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1 ENDOCRINOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 Manejo da Hiperglicemia Intrahospitalar INTRODUÇÃO • Introdução: o Muitos pacientes internados, inclusive não diabéticos, podem ter hiperglicemia, por isso a importância do tema o Mais de 1/3 dos pacientes internados terão hiperglicemia ▪ Pelo menos 1/3 desses não sabia que tinha diabetes prévia • Causas da hiperglicemia no internado: o DM prévio (diagnosticado ou não) o Hiperglicemia de stress → Situação transitória durante a internação (paciente não é diabético) ▪ É transitória, o paciente não vai tratar depois da alta ▪ Ocorre devido a diversos fatores, mas principalmente por aumento de hormônio contrarregulador de insulina (hormônios de stress) ▪ Todo processo infeccioso ou trauma (estresse agudo) gera uma resposta endócrino-metabólica → Aumento de cortisol, catecolaminas, hormônio do crescimento etc. ❖ Tudo isso gera muita lipólise, resistência à insulina e tendência à hiperglicemia ▪ Outro fator muito importante é o uso de droga vasoativa (principalmente em paciente de UTI), como noradrenalina/dopamina, que são hiperglicemiantes ▪ Outros fatores → Supressão da liberação de insulina, desidratação, estresse oxidativo, citocinas inflamatórias, dietas e soluções concentradas em glicídeos • Consequências da hiperglicemia hospitalar: o Aumenta as complicações cardiovasculares → Piora condicionamento isquêmico miocárdico o Gera mais distúrbios hemodinâmicos e hidroeletrolíticos (altera fluxo osmótico) o Aumenta quadros infecciosos o Aumenta processos de trombose o Comprometimento do processo de cicatrização • Abordagem inicial: o Todo paciente internado é necessário fazer pelo menos 1 teste de glicemia na admissão o Nos pacientes já com diagnóstico prévio de diabetes mellitus, além da glicemia, deve ser solicitada a hemoglobina glicada também (reflete os últimos 3 meses) ▪ Ajuda a entender se o tratamento que estava sendo feito está sendo efetivo ou não ▪ Ajuda a saber o que iremos fazer no manejo da diabetes com esse paciente na alta o Nos pacientes sem diagnóstico prévio, a glicada também pode ajudar se essa diabetes já era crônica ou se é apenas de stress (Hb < 6,5% = De stress | Hb > 6,5% = Previamente diabético) PROFA. EVERLAYNY FIOROT 2 ENDOCRINOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 • Definição de hiperglicemia hospitalar: o Definição usada principalmente para pacientes que não tinham diagnóstico prévio de DM o Glicemia de jejum > 140 ou Glicemia aleatória > 180 o Confirmar por monitoramento em 24 a 48h → Se persistir a hiperglicemia, confirma a hiperglicemia hospitalar o Se < 140 → Repetir a avaliação em caso de uso de glicocorticoide, nutrição enteral/parenteral ou em qualquer outra situação que predisponha a piora da glicemia • Metas glicêmicas: o Tentar buscar o que consideramos aceitável ▪ Pré-prandial < 140 ▪ Aleatória < 180 o Perceber que são valores um pouco mais elevados do que em ambiente ambulatorial, porque pressupomos que já existem fatores hiperglicemiantes no ambiente hospitalar o Em pacientes muito idosos e em cuidados paliativos (que a hipoglicemia também é bastante perigosa), podemos aceitar um nível de glicemia um pouco mais alto (180-200) o Evitar manter glicemia < 100 no ambiente hospitalar • Monitoramento glicêmico (glicemia capilar): o Paciente tipo 1 (protótipo de paciente que precisa de muita monitorização glicêmica) → Idealmente antes e 2 horas depois de cada refeição (é o ideal, mas depende de um grande nível de enfermagem, então podemos seguir os outros protocolos) ▪ Pacientes em dieta oral → Antes das refeições e ao deitar-se ▪ Pacientes em jejum ou dieta enteral continua → A cada 4-6 horas ▪ Pacientes críticos ou em uso de insulina EV → A cada 1-2 horas o A realização do controle glicêmico em horários independentes de eventos de significado metabólico (como o consumo alimentar), por exemplo de 6 em 6 horas, aumenta o risco de hipoglicemia e dificulta o controle ABORDAGEM TERAPÊUTICA • Insulina: o Na hiperglicemia intra-hospitalar, até que se prove o contrário, iremos suspender o antidiabético oral (se em uso) e utilizar a insulina ▪ A insulina é um medicamento mais fácil de controlar a farmacocinética ▪ Em raras exceções, como pacientes de baixo risco, DM2 leve, sem procedimentos invasivos e com nutrição habitual, conseguiremos usar os antidiabéticos orais no lugar da insulina • Métodos de insulinização hospitalar: o Sliding scale → Apenas insulina R/UR de correção, conforme glicemia (basicamente corrigir quando alta) ▪ Quase nunca usado → Na maioria das vezes erramos no controle o Basal-plus → Insulina basal + Correção com UR/R ▪ Usa insulina basal de ação lenta/intermediária e corrige possíveis alterações da glicemia com insulina R/UR 3 ENDOCRINOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 ▪ Pode ser usada em pacientes sem hiperglicemia muito grave, que não precisa tanto de correção, principalmente pacientes com baixa ingesta via oral e de cirurgia eletiva o Basal-bolus (padrão-ouro) → Insulina basal (50%) + Insulina UR/R pré-refeição (tenta simular a fisiologia) MÉTODO SLIDING SCALE • Sliding scale: o Glicemia capilar de 6 em 6 horas o Insulinização apenas por tabela de demanda → Não faz insulina para evitar hiperglicemia, só para recuperar o De acordo com o valor da glicemia, é feita a dose de insulina regular (vide tabela) o É extremamente criticado, pois o paciente chega a fazer a hiperglicemia, então não há tanta prevenção de dano MÉTODO BASAL-BOLUS • Basal-bolus: o Padrão-ouro o Tenta simular a fisiologia normal da secreção de insulina (que é uma secreção basal mais uma secreção após refeições a partir das sinalizações de incretinas) o É o ideal para prevenir que o paciente faça a hiperglicemia (prevenir picos glicêmicos suprafisiológicos) • Como fazer? o Primeiro calcular a dose total diária de insulina (DTD) o Depois separar em 50% basal e 50% para os bolus prandiais o Nos bolus prandiais inicialmente pode ser adicionada dose de correção para ajustar a glicemia • Cálculo da DTD: o Pacientes previamente insulinizados: ▪ Se mau controle domiciliar → Aumentar 10 a 20% da dose 4 ENDOCRINOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 ▪ Se bom controle domiciliar → Manter a dose, redistribuindo no esquema basal-bolus ❖ Se há altas doses domiciliares (> 0,6 UI/kg/dia), há recomendação até de diminuir a dose (20%), pois os pacientes tendem a comer menos no hospital, então pode gerar hipoglicemia ▪ Devemos individualizar a dose ajustando conforme controle prévio, sensibilidade à insulina, uso de glicocorticoides, capacidade de se alimentar na internação, função renal e frequência de hipoglicemias o Pacientes que não usavam insulina previamente: ▪ Dose de 0,2 a 0,5 UI/kg/dia ▪ Para escolher a dose exata dentro desse intervalo devemos levar em conta o grau de resistência à insulina, o risco de hipoglicemia e da glicemia da admissão ▪ Um método interessante e muito usado para escolher a dose é avaliando pelo risco de hipoglicemia ❖ Pacientes com baixo risco / alta resistência → 0,4 a 0,5 UI/kg/dia ❖ Pacientes de maior risco (idosos, DRC ou insuficiência hepática) → 0,2 a 0,3 UI/kg/dia • Distribuição da DTD: o Considerando o paciente em dieta oral habitual ▪ Insulina basal (50%) → Insulina lenta ou intermediária em horários fixos ▪ Insulina prandial (50%) → Insulina regular ou rápidas pré-refeição (3x ao dia) INSULINAS • Insulinas basais: o NPH → Usada na maioria das vezes ▪ Começa a agir 3-4 horas depois ▪ Faz o pico 8 horas depois ▪ Em cerca de 15 horas já não tem mais efeito ▪ Pode ser usada 2-3x por dia ❖ Antigamente era usada 1 dose pela manhã e 1 dose antes do jantar → O problema é que há risco de hiperglicemia no horário do jantar (18-21h) e de hipoglicemiade madrugada ❖ A prescrição mais usada hoje em dia é 1x de manhã e 1x à noite antes de dormir, além de 1x à tarde para cobrir a hora do jantar o Detemir ▪ Dura quase 24 horas ▪ Em geral, precisamos usar 2x ao dia o Glargina ▪ Pode ser usada 1x por dia o Degludeca ▪ Dura um pouco mais de 24 horas ▪ Pode ser usada 1x por dia 5 ENDOCRINOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 o Toujeo → Glargina com uma concentração diferente • Insulinas prandiais (pré-refeição): o Regular → Mais usada no SUS ▪ Preciso fazer 30 minutos antes da refeição ▪ Começa a agir 2-3 horas depois ▪ Faz um pico 3-4 horas depois ▪ Dura cerca de 5-6 horas ▪ É rápida quase intermediária, por isso faz muita hipoglicemia, já que não sincroniza tão bem com a refeição o Rápidas (antigas ultrarrápidas) ▪ Lispro, asparte e glulisina ▪ O pico é 1-2 horas depois ▪ Pode ser feita 10-15 minutos antes da refeição ▪ Hoje, temos também a fiasp (asparte mais rápida) e a afrezza (inalatória) • Doses: o Basais → 50% da DTD, distribuída a 1-3x por dia dependendo de qual vou utilizar o Prandiais → 50% da DTD dividida igualmente nas 3 refeições ou conforme contagem de CHO (carboidrato) o Dose suplementar → Adicionadas à dose prandial de acordo com o nível de glicemia pré-prandial ▪ Feita para evitar uma hiperglicemia mais grave ▪ 2 a 4 UI a cada 40 mg acima da meta de 140 ou 180 ▪ O objetivo é que essas doses suplementares não sejam necessárias → Ao precisar usar, depois deve ser feita a correção do tratamento base para que ela não seja necessária novamente ▪ Recomendado que use um esquema diferente de acordo com a sensibilidade do paciente • Ajuste de doses: o O ajuste da insulina basal pode ser realizado a cada 24 a 48 horas o As glicemias pré-almoço e pré-jantar, em geral, vão refletir os bolos das refeições anteriores o Realizar ajustes de 10-20% conforme hiper ou hipoglicemia em cada horário o Sugere-se utilizar 50% da dose suplementar utilizada para aumento da DTD o Para uma melhor caracterização, podemos solicitar a aferição de glicemia capilar 2 horas após a refeição → A excursão glicêmica entre o pré e o pós-prandial não deve exceder 40-60 mg/dL o A glicemia pós-prandial reflete a adequação do bolus, já a glicemia pré-prandial reflete a adequação da basal, desde que o bolus anterior esteja correto • Exemplo de prescrição basal-bolus: o Paciente de 80 kg ▪ Glicemia capilar antes do café, almoço, jantar e ao deitar-se ▪ Insulina NPH 7 UI às 7h, 15h e 22h 6 ENDOCRINOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 ▪ Insulina regular 6 UI 30 minutos antes do café, almoço e jantar ▪ Insulina regular suplementar conforme a glicemia capilar MÉTODO BASAL PLUS • Basal-plus o Faz o basal 50% (0,1 a 0,25 UI/kg/dia) e nas doses suplementares não faz fixo, faz de acordo com as glicemias pré-prandiais (se tiver alterado, dar as doses de insulina de acordo com a tabela) o Pode ser indicado para hiperglicemia leve, de baixa ingesta oral ou de cirurgia eletiva HIPOGLICEMIA RELACIONADA À INSULINIZAÇÃO HOSPITALAR • Fatores de risco de hipoglicemia: o Idade avançada o Doença renal crônica (DRC) ▪ Diabético que começa a evoluir para doença renal crônica, um dos primeiros sinais é do nada fazer hipoglicemia (com a mesma dose que antes nem conseguia controlar a diabetes) ❖ A doença renal aumenta meia vida da insulina, então acaba favorecendo a hipoglicemia o Hepatopatia crônica → Lembrando que o fígado é nossa fonte de gliconeogênese, então a hepatopatia crônica diminui a capacidade de responder à hipoglicemia o Pancreatopatia crônica → Perde função das células beta e alfa (sem capacidade de produzir insulina e glucagon) ▪ São pacientes extremamente lábeis, que fazem hipo e hiperglicemia com facilidade o Má absorção intestinal o Apetite reduzido e náuseas o Insuficiência adrenal e/ou hipofisária → GH e cortisol são importantes na resposta à hipoglicemia o Insulinização inadequada → É o fator principal para a hipoglicemia • Danos da hipoglicemia: o Desconfortável ao paciente (sensação de morte eminente) o Estimula o sistema simpático, propiciando a ocorrência de arritmias (prolonga QT) o Aumenta a demanda miocárdica de oxigênio, favorecendo quadros anginosos o Aumenta a liberação de citoquinas inflamatórias o Aumento dos índices de morbi-mortalidade • Classificação de gravidade: o Hipoglicemia leve → Glicemia entre 54 e 70 o Hipoglicemia moderada → Glicemia < 54 o Hipoglicemia grave → Independente do valor de hipoglicemia, mas com estado mental alterado e/ou incapacidade física, necessitando de assistência de outra pessoa • Correção da hipoglicemia: o Consciente e alimentando → Correção via oral (Ex.: Colher de mel, suco etc.) 7 ENDOCRINOLOGIA RAUL BICALHO – MEDUFES 103 o Paciente com jejum ou inconsciente e com acesso venoso → Endovenoso com glicose o Paciente inconsciente sem acesso venoso → Administrar ampola de glucagon ▪ Uma alternativa é açúcar de baixo da língua que há menos chance de broncoaspirar • Abordagem: o A glicemia deve ser reavaliada de 5 a 15 minutos para reestabelecer valores superiores a 80-100 o Deve ser buscada a causa raiz dessa hipoglicemia e reavaliar a prescrição de insulina (redução de 20%) CONSIDERAÇÕES FINAIS • Conduta na alta: o Depende da hemoglobina glicada inicial ▪ < 8% → Não precisa mexer na prescrição prévia ▪ 8 – 10% → Reiniciar antidiabético oral, mas deixar pelo menos 50% da insulina que usou no hospital ▪ > 10% → Provavelmente terá que sair insulinizado com basal-bolus com a mesma prescrição utilizada no hospital ❖ Pode também pelo menos voltar à prescrição prévia de antidiabético adicionando 80% da dose de insulina que usou no hospital • Key points: o Fazer hemoglobina glicada na admissão o Monitorização mínima pré-prandial e ao deitar-se o Sempre preferir basal-bolus e evitar sliding scale o Sempre tentar individualizar → Ajustar às condições de dieta, idade, sensibilidade à insulina e função renal
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