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1 OS AMBIENTES URBANOS E REGIONAIS E SUA EVOLUÇÃO WITOLD ZMITROWICZ OS AMBIENTES E SUAS INTERLIGAÇÕES Ambientes em evolução Costumamos chamar de meio-ambiente o espaço que envolve seres vivos. Os seres vivos interagem com a matéria e a energia existentes nesse espaço, e recebem informações desse espaço, em função das suas expectativas e necessidades. Portanto, o meio ambiente não é imutável nem estático. Os seus componentes são consumidos e novos componentes são nele injetados. Formam-se fluxos de matéria e energia entre ele e os seres nele inseridos, e também entre ele e outros espaços que com ele se comunicam por contato direto ou através de canais que possibilitam a transmissão de fluxos. Para todo ser vivo o mundo que o cerca tem uma conformação e um sentido próprios, em contínua transformação, que ele concebe em função das informações através das quais ele se inter-relaciona com o meio ambiente. Os seres vivos interferem nos fluxos conforme o seu modo de interpretar o mundo a partir das diferentes informações recebidas, as quais formam fluxos sempre provenientes do passado. Similarmente aos outros seres vivos, a partir da sua interpretação do mundo, e das informações dele recebidas, os seres humanos procuram nele se manter. Para tanto, eles precisam: a) saber quais os fluxos úteis e garantir a sua ocorrência oportuna; b) saber quais os fluxos prejudiciais, desviando-os, interrompendo ou reduzindo nos períodos adequados. Diversa é a importância dada por diferentes indivíduos aos vários fluxos, e cada um pretende ter algum controle sobre a sua intensidade, direção, velocidade e periodicidade. Nas áreas urbanas vemos a maior parte dos usos estabelecidos em espaços tridimensionais fechados, com controles de acesso, subdivididos em cômodos com ambientes adaptados especificamente para cada uso. Nas áreas rurais os ambientes se tornam abertos e os controles de acesso se reduzem. Se nas cidades a sobrevivência dos indivíduos pressupõe o funcionamento de complexos sistemas artificiais de produção e distribuição, no campo os indivíduos procuram aproveitar os recursos que encontram nos fluxos existentes nos ambientes naturais e que na sua maior parte atravessam livremente as suas áreas de produção. Cada indivíduo é por natureza um consumidor de produtos e serviços que, ao menos parcialmente, ele mesmo procura produzir ou obter a partir do meio ambiente. Ele pode se apoiar em outros membros do seu grupo familiar segundo uma divisão de funções. Dentro da sua habitação se processam atividades para satisfazer as demandas. Mas a maior parte dos instrumentos e ingredientes, bem como os insumos básicos para a produção interna provêm de fora. Embora para o indivíduo a 2 sua casa tenha funções de produção e de consumo, em relação à cidade os locais de moradia normalmente representam o papel de consumidores (produzindo somente esgoto e lixo!). Na escala maior, da cidade e da região, outras áreas tomam o papel de produtores e distribuidores de produtos e serviços básicos. O consumo e a produção constituem fenômenos de transformação de matéria e energia que necessitam de ambientes propícios, específicos para permitir o seu processamento satisfatório. Quando surgem fluxos prejudiciais a estes ambientes, barreiras ou filtros são estabelecidos contra eles, de forma a proteger os ambientes que envolvem as atividades. Ou são construídos canais para permitir o seu escoamento mais rápido para fora do ambiente. Quando úteis, matéria, energia e informações são consumidos, ou armazenados para consumo futuro, em espaços fechados, podendo formar ambientes que permitem o seu consumo gradativo. As atividades humanas no território geográfico pressupõem a chegada de insumos e saída de produtos. Os ambientes propícios aos diversos usos, além de devidamente protegidos contra fatores externos que os possam prejudicar, devem ser alimentados e drenados por canais devidamente dimensionados. Os seres vivos convivem e se aproveitam das ações e das transformações efetuadas por outros seres vivos, e precisam se precaver contra as ações de muitos deles. Assim, eles procuram ambientes em que existam elementos adequados para a sua vida, e nos quais estejam segregados seres que lhes sejam úteis, e onde seja difícil o acesso a seres que lhes sejam prejudiciais. Mesmo dentro de sua própria espécie, os seres têm amigos e inimigos, reais ou não, muitas vezes essa classificação resultando de preconceitos advindos da forma de interpretação das informações recebidas. Deve haver ambientes adequados na cidade para garantir atividades de interesse para todos. Fortificações, zoneamentos, serviços de segurança, transportes, vias públicas, infra-estruturas, são exemplos de barreiras para proteger os ambientes e de canais para facilitar os fluxos em escala urbana. Os seres se adaptam a esses ambientes em contínua transformação, e por sua vez procuram adaptá-los ao que consideram suas necessidades e conveniências, nas várias escalas em que podem neles interferir. Existe, portanto, uma gradação, desde ambientes “rurais” até os "urbanos", e desde os ambientes "externos", até os "internos" aos imóveis, onde eles são progressivamente adaptados às atividades características das grandes aglomerações. Se nos ambientes internos as barreiras são extremamente importantes, formando ambientes fechados, aonde os fluxos que chegam ou saem por canais ficam confinados, nos ambientes externos os fluxos se deslocam mais por espaços naturais, reduzindo-se a importância dos canais artificiais e das barreiras, que diminuem substancialmente. Há elementos que atuam como filtros, ao constituir barreiras só para determinados tipos de fluxo, mas não a outros. Pedestres conseguem atravessar espaços inacessíveis a veículos. A própria sinalização de trânsito pode impedir, por exemplo, o tráfego de caminhões. Highlight 3 Há barreiras que não são implantadas com essa intenção. Estradas de ferro, rodovias, grandes avenidas, são canais de deslocamento de veículos em determinada direção, mas ao mesmo tempo, dependendo da intensidade e velocidade do tráfego, podem criar dificuldades para a sua travessia, constituindo barreiras a separar bairros inteiros. Os conceitos de canais e de barreiras podem, assim, se aplicar aos mesmos elementos físicos, os quais têm uma função ou outra dependendo do momento e da direção que se pretende imprimir ao fluxo. E a função de barreira não é devida às vezes à conformação física do canal, mas às condições do próprio fluxo que por ele passa. Pelo que foi visto, a estrutura territorial poderia ser conceituada como o conjunto de barreiras e canais que permitem a formação de ambientes onde podem se desenvolver as atividades humanas. Mas a noção de barreira é relativa, podendo ser impermeável a um tipo de elementos e permeável a outros. Os próprios fluxos podem desempenhar o papel de barreiras uns a outros. E, certamente, para o exercício das atividades, os fluxos é que são os elementos essenciais, a serem barrados, encaminhados ou protegidos. Os fluxos e o seu controle Na cidade tudo se transforma ou se desloca ao longo do tempo, mas as velocidades apresentam uma gama muito diversificada, desde as radiações até os fluidos deslocados através dos encanamentos. O crescimento das árvores nos parques e ruas arborizadas e as transformações de usos e o avanço da urbanização podem nos parecer lentos. Mas é importante levá-los em conta no planejamento urbano. Nos sistemas terrestres, a principal fonte de energia externa é a luz solar. Esse fluxo contínuo de energia em forma de radiações eletromagnéticas, em parte é transformado em calor e dá origem, nas camadas superficiais do planeta, a fluxos de matéria, pois energia pode ser armazenada em forma mecânica ou química, formando estoques intermediários. Os ecossistemas são constituídos pelos conjuntos de elementos que passam por transformações contínuas utilizandoos fluxos energéticos existentes. O fluxo recebido e o fluxo de dispersão se mantêm aproximadamente constantes e interligados por fluxos circulatórios internos com transformações sucessivas em que os seres vivos desempenham papel relevante (BRANCO, 1989) Dentro dos sistemas ecológicos do planeta, os seres vivos procuram modificar a ordem encontrada, ou seja, os fluxos de matéria e energia existentes, de forma a poder deles tirar o melhor proveito. Nos sistemas urbano-rurais que contêm as atividades humanas, são utilizados os fluxos de energia e matéria acessíveis, cujo processamento os retira do seu encaminhamento natural, provocando o seu descarte em outros pontos do território. E cada atividade recebe e emite, além de fluxos de matéria e energia, também os fluxos de informações e de pessoas. 4 Uma transformação pode ser natural ou provocada artificialmente pelos seres vivos, aplicando tecnologia disponível e quantidades adequadas de certos tipos de informação, matéria e energia. Todos estes fluxos têm de ser dirigidos para determinados espaços onde possam interagir. A interação constitui a essência daquilo que denominamos de "atividades". Um "ambiente" seria basicamente constituído por um espaço onde haja disponibilidade de determinados fluxos, necessários à "atividade", e indisponibilidade de outros, a ela prejudiciais. Por outro lado, as atividades podem envolver fluxos de pessoas, que se deslocam em função de papéis que assumem na produção ou no consumo. Surge-nos assim uma imagem de estrutura urbana constituída de espaços contendo um sem-número de interferências de fluxos que se entrecruzam, e que são passíveis de serem aperfeiçoados através da introdução de novas tecnologias. Na realidade não seria uma única estrutura, e sim um grande número de estruturas interconectadas. E esse sistema, além de extremamente complexo é também extremamente dinâmico, pois não depende de um comando único e racional, a ser acionado de forma tecnicamente coerente e cientificamente adequado, mas de um número vastíssimo de decisores parciais, que, se de um lado, proporcionam-lhe grande criatividade e variedade no desenvolvimento, de outro, podem em determinados momentos colocá-lo à beira do caos. Ritmos, oscilações, movimentos cíclicos, são características importantes nos fluxos, devido à sua eventual previsibilidade, que facilita o seu aproveitamento ou a prevenção contra a sua ação, possibilita automatizações e diminui a necessidade de ações conscientes. No caso dos fluxos de seres humanos, tão importantes como as estruturas físicas são as estruturas não-físicas, criadas nas mentes dos indivíduos e às quais eles se subordinam, seja por razões inatas, hereditárias, ou adquiridas no convívio com o ambiente natural ou com a própria sociedade formada por seus semelhantes. Além dos controles físicos, podemos ter outros, não-físicos: zoneamento, limites de propriedade, limites administrativos, limites legais, pois o comportamento dos seres vivos é influenciado também pelos seus sistemas de interpretação e pelos sinais por eles recebidos. O controle do tráfego nas vias se processa através de mensagens encaminhadas aos motoristas. O controle de uso de imóveis através da legislação dirigida a proprietários e construtores. Valores monetários variam em função das expectativas de que as pessoas se imbuem quanto às possibilidades de seu uso. Fluxos de informações formam mundos não físicos, em que determinadas mensagens podem inibir ou direcionar decisões ou ordens dos seres humanos, fazendo com que certas atividades não aconteçam em espaços físicos delimitados por linhas correspondentes a traçados abstratos, ao serem enquadradas em classes ou categorias criadas ou aceitas por nossas mentes. Embora eventualmente, em determinadas situações elas possam não ser aceitas por determinados indivíduos, deixando então de exercer o seu papel controlador. Surge-nos então uma visão de estrutura parcialmente controlada por seres vivos, e formada por espaços orientados, através dos quais diversos elementos podem se deslocar mais rápida ou vagarosamente em determinadas direções seja em função 5 de razões físicas, seja de custo, ou outros tipos de atritos, dificuldades ou até impedimentos, que são diferentes para cada tipo de elemento considerado. Todas essas estruturas são transformadas ao longo do tempo pela ação daqueles que compõem a sociedade e que se influenciam uns aos outros, modificando a sua forma de proceder e de enfocar a realidade. Físicas ou não-físicas, elas formam os pontos de apoio e de direcionamento do desenvolvimento das atividades, e vão moldando os principais traços da presença humana no território. As rotinas e a importância das suas variações O mundo em contínua transformação apresenta ao longo do tempo semelhanças periódicas. Desde estações do ano, dias e noites, até mudanças de temperatura, deslocamentos de ar e de água, todas elas são ligadas a movimentos cíclicos, seja do planeta seja de suas partículas, decorrentes da interação dos fluxos de energia e matéria. Assim, os seres vivos não se estruturam apenas espacialmente, para fazer frente à variação do meio externo. Eles se estruturam também no tempo, através de ritmos que imprimem à sucessão das suas ações, de forma a melhor adaptá-las às mudanças ambientais. Grupos de indivíduos dentro de um território costumam apresentar regularidades nas suas ações ao longo do tempo. As rotinas individuais são reforçadas pelo relacionamento e comunicação entre os indivíduos, criando sincronismos entre muitas das suas atividades. Muitos deslocamentos e comunicações acontecem de forma quase coincidente no tempo ou se sucedem uns aos outros. E a sobreposição de rotinas individuais forma movimentos cíclicos coletivos, que determinam o surgimento de fluxos direcionados e periódicos, cuja localização oferece oportunidades a serem aproveitadas por outras atividades, que assim se vêem inter- relacionadas umas às outras, numa ordem diacrônica. Portanto, as ações individuais ou coletivas são exercidas em boa parte de forma repetitiva, constituindo atividades periódicas dentro dos espaços territoriais. O fenômeno da repetitividade das ações humanas, segundo BIENKOWSKI (1966), é condição para o funcionamento de um grupo como sistema organizado, capaz da execução de ações com objetivos pré-estabelecidos, e leva à petrificação das formas de ação social. Evidentemente também os fluxos correspondentes apresentam variações e descontinuidades que costumam se repetir com certa regularidade. Graças a esses processos torna-se possível a regularidade na formação e funcionamento das estruturas, tanto sociais como físicas. (KOLIPINSKI, 1978). Nas suas habitações, os indivíduos costumam seguir rotinas diárias, semanais e sazonais. Há um ritmo de utilização dos cômodos e dos equipamentos, da limpeza, da manutenção, dos deslocamentos. O mesmo acontece com a produção, o comércio e os serviços, as atividades religiosas e as recreativas, às vezes seguindo tradições existentes, outras vezes obedecendo a normas legais e administrativas. E também com todas as atividades e fluxos conseqüentes - deslocamentos de 6 pessoas, cargas, energia, informações. Os ritmos dos fluxos, que se intermeiam uns aos outros, permitem o melhor aproveitamento dos próprios fluxos (que se interligam entre si por períodos alternativos) e das suas estruturas, (como no caso de cruzamento de vias, bifurcações de linhas de transportes coletivos, reutilizações de equipamentos sociais e comerciais); facilitam a operação e a manutenção. As estruturas podem ser dimensionadas em conformidade aos fluxos; e podem também ser criadas normas e regulamentos para reduzir extravasamentos e congestionamentos. Pois problemas eventualmente surgidos no escoamento dos fluxos perturbam o ritmo de atividades da cidade, ao criar descompassos nas suas rotinas. As rotinas, ou seja, a repetição de movimentosem seqüências similares ao longo de períodos similares de tempo, são as formas de as sociedades se adaptarem às mudanças cíclicas ocorrentes no seu entorno e enfrentarem as complexidades das suas organizações. Bibliografia BASTIDE, R.. (coordenador). Usos e sentidos do termo “Estrutura” nas ciências humanas e sociais. Editora Herder - EDUSP, São Paulo, 1971. COSTA, N. C. A. da. “O Conceito de Estrutura em Ciência”, in: Boletim da Sociedade Paranaense de Matemática. 2a série. V.8, 1987. FOLEY, D.L.. Estructura espacial metropolitana: un método de análisis, in: WEBBER, M.M. et al. Indagaciones sobre la Estructura Urbana. Barcelona, Gustavo Gili, 1974. PERROUX, F.. Pour un approfondissement de la notion de structure. Paris, Mélanges Witmeur, 1939. PIAGET, J. O estruturalismo. São Paulo: Difel, 1974. RAMOZZI-CHIAROTTINO, Z.. Piaget: Modelo e Estrutura. Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1972. RAMOZZI-CHIAROTTINO, Zélia. Psicologia e epistemologia genética de Jean Piaget. São Paulo, Editora Pedagógica e Universitária Ltda., 1988. ZMITROWICZ, W.. A Estruturação da Cidade pelas Rotinas Urbanas. Tese (Livre- Docência). São Paulo, EPUSP, 1997. ZMITROWICZ, W.. Estruturação Urbana: Conceito e Processo. Boletim Técnico da Escola Politécnica da USP, São Paulo, EPUSP, 1998. 7 O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO Introdução Os seres humanos, para a sua subsistência, sempre retiraram matéria e energia, e utilizaram informações colhidas do meio ambiente. No início podia ser uma simples coleta de elementos vegetais, depois a caça e a pesca. Mas, à medida que a velocidade da reposição natural foi-se tornando insuficiente para compensar a destruição dos elementos consumidos, o “homo sapiens” passou a criar ambientes para facilitar e acelerar a sua reprodução. A agricultura e a criação de rebanhos ensejaram a especialização de funções e o início de diversas atividades correlatas e intermediárias que foram se tornando cada vez mais importantes dentro do sistema de funcionamento da sociedade. Além da produção, havia necessidade de troca, de organização e de previsões em relação a situações futuras. Territorialmente, os ambientes para a produção eram fixados em função das condições favoráveis dos solos e do clima; para as outras funções eram importantes a facilidade de informação, comunicação, transporte e deslocamento, além de ambiente de segurança para todos os participantes. Os caminhos, que são criados em função dos deslocamentos periódicos dos indivíduos ao longo de traçados que permitem a sua efetuação mais fácil, constituem faixas privilegiadas em relação ao restante do território, tanto em termos de transporte como de comunicação e informação. E as vantagens locacionais se multiplicam nos cruzamentos dos caminhos e pontos de transferência entre diversos modos de transporte. É nessas áreas que acabam se concentrando as atividades que não dependem diretamente da fertilidade ou da riqueza do solo ou de questões climáticas, e que facilitam a vida dos indivíduos pelo intercâmbio que possibilitam. Contatos humanos assumem localmente importância maior que os contatos com a natureza. A troca de idéias e de conhecimentos, a procura do prestígio e a concorrência permitem o desenvolvimento de novas técnicas e maior eficiência nas atividades. Formam-se então sociedades com maior diversificação de recursos, o que lhes dá maior probabilidade de sobrevivência diante das mudanças bruscas do meio externo. Chamamos de rurais aqueles territórios em que são retirados da natureza os elementos necessários para o consumidor humano. Neles encontramos usos agrícolas/hortifrutigranjeiros, de indústria extrativa e pecuária. E chamamos de urbanas as áreas onde as atividades apenas se assentam sobre o solo, que constitui um elemento de construção dos espaços que as abrigam, e se interligam umas às outras através de complexos sistemas de vias, cabos, dutos e canais. Sistemas que se estendem às regiões rurais, pois estas formam, junto com as áreas urbanas um único todo, que deve funcionar com certa harmonia para permitir a sobrevivência das populações. A forma mais abstrata de se conceber a cidade em operação seria como o conjunto de espaços contendo inter-relacionamentos de fluxos de matéria, energia, informações e pessoas. Nas áreas urbanas, eles são manipulados ou produzidos pelos moradores, e influem uns nos outros de forma intensa, se entrecruzam e se transformam. 8 Do ponto de vista dos habitantes, esses inter-relacionamentos de fluxos são simplesmente as atividades exercidas nos ambientes urbanos, internos ou externos. Atividades urbanas normalmente não se deslocam, mas se processam no espaço, subdividido física e não fisicamente, em ambientes adequados, formando os usos do solo, cujo conjunto se propaga ou se reduz, evoluindo à medida que é produzido, atraído ou afastado por certos elementos, e é contido por outros. A proximidade de sistemas de transporte ou a possibilidade de sua implantação, as infra-estruturas e sistemas viários regionais, o zoneamento, e mesmo a localização de certas atividades específicas podem ser elementos condicionadores da evolução espacial dos usos urbanos. Urbanização e Ruralização Durante milênios a população viveu na maior parte em regiões rurais, onde era intensa a sua utilização como mão de obra. Neste sentido a produtividade se mantinha bastante baixa e pouca gente podia ser sustentada com os excedentes agrícolas. As cidades se formavam em função do comércio, de santuários religiosos, de grupos dominantes que controlavam espaços estratégicos, exercendo assim atividades que lhes permitiam apropriar-se rotineiramente de parte da produção das áreas rurais. Em determinados períodos da história, nas áreas urbanas se concentrou o poder. Nas cidades antigas, desenvolvidas pelos que controlavam os recursos locais, as edificações permanentes e suntuosas das classes dominantes contrastam com as habitações precárias dos que lhes serviam de mão de obra. A Cidade-Estado era normalmente uma imensa área rural dominada por uma única cidade, habitada por um número relativamente pequeno de pessoas. Quando várias dessas cidades, com seus respectivos territórios rurais acabavam dominadas por uma delas, formavam-se impérios, cujas capitais podiam crescer até o limite possibilitado pela tecnologia de transportes existente na época, através da qual eram transferidos produtos dos territórios dominados. Roma no seu auge teria atingido a cifra de 1.000.000 de habitantes (BENEVOLO, 1983). Para o seu abastecimento existia, além de uma imensa rede de vias (sob certos aspectos similares à extraordinária rede do Império Inca), um porto com as facilidades do transporte hidroviário. Um sistema de aquedutos deslocava por gravidade a água necessária. Quando caiu o Império Romano (e com ele o funcionamento dos seus sistemas de abastecimento, reduzindo a população da Capital a cerca de 40.000 habitantes), a Europa passou a viver dentro de um sistema feudal, cujos traços característicos eram a descentralização hierarquizada e uma total ruralização, com o desaparecimento quase total das atividades comerciais. Entretanto, sob a influência do comércio com o Império Bizantino e com os países Islâmicos, com quem os contatos tiveram um impulso devido às Cruzadas, voltaram a se desenvolver as redes de cidades européias a partir dos séculos XI e XII. Os pequenos núcleos urbanos que surgiam em meio às áreas rurais apresentavam grande autonomia político-administrativa entre si e mesmo em relação aos senhores feudais que lhes cediam os terrenos. Com o correr do tempo os conventos, os loteamentos destinados a colonos (muitas vezes imigrantes estrangeiros), as igrejas, 9 os minúsculos subúrbios e povoações junto às portas fortificadas e ao longo dos caminhos, se transformavam em áreas compactas, envolvidas por fortificações que pudessem resistir a exércitos, e eram governadospor conselhos compostos por pessoas escolhidas pelos próprios habitantes dos burgos - os burgueses, que se dedicavam principalmente ao comércio e artesanato. A partir do Renascimento e principalmente no período do Barroco, a aristocracia, apoiada cada vez mais nos grandes comerciantes, domina, ou volta a dominar as cidades. Seus palácios tornam-se pontos focais de esquemas viários radiais, em que era dada ênfase a cenários simétricos, criados para valorizar o seu esplendor. Respaldados no poder político e econômico, as capitais e os grandes portos europeus crescem cada vez mais rapidamente no final do século XVIII, quando começa a se concretizar a grande transformação econômica, baseada na produção capitalista e no fomento ao consumo. No Brasil, as primeiras aglomerações urbanas foram criadas sob o domínio português. Dos portos, que distavam mais de 40 dias de viagem da continente europeu, irradiavam-se caminhos através de regiões cujos produtos eram encaminhados à Metrópole. À função de organizar e intermediar a exportação se somavam funções administrativas, e permitiram o desenvolvimento de comércio e serviços. Mesmo depois da independência, a organização territorial se mantém semelhante por muito tempo, desenvolvendo-se as cidades ao longo da costa atlântica. Diversamente das cidades fundadas sob o domínio espanhol, as cidades no Brasil tiveram o traçado ortogonal estabelecido sem a rigidez daquelas, amoldando-se às condições locais. Era comum o distanciamento entre as vias num sentido ser diferente do observado nas vias a elas perpendiculares. As condições de defesa do sítio, os caminhos de acesso, os córregos e as fontes, a localização do pelourinho como centro do “rossio” (área de municipal de uso comum do povo, destinada ao pastoreio do gado e recolhimento de lenha, e onde as autoridades governamentais concediam sesmarias urbanas para a construção de edificações dos núcleos urbanos em expansão), das igrejas e dos conventos em pontos estratégicos, eram elementos importantes na fase inicial de sua estruturação. Industrialização A população mundial, especialmente a localizada em centros urbanos, tem crescido rapidamente ao longo dos dois últimos séculos. As razões iniciais de tal fenômeno têm sido as mudanças surgidas na tecnologia agrícola, que aumentaram a produtividade e reduziram as necessidades de mão de obra em áreas rurais, fazendo com que levas de camponeses se deslocassem em direção às áreas urbanas, onde a sobrevivência parecia menos difícil. A seguir, a revolução industrial, ao aproveitar como mão de obra a população que se concentrava, passou a criar empregos nas cidades. A industrialização foi uma das grandes alavancas do crescimento das grandes aglomerações que começaram a surgir a partir do século passado. O 10 desenvolvimento tecnológico determinou grandes transformações nas estruturas e funcionamento das aglomerações urbanas. As indústrias utilizaram inicialmente a energia hidráulica fluvial, e a seguir a máquina a vapor. Da beira dos rios, a produção começou a se deslocar para áreas ao longo das estradas de ferro, que surgiam como o principal meio de transporte tanto das matérias primas como do carvão, que passou a ser a principal fonte de energia. A divisão organizacional entre a produção e a administração levou à separação espacial entre a fábrica, contendo atividades de produção, e o escritório, com atividades de administração e controle, interligados por linhas telefônicas. A concentração de escritórios administrativos nas áreas urbanas centrais foi reforçada pela expansão do setor varejista e dos serviços. Desde o final do século XIX, com o crescimento das populações que formam a mão de obra das indústrias, ao mesmo tempo barata, descartável e perigosa para as classes dominantes, estas passam a residir progressivamente em bairros segregados, projetados conforme os ditames das demandas. As residências de luxo deixam de constituir, como no passado, pontos focais de áreas organizadas hierarquicamente, com funções econômicas e sociais complementares agregadas, e formam extensas áreas homogêneas, em que os ambientes não são perturbados pela vizinhança de outras atividades urbanas, a não ser aquelas ligadas ao lazer ou eventualmente a atividades religiosas. As indústrias se estabelecem em áreas compactas nas periferias das cidades, em função das vias e transportes disponíveis, bem como do custo das glebas existentes, nas suas proximidades surgindo bairros operários, cada vez mais distantes dos bairros antigos, já servidos por bondes ou mesmo pelas primeiras linhas de metrô. A partir da segunda década do século XX, essas áreas habitacionais dispersas passam a ser servidas por linhas de ônibus. E as indústrias perdem o seu vínculo obrigatório com as estradas de ferro, ao passarem à utilização da energia elétrica e dos combustíveis originados do petróleo. “Embora as cidades continuassem a crescer em tamanho, foi em extensão de área que a expansão foi mais dramática. Por exemplo, entre 1919 e 1936, a Grande Londres aumentou em população de seis para oito milhões, mas em área expandiu cinco vezes. A expansão externa foi facilitada, e na verdade encorajada, pelo desenvolvimento das redes de transporte público” (CLARK, 1985). No Brasil, os primeiros surtos de industrialização surgem efetivamente no final do século XIX, quando começa a imigração européia e é investido o capital ganho com a exportação do café. Mas o aumento rápido da população que havia se iniciado iria continuar por um longo tempo, criando períodos de desequilíbrio entre demanda e oferta de mão-de-obra. Já no século XX houve um verdadeiro “inchamento” das grandes cidades, para onde passaram a se dirigir levas de migrantes fugindo das adversidades provocadas por fatores naturais, sócio-econômicos ou tecnológicos. O Sanitarismo Um novo fator começou a influir no crescimento demográfico das cidades: o progresso da medicina e a melhoria das condições de higiene, proporcionada principalmente pelo desenvolvimento da “Engenharia Sanitária”. 11 Redes de infra-estrutura e transporte coletivo, preceitos de higiene e equipamentos de educação e saúde, pouco importaram aos governantes antes da Idade Moderna. E o planejamento em escala urbana se restringia ao traçado das ruas e praças e às questões referentes à defesa dos pequenos loteamentos aglutinados em cidades. Mas, se a segurança face a ataques de inimigos externos passou para o âmbito de exércitos de escala nacional, a população urbana, em crescimento desde o início da Revolução Industrial tem se ressentido de calamidades de certa forma novas, provocadas, de um lado, pela sua própria dimensão, e de outro, por proliferação de seres vivos cujo florescimento foi propiciado pelos ambientes modificados pelos maiores adensamentos humanos surgidos. No passado, como no presente, os seres humanos, que convergem para as cidades em busca de sobrevivência e empregos, abriga-se em casebres, cortiços e conjuntos de habitações precárias, cuja densidade de ocupação logo ultrapassa as previsões iniciais e cria condições prejudiciais à saúde das pessoas. Na década de 30 do século passado, surgiu na Europa o cólera, que, à semelhança das antigas pestes, se ajuntou às doenças que já assolavam as cidades. A descoberta da existência e do papel dos micróbios, a atenção crescente a questões de higiene, consubstanciadas pelo “Public Health Act” (1848), na Inglaterra, começaram a ser difundidas pelo mundo, documentadas nos congressos de higiene. A água para abastecimento das cidades deixou de ser tirada diretamente dos rios que as atravessavam, foi aperfeiçoada a fabricação de canos de ferro que substituíram os dutos de madeira e chumbo, deu-se início à filtração de água, começaram a ser construídas as primeiras redes de esgotos em grande escala, jogando os dejetos e detritos humanos e industriais nos próprios rios, a jusante das áreas urbanas (BECHMANN,1898). Também no Brasil, a preocupação com a saúde pública data desde o final da época colonial e se torna “uma das características do governo imperial e dos das províncias na segunda metade do século XIX” (ANDRADE, 1966). A febre amarela atinge as cidades do norte, o cólera toda a faixa litorânea desde o Pará e o Recôncavo até as cidades do Rio de Janeiro e Santos, permanecendo como ameaça constante na maior parte das áreas urbanas por várias décadas. Além delas, outras doenças atemorizavam as populações: a peste bubônica, a varíola, a febre tifóide, a tuberculose, a lepra, o tracoma. Criadas as escolas de Medicina e fundados os hospitais de isolamento, com as posturas municipais entregues à aprovação das assembléias provinciais após 1834, os “problemas de insolação, ventilação, drenagem de detritos e águas servidas passaram a ser tratados com mais ciência e propriedade” (ANDRADE, 1966). Cemitérios públicos começaram a ser construídos nas periferias das áreas urbanas, evitando-se enterrar os mortos nos subsolos das igrejas, como era comum até então. As Comissões de Higiene Pública (1789- Rio de Janeiro, 1849- Pernambuco, 1895- São Paulo) produzem mapas, relacionando fontes de água potável, aquedutos, chafarizes, encanamentos. A legislação municipal, apoiada no sistema jurídico desenvolvido graças aos cursos de Direito existentes, constituiu um embasamento em que não foi difícil introduzir preceitos de higiene e iniciar a implantação dos principais equipamentos sanitários, inventados na Inglaterra em meados do século XIX. O coroamento dos esforços em termos jurídicos foram os códigos sanitários (o do Estado de São Paulo data de 1894). 12 Graças à organização hospitalar introduzida por médicos e irmãs de caridade, as populações recebiam o tratamento curativo. Campanhas de vacinação iriam trazer- lhes o tratamento preventivo. Graças aos engenheiros, recebiam também as áreas urbanas o tratamento preventivo, com o início das obras de drenagem dos solos úmidos, canalização de águas servidas e abastecimento de água potável, evitando a formação de ambientes propícios à propagação dos vetores. Apesar do violento crescimento demográfico, as epidemias foram controladas, sendo a maior parte das doenças extinta no início deste século. Salientaram-se nestes trabalhos os “Engenheiros Sanitaristas”, cuja ação contínua e programada se estendeu por praticamente todas as cidades litorâneas e pelos principais centros do interior. A Metropolização Se, no início do século XX, 15 por cento da população mundial morava em cidades com mais de 10.000 habitantes, em 1980 esse índice aumentou para 29 por cento (CLARK, 1985), e dez cidades apresentavam populações com mais de 10 milhões de habitantes (JORDAN, 1985). Assim, além da migração campo-cidade, outro fenômeno se evidenciava: os habitantes de pequenos núcleos urbanos, procurando melhores condições de vida, se deslocavam para cidades maiores, causando o seu crescimento. As pessoas fluem através das redes urbanas até onde há mais empregos e melhores salários. De 1960 a 1990, a porcentagem de população urbana no Mundo cresceu de 34,2 para 42,0; na Europa e na América do Sul, de 60,9 e 51,7 para mais de 70,0%. No sudeste do Brasil, para quase 90,0%. (TASCHNER, 1994). Com a saturação das infra-estruturas, congestionamento dos meios de transporte, desenvolvimento dos sindicatos, as indústrias começaram a perder o interesse pelas grandes cidades, passando a preferir os centros urbanos de tamanho médio. Mas as metrópoles (“cidades-mães”, capitais) continuaram crescendo, principalmente em função dos serviços e do comércio, que se desenvolviam para atender à demanda nelas concentrada, atraindo contingentes populacionais acima dos níveis de emprego, fomentando atividades informais e criando, principalmente nos paises em desenvolvimento, graves problemas sociais. Neste final de século os índices gerais de crescimento demográfico passaram a baixar, e nos paises mais desenvolvidos as populações já se estabilizaram. No Brasil, as taxas de geométricas de crescimento populacional anual reduziram-se de 3% nos anos sessenta para 1,9% hoje. E os índices de crescimento estão agora aumentando nas cidades de tamanho médio, diminuindo nos grandes centros (TASCHNER, 1994). Mesmo assim, as grandes áreas metropolitanas estão quase alcançando o nível de 20 milhões de habitantes. São Paulo já tem mais de 15 milhões de habitantes, Buenos Aires 11 milhões, Rio de Janeiro, 9 milhões. Pelo final do século, nove das 37 cidades de mais de 5 milhões de habitantes serão da América do Sul, e um grande número de cidades intermediárias estará perto dessa marca (UNCRD, 1993). 13 As metrópoles seriam, em princípio, as cidades polarizadoras das regiões próximas. A interação entre uma cidade e o espaço contíguo forma uma “região polarizada”. Dentro de uma região polarizada podem existir outras aglomerações urbanas, que muitas vezes se interconectam fisicamente com a aglomeração principal ao se fundirem em uma só as suas áreas urbanizadas, que se desenvolvem ao longo das estradas de ligação, formando as “conurbações”. São Paulo, Guarulhos, São Caetano, Santo André, São Bernardo, formam hoje um tecido urbano contínuo, apesar de serem ainda administradas de forma independente. Não são meras cidades contíguas. As suas populações se deslocam e mantêm atividades em toda a região, que forma um conjunto único em termos econômicos e sociais. “Dizemos que numa determinada região ocorre um processo de metropolização quando entre duas ou mais aglomerações, contíguas ou separadas no espaço, se desenvolvem, em escala significativa, formas de relações que correspondem a um único núcleo urbano” (REIS FILHO, 1965). A distinção formal entre uma cidade e uma metrópole implica em critérios numéricos que apresentam uma certa arbitrariedade, e diferem nos diversos paises. Normalmente são utilizados, para a sua definição, a população, densidade, grau de urbanização e integração das atividades econômicas. No Brasil, desde 1967 a Constituição prevê o estabelecimento de regiões metropolitanas em termos administrativos. Não seria uma nova unidade federativa. Os municípios são autônomos em assuntos de seu peculiar interesse, embora possam se reunir para a realização de serviços comuns. A instituição de regiões metropolitanas tem sido interpretada entre nós mais no sentido de descentralização de serviços no âmbito dos governos estaduais e da sua integração ou coordenação com os de nível municipal. Problemas Urbanos Vários problemas têm afligido e ainda afligem as áreas urbanas. Nas áreas metropolitanas ocorre em geral o seu agravamento, devido basicamente à sua escala e congestionamento, bem como a conflitos de jurisdição. Questões Sócio-Econômicas As discrepâncias entre os níveis de renda da população têm aumentado no mundo, principalmente em países em desenvolvimento. Projeções do número de pobres (considerando como linha de pobreza a renda anual per capita de US$420,00 a preços de 1990) indicam o seu crescimento na América Latina e Caribe de 87 milhões em 1985 para 108 milhões em 1990 e 126 milhões no ano 2000.(BIRD, 1992). A perda de empregos no campo e a conseqüente migração para as cidades trazem para estas grandes contingentes de mão de obra potencial, mas despreparada. Num período inicial tal mão de obra é aos poucos absorvida principalmente pelas indústrias, mas, com o tempo, mesmo o comércio e a indústria a utilizam cada vez menos. Surgem, então, as atividades informais, exercidas por indivíduos autônomos, 14 inclusive “ambulantes” que utilizam espaços públicos, em geral não se enquadrando nos sistemas previdenciários. Cresce a quantidade de pessoas desempregadas e desabrigadas que, quando não conseguem ser atendidas por serviços de assistência social mantidos pelos governos, acabam marginalizadas dos quadros da sociedade. Segurança A falta de controle social, quesurge com a urbanização e crescimento das aglomerações humanas, atinge nas metrópoles níveis altos, devido não só ao grande número de habitantes, como aos elevados contingentes de migrantes, reduzindo a probabilidade de encontros sucessivos entre indivíduos. Isso se reflete em problemas de segurança, que exigem reforço progressivo de ações curativas e preventivas, desde policiamento até assistência social e educação. Transportes Os deslocamentos de pessoas e cargas se são fáceis nas pequenas aglomerações, começam a apresentar problemas à medida que elas crescem, não tanto devido às distâncias a serem percorridas, quanto aos congestionamentos de veículos nas vias, sobrecarregadas em determinados períodos do dia. Os espaços podem ser utilizados de forma mais eficiente através do transporte coletivo, principalmente o sobre trilhos, reduzindo-se, entretanto a sua flexibilidade e conforto, obrigando a percursos a pé ou a utilização de outros veículos em viagens complementares. Nas grandes cidades as viagens diárias entre residências e locais de trabalho acabam consumindo períodos de tempo significativos na vida dos habitantes, principal fator a limitar as dimensões das aglomerações humanas. Abastecimento O abastecimento em energia e em gêneros alimentícios não se baseia hoje na produção de áreas rurais próximas. Sistemas complexos envolvendo regiões longínquas situadas em outros municípios, estados e países garantem o atendimento de altas demandas desde que assegurados sistemas de transporte adequados e rendas que permitam à população participar do mercado. Baixos níveis de renda e marginalização de grupos de população podem criar problemas, cuja solução requer ação de governos e da própria sociedade. O abastecimento de água muitas vezes obriga à utilização de reservas de regiões vizinhas, criando problemas políticos na disputa dos recursos existentes. Poluição. A poluição do ar causada pelas indústrias e principalmente pelos motores de propulsão dos veículos alcança níveis preocupantes, principalmente nas áreas metropolitanas, criando problemas para a saúde dos seus habitantes. A poluição das águas, agravada por vezes pela insuficiência de tratamento dos esgotos, cria problemas em longas faixas dos rios a jusante, e internamente às cidades por ocasião de inundações causadas por deficiências nos sistemas de drenagem e pela impermeabilização excessiva do solo criada pela urbanização. 15 O descarte do lixo, além das questões técnicas, cria problemas de disponibilidade e de uso de espaços, bem como de custos de transporte. Bibliografia ANDRADE, F.P.D. Subsídios para o estudo da influência da legislação na ordenação e na arquitetura de cidades brasileiras , São Paulo, EPUSP 1966. BENEVOLO, L. Historia da Cidade São Paulo, Editora Perspectiva 1983. BIRD/BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o desenvolvimento mundial 1992. CLARK, D. Introdução à geografia urbana São Paulo, Difel 1985 IANNI, O. Teorias da Globalização Rio de Janeiro, Civilização Brasileira 1995. JORDAN, R. Os problemas das metrópoles latino-americanas frente à crise, in: América Latina: Crise nas Metrópoles. São Paulo, SEMPLA 1985. MANZAGOL, C. Lógica do Espaço Industrial São Paulo, Difel 1985. MARX, M., Cidade no Brasil, terra de quem? São Paulo, Nobel, Editora da Univesidade de São Paulo,1991. REIS FILHO, N. G. Evolução Urbana do Brasil conferência proferida no Instituto de Física USP São Paulo 1971. TASCHNER, S. P. Mudanças no padrão de urbanização: novas abordagens para a década de 90. Coleção Documentos. Série Estudos Urbanos.USP/IEA. Maio 1994. ZMITROWICZ, W. Áreas Metropolitanas: o seu papel no mundo do futuro palestra apresentada no Polish-Brazilian Joint Seminar - Economic Transformation: insertion of the economies in global context São Paulo, FIPE/IEA USP 1994. ZMITROWICZ, W. As Funções Urbano Rurais como condicionantes da implantação do Zoneamento na Cidade de São Paulo São Paulo, EPUSP 1979. A ESTRUTURAÇÃO DAS CIDADES Introdução Nas áreas urbanas se desenvolvem o comércio e os serviços ligados a todas as formas de intercâmbio e de atuação sobre o desenvolvimento da sociedade humana. As atividades são exercidas em espaços construídos sobre parcelas de território que normalmente são de propriedade particular. Os lotes se interligam entre si através 16 de longas faixas de território que constituem espaços públicos, nos quais são assentados os sistemas de infra-estrutura e operam serviços que permitem manter as atividades em funcionamento. A idéia inicial de cidade, com fluxos de intercâmbio em ambiente seguro, é claramente expresso no hieróglifo egípcio correspondente: cruzamento de caminhos envolvido por uma circunferência de muralhas defensivas. Outra conotação traz o símbolo de cidade utilizado na China: quadrados que podem agregar-se formando aglomerações maiores. Tal idéia reflete a possibilidade de se projetar tecidos urbanos seguindo padrões e normas racionais, a permitirem a convivência de grandes populações. Portanto, os usos do solo urbanos são formados por atividades em ambientes que necessitam de fluxos de matéria, energia, pessoas e informações. A “estrutura urbana” é constituída dos elementos que, ao longo do tempo, condicionam este processo. Para compreender os processos de estruturação do território iremos inicialmente analisar as razões e a evolução da sua subdivisão, formando, de um lado, os espaços em que se exercem as atividades comandadas por pessoas, e, de outro, os canais que interconectam esses espaços e dirigem os fluxos que mantêm as atividades. Em seguida estudaremos os inter-relacionamentos entre as próprias atividades. Partiremos da idéia de que a estrutura urbana surge com a cidade e se modifica através do acréscimo e eliminação de elementos que a compõem, até deixar de existir ao desaparecerem as atividades urbanas. Ora, se a atividade e a estrutura urbana surgem concomitantemente, isso nos leva à consideração da transformação ou incorporação, nesta última, de elementos não-urbanos. No período anterior à formação de uma cidade, podemos imaginar a existência de atividades não-urbanas no território, eventualmente interligadas por redes de transportes e comunicação. As atividades urbanas se diferenciariam das não- urbanas, basicamente, por utilizarem o território apenas como suporte, sem aproveitar os recursos naturais do solo sobre o qual estão assentadas. Quando desaparecem as atividades primárias e surge a possibilidade de criação de ambientes urbanos, a estrutura física inicial que garante o acesso a outros ambientes é constituída pelas próprias vias rurais ou interurbanas, sendo-lhe aos poucos sobreposta uma estrutura criada por vias novas de acesso aos terrenos que vão sendo parcelados para o seu melhor aproveitamento, formando espaços menores, sob o comando de pessoas cujo poder, restrito à área contida em cada lote é delimitado pela legislação e pelas hierarquias e subdivisões territoriais e administrativas. Surgem ambientes a serem utilizados para implantação das atividades que formam usos urbanos. A subdivisão territorial das áreas urbanas, nos seus aspectos físico-geométricos, depende dos sistemas de acesso adotados, e da forma do seu traçado. A definição dos lotes - menores parcelas de território delimitadas formalmente - em geral 17 obedece a padrões ortogonais, inclusive na sua disposição em relação às vias de acesso, pela sua maior praticidade. O seu dimensionamento e ordenação são funções da legislação, do relevo e dos hábitos locais. O território, hoje, se divide, em termos de propriedade, e, portanto de sua utilização por agentes humanos, em espaços privados, onde se desenvolve a maior parte das atividades, e espaços públicos de acesso. Além dos “públicos”, ainda há os diversos tipos de espaços “comuns”, nem sempre de livre acesso para todos (denominados também de espaços “semi17 públicos” e “grupais”).Há gradações, com passagem permitida eventualmente apenas a certas classes de pessoas, como autoridades, funcionários, condôminos, clientes, associados, etc. Formam-se dessa maneira conjuntos internamente subdivididos em espaços diferenciados e de acesso restrito, mas sempre se interligando com espaços de acesso público (Vide FIGUEIREDO, 1981). São os espaços públicos que garantem as conexões entre os diversos espaços privados entre si, criando assim um sistema físico global a ser utilizado para o desenvolvimento das funções através das quais se sustenta a sociedade. Os espaços em que se divide e subdivide o território são interligados entre si, mas para as distâncias serem vencidas por fluxos de matéria, energia, informações, pessoas, é necessário ultrapassar dificuldades que se apresentam tanto em termos espaciais, como temporais, econômicos e psicológico-sociais. As estruturas urbanas ao longo do tempo A cidade costuma ser estruturada pelo traçado dos seus espaços públicos, a partir dos quais são implantados os diversos “usos do solo urbanos”. Por vezes, contudo, os espaços públicos são considerados secundários, meras interconexões entre espaços “particulares”, que então passam a comandar a estruturação urbana. No Japão, as cidades de Nara e Quioto foram projetadas segundo rígidos esquemas ortogonais. Na China, Beijing também seguiu um padrão ortogonal. No Ocidente, padrão similar foi utilizado ainda pelos gregos: Mileto é o exemplo clássico que tornou esse padrão bastante difundido (e conhecido como hipodâmico, de Hipódamo, arquiteto de Mileto). Em princípio ele é utilizado sempre que se pretende alojar uma população elevada em um período relativamente curto, dividindo-se o território de uma forma simples e prática, em ângulos retos e segmentos iguais. Foi usado pelos romanos, pelos construtores de cidades medievais e renascentistas, pelos empreendedores imobiliários dos loteamentos das cidades capitalistas de todo o mundo. Na América, ainda antes da chegada dos espanhóis, as cidades dos Impérios Inca e Maia já apresentavam os mesmos padrões ditados pela racionalidade e praticidade dos detentores de um poder centralizado. Constituem contraste às acima descritas as aglomerações resultantes de um crescimento não-planejado previamente, pelo menos em termos viários e de 18 subdivisão territorial. Habitações que são implantadas sem outras preocupações que o acesso a elas e a solução dos seus quesitos internos criam estruturas similares às de algumas espécies de insetos sociais. Se nas favelas e aglomerações lacustres elas nos parecem provisórias, sobre ilhas e morros elas adquirem feições permanentes. Por vezes facilitam a defesa, por vezes dificultam o saneamento a circulação, pelas vias tortuosas que se formam naturalmente ao longo do tempo. Nas cidades árabes elas obtêm a sua expressão mais evoluída, com os espaços habitacionais e de permanência coletiva concentrados em torno de pátios, e acessíveis a partir de intrincados sistemas de caminhos de acesso dão um aspecto característico aos seus bairros tradicionais. Dentro de uma lógica de crescimento natural, os seus espaços eram compostos a partir de unidades autônomas que cresciam de forma contígua e sucessiva, sem preocupações com esquemas rígidos, procurando meramente garantir o seu acesso a partir de um sistema viário bastante irregular (o que o tornou problemático para a implantação dos sistemas de transporte que se desenvolveram a partir da segunda metade do século XIX). Muitas cidades que cresceram sem projetos prévios na Idade Media Européia apresentam disposições similares. Hoje as favelas que se implantam em espaços disponíveis seguem esquemas parecidos, contrastando com a ortogonalidade da cidade regular. Esquemas teóricos simplificativos A cidade é, portanto formada por uma superposição de estruturas sucessivas, criadas através da readaptação de elementos existentes ou da implantação de elementos novos. As transformações físicas são reflexos das transformações econômicas e sociais que ocorrem nas populações. Vários fatores influem nessas transformações. Tentando mostrar e explicar os sucessivos rearranjos das atividades no território, muitas representações simplificadas e geometrizadas foram desenvolvidas por estudiosos dos fenômenos urbanos. Algumas delas serão apresentadas a seguir, com o intuito de facilitar a visualização da evolução de uma cidade. Mudanças na acessibilidade são resultado de modificações ocorrentes nos sistemas de transporte (construção de novas vias, ampliação e melhoria das vias existentes, melhoria ou implantação de novas linhas de transporte coletivo. A velocidade e o custo dos deslocamentos de pessoas e cargas podem estruturar os usos do solo, tanto urbanos quanto rurais. A distância ao centro de consumo representado pela cidade, com o conseqüente aumento progressivo dos custos de transporte dos produtos, motivou no século passado a formação de faixas concêntricas de produção agrícola/hortifrutigranjeira estudadas na Alemanha por Von THÜNEN (1875), cuja geometria era perturbada tão-somente pelos acidentes geográficos, estradas mais importantes e pela maior ou menor adequação do solo às diversas culturas. Dentro das áreas urbanas, segundo estudos procedidos por BURGESS (1927) - o seu “modelo concêntrico” foi resultado das suas pesquisas em Chicago - em volta do 19 centro principal, onde a acessibilidade era máxima e mais elevados os preços dos lotes, distribuíam-se, progressivamente, uma faixa de comércio atacadista e pequenas indústrias, seguida de uma zona de transição de cortiços e usos deteriorados, por sua vez envolvida por setores de habitações verticalizadas, prédios de apartamentos, estendendo-se a seguir áreas com habitações unifamiliares. Pesquisas de “ecologia humana” (que se desenvolveu a partir de 1915, estudando processos de competição entre os seres humanos e suas organizações) revelaram uma dinâmica na transformação das áreas urbanas, com “invasões” de determinados tipos de uso provocando a retirada de outros, num movimento geral de “sucessão” ou “substituição”. Assim, usos comerciais ou de prédios de apartamentos “invadem” e “substituem”, por exemplo, usos residenciais em áreas de casas unifamiliares. Em bairros residenciais observa-se que, em função principalmente dos deslocamentos “pendulares” diários, ao longo das vias que se dirigem ao centro, a expansão urbana avança através de setores radiais, fato observado por Homer HOYT, em 1939, que o descreveu através de um “modelo setorial” de desenvolvimento urbano. A proximidade entre as atividades urbanas é relacionada com o número de conexões, volumes e ritmos de fluxos, e, também, com os tipos de fluxos recebidos e gerados. Cada atividade depende, hoje, da existência de fluxos outros que os garantidos por simples vias de acesso. Infra-estruturas e equipamentos específicos, e vários serviços, desde coleta de lixo até transporte coletivo e escolas, tornam-se mais ou menos importantes para as diversas categorias de uso que podem se instalar no local. Não são elementos tão estáveis como os espaços de acesso, pois estão mais sujeitos a substituições e modificações devido a mudanças tecnológicas, e dependem de sua “operação” que constitui por si uma atividade. Mas o desaparecimento dos efeitos por eles proporcionados torna normalmente impossível a permanência de certas atividades, mesmo que outras continuem nas vizinhanças sem solução de continuidade. As vantagens da concentração de certas categorias de usos comerciais e de serviços permitem visualizar uma hierarquia dos tipos de atividades, e, em função das economias de escala possíveis, de um lado, e das demandas existentes, de outro, a formação de “pólos” dominantes em determinadas áreas de influência, maiores ou menores. Um centro de vizinhança oferece produtos e serviços cotidianos; um centro de bairro, produtos mais sofisticados; umcentro urbano ou metropolitano concentra serviços especializados para toda a região. Essa hierarquização, estudada por CHRISTALLER (1933) e LÖSCH (1954) é, entretanto, extremamente dinâmica, modificando-se rapidamente em função principalmente dos custos de produção e transportes e das facilidades de deslocamento. Já vimos que a cidade não é um ente isolado da região que a envolve. Pelo contrário, é um elemento consumidor e produtor ativo de sistemas muito amplos e em plena expansão. Desde a Revolução Industrial a produção tem adquirido volume e velocidade crescentes, acompanhada de concentração espacial da atividade manufatureira nas 20 cidades já existentes, desenvolvidas na fase mercantil e interligadas com extensas áreas rurais através de sistemas de estradas, influindo em uma rápida modificação dos ambientes habitados e depredação dos ambientes externos. Bibliografia ANDRADE, F.P.D. Subsidios para o estudo da influência da legislação na ordenação e na arquitetura de cidades brasileiras , São Paulo, EPUSP 1966. BENEVOLO, L. Historia da Cidade São Paulo, Editora Perspectiva 1983. BURGESS, E.W. The determination of gradients in the growth of the city. American Sociological Society Publication, vol. 21 1927. CHRISTALLER, W. Die zentralen Orte in Süddeutschland, Jena 1933. CLARK, D. Introdução à geografia urbana São Paulo, Difel 1985 HOYT, H. The structure and growth of residential neighborhoods in American cities. Washington, D.C. Federal Housing Administration 1939. JORDAN, R. Os problemas das metrópoles latino-americanas frente à crise, in: América Latina: Crise nas Metrópoles. São Paulo, SEMPLA 1985. LÖSCH, A.. The Economics of Location. New Haven, 1954 MANZAGOL, C. Lógica do Espaço Industrial São Paulo, Difel 1985 MARX, M., Cidade no Brasil, terra de quem? São Paulo, Nobel, Editora da Univesidade de São Paulo,1991 REIS FILHO, N. G. Evolução Urbana do Brasil conferência proferida no Instituto de Física USP São Paulo 1971. TASCHNER, S. P. Mudanças no padrão de urbanização: novas abordagens para a década de 90. Coleção Documentos. Série Estudos Urbanos.USP/IEA. Maio 1994. THÜNEN, J.H.von Der Isolierte Staat in Beziehung auf Landwirtschaft und Nationalökonomie. Hamburgo 1875. ZMITROWICZ, W. As Funções Urbano Rurais como condicionantes da implantação do Zoneamento na Cidade de São Paulo São Paulo, EPUSP 1979 21 OS MERCADOS IMOBILIÁRIOS Ofertas e Demandas Com o desenvolvimento da economia capitalista acelera-se o crescimento de populações nas áreas urbanas. Dentro do sistema de mercado a construção é exercida principalmente pela iniciativa privada, que passa, com a alta demanda de acomodações, a necessitar de espaços territoriais cada vez mais amplos para as edificações. Mais do simples comerciante, empresários capitalistas surgem com elos de cadeias que adquirem bens, transformam-nos e repassam a novos proprietários, cobrando, em princípio, os acréscimos de valor correspondentes. A cidade resulta do investimento de capitais a serem de alguma forma remunerados. E o território torna- se um bem divisível, capaz de, ao ser disponibilizado, dar renda ao seu proprietário. Se toda a terra fosse igualmente livre e adaptável para todos os usos, e sempre disponível para venda, a sua oferta, limitada apenas pelo espaço físico-geográfico existente, seria fixa em relação à economia como um todo. Os economistas considerariam essa oferta inelástica, isto é, insensível em termos de variação da quantidade oferecida face às variações de preço. O seu nível de renda seria determinado inteiramente pela demanda. Mas a terra não é homogênea nem por sua composição nem por sua disponibilidade. Além de caracterizar um espaço e uma localização, ela incorpora diversos recursos naturais, como a fertilidade, os minerais, vegetação e água. Nas áreas rurais a natureza do solo local tem um papel fundamental para as atividades que sobre ele se assentam e dele se utilizam. Já nas áreas urbanas as atividades usam o solo como mero suporte e se desenvolvem em função de sua posição em relação a outras atividades, que depende da eficiência dos meios de comunicação e transporte. Os territórios são transformados em áreas adequadas para abrigar atividades de grandes agrupamentos de pessoas através da sua subdivisão em lotes acessíveis por um sistema de circulação utilizável por todos. Embora os proprietários procurem sempre dar ao solo um aproveitamento lucrativo, os terrenos não são distribuídos em função simplesmente, das necessidades espaciais da população. Os lotes lançados no mercado podem não ser elementos de consumo direto e imediato pelo adquirente. Numa economia de mercado, o aumento do total dos recursos existentes se reflete numa riqueza crescente; mas cada um dos recursos apresenta aproveitabilidade diversa e variável ao longo do tempo, refletindo-se tal situação na remuneração do capital. As proporções relativas de aplicação do dinheiro em ações, poupança, ouro, moeda estrangeira, glebas e terrenos, imóveis em geral, podem se modificar rapidamente, cada um deles podendo assumir por certos períodos o papel de reserva de parcela significativa de capital a preservar para o futuro. Eles representam bens passíveis de “entesouramento”, de especulação quanto aos seus preços a prazo mais longo. Os bens imóveis são normalmente não-deterioráveis, mas o seu valor varia de acordo com a evolução do mercado e com a sua própria transformação através de investimentos. 22 Muitos lotes são adquiridos apenas para preservar o capital acumulado pelo comprador, formando uma “poupança” a ser utilizada em época oportuna. Há também os que deixam de ser construídos deliberadamente para permitir lucro através de mera valorização da área em virtude do desenvolvimento da vizinhança. Os investimentos são feitos em áreas relativamente distantes da mancha urbana, e, à medida que se estabelecem redes de transporte, infra-estrutura e equipamentos sociais imprescindíveis, a valorização das áreas intermediárias é aproveitada para a sua venda com lucro, caracterizando o que se convencionou chamar de “especulação imobiliária”. Há ainda aqueles lotes que não estão sendo utilizados simplesmente por falta de capital disponível para a construção. A própria venda de um lote demanda tempo para as operações comerciais e burocráticas, o que, somado aos fatores enumerados anteriormente, demonstra a impossibilidade, em uma economia de mercado, de se restringir a produção de espaços urbanos apenas ao total necessário à implantação dos usos urbanos pretendidos naquele determinado instante. O número de lotes urbanos existentes deve superar o dos ocupados por atividades urbanas, é o número de lotes efetivamente disponíveis no mercado deve ultrapassar o dos estritamente necessários para as novas construções naquele momento, pois uma parcela significativa deles só poderá ser realmente utilizada mais tarde. E para termos preços de terrenos não muito elevados, necessitam de uma oferta efetiva razoável em relação à demanda. Quando a terra se torna escassa os preços sobem, tornando-a disponível apenas a pessoas de maior poder aquisitivo. O seu uso é racionalizado através de utilização mais intensiva (verticalização das edificações) e pela aquisição por aqueles para quem a localização constitui a maior vantagem. O poder público pode influir na oferta, estabelecendo normas para execução de loteamentos, utilização ou alienação de lotes ou glebas, ou, ainda, através de tributação progressiva, ou na demanda em áreas específicas, ao restringi-la apenas a determinados usos através do “zoneamento”. Os problemas resultantes das transformações dos usos e da ocupação do solo motivaram a criação de legislações de “zoneamento”. A área urbana é dividida em “zonas” em que são permitidas certas classes de uso e introduzidas restrições volumétricas, com o objetivo de preservar, quando satisfatória,a distribuição existente e ordenar a distribuição futura de acordo com os planos traçados para o futuro desenvolvimento da cidade. A legislação e as obras públicas - sistemas viários e de transporte, principalmente, são instrumentos fundamentais para o direcionamento do desenvolvimento de uma cidade. Nas cidades em crescimento e desenvolvimento o valor dos bens imóveis muda em função de diversos fatores, refletindo transformações que ocorrem em várias escalas sob os aspectos sociais, econômicos e físicos, envolvendo não só o próprio imóvel e o seu entorno, como amplas regiões geográficas. O valor de troca, determinado em princípio pela oferta e demanda, é resultado de interferência dos interesses de vasto número de indivíduos ou instituições. Quando cai abaixo do valor de custo que corresponde ao esforço despendido para a 23 produção do bem, surge o prejuízo econômico resultante de um emprego ineficiente do capital. O interesse primordial para a aquisição do bem corresponde ao seu valor de uso, que é a medida monetária do seu potencial de desempenho na atividade econômica específica. Depende da obsolescência do bem, seu desgaste – obrigando a gastos crescentes para a manutenção, e das possibilidades de retorno do capital ao longo dos anos de uso. Esses valores (de custo e de uso) constituem normalmente os limiares para o Interesse da troca, e variam com o tempo. Além destes, pode ser importante o valor da estima, o qual depende da forma como o bem se insere no mundo mental de cada pessoa, correspondendo portanto a valores não-econômicos. Similarmente podemos citar o valor histórico, em que um imóvel pode fazer parte de um conjunto de bens cuja importância corresponde não à sua utilização prática, mas ao que eles representam como memória dos tempos idos de uma cidade ou de uma nação. E o valor artístico, quando os imóveis são avaliados por seus valores estéticos (como os valores de esculturas em uma galeria de arte). O governo pode eventualmente interferir diretamente nos valores dos imóveis. Por exemplo, por ocasião de desapropriações, ao adotar níveis que são sempre calculados da forma prescrita legalmente, mas que por vezes é bastante arbitrária. As famílias nucleares e as pequenas empresas, as grandes empresas comerciais e de serviços, e os diversos tipos de indústrias, formam vários grupos de demandas de certa homogeneidade, que podem criar áreas urbanas segregadas com características relativamente uniformes. Mas as pessoas que ocupam as edificações utilizam-nas mais ou menos temporariamente, deslocando-se sucessivamente para outros espaços, de acordo com as necessidades e possibilidades de cada indivíduo ou grupo. Quando ocorrem eventuais mudanças para outros tipos de uso, elas se processam inicialmente de forma lenta e esporádica, precipitando-se posteriormente numa transformação rápida e consumidora de capitais. Os investimentos elevam os preços dos imóveis, expulsando populações mais pobres, economicamente fracas e instáveis, com dificuldades financeiras na manutenção dos imóveis, que então são induzidas à venda ou cessão do local em troca das vantagens resultantes, com o conseqüente deslocamento para outro ponto da cidade, seja em loteamentos periféricos, em favelas ou mesmo em cortiços dos centros de cidades. Podem também ocorrer mudanças nas demandas, eventualmente resultantes da deterioração ou obsolescência dos próprios imóveis, com a emigração de populações mais abastadas e a sua substituição por populações mais pobres. Estas se aproveitam dos recursos precários mas disponíveis, e são explorados pelos proprietários dos imóveis, seus prepostos, locatários ou invasores. Paralelamente aos mercados formais, legalmente reconhecidos e documentados, surgem muitas vezes mercados informais. Terrenos, particulares ou públicos, e edificações, deterioradas ou em últimas fases de construção, são invadidos e 24 ocupados, e eventualmente repassados a terceiros mediante pagamento de valores estipulados pelos ocupantes clandestinos que controlam os espaços. A adaptação a curto prazo de espaços existentes, através da construção rápida de barracos, ou o aproveitamento de construções obsoletas, de baixo valor no mercado, na forma de cortiços, contrastam com os edifícios de escritórios ou apartamentos e residências de luxo. Mas constituem apenas as formas extremas de aproveitamento de recursos disponíveis, de acordo com as possibilidades monetárias e organizacionais dos usuários. As novas escalas das interdependências econômicas Hoje, a internacionalização da economia está atingindo muitas unidades de produção e tipos de produtos, bem como muitas atividades do setor terciário (entrepostos, escritórios, centros de pesquisa), que se encontram em plena reorganização. O seu objetivo não é mais um determinado tipo de produção, mas uma combinação desejável de produtos. “Uma das grandes vantagens das empresas modernas é a sua grande flexibilidade e a facilidade com que redistribuem seus produtos entre as diferentes fábricas segundo as necessidades do momento” (MANZAGOL, 1985). A indústria se articula em vários níveis e diversifica a produção, que é re=encaminhada ao setor alimentar, ao energético, ao de roupas, ao de cosméticos, ao de eletrodomésticos, ao de veículos, etc. Esses novos e complexos sistemas de produção passaram a fomentar novos tipos de especialização territorial em escala macro-regional. “A interdependência existente entre as próprias metrópoles em escala nacional e internacional, interligadas entre si por rodovias, ferrovias, tráfego marítimo e aéreo, constitui um dos traços característicos do sistema contemporâneo” (MANZAGOL, 1985). Portanto, os espaços se formam em função de fatores físico-territoriais, mas sob pressão de fatores situados em campos diversos: sociais, econômicos, políticos, histórico-culturais que permeiam toda a sociedade, refletidos normalmente nas normas legais, as quais são mais obedecidas ou menos obedecidas pelos seres humanos que tomam decisões. As possibilidades de interferência de cada pessoa, que procura produzir ambientes dentro das expectativas que se criam, dependem da distribuição geral de poderes na sociedade, em cada época e em cada local. E esses poderes mudam com os fluxos que vão redistribuindo ao longo do tempo. Bibliografia BIRD/BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o desenvolvimento mundial 1992. CAMPOS FILHO, Cândido M. Cidades Brasileiras, seu controle ou o caos. São Paulo, Nobel, 1989. CLARK, D. Introdução à geografia urbana São Paulo, Difel 1985 CSILLAG, João M. Análise do Valor. São Paulo, Atlas, 1988. 25 CLARK, David. Introdução à Geografia Urbana. São Paulo, Difel, 1985. IANNI, O. Teorias da Globalização Rio de Janeiro, Civilização Brasileira 1995. JORDAN, R. Os problemas das metrópoles latino-americanas frente à crise, in: América Latina: Crise nas Metrópoles. São Paulo, SEMPLA 1985. LANCASTER, Kelvin. A Economia Moderna, Teoria e Aplicações. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1977. MANZAGOL, C. Lógica do Espaço Industrial São Paulo, Difel 1985 MARX, M., Cidade no Brasil, terra de quem? São Paulo, Nobel, Editora da Universidade de São Paulo,1991 SAMUELSON, Paul A. Introdução à Análise Econômica. Rio de Janeiro, Livraria Agir Editora, 1977. TASCHNER, S. P. Mudanças no padrão de urbanização: novas abordagens para a década de 90. Coleção Documentos. Série Estudos Urbanos.USP/IEA. Maio 1994. ZMITROWICZ, W. Áreas Metropolitanas: o seu papel no mundo do futuro palestra apresentada no Polish-Brazilian Joint Seminar - Economic Transformation: insertion of the economies in global context São Paulo, FIPE/IEA USP 1994.
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