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Introdução à profissão - Fundamentos da Fisioterapia 1. Introdução à fisioterapia 1.1 Definição de Fisioterapia A palavra fisioterapia é composta dos elementos gregos physis (natureza) e therapeia (tratamento). Desse modo, seria o tratamento do que é próprio da natureza. O filósofo grego Aristóteles (384 a 322 a.C) estudou muito o conceito de natureza (a physis grega). Para ele, “natureza é o princípio e a causa do movimento e do repouso, é a substância das coisas que tem o princípio do movimento em si próprias” (ABBAGNANO,1998, p.699). Talvez venha daí o conceito de fisioterapia como a ciência do movimento. Mas tratamento, o que é? Tratar significa servir, dar assistência. Assim, a Fisioterapia seria aquilo que “dá assistência ao movimento”. O Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional considera - que a fisioterapia é uma ciência aplicada, cujo objeto de estudos é o movimento humano em todas as suas formas de expressão e potencialidades, quer nas suas alterações patológicas, quer nas suas repercussões psíquicas e orgânicas, com objetivos de preservar, manter, desenvolver ou restaurar a integridade de órgão, sistema ou função” (COFFITO-80). - Esse mesmo Conselho diz que “Fisioterapia é uma Ciência da Saúde que estuda, previne e trata os distúrbios cinéticos funcionais intercorrentes em órgãos e sistemas do corpo humano, gerados por alterações genéticas, por traumas e por doenças adquiridas. Fundamenta suas ações em mecanismos terapêuticos próprios, sistematizados pelos estudos da Biologia, das ciências morfológicas. Fisiológicas, patológicas, bioquímicas, biofísicas, biomecânicas, cinesioterápicas, além das disciplinas sociais e comportamentais” (COFFITO, s.d.). Podemos ver nessas definições dois pontos fundamentais para entendermos melhor o que vem a ser a fisioterapia. Fisioterapia é uma ciência, e, portanto, tem conhecimento próprio e comprovação de sua eficácia. Seus profissionais trabalham baseados em evidências científicas, buscando melhorar a qualidade de vida dos pacientes. A fisioterapia trabalha com os distúrbios do movimento humano, também chamados de distúrbios cinéticos funcionais. Utilizando-se de recursos físicos e mecânicos, é capaz de prevenir e tratar os desajustes da biomecânica e da funcionalidade humana. Assim, o objeto de trabalho da fisioterapia engloba não só o movimento do sistema locomotor (ossos, músculos e articulações), mas todas as demais funções do corpo humano, fundamentais para garantir a vida e a realização das mais diversas tarefas. 1.2 Objeto de trabalho da fisioterapia Objeto de trabalho significa o que será transformado, a matéria-prima, aquilo sobre o qual age a ação do trabalhador. No caso da fisioterapia, podemos dizer que são as funções do corpo humano. Assim, a fisioterapia trabalha com todas as funções humanas: motora (a primeira a ser lembrada quando se trata de fisioterapia), respiratória, cardíaca, nervosa, sensorial, urinária etc. A forma como a fisioterapia se apropria do seu objeto de trabalho é no sentido de usar seus recursos próprios para manter, tratar e reabilitar essas funções. Barros (2011, p. 89) considera “o estudo do movimento humano (cinesiologia) a principal base científica para os tratamentos desenvolvidos pelos fisioterapeutas”. O fisioterapeuta deve estar atento para a eficácia do movimento, traduzida pela função. Muitas podem ser as causas das dificuldades dos pacientes em realizarem suas funções: doenças congênitas ou adquiridas, traumas, pós-operatório. Também há a dor e o medo, que podem ser altamente incapacitantes. Assim, o fisioterapeuta deve considerar aspectos do paciente que vão além do físico: seu estado emocional e psicológico, suas expectativas, seu estilo de vida, por exemplo. Por isso, cada atendimento é único, estabelecido de forma individual. O fisioterapeuta deve buscar melhorar a qualidade de vida de seus pacientes. Para atuar na fisioterapia, além de preencher as exigências legais, deve-se ter conhecimento do campo de atuação, das técnicas de diagnóstico e de tratamento e, não menos importante, saber se relacionar com o paciente e enxergá-lo como um ser humano, com todas suas potencialidades. O profissional fisioterapeuta deve ir além da aplicação das técnicas. 2. O profissional fisioterapeuta O que é necessário para ser um fisioterapeuta? Quais características pessoais são desejáveis para esse profissional? A fisioterapia é considerada uma das profissões mais novas da saúde. Ela foi regulamentada no Brasil como profissão pelo Decreto-Lei n. 938, de 13 de outubro de 1969, que concedeu ao fisioterapeuta, e também ao terapeuta ocupacional, o exercício de suas profissões, sendo considerado um profissional diplomado por escolas e cursos reconhecidos e de nível superior (MARQUES, 2017). 2.1 Exercício da profissão Para o exercício da atividade profissional de fisioterapia, além da formação em curso superior, é obrigatória a inscrição no Conselho Regional (Conselho profissional) da circunscrição em que atuar, na forma da legislação em vigor, mantendo obrigatoriamente seus dados cadastrais atualizados junto ao sistema COFFITO/CREFITOS (COFFITO-424). Toda empresa que presta assistência fisioterápica e/ou está ligada à produção de equipamentos usados na fisioterapia precisa, obrigatoriamente, se registrar no Conselho Regional. E, no momento da solicitação de seu registro, deverá apresentar profissional fisioterapeuta para assumir a responsabilidade técnica da empresa perante o órgão de fiscalização. 2.2 Perfil do profissional Se você caminhar por uma grande universidade, perceberá que há grupos distintos de estudantes, não somente diferentes na forma de se vestir, falar e se comportar, mas também nos valores e nas características pessoais. As pessoas escolhem que profissão seguir baseadas nas suas funções, no mercado de trabalho, no salário e no status. Também levam em consideração suas habilidades, preferências e personalidade. Vamos pensar: quais seriam as competências pessoais importantes para o fisioterapeuta? Podemos observar que, além do conhecimento sobre o corpo humano e técnicas de tratamento, o fisioterapeuta deve ter outras habilidades. A comunicação é uma habilidade importante. O fisioterapeuta deve sempre explicar ao paciente e seus familiares a importância do seu trabalho, e da colaboração durante as sessões e nas orientações domiciliares. Também deve se comunicar de forma eficiente e cortês com os demais membros da equipe de saúde, para que juntos proporcionem o melhor para os pacientes. O paciente que procura a fisioterapia, muitas vezes, tem dor, está com medo, vergonha, triste, apático, ou até mesmo revoltado com sua situação. Assim, entram em jogo as habilidades de contornar situações adversas, ter equilíbrio emocional, perseverança, dinamismo e criatividade. O trabalho do fisioterapeuta exige uma boa disposição física para acompanhar os pacientes durante os exercícios. Assim, além das habilidades intelectuais e emocionais, necessita também de habilidades físicas: habilidade motora e capacidade motora fina. O fisioterapeuta usa suas habilidades em todas as etapas do chamado processo fisioterápico. 3. O processo fisioterápico As atividades do fisioterapeuta estão ordenadas no chamado processo fisioterápico, cujo objetivo é sanar ou minimizar as queixas e dificuldades do paciente. Para isso, o fisioterapeuta utiliza-se dos seus conhecimentos e dos recursos próprios da profissão, como a cinesioterapia, a eletroterapia, a mecanoterapia, entre outros. 3.1 Etapas do processo fisioterápico O fisioterapeuta é habilitado para diagnosticar distúrbios cinético-funcionais, fazer prognósticos e prescrições, além de intervenções e alta. O desenvolvimento das competências e habilidades inerentes ao seu perfil profissional devem fluir com responsabilidade, ética e autonomia (CREFITO-1). O que acontece durante uma sessão de fisioterapia? Ela se inicia com a consulta, que é a primeira etapa do processo fisioterápico. 1 - Consulta: o paciente pode chegar ao fisioterapeutapor demanda espontânea, ou seja, ir diretamente a esse profissional. Ou então pode chegar encaminhado por outro profissional, geralmente um médico. É papel do médico realizar o diagnóstico médico, que nada mais é do que o reconhecimento da doença que o paciente tem. A partir dessa doença, o fisioterapeuta busca entender como ela se manifesta naquele paciente, quais suas queixas e alterações funcionais. Durante a consulta, o fisioterapeuta realiza a anamnese, que é uma entrevista, na qual serão levantadas a queixa principal do paciente, a história da sua doença, a presença de outras enfermidades e alterações, seus antecedentes pessoais e familiares, suas atividades de trabalho e de lazer, seus hábitos e vícios e os medicamentos em uso. A seguir, o fisioterapeuta realiza a avaliação do paciente, que, dependendo da área clínica, pode ser uma avaliação postural, avaliação da força muscular, da função respiratória, sensorial, etc. Por fim, avalia os exames complementares do paciente, como radiografias e outros. 2 - Diagnóstico fisioterápico : Também chamado de diagnóstico cinético-funcional, irá identificar quais disfunções o paciente apresenta e em que grau. Vamos ver alguns exemplos. Uma senhora chega na fisioterapia com bursite no ombro direito (diagnóstico médico). Após a consulta, o fisioterapeuta nota dor e limitação nos movimentos de flexão, extensão e abdução, fraqueza muscular e diminuição da sua capacidade de realizar as tarefas domésticas rotineiras (diagnóstico cinético-funcional). Um senhor foi internado no hospital com quadro de enfisema (diagnóstico médico). Na consulta o fisioterapeuta aponta diminuição da ventilação na base de ambos os pulmões, diminuição da expansão diafragmática e torácica nas inspirações, aumento da cifose torácica e cansaço aos médios esforços (diagnóstico cinético-funcional) 3 - Prognóstico: É uma previsão sobre a evolução do paciente e a duração do tratamento. Ou seja, é uma antevisão sobre o progresso do paciente e o tempo que se espera levar para isso. 4 - Prescrição: Compõe-se da eleição dos recursos que serão utilizados, das estratégias terapêuticas e da dosimetria. Por exemplo: 2 sessões semanais de fisioterapia, cada uma com duração de 45 minutos. O fisioterapeuta iniciará com eletroterapia para analgesia, seguida de exercícios de alongamento e fortalecimento e, por fim, treino de marcha e de equilíbrio. 5 - Intervenção: É o atendimento em si, coerente com o diagnóstico e o prognóstico. 6 - Alta: Acontece quando os objetivos iniciais foram atingidos. É importante que o fisioterapeuta forneça orientações domiciliares para o paciente e elabore um relatório de alta. O fisioterapeuta é responsável por todas as etapas do processo fisioterápico, possuindo as habilidades e competências práticas e legais para isso. Para tanto, utiliza-se dos denominados recursos fisioterápicos. 3.2 Recursos fisioterápicos Os recursos fisioterápicos variam conforme os objetivos terapêuticos e a disponibilidade do local de atendimento. Podemos classificá-los em: Cinesioterapia: terapia pelo movimento. É o recurso mais utilizado na fisioterapia. Os exercícios podem ser ativo-assistido (o fisioterapeuta aplica uma força no sentido do movimento, auxiliando o paciente), ativo-livre (o paciente faz o movimento sozinho), ativo-resistido (o paciente realiza o movimento contra a aplicação de uma força externa) ou passivo (o fisioterapeuta faz o movimento, sem ajuda do paciente). Cada um desses tipos de exercícios tem sua indicação e objetivos. De uma forma geral, podemos dizer que os objetivos da Cinesioterapia são: promover a atividade, manter ou aumentar as amplitudes de movimento articulares, fortalecer os músculos, melhorar o equilíbrio e encorajar os pacientes a desempenharem atividades funcionais (como rolar, levantar, andar, subir escadas etc). A cinesioterapia pode ser aplicada de forma individual ou em grupo. Fototerapia: terapia com o uso das radiações compreendidas no espectro eletromagnético, entre o infravermelho e o ultravioleta. Algumas dessas radiações produzem calor, (como o infravermelho e o laser), enquanto as radiações químicas, como as do ultravioleta, geram alterações celulares. Termoterapia: terapia pelo calor. É um recurso muito utilizado na fisioterapia, pois diminui a dor e aumenta o fluxo sanguíneo local. Pode ser calor profundo (gerado por bolsas térmicas e banho de parafina, por exemplo) ou profundo (calor oriundo das ondas curtas e do micro-ondas). A dor em decorrência da tensão muscular pode ser aliviada com o calor. Com o aumento da temperatura local, há dilatação dos vasos sanguíneos, levando mais sangue para os músculos, melhorando, assim, a sua função. Eletroterapia: terapia por correntes elétricas. Dependendo da corrente utilizada, tem efeito analgésico (diminuição da dor) ou estimulação funcional muscular (provocando contrações musculares que melhoram o fortalecimento muscular e a funcionalidade). Há ainda correntes que aumentam a circulação e o metabolismo local. Hidroterapia: terapia que utiliza a água nos estados líquido, sólido ou gasoso. A água aquecida pode ser utilizada na piscina terapêutica ou em turbilhões, facilitando a realização de movimentos pelo paciente, e promovendo analgesia e relaxamento pelo calor. A água pode ser usada também no estado sólido (gelo), a denominada crioterapia. O frio irá provocar vasoconstrição local, sendo benéfico em casos de edemas e hematomas. Por fim, a hidroterapia utiliza-se também dos vapores, na forma de saunas, para promover relaxamento e eliminação de toxinas. Massoterapia: terapia que se utiliza das massagens terapêuticas, visando promover relaxamento, melhora da circulação sanguínea e linfática e mobilização de músculos e do tecido conjuntivo. Mecanoterapia: terapia que usa aparelhos mecânicos, como halteres, mesa ortostática, barras paralelas, prancha de equilíbrio, faixas elásticas, bolas terapêuticas e vários outros. Os objetivos da mecanoterapia são inúmeros, podendo citar: aumento da força e da amplitude de movimento, treino do equilíbrio e da marcha, promoção do ortostatismo (postura ereta) e correção postural. Outros recursos são: equoterapia (terapia com cavalos), recursos bioenergéticos (acupuntura, shiatsu, reflexologia), osteopatia e quiropraxia. O uso de alguns desses recursos datam do período do início da humanidade, onde o homem utilizava-se do que a natureza lhe oferecia para tratar de seus desconfortos. 4. História da fisioterapia O surgimento da fisioterapia se confunde com o próprio surgimento da Humanidade, com o sentimento de autopreservação e de preservação da espécie. A partir da necessidade de cuidados de saúde, vão surgindo as bases das várias profissões. No Brasil, a fisioterapia iniciou-se como uma prática técnica, e aos poucos foi desenvolvendo autonomia e conquistando novos espaços. Veremos a seguir como a fisioterapia evoluiu, quais foram seus desafios e conquistas. 4.1 Surgimento da fisioterapia O homem sempre se preocupou em se livrar de dores e outros incômodos. Para isso, fazia uso dos recursos naturais que tinha à sua disposição: calor do sol (helioterapia) e do fogo, a água, a massagem e os exercícios físicos. Podemos subdividir a história da humanidade em três grandes momentos, quando se envolve as ciências da saúde e, consequentemente, o desenvolvimento e a formação da fisioterapia: o período que antecede a Primeira Guerra Mundial, compreendido da Idade Antiga, da Idade Média, do Renascimento e da Industrialização, o período das grandes guerras e, por fim, o período contemporâneo (MARQUES, 2017, p. 13). Na Antiguidade, há descrição de práticas de cura com massagens, hidroterapia e helioterapia no Papiro de Ebers, datado de 3.000 a.C. Também há registros de obras abordando a cura pelo movimento na China, no ano de 2.698 a.C (LINDEMANN, 1975, apud BARROS, 2011). Já na Grécia antiga, Aristóteles descrevia a ação dos músculos, ficando, posteriormente, conhecido como “o pai da cinesiologia”, enquanto Galeno registrava um caso de exercíciospara tronco e pulmões que corrigiram deformidades de um rapaz (BARROS, 2017). Durante a Idade Média (entre os séculos V e XV), com a dominação religiosa do Cristianismo e o movimento das Cruzadas, houve uma valorização do espírito e uma desvalorização do corpo. Com isso, segundo Rebelatto e Botomé (1999, p. 34), “a Idade Média foi uma época em que ocorreu uma interrupção no avanço dos estudos e da atuação na área da saúde”. Com o surgimento do período Renascentista (séculos XV ao XVI), marcado pelo momento cultural e literário, há a retomada dos estudos na área das ciências da saúde. Em 1750, há relatos de que o Instituion Nationale dês Invalides, em Paris, utilizava estímulos elétricos para o tratamento de pessoas com paralisia. Há publicações de 1780 que enfatizavam técnicas de terapia manual para as mobilizações das articulações (MARQUES, 2017). A Revolução Industrial (entre os séculos XVIII e XIX) iniciou-se na Inglaterra e, posteriormente, difundiu-se por toda a Europa, trazendo vários problemas sociais e de saúde pública. A mudança da população do campo para a cidade, e o estilo de trabalho nas indústrias, com movimentos repetitivos e longas jornadas de trabalho, ocasionaram o aparecimento das primeiras doenças ocupacionais, como a tendinite e a bursite, além das lesões por acidentes de trabalho. As condições habitacionais e a falta de saneamento básico contribuíram para o crescimento de epidemias de cólera e tuberculose. Nesse cenário, aumenta o uso de recursos físicos para ações de cura e reabilitação. Em 1864, em Berlim (Alemanha), surgem as primeiras escolas de reabilitação de indivíduos com deficiências, sendo, nesse momento, a visão da fisioterapia na ação curativa e reabilitadora (MARQUES, 2017). No século XX, dois acontecimentos são fundamentais para as mudanças na área da saúde, e, consequentemente, para a fisioterapia: ● as epidemias de poliomielite; e ● as grandes guerras mundiais. A poliomielite, também conhecida por paralisia infantil, é uma doença contagiosa, causada por vírus que ataca o sistema nervoso, causando paralisia dos movimentos musculares. Durante o século XX ocorreram epidemias de poliomielite espalhadas pelo mundo todo, causando deficiências físicas em milhares de pessoas, principalmente crianças. Segundo MATURANA, 2002, apud BARROS, 2011, p. 86, “a reabilitação beneficiou os doentes com poliomielite, mas esta também proporcionou uma maior consolidação desta atividade especializada durante as décadas dos anos cinquenta e sessenta”. Já a 1ª e a 2ª grandes guerras mundiais resultaram em milhares de mutilados e lesionados que necessitavam ser incorporados à vida social e de trabalho. Esse grande número de pessoas com deficiências, sejam originadas da poliomielite, sejam das guerras, levaram à criação dos centros de reabilitação. Nesses locais, havia uma preocupação não somente com a estabilidade clínica dos pacientes, mas com sua integração na sociedade. Surge então uma demanda por profissionais qualificados, dentre os quais os fisioterapeutas. No Brasil, a fisioterapia também foi direcionada para a reabilitação, sendo que até hoje há quem se surpreenda com o fato de o fisioterapeuta agir em outros níveis de atenção à saúde. 4.2 Fisioterapia no Brasil No Brasil colonial, as práticas de saúde eram exercidas por inúmeras pessoas, cujos conhecimentos, na maioria das vezes, eram passados por familiares ou aprendidos por observação e experiência. Havia curandeiros, pajés, feiticeiros, benzedeiros, parteiras, e até mesmo barbeiros, todos praticantes de cura ou terapias. As práticas formais da saúde no Brasil iniciam-se em 1808, com a vinda da família real portuguesa, que impulsionou o surgimento das primeiras escolas de ensino médico. Já no século XIX, os recursos fisioterápicos faziam parte da terapêutica médica. - No período de 1879 a 1883, com a industrialização e com o aumento do número de acidentes de trabalho, passou-se a ter a utilização de recursos físicos voltados para a assistência curativa e reabilitadora. Surgiu assim, nessa época, o serviço de hidroterapia no Rio de Janeiro, existente até os dias atuais, denominado “Casa das Duchas” (MARQUES, 2017, p. 15). - Em 1919, o médico Raphael de Barros fundou o serviço de eletricidade médica na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (MARQUES, 2017). - Em 1929, o médico Waldo Rolim de Moraes instalou o serviço de fisioterapia no Hospital Central da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (REBELATTO e BOTOMÉ, 1999). Idealizou e instalou ainda o serviço de fisioterapia do Hospital das Clínicas de São Paulo (MARQUES e SANCHES, 1994). Esses serviços coincidem com os primeiros planos que a Organização Mundial de Saúde (OMS) aplicou nos países latino-americanos, incentivando a instalação de centros de reabilitação formados por vários profissionais, trabalhando em equipe. - 1951, O Dr. Waldo Rolim de Moraes criou o primeiro curso técnico de fisioterapia, com duração de um ano, em período integral, ministrado por médicos (MARQUES, 2017, p. 16). Esse curso funcionou até 1958, no 7º andar do Instituto Central do Hospital das Clínicas. - 1957, surgiu a Associação Paulista de Fisioterapeutas, que tinha como objetivo promover o aperfeiçoamento profissional do ponto de vista jurídico, científico e deontológico da formação e do exercício da profissão. Em 1959, foi fundada a Associação Brasileira de Fisioterapeutas, que tinha como principal objetivo unificar a classe profissional de todo o país (MARQUES, 2017, p. 16). Entre as décadas de 40 e 50 Surgem importantes serviços de fisioterapia no Rio de Janeiro (serviço de fisioterapia nos Hospitais Barata Ribeiro e Carlos Chagas, Instituto Pestalozzi e APAE) e em São Paulo (Lar Escola São Francisco, AACD e Instituto Nacional de Reabilitação. Fora do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, em 1955 foi criado, na Bahia, o Instituto Bahiano de Reabilitação, e em 1969, em Brasília, o Centro de Reabilitação Sara Kubitscheck. A atuação da fisioterapia nesse período era recuperadora e reabilitadora, o que resultou na consolidação da profissão como um sinônimo de reabilitação. A Lei n. 5.029/1958 do Estado de São Paulo criou o primeiro curso de Fisioterapia no Brasil com padrão internacional mínimo. Com duração de 2 anos, o curso era ministrado no Instituto de Reabilitação, anexo à cadeira de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Com o avanço da atuação dos fisioterapeutas e com uma formação mais completa, os aspectos legais também evoluíram. Conforme Marques e Sanches (1994), um dos primeiros documentos oficiais que definem a ocupação do fisioterapeuta e os limites de seu trabalho e de sua atividade é o Parecer n. 388/63, do Conselho Federal de Educação. O documento reconhecia os cursos de fisioterapia, indicava que teriam duração de três anos e estabelecia um currículo mínimo. Caracterizava, pela primeira vez, os técnicos em fisioterapia, cujas funções também foram definidas neste parecer. Segundo o parecer, os fisioterapeutas eram auxiliares médicos, devendo atuar sob orientação e supervisão destes profissionais. Não podiam fazer diagnóstico nem prescrição, somente realizar aquilo prescrito pelos médicos. Além disso, mesmo sendo formados por curso superior, eram denominados de técnicos em fisioterapia. A partir de 1967, os cursos de fisioterapia passam a ter duração de três anos letivos. Porém, continuavam com foco somente na reabilitação. Foi somente nos anos 80 que os cursos passaram a ter quatro anos de duração. Em 1969, o então presidente da República do Brasil, general Artur da Costa e Silva, sofre um acidente vascular encefálico (AVE). A Junta Militar, sensibilizada com o bom tratamento oferecido ao presidente pelos fisioterapeutas, por intermédio dos ministros da Marinha, Exército e Aeronáutica, determina o Decreto-Lei n. 938, de 13 de outubro de 1969. Nele, a denominação do profissional passou de técnico em fisioterapia para fisioterapeuta, e a execução de métodos e técnicas fisioterápicas passarama ser atividades privativas do fisioterapeuta. Em 17 de dezembro de 1975, foi promulgada a Lei n. 6.316 pelo Congresso Nacional, e sancionada pelo presidente da República Ernesto Geisel, ao criar o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) e os Conselhos Regionais de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (CREFITO). O documento destaca os locais onde o fisioterapeuta poderá exercer suas funções: estabelecimentos hospitalares, clínicas, ambulatórios, creches, asilos, englobando os exercícios de cargo, função, assessoramento, chefia e direção. A criação desses conselhos deve-se à implantação, meses antes, do plano de classificação de cargos no serviço público federal. A fisioterapia e a terapia ocupacional juntem-se no mesmo conselho, pois, à época, o número de profissionais era insuficiente para criar conselhos separados (NICIDA, 2002). A fisioterapia, na sua origem mundial, e também no Brasil e no decorrer de sua trajetória, assim como as outras profissões da área da saúde, conduziu a sua atuação profissional para as atividades reabilitadoras e curativas. Nos anos 1980, sofreu influências das técnicas europeias e norte-americanas, trazendo para o Brasil novas técnicas e maiores incentivos à pesquisa. Em 1996, o MEC, por intermédio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), concedeu, oficialmente, o primeiro mestrado brasileiro em fisioterapia pela Universidade de São Carlos (UFSCar). A partir desse marco, a fisioterapia passou a integrar, de maneira formal, a comunidade científica no Brasil (MARQUES, 2017). Atualmente, a fisioterapia não é mais centrada apenas na reabilitação, mas atua também na prevenção e no tratamento. Além das áreas historicamente tradicionais da fisioterapia (ortopedia, respiratório e neurologia), outras áreas foram se somando, como esportiva, ginecológica, oncológica e dermato-funcional. A fisioterapia continua seu avanço, baseada em pesquisas e evidências científicas, promovendo saúde em todos seus níveis de atuação. 5. A profissão dentro da área da saúde A fisioterapia está presente em todo o mundo, apesar dos seus profissionais receberem denominações diferentes: fisioterapistas, terapeutas físicos e cinesiologistas são alguns exemplos. No Brasil, vemos a ampliação da demanda pelos serviços de fisioterapia e o surgimento de novas especializações. 5.1 Aspecto regional “um mapeamento da disponibilidade de fisioterapeutas no Brasil por população residente. Concluíram que há uma distribuição desigual desses profissionais, observando dois focos de densidade muito alta na região Sudeste, um no estado de São Paulo e outro no estado do Rio de Janeiro. Por outro lado, observaram uma grande área com ausência de profissionais principalmente na região Norte, mais precisamente em estados como Acre, Amazonas, Roraima, Amapá e Pará.” Pela dimensão do Brasil e suas variações socioeconômicas, é de se esperar uma distribuição também desigual no acesso aos serviços de saúde, concentrando-se em regiões com melhor desempenho econômico. Isso demonstra a urgência de se criar mecanismos de expansão dos serviços de fisioterapia em áreas menos desenvolvidas, principalmente, pela ampliação de vagas na rede pública. 5.2 Aspecto nacional Em 2019, a fisioterapia comemorou 50 anos de reconhecimento da profissão no Brasil. Ao longo dessas décadas, muitas conquistas ocorreram, expandindo a atuação da fisioterapia em diversos setores da saúde. O crescimento deu-se tanto do ponto de vista técnico quanto científico, com novas ferramentas de diagnóstico e tratamento, atualização dos currículos das universidades e consolidação da fisioterapia como ciência. Para continuar esse avanço, a profissão tem de ter união e organizar-se em entidades de classe. Veja um pouco da história das associações de fisioterapeutas, conforme Marques e Sanches (1994). 1959 - Associação Brasileira de Fisioterapeutas (ABF) foi fundada em São Paulo (SP). Posteriormente, passou a se chamar Associação Brasileira de Fisioterapia, com o objetivo de realizar a unificação da classe profissional dos fisioterapeutas de todo o Brasil, reunindo-os em torno de um ideal comum, num esforço deliberado pela categorização elevada da classe, em todos os setores de suas atividades. 1962, A Confederação Mundial de Fisioterapia (WCPT) reconheceu a ABF, coroando a trajetória dessa importante associação em busca do reconhecimento da profissão. 2005, Em 8 de outubro, durante o XVI COBRAF (Congresso Brasileiro de Fisioterapia), foi criada a Associação de Fisioterapeutas do Brasil (AFB), que defende o interesse da profissão e dos profissionais nos diversos locais e eventos que participam no Brasil e no exterior. Logo a seguir passou a representar o Brasil junto a World Confederation for Physical Therapy (WCPT) e a Confederaciòn Latino Americana de Fisioterapia y Kinesiologia (CLAFK). Dentre os objetivos da AFB (s.d), destacam-se: ● estimular a prática e educação da fisioterapia em alto nível; ● realizar a comunicação e a troca de informações, incluindo a organização de congressos nacionais, estaduais e internacionais para fisioterapeutas, debater os problemas políticos e sociais que afetam a saúde pública nacional; ● contribuir para a solução dos problemas que acometem a profissão; e ● unir os fisioterapeutas e defender seus justos interesses. Atualmente, são várias as associações de fisioterapia, cada qual unindo fisioterapeutas de determinada área, visando o desenvolvimento científico e a divulgação de novos avanços terapêuticos. Alguns exemplos: Associação Brasileira de Fisioterapia Cardiorrespiratória e Fisioterapia em Terapia Intensiva (ASSOBRAFIR), Sociedade Brasileira de Fisioterapeutas Acupunturistas (SOBRAFISA), Sociedade Nacional de Fisioterapia Esportiva (SONAFE), ABFO (Associação Brasileira de Fisioterapia em Oncologia), ABRAFIT (Associação Brasileira de Fisioterapia do Trabalho) e Associação Brasileira de Ensino em Fisioterapia (ABENFISIO). 5.3 Aspecto mundial A organização que representa em nível mundial os fisioterapeutas é a Confederação Mundial de Fisioterapia (WCPT, World Confederation for Physical Therapy), que é uma organização sem fins lucrativos, fundada e registrada no Reino Unido, em 1951. Essa confederação mantém relações oficiais com a Organização Mundial da Saúde e é membro da Aliança das Profissões da Saúde do Mundo (World Health Professions Alliance). A WCPT está vinculada a diversas organizações de fisioterapia no mundo, inclusive no Brasil, com a Associação de Fisioterapeutas do Brasil (MARQUES, 2017). A fisioterapia, tanto a nível regional, nacional e mundial, tem vários desafios a vencer. As mudanças globais pelas quais as sociedades têm passado exige responsabilidade ética e compromisso social dos fisioterapeutas, indo além do procedimento técnico. O fisioterapeuta não está mais restrito à reabilitação, e sua atuação na educação e na promoção de saúde, deve se ampliar cada vez mais. A autonomia, duramente conquistada, deve ser mantida e, se possível, ampliada sempre e amparada pelas pesquisas e pelas evidências científicas. Com isso, todos temos a ganhar: os fisioterapeutas, os pacientes e a sociedade, pois teremos mais saúde, funcionalidade e qualidade de vida.
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