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Estudos sobre a Taxa de Câmbio no Brasil Ribeirão Preto, Novembro de 2013 Relatório Final apresentado ao DEPECON-FIESP Equipe: Rudinei Toneto Junior (Coordenador) Luciano Nakabashi Marcio Laurini Sérgio Kannebley Guilherme Byrro Guilherme Henrique Albertin Roberto Mauad Sumário 1. Introdução ............................................................................................................... 3 1.1. Evolução recente da taxa de câmbio e das contas externas no Brasil: Alguns fatos ................................................................................................................... 7 1.2. A Balança Comercial ........................................................................................... 9 1.3. Transações Correntes e Conta Capital e Financeira ...................................... 19 1.4. Taxa de câmbio e crescimento econômico ..................................................... 27 1.5. Taxa de câmbio e preços .................................................................................. 29 1.6. Considerações finais ........................................................................................ 31 2. Crescimento econômico e a taxa de câmbio. .................................................... 33 2.1. Os canais de influência da taxa de cambio sobre o crescimento econômico ................................................................................................................... 34 2.2. Relação empírica entre câmbio e desempenho econômico .......................... 38 2.2.1. Análise de regressão dos dados: série de países....................................... 38 2.2.2. Séries de dados da análise para o Brasil ..................................................... 42 2.2.3. Análise de regressão: resultados para o Brasil .......................................... 45 2.2.4. Análise para o Brasil com dados trimestrais ............................................... 50 3. O efeito do mercado financeiro e de variáveis macroeconômicas sobre o câmbio brasileiro. ........................................................................................................ 61 3.1. Funcionamento do mercado de câmbio .......................................................... 62 3.1.1. Mercado de câmbio à vista ............................................................................ 62 3.1.2. Mercado de câmbio futuro ............................................................................ 64 3.1.3. Instrumentos de intervenção no mercado de câmbio ................................ 65 3.2. Metodologia ....................................................................................................... 66 3.3. Descrição das Variáveis ................................................................................... 68 3.4. Análise Diária ..................................................................................................... 79 3.4.1. O impacto do mercado financeiro e de variáveis macroeconômicas sobre o câmbio à vista ................................................................................................ 79 3.4.2. Resultados ...................................................................................................... 81 3.5. Análise Mensal ................................................................................................... 89 3.6. Conclusões ........................................................................................................ 95 4. Câmbio e Preços: Estimativas do Repasse Cambial para o Brasil .................. 97 4.1. Revisão da Literatura sobre Repasse Cambial ............................................... 98 4.2. Abordagem Metodológica............................................................................... 103 4.3. Fonte de Dados e Análise Descritiva ............................................................. 104 4.3.1. Dados e análise descritiva para a economia no agregado ....................... 104 4.3.2. Dados Do Painel Setorial da Indústria de Transformação ........................ 109 4.4. Resultados ....................................................................................................... 111 4.4.1. Repasse Cambial aos Índices de Preços Agregados .............................. 111 4.4.2. Testes de robustez dos resultados para o agregado ................................ 116 4.4.3. Modelos Agregados para preços de Importação com Dados em Painel 121 4.4.4. Resultados de Longo Prazo para os Setores Industriais ......................... 123 4.5. Análise dos Resultados e Considerações Finais ......................................... 126 Referências Bibliográficas ....................................................................................... 133 3 1. Introdução1 A taxa de câmbio é um dos principais preços relativos da economia com influência direta no desempenho macroeconômico do país e na composição de sua estrutura produtiva. É uma variável extremamente complexa pois se relaciona tanto com o mercado de bens e serviços como com o mercado de ativos. A taxa de câmbio nominal corresponde à relação de troca entre duas moedas, no caso brasileiro em geral é definida como a quantidade de R$ necessária para adquirir um dólar. A taxa de câmbio real refere-se ao preço relativo entre o produto estrangeiro e o produto nacional; assim, quando diz-se que a taxa real de câmbio está valorizada isto quer dizer que o produto nacional está relativamente mais caro em relação ao produto estrangeiro e o inverso quando diz-se que a taxa de câmbio real está desvalorizada. Percebe-se que taxa de câmbio real reflete a competitividade da economia, um país é relativamente barato quando esta é desvalorizada, ou seja, seu produto é mais competitivo, e o inverso, o país é relativamente caro quando sua taxa real de câmbio está valorizada. Diversos trabalhos destacam a sua influência sobre o crescimento econômico a curto e longo prazo, principalmente, em função das possibilidades e limitações da sustentabilidade do crescimento com a dependência de poupança externa. A poupança externa reflete os déficits em transações correntes e seu uso mais intenso pode gerar maior instabilidade e volatilidade do crescimento em função de acúmulo de passivos externos e ampliações do risco-país com impacto nos fluxos de capitais. A taxa de câmbio também pode afetar o desempenho econômico pelos seus efeitos na composição setorial da economia. O nível da taxa de câmbio refletirá na maior ou menor presença dos setores de transacionáveis da economia. Quanto mais valorizada a taxa de câmbio, maior o estímulo à produção de não transacionáveis em detrimento dos transacionáveis. Isto pode gerar impactos significativos sobre o crescimento no longo prazo em função da diferença entre os setores no que se 1 Agradecemos os comentários e sugestões de todos os membros da FIESP que contribuíram com este trabalho, que auxiliaram muito com o desenvolvimento do projeto. 4 refere à capacidade inovadora, a agregação de valor, níveis de produtividade, entre outros aspectos. Além de influenciar a atividade econômica e a capacidade de crescimento econômico, a taxa de câmbio também influencia o comportamento dos preços, tanto em função dos custos dos produtos importados como pela maior atratividade para venda de produtos nacionais no exterior. A influência sobre o nível geral de preços e os produtos importados, gera importantes impactos redistributivos com influência direta no poder aquisitivodos consumidores e nas margens de lucro das empresas. Percebe-se, portanto, que a taxa de câmbio possui diversos impactos na economia, com destaque para seus efeitos redistributivos, o que faz com que os debates sobre a mesma sejam bastante acalorados. Mas, o que determina a taxa de câmbio, quais variáveis influenciam o seu comportamento. Os modelos de determinação do câmbio consideram diferentes variáveis de acordo com o prazo em análise. Os modelos de curto prazo tendem a privilegiar a interação com o mercado financeiro, analisando o comportamento do câmbio a partir dos diferenciais de taxas de juros, as expectativas (mercados futuros de câmbio e juros), a presença de controles de capitais (incidência de impostos, restrições a entrada/saída, entre outros). O movimento de capitais explica grande parte da volatilidade de câmbio, mas o valor do câmbio no médio e longo prazo é determinado essencialmente pelo comportamento de variáveis relacionadas a capacidade de oferta e as condições de demanda pelos produtos domésticos. Estas variáveis são transmitidas aos mercados financeiros e a dinâmica do cambio no curto prazo pelo diferencial de juros, pela expectativa de diferencial futuro das taxas de juros, pela expectativa do câmbio futuro. Os modelos de longo prazo tendem a privilegiar fatores de competitividade e o comportamento dos agregados macroeconômicos: comportamento das taxas de inflação do país e do mundo, termos de troca, montante de poupança doméstica e oportunidades de investimento, taxas de juros de longo prazo, entre outras variáveis. Nestes modelos pode-se pensar na chamada Paridade do Poder de Compra, que se origina da chamada Lei do Preço Único, de acordo com o qual produtos homogêneos na ausência de custos significativos de transação devem ter o mesmo 5 valor em diferentes lugares do mundo quando expressos na mesma moeda2. Nesse caso, a taxa de câmbio real corresponde a relação entre os preços internacionais e os preços domésticos; se pensarmos os primeiros como o preço dos bens transacionáveis, cujos preços são dados pelo mercado internacional, e os preços dos não transacionáveis, a taxa de câmbio real reflete esta relação. A importância relativa de cada uma das variáveis em sua influência sobre a taxa de câmbio depende, como destacado, do horizonte temporal considerado na análise, do quadro institucional do país e seu relacionamento com o resto do mundo, do desenho e objetivos da política macroeconômica: políticas fiscal, monetária e cambial. A partir do conceito da taxa de cambio é interessante observar como choques na demanda doméstica a afetam. Uma maior demanda doméstica se direciona tanto a bens transacionáveis como não transacionáveis. Na impossibilidade de atender a expansão dos dois, caso haja restrições para a expansão da oferta, a maior demanda por não transacionáveis se traduzirá por aumento de preços atraindo fatores de produção. Já no caso dos transacionáveis pelo preço ser dado pelo mercado internacional, havendo restrição de oferta esta demanda deverá ser atendida por importações. Como houve mudança dos preços relativos a favor dos não transacionáveis deverá haver redução na rentabilidade dos transacionáveis. Este processo corresponde a valorização da taxa de câmbio real. A contrapartida do aumento da demanda interna (investimento, consumo ou gasto público) será a necessidade de captação de poupança externa, que financiará o aumento das importações. Vale destacar que a contrapartida do movimento de bens e serviços é o acúmulo de ativos e passivos externos, ou o chamado Passivo Externo Líquido. Um país não pode acumular indefinidamente ativos ou passivos externos. Sendo assim, a taxa de câmbio real de equilíbrio, é o preço relativo entre os bens transacionáveis e não-transacionáveis, sendo determinada no longo prazo de tal forma a ajustar a demanda e a capacidade produtiva, garantindo que não haja acúmulo permanente de Passivo Externo pelos países. Quando se tem um excesso de demanda doméstica esta resultará em apreciação da taxa de câmbio e vice versa quando a capacidade produtiva se 2 Esta ideia deu origem a Teoria do Big Mac da The Economist que mensura qual o preço do Big Mac em diferentes cidades do mundo quando medidos na mesma moeda como forma de sinalizar eventuais sinais de desvios das taxas de câmbio, tendo em vista que este seria um produto homogêneo. 6 sobrepõe a demanda doméstica. Vale destacar que como o movimento da poupança externa se reflete no comportamento do passivo externo líquido, e este não pode crescer indefinidamente, a taxa de câmbio de equilíbrio se refere aquela que define uma trajetória estabilizadora do passivo externo, do contrário, períodos de crescimento acelerado do passivo externo serão seguidos de ajustes forçados na forma de crises cambiais. Este trabalho busca oferecer um conjunto de estudos que possibilitem uma melhor compreensão da determinação da taxa de câmbio na economia brasileira e seus impactos no desempenho econômico. Pretende-se alcançar os seguintes objetivos: Analisar a relação entre a taxa de câmbio e crescimento econômico e os diferentes canais possíveis de transmissão; Analisar o comportamento da taxa de câmbio e sua relação com variáveis econômicas que possam influenciá-la: taxa de juros, atividade econômica, termos de troca, poupança, investimento, entre outras; em especial, busca-se identificar os determinantes financeiros e macroeconômicos da taxa de câmbio, isto é a interação entre o mercado de câmbio e o mercado financeiro; Estimar o impacto de mudanças na taxa de câmbio sobre os preços, o chamado pass-through. O relatório está estruturado em quatro seções. A primeira apresenta a evolução recente da taxa de câmbio e das contas externas do país. A segunda destaca os resultados da análise sobre a relação entre a taxa de câmbio e a atividade econômica e os eventuais canais de transmissão – poupança, investimento, balança comercial e estrutura setorial. A terceira apresenta a relação entre a taxa de câmbio e variáveis financeiras e macroeconômicas. E, por fim verifica-se o impacto de variações cambiais sobre os preços, ou seja, busca-se estimar o pass-through da taxa de câmbio. 7 1.1. Evolução recente da taxa de câmbio e das contas externas no Brasil: Alguns fatos Nas últimas décadas a taxa de câmbio no Brasil, tem sofrido significativas oscilações. Utilizado como instrumento de estabilização ao longo do Plano Real, a sua apreciação contribuiu para reverter as elevadas taxas de inflação, mas, provocou uma forte deterioração das contas externas com o surgimento dos déficits na Balança Comercial e aumento dos déficits em Transações Correntes. Esse processo provocou um grande aumento do endividamento externo do país e a crise cambial de 1999. A desvalorização cambial ocorrida nesse momento e a adoção de um sistema de câmbio flutuante contribuíram para reverter a tendência de deterioração da situação externa do país, mas ainda assim, em função de diversos choques externos e incertezas geradas pelo quadro político interno ocorreu a forte crise cambial em 2002, culminando nas taxas de câmbio mais desvalorizadas da história recente do país. Este processo, em conjunto com uma forte melhora do quadro internacional e de forte elevação do preço das commodities, contribuiu para a emergência de significativos superávits na Balança Comercial e em Transações Correntes, com significativa redução do Passivo Externo Líquido do País e melhoria dos indicadores de solvência e do risco-país. A melhora dos indicadoresexternos e fiscais levou o país à condição de grau de investimento. Com o sistema de câmbio flutuante, a entrada de divisas, inicialmente em função dos superávits em transações correntes e, posteriormente, com o fluxo de capitais, levou a uma tendência constante de apreciação cambial desde o final de 2002. Este processo só foi ligeiramente interrompido com a crise financeira de 2008, mas manteve-se até 2011 como pode ser visto nas figuras a seguir. Desde então, quando o câmbio atingiu um mínimo na história recente, observa-se uma perda de valor relativo do real frente ao dólar. Desde janeiro de 2013 até o final de agosto, o dólar saiu de um patamar em torno de R$ 2,00 por dólar para algo em torno de R$ 2,40 por dólar, cerca de 20% de desvalorização, valor semelhante ao verificado após a crise de 2008, mas voltou a se retrair nos últimos meses. 8 Figura 1.1.1. Taxa de Câmbio Diária (1994/2013) Deve-se destacar, porém, que se considerarmos a taxa de câmbio real, isto é, desconsiderando o efeito da inflação, a taxa de câmbio ainda se encontra em patamares significativamente inferiores ao verificado no período recente. Calculando a taxa de câmbio real, descontando-se a inflação brasileira (IPCA-IBGE) e a americana (IPA) verifica-se que o câmbio encontra-se em um patamar muito próximo ao observado no inicio do Plano Real. Observa-se que o comportamento do câmbio real é muito semelhante ao do câmbio nominal. Figura 1.1.2 Taxa de Câmbio - Brasil (1994/2013) 0,00 0,50 1,00 1,50 2,00 2,50 3,00 3,50 4,00 4,50 2 9 /0 6 /1 9 … 1 6 /0 3 /1 9 … 0 1 /1 2 /1 9 … 1 7 /0 8 /1 9 … 0 4 /0 5 /1 9 … 1 9 /0 1 /1 9 … 0 6 /1 0 /1 9 … 2 3 /0 6 /1 9 … 0 9 /0 3 /2 0 … 2 4 /1 1 /2 0 … 1 1 /0 8 /2 0 … 2 8 /0 4 /2 0 … 1 3 /0 1 /2 0 … 3 0 /0 9 /2 0 … 1 6 /0 6 /2 0 … 0 3 /0 3 /2 0 … 1 8 /1 1 /2 0 … 0 5 /0 8 /2 0 … 2 2 /0 4 /2 0 … 0 7 /0 1 /2 0 … 2 3 /0 9 /2 0 … 1 0 /0 6 /2 0 … 2 5 /0 2 /2 0 … 1 2 /1 1 /2 0 … 3 0 /0 7 /2 0 … 1 5 /0 4 /2 0 … 3 1 /1 2 /2 0 … 0 50 100 150 200 250 1 9 9 4 .0 7 1 9 9 5 .0 4 1 9 9 6 .0 1 1 9 9 6 .1 0 1 9 9 7 .0 7 1 9 9 8 .0 4 1 9 9 9 .0 1 1 9 9 9 .1 0 2 0 0 0 .0 7 2 0 0 1 .0 4 2 0 0 2 .0 1 2 0 0 2 .1 0 2 0 0 3 .0 7 2 0 0 4 .0 4 2 0 0 5 .0 1 2 0 0 5 .1 0 2 0 0 6 .0 7 2 0 0 7 .0 4 2 0 0 8 .0 1 2 0 0 8 .1 0 2 0 0 9 .0 7 2 0 1 0 .0 4 2 0 1 1 .0 1 2 0 1 1 .1 0 2 0 1 2 .0 7 2 0 1 3 .0 4 Câmbio Deflacionado IPCA Taxa de Câmbio Real 9 1.2. A Balança Comercial O comportamento da taxa de câmbio real possui grande influência sobre o saldo comercial, mas, deve-se destacar que o saldo comercial como parte da oferta e demanda de moeda estrangeira também influencia a determinação da taxa de câmbio. Pode-se verificar na tabela a seguir que a profunda apreciação cambial ao longo do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, para alcançar a estabilização de preços, levou a transformação dos significativos superávits comerciais gerados a partir da crise da dívida externa nos anos 80, em profundos déficits. Este processo foi interrompido com a crise cambial de 1999 e a introdução do sistema de câmbio flutuante. Mas, a volta de maiores superávits comerciais só ocorreu com a desvalorização mais acentuada ocorrida em 2002 e com as maiores taxas de crescimento econômico mundial e elevação do preço das commodities, em geral, com significativa melhora dos termos de troca do país. Pode-se observar que, mesmo com a apreciação cambial ocorrida a partir de então, enquanto a taxa de câmbio real se manteve em patamares mais desvalorizados o superávit comercial foi crescente, atingindo patamares superiores a US$ 40 bilhões anuais no triênio 2005/07. A partir daí, tanto a crise econômica mundial como o patamar extremamente apreciado atingido pela taxa de câmbio real resultaram em quedas no saldo comercial culminando na emergência de déficits ao longo de 2013. 10 Tabela 1.2.1. Balança Comercial – US$ milhões – 1994/2013 Exportações US$ Importações Balança Comercial 1994 43.545 33.079 10.466 1995 46.506 49.970 -3.464 1996 47.747 53.347 -5.600 1997 52.986 59.842 -6.856 1998 51.120 57.717 -6.597 1999 48.013 49.301 -1.288 2000 55.119 55.850 -731 2001 58.287 55.603 2.684 2002 60.439 47.243 13.196 2003 73.203 48.327 24.876 2004 96.678 62.834 33.844 2005 118.530 73.600 44.930 2006 137.808 91.343 46.465 2007 160.649 120.619 40.030 2008 197.942 173.199 24.743 2009 152.995 127.646 25.349 2010 201.915 181.648 20.266 2011 256.040 226.247 29.793 2012 242.580 223.172 19.408 2013* 156.655 160.418 -3.763 Fonte: IPEADATA (*) 2013 até agosto. Vale destacar o comportamento das exportações e importações. O crescimento das exportações no período 1994/2002 foi relativamente baixo refletindo tanto a apreciação cambial como a situação da economia internacional. As importações após um salto inicial com o lançamento do Plano Real e sua estratégia de estabilização baseada na apreciação cambial, também tiveram um crescimento relativamente lento, em função do próprio crescimento econômico reduzido do país. A partir de 2002 verifica-se um forte crescimento das exportações respondendo aos níveis mais desvalorizados da taxa de câmbio real e ao crescimento econômico 11 mundial. Este processo de aumento das exportações e de significativos superávits comerciais colaborou de maneira acentuada para que o período 2004/08 fosse o de maiores taxas de crescimento econômico médio do país, desde a crise dos anos 80; o que pode sinalizar a importância da taxa de câmbio para o crescimento econômico como será visto na próxima seção. O maior crescimento econômico e o processo de apreciação cambial após a forte desvalorização de 2002 foram impactar de maneira acentuada no aumento de importações, principalmente, a partir de 2007 quando a taxa de câmbio já apresentava sinais de apreciação excessiva. Figura 1.2.1. Exportações, Importações e Saldo Comercial – US$ milhões – Acumulado em 12 meses Um aspecto interessante a ser observado em relação às exportações brasileiras é a sua composição em termos de fator agregado. Observa-se que ao longo do processo de industrialização e durante o ajustamento da economia a crise da dívida externa houve um significativo aumento da participação de manufaturados em detrimento da participação dos básicos. Este processo foi interrompido com a utilização mais intensa da taxa de câmbio como estratégia de estabilização e, principalmente ao longo da década passada em função do forte crescimento da demanda de commodities e de seus preços. Com isso a pauta de exportações foi se -50.000 0 50.000 100.000 150.000 200.000 250.000 300.000 ja n /0 0 o u t/ 0 0 ju l/ 0 1 ab r/ 0 2 ja n /0 3 o u t/ 0 3 ju l/ 0 4 ab r/ 0 5 ja n /0 6 o u t/ 0 6 ju l/ 0 7 ab r/ 0 8 ja n/0 9 o u t/ 0 9 ju l/ 1 0 ab r/ 1 1 ja n /1 2 o u t/ 1 2 ju l/ 1 3 U S$ ( m ilh õ e s) Saldo Comercial Exportações Importações 12 concentrando nos produtos básicos originários das atividades agrícolas e extrativas. A retração da participação de manufaturados se dá tanto pela forte expansão das exportações de commodities como, e este é o ponto preocupante, da perda de competitividade dos produtos industriais em um contexto de forte apreciação cambial. Figura 1.2.2. Exportação Brasileira por Fator Agregado (1964 a Jul/2013 - Participação %) Fonte e elaboração: SECEX/MDIC. Além disso, utilizando o critério da OCDE que classifica os produtos industriais em alta, média-alta, média-baixa e baixa intensidade tecnológica, pode-se observar ao longo do tempo uma retração da participação dos produtos industriais na pauta de exportação (83% em 1996 e 61,6% em 2012), sendo que os setores de alta e média-alta tecnologia respondem por apenas um quinto das exportações industriais. Ao se observar as importações verifica-se um processo contrário com uma tendência de aumento na participação dos produtos industriais com forte concentração nos setores de alta e média-alta tecnologia, sendo de, aproximadamente, 60% em 2012. 0,0 10,0 20,0 30,0 40,0 50,0 60,0 70,0 80,0 90,0 1 9 6 4 1 9 6 6 1 9 6 8 1 9 7 0 1 9 7 2 1 9 7 4 1 9 7 6 1 9 7 8 1 9 8 0 1 9 8 2 1 9 8 4 1 9 8 6 1 9 8 8 1 9 9 0 1 9 9 2 1 9 9 4 1 9 9 6 1 9 9 8 2 0 0 0 2 0 0 2 2 0 0 4 2 0 0 6 2 0 0 8 2 0 1 0 2 0 1 2 BÁSICOS SEMIMANUFATURADOS MANUFATURADOS 13 Tabela 1.2.2. Exportação e Importação de Produtos Industrializados, por Intensidade Tecnológica (US$ FOB) Setores – Exportações 1996 2002 2007 2012 Valor % Valor % Valor % Valor % Total 47.747 100,0 60.362 100,0 160.649 100,0 242.580 100,0 Produtos industriais (*) 39.923 83,6 48.652 80,6 121.908 75,9 149.528 61,6 Alta e média-alta tecnologia (I+II) 12.939 27,1 18.870 31,3 46.760 29,1 50.683 20,9 Alta tecnologia (I) 2.042 4,3 5.935 9,8 10.241 6,4 10.158 4,2 Média-alta tecnologia (II) 10.897 22,8 12.935 21,4 36.519 22,7 40.525 16,7 Média-baixa tecnologia (III) 9.807 20,5 10.650 17,6 31.599 19,7 38.817 16,0 Baixa tecnologia (IV) 17.176 36,0 19.132 31,7 43.549 27,1 60.028 24,7 Produtos não industriais 7.824 16,4 11.709 19,4 38.741 24,1 93.052 38,4 Setores – Importações 1996 2002 2007 2012 Valor % Valor % Valor % Valor % Total 53.346 100,0 47.243 100,0 120.621 100,0 223.172 100,0 Produtos industriais (*) 45.012 84,4 40.652 86,0 99.950 82,9 194.559 87,2 Alta e média-alta tecnologia (I+II) 31.046 58,2 30.330 64,2 71.929 59,6 134.274 60,2 Alta tecnologia (I) 10.422 19,5 10.460 22,1 25.284 21,0 41.276 18,5 Média-alta tecnologia (II) 20.624 38,7 19.870 42,1 46.645 38,7 92.998 41,7 Média-baixa tecnologia (III) 6.920 13,0 6.671 14,1 19.649 16,3 41.719 18,7 Baixa tecnologia (IV) 7.046 13,2 3.651 7,7 8.372 6,9 18.566 8,3 Produtos não industriais 8.334 15,6 6.590 14,0 20.671 17,1 28.613 12,8 (*) Classificação extraída de: OECD, Directorate for Science, Technology and Industry, STAN Indicators, 2003. Fonte: SECEX/MDIC 14 Estas modificações decorrentes da apreciação cambial e da perda de competitividade da produção nacional podem ser percebidas pelos coeficientes de importação e exportação dos setores industriais. Entre 2003 e 2012, observa-se um aumento muito pequeno no coeficiente de exportação da indústria como um todo, sendo que na indústria de transformação o crescimento foi ainda menor. Enquanto o coeficiente de importação da indústria geral quase dobrou no período, sendo que na indústria de transformação o aumento do coeficiente foi da ordem de 120%. Estão entre os setores que apresentam maior penetração de importados os de maior intensidade tecnológica: máquinas e equipamentos, eletrônico, instrumentação, químico e farmacêutico. Alguns casos devem ser destacados, como por exemplo, o setor de máquinas agrícolas que tinha um baixo grau de penetração dos importados e atingiu mais de 50%, verifica-se também um forte aumento de máquinas elétricas, setor que o Brasil tradicionalmente apresentava uma elevada competitividade; outro caso são os setores de artefatos de couro que importava muito pouco e se tornou um dos maiores coeficientes de importação, e o setor de artigos de vestuário cujo coeficiente era 1% e saltou para 13% em menos de 10 anos. De uma forma geral, observa-se que a ampliação do coeficiente de importação foi uma estratégia defensiva adotada por quase a totalidade dos setores industriais, para se adaptar ao contexto de elevados custos de produção no país e taxa de câmbio apreciada. 15 Tabela 1.2.3. Coeficientes de Importação Já no caso dos coeficientes de exportação a situação é o inverso, com a maior importância do mercado externo justamente para a indústria extrativa e aquelas de baixa intensidade tecnológica e fortemente ligadas às vantagens agropecuárias e de recursos naturais do país: couro, celulose, madeira e siderurgia. Alguns poucos setores de maior intensidade tecnológica com maior coeficiente de Coeficientes de Importação 2003 2007 2012 Indústria Geral 12,5% 18,2% 23,5% Indústria de Transformação 10,5% 16,4% 22,3% Indústrias extrativas 49,8% 57,4% 55,0% Máqs. para escritório e equips. de informática 44,2% 42,6% 57,3% Equips. de instrumentação médico-hospitalares (2) 36,7% 63,5% 55,7% Máqs. e equips. para fins industriais e comerciais 28,7% 37,6% 54,5% Tratores e máqs. e equips. para a agricultura 16,1% 39,9% 51,3% Material eletrônico e aparelhos de comunicação 26,1% 42,4% 51,2% Máqs. e equips. para extração mineral e construção 25,9% 27,5% 49,0% Aeronaves 65,2% 120,0% 43,4% Máquinas, aparelhos e materiais elétricos 20,5% 23,1% 38,6% Metalurgia de metais não-ferrosos 26,0% 30,0% 35,4% Produtos diversos 10,7% 21,6% 33,2% Preparação de couros e artefatos de couro 9,2% 16,4% 31,6% Produtos químicos (1) 20,8% 26,8% 31,0% Produtos farmacêuticos 24,9% 28,4% 27,7% Produtos têxteis 5,6% 13,5% 24,0% Outros equipamentos de transporte (3) 7,7% 12,0% 22,1% Automóveis, caminhões e ônibus 7,2% 12,4% 21,7% Refino de petróleo e produção de álcool 11,4% 12,5% 19,2% Fundição e tubos de ferro e aço 5,6% 11,7% 19,1% Artigos de borracha e plástico 6,7% 10,0% 17,6% Produtos de metal 4,4% 9,0% 14,6% Eletrodomésticos 9,7% 13,9% 14,4% Artigos do vestuário e acessórios 1,0% 4,1% 13,7% Siderurgia 2,8% 6,7% 13,5% Ferro-gusa e ferroligas 5,0% 10,3% 12,4% Perfumaria, higiene e produtos de limpeza 4,2% 5,5% 11,0% Peças e acessórios para veículos automotores 7,5% 10,5% 10,8% Celulose, papel e produtos de papel 5,3% 8,2% 10,0% Produtos de minerais não-metálicos 3,0% 5,1% 9,9% Calçados 1,4% 4,9% 7,5% Alimentos e bebidas 2,9% 3,8% 5,9% Artigos do mobiliário 0,4% 1,4% 3,2% Edição, impressão e reprodução de gravações 1,2% 1,9% 2,4% Produtos de madeira 1,9% 3,2% 2,0% (1) Exceto farmacêuticos e perfumaria, higiene e produtos de limpeza (2) e instrumentos de precisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, (3) Embarcações, veículos ferroviários, motocicletas, motociclos e suas partes e Fonte: FIESP 16 exportações são os de maquinas agrícolas e para extração mineral e o de aeronaves. Chama atençãoa forte retração do coeficiente de exportações de alguns setores como: calçados, eletrodomésticos, peças para veículos, artigos de mobiliário, vestuário, entre outros. Isto pode refletir a perda de competitividade de setores tradicionais da indústria de transformação. Tabela 1.4. Coeficientes de Exportação Coeficientes de Exportação 2003 2007 2012 Indústria Geral 17,5% 20,9% 20,2% Indústria de Transformação 15,9% 18,6% 17,4% Indústrias extrativas 49,2% 63,2% 69,1% Preparação de couros e artefatos de couro 42,7% 56,3% 69,1% Ferro-gusa e ferroligas 44,7% 54,1% 57,1% Metalurgia de metais não-ferrosos 40,8% 45,2% 48,4% Aeronaves 85,1% 111,0% 45,7% Máqs. e equips. para extração mineral e construção 53,8% 44,7% 39,6% Tratores e máqs. e equips. para a agricultura 24,9% 49,9% 36,5% Alimentos e bebidas 21,4% 25,9% 25,2% Celulose, papel e produtos de papel 19,4% 22,5% 24,7% Produtos de madeira 41,0% 46,5% 21,2% Máqs. e equips. para fins industriais e comerciais 20,2% 21,1% 20,1% Siderurgia 25,1% 20,4% 18,9% Outros equipamentos de transporte (3) 7,5% 18,7% 17,3% Produtos têxteis 12,4% 14,0% 17,0% Máquinas, aparelhos e materiais elétricos 13,1% 17,1% 15,7% Calçados 34,0% 27,6% 15,1% Automóveis, caminhões e ônibus 24,5% 21,9% 14,1% Equips. de instrumentação médico-hospitalares (2) 11,4% 17,6% 12,8% Produtos diversos 17,1% 20,6% 12,8% Produtos químicos (1) 11,6% 13,3% 12,3% Fundição e tubos de ferro e aço 11,1% 8,9% 12,1% Material eletrônico e aparelhos de comunicação 12,5% 16,9% 10,0% Peças e acessórios para veículos automotores 12,7% 12,3% 8,7% Artigos de borracha e plástico 7,3% 9,2% 7,8% Máqs. para escritório e equips. de informática 15,1% 8,9% 7,7% Produtos farmacêuticos 5,4% 8,1% 7,7% Refino de petróleo e produção de álcool 7,9% 11,2% 7,3% Produtos de minerais não-metálicos 11,2% 12,2% 6,9% Perfumaria, higiene e produtos de limpeza 4,6% 6,3% 5,8% Artigos do mobiliário 14,0% 11,8% 5,8% Produtos de metal 5,4% 6,9% 5,3% Eletrodomésticos 17,4% 16,4% 3,3% Artigos do vestuário e acessórios 5,1% 3,1% 1,4% Edição, impressão e reprodução de gravações 1,3% 1,2% 0,6% (1) Exceto farmacêuticos e perfumaria, higiene e produtos de limpeza (2) e instrumentos de precisão e ópticos, equipamentos para automação industrial, cronômetros e relógios (3) Embarcações, veículos ferroviários, motocicletas, motociclos e suas partes e peças, carrocerias e reboques Fonte: FIESP 17 Os dados refletem adaptações que o setor industrial teve que fazer em resposta ao processo de apreciação cambial ocorrido no país em conjunto com os elevados custos de produção no país – tributos, deficiências de infraestrutura, condições de financiamento, entre outros. Estudo do DECOMTEC/FIESP mostra que o preço interno da Indústria de Transformação situa-se 34,2% do produto industrial importado dos principais parceiros comerciais, sendo que 25,4% decorre do chamado custo-Brasil e o restante, em torno de 9% da apreciação cambial. No cálculo do custo-Brasil foram considerados os seguintes componentes: (i) tributação – carga e burocracia; (ii) funcionários, (iv) custo de capital de giro, (v) custo de infraestrutura e logística e (vi) custo de serviços não transacionáveis. Vale notar que a maior parte desses custos independe da produtividade e eficiência industrial3. Pode-se dizer, também, que este processo reflete que o país sofreu, em determinado grau, da chamada “doença holandesa”, em que o sucesso na exportação de commodities e produtos intensivos em recursos naturais provoca, via apreciação cambial, um processo de desindustrialização e perda de importância de setores de maior intensidade tecnológica. Este processo decorre tanto do efeito da entrada de moeda estrangeira, apreciando o câmbio nominal, como pelo impacto na demanda de não transacionáveis aumentando seus preços, conforme captado pelo estudo mencionado no paragrafo anterior. O grande boom na exportação de commodities decorre da forte elevação de preços de minérios e agrícolas em função do crescimento econômico mundial, em especial, das economias emergentes, com destaque para a China. 3 Ver o estudo – “Custo Brasil e Taxa de Câmbio na Competitividade da Indústria de Transformação Brasileira” – Departamento de Competividade e Tecnologia (DECOMTEC) – FIESP; março de 2013. 18 Figura 1.2.3. Evolução dos Preços das Commodities A grande importância brasileira na produção mundial de carnes, soja, grãos, açúcar e principalmente minérios fez com que o país fosse um dos principais beneficiados desse processo. Mas por outro lado este comportamento do preço de commodities contribuiu para a apreciação cambial4 e para o surgimento, em algum grau, da chamada doença holandesa. Esta decorre da valorização cambial em função do forte influxo de moeda estrangeira vindo da exportação dos produtos primários, do encarecimento dos fatores de produção disponíveis aos demais setores pela forte pressão exercida no mercado de fatores pelos setores intensivos em recursos naturais (crescimento da relação câmbio-salário) e da pressão pela elevação dos preços dos não-transacionáveis em virtude do crescimento econômico e dos rendimentos. O reflexo disso é a perda de competitividade dos bens transacionáveis, que pode ser captado pela evolução da relação entre o rendimento interno e a taxa de câmbio, destacando-se o processo de perda da importância da indústria de 4 A influencia do preço de commodities na determinação da taxa de câmbio será avaliada no capitulo 3 deste relatório. 0,00 100,00 200,00 300,00 400,00 500,00 600,00 700,00 800,00 ja n /2 0 0 2 ja n /2 0 0 3 ja n /2 0 0 4 ja n /2 0 0 5 ja n /2 0 0 6 ja n /2 0 0 7 ja n /2 0 0 8 ja n /2 0 0 9 ja n /2 0 1 0 ja n /2 0 1 1 ja n /2 0 1 2 N ú m e ro Ín d ic e ( 2 0 0 2 =1 0 0 ) Carnes Grãos, oleaginosas e frutas Minerais Petróleo e derivados 19 transformação no produto e na pauta exportadora, a chamada desindustrialização. Este é um processo bastante preocupante, pois, as mudanças na estrutura setorial é outro canal por onde a taxa de câmbio afeta o desempenho econômico. Caso a indústria seja o setor de maior produtividade, aquele por onde se dá a introdução e difusão da maior parte das inovações e ganhos de produtividade, a sua retração pode afetar as taxas de crescimento de longo prazo. Figura 1.2.4. Câmbio-Salário: Índice de Rendimento Nominal (IBGE) dividido pelo índice da taxa de câmbio nominal (jan 2002 = 100) 1.3. Transações Correntes e Conta Capital e Financeira Além da balança comercial o movimento de câmbio decorre da balança de serviços e renda, que juntamente com o saldo comercial determina o saldo em transações correntes, e da conta capital e financeira. A Balança de Serviços e Renda contempla um amplo leque de atividades: turismo, frete, seguros, royalties, remessa de lucros, pagamento de juros, entre outros. O Brasil é tradicionalmente 0 0,5 1 1,5 2 2,5 3 3,5 4 fe v/ 0 2 ag o /0 2 fe v/ 0 3 ag o /0 3 fe v/ 0 4 ag o /0 4 fe v/ 0 5 ag o /0 5 fe v/ 0 6 ag o /0 6 fe v/ 0 7 ag o /0 7 fe v/ 0 8 ag o /0 8 fe v/ 0 9 ag o /0 9 fe v/ 1 0 ag o /1 0 fe v/ 1 1 ag o /1 1 fe v/ 1 2 ag o/1 2 fe v/ 1 3 20 deficitário nesta Balança em, praticamente, todos os seus itens, mas, com forte destaque para o montante significativo de remessas de renda ao exterior, em especial os lucros em decorrência da forte presença de Investimentos Estrangeiros no país. O saldo em transações correntes reflete o recurso à poupança externa do país, isto é, a diferença entre a produção doméstica e a absorção (demanda) doméstica. Quando o país é deficitário em transações correntes diz-se que o mesmo deve recorrer à poupança (financiamento) externa para cobrir o seu excesso de dispêndios; e o inverso quando o país é superavitário. A tabela a seguir apresenta a evolução do saldo em transações correntes no período recente. Tabela 1.3.5. Balanço de Pagamentos – Brasil – 1995/2013 – US$ milhões Balança Comercial Serviços e Renda Transações Correntes Conta Capital e Financeira Saldo do Balanço de Pagamento 1995 -3.465,62 -18.540,51 -18.383,71 29.095,45 12.918,90 1996 -5.599,04 -20.349,52 -23.502,08 33.968,07 8.666,10 1997 -6.752,89 -25.522,28 -30.452,26 25.800,34 -7.907,16 1998 -6.574,50 -28.299,39 -33.415,90 29.701,65 -7.970,21 1999 -1.198,87 -25.825,31 -25.334,78 17.319,14 -7.822,04 2000 -697,75 -25.047,85 -24.224,53 19.325,80 -2.261,65 2001 2.650,47 -27.502,52 -23.214,53 27.052,26 3.306,60 2002 13.121,30 -23.147,74 -7.636,63 8.004,43 302,09 2003 24.793,92 -23.483,23 4.177,29 5.110,94 8.495,65 2004 33.640,54 -25.197,65 11.679,24 -7.522,87 2.244,03 2005 44.702,88 -34.275,99 13.984,66 -9.464,05 4.319,46 2006 46.456,63 -37.120,36 13.642,60 16.298,82 30.569,12 2007 40.031,63 -42.509,89 1.550,73 89.085,60 87.484,25 2008 24.835,75 -57.251,64 -28.192,02 29.351,65 2.969,07 2009 25.289,81 -52.929,58 -24.302,26 71.300,60 46.650,99 2010 20.226,86 -70.321,51 -47.273,10 99.911,78 49.100,50 2011 29.793,68 -85.250,53 -52.472,62 112.380,15 58.636,81 2012 19.430,65 -76.522,98 -54.246,41 72.761,86 18.899,55 2013* -3.763,00 -49.295,12 -52.471,65 59.651,17 6.747,53 Fonte: IPEADATA (*) 2013 até Julho 21 Pode-se verificar que o saldo em Transações Correntes foi se deteriorando ao longo primeiro mandato de Fernando Henrique o que contribuiu para a crise cambial de 1999. Este processo foi interrompido a partir da crise e os elevados superávits comerciais ao longo do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva possibilitaram a emergência de superávits em Transações Correntes. A apreciação cambial, a retração do saldo comercial e o aumento do déficit em serviços e renda fizeram com que o déficit em Transações Correntes reaparecesse e se acentuasse de forma bastante preocupante nos últimos anos. A contrapartida dos déficits em Transações Correntes é o aumento do Passivo Externo Líquido do país. Problemas de crises cambiais e restrições ao crescimento mostram a dificuldade do crescimento econômico ser dependente da poupança externa. Essas restrições e impactos sobre o desempenho econômico serão discutidos na próxima seção do relatório. Figura 1.3.1. Transações correntes - últimos 12 meses (1990 a jul/2013) Fonte: IPEADATA Pode-se observar pela figura que quando o país teve a crise cambial o déficit em transações correntes em relação ao PIB estava seu mais elevado patamar. A emergência dos superávits em transações correntes é o determinante da ampla melhora dos indicadores externos ao longo do primeiro mandato do Presidente Lula 22 contribuindo para a estabilização econômica, para que o país se tornasse menos vulnerável a crises externas e para que pudéssemos alcançar o grau investimento. Estes dados podem sinalizar a importância para o crescimento da menor dependência de poupança externa e da existência de poupança doméstica. Além do movimento associado a transações correntes, o comportamento cambial está fortemente associado ao movimento de capitais, o que faz com que o mercado financeiro tenda a ter um grande destaque na determinação da taxa de câmbio. O fluxo de capitais para um país reflete a expectativa dos agentes sobre o retorno das aplicações naquele país o que reflete as oportunidades de investimento, aos diferenciais de taxa de retorno (taxa de juros doméstica e internacional), ao risco do país, a expectativa sobre a taxa de câmbio futura, entre outras variáveis relacionadas a políticas como a tributação do movimento de capitais e outros mecanismos de controle e intervenções do Banco Central no mercado de câmbio, seja no mercado à vista seja no futuro. Figura 1.3.2. Conta Capital e Financeira Saldo Trimestral (US$ milhões) Existe um relativo consenso na literatura de que no curto prazo a taxa de câmbio é determinada no mercado financeiro. Este mecanismo de determinação financeira da taxa de câmbio é relacionado aos objetivos dos agentes presentes no mercado cambial, que realizam operações nos mercados à vista (spot) e futuro -30.000,00 -20.000,00 -10.000,00 0,00 10.000,00 20.000,00 30.000,00 40.000,00 50.000,00 m ar /2 0 0 5 se t/ 2 0 0 5 m ar /2 0 0 6 se t/ 2 0 0 6 m ar /2 0 0 7 se t/ 2 0 0 7 m ar /2 0 0 8 se t/ 2 0 0 8 m ar /2 0 0 9 se t/ 2 0 0 9 m ar /2 0 1 0 se t/ 2 0 1 0 m ar /2 0 1 1 se t/ 2 0 1 1 m ar /2 0 1 2 se t/ 2 0 1 2 m ar /2 0 1 3 U S$ m ilh õ e s investimentos em carteira IDE Conta capital e financeira - saldo 23 realizando operações de hedge, arbitragem e especulação. É possível inferir que a determinação da taxa de câmbio é realizada no mercado futuro de câmbio, e depois transmitida por arbitragem para o mercado à vista de câmbio. O principal determinante da taxa de câmbio no curto prazo parece ser o diferencial de taxas de juros. Assim grande parte do processo de apreciação cambial brasileiro nos últimos anos decorre dos elevados diferenciais de juros existentes, tanto pelas elevadas taxas praticadas internamente como pela forte redução das taxas de juros internacionais que passaram a se situar próximas de zero a partir da crise econômica de 2008 com o excesso de liquidez proporcionado pelas políticas monetárias expansionistas nos principais países desenvolvidos. A desvalorização cambial verificada ao longo deste ano reflete a expectativa dos agentes de elevação da taxa de juros internacional e da redução do diferencial de retorno esperado. A maior parte do movimento cambial se dá por motivações financeiras. Assim, qualquer mudança nos fundamentos da economia ou nas expectativas sobre as condições futuras da economia, seja nacional seja internacional, é captada por mudanças nos diferencias esperados da taxa de juros, ou no valor esperado do câmbio futuro e rapidamente transmitida para a taxa atual de câmbio. Isto explica as grandes oscilações da taxa de câmbio no curto prazo. Figura 1.3.3. Taxa de Juros Brasil e EUA (Jan/2000 – Set/2013) Fonte: IPEADATA e BCB. 0,00 5,00 10,00 15,00 20,00 25,00 30,00 ja n /2 0 0 0 se t/ 2 0 0 0 m ai /2 0 0 1 ja n /2 0 0 2 se t/ 2 0 0 2 m ai /2 0 0 3 ja n /2 0 0 4 se t/ 2 0 0 4 m ai /2 0 0 5 ja n /2 0 0 6 se t/ 2 0 0 6 m ai /2 0 0 7 ja n /2 0 0 8 se t/ 2 0 0 8 m ai /2 0 0 9 ja n /2 0 1 0 se t/ 2 0 1 0 m ai /2 0 1 1 ja n /2 0 1 2 se t/ 2 0 1 2m ai /2 0 1 3 % a .a . Fed Funds Selic 24 O estudo desenvolvido na seção 3 desse relatório mostra que, com base em dados diários do mercado de câmbio, a exploração das oportunidades de arbitragem entre as taxas de câmbio à vista e futuras é o mecanismo mais importante de transmissão de informações do mercado financeiro para a taxa de câmbio. Dada a importância da taxa de câmbio para o resultado das empresas, para o poder aquisitivo da população e para as decisões de investimento; em geral as autoridades governamentais buscam limitar as suas flutuações quando estas extrapolam determinados limites. As intervenções podem se dar tanto por compras e vendas de moeda estrangeira no mercado à vista, como por atuações no mercado futuro ou pela imposição de restrições ao movimento de capitais – tributação dos ganhos, prazos mínimos de permanência, entre outros instrumentos. A análise desenvolvida na terceira seção deste relatório mostra que no caso brasileiro, as intervenções do BACEN com swaps cambiais só é significante com valores até cerca de US$ 2,5 bilhões, a partir deste valor já não é possível exercer esse controle apenas por meio desse instrumento derivativo. A introdução das intervenções do Banco Central no mercado à vista também se mostraram significativas e no sentido esperado das operações. A introdução do IOF seja sobre o volume de negócios seja sobre as posições excessivas compradas em Real também se mostraram estatisticamente significativas, mostrando que a redução do IOF tende a apreciar a taxa de câmbio. Quando se analisa o comportamento das ações, introduzindo o Ibovespa, verifica-se que este apresenta uma relação negativa com a taxa de câmbio o que decorre da forte presença de investidores estrangeiros no mercado de câmbio. Para verificar a influência de variáveis macroeconômicas realizou-se uma análise com dados mensais. Nesta verificou-se que os principais determinantes continuaram os mesmos, em especial o diferencial de taxa de juros, e pode-se observar também a influência dos preços de commodities. Foram testadas diversas variáveis macroeconômicas: o IPCA, o saldo da balança comercial, o saldo em transações correntes, a abertura da balança comercial em exportações e importações, o fluxo de investimentos externos diretos e em carteira, a taxa SELIC, o crescimento do PIB mundial, entre outras. Apesar de exercerem influência sobre o câmbio à vista de acordo com a literatura econômica, algumas dessas variáveis não apresentaram um resultado estatisticamente significante no modelo desenvolvido na terceira seção. Este resultado pode decorrer do fato do impacto das variáveis 25 macroeconômicas já ser captado na variável de expectativa e no próprio diferencial de taxa de juros. Mas, como destacado anteriormente, a taxa de câmbio reflete, a longo prazo, o comportamento da demanda por bens não-transacionáveis relativamente a capacidade de produção. Ou seja, o déficit em transações correntes, que determina a dinâmica do passivo externo líquido, deve ser o determinante da taxa de cambio. E o déficit em transações correntes reflete o comportamento da taxa de investimento relativamente a poupança doméstica. Os dados recentes da economia brasileira mostram que dada a baixa capacidade de poupança do setor público, na realidade a poupança negativa do setor publico, sempre que ocorreu elevações na formação bruta de capital fixo e ou no consumo das famílias, com a consequente queda da poupança doméstica, verificou-se deterioração do saldo em transações correntes e consequentes processos de apreciação cambial. O período de superávits em transações correntes no primeiro mandato do presidente Lula reflete tanto a queda do investimento como do consumo das famílias, em proporção ao PIB, e a consequente elevação da poupança doméstica. Este quadro mostra que a demanda de maior crescimento econômico com maiores taxas de investimento, preservando-se o equilíbrio externo e uma taxa de câmbio menos apreciada, requer o aumento da poupança doméstica que pode se dar quer pela recuperação da poupança pública quer pela contenção do consumo das famílias. Daí a importância da política fiscal como instrumento para ampliar a poupança doméstica a longo prazo, a capacidade de investimento e o crescimento equilibrado conforme destacado em estudo recente da FIESP sobre as condições necessárias para o pais dobrar o PIB per capita em um espaço de quinze anos. 26 Figura 1.10. Transações correntes e formação bruta de capital fixo Figura 1.11. Transações correntes e consumo das famílias 12,0% 14,0% 16,0% 18,0% 20,0% 22,0% 24,0% -5,00 -4,00 -3,00 -2,00 -1,00 0,00 1,00 2,00 3,00 m ar /1 9 9 1 d ez /1 9 9 2 se t/ 1 9 9 4 ju n /1 9 9 6 m ar /1 9 9 8 d ez /1 9 9 9 se t/ 2 0 0 1 ju n /2 0 0 3 m ar /2 0 0 5 d ez /2 0 0 6 se t/ 2 0 0 8 ju n /2 0 1 0 m ar /2 0 1 2 Transações correntes - últimos 12 meses - (% PIB) Capital fixo - formação bruta 4 por Média Móvel (Capital fixo - formação bruta) 50,0% 52,0% 54,0% 56,0% 58,0% 60,0% 62,0% 64,0% 66,0% 68,0% 70,0% -5,00 -4,00 -3,00 -2,00 -1,00 0,00 1,00 2,00 3,00 m ar /1 9 9 1 d ez /1 9 9 2 se t/ 1 9 9 4 ju n /1 9 9 6 m ar /1 9 9 8 d ez /1 9 9 9 se t/ 2 0 0 1 ju n /2 0 0 3 m ar /2 0 0 5 d ez /2 0 0 6 se t/ 2 0 0 8 ju n /2 0 1 0 m ar /2 0 1 2 Transações correntes - últimos 12 meses - (% PIB) Consumo final - famílias 4 por Média Móvel (Consumo final - famílias) 27 Figura 1.12. Transações correntes e poupança nacional bruta 1.4. Taxa de câmbio e crescimento econômico A segunda seção desse relatório apresenta o estudo realizado sobre a influência da taxa de câmbio sobre o crescimento econômico, no qual foi realizado uma ampla revisão da literatura teórica e empírica destacando os canais de transmissão do câmbio para o produto. A influência da taxa de câmbio sobre o crescimento econômico poderia se dar pelo impacto sobre a taxa de poupança doméstica e, portanto, sobre o investimento; pelo saldo comercial e pelos impactos sobre a estrutura econômica estimulando os setores de transacionáveis, em especial, a indústria de transformação. Se um câmbio mais desvalorizado estimular o aumento da poupança doméstica, tornando o investimento menos dependente da poupança externa, e favorecer os setores com maior potencial de introdução e difusão de inovações; ele estimulará tanto maiores taxas de investimento como facilitará o crescimento da produtividade, e por estes canais influenciar o crescimento econômico a longo prazo. O estudo realizado na segunda seção mostra diversos estudos que associam episódios de maior crescimento econômico a desvalorizações anteriores da taxa de câmbio, com destaque para as evidências levantadas por Rodrik (2008). Para verificar este fato o estudo realizou diversos estudos. Em primeiro lugar realizou-se um teste em painel para 188 países no período 1950-2010. Os resultados sinalizam que desvalorizações cambiais possuem efeito positivo sobre o crescimento 10,0% 12,0% 14,0% 16,0% 18,0% 20,0% 22,0% 24,0% -5,00 -4,00 -3,00 -2,00 -1,00 0,00 1,00 2,00 3,00 m ar /1 9 9 1 d ez/1 9 9 2 se t/ 1 9 9 4 ju n /1 9 9 6 m ar /1 9 9 8 d ez /1 9 9 9 se t/ 2 0 0 1 ju n /2 0 0 3 m ar /2 0 0 5 d ez /2 0 0 6 se t/ 2 0 0 8 ju n /2 0 1 0 m ar /2 0 1 2 Transações correntes - últimos 12 meses - (% PIB) Poupança nacional bruta 4 por Média Móvel (Poupança nacional bruta) 28 econômico. De acordo com as estimativas, uma desvalorização cambial da ordem de 10% resultaria em aumentos na taxa de crescimento do PIB per capita da ordem de 0,17p.p.. Este resultado seria maior nos países de menor renda, sendo que para países com renda de até US$2.000,00 o aumento da taxa de crescimento seria da ordem de 0,25p.p; enquanto que para os países com renda superior a US$10.000,00 os ganhos ficariam na faixa dos 0,12p.p.. Além do estudo em painel para diversos países foram feitas estimações para a economia brasileira tanto com dados anuais como trimestrais para o período 1981- 2012. Na análise anual constatou-se que uma desvalorização da ordem de um desvio-padrão na taxa de câmbio, em torno de 27%, resultaria em aumentos na taxa de crescimento do PIB da ordem de 1,13p,p ao ano, e da ordem de 3,1 p.p e 2p.p, respectivamente para a indústria e a indústria de transformação. Na análise com dados trimestrais verificou-se que uma desvalorização da ordem de um desvio-padrão, em torno de 17%, resultaria em aumento da taxa de crescimento econômico do PIB da ordem de 0,8p.p. Considerando que no período em questão o PIB cresceu a uma taxa de média de 2,6%a.a.; este incremento levaria o aumento do PIB para a faixa dos 3,4%, ou seja, um aumento de aproximadamente 30% na taxa de crescimento econômico. Este aumento, caso fosse permanente já possibilitaria que o país se aproximasse das taxas de crescimento necessárias para fazer o seu PIB per capita dobrar no período de 15 anos conforme estudo da FIESP. Vale destacar, porém, que na análise do comportamento do PIB em resposta ao choque cambial ao longo do tempo, observa- se que após 16 trimestres (4 anos) os ganhos começam a desaparecer até se extinguirem no vigésimo trimestres. Nesse período, uma desvalorização de 17% da taxa de câmbio, resultaria em um ganho acumulado em termos de crescimento do PIB da ordem de 4% do PIB, o que é bastante razoável. Apesar de ser um ganho transitório que tenderia a desaparecer ao longo do tempo, este resultado mostra que uma desvalorização cambial possibilitaria um tempo para que fossem feitos os ajustes necessários da economia para elevar a taxa de poupança doméstica, possibilitando a sustentação da taxa de câmbio em níveis mais desvalorizados e garantindo maiores taxas de investimento, com menor dependência da poupança externa, sustentando maiores taxas de crescimento econômico a longo prazo. Nesse sentido, é importante que ao longo desse período sejam aprovadas medidas que restrinjam a expansão das despesas correntes do governo, que se estabeleça metas 29 mais ambiciosas de superávit primário e para o montante do déficit nominal; enfim, políticas que permitam a ampliação da poupança pública e criem condições de investimento e melhora do sistema tributário que contribuam para a redução do custo-Brasil; além da criação de um ambiente favorável para ampliação das taxas de poupança das empresas e famílias. 1.5. Taxa de câmbio e preços O último aspecto analisado foi a questão do repasse da taxa de câmbio para a inflação, isto é, o chamado pass-through. Se por um lado verificou-se que um câmbio desvalorizado tende a ter impactos relevantes para o desempenho econômico seja pela melhora da balança comercial, pelo maior nível de poupança doméstica e menor dependência de poupança externa, além do possível impacto sobre a estrutura setorial da economia, com maior relevância dos setores transacionáveis que tendem a influenciar de maneira mais relevante a produtividade dos fatores. Por outro lado, a desvalorização cambial tende a gerar pressões inflacionárias e afetar o poder de compra da população. A desvalorização cambial tende a aumentar os preços dos produtos importados, assim como dos produtos exportáveis que são cotados no mercado internacional. Com isso, os preços de produção tendem a ser influenciados pelo aumento do custo de matérias-primas importadas e exportadas, assim como os preços ao consumidor tendem a crescer. A questão chave é saber quanto de uma desvalorização cambial é repassada para os preços. A quarta seção deste relatório apresenta um amplo detalhamento teórico sobre os mecanismos do pass-through, uma ampla revisão da literatura teórica e empírica tanto para o Brasil como para outros países, e realiza testes para estimar o impacto da desvalorização cambial sobre os preços no Brasil, considerando os preços de importação, preços domésticos industrializados (IPA) e preços ao consumidor (IPCA), além de preços setoriais da indústria. Da revisão da literatura pode-se depreender que a magnitude do pass- through depende do país e do período, refletindo, principalmente a forma de condução da política econômica e o tipo e grau de inserção externa das economias. 30 Chama a atenção a forte retração do pass-through na maior parte dos países a partir dos anos 90 do século passado quando houve um grande processo de desinflação em termos mundiais, com significativas reduções das taxas de inflação na maior parte do mundo. As estimativas realizadas para o caso brasileiro mostram que o grau de repasse estimado para os preços de importação situa-se em torno de 75% da variação cambial. O grau de repasse sofreu algumas variações significativas conforme a forma de inclusão de variável de produto que captasse choques de demanda. Para os preços dos produtos industrializados ao atacado (IPA) o repasse aos preços no longo prazo varia entre 14% e 33%. Já o repasse cambial ao IPCA é o de menor variabilidade e de dependência da especificação do modelo, tanto no que diz respeito à ordenação dos modelos, quanto à inclusão da variável de PIB, situando-se entre 1,1% e 1,25% da variação cambial. Ou seja, uma depreciação cambial em 10% da moeda nacional deve produzir um aumento na inflação do IPCA em torno de 1,1 a 1,25 pontos percentuais. De acordo com as estimativas produzidas, grande parte do impacto inflacionário se dá em 1 ano, isto é, até o quarto trimestre; principalmente a partir do segundo trimestre após o choque cambial, sendo o auge alcançado até o oitavo trimestre. Além do estudo do repasse no agregado, foram feitas estimativas de repasses setoriais. A magnitude do repasse está muito relacionado às condições de concorrência no setor, seja em função da concentração de empresas, seja pela possibilidade de substituição de produto importado pela produção doméstica seja pela substituição de produtos (essencialidade, capacidade de reação da produção doméstica, existência de bens substitutos, entre outros). A estrutura diferenciada do repasse entre os setores abre a possibilidade de se trabalhar em reduções tarifárias de determinados produtos, com destaque para os insumos, para reduzir o impacto inflacionário. Deve-se destacar, porém, que dados os níveis de tarifas praticados no país, e combinando-se as tarifas com os graus de repasses setoriais pode-se verificar não ser possível compensar plenamente o efeito da desvalorização sobre o preço com reduções tarifárias. Como a taxa de inflação do país já vinha em patamares relativamente elevados, isto é, próximos ao limite superior da meta de inflação; a desvalorização cambial tende a ampliar a dificuldade para o cumprimento das metas.Parcela do efeito poderá ser compensada por reduções tarifárias, como já adotadas em algum 31 grau pelo governo, mas o restante deverá ser compensado por políticas monetárias e fiscais mais restritivas. Nesse sentido, vale a pena combinar este aspecto com o que nos diz os modelos econômicos de determinação da taxa de câmbio e os resultados obtidos na terceira seção deste relatório. Alcançar uma taxa de câmbio real mais desvalorizada que possibilite um melhor desempenho dos setores transacionáveis, em especial a indústria, e com isso nos possibilite maior inserção externa e uma estrutura produtiva que gere maior potencial de ganhos de produtividade e de crescimento econômico, depende, no longo prazo, essencialmente da elevação da taxa de poupança. Assim, sustentar, a longo prazo, a desvalorização cambial ocorrida em função das mudanças no cenário externo, requer ampliação da taxa de poupança doméstica para o qual o aumento da poupança pública é peça central. 1.6. Considerações finais Os estudos desenvolvidos ao longo deste trabalho mostraram que: (i) A taxa de câmbio possui forte influência sobre o crescimento econômico, tanto para a análise de dados em painel para diversos países, como para os dados da economia brasileira, seja para a série anual seja trimestral. Na análise trimestral em que se considerou como o impacto do câmbio se dissipa ao longo do tempo em termos de crescimento do produto, verificou-se que o crescimento acumulado do PIB brasileiro em 20 trimestres, após uma desvalorização do câmbio da ordem de 17%, é da ordem de 4% o que é bastante expressivo e possibilita um tempo necessário para que seja feitos ajustes na economia que permitam a elevação das taxas de poupança domestica; (ii) Os estudos sobre os fatores que influenciam a determinação da taxa de câmbio e sua relação com o mercado financeiro mostraram a primazia do diferencial da taxa de juros (DI em relação a LIBOR). Mostrou-se que os mecanismos de arbitragem se dão do mercado futuro para o mercado à vista e que um conjunto de variáveis podem influenciar a taxa de câmbio seja por serem incorporadas ao diferencial 32 de juros seja pela expectativa do câmbio futuro. A taxa de câmbio ainda sofre influência de diversas variáveis: o risco-pais, o preço de commodities, o índice de preços, entre outras. Deve-se sempre lembrar que a longo prazo a taxa de câmbio é definida pelas condições de oferta e demanda do país que no modelo de determinação da taxa de câmbio acabam sendo captadas pelo diferencial da taxa de juros; (iii) E, por fim, verificou-se o impacto da taxa de câmbio sobre os preços de produtos importados, preços no atacado e preços ao consumidor, além do impacto em preços industriais setoriais. Verificou-se que o repasse é incompleto e que este é relativamente baixo frente aos benefícios que um câmbio mais desvalorizado pode provocar em termos de crescimento econômico. 33 2. Crescimento econômico e a taxa de câmbio.5 Uma questão que frequentemente se coloca é qual influência da taxa de câmbio sobre o crescimento econômico. Diversos analistas destacam que uma taxa de câmbio mais desvalorizada tende a ampliar a competitividade da economia e, portanto, o seu crescimento econômico. Mas, quais são os determinantes da taxa de câmbio, como mantê-la em um patamar mais desvalorizado? Como argumentou-se, na seção introdutória, a taxa de câmbio no curto prazo é determinada basicamente por fatores financeiros e, no longo prazo, reflete as condições de equilíbrio entre a demanda doméstica e a capacidade de oferta. Em última instância, reflete o comportamento das oportunidades de investimento e a poupança doméstica. Assim, níveis mais elevados de poupança doméstica, que possibilitassem maiores taxas de investimento sem o recurso a poupança externa, definiriam taxas de câmbio mais desvalorizadas e maiores taxas de crescimento. Algumas evidências e teorias apontam que a taxa real de câmbio é uma das variáveis relevantes na determinação do desempenho econômico. Por exemplo, Hausmann, Pritchett e Rodrik (2005) identificam 83 episódios de aceleração do crescimento em que a taxa de crescimento do produto per capita eleva-se em 2 p.p. ou mais sustentando-se neste nível mais elevado por, pelo menos, oito anos. Os autores constatam que há forte desvalorização do câmbio anos antes dos episódios de crescimento. Rodrik (2008) encontra evidências de que o câmbio desvalorizado estimula o crescimento. Essa relação para o caso brasileiro pode ser ainda mais relevante visto que as evidências encontradas por Rodrik (2008) apontam que o câmbio é mais importante na determinação do crescimento econômico em países em desenvolvimento. Os dados para a economia brasileira parecem favorecer a noção de que desvalorizações da taxa de câmbio estimulam o crescimento econômico. Desconsiderando o período da crise econômica internacional (a partir de 2007), depreciações cambiais estiveram relacionadas a períodos de aceleração, em geral. 5 Esta seção é um resumo do estudo desenvolvido por Luciano Nakabashi, Prof. Doutor do Departamento de Economia da FEARP-USP, e por Guilherme Byrro Lopes, mestre em Economia Aplicada da FEARP-USP. 34 2.1. Os canais de influência da taxa de cambio sobre o crescimento econômico A literatura ressalta que o câmbio possui um efeito relevante sobre o crescimento por três vias: 1) câmbio afeta a relação entre poupança doméstica e investimento, sendo que a taxa de poupança doméstica é a principal determinante da taxa de investimento no longo prazo; 2) câmbio impacta o desempenho do setor externo via balança comercial, com efeitos sobre o desempenho econômico via restrição externa (crescimento com restrição no balanço de pagamentos); 3) câmbio altera a estrutura da economia. Se os setores mais dinâmicos e com maior potencial de crescimento e encadeamento são os mais afetados, ocorrem mudanças no potencial de crescimento. Em relação a primeira via, sabe-se que no longo prazo, a taxa de poupança doméstica é a variável mais importante na determinação da taxa de investimento doméstica (Feldstein e Horioka, 1980). Desse modo, se a apreciação cambial está relacionada a uma redução da poupança doméstica (e aumento da participação da poupança externa), o efeito no longo prazo (média dos períodos) pode ser de uma redução na taxa de investimento. Apesar dos efeitos benéficos sobre os investimentos no curto prazo, a utilização de poupança externa com o consequente aumento do passivo externo, gera incertezas e necessidade de envio de divisas (pagamento de juros e lucros) que reduzem o potencial de crescimento futuro. A necessidade de captação de poupança externa ocorre quando tem-se uma elevação da demanda por investimentos sem o aumento da poupança doméstica o que tende a elevar a taxa de juros e apreciar a taxa de câmbio. Deve-se notar, porém, que esse processo pode se dar também por retração da poupança doméstica, seja por elevação do consumo das famílias seja da administração pública. No Brasil tem-se verificado que os momentos de deterioração do saldo em transações correntes estão associados tanto a elevações da taxa de investimento quanto a retrações da poupança doméstica. A apreciação cambial tende a estimular o consumo pela elevação do salário real em detrimento dos lucros dos exportadores e dos produtores que concorrem 35 com os importados. Se esse for o caso (aumento do consumo e redução dos lucros), ocorre uma redução da taxa de poupança doméstica reduzindo a capacidade de investimentoe de crescimento econômico. Assim, políticas voltadas para a desvalorização cambial podem induzir, durante um certo período, elevações da taxa de poupança doméstica, desde que consigam provocar a redução do consumo das famílias (pela redução do poder de compra) e o aumento da poupança das empresas pelo aumento dos lucros. Se durante o período em que se consiga uma maior taxa de poupança em função do câmbio desvalorizado se realizem mudanças nos fundamentos que possibilitem aumentos permanentes na taxa de poupança doméstica, esta política pode induzir ganhos mais duradouros na taxa de crescimento econômico. O segundo canal considerado para a influência da taxa de câmbio sobre o desempenho econômico é pela influência sobre o saldo da balança comercial. A literatura destaca que, sendo válidas as condições de Marshall-Lerner, depreciações reais da taxa de câmbio provocariam aumento das exportações líquidas. Vários estudos empíricos mostram que essa relação é satisfeita, como Krugman e Baldwin (1987) para a economia norte-americana, Gupta-Kapoor e Ramakrishnan (1999) para a economia japonesa, Boyd, Caporale e Smith (2001) para os países da OCDE, Onafowora (2003) para os países do leste asiático, além de Gomes e Lourenço (2005) para a economia brasileira. A figura a seguir mostra que esta relação se verifica no caso brasileiro, como já discutido na primeira seção deste relatório. Figura 2.1 Taxa real de câmbio (eixo direito) e saldo da balança comercial (eixo esquerdo) 50 70 90 110 130 150 -20,0 0,0 20,0 40,0 60,0 Taxa re al d e câm b io B ilh õ e s U S$ Balança comercial US$ (milhões 2012) Taxa de câmbio efetiva real - INPC - exportações manufaturados (média 12 meses) Taxa de câmbio efetiva real - INPC - exportações (média 12 meses) 36 Fonte: elaboração própria a partir de dados do IPEA e Funcex. Algumas evidências e teorias apontam que existe uma relação entre crescimento econômico e desempenho da balança comercial e da conta corrente. De acordo com essa abordagem é fundamental um bom desempenho do setor exportador para manter a conta corrente equilibrada quando há um nível adequado de investimentos e de crescimento (THIRLWALL, 1979; MCCOMBIE e THIRLWALL, 1994; THIRLWALL, 2011). Se esse for o caso, o câmbio é uma variável importante na determinação do desempenho econômico. Vários estudos já testaram empiricamente a relação entre restrição externa e desempenho econômico, encontrando uma relação significativa entre essas variáveis. Por exemplo, Bértola, Higachi e Porcile (2002) fazem uso do modelo mais simples e encontram uma relação de longo prazo entre o desempenho do PIB brasileiro, os termos de troca e o crescimento da renda mundial, no período 1890- 1973, favorecendo a Lei de Thirlwall. Na análise do período 1955-1998, Jayme Jr. (2003), utilizando o método de cointegração em séries temporais, encontra que há cointegração entre o crescimento das exportações e o crescimento econômico, indicando a validade do modelo de Thirlwall. Ferreira e Canuto (2003) consideram os efeitos das remessas de lucros, dividendos e pagamentos de juros sobre a restrição externa e concluem que estas reduziram o crescimento médio anual da economia brasileira em 1%, no período 1949-1999. Em um estudo relacionando os parâmetros estruturais do modelo de Thirlwall (1979) e a restrição externa em diferentes subperíodos de 1930-2004, Carvalho e Lima (2009) também apresentam evidência da relevância das restrições externas sobre o crescimento da economia brasileira. Porcile, Curado e Bahry (2003) e Barbosa-Filho (2004) empregam o modelo de Thirlwall para analisar questões de curto prazo. Os primeiros combinam o modelo de Thirlwall com o conceito minskyano de fragilidade financeira adaptado para uma economia aberta para analisar a conjuntura econômica latino-americana, enquanto o segundo tem como objetivo estudar o trade-off entre crescimento e taxa de câmbio. Os resultados apresentados por Barbosa-Filho (2004) indicam que para elevar a taxa de crescimento da renda da economia brasileira em 1% seria necessária uma desvalorização cambial de 7% para que a razão saldo da balança 37 comercial/PIB se mantivesse constante. Bagnai (2010) encontra evidências de que a restrição externa é relevante na determinação do crescimento de 22 países da OCDE, entre 1960 e 2006. Os resultados de Holland, Vieira e Canuto (2004) para uma amostra de dez países latino-americanos, entre 1950-2000, também dão suporte para a hipótese de que o desempenho das contas externas é fundamental para o desempenho econômico. Além de relaxar a restrição externa, o crescimento das exportações favorece o crescimento econômico por meio de outras vias. A primeira delas seria o descolamento entre o consumo e a produção domésticos. Esse processo de descolamento possibilita uma elevação da produção de bens de maior conteúdo tecnológico com destino aos países desenvolvidos de acordo com Eichengreen (2008). Isso ocorre porque a demanda interna de países em desenvolvimento tende a ser direcionada, principalmente, para bens de baixo valor agregado e reduzido conteúdo tecnológico como consequência do baixo nível de renda média da população. A segunda via é que o aumento da oferta de bens para a economia mundial não tem efeitos significativos nos preços devido ao tamanho do mercado mundial em relação à economia doméstica, ou seja, um crescimento dos bens exportados não teria impactos negativos relevantes sobre seus respectivos níveis de preço (Eichengreen, 2008). A terceira via é formada pelos maiores ganhos de produtividade do setor exportador provenientes do processo de absorção de tecnologia do resto do mundo e por seu maior potencial de learning by doing quando se compara aos demais setores da economia (Eichengreen, 2008). Tomando este último ponto tem-se o terceiro canal por onde a taxa de câmbio pode influenciar o crescimento econômico. O setor exportador reflete quais os setores da economia são mais competitivos. Desse modo, mudanças em sua composição causam alterações em sua estrutura produtiva, provocando mudanças em seu desempenho econômico dependendo do grau de dinamismo e encadeamento dos segmentos que estão perdendo e dos que estão ganhando participação. No Brasil, onde os recursos naturais são abundantes e, desse modo, onde a produção de bens primários é naturalmente competitiva, períodos de valorização cambial prejudicam, sobretudo, os manufaturados. Isso justifica a preocupação de muitos analistas econômicos com as mudanças estruturais pela qual a economia brasileira vem passando, com perda de participação relativa de setores mais dinâmicos – como a indústria – no PIB e no emprego, principalmente a 38 partir de meados dos anos 80. Alguns exemplos são os estudos realizados por Meyer e Paula (2009), Marconi (2008), Cruz et al. (2007), Palma (2005), Feijó, Carvalho e Almeida (2005) e Bresser e Nakano (2003). No próximo item desta seção serão estimados alguns modelos para verificar a influência da taxa de câmbio sobre o crescimento econômico. 2.2. Relação empírica entre câmbio e desempenho econômico A presente seção busca analisar a relação entre taxa real de câmbio (RER – Real Exchange Rate) e desempenho econômico (taxa real de crescimento do PIB). A primeira parte da análise verifica a relação entre taxa de câmbio e crescimento para uma série de países utilizando a metodologia proposta por Rodrik (2008), atualizando o período de análise e utilizando dados da Penn World Tables 7.1 (PWT). A segunda verifica essa relação focando apenas
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