São Paulo das origens a 1900), Rio de 
Janeiro, Objetiva, 2003, p. 122. 
cabiam-lhes inclusive – e principalmente – os serviços de transporte no percurso serra do Mar abaixo ou 
acima, carregando não só o trigo para ser exportado pelo porto de Santos, não só tocando o gado para 
abastecer as vilas do litoral, como também sustentando nos ombros os senhores ou damas que, por velhice, 
doença, fragilidade, preguiça ou altivez, principalmente altivez, não se utilizavam das próprias pernas.” 
2
 
 
 Em famoso sermão, perguntava o padre Vieira: “Este povo, esta república, este 
Estado, não se pode sustentar sem índios. Quem nos há de ir buscar um pote de água ou um feixe de lenha? 
Quem nos há de fazer duas covas de mandioca? Hão de ir nossas mulheres? Hão de ir nossos filhos?” E 
respondia: “Quando a necessidade e a consciência obriguem a tanto, digo que sim, e torno a dizer que sim: 
que vós, que vossas mulheres, que vossos filhos e que todos nós nos sustentássemos dos nossos braços; 
porque melhor é sustentar do suor próprio que do sangue alheio. Ah fazendas do Maranhão, que se esses 
mantos e essas capas se torcerem, haviam de lançar sangue”. 
 
 Sob a aura do romantismo, alguns literatos (v.g. Gonçalves de Magalhães, 
Gonçalves Dias, José de Alencar) já haviam feito no século XIX o elogio do índio, numa sociedade que crescia 
arranhando o litoral, de costas para o interior, sonhando com a Europa e cultivando o ideal do 
“branqueamento”; apenas no século XX, com o sociólogo Gilberto Freyre, começou-se a enxergar na 
miscigenação uma virtude, que a Semana de Arte Moderna sublinharia em 1922. 
3
 
 
 Não era aí, porém, que se poderia surpreender a perspectiva do vivente, senão 
em manifestações marginais de cultura como era a princípio a capoeira, o candomblé, o samba. Em raros 
momentos ela aflora, como ao tomar voz na música de Noel Rosa: 
 
 Não me incomodo que você me diga 
 que a sociedade é minha inimiga 
 pois cantando neste mundo 
 sou escravo do meu samba 
 muito embora vagabundo. 
 
 Quanto a você, da aristocracia 
 que tem dinheiro mas não compra a alegria 
 há de viver eternamente 
 como escravo dessa gente 
 que cultiva a hipocrisia. 
 
 
 Embora não seja o bastante para resgatá-lo politicamente, em tudo aquilo que, 
hoje, se considera como genuína característica brasileira, em que nos sentimos vitoriosos – o carnaval, o 
futebol, a arquitetura – predomina o elemento dionisíaco do vivente. 
 
 
2. Os primeiros advogados brasileiros formavam-se em Portugal, na Universidade de 
Coimbra. 
4
 Depois de 1808, quando tangida por Bonaparte à corte portuguesa fugiu para o Rio de Janeiro, 
 
2
 id., p. 174. 
3
 Sobre a valorização da miscigenação como parte do ideal brasileiro, veja-se Yvonne Maggie: Mário de 
Andrade ainda vive? O ideário modernista em questão (Revista Brasileira de Ciências Sociais, 58/5. 
4
 Sobre a organização judiciária no Brasil Colônia e no Império, veja-se Waldemar Ferreira, História do 
Direito Brasileiro (Rio de Janeiro-São Paulo, Freitas Bastos, 19452); Milton Duarte Segurado, O Direito no 
Brasil ( São Paulo, Bushatsky, 1973); Haroldo Valladão, História do Direito, especialmente do Direito 
brasileiro (Rio de Janeiro-São Paulo, Freitas Bastos, 1973); Thomas Flory, Judge and jury in Imperial Brazil, 
1808-1871 (Austin, University of Texas, 1981), com tradução espanhola: El juez de paz y el jurado en el Brasil 
imperial (México, Fondo de Cultura Económica, 1986). 
foi preciso dotar a antiga colônia, agora Reino Unido, do mínimo de civilização: franquia dos portos ao 
comércio das nações, fundação de bancos, imprensa, escolas, ereção de uma estrutura administrativa. 
5
 
 
 Após a criação dos cursos jurídicos (1827) – com a instalação de uma escola de 
Direito no Nordeste (Olinda) e outra no sudeste, 
6
 muitos “sinhozinhos” 
7
 chegavam para estudar, em São 
Paulo, “acompanhados de um ou mais escravos, para seu serviço pessoal... Os escravos, ou escravas, não 
serviam apenas para cozinhar, preparar a roupa e executar outros serviços domésticos. Também poderiam 
representar um reforço à mesada se postos ‘ao ganho’, como se dizia.” 
8
 
 
 Devendo formar os quadros da burocracia estatal, os primeiros advogados 
formados no Brasil eram os filhos dos grandes proprietários de terras, fazendeiros, produtores de cana e de 
café, que se incorporavam à perspectiva do poder. 
 
 A partir de 1822, o Brasil era um Estado unitário, com sua capital no Rio de 
Janeiro. Enquanto o domínio hispânico da América do Sul se dividira em várias repúblicas regidas por 
Constituições liberais, e enquanto em Portugal, após a revolução do Porto, também se adotava uma 
Constituição liberal, a Independência brasileira se fizera em torno do herdeiroda coroa portuguesa, a quem 
se atribuiu o título de imperador. 
 
 Em 1843 fundou-se o Instituto dos Advogados Brasileiros mediante aviso da 
Secretaria de Estado da Justiça, sendo aprovados por D. Pedro I os correspondentes estatutos e regimento 
interno. O IAB exercia função predominantemente cultural, em grande parte restrita ao Rio de Janeiro, mas 
como órgão de representação política dos advogados desde o início lutou pela criação de uma ordem dos 
advogados, que desse autonomia ao exercício da profissão. 
9
 
 
 Importantes instrumentos legais foram editados durante o Império, como a carta 
outorgada (1824), o código criminal (1830), o código de processo criminal (1832), o código comercial e o 
regulamento 737, que serviu como código de processo civil (1850). Após a Independência e a instalação dos 
cursos jurídicos, começou-se a criar no Brasil uma cultura jurídica própria. 
10
 
 
 
5
 Durante o período colonial, a Metrópole impedia que se instalasse curso superior no Brasil, chegou a 
proibir a importação de livros (carta régia de 1747) e mandou arrestar e remeter para Portugal uma 
pequena tipografia que tinha sido estabelecida no Rio de Janeiro (v. Milton Duarte Segurado, ob. cit., p. 
255). 
6
 Sobre a criação dos cursos jurídicos no Brasil, v. O poder legislativo e a criação dos cursos jurídicos, Brasília, 
Senado Federal, 1977. 
7
 O termo “sinhozinho” é corruptela de “senhorzinho”. 
8
 R.P. Toledo, ob. cit., p. 317. 
 
9
 V. Instituto dos Advogados Brasileiros, 150 anos de história (IAB, Rio de Janeiro, Editora Destaque, 1995). 
Já em 1850 se apresentava ao Senado projeto de criação da Ordem dos Advogados. O texto integral desse 
projeto é reproduzido na “História da Ordem dos Advogados do Brasil” (editada na gestão de Rubens 
Approbato Machado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil), vol. 2, pp. 60-65. No 
mesmo volume encontra-se o texto tal como aprovado pelo Senado e remetido à Câmara dos Deputados 
(pp. 83-88), bem como referência aos debates que a propósito aí ocorreram (pp. 89-127). Adiada a matéria, 
seria ainda objeto de outros projetos durante o Império, também sem solução. 
10
 V. Pedro Dutra, Literatura jurídica no Império, Rio de Janeiro, Top books, 1992. 
 Até a proclamação da República (1889), porém, o cerne do ordenamento 
brasileiro ainda eram as disposições reais portuguesas; 
11
 de 1858 foi a Consolidação das leis civis organizada 
por Teixeira de Freitas, mas o primeiro código civil só viria em 1916. 
 
 A advocacia no Brasil se exercia segundo normas esparsas basicamente contidas 
nas Ordenações filipinas (1603), em decretos imperiais e em avisos do Ministério da Justiça; autorizados a 
exercer seu ofício pelos tribunais, os advogados eram subordinados à respectiva disciplina. 
12
 Por exemplo: a 
lei n° 234 (1841), ao dispor sobre o Conselho de Estado, fixou em dez o número de advogados que ali 
poderiam postular, e dispôs em seu art. 38: “O advogado que faltar ao devido respeito ao Conselho, às 
seções ou cada um dos seus conselheiros, será demitido; e se for um ato de ofício, além de demitido, será 
punido na forma das leis.” 
 
 Também autorizados pelos tribunais eram os provisionados, popularmente e 
pejorativamente chamados “rábulas”, aqueles que, não tendo diploma, recebiam uma licença para postular 
em juízo, especialmente nos lugares carentes de bacharéis. Esse foi o caso de Luiz Gama, negro filho de 
liberta, que vendido pelo pai aos dez anos de idade, viveu como escravo até quando, havendo-se 
alfabetizado na adolescência, conseguiu a própria alforria. 
 
 Advogado, Luiz Gama dedicou-se à libertação dos negros; não se integrando, 
como outros, à perspectiva do poder, optou por ser vivente: 
 
 “Qual vespa, esvoaçando, atroz picante 
Com sátira mordaz sempre flamante 
Picando picarei por toda parte 
 Se a tanto me ajudar ferrão e arte.” 
13
 
 
 
3. Com a proclamação da República (1889), as antigas províncias transformaram-se 
em Estados semi-soberanos. Tinham bandeira, hino, milícia, Senado, sistema eleitoral e legislação 
processual própria; relacionavam-se diretamente com outros países, assumiam compromissos 
internacionais; nos negócios recíprocos, cobravam-se impostos aduaneiros. Na 1ª República, que ficou 
conhecida como República Velha, prevaleceu a “política dos governadores”, sob a liderança dos Estados de 
São Paulo e Minas Gerais (café com leite). As Constituições estaduais possuíam grande autonomia, sendo 
desvinculadas da maioria dos princípios e disposições fundamentais da Constituição federal. 
14
 
 
 Esta atribuiu competência por um lado à justiça federal, e por outro à justiça dos 
Estados. Na cúpula do sistema jurisdicional fixou-se o Supremo Tribunal Federal, para o qual se poderia 
recorrer, extraordinariamente, contra decisões judiciais que contivessem ofensa à Constituição. 
 
 A centralização voltaria após a queda da República Velha, em 1930. 
 
 
11
 Sobre a história do Direito português, v.: Marcello Caetano, História do Direito Português [1140-1495], 
Lisboa, Verbo, s/d; Nuno J. Espinosa Gomes da Silva, História do Direito Português, Lisboa, Fundação 
Calouste Gulbenkian, s/d. 
12
 A História da Ordem dos Advogados do Brasil, editada pelo Conselho Federal da OAB, relaciona as 
disposições legais relativas a advogados editadas durante o Império. 
13 cf. R.P. Toledo, ob. cit., p. 384. 
 
 
14
 Era emblemática a Constituição gaúcha, elaborada por Júlio de Castilhos. 
 Foi nos primeiros dias do governo provisório de Getúlio Vargas (novembro de 
1930) que se criou a Ordem dos Advogados, mediante um artigo enxertado em decreto que tratava da 
então designada Corte de Apelação (decreto 19.408, art. 17). Com o respectivo regulamento (decretos 
20.784/1931 e 22.478/1933), a OAB viria pouco depois a consolidar-se como órgão disciplinar, de seleção e 
defesa da classe dos advogados. 
15
 
 
 Evandro Lins e Silva, que foi um dos maiores advogados brasileiros e ministro do 
Supremo Tribunal Federal, conta em suas memórias: “Formado em novembro de 1932, a minha primeira 
providência, quando recebi o diploma, foi registrá-lo na Secretaria da Corte de Apelação. Só mais tarde, 
quase dois anos depois, em junho de 1934, é que pedi e obtive inscrição nos quadros da Ordem. Isso não 
impediu o exercício diário e intenso da advocacia, sem exigência de inscrição.” 
16
 
 
 Na OAB passou-se a fazer a inscrição dos bacharéis em Direito; perante ela 
passaram a responder os advogados pelos deslizes éticos praticados no exercício da profissão. Atualmente, 
os estatutos da advocacia e da OAB encontram-se na lei 8.906, de 1994, que substituiu os estatutos 
promulgados com a lei 4.215 de 1963. A OAB é uma agência autárquica que exerce função delegada do 
governo, e cuja receita provém da contribuição dos advogados. Sua direção (o Conselho Federal, os 
conselhos estaduais, e as subsecções) é eleita pelos próprios advogados. 
 
 Lê-se no art. 44 da lei 8.906: 
 
 “A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, serviço público, dotado de 
personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade: 
 I – defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os 
direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça 
e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; 
 II – promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a 
disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil. 
 § 1° - a OAB não mantém com órgãos da Administração Pública qualquer vínculo 
funcional ou hierárquico.” 
 
 
4. A arquitetura tradicional do judiciário brasileiro, esboçada desdeo início da 
República para atender aos conflitos entre proprietários, sofreu grande mudança com o surto modernizador 
iniciado em (19)30, ao ser criada a assim chamada Justiça do Trabalho. 
17
 Numa ambiência de extrema 
desigualdade social, em caso de litígio com o empregador o proletariado urbano via-se estimulado a “buscar 
seus direitos” – o que poderia fazer independentemente da assistência de advogado – nas juntas 
trabalhistas, formadas por um juiz togado e dois vogais (um representante dos empregados e um 
representante dos empregadores). Mesmo o excelente estudo de Luiz Werneck Vianna sobre esse tema 
18
 
não esgotou o exame do impacto do Direito e da Justiça do Trabalho na cultura jurídica brasileira, seja 
 
15
 V. Instituto dos Advogados Brasileiros, 150 anos de história, pp. 163-170. 
16
 Evandro Lins e Silva, Arca de guardados, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1995. 
17
 Aquilo que podemos designar como governo de Getúlio Vargas teve quatro fases distintas: a primeira até 
ser promulgada a Constituição de 1934, a segunda até 1937 quando implantou-se a ditadura do “Estado 
Novo”, a terceira até sua queda em outubro de 1945, e a quarta o governo constitucional – após o 
interregno do governo Dutra (1946-1950) e a promulgação da Constituição de 1946 – que durou até agosto 
de 1954. Dentre os vários matizes político-administrativos que caracterizam essas fases podemos distinguir 
os que puseram ênfase na modernização, na composição dos conflitos entre o capital e o trabalho, e no 
nacionalismo. 
 
18
 Luiz Werneck Vianna, Liberalismo e sindicato no Brasil, Belo Horizonte, UFMG, 1999 (4a. edição). 
quanto ao hábito da litigância, seja quanto à criação, na advocacia, de um segmento dedicado ao estudo das 
relações de trabalho e dos direitos dos trabalhadores. 
 
 Com a urbanização e o surto de desenvolvimento da década de (19)50, também as 
classes médias viriam a se incluir na clientela judiciária, tendo em vista principalmente as relações de 
família, de consumo, de trânsito, de moradia. 
 
 Nas décadas de (19)60 e (19)70 a expansão da atividade estatal publicizou grande 
parte das relações jurídicas, e as varas especializadas das fazendas públicas passaram a receber enorme 
quantidade de pleitos. A sindicalização e os direitos trabalhistas estenderam-se ao meio rural. 
 
 Foram muito além de geoeconômicas, políticas e administrativas, as 
conseqüências da mudança da capital da República do Rio de Janeiro para Brasília, ocorrida na década de 
(19)60. Somada à massificação da instrução ocorrida a partir de (19)70, e à difusão do ensino jurídico – 
ainda que de baixa qualidade – por todo o país, ela produziu importantes efeitos culturais, dentre eles a 
alteração do perfil da advocacia. Quando a sede do Conselho Federal da OAB mudou-se para Brasília, na 
década de (19)80, deixou para sempre, no Rio de Janeiro, a imagem de uma advocacia galante, formada por 
uma elite de advogados de esplendorosa cultura. 
 
 Foi também nessa década que se passou a falar, no Brasil, de ações coletivas. É de 
julho de 1985 a lei 7.347, disciplinando a ação civil pública para a proteção de direitos difusos ou coletivos. 
 
 A partir da Constituição de 1988 o esqueleto judiciário brasileiro ficou assim 
desenhado: a justiça federal comum (civil, previdenciária, criminal), competente nas matérias de maior 
interesse da União, expandindo-se cada vez mais das capitais para o interior; a justiça dos Estados, 
competente quanto às demais matérias e nas comarcas onde não exista Vara da justiça federal; a justiça do 
trabalho, a cargo da União; exercício das funções jurisdicionais por juízes singulares, salvo nos casos de 
crimes contra a economia popular e de crimes dolosos contra a vida, em que há júri popular. Recurso 
ordinário para os tribunais estaduais, e, no caso da justiça federal, para tribunais regionais federais. Por fim, 
os tribunais superiores da União: Superior Tribunal de Justiça (encarregado do controle da legalidade), o 
Tribunal Superior do Trabalho, o Tribunal Superior Eleitoral (última instância da justiça eleitoral) e o Tribunal 
Superior Militar (última instância da justiça militar); na cúpula do sistema, e incumbido principalmente do 
controle de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal. Nas comarcas encontram-se juizados da 
criança e do adolescente. 
19
 
 
 Os juízes são bacharéis, nomeados após sua aprovação em concurso público; eles 
são vitalícios e tecnicamente irresponsáveis, mas podem sofrer sanções por má conduta, por parte dos 
tribunais das respectivas circunscrições e suas corregedorias. A partir da emenda constitucional n° 45/2004 
podem ser responsabilizados também perante o Conselho Nacional de Justiça. 
 
 
19
 Nos sites da OAB (www.oab.org.br/) e do Supremo Tribunal Federal (www.stf.gov.br/) podem ser 
encontradas outras informações a respeito do judiciário brasileiro. Os principais diplomas legislativos, além 
da Constituição, encontram-se na lei complementar n° 95/1998, na lei de introdução ao código civil (decreto 
lei 4.657/1942, no código civil (lei 10.406/2002), no código de processo civil (lei 5.869/1973), na lei que trata 
de recursos nos tribunais superiores (lei 8.038/1990), na consolidação das leis do trabalho (decreto lei 
5.452/1943), no código tributário nacional (lei 5.172/1966), no código penal (decreto lei 2.848/1940, 
modificado principalmente pela lei 7.209/1984), e no código de processo penal (decreto lei 3.689/1941). Os 
juizados especiais de pequenas causas são disciplinados pelas leis 9.0099/1995 e 10.259/2002. Todos esses 
diplomas devem ser consultados com cautela, dadas suas constantes alterações. Os melhores repertórios da 
legislação civil e processual civil são os organizados por Theotonio Negrão (São Paulo, Saraiva). 
 Nos tribunais de segunda instância, um quinto das vagas é preenchido por 
advogados e membros do ministério público, nomeados a partir de lista apresentada pelos respectivos 
órgãos de representação. 
 
 Dentre suas inovações, a Constituição de 1988 criou dois instrumentos fortíssimos 
de ação coletiva: o mandado de segurança coletivo e a ação direta de inconstitucionalidade. Outras 
inovações importantes foram à instituição da Defensoria Pública para os que não têm condições de 
contratar advogado, e a possibilidade de criação de juizados especiais de pequenas causas. Estes, aos 
poucos, passam a se difundir e a ganhar mais eficiência. 
 
 A independência da advocacia e a formação jurídica dos seus membros fizeram 
que nos seus quadros se encontrasse resistência aos regimes de exceção de que padeceu o Brasil no século 
XX, a saber: o Estado Novo, instaurado por Getúlio Vargas em 1937, e a ditadura militar de 1964. 
 
 Bem por isso a advocacia e seu órgão de representação ganharam “status” 
constitucional. Diz a Constituição de 1988 que “o advogado é indispensável à administração da justiça, 
sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.” (art. 133). O art. 
103, ao seu turno, incluiu o Conselho Federal da OAB no reduzido rol de pessoas que podem propor ação 
direta de inconstitucionalidade. 
 
 Encontram-se inscritos hoje, nas 27 seções estaduais da OAB, aproximadamente 
540.000 advogados e estagiários. A inscrição é necessária para o exercício da advocacia, mas nem todos os 
inscritos a exercem. O Conselho Federal, formado por três representantes de cada uma das 27 seções 
estaduais, possui sede e serviços permanentes em Brasília, onde se reúne todos os meses. 
20
 
 
 Dentro da OAB não há partidos políticos ou influência partidária; seus militantes 
não se agrupam segundo colorações ideológicas, não obstante na ditadura se tivesse vincado a distinção 
entre progressistase conservadores. Quando pedem o voto dos colegas para as subseções ou conselhos, os 
advogados apresentam uma plataforma geralmente desdobrada em dois itens: os chamados itens 
corporativos, que tratam do exercício profissional e suas prerrogativas, e os itens que se ocupam da 
participação política da OAB, necessariamente não-partidária. Tendo conseguido estabelecer essa difícil 
distinção prática, a Ordem transformou-se em porta-voz de uma sociedade civil em geral decepcionada com 
os desacertos da democracia representativa. Nos congressos de advogados, e principalmente na 
Conferência Nacional realizada de três em três anos, busca-se organizar um temário que contemple esses 
itens, que seja multidisciplinar, e no qual ressoem as grandes preocupações da cidadania. 
 
 Essa espécie de representação pública atípica, a OAB procura exercê-la não só 
mediante a propositura de ações direta de inconstitucionalidade, 
21
 mas também ao manifestar-se em 
momentos de crise política. Foi notória sua influência ao fim do regime militar e no processo de transição 
para a democracia. Foi decisiva sua participação no Movimento pela Ética na Política, durante o governo 
Fernando Collor de Mello: seu presidente, junto com o presidente da Associação Brasileira de Imprensa, 
tomou a iniciativa de denunciar o presidente da República pela prática de crime de responsabilidade. 
 
 
5. Por fim, uma palavra sobre o ensino jurídico. 
 
 
20
 Para outras informações, consulte-se o site do Conselho Federal da OAB. Advogados formados em outros 
países podem ser admitidos a advogar no Brasil após um exame de revalidação do seu diploma, organizado 
pelo Ministério da Educação, e posterior inscrição na OAB. Também se admite a criação de sociedades de 
advogados, mediante inscrição na OAB. 
21
 Desde a Constituição de outubro de 1988, o Conselho Federal da OAB já ajuizou perante o Supremo 
Tribunal Federal quase 1.500 ações diretas de inconstitucionalidade. 
 Somente a partir da República se instalaram outras faculdades de Direito: Bahia e 
Rio de Janeiro (1891), Minas Gerais (1892), Rio Grande do Sul (1900), Pará (1901), Ceará (1903), Amazonas 
(1912). Quando ingressei no ensino superior, em 1954, se bem me lembro no Estado de São Paulo existiam 
não mais do que quatro faculdades de Direito. Hoje, somente na minha cidade (Santos, de 450.000 
habitantes), existem seis. 
 
 Nas faculdades públicas, gratuitas, e que são minoria, o estudante é selecionado 
mediante um exame vestibular, e o mesmo acontece nas faculdades particulares, embora, pela sua 
disseminação, esse exame sofra um rebaixamento de nível. Havia queixas no sentido de que, sendo mais 
preparados, os estudantes de melhor situação econômica tinham vantagem nesse processo competitivo. O 
governo procurou atender a essas queixas estabelecendo um programa de incentivo mediante bolsas de 
estudo e reserva de vagas para estudantes negros ou pobres. 
 
 Uma das principais atribuições da OAB, atualmente, consiste em a) opinar, pela 
Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal, quanto à instalação de novas faculdades de Direito; 
22
 b) 
realizar o assim chamado “exame de ordem”, para aprovação ou não dos bacharéis que se candidatam a 
inscrição como advogados. 
 
 
 
22
 Dentre textos publicados pela Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB, veja-se: Ensino 
jurídico – novas diretrizes curriculares (1996), 170 anos de cursos jurídicos no Brasil (1997), OAB recomenda. 
Um retrato dos cursos jurídicos (2001).

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