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90 Unidade III Unidade III 5 ATUAÇÃO LEGAL DOS ADVOGADOS, TABELIÃES E NOTÁRIOS 5.1 A profissão do advogado Nesta unidade estudaremos sobre a profissão do advogado, a atividade jurisdicional em sua atuação profissional como serviço essencial à promoção de justiça e a sua administração. Paulo Lôbo (2017, p. 23) nos ensina que a advocacia se transformou em uma atividade organizada quando o Imperador Justino, antecessor de Justiniano, constituiu no século VI a primeira ordem de advogados no Império Romano do Oriente, “obrigando o registro a quantos fossem advogar no foro”. Vejamos a cronologia da evolução da organização do exercício da advocacia no Brasil. De fato, é nas Ordenações Filipinas (Livro I, Título XLVIII) que se tem notícia de uma advocacia de forma ordenada (MAMEDE, 2014, p. 24). No Brasil, o Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros foi criado em 1843 e em 1930 surgiu a Ordem dos Advogados do Brasil. Em 4 de julho de 1994, começa a vigorar o Estatuto da Advocacia, criado pela Lei n. 8.906. Esta lei estabelece os direitos e deveres dos advogados e dispõe sobre a finalidade e a organização da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). No Estatuto da Ordem dos Advogados, definem-se importantes características para o exercício da advocacia: • A indispensabilidade da advocacia para a manutenção da ordem pública. • A relevância social da advocacia como instrumento garantidor e efetivador do exercício da cidadania. • A função social da advocacia para a sociedade no exercício de sua função jurisdicional. • A independência e inviolabilidade do advogado no exercício profissional. Importante destacar que somente com a inscrição na OAB será possível desenvolver o exercício da advocacia. Assim, o curso de Direito forma o bacharel em Direito e, para que ele se torne advogado, será necessário que preste o Exame da Ordem. Somente se for aprovado neste exame é que poderá exercer a profissão de advogado. 91 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS JURÍDICOS Figura 38 – Representação do bacharelado em Direito Como vimos, a OAB foi criada em 18 de novembro de 1930. Trata-se de uma autarquia dotada de personalidade jurídica cuja atividade é de natureza disciplinar e seletiva em todo o território nacional. São órgãos da OAB: • Conselho Federal. • Conselhos Regionais. • Subseções. • Caixas de Assistência dos Advogados. Entre as finalidades da OAB, estão: a defesa da Constituição, da ordem jurídica do Estado democrático de direito, dos direitos humanos e da justiça social; a luta pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas; e a promoção, com exclusividade, da representação, da defesa, da seleção e da disciplina dos advogados em toda República Federativa do Brasil. 92 Unidade III Veja que é na Constituição Federal (CF) de 1988 que encontraremos o instituto da advocacia: “Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (BRASIL, 1988). Figura 39 – Justitia Essa norma se repete no Estatuto da Advocacia, no art. 1º, § 2º: “O advogado é indispensável à administração da justiça” (BRASIL, 1994a). Isso significa que a advocacia é um serviço básico e prioritário na defesa dos direitos, o que a distingue das outras profissões. Embora sejam dignas todas as atividades profissionais, a advocacia tem como pressuposto algo que a diferencia: a administração da justiça. O que significa ser “indispensável à administração da justiça”? Significa que o advogado é o profissional que constitui um elo necessário entre o Poder Judiciário e o cidadão, e que esse vínculo é indispensável para a efetivação da justiça e o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito. 93 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS JURÍDICOS Lembrete O exercício da advocacia é a via condutora para o exercício da cidadania, pois ela está associada à esfera do Direito e, portanto, ao sujeito de direitos e deveres. Nas palavras de José Afonso da Silva (2006, p. 596): “A advocacia não é apenas um pressuposto de formação do Poder Judiciário. É também necessária ao seu funcionamento”. Vale ressaltar que o advogado exerce uma missão atribuída por comando constitucional: o de auxiliar na administração da justiça. Por outro lado, o exercício da advocacia inclina-se à busca incansável pela legalidade e pela liberdade. Segundo Rui Barbosa: “Com o advogado, justiça militante”. Para esse ilustre jurista, a legalidade e a liberdade “são as tábuas de vocação para o advogado” (BARBOSA, 2019, p. 67). Note, portanto, que a atividade do advogado consiste não só no zelo e na militância constante pela efetivação da justiça, mas também serve de via condutora para o acesso a uma ordem justa. Vimos que o profissional da advocacia somente estará autorizado a realizar sua atividade jurídica, ou seja, postular o direito perante o Poder Judiciário, se autorizado mediante inscrição na OAB. A partir desta, o advogado poderá exercer a defesa técnica, ou seja, representar seus clientes e defender seus interesses em juízo. A Lei n. 8.906/1994 dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a OAB, disciplina o exercício profissional da advocacia e estabelece no seu art. 1º sobre as atividades privativas do advogado, a saber: I – a postulação a órgão do Poder Judiciário e aos Juizados especiais; e II – as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas. Observação Postular é o ato de pedir ou de pleitear algo perante alguém. Veja que, em regra, não é permitido ao indivíduo postular em juízo, sem a assistência de um advogado, entretanto, existem exceções. A Lei n. 9.099/1995 (art. 9º) estabelece que nas causas cujo valor alcance até vinte salários mínimos, as partes devem comparecer pessoalmente, sendo a assistência do advogado obrigatória apenas nos processos acima desse valor. 94 Unidade III Nesse caso, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADI 1.539/DF, de relatoria do Ministro Mauricio Côrrea, a norma legal outorgou à própria parte o jus postulandi nas causas cujo valor não ultrapassem o limite de vinte salários mínimos, tornando facultativa a assistência técnica por advogado. Outra exceção é a do art. 1º da Lei n. 8.906/1994, que, no seu § 1º, dispõe que a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal não é atividade privativa de advocacia. Observação O habeas corpus é um instrumento processual de ordem constitucional com previsão no art. 5º, LXVIII da CF/1988 que visa proteger qualquer pessoa física do direito de ir e vir em face da violência, coação ilegal ou abuso de poder. O habeas corpus é uma garantia com vistas à defesa da liberdade pessoal do indivíduo. Veja que o direito de liberdade é de alcance extraordinário, pois assegura ao próprio indivíduo que, em causa própria, impetre a medida sem necessitar da presença do advogado. Assim, a ordem de habeas corpus será concedida pelo juiz, de ofício, se presentes as condições estabelecidas em lei (ocorrência de violência ou coação ilegal). Saiba mais A CF/1988 estabeleceu no art. 5º que são direitos fundamentais: o acesso à justiça (inciso XXXIV, alínea a) e o direito de petição (inciso XXXV). Entretanto, para que se possa postular um direito junto ao Poder Judiciário, é necessário ser representado por um advogado (art. 133 da CF/88). Verifique esses e outros direitos fundamentais na CF/1988: BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em: https://bit.ly/3bwSoB4. Acesso em: 9 mar. 2021. A Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei n. 5.452/1943) traz outra exceção à assistência das partes por advogado (art. 791): “Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final”. Feitas essas considerações, passaremos agora a discorrer sobre a importância da atividade doadvogado, que, além de patrocinar os interesses de seus clientes, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e das garantias fundamentais, além da cidadania, da moralidade, da justiça e da paz social e profissional, segundo dispõe o art. 2º do Código de Ética da OAB (OAB/SP, 2015). 95 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS JURÍDICOS O advogado desempenha um papel fundamental para a formação da sociedade. Dada a sua vocação jurídica, deve ter no Direito o meio para superar as desigualdades, devendo perseguir incansavelmente a solução mais justa. Assim, veja que a lei é seu instrumento de trabalho, pois postula pela salvaguarda dos direitos e da garantia do tratamento isonômico. Pois bem, vimos que o advogado, para o exercício da profissão, deve ter inscrição na OAB. Analisemos agora as condições que o art. 8º da Lei 8.906/1994 impõe para o exercício da advocacia: I – capacidade civil; II – diploma ou certidão de graduação em Direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada; III – título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro; IV – aprovação em Exame da Ordem; V – não exercer atividade incompatível com advocacia; VI – idoneidade moral; VII – prestar compromisso perante o conselho (BRASIL, 1994a). Observação São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não inscrita na OAB. Por capacidade civil entende-se a aptidão para praticar os atos da vida civil, conforme art. 5º, parágrafo único, inciso IV do Código Civil brasileiro. Para comprovação da capacidade civil, a pessoa deve apresentar documento de identidade, certidão de nascimento ou de casamento atualizada. Para advogar, portanto, a pessoa deve estar apta a exercer os atos da vida civil. Note que por idoneidade moral entende-se a boa reputação e a consideração pública, ou seja, o respeito perante a sociedade pelos atributos de natureza subjetiva, tais como honra, honestidade, seriedade, dignidade, atitude escorreita e probidade. Lembre-se de que o Estatuto da Advocacia dispõe que não atende ao requisito de idoneidade moral aquele que tiver sido condenado por crime infamante, salvo reabilitação judicial (BRASIL, 1994a). Além disso, o advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia. No exercício da profissão, deve manter independência em qualquer circunstância. 96 Unidade III Já estudamos que para advogar é necessário proceder a inscrição na OAB. Para tanto, prescinde-se cursar a faculdade de Direito, tornar-se bacharel em Direito e submeter-se à avaliação do Exame da Ordem. Esse exame avalia a capacidade, os conhecimentos e as práticas necessárias para o exercício da advocacia. Exercício da advocacia Exame da Ordem Figura 40 – Advogar O Exame da Ordem é regulamentado em provimento pelo Conselho Federal da OAB. Havendo aprovação no Exame, procede-se à inscrição na OAB e ao recebimento do documento de identidade profissional (a carteira da ordem) de uso obrigatório no exercício da profissão. Observação O documento de identidade profissional constitui prova de identidade civil para todos os fins legais. É obrigatória a indicação do nome e do número de inscrição em todos os documentos assinados pelo advogado no exercício de sua atividade. Veja que o Estatuto da Advocacia (BRASIL, 1994a) dispõe sobre a responsabilidade do advogado pelos atos profissionais que, no exercício da profissão, praticar com dolo ou culpa (art. 32). Você sabia que em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente? Pois bem, o art. 32 do Estatuto da Advocacia dispõe sobre a responsabilidade solidária do advogado com o cliente, desde que tenha sido comprovado que ambos tenham agido de forma a lesar a parte contrária, devendo ser esta responsabilidade apurada em ação própria. A razão dessa responsabilidade é que no exercício da advocacia exige-se higidez no relacionamento entre advogado e cliente. Esse elemento é fundamental para o verdadeiro exercício do direito de defesa e ao devido processo legal (COÊLHO, 2017, p. 33). Para tanto, as relações entre o advogado e cliente devem basear-se na confiança recíproca, pois o advogado, no exercício do mandato, atua como patrono da parte, devendo dar à causa a orientação que entenda ser a mais adequada e satisfatória ao seu cliente. 97 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS JURÍDICOS Ademais, oportuno ressaltar que o advogado não deve deixar ao abandono ou ao desamparo as causas sob seu patrocínio. Se entender que as dificuldades se tornam insuperáveis pela inércia de seu cliente quanto às providências que lhe tenham sido solicitadas, o Estatuto da Advocacia recomenda que o advogado renuncie ao mandato, e nunca deixe em abandono o seu cliente (art. 5º). Assim, conhecer o Código de Ética e Disciplina (CED) é fundamental para o exercício da atividade profissional, pois no desempenho da profissão, o advogado deverá observar o rigor técnico e, ao mesmo tempo, ético no campo profissional. Não é demais lembrar que na construção do Estado de Direito, em sua atividade jurídica, esse profissional deve atuar com seriedade e dignidade. Nesse sentido, o exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos do Código de Ética e do Estatuto da Advocacia (BRASIL, 1994a), de acordo com os princípios da moral individual, social e profissional, conforme estabelece seu art. 1º: “Art. 1º O exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os princípios da moral individual, social e profissional”. Saiba mais Para ilustrar o que ocorre quando a ética fica à margem da profissão, o filme a seguir mostra um advogado que exerce sua profissão em desconformidade com os padrões éticos exigidos na prática da advocacia, além de retratar situações antiéticas por parte dos servidores da justiça. O PODER e a lei. Direção: Brad Furman. EUA: Imagem Filmes, 2011. 108 min. O Estatuto da Advocacia (BRASIL, 1994a) regula ainda os deveres do advogado com a comunidade, o cliente e o outro profissional. A par dessas considerações, o Estatuto regula também a publicidade, a recusa do patrocínio, o dever de assistência jurídica e o dever geral de urbanidade (art. 33, parágrafo único). Entre os deveres do advogado está a urbanidade. O art. 27 do Código de Ética e Disciplina da OAB (2015) estabelece a obrigação de tratar os colegas de profissão, agentes políticos, autoridades, servidores públicos e terceiros com o dever de urbanidade, ou seja, com educação, respeito e cortesia. O Estatuto da Advocacia (BRASIL, 1994a) estabelece, além dos deveres, diversos direitos para o(a) advogado(a). Vejamos alguns deles: • Exercer, com liberdade, a profissão em todo o território nacional. 98 Unidade III • A inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia. • Não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado-Maior, com instalações e comodidades condignas, e, na sua falta, em prisão domiciliar. • Dirigir-se diretamente aos magistrados nas salas e gabinetes de trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada. • Reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento. • Examinar, em qualquer órgão dos Poderes Judiciário e Legislativo, ou da Administração Pública em geral, autos de processos findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estiverem sujeitos a sigilo ou segredo de justiça, assegurada a obtenção de cópias, com possibilidade de tomar apontamentos. • Assistir seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidadeabsoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração. Veja que o advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer. Por fim, é preciso ressaltar que não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratarem-se com consideração e respeito recíprocos. Além disso, o Estatuto da Advocacia dispõe que as autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho. 5.1.1 Assessoria e consultoria jurídica O advogado deve ter consciência de que o Direito é um meio de mitigar as desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para garantir a igualdade de todos. No campo do direito existem diversas possibilidades de atuação profissional. Entre as áreas de atuação do advogado estão a consultoria e a assessoria jurídica. Ambas são atividades privativas do advogado com inscrição ativa na OAB. 99 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS JURÍDICOS O Estatuto da Advocacia (BRASIL, 1994a) assim dispõe: São atividades privativas da advocacia: [...] II – as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas. A assessoria jurídica é uma modalidade de prestação de serviço jurídico que consiste na gestão jurídica de alinhamento dos objetivos do cliente, por meio da identificação de problemas, do planejamento de ações de controle e do monitoramento em determinado segmento do direito, além da análise e mensuração dos riscos envolvidos, sempre na busca de mecanismos jurídicos aptos a adequar a condução da atividade com as exigências legais. Entre as práticas mais comuns de assessoria jurídica estão a elaboração de contratos pelo advogado e seu acompanhamento junto ao cartório para o procedimento do registro, prevenção de demandas jurídicas, facilitação de mediação e arbitragem e projeção das consequências jurídicas nas tomadas de decisões. Perceba que a assessoria jurídica tanto pode ser no âmbito não contencioso quanto na esfera contenciosa. Por outro lado, a consultoria jurídica se destina a casos específicos e completa-se com um aconselhamento legal ou um parecer, apresentando as possíveis soluções para o cliente. Observação Entende-se por consultoria o ato ou o efeito de dar consultas ou aconselhamentos. O advogado, ao dar consultoria jurídica, também elabora parecer sobre assunto de sua especialidade. Sabe-se que situações legais, se não forem bem administradas, acarretam grandes problemas para uma empresa ou para uma pessoa física e representam um comprometimento econômico-financeiro que, muito comumente, se torna irreversível, além do passivo jurídico, que, certamente, gera custos e problemas de ordem moral. Qual, então, é o papel da consultoria jurídica na área de prestação de serviços? É justamente o trabalho jurídico na esfera preventiva, tanto no gerenciamento de riscos quanto na atuação estrategista, cujo mapeamento será elaborado considerando as principais fragilidades do caso apresentado e as reais necessidades da empresa ou da pessoa física para fins de elaboração de um plano de ação. 100 Unidade III A consultoria jurídica, na prestação de serviços, pode ocorrer em diversas áreas e variar conforme a necessidade da pessoa ou da empresa. Assim, pode ser dirigida às questões trabalhistas, ambientais, tributárias, cíveis e contratuais, imobiliárias, empresariais, corporativas, entre outras. Ao contratar uma consultoria jurídica, uma empresa pode estar, por exemplo, procurando soluções para mitigar riscos advindos da legislação em determinada área do direito ou estar buscando um serviço de auditoria jurídica no campo das obrigações trabalhistas com vistas a detectar falhas na condução com seus colaboradores e, consequentemente, conforme o resultado, encontrar meios de diminuir o passivo trabalhista. Dessa forma, o advogado estará atuando de modo preventivo, evitando judicializações desnecessárias e eventuais demandas, de modo a reduzir, para o cliente, custos judiciais e trazer maior segurança para os negócios da empresa. Veja na figura a seguir, em síntese, algumas vantagens da assessoria jurídica na atividade preventiva: Prevenção de demandas judiciaisAssessoria jurídica Antecipação de riscos Maior segurança nos negócios Figura 41 – Vantagens da assessoria jurídica Estudamos, portanto, que, para evitar gastos desnecessários e conferir menos onerosidade à empresa, a advocacia preventiva tem por escopo precaver-se de demandas desnecessárias e mitigar riscos e potenciais prejuízos à empresa. 5.1.2 A função social da atividade jurídica Estabelece o art. 2º do Código de Ética e Disciplina da OAB (2015) que o advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes. Por administração da Justiça, o Estatuto da Advocacia (BRASIL, 1994a) dispõe que a atividade profissional do advogado é a prestação de serviço público, mesmo em seu ministério privado, pois exerce uma função social (art. 2º, § 1º). O que se entende por função social da atividade jurídica? 101 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS JURÍDICOS Entende-se que, quando se dá cumprimento a determinada atividade profissional, tem-se por base a percepção de que a advocacia é mais do que um exercício de atividade profissional em si, pois pressupõe deva ser compatível com os anseios de toda a sociedade. É de notar que no processo judicial, conforme dispõe o estatuto, o advogado contribui para a busca da decisão favorável ao seu constituinte e, portanto, para o convencimento do julgador (art. 2º, § 2º), ao mesmo tempo que zela pelo cumprimento da lei, busca contribuir para a construção de uma sociedade justa e democrática. Assim, ao representar os interesses de seu cliente, o advogado deve envidar todos os esforços, dentro da legalidade e da ética profissional, para buscar a decisão mais favorável ao seu representado, mas ao mesmo tempo deve se comprometer com a edificação do direito justo. Estando na investidura de uma função pública, o advogado realiza atos profissionais que constituem um munus público, ou seja, um encargo inerente à profissão e que está voltada à administração da justiça. Observação Munus significa dever, obrigação, ônus ou encargo por decorrência de uma função a ser desempenhada. Nesse sentido, vale destacar Gladston Mamede (2014, p. 15): “Mesmo quando o advogado atua movido por seus interesses privados, age no interesse público, o que inclui a busca de solução favorável ao seu cliente”. Vimos, portanto, a importante função social do advogado na administração da justiça. Para ilustrar ainda mais a função social na administração da justiça, vamos analisar o relacionamento entre o advogado e seu cliente na prestação de serviços jurídicos. Note que já estudamos a importância do relacionamento com clientes e no exercício da advocacia não é diferente de outros serviços, entretanto, o relacionamento com o cliente, neste segmento de serviço, já vem normatizado. Vejamos que dispõe a legislação no Código de Ética e Disciplina da OAB (2015), no art. 9º, que o advogado tem o dever de informar seu cliente, de modo claro e inequívoco, sobre os eventuais riscos de sua pretensão, bem como das consequências da demanda. Ademais, como as relações entre advogado e cliente sebaseiam na confiança recíproca, não deve o advogado submeter-se a toda e qualquer imposição de seu cliente. No âmbito do exercício profissional e da independência técnica, o advogado não é subordinado de seu cliente, mas patrono da parte e imprime à causa a orientação que lhe pareça mais favorável (art. 11). Vimos que a advocacia está propensa a cumprir uma função social, dada a indispensabilidade do profissional advogado para a vida em sociedade. Ao zelar pelas garantias constitucionais e trilhar 102 Unidade III pelos caminhos da justiça de forma participativa numa sociedade democrática, o advogado constitui o elo entre a sociedade e as instituições jurídicas. Considerando que o direito tem por finalidade a busca pela pacificação social, o direito de acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF) e as efetivas soluções aos problemas jurídicos e conflitos de interesses que ocorrem em larga escala na sociedade, entendeu-se que a legislação deve também organizar, em âmbito nacional, a prestação jurídica por meio de outros mecanismos de solução de conflitos. Para isso, criaram-se por lei os modelos consensuais de solução de conflitos, tais como a mediação e a conciliação. Nesse sentido, o CNJ, pela Resolução n. 125, criou um programa de resolução de conflitos por vias não judiciais. Figura 42 – Consenso Assim, a mediação e a conciliação trouxeram um novo paradigma da administração da justiça com vistas a fomentar a atividade jurídica da advocacia para o exercício da atuação compositiva numa função integrativa no exercício da advocacia. Advocacia Função integrativa Figura 43 – Mediação e conciliação A mediação e a conciliação, além de outros métodos de solução consensual, vêm proporcionar às partes uma composição amigável em detrimento de mais conflitos que possam surgir de uma disputa judicial. Perceba que os conflitos podem surgir nas mais diversas formas, portanto, buscar o gerenciamento de conflitos por meio da composição de interesses é desvincular-se da disputa e da violência sem o recurso da força. A busca de uma solução amigável por meio da autonomia das partes envolvidas no conflito foi incentivada pelo novo Código de Processo Civil de 2015 (CPC – Lei n. 13.105). Tanto é assim que esse Código impõe o dever de cooperação nacional para alcançar a justiça social. Vejamos o que diz o CPC (BRASIL, 2015): 103 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS JURÍDICOS Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. O advogado, na mediação e conciliação, ao prestar assessoria jurídica e técnica ao seu cliente, no auxílio das negociações, deverá ter uma postura colaborativa de forma a facilitar o diálogo entre as partes envolvidas no conflito. Vê-se, portanto, a relevante função social atribuída ao exercício da advocacia, tanto na esfera contenciosa quanto no âmbito da composição amigável. 5.1.3 Impedimentos para o exercício da advocacia O Estatuto da Advocacia (BRASIL, 1994a) dispõe sobre os impedimentos com relação ao exercício da atividade. Assim, os servidores da administração direta e indireta e fundacional estão impedidos de advogar contra a Fazenda Pública que os remunera. Apenas com a ressalva para o exercício da docência (art. 30, I). Os membros do Poder Legislativo, em seus diferentes níveis, estão impedidos de advogar contra ou a favor das pessoas jurídicas de direito público, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público (art. 30, II). O Estatuto também dispõe sobre as incompatibilidades da função, que significa a proibição total do exercício da advocacia, não admitindo nem mesmo quando em causa própria (art. 28). Em outras palavras, nas hipóteses do art. 28, o advogado não poderá advogar de forma alguma. Assim, não podem exercer a advocacia aqueles que são: • chefe do Poder Executivo e membros da Mesa do Poder Legislativo e seus substitutos legais; • membros de órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos tribunais e conselhos de contas, dos juizados especiais, da justiça de paz, juízes classistas, bem como de todos os que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da administração pública direta e indireta; 104 Unidade III • ocupantes de cargos ou funções de direção em órgãos da administração pública direta ou indireta, em suas fundações e em suas empresas controladas ou concessionárias de serviço público; • ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário e os que exercem serviços notariais e de registro; • ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a atividade policial de qualquer natureza; • militares de qualquer natureza, na ativa; • ocupantes de cargos ou funções que tenham competência de lançamento, arrecadação ou fiscalização de tributos e contribuições parafiscais; • ocupantes de funções de direção e gerência em instituições financeiras, inclusive privadas. Excepcionam-se os cargos com direção acadêmica, desde que diretamente vinculados ao magistério jurídico, portanto, esses não são incompatíveis com o exercício da advocacia. Veja que é incompatível o exercício da advocacia com o cargo de presidência da República. Também é incompatível exercer a função de juiz de Tribunal de Justiça e advogar. A incompatibilidade atinge também todos aqueles que estão vinculados ao Poder Judiciário no exercício das funções e de serviços de registro e notariais. Os ocupantes de cargos notariais e de registro, que se vinculem ao Poder Judiciário de forma direta ou indireta, também não podem exercer a advocacia. Note que a proibição se estende a qualquer comarca. Observação Na acepção jurídica, comarca corresponde ao território em que o juiz de primeiro grau irá exercer sua jurisdição. Cada comarca poderá ter mais de um juiz. Jurisdição é o poder legal com que são investidas as autoridades (juízes) para aplicar o direito. Prevê ainda o Estatuto da Advocacia (BRASIL, 1994a) que não é permitido o exercício simultâneo da atividade policial e da advocacia, pois a incompatibilidade se refere ao potencial prejuízo do cumprimento das respectivas funções. Assim, é incompatível a atividade de um delegado de polícia com a advocacia. Da mesma forma ocorre com as funções e serviços notariais e de registro. Vejamos a lição de Gladston Mamede (2014, p. 98) ao se referir a esses serviços: 105 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS JURÍDICOS De se realçar que a natureza do cargo desempenhado junto ao Judiciário, assim como aos serviços notariais, não ameniza a proibição total para o exercício da advocacia. Pouco importa que se trate de porteiro, de motorista, de atendente, de redator de revista jurisprudencial, leiloeiro público oficial ou analista de sistema; se há, ou não, contato com processos, com magistrados ou com o público. O simples fato de compor a estrutura judiciária ou de registros públicos determina uma contaminação visceral, impossibilitando o exercício da advocacia pelo bacharel. Preservam-se, assim, ambas as atividades que, por desempenhar papéis bem distintos, embora complementares, não podem ser confundidos, sob pena de criar desconfiança sobre sua lisura. Por fim, é preciso ressaltar que a incompatibilidade permanece mesmo que o ocupante do cargo ou função deixe de exercê-lo temporariamente. 5.2 As atividades dos tabeliães e notários De início, é preciso lembrar que o exercício da atividade notarial e registral pressupõe segurança e independência. De acordo com o art. 236 da CF (BRASIL, 1988), os serviços notariais e de registrosão considerados de natureza privada, por delegação do Poder Público sob fiscalização do Poder Judiciário. Atividade notarial e registral Delegação do Poder Público Fiscalização pelo Poder Judiciário Natureza privada Figura 44 – Atividade notarial e de registro O ingresso na atividade de tabelião e notário depende de concurso público de provas e títulos. Para isso, o candidato ao concurso público deverá ter nacionalidade brasileira, capacidade civil, quitação com as obrigações eleitorais e militares, ser bacharel em direito e demonstrar conduta condigna para o exercício da profissão. Os serviços notariais e de registro são de natureza extracontratual e possuem fé pública, pois se tratam de serviços públicos delegados e prestados a toda sociedade. Essas atividades são de natureza técnico-administrativa e se destinam a garantir publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos. 106 Unidade III Veja no quadro a seguir as competências dos notários e tabeliães de notas nos termos da Lei n. 8.935/1994 (arts. 6º e 7º): Quadro 7 – Competências dos notários e dos tabeliães Notários Tabeliães de notas Formalizar juridicamente a vontade da parte Lavrar escrituras e procurações Autenticar fatos Lavrar testamentos públicos e aprovar cerrados Lavrar atas notariais Intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade Autorizar a redação ou redigir instrumentos adequados, conservando os originais, e expedir cópias fidedignas de seu conteúdo Reconhecer firmas e autenticar cópias Os notários e oficiais de registro, no exercício de suas atividades e atos previstos em lei, necessários à organização e execução de serviços, podem adotar sistemas de computação, microfilmagem, disco óptico, entre outros meios de reprodução, conforme dispõe a Lei n. 8.935/1994, que normatiza os serviços notariais e de registro. A função cartorária e de registro é de interesse público e de natureza delegatória, significando que se vincula à fiscalização do Estado. Diante disso, o Provimento n. 88/2019 do CNJ dispôs sobre as políticas, procedimentos e controles que devem ser adotados pelos notários e registradores visando à prevenção dos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção e financiamento ao terrorismo, entre outros. De acordo com o Provimento n. 88 do CNJ (2019), os notários e registradores devem avaliar a existência de suspeição nas operações ou propostas de operações de seus clientes, dispensando especial atenção àquelas incomuns ou que, por suas características, possam configurar indícios dos crimes de lavagem de dinheiro ou de financiamento de terrorismo, ou com eles relacionar-se. Note que esse provimento estabelece que, em havendo suspeição, ou seja, dúvida, os cartórios comuniquem, no dia útil seguinte à finalização da operação ou proposta de operação, à Unidade de Inteligência Financeira (UIF), sob pena de responsabilidade solidária. O Provimento n. 88 do CNJ aplica-se a: • tabeliães de notas; • tabeliães e oficiais de registros de contratos marítimos; • tabeliães de protesto de títulos; • oficiais de registro de imóveis; 107 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS JURÍDICOS • oficiais de registros de títulos e documentos civis de pessoas jurídicas; • titulares, interventores e interinos dos serviços notariais e registrais. Sobre o tema da responsabilidade dos notários e tabeliães, bem como dos serventuários da justiça, trataremos no item 6 desta unidade. Vale lembrar que existe uma função social na atividade exercida pelos notários, registradores e seus prepostos, que pode ocorrer em vários tipos de serventias extrajudiciais: nos cartórios de notas, de registro civil, de registro de imóveis, de registro de títulos e documentos e de protesto. Em 2020, a Corregedoria Nacional de Justiça promoveu alterações no Provimento n. 88 de 2019 para fazer constar a obrigatoriedade dos tabeliães e oficiais de registro informarem à UIF, por intermédio do Sistema e Controle de Atividades Financeiras (Siscoaf), sobre quaisquer operações que, por seus elementos objetivos e subjetivos, possam ser consideradas suspeitas de lavagem de dinheiro ou financiamento ao terrorismo. Observação O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) é a Unidade de Inteligência Financeira do Brasil, criada pela Lei n. 9.613/1998 e subordinada ao Ministério da Fazenda, com a finalidade institucional de recepcionar, analisar e retransmitir aos órgãos públicos competentes para investigação e persecução criminal informações estratégicas que configurem indícios de cometimento do crime de ocultação de bens, valores e direitos obtidos ilicitamente. Portanto, atua principalmente na prevenção e no combate à lavagem de dinheiro. Veja a importante função social dos notários e registradores que exercem atividade preventiva. Disso decorre que a prestação de serviços desempenhada pelo notário e pelos oficiais de registro impõe responsabilidade na prática profissional, devendo esta ocorrer com imparcialidade e na esteira da conduta ética que permeia a profissão. 5.2.1 O serviço notarial como função social do Estado A prestação de serviço notarial e de registro dispõe-se a assessorar as partes que procuram esse tipo de serviço, devendo ser prestado de forma técnica e profissional. No exercício notarial da função de registrar a vontade das partes, instrumentaliza-se um documento público que, certamente, deve estampar a vontade dos envolvidos de forma fidedigna e segura, pois confere fé pública ao que foi convencionado. 108 Unidade III Já vimos que o notário e o tabelião atuam por delegação do Poder Público; portanto, os atos por eles realizados possuem fé pública. Isso significa que a função notarial e registral é referendada pelo Estado. Ao conferir fé pública aos atos notariais e de registro, confere-se também a segurança jurídica, elemento essencial da função notarial e de registro. Além disso, é preciso ressaltar a credibilidade dos atos notariais e de registro, tanto no âmbito da autenticidade quanto na esfera de validade dos atos realizados em sede das serventias notariais e de registro. Vimos também que cabe aos profissionais de cartório e de registro instrumentalizar juridicamente a vontade dos clientes que procuram pelos seus serviços. A partir do ato notarial e de registro confere-se juridicidade ao que ali, perante o notário ou tabelião, se convencionou. Assim, a função desempenhada no exercício notarial e de registro é uma função de Estado, portanto, plena de juridicidade e revestida de verdadeiro múnus público. Da mesma forma, a função desempenhada por esses profissionais vem ao encontro dos anseios da sociedade, que necessita desses serviços para atuação na vida civil. Lembrete A função notarial e registrária está disposta aos anseios sociais e vincula-se a ditames legais. Vejamos agora algumas das obrigações dos notários e oficiais de registro no desempenho das suas funções: • sigilo profissional; • observância das prescrições legais ou normativas; • eficiência, urbanidade e presteza; • prioridade nas solicitações das autoridades e judiciárias e administrativas para a defesa das pessoas de direito público em juízo; • observância dos emolumentos relativos aos atos de seu ofício; • dar recibo dos emolumentos percebidos; • observar os prazos legais fixados para a prática os atos de seus ofícios; • fiscalizar o recolhimento de impostos incidentes sobre os atos que pratica; 109 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS JURÍDICOS • facilitar o acesso a documentos às pessoas legalmente habilitadas; • encaminhar ao juízo competente as dúvidas levantadas pelos interessados; • observar normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente. Como colaboradores do Estado e como prestadores de serviço público, aplicam-se aos notários e tabeliães, bem como aos oficiais de registro, os princípios elencados no art. 37 da CF (BRASIL, 1988). Para melhor visualização, verifique esses princípios na figuraadiante: Impessoalidade Publicidade Eficiência Legalidade Moralidade Figura 45 – Princípios constitucionais da administração pública Veja que esses princípios estão presentes em toda e qualquer atividade notarial e de registro. Os atos dos notários e registradores foram estabelecidos por normas legais, portanto, o princípio da legalidade refere-se às atividades funcionais desses profissionais, que têm na lei as suas atribuições, a forma de contratação de prepostos, a fiscalização de suas atividades, seus deveres e direitos, entre outras disposições. A impessoalidade relaciona-se à imparcialidade de tratamento desses profissionais com os seus clientes e usuários dos serviços notariais e de registro, conforme dispõe o art. 27 da Lei n. 8.935/1994. Esse artigo estabelece que no serviço em que é titular, o notário e o registrador não poderão praticar, pessoalmente, qualquer ato de seu interesse, ou de interesse de seu cônjuge ou de parentes, na linha reta, ou na colateral, consanguíneos ou afins, até o terceiro grau (BRASIL, 1994b). Já o princípio da moralidade corresponde ao exercício da profissão, que deverá ser desempenhada de forma honesta, com probidade e com atitude compatível com a confiança que a sociedade e as instituições do Estado depositam nesses profissionais. 110 Unidade III Os serviços notariais e de registro dispõem-se a conferir segurança jurídica, como já vimos, entretanto, a publicidade dos atos administrativos, segundo o art. 37 da CF (BRASIL, 1988), é um dos princípios que norteiam as atividades prestadas pelo Estado e aquelas por ele delegadas. A prestação de serviços notariais e de registro deve estar de acordo com o disposto do art. 1º da Lei dos Notários e Registradores (Lei n. 8.935/1994): “Os serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos” (BRASIL, 1994b). Essa lei também dispõe sobre a publicidade dos atos, ou seja, dando seguimento à norma constitucional. Entretanto, a publicidade sofre limitações impostas por lei, pois entre os deveres dos notários e oficiais de registro está a obrigatoriedade de guardar sigilo sobre documentação e assuntos de natureza reservada de que tenham conhecimento em razão do exercício de sua profissão, conforme o art. 30, VI da referida lei. Por fim, o princípio da eficiência vincula-se à presteza e à qualidade dos serviços prestados na atividade notarial e de registro. Assim, a formalização de uma escritura pública, de um registro de imóvel ou de uma certidão de nascimento, bem como outros serviços, além de estar vinculada à legislação constitucional e ordinária, relaciona-se, ainda, com a boa gestão dos serviços notariais e registrais atrelada ao alcance de resultados e ao nível de qualidade. Nesse sentido, a eficiência permeia toda e qualquer atividade cartorária, desde a normatização nas esferas constitucional e infraconstitucional até a modernização da estrutura física e operacional, além dos níveis de indicadores de satisfação dos clientes. Em outras palavras, a gestão de prestação de serviços jurídicos, notariais e de registro vem comprometida com as normas legais e regulatórias, além das regras que norteiam o bom gerenciamento de serviços jurídicos e a boa gestão cartorária. No tocante à boa gestão nos cartórios, vale destacar as palavras de Talita Caldas (2017, p. 16): As serventias extrajudiciais, em suma, garantem a segurança jurídica de todos os fatos relevantes da vida civil das pessoas: do nascimento ao testamento e óbito, da manifestação de vontade declarada na escritura à proteção do “sonho” da casa própria. Por isso, um direcionamento estratégico baseado em decisões orientadas por indicadores de desempenho, que valorize ações do setor, é ainda mais importante. Por se tratar de um serviço público, apesar da independência profissional e da autonomia dos notários e dos registradores na realização de suas atividades, conforme estudamos, esse serviço se submete ao poder fiscalizatório do Estado, notadamente à fiscalização da Corregedoria Geral de Justiça vigente, realizada por meio de inspeções e correições. 111 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS JURÍDICOS Observação Inspeção – apuração de fatos e verificação do funcionamento da prestação dos serviços oferecidos ao público. Correição – apuração de fato determinado que se relaciona com deficiência grave na prestação de serviço. É de notar-se que a função cartorária pressupõe gerenciamento de serviços, tanto no âmbito administrativo quanto corporativo. Para tanto, o titular do cartório deve estar apto a desenvolver estratégias de planejamento corporativo para tomadas de decisão, tendo em vista que a boa ou má gestão de uma serventia implicará maior ou menor segurança jurídica. Daí a importância de se desenvolver um serviço de qualidade, com agilidade e segurança jurídica, dada a responsabilidade do titular do cartório, tendo em vista que qualquer dano causado aos usuários dos serviços prestados será de responsabilidade desse titular, mesmo que quem tenha dado causa tenha sido um dos colaboradores. A questão da responsabilidade dos notários e registradores está disposta no art. 22 da Lei n. 8.935/1994, com alteração dada pela Lei n. 13.286/2016, que será desenvolvida ainda nesta unidade. 6 RESPONSABILIDADE DOS ATOS PRATICADOS NAS PROFISSÕES JURÍDICAS 6.1 Responsabilidade e autoridade Entende-se por responsabilidade a obrigação de responder pelos próprios atos ou pelos atos de outros que estão sob a sua tutela. Ser responsável implica assumir uma atitude de compromisso diante de algo ou de alguém e, certamente, assumir também as consequências pelas ações ou omissões. Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 41), o termo responsabilidade tem sua origem na raiz latina spondeo, pelo qual se vinculava o devedor, de forma solene, nos contratos verbais do Direito Romano. Para ele, “Toda atividade que acarreta prejuízo, traz em seu bojo, como fato social, o problema da responsabilidade”. Vejamos ainda a interessante distinção entre reponsabilidade e obrigação que Sergio Cavalieri Filho (2002, p. 22) faz: “Obrigação é sempre um dever jurídico originário; responsabilidade é um dever jurídico sucessivo, consequente à violação do primeiro”. Assim, se alguém prestar serviço a outrem assume uma obrigação, ou seja, um dever jurídico originário. Carlos Alberto Gonçalves também estabelece a distinção entre obrigação e responsabilidade. Segundo ele, a primeira consiste no vínculo jurídico entre credor e devedor, ou seja, é a cobrança do credor de uma prestação devida pelo devedor. Nesse sentido, a cobrança consiste na inocorrência 112 Unidade III do cumprimento da obrigação, assim, sobrevém o inadimplemento e ocorre a consequente responsabilidade (GONÇALVES, 2019, p. 41). Veja o esquema a seguir: Consequência jurídica Descumprimento da obrigação Responsabilidade Figura 46 – Responsabilidade e obrigação jurídica Já autoridade podemos conceituar como o poder de se impor a alguém em razão da posição hierárquica. No Dicionário Houaiss (2009, p. 226), a definição de autoridade constitui-se como o “direito ou poder, de ordenar, de decidir, de atuar, de se fazer obedecer”. No âmbito jurídico, a autoridade deriva de um ato de delegação, ou seja, de alguém investido em um poder. Em outras palavras, quando o poder é outorgado a alguém por uma autoridade jurídica, sendo esse poder autorizado ou criado por lei, confere-se legitimidade para que esse sujeito exerça tal poder. A autoridade como expressão de um agir significa poder como algo realizável, por exemplo, ato de autoridade. Entende-se por ato de autoridade o fato de a lei conferir a alguém a investidura de um cargo ou função que lhe acena com a prerrogativa de realizar atos de poder. Nesse sentido, a pessoa passa a agir com e como autoridade, porque está investida de um poder a ela conferido por uma prerrogativa legal. Por outrolado, pode-se concluir que só quem tem autoridade poderá atribuir ou delegar poder a outro. Nesse sentido, na outorga do exercício de um poder a outro, opera-se a concessão ou a permissão para desempenhar uma função de autoridade. A par dessas considerações, vimos que no âmbito dos serviços prestados pelos advogados e pelos notários e tabeliães, os primeiros possuem capacidade postulatória que lhes confere autoridade para atuar em juízo ou fora dele, representando os interesses de seus clientes, pois, após aprovados no Exame da Ordem, estarão aptos a exercer a advocacia, desde que inscritos na OAB. Com relação aos notários e tabeliães, esses profissionais são investidos de autoridade que a eles é delegada por força de ato do Poder Público. Assim, seus atos são dotados de poder e de autoridade, pois ao realizá-los conferem fé pública e segurança jurídica. 113 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS JURÍDICOS A seguir estudaremos sobre a responsabilidade dos advogados e dos notários e dos tabeliães. 6.2 A responsabilidade civil dos advogados O advogado, no exercício da profissão, possui independência e liberdade para exercer a atividade de forma prudente e ética. Segundo o Estatuto da Advocacia (BRASIL, 1994a), o profissional deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia. Esse mesmo estatuto dispõe, não obstante, que o advogado é responsável civilmente pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa (art. 32). Pois bem, o mandato judicial, ou seja, a procuração judicial que permite ao advogado atuar como representante de seu cliente, faz nascer a relação jurídica advogado/cliente e, por consequência, a responsabilidade contratual. É bom lembrar que a prestação de serviços jurídicos pelo advogado é caracterizada como obrigação de meio e não de resultado, pois na sua atividade profissional promove a defesa de seu cliente, além de prestar assessoria jurídica de forma profissional e técnica, atividades que não implicam garantia de sucesso total e irrestrito nem salvo-conduto para o cliente de que eventuais demandas não venham a ocorrer. Paulo Lôbo (2017, p. 214) destaca as normas gerais que regem a responsabilidade civil do advogado, inseridas na CF, art. 133, e que estabelecem a inviolabilidade deste profissional por seus atos e manifestações no exercício da profissão, in verbis: É norma de exoneração de responsabilidade, não podendo os danos daí decorrentes ser indenizados, salvo no caso de calúnia ou desacato. Essa peculiar imunidade é imprescindível ao exercício da profissão que lida com a contradição de interesses e os conflitos humanos. Nessa mesma toada, como os advogados são considerados profissionais liberais, aplica-se a eles o art. 186 do Código Civil como regra básica da responsabilidade civil subjetiva. Observação Pela responsabilidade subjetiva caberá ao advogado provar que não agiu com culpa (negligência, imprudência ou imperícia). Se prová-lo, estará excluída a responsabilidade. Assim como na profissão médica não há a garantia de cura, no exercício da advocacia não há o compromisso de ganho de causa ou de absolvição do cliente, mas sim o compromisso de se envidar todos os esforços de forma a cumprir os ditames legais e promover a defesa técnica com qualidade, no mais alto grau de conduta ética e profissional, sob pena de infração disciplinar. 114 Unidade III O Estatuto da Advocacia (BRASIL, 1994a) é muito claro nesse quesito, com algumas das infrações disciplinares capituladas em seu art. 34 e que implicam a responsabilidade civil e penal dos advogados: Art. 34. Constitui infração disciplinar: [...] V – advogar contra literal disposição em lei, [...] XIV – deturpar o teor de dispositivo de lei, de citação doutrinária ou julgado, bem como de depoimentos, documentos e alegações da parte contrária, para confundir o adversário ou iludir o juiz da causa; [...] XVIII – solicitar ou receber do constituinte qualquer importância para aplicação ilícita ou desonesta; [...] XXVIII – praticar crime infamante; [...] Veja que, além da responsabilidade civil, o advogado, se incorrer em crime, responderá criminalmente pelos atos ilícitos e caracterizados como crimes, nascendo daí a responsabilidade penal. O Estatuto da Advocacia (BRASIL, 1994a) prevê ainda que, no caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária. Em outras palavras, ambos responderão pela lide temerária. É bom destacar que a responsabilidade civil incide também para o defensor público ou procurador de entidades públicas (estado, município, autarquias, advogado da União, por exemplo), recaindo na pessoa jurídica de direito público em nome da qual esses profissionais atuam, nos termos das normas disciplinadoras da responsabilidade do Estado (CAVALIERI FILHO, 2002, p. 334). Note que a perda da ação, por decisão judicial, não acarreta responsabilidade civil do advogado, entretanto, se o advogado deu causa ao insucesso por culpa ou dolo, ou se foi negligente com o prazo, trazendo prejuízo e lesando o patrimônio jurídico de seu cliente, abre-se a possibilidade da “perda de uma chance”, incidindo na responsabilidade civil. 115 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS JURÍDICOS Vejamos a lição de Carlos Roberto Gonçalves nesse sentido: Aspecto relevante no estudo da responsabilidade civil do advogado é o que diz respeito à sua desídia ou retardamento na propositura de uma ação judicial. Utiliza-se, nesses casos, a expressão “perda de uma chance”, como nos casos de responsabilidade civil dos médicos [...] simbolizando aqui, a perda, pela parte, da oportunidade de obter, no Judiciário, o reconhecimento e a satisfação íntegra ou completa de seus direitos (GONÇALVES, 2019, p. 154). Note que a perda de prazo constitui erro grave no exercício da advocacia; portanto, o advogado deve primar pela diligência e pela proatividade. De todo modo, para que se possa atribuir a responsabilidade civil ao advogado é necessário que haja comprovação da total negligência do profissional e que sua atitude não só tenha contribuído para o insucesso de seu cliente devido a culpa ou dolo, mas que tenha sido a causa direta do dano ocasionado ao patrimônio deste. Em resumo, veja na figura ilustrativa as características estudadas no âmbito da responsabilidade do profissional advogado: Advogado Responsabilidade contratual Responsabilidade por erros graves e comprováveis Responsabilidade subjetiva (aferição de culpa) Obrigação de meio (e não de resultado) Figura 47 – Responsabilidade do advogado 116 Unidade III Veja que para imputar a responsabilidade civil ao advogado, impõe-se provar que houve erro grave, apto a embasar uma ação de ressarcimento. Não é qualquer situação de dissabor ao cliente ou a mera perda da ação que ensejará o pleito por perdas e danos. Não é demais relembrar que a advocacia é atividade de meio, que não garante o sucesso da causa. Para fins de indenização, é necessário que tenha havido inépcia do profissional e que sua autoria tenha sido diretamente a causa do dano, pois de outra forma não será possível atribuir a responsabilidade civil ao advogado. 6.3 A responsabilidade civil dos notários e registradores Aprendemos que as serventias extrajudiciais agregam diversas competências públicas na formalização de vários atos. Esses atos realizados pelas serventias têm o poder de criar e preservar direitos e obrigações, mas também podem modificar, transformar e extinguir esses direitos e obrigações, tornando-os autênticos e legítimos graças à formalização em cartório e à fé pública a eles conferida. Vimos também que se tratam de serviços delegados e que, portanto, só acontecem por força de disposição legal. Vejamos a figura ilustrativa a seguir no tocante às atividades notariais e de registro e às consequências dessas atividades quanto aos direitos e obrigações: Criam PreservamModificam Transformam Atividades notariais e registrárias Serventias extrajudiciais Extinguem Figura 48 – Atividades notariais e de registro Estudamos ainda que a atividade notarial e de registro pressupõe confiança e credibilidade em razão da segurança jurídica e da fé pública conferida aos atos notariais e de registro. Nesse sentido, é de vital importância analisarmos a responsabilidade civil dos notários e dos registradores. Os notários e oficiais de registro respondem pelos danos ocasionados pelos seus prepostos no exercício da função registrária e notarial. No caso de os prepostos terem agido com dolo ou culpa, cabe aos notários e oficiais de registro promoverem a ação de regresso contra os prepostos que agiram dessa forma. 117 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS JURÍDICOS Para ilustrar melhor essa questão, optou-se por trazer a lição de Regina Pedroso e Milton Fernando Lamanauskas (2015, p. 13): É comum na doutrina a distinção entre responsabilidade subjetiva e objetiva. A primeira, em resumo, só se aplica após a demonstração de culpa e nexo de causalidade. Já a responsabilidade objetiva independe da demonstração de culpa, mas sim basta para sua configuração a existência de um fato e o consequente dano. Para compreender a implicação e a atribuição da responsabilidade aos oficiais é importante que se observe que o fato de o sistema registral ter dois aspectos: um público e outro privado. Em relação a esfera de atuação pública a responsabilidade do Estado é objetiva, pois se trata de responsabilidade quanto à aplicação das normas e condutas comuns do sistema, da estrutura. Por outro lado, há a esfera privada, quanto á administração particular das serventias e principalmente pela qualificação dos documentos. A qualificação é subjetiva, e, portanto, a responsabilidade desta só pode ser atribuída a quem a fez, de modo pessoal. O oficial que atua conferindo segurança jurídica por vezes analisa a legalidade e conformidade do que se pretende registrar e neste momento atua com responsabilidade. O art. 28 da Lei de Registros Públicos (LRE), a Lei n. 6.015/1973, dispõe que além dos casos expressos em lei, os oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que, pessoalmente ou pelos prepostos ou substitutos que indicarem, causem, por culpa ou dolo, aos interessados no registro. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reafirmado que o Estado tem responsabilidade civil objetiva para reparar danos causados a terceiros por tabeliães e oficiais de registro no exercício de suas funções cartoriais. A Corte decidiu ainda que o Estado deve ajuizar ação de regresso contra o responsável pelo dano, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa. Veja que em 2016, a Lei n. 13.286 dispôs sobre a responsabilidade civil dos notários e registradores, alterando o art. 22 da Lei de Serviços Notariais e de Registro (Lei n. 8.935/1994), passando a vigorar da seguinte forma: Art. 22. Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso (BRASIL, 2016b). Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que o Estado é responsável por erros cartorários. A decisão do STF foi decorrente de caso concreto enviado à Suprema Corte devido a um erro numa certidão de óbito, o que, por consequência, impediu o recebimento da pensão previdenciária por morte junto ao INSS. 118 Unidade III Saiba mais Verifique o julgamento do Recurso Extraordinário n. 842.846/SC, de 27 de janeiro de 2019, no qual o STF decidiu pelo cabimento da responsabilidade objetiva do Estado, pelos atos dos tabeliães e oficiais de registro: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Plenário reafirma jurisprudência sobre responsabilidade civil do Estado pelas atividades de cartórios. Notícias STF, 27 fev. 2019. Disponível em: https://bit.ly/38lw0Zh. Acesso em: 9 mar. 2021. A doutrina também se pronuncia com respeito à responsabilidade penal nas atividades serventuárias: “o delegado do serviço extrajudicial é considerado funcionário público para efeitos penais” (PEDROSO; LAMANAUSKAS, 2015, p. 13). Não obstante a responsabilidade civil, a Lei n. 8.935/1994, no art. 24, dispõe sobre a responsabilidade criminal dos notários e oficiais de registro, que será individualizada, aplicando-se, no que couber, a legislação relativa aos crimes contra a administração pública, e, no parágrafo único deste mesmo artigo, a lei estabelece que a individualização não exime os notários e os oficiais de registro de sua responsabilidade civil. Ao consultar a lei, verifica-se que o art. 23 traz, de maneira expressa, que a responsabilidade civil independe da responsabilidade criminal (BRASIL, 1994b). A individualização da responsabilidade criminal contida no artigo em comento significa que, em matéria penal, somente quem cometeu o crime é que poderá ser processado e condenado, ou seja, no caso em questão, se um preposto do cartório, por exemplo, cometer um crime na atividade funcional, somente ele será processado e, eventualmente, condenado pelo crime, mas ninguém poderá ser processado ou condenado em seu lugar. Desse modo, a inteligência do art. 24 da Lei n. 8.935/1994 é no sentido de que quanto à responsabilidade penal dos notários e oficiais de registro aplica-se a legislação relativa aos crimes contra a administração pública. Qual a utilidade prática dessa assertiva normativa? Para fins penais, equiparam-se as atividades dos notários e oficiais de registro às atividades prestadas pelos servidores públicos. Vejamos o que diz o art. 327 do Código Penal Brasileiro (BRASIL, 1940): Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. 119 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS JURÍDICOS § 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. Note que os notários e oficiais de registros não são funcionários públicos, mas colaboradores do Estado que prestam serviços públicos, entretanto, para fins de responsabilização penal no exercício de suas atividades notariais e registrárias, são equiparados a funcionários públicos. Além das infrações civis e penais, existem as infrações disciplinares que sujeitam os notários e oficiais de registro às penalidades previstas na Lei n. 8.935/1994, art. 31 (BRASIL, 1994b). São elas: I – a inobservância das prescrições legais ou normativas; II – a conduta atentatória às instituições notariais e de registro; III – a cobrança indevida ou excessiva de emolumentos, ainda que sob a alegação de urgência; IV – a violação do sigilo profissional; V – o descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30. O art. 30 da referida lei traz um elenco dos deveres impostos aos notários e aos oficiais de registro. As infrações disciplinares, asseguradas a ampla defesa e o contraditório, sujeitam os notários e oficiais de registro às seguintes penas: (i) repreensão; multa; e (ii) suspensão por 90 dias, prorrogável por mais 30 dias (art. 32). Cabe aqui analisarmos a responsabilidade tributária dos notários e oficiais de registro. Veja que a lei estabelece que se esses profissionais não recolherem devidamente os tributos incidentes sobre os atos por eles praticados, ocorrerão em omissão na prática profissional. Nesse sentido, o art. 30, inc. XI da Lei 8.935/1994 é expresso quanto aos deveres dos notários e oficiais de registro, no seguinte sentido: “[...] fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar”. O Código Tributário Nacional (BRASIL, 1966) dispõe sobre a responsabilidade desses profissionais, que responderãojunto com o contribuinte, ou seja, de forma solidária. Vejamos: Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: 120 Unidade III [...] VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; [...] Assim, os notários e oficiais de registro detêm competência fiscalizatória tributária tendo por encargo o cumprimento de obrigações assessórias, documentais e contábeis. Por serem colaboradores e fiscalizadores da Justiça, esses profissionais se responsabilizam pelas falhas ocorridas no desempenho de suas funções. Veja que é amplo o espectro da responsabilidade dos notários e oficiais de registro no desempenho de suas funções, portanto, devem estar atentos à importância de diligenciarem com cautela e prudência sobre os atos que lhe são delegados pelo Estado. Para finalizar, é bom lembrar que o art. 236, § 1º da CF (BRASIL, 1988) dispôs que “Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário”. Nesse sentido, a Lei n. 13.286/2016 deu nova redação ao art. 22 da Lei n. 8.935/1994 e disciplinou a matéria sobre a responsabilidade civil dos notários e oficiais de registro, ou seja, sobre a responsabilidade subjetiva desses profissionais. Assim, em caso de dano, a parte ofendida deverá provar que os notários e registradores, ou seus prepostos, agiram com culpa ou dolo (BRASIL, 2016b). À guisa de conclusão, a Constituição brasileira de 1988 dispôs expressamente que caberá a lei ordinária regular a matéria sobre a responsabilidade dos notários e oficiais de registro, o que ocorreu com edição da Lei n. 13.286/2016. 121 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS JURÍDICOS Resumo Estudamos nesta unidade que os advogados desempenham serviço essencial à promoção de justiça, cuja administração é parte do projeto democrático e conduz à construção da cidadania numa sociedade justa e solidária. Vimos que o exercício da advocacia tem previsão constitucional e somente poderá exercer a atividade profissional o bacharel em Direito mediante inscrição na OAB. Assim, para atuar em juízo patrocinando uma causa é preciso possuir capacidade postulatória, ou seja, ser advogado. Para isso, o Estatuto da Advocacia e a OAB disciplinam o exercício da função da advocacia estabelecendo as atividades privativas da advocacia, as incompatibilidades, os direitos e os deveres do advogado. A atividade do advogado constitui um múnus público dada sua função de prestação de serviço público e o patrocínio dos interesses e dos direitos humanos e das garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da justiça e da paz social e profissional. Por essa razão, o advogado, no desempenho da profissão, deverá observar o rigor técnico e a ética profissional no exercício da advocacia, que exige conduta compatível com os preceitos do Código de Ética e do Estatuto da Advocacia, de acordo com os princípios da moral individual, social e profissional. Analisamos que o exercício da advocacia pode se dar de duas formas: contenciosa e consultiva. Na primeira, a atuação do advogado é em juízo, na defesa de seu cliente nos litígios levados ao Poder Judiciário. No âmbito consultivo, o advogado pode prestar consultoria ou assessoria jurídica, atuando na esfera preventiva. Na administração da justiça, o advogado presta um serviço público, portanto, exerce uma função social, não só pela indispensabilidade de seus serviços, mas pela importância da advocacia para a sociedade. Estudamos também que o exercício da advocacia impõe responsabilidade no âmbito civil e criminal, sem prejuízo da correção disciplinar por decorrência do descumprimento dos princípios e regras estatuídos no Código de Ética dos Advogados. 122 Unidade III Prosseguindo, analisamos os serviços prestados pelos notários e registradores e vimos que possuem especial importância tendo em vista também consistir num serviço público disponibilizado a toda sociedade cuja previsão encontra-se na CF, art. 236. Embora exerçam função de natureza privada, todos os serviços jurídicos, notariais e de registro são serviços instituídos por delegação do poder público e, portanto, submetem-se à fiscalização pelo Estado. Como as atividades notariais e registrárias possuem fé pública, devem conferir segurança jurídica. Essa segurança vem reforçada pelo Provimento n. 88/2019 do CNJ, que dispõe que os notários e tabeliães responsabilizam-se por estabelecer políticas e procedimentos de controle com vistas à prevenção aos crimes de lavagem de dinheiro, de corrupção e financiamento ao terrorismo. Com isso, ressaltou-se que os notários e oficiais de registro, por desempenharem uma função delegada, têm obrigações impostas por lei e assumem responsabilidades no exercício de suas funções, submetendo-se aos princípios constitucionais inerentes às funções públicas no âmbito da administração pública, ínsitos do art. 37 da CF: legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade e eficiência. Verificamos que os profissionais de cartório e de tabelionatos, em suas funções notariais e registrárias, são civilmente responsáveis pelos prejuízos causados a terceiros, seja por dolo ou culpa, e pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso. A Lei n. 8.935/1994 instituiu a responsabilidade criminal de forma individualizada e equiparou as atividades dos notários e oficiais de registro às atividades prestadas pelos servidores públicos. Assim, como colaboradores do Estado, para fins de responsabilidade penal, esses profissionais são equiparados a funcionários públicos. Por fim, vimos que além da responsabilidade civil e penal, os notários e oficiais de registro têm responsabilidade tributária, pois, segundo a lei tributária, os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício são responsáveis solidários por tributos incidentes nos atos de seu ofício, tendo em vista a sua competência fiscalizatória. 123 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS JURÍDICOS Exercícios Questão 1. José Qualker é advogado e presta serviços para um posto de gasolina existente na sua cidade, aliás, o maior de toda a região com um grande movimento de caminhões e carretas, já que se encontra em área de intensa produção agrícola. Recentemente, o proprietário do estabelecimento de venda de combustível foi acusado de favorecer o tráfico de entorpecentes em seu estabelecimento, que seria um ponto de venda de drogas. A polícia chegou ao local, lacrou o estabelecimento e, em seguida, se dirigiu ao escritório do advogado, de onde retirou pastas, documentos, computadores e uma agenda, para averiguar se havia participação daquele profissional nas práticas ilegais de que seu cliente estava sendo acusado. De imediato, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil da seção local se dirigiu à delegacia para: A) Impedir que o advogado fosse preso, porque não se pode prender advogados no Brasil. B) Exigir o respeito à inviolabilidade do escritório de advocacia e dos instrumentos de trabalho do advogado, como determina a legislação. C) Advogar para o proprietário do posto de gasolina, porque o advogado não poderia mais exercer essa atividade. D) Prestar depoimento em favor do advogado que ele conhece muito bem e sabe que não é cúmplice de nenhum crime. E) Recolher a carteira de advogado do colega preso, porque ele fica impedido de exercer a advocacia. Resposta correta: alternativa B. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: os advogados podem ser presos porque não são diferentes de nenhuma outra pessoa, mas, para isso, é preciso que existam provas e que sejam condenados após processo judicial em quesejam obedecidas as regras constitucionais da ampla defesa e do contraditório. No enunciado da questão não consta que o advogado tenha sido preso, e sim que seu escritório tenha sido violado pela polícia que dele retirou objetos de trabalho. B) Alternativa correta. Justificativa: a legislação protege a inviolabilidade do escritório do advogado, que não poderá ser invadido para investigação, salvo com autorização judicial e somente para documentos que estejam estritamente relacionados com o caso que está sendo investigado. Pelo que consta do enunciado da questão, esses cuidados não foram adotados e, por isso, fica caracterizada a ilegalidade da conduta do agente público. 124 Unidade III C) Alternativa incorreta. Justificativa: o advogado não foi preso e, portanto, pode continuar exercendo sua atividade em favor do cliente. D) Alternativa incorreta. Justificativa: ainda não é o momento de serem ouvidas testemunhas, por isso essa atitude não é cabível nem necessária. E) Alternativa incorreta. Justificativa: não há no enunciado indicação de que o advogado tenha sido preso, apenas que seu escritório foi violado. Questão 2. Um empresário proprietário de muitos bens e portador de grave doença, já quase em estado terminal, compareceu ao tabelião de notas para fazer seu testamento e pediu completo sigilo sobre o documento até sua morte. Um de seus filhos foi avisado por um funcionário do tabelionato que o pai havia estado lá para conversar com o tabelião e que ficaram por mais de duas horas trancados em uma sala. O filho do empresário se dirigiu ao tabelião exigindo ver o documento que seu pai havia lavrado e argumentou que pela CF os tabelionatos estão obrigados a dar publicidade de seus atos. O tabelião argumentou que: I – A publicidade é um dos princípios constitucionais que todo agente público deve cumprir, inclusive os tabeliães. II – A publicidade está restrita ao ato e não ao conteúdo que, por vezes, deverá ser mantido em sigilo para segurança do próprio ato e da parte que o praticou. III – A publicidade do ato é escolha do tabelião que poderá praticá-la ou não, em cumprimento à sua vontade. Assinale a alternativa correta: A) I, somente. B) II, somente. C) III, somente. D) I e II. E) II e III. Resposta correta: alternativa D. 125 GERENCIAMENTO DE SERVIÇOS JURÍDICOS Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: o art. 37 da Constituição brasileira determina que são princípios da administração pública a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A função registral e notarial é delegação do poder público e, por essa razão, fica obrigada ao cumprimento dos princípios da administração pública. II – Afirmativa correta. Justificativa: a lei prevê que alguns atos poderão ser realizados com sigilo, como é o caso do testamento. O ato de preparar o testamento pode ser público, efetuado perante um tabelião e com testemunhas, porém o conteúdo pode ficar sob sigilo até o momento da morte do testador. III – Afirmativa III incorreta. Justificativa: a publicidade dos atos praticados na função registral e notarial não são escolha dos agentes, mas, sim, decorrentes de determinação da CF.
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