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A im pl em en ta çã o de d ire tri ze s cl ín ic as n a at en çã o à sa úd e: e xp er iê nc ia s in te rn ac io na is e o c as o da s aú de s up le m en ta r n o Br as il Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) Av. Augusto Severo, 84 - Glória - CEP: 20021-040 Rio de Janeiro - RJ Disque-ANS: 0800 701 9656 www.ans.gov.br ouvidoria@ans.gov.br Organização Panamericana de Saúde - Opas Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS 1ª Edição - 2009 A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil Ficha Catalográfica Agência Nacional de Saúde Suplementar (Brasil). A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil / organizado pela Organização Pan-Americana da Saúde, Agência Nacional de Saúde Suplementar – Brasília, DF : OPAS ; Rio de Janeiro : ANS, 2009. 132 p. ISBN: 978-85-63059-00-0 1. Saúde Suplementar. 2. Atenção à Saúde. 3. Guias de Prática Clínica como Assunto. I. Organização Pan-Americana da Saúde. II. Título. CDD – 610 Catalogação na fonte – Biblioteca ANS – Coordenação de Documentação e Biblioteca (CODOB) Elaboração, distribuição e informações: MINISTÉRIO DA SAÚDE Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos – DIPRO Avenida Augusto Severo, 84 - Glória CEP 20021-040 Rio de Janeiro, RJ - Brasil Tel.: +55 (21) 2105 0000 Disque-ANS: 0800 701 9656 www.ans.gov.br ouvidoria@ans.gov.br 1ª Edição - 2009 Diretoria Colegiada da ANS - DICOL Diretor-Presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar Diretor de Normas e Habilitação dos Produtos - DIPRO Fausto Pereira dos Santos Diretor de Gestão - DIGES Diretor de Fiscalização - DIFIS (interino) Hésio de Albuquerque Cordeiro Diretor de Normas e Habilitação de Operadoras - DIOPE Diretor de Desenvolvimento Setorial - DIDES (interino) Alfredo Luiz de Almeida Cardoso Secretário-Executivo da ANS Diretor-Adjunto de Normas e Habilitação dos Produtos - DIPRO Alfredo José Monteiro Scaff Gerente-Geral Técnico-Assistencial dos Produtos - GGTAP/DIPRO Martha Regina de Oliveira Gerentes da Gerência-Geral Técnico-Assistencial dos Produtos - GGTAP/DIPRO Karla Santa Cruz Coelho e Kylza Aquino Estrella de Souza Gerente de Comunicação Social - GCOMS/DICOL Rachel Crescenti Elaboração técnica: Ana Paula da Silva Cavalcante, Bruna Alessandra Vale Delocco, Brunno Vieira Teixeira de Carvalho, Cristiane Branco Vidal Bustamante dos Santos, Fábio de Freitas Guedes Junqueira, Flávia Helena Cosmo Vieira da Silva, Jeane Regina de Oliveira Machado, Jorge Luiz Carvalho, Karla Santa Cruz Coelho, Luciana Massad Fonseca, Maria de Fátima Medeiros de Cerqueira, Martha Regina de Oliveira, Rochele A. M. Santos, Silvana do Bomfim Oliveira. Projeto Gráfico: Eric Estevão (coordenação/capa) e Bruno Peon (diagramação) - GCOMS/DICOL Fotografia (capa): Getty Image Apoio Bibliotecário: Iara Vidal Pereira de Souza - CODOB/DIGES Revisão Ortográfica e Gramatical: Ana Flores - GCOMS/DICOL Coordenação de tradução: Milko Hernán Montellano Tradução: Milko Hernán Montellano (Espanhol) Joana Pereira (Inglês) Colaboração: Maristela Bernardi Impresso no Brasil / Printed in Brazil A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil 55 Lista de Tabelas Tabela 1 Receita de contraprestações das operadoras de planos de saúde, segundo a modalidade da operadora ___________ 24 Tabela 2 Despesa assistencial das operadoras de planos de saúde, segundo a modalidade da operadora ___________________ 24 Tabela 3 Taxa de sinistralidade das operadoras de planos de saúde, segundo a modalidade da operadora ___________________ 25 Tabela 4 Eventos e beneficiários, segundo o tipo de evento _______________ 25 Tabela 5 Taxa de internação de beneficiários e gasto médio por internação, por tipo de contratação, segundo a modalidade da operadora ________________________________ 26 Tabela 6 Força de Evidência segundo o Centro de Medicina Baseada de Oxford _____________________________________ 59 Tabela 7 População segundo o seguro de saúde _______________________ 63 Tabela 8 Tipo de seguro segundo o salário ___________________________ 65 Tabela 9 Distribuição dos benenficiários (Fonasa) ______________________ 65 Tabela 10 População potencial demandante de prestadores privados _____________________________________________ 65 Tabela 11 Composição do lucro no sistema público (Fonasa) _______________ 66 Tabela 12 Composição do lucro no sistema privado (Isapres) ______________ 66 Tabela 13 Composição das perdas no sistema público (Fonasa) ____________ 66 Tabela 14 Composição das perdas no sistema (Isapres) __________________ 66 Tabela 15 Despesas em serviços de saúde e despesas de administração (Fonasa) __________________________________ 67 Tabela 16 Despesas em serviços de saúde e despesas de administração (Isapres) __________________________________ 67 6 Tabela 17 Despesa pública com saúde em 2005 _______________________ 68 Tabela 18 Despesa total do sistema de saúde como percentual do PIB ______________________________________________ 69 Tabela 19 Tipo de prestadores privados ______________________________ 70 Tabela 20 Número de clínicas particulares por regiões ___________________ 70 Tabela 21 Total de leitos particulares ________________________________ 71 Tabela 22 Distribuição de leitos particulares por região __________________ 71 Tabela 23 Origem de atendimentos realizados por prestadores privados (Percentual) ____________________________________ 72 Tabela 24 Montante faturado por prestadores privados segundo a origem _____________________________________________ 72 Tabela 25 Atendimentos totais nos sistemas privado e público no ano de 2005 em atenção primária ________________________ 73 Tabela 26 Critérios usados para construir a pontuação de prioridade sanitária _____________________________________ 75 Tabela 27 Prioridade Sanitária, Financeira, Capacidade de Oferta e Ajustes _______________________________________ 77 Tabela 28 Características demográficas e clínicas dos pacientes no período pré-AUGE e período AUGE ________________________ 91 Tabela 29 Características clínicas dos pacientes submetidos à trombólise e de pacientes sem nenhum procedimento de reperfusão nos períodos pré-AUGE e AUGE _______ 92 Tabela 30 Odds ratio e redução do risco de morte em grupos de interesse nos períodos pré-AUGE e AUGE _____________________ 93 Tabela 31 Algumas organizações que elaboram NOCs em Portugal ____________________________________________ 114 Tabela 32 Temas mais frequentes nas NOCs no Sistema Nacional de Saúde - SNS português ________________________ 116 7 Tabela 33 Estrutura da “Norma de Orientação Clínica para Cessação Tabágica” do CEMBE da FML _____________________ 119 Tabela 34 Grade para avaliação crítica de um artigo descrevendo um ensaio clínico ___________________________ 122 Tabela 35 Níveis de evidência e graus de recomendação terapêutica ou preventiva _______________________________ 124 Tabela 36 Exemplo de um estudo incluído ___________________________ 125 Tabela 37 Exemplo de um estudo excluído ___________________________ 125 Tabela 38 Recomendações práticas para a cessação tabágica ____________ 126 Tabela 39 Relações entre disseminação e implementação de NOCs ______________________________________________ 130 Lista de Gráficos Gráfico 1 Taxa de crescimento anual do número de beneficiários, por cobertura assistencial ______________________ 23 Gráfico 2 Beneficiários de planos de saúde por cobertura assistencial do plano ____________________________________ 23 Gráfico 3 Sistema previsional de saúde da população chilena _____________ 64 Gráfico 4 Consultas por tipo de estabelecimentos ______________________ 71 Gráfico 5 Procedimentos de reperfusão nos períodospré-AUGE e AUGE ______________________________________________ 92 Gráfico 6 Mortalidade intra-hospitalar segundo os procedimentos de reperfusão empregados e por sexo, nos períodos pré-AUGE e AUGE ________________________ 93 Gráfico 7 Odds ratio de mortalidade para cada ano comparando com o ano de 2001 ___________________________ 94 8 Lista de Figuras Figura 1 Fluxograma das etapas do Projeto Diretrizes __________________ 30 Figura 2 Sequência utilizada na capacitação das oficinas de trabalho _____________________________________________ 48 Figura 3 Algoritmo de Priorização Plano Auge ________________________ 74 Figura 4 Equipe do CEMBE da FML _______________________________ 117 Figura 5 Algoritmo clínico para cessação tabágica ____________________ 127 Lista de abreviaturas e siglas ACES Agrupamentos de Centros de Saúde ACS Alto Comissariado da Saúde AHCPR Agency for Health Care Policy and Research AHRQ Agency for Healthcare Research and Quality AMB Associação Médica Brasileira ANS Agência Nacional de Saúde Suplementar AVC Acidente Vascular Cerebral AVISA Años de Vida Saludables AUGE Acceso Universal de Garantías Explícitas CD Compact Disc CD-ROMs Compact Disc Read-Only Memory CEMBE Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência CFM Conselho Federal de Medicina CINAHL Cumulative Index to Nursing & Allied Health Literature COMPIN Comisión de Medicina Preventiva e Invalidez del Servicio de Salud CONSU Conselho de Saúde Suplementar DGS Direcção Geral de Saúde DIOPs Documento de Informações Periódicas das Operadoras de Planos de Saúde DIPRO Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos DINRED División de Inversiones y Desarrollo de la Red Asistencial 9 EACs Ensaio(s) Aleatorizado(s) e Controlado(s) EBM Evidence-based Medicine EMBASE Excerpta Medica Database EPC Evidence-based Practice Centers EUA Estados Unidos da América FFAA Forças Armadas Chilena FML Faculdade de Medicina de Lisboa FONASA Fondo Nacional de Salud GCOMS Gerência de Comunicação GDR Grupos Relacionados por el Diagnóstico GES Garantías Explícitas en Salud GETEC Grupo de Trabalho de Gestão de Tecnologia GGTAP Gerência-Geral Técnico-Assistencial dos Produtos GIN Guidelines International Network GPC Guías de Prática Clínica HIV Human Immunodeficiency Virus IAM Infarto Agudo do Miocárdio INP Instituto de Normalizacion Previsional INS Inquérito Nacional de Saúde ISAPRES Instituciones de Salud Previsional MBE Medicina Baseada na Evidência Medline Medical Literature Analysis and Retrieval System Online MCPS Missão para os Cuidados Primários MINSAL Ministerio de Salud de Chile MLE Modalidade de Livre Eleição MS Ministério da Saúde NHS National Health Service NICE National Institute of Clinical Excellence NOC Norma de Orientação Clínica OMS Organização Mundial de Saúde Opas Organização Pan-americana da Saúde OR Odds Ratio PAD Pago asociado a diagnóstico 10 PAC Programa de Aceleração do Crescimento PIB Produto Interno Bruto PICO Paciente/População, Intervenção, Comparação/Controle e Outcome POS Programa Obligatorio de Salud POS-C Plan Obligatorio de Salud del régimen contributivo POS – S Plan Obligatorio de Salud del régimen subsidiado PRESI Presidência QALYs Quality Adjusted Life Years RCTs Randomized Controled Trials RS Revisões Sistemáticas RN Resolução Normativa SDRA Síndrome do desconforto respiratório agudo SDST Supra-desnível do segmento ST SGSSS Sistema General de Seguridad Social en Salud en Colombia SIDA Síndrome de Imunodeficiência Adquirida SIGN Scottish Intercollegiate Guidelines Network SNC Sistema Nervoso Central SNS Serviço Nacional de Saúde SNSS Sistema Nacional de Serviços de Saúde SIL Subsidio por incapacidad laboral SUS Sistema Único de Saúde TSN Terapêutica de Substituição Nicotínica UK United Kingdom UPC Unidad de Pago por Capitación US United States USF Unidades de Saúde Familiar UTI Unidade de Terapia Intensiva WHO World Health Organization Para melhor compreensão dos capítulos que compõe este livro, esclarecemos que são termos sinônimos comumente utilizados pela área de saúde nos idiomas Português, Espanhol e Inglês : Diretrizes Clínicas, Normas de Orientação Clínica (NOC), Guidelines e Guías de Prácticas Clínicas (GPC). 11 Sumário I. Diretrizes clínicas e a busca da qualidade da atenção na saúde suplementar ___21 1. A Agência Nacional de Saúde Suplementar e a cobertura mínima obrigatória __21 2. Um grande desafio para a ANS: estimular a promoção da saúde com qualidade e eficiência ______________________________________________22 3. O convênio entre a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) ____28 4. Priorização de temas para as diretrizes _________________________________31 5. Metodologia ________________________________________________________32 6. Sensibilização, busca de apoio e discussão do projeto ____________________33 7. Produção de diretrizes clínicas pelas sociedades _________________________34 8. Validação técnica pelo grupo técnico da AMB e validação da implementação e monitoramento ________________________________________34 9. Implementação para o sistema de saúde suplementar ____________________35 10. Uma proposta inovadora: grandes desafios e expectativas _______________36 11. Referências _______________________________________________________37 II. Diretrizes clínicas baseadas em evidência________________________________41 1. Definição __________________________________________________________41 2. Objetivo ____________________________________________________________42 3. Métodos de elaboração ______________________________________________42 4. História ____________________________________________________________43 5. Trajetória no Brasil __________________________________________________45 6. Atualidade do Projeto ________________________________________________56 7. Referências ________________________________________________________60 III. Setor privado chileno e as diretrizes clínicas _____________________________63 Su m ár io 12 1. Sistema de saúde chileno ____________________________________________63 1.1. Demanda por serviços de saúde ________________________________________63 1.2. Distribuição percentual por sistema previsional _____________________________65 1.3. Despesa em saúde __________________________________________________65 1.4. Oferta de serviços de saúde ___________________________________________70 1.5. Distribuição de prestadores de saúde ____________________________________71 2. A reforma da saúde e as diretrizes _____________________________________73 2.1. Priorização de doenças _______________________________________________74 2.2. Análise da Capacidade de Oferta ________________________________________76 2.3. Definição de garantias do Plano AUGE ___________________________________80 2.4. Garantia de Acesso __________________________________________________80 2.5. Garantia de Qualidade ________________________________________________80 2.6. Garantia de Oportunidade _____________________________________________82 2.7. Garantias Financeiras ________________________________________________84 2.8. Lista de patologias GES (Lei AUGE) ______________________________________89 2.9. Efetividade das diretrizes clínicas AUGE __________________________________90 3.Os desafios que deverão enfrentar as diretrizes clínicas ___________________94 4. Links informativos sobre saúde _______________________________________96 5. Referências ________________________________________________________97 IV- O sistema de saúde na Colômbia e o papel das diretrizes clínicas baseadas em evidência – uma visão atual __________________________________99 V- Elaboração, disseminação e implementação de Normas de Orientação Clínica (guidelines) em Portugal - o papel de um centro universitário ___________________________________________________________111 1.Introdução ________________________________________________________111 Su m ár io 13 2. As normas de orientação clínica como instrumentos de qualidade em saúde __113 3. Quem elabora as NOCs em Portugal? _________________________________114 4. Que tópicos são selecionados? _______________________________________115 5. O papel de produção de NOCs por um centro universitário: o exemplo da “Norma de Orientação Clínica para Cessação Tabágica” do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medicina de Lisboa _______________________________________116 5.1. Seleção do tema ___________________________________________________117 5.2. Estrutura da NOC __________________________________________________118 5.3. Objetivos da NOC __________________________________________________120 5.4. Metodologia da NOC (seleção, avaliação, hierarquização da evidência) __________120 5.4.1. Metodologia de seleção da evidência científica _______________________120 5.5. Avaliação crítica da evidência científica __________________________________122 5.6. Hierarquização da evidência científica ___________________________________123 5.6.1. Base de evidência para construção da NOC _________________________125 5.6.2. Recomendações principais da NOC (alguns exemplos) _________________126 5.6.2.1. Exemplo de intervenções farmacológicas __________________________127 5.6.2.2. Exemplo de intervenções não-farmacológicas ______________________128 6. Que tipo de disseminação de NOCs em Portugal? _______________________129 7. Que tipo de implementação de NOCs em Portugal? ______________________130 8. Conclusões ________________________________________________________131 9. Referências _______________________________________________________132 Su m ár io 14 á é claramente reconhecida em todo o mundo a necessidade de utilização de diretrizes clínicas baseadas em evidências científicas para qualifica- ção da atenção à saúde prestada. A adoção de pro- tocolos respaldados e definidos a partir da melhor evidência científica disponível contribui para a obtenção de melhores resultados de saúde na população, como já demonstrado em vários estudos, assim como para fazer frente ao crescente custo da assistência médica e à incorporação tecnológica acrítica e permeada por conflitos de interesses. A presente publicação, fruto da parceria entre a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e a Organização Pan-Americana da Saúde - OPAS apresenta não só o convênio estabelecido entre aquela agência reguladora, a Associação Médica Brasileira - AMB e o Conselho Federal de Medicina - CFM para a elaboração de diretrizes clínicas voltadas à qualificação da atenção prestada aos benefici- ários de planos de saúde no Brasil, como também experi- ências internacionais de elaboração e implementação de diretrizes clínicas, discutidas durante o seminário ocorrido em abril do presente ano, apoiado pela Opas. Dessa maneira, o capítulo I, elaborado pela ANS, traz a caracterização do convênio anteriormente citado: os temas prioritários, a metodologia utilizada, os desafios já superados e as expectativas dos atores envolvidos. No capítulo II, o Dr. Wanderley Bernardo, Coordenador do Núcleo de Medicina Baseada em Evidência da Faculdade de Medicina da USP e Coordenador do Programa Diretrizes da AMB e CFM, apresenta um histórico sobre o trabalho de elaboração e disseminação de diretrizes clínicas iniciado pela AMB no Projeto Diretrizes, e seu desenvolvimento, que culminou no convênio entre esta entidade e a ANS. Este convênio, que inclui a capacitação de profissionais para a elaboração, revisão e disseminação de diretrizes clí- nicas no setor suplementar de saúde, visa a elaboração de Pr ef ác io J 16 A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil diretrizes voltadas ao tratamento/diagnóstico dos problemas de saúde que mais afetam os beneficiários de planos de saúde no Brasil. A primeira das experiências internacionais apresentada é a do Chile, descrita no capítulo III pelo Dr. César Cárcamo Quezada, diretor médico do Hospital Mutual de Seguridade de Santiago. A partir da Reforma Sanitária implementada naquele país, o governo definiu, por meio da Lei Auge (2003), a instituição de diretrizes clínicas como prática dese- jável para garantir qualidade na atenção à saúde. Hoje, as cerca de 63 diretrizes construídas para intervenção sobre os problemas de saúde epidemiologicamente mais relevantes têm impactado de forma positiva os resultados de saúde da população chilena. No capítulo IV, o Dr. Rodrigo Pardo Turriago, do Instituto de Investigações Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Nacional de Colombia, apresenta a experiência da Colômbia onde, desde 2006, vem sendo discutida e planejada a elaboração de guias clínicas para algumas condições de saúde definidas. O processo vem sendo aprimorado e estas ferramentas têm sido importantes para a reforma do sistema de saúde colombiano, apesar de ainda existirem vários desafios a serem enfrentados. Visando aproveitar os caminhos já trilhados e bem sucedidos internacionalmente, no capítulo V a experiência de Portugal de ela- boração e disseminação das Normas de Orientação Clínica (NOCs) é apresentada pelo Dr. Antonio Vaz Carneiro, do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência, da Faculdade de Medicina de Lisboa. Vale destacar os avanços deste processo, tais como o envolvimento de atores estratégicos na elaboração das diretrizes clínicas referentes aos principais problemas de saúde daquele país, e os desafios ainda exis- tentes, relacionados à disseminação e implementação das mesmas. Todas essas experiências e iniciativas reforçam a importância da introdução do tema na agenda prioritária do governo, visando munir de ferramentas os atores dos sistemas de saúde, sejam eles públicos ou privados, para qualificação da prática clínica e melhor cuidado à saúde dos seus usuários. Nesse sentido, a presente publicação deve ser saudada e acolhida por todos os atores da área de saúde que, no cotidiano de seus serviços, têm se desdobrado para construir um sis- tema de saúde de qualidade, resolutivo e que efetivamente atenda às necessidades da população brasileira. Alzira de Oliveira Jorge Ex- secretária executiva da ANS e Atual assessora da Secretaria Municipal de Saúde de Belo HorizontePr ef ác io Ap re se nt aç ão A NS implementação de diretrizes clínicas é uma das metas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Mais Saúde. Para atingir esse objetivo, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) firmou convênio com a Associação Médica Brasileira (AMB) e com o Conselho Federal de Medicina (CFM) em 2008. Esse convênio, em fase de implementação, tem permitido que as diretrizes sejam distribuídas entre as linhas de atenção à saúde e prio- rizadas de acordo com as necessidades do sistema de saúde brasileiro. No ano de 2009, foi realizado o Seminário: “A imple- mentação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: expe- riências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil” com o apoio da Organização Pan-americana da Saúde (Opas). Foi um importante passo para todos os países presentes: Brasil, Chile, Colômbia e Portugal e, ao mesmo tempo, demonstrou que a organização e utiliza- ção de diretrizes clínicas continuam como um desafio. Este livro nos permite conhecer as experiências nesses países, com destaque para o caso brasileiro. O resultado de utilização das diretrizes clínicas con- tribuirá para a melhoria da qualidade da atenção à saúde de todo o sistema de saúde brasileiro, não apenas para o sistema de saúde suplementar. Fausto Pereira dos Santos Diretor - Presidente da ANS A 18 A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil Ap re se nt aç ãp A NS Ap re se nt aç ão O pa s egundoas estatísticas mais recentes (2009), mais de 41 milhões de brasileiros são benefici- ários de algum plano de saúde. Dez anos atrás, não chegavam a 30 milhões. No ano de 2007, a saúde suplementar realizou 4,5 milhões de internações hospitalares e 192 milhões de consultas médicas. São números extremamente importantes, mesmo compara- dos com os dados do SUS, que fechou o ano de 2007 com 10,8 milhões de internações e 610 milhões de con- sultas médicas. Vale ressaltar que a gestão desses enormes volumes de procedimentos e práticas da saúde suplementar acontece em ambientes sociais e econômicos em rápida transfor- mação por causa de fatores não controláveis, como, por exemplo, o envelhecimento da população ou a crescente disponibilidade de tecnologia avançada em todas as áreas da atenção à saúde. O setor da saúde suplementar opera, portanto, num contexto de extrema complexidade, e, consequentemente, tem que enfrentar enormes desafios de gestão. Esses desafios requerem respostas organizacionais e soluções técnicas inovadoras, que visem à eficiência no uso dos recursos, numa lógica orientada à contínua melhoria da qualidade da atenção. Nessa perspectiva, a estratégia da ANS de orientar o funcionamento do sistema da saúde suplementar a partir de Diretrizes Clínicas baseadas na evidência é absolu- tamente central. Esse instrumento é fundamental para orientar de forma racional as decisões clínicas, garan- tindo uma alocação de recursos ética e tecnicamente correta, por ser baseada em evidências científicas e no consenso das comunidades profissionais. Ao mesmo tempo, é importante enfatizar que este livro nos confirma que a estratégia das Diretrizes Clínicas está sendo adotada em muitas experiências de saúde suplemen- S 20 tar em outros países, o que demonstra que a Opas está certa quando apóia e promove essa linha de trabalho entre os países da região. Diego Victoria Mejía Representante da Opas (Organização Pan-americana da Saúde) OMS (Organização Mundial de Saúde) no Brasil. Ap re se nt aç ãp O pa s A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil I. Di re tr iz es c lín ic as e a b us ca d a qu al id ad e da at en çã o na s aú de s up le m en ta r Gerência-Geral Técnico Assistencial dos Produtos - GGTAP Diretoria de Normas e Habilitação dos Produtos - DIPRO Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) 1. A Agência Nacional de Saúde Suplementar e a cobertura mínima obrigatória Com o objetivo de oferecer à população um serviço de saúde gratuito e integral, o Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado a partir da Lei Orgânica da Saúde nº 8.080/1990. Entretanto, garantir universalidade e integralidade num país desigual e com recursos orçamentários e financeiros escassos constitui-se em tarefa árdua 1,2. Como são muitos ainda os desafios a serem enfrenta- dos na consolidação do SUS, aproximadamente um quarto da população vem buscando a contratação de planos de assistência à saúde privados, com vistas a garantir uma cobertura assistencial de qualidade 3. Ainda de acordo com a Constituição, a iniciativa privada é livre para prestar assistência e estabelece, dessa forma, uma interface com o SUS. Assim, o que se pode observar em nosso país é um modelo de atenção à saúde, caracteri- zado pela dicotomia entre o setor público e o privado 4. O grande crescimento do setor de saúde suplementar ocorreu no final dos anos 80 e na década de 90. A partir daí, operadoras de planos e seguros, prestadores e beneficiários passaram a conviver nem sempre de maneira harmoniosa 4,5. Grandes distorções em relação à assistência prestada aos beneficiários, bem como a prática de reajustes muito superiores à inflação e a falência de seguradoras ou ope- radoras de planos de saúde, questões que frequentemente eram resolvidas pelo judiciário, levaram à mobilização de I. Di re tri ze s Cl ín ic as e a b us ca d a qu al id ad e da a te nç ão n a sa úd e su pl em en ta r 22 A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil vários grupos sociais e surgiram propostas para regulamentação do setor que tramitaram durante vários anos no Congresso Nacional. Assim, na tentativa de minimizar esses conflitos, a Lei nº 9.656 foi aprovada em 1998, seguida da Lei nº 9.961/2000, que criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar. A primeira teve como objetivo esta- belecer normas para os contratos de planos de saúde e coberturas. A segunda criou a ANS, com o objetivo de regular, normatizar, controlar e fiscalizar as atividades do setor de assistência suplementar à saúde 5,6. Dentre os objetivos da regulação do mercado de saúde suplementar, consta garantir, à população coberta por planos de saúde, cobertura assistencial integral e regular as condições de acesso. Cabe, portanto, à ANS desenvolver mecanismos regulatórios capazes de promover garantias assistenciais 7,8. Antes da Lei nº 9.656/98, o acesso aos procedimentos era definido através de contratos firmados entre operadoras de planos de saúde e beneficiários. Assim, não havia cobertura mínima obrigatória definida e tratamentos de alto custo, doenças crônico-degenerativas, doenças infec- ciosas, dentre outras, eram excluídas dos contratos pelas operadoras 8. Dentre os avanços relevantes conquistados a partir da normati- zação do setor, destaca-se a definição de róis de procedimentos. No que tange à regulação assistencial, o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde é o instrumento que define a cobertura mínima obrigatória que todos os planos de saúde regulamentados devem oferecer a seus usuários, tendo em vista a segmentação contratada5. O rol é revisto periodicamente para possibilitar a incorporação de novas tecnologias, cuja eficácia e segurança sejam comprovadas, e a exclusão daquelas que já se tornaram obsoletas. A última revisão ocorreu em 2008 com a edição da Resolução Normativa nº167 9. Além do rol de procedimentos, de cunho obrigatório, a Agência também atua de forma indutora, estimulando a criação de projetos de promoção e prevenção em saúde e ações voltadas à melhoria da qualidade da atenção prestada aos beneficiários. 2. Um grande desafio para a ANS: estimular a promoção da saúde com qualidade e eficiência O setor privado de assistência à saúde vem crescendo muito no Brasil. O número de beneficiários vem aumentando nos últimos anos, I. Di re tri ze s Cl ín ic as e a b us ca d a qu al id ad e da a te nç ão n a sa úd e su pl em en ta r 23A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil e nos planos de assistência médica, esse número cresceu 5,3% de 2008 a 200910 (gráfico 1). Gráfico 1 - Taxa de crescimento anual do número de beneficiários, por cobertura assistencial (Brasil – março/2001-março/2009) Fonte: Sistema de Informações de Beneficiários - ANS/MS - 03/2009 O número absoluto de beneficiários de planos com assistência médica passou de 41 milhões e 300 mil, em 2008, para 41 milhões e 400 mil, em 2009 10 (gráfico 2). Gráfico 2 - Beneficiários de planos de saúde por cobertura assistencial do plano (Brasil 2000-2009) 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 Total Exclusivamente odontológico Assistência médica com ou sem odontologia (m ilh õe s) jun/09dez/08dez/07dez/06dez/05dez/04 33,5 34,4 35,0 35,9 39,0 41,7 44,9 48,3 52,4 52,7 30,7 31,2 31,1 31,4 33,4 35,2 37,1 39,0 41,3 41,4 2,8 3,2 3,8 4,5 5,6 6,5 7,7 9,3 11,1 11,3 dez/03dez/02dez/01dez/00 Fonte: Sistema de Informações de Beneficiários - ANS/MS - 03/2009 Nota: O termo “beneficiário” refere-se a vínculos aos planos de saúde, podendo incluir vários vínculos para um mesmo indivíduo A receita das operadoras também apresentou crescimento e nos anos de 2007 a 2008 cresceu14%, o que pode ser observado na tabela 1. Contudo, a despesa assistencial apresentou o mesmo crescimento (tabela 2), enquanto a taxa de sinistralidade, que é a relação da receita das operadoras com a despesa assistencial, manteve-se estável nesse mesmo período (tabela 3)10. Total Assistência médica Exclusivamente odontológicos -5 0 5 10 15 20 25 30 mar/09mar/08mar/07mar/06mar/05mar/04mar/03mar/02 I. Di re tri ze s Cl ín ic as e a b us ca d a qu al id ad e da a te nç ão n a sa úd e su pl em en ta r 24 A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil Tabela 1 - Receita de contraprestações das operadoras de planos de saúde, segundo a modalidade da operadora (Brasil - 2003-2009) Modalidade da operadora 2003 2004 2005 2006 2007 2008 (2) 2009 (2º trimestre) Total 28.485.485.795 32.213.731.248 37.115.756.529 41.987.294.255 51.757.966.246 60.340.019.686 28.995.201.546 Operadoras médico- hospitalares 28.014.761.445 31.619.718.183 36.373.157.129 41.111.274.498 50.686.440.441 59.180.046.949 28.995.201.546 Autogestão (1) 533.986.730 655.892.077 768.172.132 887.569.521 6.281.299.728 6.908.079.185 3.481.747.066 Cooperativa médica 10.613.942.396 12.163.851.797 13.989.222.898 16.427.043.182 18.183.202.630 21.254.917.270 10.200.238.848 Filantropia 864.327.484 868.818.355 1.079.015.202 1.189.206.431 1.925.933.929 2.197.375.082 650.911.181 Medicina de grupo 9.301.199.758 10.408.605.873 12.624.257.513 13.857.515.799 15.687.580.405 17.765.340.632 8.724.719.732 Seguradora especializada em saúde 6.701.305.077 7.522.550.081 7.912.489.383 8.749.939.565 8.608.423.749 11.054.334.780 5.937.584.718 Operadoras exclusivamente odontológicas 470.724.351 594.013.065 742.599.400 876.019.757 1.071.525.805 1.159.972.737 517.857.095 Cooperativa odontológica 153.760.104 211.717.782 246.802.425 249.336.442 320.920.840 357.994.563 153.033.128 Odontologia de grupo 316.964.247 382.295.283 495.796.974 626.683.315 750.604.965 801.978.175 364.823.967 Fonte: Diops - 10/09/2009 e FIP - 12/2006 Nota: Dados preliminares, sujeitos a revisão (1) As operadoras da modalidade autogestão passaram a informar suas receitas, obrigatoriamente, a partir de 2007. (2) Para as operadoras que não enviaram Diops no quarto trimestre (correspondente a 5,6% dos beneficiários), foi utilizada a receita informada no terceiro trimestre (3,8% dos beneficiários). Tabela 2 - Despesa assistencial das operadoras de planos de saúde, segundo a modalidade da operadora (Brasil - 2003-2009) (R$) Modalidade da operadora 2003 2004 2005 2006 2007 2008 (2) 2009 (2º trimestre) Total 23.043.973.951 26.057.907.316 29.981.219.564 33.185.466.052 41.350.560.487 48.141.935.671 23.873.219.169 Operadoras médico- hospitalares 22.784.352.955 25.754.801.297 29.615.426.841 32.779.765.810 40.836.493.850 47.571.327.200 23.626.928.115 Autogestão (1) 441.709.994 596.180.386 681.347.357 738.472.023 5.513.398.343 6.352.384.350 3.061.473.163 Cooperativa médica 8.869.493.804 10.097.592.332 11.449.167.783 13.260.743.955 14.482.374.798 17.282.102.132 8.262.235.584 Filantropia 633.490.700 670.288.462 792.974.416 899.286.964 1.030.464.258 1.157.092.758 521.857.119 Medicina de grupo 7.060.027.483 7.828.390.298 9.572.041.626 10.533.969.108 12.088.499.137 13.772.393.536 6.850.856.180 Seguradora especializada em saúde 5.779.630.973 6.562.349.818 7.119.895.660 7.347.293.760 7.721.757.314 9.007.354.424 4.930.506.070 Operadoras exclusivamente odontológicas 259.620.996 303.106.019 365.792.723 405.700.243 514.066.637 570.608.471 246.291.054 I. Di re tri ze s Cl ín ic as e a b us ca d a qu al id ad e da a te nç ão n a sa úd e su pl em en ta r 25A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil Modalidade da operadora 2003 2004 2005 2006 2007 2008 (2) 2009 (2º trimestre) Cooperativa odontológica 117.318.415 141.011.501 162.137.862 157.373.064 208.388.416 233.710.821 95.008.033 Odontologia de grupo 142.302.581 162.094.518 203.654.862 248.327.178 305.678.221 336.897.650 151.283.021 Fonte: Diops - 10/09/2009 e FIP - 12/2006 Nota: Dados preliminares, sujeitos a revisão. (1) As operadoras da modalidade autogestão passaram a informar suas receitas, obrigatoriamente, a partir de 2007. (2) Para as operadoras que não enviaram Diops no quarto trimestre (correspondente a 5,6% dos beneficiários), foi utilizada a despesa informada no terceiro trimestre (3,8% dos beneficiários). Tabela 3 - Taxa de sinistralidade das operadoras de planos de saúde, segundo a modalidade da operadora (Brasil - 2003-2009) Modalidade da operadora 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 (1º trimestre) Total 80,9 80,9 80,8 79,0 79,9 79,8 82,3 Operadoras médico- hospitalares 81,3 81,5 81,4 79,7 80,6 80,4 81,5 Autogestão 82,7 90,9 88,7 83,2 87,8 92,0 87,9 Cooperativa médica 83,6 83,0 81,8 80,7 79,6 81,3 81,0 Filantropia 73,3 77,1 73,5 75,6 53,5 52,7 80,2 Medicina de grupo 75,9 75,2 75,8 76,0 77,1 77,5 78,5 Seguradora especializada em saúde 86,2 87,2 90,0 84,0 89,7 81,5 83,0 Operadoras exclusivamente odontológicas 55,2 51,0 49,3 46,3 48,0 49,2 47,6 Cooperativa odontológica 76,3 66,6 65,7 63,1 64,9 65,3 62,1 Odontologia de grupo 44,9 42,4 41,1 39,6 40,7 42,0 41,5 Fonte: Diops - 10/09/2009 Nota: Dados preliminares, sujeitos a revisão. A taxa de internação de beneficiários manteve-se estável (tabela 4), porém o gasto médio de internação no setor passou de R$ 3.238,32, em 2007, para R$ 3.480,75, em 2008, representando um crescimento de 7% no período (tabela 5)10. Tabela 4 - Eventos e beneficiários, segundo o tipo de evento (Brasil - 2007-2008) Tipo de evento 2007 2008 Internações Eventos 4.490.471 4.809.734 Beneficiários 33.903.299 36.495.609 Taxa de internação de beneficiários (%) 13,2 13,2 Consultas Eventos 192.548.117 211.531.655 Beneficiários 37.057.955 39.840.542 Consultas por beneficiário 5,2 5,3 Fontes: Sistema de Informações de Beneficiários - ANS/MS - 06/2009 e Sistema de Informações de Produtos - ANS/MS - 05/06/09 I. Di re tri ze s Cl ín ic as e a b us ca d a qu al id ad e da a te nç ão n a sa úd e su pl em en ta r 26 A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil Tabela 5 - Taxa de internação de beneficiários e gasto médio por internação, por tipo de contratação, segundo a modalidade da operadora (Brasil - 2007-2008) Modalidade da operadora Taxa de internação (%) Gasto médio (R$) Total (1) Coletivo Individual Total (1) Coletivo Individual 2007 Total 13,2 13,3 16,0 3.238,32 3.129,57 3.516,41 Autogestão 13,5 13,5 - 3.493,08 3.493,08 - Cooperativa Médica 15,4 15,5 17,9 2.287,12 2.138,84 2.598,05 Filantropia 15,1 14,2 18,9 2.176,81 1.884,55 2.451,71 Medicina de Grupo 11,7 11,7 14,6 2.824,88 2.720,56 3.000,37 Seguradora Especializada em Saúde 13,0 12,3 16,4 6.963,91 6.012,73 10.535,55 2008 Total 13,2 13,1 16,2 3.480,75 3.397,01 3.700,99 Autogestão 15,3 15,3 - 3.555,78 3.555,78 - Cooperativa Médica 15,7 15,3 19,4 2.686,52 2.594,90 2.888,16 Filantropia 14,5 13,9 17,6 2.421,85 2.153,88 2.711,60 Medicina de Grupo 11,0 10,7 13,8 3.093,92 3.107,10 3.072,36 Seguradora Especializada em Saúde 11,7 10,9 17,3 7.246,68 6.167,27 11.665,24 Fontes: Sistema de Informações de Beneficiários - ANS/MS - 06/2009 e Sistema de Informações de Produtos - ANS/MS - 05/06/09 (1) Inclui internações de beneficiários em planos com tipo de contratação não identificado. O Brasil investe cerca de 8% do PIB no setor de saúde. Nas últimas décadas, esse gasto vem crescendo muito. Isso é bastante significativo quando analisados os investimentos dos países desenvolvidos nesse setor. Nos anos 1960, países como Canadá, França, Suíça, Austrália, Itália e Estados Unidos gastavam cerca de 4-5% do PIBem saúde. No final dos anos 1980, esse custo havia aumentado para 8-9%. Já em 2004, os gastos em saúde dos Estados Unidos eram cerca de U$ 1.7 tri- lhão, ou 15,3% do PIB11. Diante da perspectiva de escassez de recursos em nosso país, vê-se a extrema necessidade de melhorar a eficiência do sistema, diminuindo custos, desperdícios e melhorando a qualidade da assistência. Segundo a Organização Mundial de Saúde (World Health Organization – WHO), alguns descritores de qualidade do cuidado em saúde são: efetividade, eficiência, aceitação/centrado no paciente, equidade e segurança12. Essas características devem nortear as políticas de saúde, sejam elas públicas ou privadas. I. Di re tri ze s Cl ín ic as e a b us ca d a qu al id ad e da a te nç ão n a sa úd e su pl em en ta r 27A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil O grande aumento do número de tecnologias, produzidas e incor- poradas nas últimas duas décadas, tem sido associado à queda na mor- talidade, que se deve também ao aumento do volume de informação produzida a respeito de tecnologias médicas e ao acréscimo no custo da assistência. Isso é especialmente significativo em áreas como medi- cina perinatal e cardiovascular 13,14 . Contudo, ainda existem diversas discrepâncias entre a prática clí- nica e a medicina baseada em evidência, o que pode ser observado em diversos estudos internacionais que não encontraram evidência científica para procedimentos larga e longamente utilizados e outros que mostraram grande variação no uso de tecnologias sem variação no resultado obtido15,16,17,18,19,20,21. Em outros casos, mostrou-se que tecnologias comprovadamente sem efeito, ou com efeito deletério, continuavam sendo amplamente utilizadas, ao passo que aquelas com- provadamente eficazes apresentavam baixa utilização22. Outra questão bastante frequente é a utilização de tecnologias fora das condições nas quais se mostraram eficazes 23,24. Há anos os médicos vêm utilizando ferramentas para nortear a prática clínica, entre elas se encontram os guidelines, definidos como “afirmações sistematicamente desenvolvidas para subsidiar as decisões do médico e do paciente acerca do cuidado de saúde apropriado para circunstâncias clínicas específicas”. Essa definição ratifica seu papel em apoiar decisões clínicas para pacientes individuais, embora também atue como instrumento para avaliar e assegurar a qualidade da atenção e como guia para alocação de recursos, por exemplo, para decisões sobre cobertura 25. Seus objetivos principais seriam melhorar a qualidade e o resultado do cuidado prestado ao paciente, sintetizar os achados das pesquisas de forma a fundamentar as decisões clínicas, reduzir a varia- ção de condutas na prática clínica, identificar lapsos de conhecimento e priorizar atividades de pesquisa 26,27. Por isso, durante as últimas décadas, ocorreu um grande movimento de produção dessas guias. Em uma revisão sistemática de 87 estudos sobre o uso dos guide- lines, concluiu-se que em 81 deles havia evidências de melhora do atendimento dos pacientes 28. Há hoje um consenso, em âmbito internacional, de que a imple- mentação de diretrizes para a prevenção, diagnóstico, tratamento e reabilitação de doenças, definidas a partir das melhores evidências científicas disponíveis, acerca da eficácia e efetividade de interven- ções, produz melhores resultados na população assistida do que a sua não utilização 29,30. Dessa forma, inúmeras organizações, em diversos I. Di re tri ze s Cl ín ic as e a b us ca d a qu al id ad e da a te nç ão n a sa úd e su pl em en ta r 28 A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil países do mundo, têm se dedicado à sistematização de diretrizes para a assistência à saúde. Merecem destaque algumas agências governamen- tais que, atuando isoladamente ou em conjunto com sociedades pro- fissionais, instituições acadêmicas e organizações não governamentais desempenham um importante papel nesse contexto. Com menor nível de independência de interesses, listam-se ainda organizações privadas, entre as quais as próprias operadoras de planos de saúde. 3. O convênio entre a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Federal de Medicina (CFM). Alguns anos após a edição da Lei nº 9.656 e Lei nº 9.961, a ANS ganhou experiência, adquiriu cada vez mais conhecimento sobre o setor regulado e trouxe para a discussão a demanda pela melhoria da qualidade da assistência. A partir desse novo paradigma, iniciou-se um processo de avaliação técnica, visando identificar algumas dificuldades e estabelecer soluções para que o objetivo principal fosse alcançado. No Brasil, a maioria das diretrizes clínicas, sejam elas formalizadas ou não em protocolos, tratam de questões ou tecnologias assistenciais e são definidas a partir de consensos e opiniões de especialistas e/ou conformações à pressão de determinados grupos de interesse, caracte- rizando-se, assim, pela ausência de método para sua definição. Embora no setor suplementar de saúde diversas operadoras de planos e prestadores de serviços já venham produzindo protocolos clínicos, as metodologias utilizadas são muito variáveis, seja do ponto de vista da pesquisa e avaliação das evidências, seja da validação, formatação ou mesmo da utilização das diretrizes. Ao editar o novo Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde (RN nº 167/08), a ANS introduziu protocolos de utilização para procedimentos específicos. Esses protocolos tinham como foco principal coibir o mau uso de algumas tecnologias, imputando obrigatoriedade de cobertura apenas nos casos em que houvesse indicação prevista em Lei (como é o caso da indicação da laqueadura tubária), portarias governamentais ou diretrizes clínicas já produzidas. Devido à sua simplicidade, a aplicação desses protocolos pelas auditorias médicas realizadas pelas operadoras foi muito bem aceita. Contudo, apesar de terem sido o primeiro passo para a melhoria da I. Di re tri ze s Cl ín ic as e a b us ca d a qu al id ad e da a te nç ão n a sa úd e su pl em en ta r 29A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil qualidade assistencial no setor e para a utilização racional dos recur- sos, tais protocolos tratavam de aspectos pontuais dentro da cobertura obrigatória de determinadas tecnologias e não respondiam satisfa- toriamente à demanda por qualificação da assistência prestada aos beneficiários de planos de saúde. Sob este pano de fundo, verificou-se a necessidade de elaboração de diretrizes que, por sua abrangência, impactassem positivamente os indi- cadores de saúde dos usuários de planos de saúde e visassem não somente à indicação correta da utilização de determinadas tecnologias em saúde, mas fornecessem parâmetros clínicos para o tratamento, a reabilitação e o diagnóstico das principais patologias que acometem esta população. O desenvolvimento do projeto que aqui apresentamos inclui a ela- boração e implementação na prática clínica de diretrizes e protocolos baseados em evidências científicas de qualidade, dentro de um modelo que auxilie a tomada de decisão clínica e o cuidado aos pacientes, e que contemple os temas relacionados aos principais problemas de saúde que afetam a população atendida pelos planos de saúde no país. Através da análise de estudos internacionais, identificaram-se alguns fatores facilitadores do uso de diretrizes clínicas, entre eles o fato de sua aplicação ser mais bem sucedida em áreas específicas da atenção médica, tais como a cardiologia, a oncologia e a oftalmologia. Ademais, verificou-se a necessidade de as diretrizes clínicas serem atu- ais, simples, precisas, não controversase não demandarem mudanças importantes na prática cotidiana 31,32. Por fim, devem ser desenvolvidas ou endossadas por organizações profissionais e por médicos reconhe- cidos como líderes nas áreas em foco 33. Com o respaldo desta análise da bibliografia, foram iniciados os primeiros contatos com a Associação Médica Brasileira (AMB) e o Conselho Federal de Medicina (CFM), com o objetivo de discutir a necessidade de se estabelecer critérios baseados em evidências cientí- ficas para utilização de determinadas tecnologias e o tratamento das patologias mais prevalentes entre os usuários de planos de saúde. O reconhecimento da importância do tema culminou na assinatura de um convênio entre a ANS e as entidades anteriormente citadas com vistas à elaboração de diretrizes para a assistência prestada no âmbito do setor suplementar de saúde, com duração de 18 meses. A escolha de tais entidades como parceiras no projeto deu-se devido à legitimidade e prestígio que possuem e à penetração junto à classe médica, essencial para que as diretrizes elaboradas fossem adotadas e disseminadas e os resultados fossem alcançados. Em relação à AMB, I. Di re tri ze s Cl ín ic as e a b us ca d a qu al id ad e da a te nç ão n a sa úd e su pl em en ta r 30 A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil ainda é digna de nota a experiência técnica prévia na elaboração de diretrizes clínicas. Observa-se na literatura algumas premissas que indicam a qualidade de uma diretriz clínica, entre elas, a clareza de linguagem e nas recomenda- ções, reprodutibilidade, aplicabilidade clínica, flexibilidade, transparência no que se refere aos elaboradores e aos métodos utilizados 34. Dessa forma, tentou-se respeitar essas características durante todo o processo. Para a otimização dos recursos, do tempo empenhado no projeto e a eficiência em relação aos resultados, todas as etapas de implementação do projeto foram previamente definidas, assim como as metas a elas relacionadas ( figura 1) A partir daí, ANS, AMB e CFM passaram a concentrar esforços na sen- sibilização das sociedades médicas e operadoras de planos de saúde em relação à relevância do projeto, a partir da realização de diversas oficinas. Neste processo integrado em busca da melhoria da qualidade assistencial do setor, as sociedades médicas passaram a ter um papel fundamental e tornaram-se as responsáveis pela elaboração das dire- trizes. Um grupo de revisores treinados pela AMB é o responsável pela validação técnica e um grupo de técnicos da ANS faz a validação da implementação e monitoramento. A implementação deve ser feita através da divulgação, seminários em congressos, entre outras ações. Todo o processo será monitorado, com indicadores previamente definidos. Figura 1 - Fluxograma das etapas do Projeto diretrizes. Definição das Prioridades Construção da Metodologia Sensibilização / Apoio / Discussão do Projeto com as Sociedades Médicas e Grupo de Operadoras (GETEC) Produção de Diretrizes pelas Sociedades (com metodologia científica, formato, temas prioritários) Validação Técnica pelo Grupo Técnico da AMB (metodologia científica, formato, temas prioritários) Validação da Implementação e Monitoramento (ANS) Implementação para o Sistema de Saúde Suplementar Seminários/Divulgação (indicadores de monitoramento) Monitoramento e Implementação I. Di re tri ze s Cl ín ic as e a b us ca d a qu al id ad e da a te nç ão n a sa úd e su pl em en ta r 31A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil 4. Priorização de temas para as diretrizes Após a assinatura do convênio, o primeiro passo foi o estabele- cimento de temas prioritários para os quais seriam desenvolvidas as diretrizes clínicas. Nessa etapa, foi crucial a participação dos repre- sentantes dos diversos setores envolvidos, que encaminharam suas sugestões referentes à utilização de tecnologias no tratamento/diag- nóstico de patologias. Também foram realizadas diversas oficinas com representantes de operadoras, sociedades médicas, técnicos da ANS e da AMB para estabelecer os temas. Algumas estratégias foram utilizadas com o objetivo de conhecer essas demandas. As diretrizes têm como foco principal a doença e o paciente. Durante o processo, observou-se que cada grupo tinha inte- resses específicos e, principalmente para as operadoras, a demanda era baseada no procedimento e não na patologia em que determinado procedimento seria empregado. Assim, inicialmente, foi solicitado que esses representantes enca- minhassem suas demandas em forma de tópicos prioritários. Como os tópicos referiam-se a tecnologias que poderiam ser utilizadas em diversas patologias, optou-se por alterar a estratégia e solicitar que fossem enviadas perguntas, de tal forma que a tecnologia selecionada fosse atrelada a determinada doença. Essa metodologia mostrou-se extremamente interessante, uma vez que, dessa forma, foi possível identificar com maior precisão qual era a demanda desses atores. Posteriormente, os temas encaminhados foram agrupados e adicio- nados àqueles já identificados pela ANS, provenientes dos questiona- mentos encaminhados por diversos atores e da consulta pública feita durante a última revisão do rol de procedimentos. A priorização dos temas, ainda que adequada às peculiaridades do setor suplementar, obedeceu aos seguintes critérios, adotados pelo Ministério da Saúde (MS) e por agências internacionais de avaliação de tecnologias em saúde: 1. Relevância epidemiológica e importância clínica, com vistas a priorizar patologias mais prevalentes na população-alvo. 2. Complexidade do tema e diversidade de condutas, avaliando de que forma as decisões tomadas na prática clínica são divergentes entre si ou em relação às evidências encontradas na literatura. 3. Impacto na eficiência do sistema, isto é, qual o potencial que a diretriz tem em reduzir os custos desnecessários e possibilitar a apli- I. Di re tri ze s Cl ín ic as e a b us ca d a qu al id ad e da a te nç ão n a sa úd e su pl em en ta r 32 A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil cação de recursos em práticas realmente efetivas, melhorando a quali- dade da assistência e ampliando o acesso ao sistema. 4. Relevância na Saúde Suplementar/políticas de saúde do MS, ou seja, de que maneira o tema encaminhado foi demandado entre os atores e como se relaciona com as políticas de saúde parametrizadas pelo Mistério da Saúde. 5. Fase do conhecimento, isto é, se há ou não disponibilidade de evidência científica sobre a questão a ser desenvolvida. 6. Viabilidade de implementação, isto é, quais são as barreiras à implementação da diretriz (custo de aplicação, necessidade de altera- ção da estrutura do sistema, aceitabilidade das recomendações pelos usuários, viabilidade de aplicação na prática clínica e possíveis confli- tos de interesses) Neste processo, foram escolhidos 80 temas ordenados de acordo com os critérios estabelecidos. Os temas são pequenos tópicos de inte- resse dentro de determinada patologia ou síndrome. Eventualmente, foi priorizado um tema que contemple o diagnóstico de determinada doença e não seu tratamento, por aquele merecer maior atenção segundo os critérios determinados. 5. Metodologia A metodologia foi construída pela Associação Médica Brasileira e aperfeiçoada visando à sua utilização pelas sociedades médicas. Tentou-se desenvolver uma metodologia simplificada, de fácil aplica- ção e entendimento. Após o treinamento dos médicos com experiência na prática clínica, representantes da sociedade de especialidade, esses profissionais iniciaram o processo de busca de evidência. A grande vantagem desse tipo de estratégia é a possibilidadede disseminação entre os profissionais, para que sejam capazes de desen- volver diretrizes baseadas em evidência de qualidade e de forma siste- mática. A meta principal é a multiplicação do conhecimento para que o processo de desenvolvimento de diretrizes baseadas em evidência tenha continuidade e se perpetue, não necessitando mais de gran- des investimentos financeiros, onde a própria sociedade demande a necessidade de um processo contínuo de produção e implementação de diretrizes clínicas. I. Di re tri ze s Cl ín ic as e a b us ca d a qu al id ad e da a te nç ão n a sa úd e su pl em en ta r 33A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil Outra grande contribuição dessa metodologia é a uniformização da busca de evidência. Dessa forma, as diversas sociedades de especiali- dades utilizarão o mesmo método de produção de diretrizes clínicas, o que permitirá minimizar as distorções que ocorrem quando cada diretriz é produzida utilizando uma metodologia diferente. 6. Sensibilização, busca de apoio e discussão do projeto. A implementação de diretrizes é um processo complicado, durante o qual diversas barreiras se impõem. A administração dos interesses envolvidos, a desconfiança da classe médica e a adaptação do sistema dependem de grande empenho dos interessados na sua implementação. Por isso, as entidades envolvidas passaram a concentrar esforços na sensibilização das sociedades médicas e operadoras de planos de saúde em relação à relevância do projeto. Foram realizadas diversas reuniões com as sociedades de especiali- dades médicas para esclarecer os objetivos e as metas a serem alcan- çadas. Um temor importante desses atores era a influência na prática médica. O grande receio era que, uma vez que fossem implementa- dos protocolos clínicos, o médico não poderia mais avaliar a melhor conduta respeitando as características específicas de cada paciente. A superação desse obstáculo demandou grande discussão, visando escla- recer que as diretrizes clínicas, de forma alguma, engessam a prática médica. Ao contrário, são guias que serão utilizadas para a maioria dos pacientes, com evidências consistentes que permitam saber os benefí- cios reais de determinada conduta. Organizou-se um seminário internacional com a presença de repre- sentantes de Portugal, Chile e Colômbia, com o objetivo de conhecer os êxitos e desafios encontrados durante a implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde e buscar, nessas experiências, elementos que auxiliem na construção desse processo no setor suplementar de saúde do Brasil. Esse encontro também foi importante para aprofun- dar a discussão entre operadoras, prestadores de serviços e a agên- cia reguladora sobre a implementação de diretrizes clínicas na saúde suplementar. I. Di re tri ze s Cl ín ic as e a b us ca d a qu al id ad e da a te nç ão n a sa úd e su pl em en ta r 34 A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil 7. Produção de diretrizes clínicas pelas sociedades Entre as principais barreiras para o uso das diretrizes pelos médicos, estão: o desconhecimento de sua existência, a falta de familiaridade com o tema, a falta de concordância e a inércia à mudança de conduta 35. Para minimizar essas barreiras, as sociedades médicas foram as res- ponsáveis pela produção das diretrizes clínicas. No treinamento feito pela AMB, para os representantes indicados por cada sociedade de espe- cialidade, buscou-se a padronização da metodologia que seria aplicada para a busca de evidência, formatação das diretrizes e linguagem a ser utilizada. Para isso, foram realizadas seis oficinas de trabalho com diver- sas sociedades onde estiveram presentes 69 participantes indicados. Alguns temas abordam questões referentes a mais de uma especiali- dade. Dessa forma, a especialidade principal ficou responsável pela pro- dução da diretriz, que após a revisão, foi submetida à análise e à suges- tões das outras sociedades, que puderam fazer suas contribuições. 8. Validação técnica pelo grupo técnico da AMB e validação da implementação e monitoramento Foram selecionados seis revisores com expertise na elaboração e revisão de diretrizes e vasta experiência acadêmica. Esses revisores contratados pela AMB ficaram responsáveis pela validação técnica. Após a produção pelas sociedades de especialidades, foram encami- nhadas para as devidas considerações dos revisores e, posteriormente, devolvidas para as adaptações necessárias. Essa segunda validação foi realizada pelo grupo técnico, constitu- ído por onze técnicos da ANS e seis representantes de operadoras. Ela foi realizada após a entrega das primeiras 20 diretrizes clínicas. O grupo técnico avaliou oito perguntas: 1. O tema da diretriz é relevante para a saúde suplementar? 2. As perguntas formuladas são relevantes? 3. As perguntas estão redigidas de forma adequada? 4. Existem perguntas relevantes que não foram contempladas? 5. As respostas são claras? I. Di re tri ze s Cl ín ic as e a b us ca d a qu al id ad e da a te nç ão n a sa úd e su pl em en ta r 35A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil 6. Existem repostas controversas? 7. A recomendação responde claramente à pergunta? 8. A recomendação é implementável? Através da consolidação das respostas, observou-se a necessidade de algumas adequações, tais como a explicitação da recomendação, maior clareza e especificidade de algumas recomendações e aborda- gem de alguns detalhes relevantes dentro de determinadas diretrizes. 9. Implementação para o sistema de saúde suplementar Um estudo nacional sobre a percepção de gestores de operadoras de planos de saúde sobre a utilização de diretrizes na saúde suplementar mostrou o perfil de utilização de diretrizes nas operadoras de planos de saúde, permitindo a sistematização dos tipos, fontes, nível de funda- mentação da evidência científica e a identificação dos desafios e estra- tégias para a sua implementação. Em apenas 32,3% das operadoras de planos de saúde e 51,6% dos hospitais prestadores no país, os gestores relataram o uso de diretrizes, havendo variação entre regiões e entre segmentos do mercado. As operadoras do segmento filantrópico (6,5%) e das seguradoras (7,7%) tiveram a menor taxa de utilização 36. Nessa mesma perspectiva, foram realizadas entrevistas com pro- fissionais de alguns centros médicos internacionais, com o intuito de avaliar as diferenças nos serviços de auditoria e de feedback em locais com alta e baixa aderência a seis guidelines. Constatou-se que em ins- tituições de alto desempenho, as atividades da auditoria caracteriza- vam-se pela oportunidade, individualização, pelo caráter não punitivo e capacidade de adaptação a cada paciente 37. Outros estudos indicam a maior efetividade de estratégias de disse- minação ativa de guidelines, calcadas em intervenções multifacetadas, incluindo a auditoria e feedback, consensos locais ou propaganda, e encontros educacionais interativos, ou ainda outras práticas de gestão da clínica, tais como a gestão do caso 38. No contexto da saúde suplementar no Brasil, algumas metas foram traçadas para propiciar o adequado uso das diretrizes. Nesse sentido, serão realizadas cinco oficinas de trabalho regionalizadas, com foco no treinamento dos profissionais de saúde responsáveis pela assis- I. Di re tri ze s Cl ín ic as e a b us ca d a qu al id ad e da a te nç ão n a sa úd e su pl em en ta r 36 A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil tência e objetivando a divulgação da metodologia, a abordagem de fatores que podem dificultar a implementação e abusca de soluções para os possíveis problemas. Outras cinco oficinas serão voltadas para monitorização e avaliação da utilização das diretrizes, identificando as dificuldades encontradas para aperfeiçoamento do processo. Também será instituído um programa piloto de implementação de diretrizes, com aplicação de questionário voltado aos profissionais de saúde antes e após o início do processo, com escolha de indicadores específicos para avaliar a adesão dos profissionais à utilização das diretrizes e seu impacto na qualificação da assistência. Em paralelo às ações citadas, serão ministrados 12 cursos pré-con- gressos em todo o Brasil para que a classe médica se familiarize com os conceitos da medicina baseada em evidências e com a metodologia utilizada na produção das diretrizes. Por fim, para uma ampla divulgação do conteúdo das diretrizes pelo público em geral, será desenvolvida página na web contendo ferramenta de pesquisa por palavras-chave que permitirá acesso fácil aos conteúdos referentes a diversas patologias e tecnologias em saúde. Além disso, está prevista a publicação de livretos contendo todas as diretrizes elaboradas, de forma que ocorra a disseminação entre os especialistas que, eventualmente, não participem das oficinas regiona- lizadas anteriormente citadas. 10. Uma proposta inovadora: grandes desafios e expectativas Além de servirem como orientação aos profissionais de saúde, as diretrizes clínicas também são um poderoso instrumento para a gestão e a regulação dos sistemas de saúde, com o potencial de reduzir confli- tos entre prestadores, provedores e recebedores de cuidados, tanto nas esferas administrativa e judicial 34. Constituem-se em importante fer- ramenta para redução de eventos adversos e, portanto, para garantir a segurança do paciente. Podem ainda proporcionar aos pacientes dados de qualidade a respeito de sua saúde ou doença, notadamente em um momento em que existe enorme facilidade de acesso a todo o tipo de informação, seja ela confiável ou não. Esse é o primeiro projeto que reúne entidades com reconhecida legi- timidade perante a sociedade em torno da produção e da implemen- I. Di re tri ze s Cl ín ic as e a b us ca d a qu al id ad e da a te nç ão n a sa úd e su pl em en ta r 37A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil tação de diretrizes clínicas na assistência suplementar à saúde. Ainda que a iniciativa tenha se dado no setor suplementar, o sistema de saúde como um todo se beneficiará com a publicização de tais protocolos, que estarão disponíveis para consulta e pesquisa pelo grande público, por meio de página na web especificamente desenvolvida para esse fim e da distribuição de material impresso entre os profissionais de saúde, muitas vezes atuantes em ambos os sistemas, público e privado. A participação das sociedades médicas na produção de diretrizes, a qualificação dos membros dessas sociedades, a simplificação da metodo- logia buscando a continuidade do processo, também são características que tornam esta uma experiência única no setor de saúde brasileiro. Dessa forma, a avaliação crítica do próprio trabalho e a visão de longo prazo, orientada na busca paulatina, porém sustentável de melhorias nas condições de saúde da população também podem ser citados como pontos críticos de sucesso. 11. Referência 1. CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE (Brasil). O financiamento da saúde. Brasília, DF, 2007a. p. 11. 2. CARVALHO, E. B.; CECÍLIO, L. C. O. A regulamentação do setor de Saúde suplementar no Brasil: a reconstrução de uma história de disputas. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 9, p. 2167-2177, set. 2007. 3. AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (Brasil). O impacto da regulação no setor de saúde suplementar. Brasília, DF, 2001. p. 7-30. 4. WILKEN, P. R. C. Política de saúde no Brasil – O Sistema Único de Saúde (SUS): uma realidade em construção. Rio de Janeiro: H. P. Comunicação, 2005. p. 101-104. 5. CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE (Brasil). Saúde suplementar. Brasília, DF, 2007b. p. 20-35. 6. CARVALHO, E. B.; CECÍLIO, L. C. O. A regulamentação do setor de Saúde suplementar no Brasil: a reconstrução de uma história de disputas. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 9, p. 2167-2177, set. 2007. I. Di re tri ze s Cl ín ic as e a b us ca d a qu al id ad e da a te nç ão n a sa úd e su pl em en ta r 38 A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil 7. AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR (Brasil). Duas faces da mesma moeda: microrregulação e modelos assistenciais na saúde suplementar. Brasília, DF, 2005. p. 23-35. 8. PINTO, L. F.; SORANZ, D. R. Planos privados de assistência à saúde: cobertura populacional no Brasil. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 85-98, 2004. 9. CONSELHO DE SAÚDE SUPLEMENTAR. Resolução CONSU nº 15, de 29 de março de 1999. Disponível em <http://www.ans.gov.br/portal/ site/legislacao/legislacao_integra.asp?id=75&id_original=0>. Acesso em: 23 ago 2009. 10. 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Di re tri ze s Cl ín ic as e a b us ca d a qu al id ad e da a te nç ão n a sa úd e su pl em en ta r 40 A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil 33. MOODY-WILLIAMS, J. D.; KRUG, S.; O’CONNOR, R.; SHOOK, J.E.; ATHEY, J.; HOLLERAN, R. S. Practice guidelines and performance measures in emergency medical services for children. Ann Emerg Med, n. 39, p. 404-412, 2002. 34. FIELD, Marylin; LOHR, Kathleen (Ed.). Guidelines for clinical prac- tice from development to use. Washington, D.C., National Academy Press, 1992. 35. CABANA, M. et al. Why don’t physicians follow clinical practice guidelines. JAMA, n. 282, p. 1458-1465, 1999. 36. PORTELA, M. C.; ESCOSTEGUY, C. C.; LIMA, S. M. L.; FERREIRA, V. M.; VASCONCELLOS, M. T. L.; BRITO, C. Estudo sobre a utilização de diretrizes clínicas no âmbito da saúde suplementar no Brasil: relatório final. Rio de Janeiro: FIOTEC, 2006. 37. HYSONG, S. J.; BEST, R. G.; PUGH, J. 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O termo mais conhecido representativo de diretrizes é guidelines, mas em alguns países de língua espanhola, são denominadas de guias de prática clínica (GPC) ou em Portugal, conhecidas por normas de orientação clínica (NOC). São muitas vezes denominadas impropriamente de protocolos clínicos, que na verdade poderá ser um produto gerado a partir de diretrizes já elaboradas. Podemos defini-las como um conjunto de recomenda- ções estruturadas, submetidas à atualização periódica à luz das evidências científicas disponíveis, a fim de produzir ações de melhor qualidade. Procuram integrar a experiên- cia à melhor evidência clínica externa avaliável, visando o cuidado ao paciente individual. A expressão diretriz relacionada a políticas de prática clí- nica leva-nos a considerar que as decisões ou recomendações deverão ser direcionadas a um grupo de pacientes, ao invés de a um paciente individual. Entretanto, as diretrizes são o caminho para se estender o melhor cuidado dado ao paciente individual, à coletividade, a fim de melhorar a prática clí- nica, atendendo aos conceitos de equidade sustentável. II. D ire tri ze s cl ín ic as b as ea da s em e vid ên ci a 42 A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil 2. Objetivo Há algumas variações de objetivos motivadores da elaboração de diretrizes, os quais podem ou não ter como centro o paciente: 1. Permitir que os resultados da pesquisa clínica sejam mais rapida- mente utilizados e traduzidos para a prática diária; 2. Reduzir a variação da prática clínica no manuseio de situações clínicas semelhantes; 3. Controlar os custos do sistema de saúde; 4. Auditar a prática clínica. 3. Métodos de Elaboração As diretrizes podem ser elaboradas por métodos variados, que con- ferem nível de qualidade também variado: 1. Opinião acrítica: método rápido e barato, mas extremamente suscetível a conflitos pessoais de interesse; 2. Consenso: pode ser informal ou formal. O informal é o mais utilizado, caracterizando-se por ausência de método pré-esta- belecido, por ser sensível à dinâmica do grupo, e por ser deter- minado por convicções. O consenso formal apresenta um plano pré-definido para que as convicções possam ser coletadas de maneira estruturada e organizada; 3. Baseadas em evidências científicas: segue um passo a passo, que pode ser resumido da seguinte forma: dúvida clínica, estru- turação da pergunta, busca da evidência, seleção crítica da evi- dência a ser utilizada para auxiliar a resposta, e utilização de linguagem apropriada que considera a evidência obtida à luz da experiência clínica e dos valores dos pacientes, permitindo a aplicação da resposta obtida para a prática clínica real. O desenvolvimento de diretrizes por consenso foi um método utili- zado no passado, quando então, devido a limitações de acesso e de crítica à evidência científica, essa metodologia tinha seu lugar. Atualmente, a utilização desse método não é justificável, e aspectos de natureza ética podem ser os verdadeiros fatores motivadores de sua utilização, em detrimento à informação científica, ou ausência desta, disponível na II. D ire tri ze s cl ín ic as b as ea da s em e vid ên ci a 43A implementação de diretrizes clínicas na atenção à saúde: experiências internacionais e o caso da saúde suplementar no Brasil atualidade. Explicitamos aqui alguns desses fatores motivadores: 1. Relacionados à liberdade do caráter não explícito da utilização da informação científica no documento final; 2. A possibilidade de, em havendo discordância entre os espe- cialistas sobre a indicação de determinadas condutas, esta seja resolvida através da dominância de um determinado grupo; 3. O recurso da base do fundamento científico utilizado ser vari- ável, podendo ir da opinião acrítica ao ensaio clínico randomi- zado, com o mesmo peso no documento; 4. A presença de fontes de financiamento pessoais ou do grupo, que podem interferir na geração do conteúdo, já que os critérios de seleção da informação científica não são explícitos. 4. História Podemos considerar que o conceito de diretrizes clínicas surgiu nos EUA, com o objetivo inicial de contenção do custo médico e para controlar o gasto geral com a saúde após a introdução dos progra- mas Medicaid e Medicare1. Nessa época, foi identificada também uma grande variação no cuidado aos pacientes, o que marcadamente tra- zia impacto à qualidade, ao custo e à responsabilidade da atenção em saúde. Esse último diagnóstico determinou a formação de grupos encarregados de diferenciar a prática efetiva da não efetiva, procu- rando reduzir a variabilidade profissional (“effectiveness initiative”)2. Foi então criada a “Agency for Health Care Policy and Research – AHCPR”, com a atribuição
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