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O grande poeta paraibano Manoel Lourenço da Silva, o Manoel Xudu (1932-1985) O meu verso é como a foice De um brejeiro cortar cana. Sendo de cima pra baixo, Tanto corta, como abana, Sendo de baixo pra cima, Voa do cabo e se dana. *** O homem que bem pensar Não tira a vida de um grilo A mata fica calada O bosque fica intranquilo E a lua chora com pena Por não poder mais ouvi-lo *** Eu admiro um caixão Comprido como um navio Em cima uma cruz de prata No meio um defunto frio E um cordão de São Francisco Torcido como um pavio. *** Nessa vida de amargura O camponês se flagela Chega em casa à meia-noite Tira a tampa da panela Vê o poema da fome Escrito no fundo dela. *** Uma novilha amojada Ao se apartar do rebanho, Quando volta, é com uma cria Que é quase do seu tamanho; Ela é quem lambe o bezerro, Por não saber lhe dar banho. *** Carneiro do meu sertão, Na hora em que a orelha esquenta, Dá marrada em baraúna Que a casca fica cinzenta E sente um gosto de sangue Chegar à ponta da venta. *** Uma galinha pequena Faz coisa que eu me comovo: Fica na ponta das asas, Para beliscar o ovo, Quando vê que vem, sem força, O bico do pinto novo. *** Tem coisa na natureza Que olho e fico surpreso: Uma nuvem carregada, Se sustentar com o peso, De dentro de um bolo d’água, Saltar um corisco aceso. *** O ligeiro mangangá Passa, nos ares, zumbindo; As abelhas do cortiço Estão entrando e saindo, Que, de perto, a gente pensa Que o pau está se bulindo. *** A raposa arrepiada Se aproxima do poleiro, Espera que as galinhas Pulem no meio do terreiro; A que primeiro descer, É a que morre primeiro. *** Eu tava na precisão Quando me casei com Nita Nada tinha pra lhe dar Dei-lhe um vestido chita Ela olhou sorrindo e disse Oh! Que fazenda bonita! *** É uma bola de ouro Pra todo humilde vaqueiro, Que ganha do fazendeiro, Um belo chapéu de couro. Conduz aquele tesouro À noite, para o colchão; Para, na escuridão, Não ser roído do rato. Chapéu de couro, o retrato Do vaqueiro do sertão. *** Vê-se o sertanejo moço Com três meses de casado; Antes de ir pro roçado, Da mulher, beija o pescoço. Ela lhe traz, no almoço, Uma bandeja de angu, A titela de um nhambu, Depois lhe abraça e suspira. O sertanejo admira As manhãs do Pajeú. *** Mamãe que me dava papa Me dava pão e consolo Dava café, dava bolo Leite fervido e garapa Mas uma vez deu-me um tapa E depois se arrependeu Beijou aonde bateu Desmanchou a inchação “quem perdeu mãe tem razão De chorar porque perdeu”. *** Dia 13 de março terça-feira Ano mil novecentos trinta e dois Pouco tempo depois que o sol se pôs Mamãe dava gemidos na esteira Numa casa de barro e de madeira Muito humilde coberta de capim Eu nasci pra viver sofrendo assim Minha dor vem dos tempos de menino Vivo triste por causa do destino E a saudade correndo atrás de mim. *** Quando Deus, que é juiz pra todo jugo, Molha as terras sedentas e vermelhas, O corisco por cima abala as telhas, Cai a água, me molho e me enxugo. Vê-se um sapo escanchado num sabugo, Como um cabra remando uma canoa… Sai cortando as maretas da lagoa, Chega os braços parecem um cata-vento. Salta fogo das nuvens de momento, Cai a chuva na terra, o trovão zoa. *** No sertão, todo dia, bem cedinho Vê-se um galo descendo do poleiro, Um cabrito berrando no chiqueiro, No terreiro, fuçando, um bacorinho. Um preá sai torcendo o seu focinho, Como um cego tocando realejo; Na cozinha, uma velha espreme o queijo, Um bezerro berrando no curral. O retrato do corpo natural É a veste do homem sertanejo. *** Um ferreiro suado numa tenda, Agarrado no cabo da marreta, Consertando algum dente da carreta Que quebrou e precisa duma emenda; Um crioulo no pé duma moenda, Já um pouco queimado de aguardente; O bagaço espirrando pela frente E uma bica de caldo derramando, Um bueiro, mal feito, fumegando, Representa o sertão de antigamente. *** O mar se orgulha por ser vigoroso, Forte, gigantesco que nada lhe imita Se ergue, se abaixa, se move, se agita, Parece um dragão feroz e raivoso. É verde, azulado, sereno, espumoso; Se espalha na terra, quer subir pro ar, Se sacode todo, querendo voar, Retumba, ribomba, peneira, balança, Nem sangra, nem seca, nem para, nem cansa, São esses fenômenos da beira do mar. *** O próprio coqueiro se sente orgulhoso Porque nasce e cresce na beira da praia No tronco, a areia da cor de cambraia O caule enrugado, nervudo e fibroso Se o vento não sopra silencioso Nem sequer a fronde se vê balançar Porém, se o vento com força soprar A fronde estremece, perde toda a calma As folhas se agitam, tremem, batem palma Pedindo silencio na beira do mar. *** Não há tempestades e nem furacões, Chuvada de pedra no bosque esquisito Quedas de coriscos e meteorito Tiros de granadas, obuses, canhões, Juntando os ribombos de muitos trovões Que tem pipocado na massa do ar Cascata rugindo, serra a desabar, Estrondo, ribombos, rumores de guerra, Nuvens mareantes, tremores de terra Que imitem a zoada na beira do mar.
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