Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
GRADUAÇÃO 2011.2 PORTUGUÊS JURÍDICO AUTOR: SÉRGIO BRANCO E EDUARDO MAGRANI Sumário Português Jurídico AULA 1: DIREITO, LITERATURA E INTERPRETAÇÃO. ...................................................................................................... 3 AULA 2: LINGUAGEM FORMAL E LINGUAGEM INFORMAL ............................................................................................... 9 AULA 3: A LINGUAGEM JURÍDICA .......................................................................................................................... 10 AULA 4: LINGUAGEM E NARRATIVA ........................................................................................................................ 26 AULAS 5 E 6: A LITERATURA COMO INSTRUMENTO DE DISCUSSÃO JURÍDICA .................................................................... 27 AULAS 7 E 8: DIREITO NATURAL E DIREITO E MORAL .................................................................................................. 34 AULAS 9 E 10: DIANTE DA LEI ............................................................................................................................... 35 AULAS 11 E 12: DIREITO E PODER .......................................................................................................................... 37 AULAS 13 E 14: DIREITO E PODER (2) ...................................................................................................................... 39 AULAS 15 E 16: A LEI .......................................................................................................................................... 43 AULAS 17 E 18: O CONTRATO ................................................................................................................................ 57 AULAS 19 E 20: A PEÇA PROCESSUAL ...................................................................................................................... 60 AULAS 21 E 22: A SENTENÇA ................................................................................................................................ 61 AULA 23: O ESTADO TRANSFORMADOR ................................................................................................................... 64 AULA 24: O OLHAR ESTRANGEIRO .......................................................................................................................... 65 PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 3 1 Sobre os casos difíceis, remetemos o leitor ao ensaio “Casos Difíceis”, de Ro- nald Dworkin, parte integrante do livro Levando os Direitos a Sério — São Paulo: Martins Fontes, 2002. 2 Carl Gustav Jung, nascido a 26 de julho de 1875, foi um dos grandes estudiosos da relação entre o homem e os símbo- los. Referimo-nos brevemente a dois de seus pensamentos com relação à matéria: “[c]onquanto tudo seja experi- mentado em forma de imagem, isto é, simbolicamente, não se trata de modo algum de perigos fi ctícios, mas sim de riscos muito reais, dos quais depende o destino de toda uma vida. O principal perigo é ceder à fascinante infl uência dos arquétipos”. E ainda: “É impossível dar uma interpretação universal a um arquétipo. É preciso explicá-lo de acor- do com a situação psicológica do indi- víduo específi co”. (O Pensamento Vivo de Jung. Rio de Janeiro: Ediouro, 1986). Deduz-se, com clareza, do que susten- ta Jung, que embora o Direito busque uma natureza eminentemente menos subjetiva, está fadado a ser interpre- tado tal como qualquer outro símbolo (sendo a linguagem escrita um símbolo em si mesmo), e necessariamente con- dicionado à interpretação de cada indi- víduo, considerando-se ser impossível uma interpretação universal. AULA 1: DIREITO, LITERATURA E INTERPRETAÇÃO. LEITURA OBRIGATÓRIA O Livro de Areia. BORGES, Jorge Luis. O Livro de Areia. Rio de Janeiro: ed. Globo. Por que estudar literatura em um curso de Direito? A complexidade da sociedade contemporânea é inclemente com os princípios ar- caicos do Direito. A globalização aboliu as fronteiras, a necessidade multiplicou os ins- titutos jurídicos, a valorização dos princípios ampliou as possibilidades interpretativas das normas. É de se notar também — e principalmente — que o mundo atual não admite mais o conhecimento estanque. O que se convencionou chamar interdisciplinariedade jurídica nada mais é que a necessidade de se valer de um conhecimento aliado a outro, de modo a buscar soluções que integrem as diversas áreas que hoje se encontram irremediavel- mente entrelaçadas. Ademais, a tecnologia, o desenvolvimento industrial, a ciência, bem como todas as demais facetas do mundo contemporâneo expõem o homem a situações antes impen- sadas, o que torna sempre mais difícil o trabalho do legislador que, em um sistema ro- mano-germânico como o nosso, tem a ingrata tarefa de tudo prever e tudo sistematizar. Desde há muito se sabe que o estudo do Direito não pode se limitar à aplicação pura e simples da lei ao caso concreto — o que se verifi ca com mais intensidade no momento presente, já que nos deparamos cotidianamente com situações que desafi am qualquer enquadramento legal pré-estabelecido. Nesse panorama, vale compreender o esforço empreendido por Ronald Dworkin em analisar os denominados “casos difíceis”1. Dessa forma, o que se espera com este material é fazer uma sucinta incursão sobre a vastíssima seara da interpretação legal. Objetiva-se cuidar, sob a perspectiva da neces- sária interdisciplinariedade, da relação que pode haver entre o Direito e a Literatura e a possível contribuição desta à interpretação daquele. Sendo assim, em nossas primeiras aulas, examinaremos a possível contribuição da interpretação literária no estudo do Direito, especialmente sob a ótica do trabalho de Dworkin. Não se quer, com este trabalho, modifi car ou acrescentar à interessante corrente de estudos de Direito e Literatura (que grassa, sobretudo, nos Estados Unidos) qualquer elo de ineditismo. O que se espera é poder contribuir para a difusão desse campo de estudos e ajudar a ampliar as possibilidades interpretativas do Direito. Interpretação A todo momento, exige-se do homem que interprete. O mundo não é composto senão de símbolos2: a linguagem falada, a expressão escrita, os gestos. Diariamente, somos submetidos a diversas informações que precisam ser recebidas, decodifi cadas, PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 4 3 Nesse sentido, a opinião de Pietro Per- lingieri, ao afi rmar que “o direito é posi- tivo se, mas também somente se, ele é interpretado, e é positivo só na medida em que for interpretado”. PERLINGIERI, Pietro. Perfi s de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. P.67. 4 Gilmar Ferreira Mendes, ao apresentar o trabalho “Hermenêutica Constitucio- nal”, de Peter Häberle (professor titular de Direito Público e de Filosofi a do Direito da Universidade de Augsburg- RFA), nota que referido autor já havia se pronunciado no sentido de que não existe norma jurídica, senão norma jurídica interpretada. HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. 5 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Coimbra: Armênio Amado — Editor, 1979. P. 463. 6 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 19ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1991. P. 274. 7 Apud HESPANHA, António M.. Pano- rama Histórico da Cultura Jurídica Européia. Sintra: Publicações Europa- América, 1997. P. 178. 8 HESPANHA, António M.. Panorama Histórico da Cultura Jurídica Euro- péia. Sintra: Publicações Europa-Amé- rica, 1997. P. 177-178. compreendidas e respondidas. Qualquer conversa trivial, qualquer programa de tele- visão ou notícia de jornal precisam ser interpretados. Ainda que restasse um único ser humano sobre a Terra, estaria ele dedicado a interpretar os sinais da natureza. Nãoé diferente com o Direito. O Direito não existe sem interpretação3. Na verdade, pode-se dizer que o Direito é, efetivamente, a aplicação das normas aos casos concretos, e isso só é possível depois de as normas terem sido interpretadas4. Pode-se dizer que a interpretação decorre da necessidade de se fi xar o verdadeiro sentido das normas a serem aplicadas. Conforme afi rma Kelsen, “[a] interpretação é, portanto, uma operação mental que acompanha o processo da aplicação do Direito no seu progredir de um escalão superior para um escalão inferior”5 (grifamos). No entanto, embora hoje seja pacífi co que a interpretação não consiste em mero procedimento de subsunção, devendo-se ir muito além da simples adequação da norma ao fato concreto, nem sempre se deu à interpretação a amplitude que hoje se lhe atribui. No início do século XIX, tão logo publicado o Código de Napoleão na França, entendia-se que a lei, como única fonte de Direito, devia ser interpretada apenas na medida de exprimir fi elmente o que fora a vontade do legislador. Assim se manifesta Miguel Reale acerca da matéria6: Foi por esse motivo que a interpretação da lei passou a ser objeto de estudos sistemáticos de notável fi nura, correspondentes a uma atitude analítica perante os textos segundo certos princípios e diretrizes que, durante várias décadas, cons- tituíram o embasamento da Escola da Exegese. Sob o nome “Escola da Exegese” entende-se aquele grande movimento que, no transcurso do século XIX, sustentou que na lei positiva, e de maneira especial no Código Civil, já se encontra a possibilidade de uma solução para todos os eventuais casos ou ocorrências da vida social. Tudo está em saber interpretar o Direito. Dizia, por exemplo, Demolombe que a lei era tudo, de tal modo que a função do jurista não consistia senão em extrair e desenvolver o sentido pleno dos textos, para apreender-lhes o signifi cado, ordenar as conclusões parciais e, afi nal, atingir as grandes sistematizações. Na verdade, a premissa da Escola da Exegese a respeito da supremacia da lei sobre a doutrina e a jurisprudência já havia sido proposta por Montesquieu, para quem os juízes deviam ser “a boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que não podem moderar nem a força, nem o rigor dela”7. De acordo com Hespanha8, sob os princípios da Escola da Exegese, [...] à doutrina, apenas restava um papel ancilar — o de proceder a uma interpretação submissa da lei, atendo-se o mais possível à vontade do legislador histórico, reconstituída por meio dos trabalhos preparatórios, dos preâmbulos legislativos, etc. Quanto à integração das lacunas, a prudência devia ser ainda maior, devendo o jurista tentar modelar para o caso concreto uma solução que pudesse ter sido a do legislador histórico se o tivesse previsto. PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 5 9 HESPANHA, António M.. Panorama Histórico da Cultura Jurídica Euro- péia. Sintra: Publicações Europa-Amé- rica, 1997. P. 236. 10 PERLINGIERI, Pietro. Perfi s de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. P.66. 11 PERLINGIERI, Pietro. Perfi s de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. P.68. No entanto, tão logo surgiu no século XIX, a Escola da Exegese (também deno- minada “legalismo”) passou a ser alvo de severas críticas, entre outros, dos que “não reconheciam a virtualidade de regular justamente a inesgotável riqueza e variedade das situações e confl itos da vida”9. Atualmente, entende-se que o intérprete do Direito não pode se resumir a ser um mero repetidor da vontade legislativa. Por outro lado, também não pode ser parcial em sua interpretação, nem tampouco valer-se de sua pré-compreensão do Direito, de que trataremos adiante. Nas palavras de Pietro Perlingieri10 sobre o assunto: Pode-se dizer, portanto, que a interpretação não é a atribuição de signifi cados aos textos jurídicos feita pelo intérprete em virtude de impulsos emotivos ou da sua capacidade de ter acesso a experiências inatingíveis à maioria, como aconte- ceria se o intérprete legitimasse a própria obra porque em contato com potências ultraterrestres ou porque possuidor de técnicas secretas de decifração dos sinais do legislador. Se o direito se funda no processo que consente o seu conheci- mento, não é necessário que tal processo assuma a forma da lógica matemática ou simule, de qualquer modo, os procedimentos das ciências naturais — como se acreditou por longo tempo — para garantir o rigor e o controle público da argumentação do intérprete. O mesmo autor critica a técnica da subsunção e afi rma a necessidade de se interpre- tar o Direito em comunhão com elementos extrapositivos. Dessa forma, afi rma que11: A superação, assim proposta, do positivismo (simplesmente) lingüístico evi- dencia a contínua remissão do direito positivo a elementos extrapositivos: são eles, seja o elemento social (a necessária correlação entre norma e fato, a consi- deração do contexto, do direito como elemento de uma realidade global), seja o ‘direito natural’ ou, nos sistemas jurídicos modernos, as exigências de justiça racionalmente individuadas, mas não adequadamente traduzidas em textos le- gislativos. A ampliação da noção de direito positivo e a sua abertura para noções e valores não literalmente e não explicitamente subsuntos nos textos jurídicos permite a superação da técnica da subsunção e a prospectação mais realística da relação dialética e de integração fato-norma, em uma acepção unitária da reali- dade. (Por técnica de subsunção — que num tempo representava a única técnica possível correta de interpretação normativa — entende-se o procedimento de recondução do caso concreto à fattispecie abstrata prevista na norma, como ope- ração puramente lógico-formal.) A ideologia da subsunção consentiu mascarar como escolhas neutras, necessariamente impostas pela lógica, as escolhas inter- pretativas do jurista, desresponsabilizando a doutrina. Indubitável que hoje se busca, com a interpretação normativa, averiguar qual a me- lhor maneira de interpretá-la, ou seja, de que forma a norma interpretada atinge, mais PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 6 12 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 19ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1991. P. 285. 13 PERLINGIERI, Pietro. Perfi s de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. P.71. 14 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 19ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1991. P. 288. 15 NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. Rio de Janeiro: Editora Fo- rense, 2002. P. 254. amplamente, seus fi ns sociais. Este parece ser o entendimento de Miguel Reale que, ao comentar a compreensão atual do problema hermenêutico, esclarece12: Interpretar uma lei importa, previamente, em compreendê-la na plenitude de seus fi ns sociais, a fi m de poder-se, desse modo, determinar o sentido de cada um de seus dispositivos. Somente assim ela é aplicável a todos os casos que cor- respondam àqueles objetivos. Como se vê, o primeiro cuidado do hermeneuta contemporâneo consiste em saber qual a fi nalidade social da lei, no seu todo, pois é o fi m que possibilita penetrar na estru- tura de suas signifi cações particulares. O que se quer atingir é uma correlação coerente entre “o todo da lei” e as “partes” representadas por seus artigos e preceitos, à luz dos objetivos visados. Já quanto às formas de interpretação, sabe-se que as “interpretações literal, lógica e sistemática não são e nem podem ser fases distintas cronológica e logicamente; elas são aspectos e critérios de um processo cognitivo unitário”13. No mesmo sentido, Miguel Reale, ao afi rmar que14: Contesta-se, em primeiro lugar, que se deva partir, progressivamente, da aná- lise gramatical do texto até atingir sua compreensão sistemática, lógica e axioló- gica. Entende-se, com razão, que essas pesquisas, desde o início, se imbricam ese exigem reciprocamente, mesmo porque, desde Saussure, não se tem mais uma compreensão analítica ou associativa da linguagem, a qual também só pode ser en- tendida de maneira estrutural, em correlação com as estruturas e mutações sociais. Uma vez identifi cados (i) o fi m a que a interpretação do Direito deve contempora- neamente alcançar, qual seja, sua função social, bem como (ii) sua dimensão unitária, passamos brevemente à análise da atuação do intérprete diante da norma. É sabido que o intérprete do Direito deve atuar de maneira responsável. Se por um lado não pode se limitar a, como se quis outrora, repetir a vontade legislativa, por outro, não pode, sob pena de se desvirtuar de todo o sistema jurídico (inclusive o da tripartição dos poderes, caso o intérprete seja magistrado), fazer impor sua vontade como se fosse a vontade do legislador. Ao tratar das qualidades a serem desenvolvidas pelo intérprete do Direito, assim se manifesta Paulo Nader15: Para a formação do intérprete é exigível, além do conhecimento técnico es- pecífi co, uma gama de condições pessoais, que deve ornar a sua personalidade e cultura. Quanto aos dotes de personalidade, sobressaem-se os de probidade, serenidade, equilíbrio e diligência. A probidade é a honestidade de propósitos, é a fi delidade do intérprete às suas convicções, operando sem deixar-se levar por ondas de interesses. O cérebro do intérprete deve atuar livre, sem condiciona- mentos extra legem, para atingir o seu objetivo. A serenidade corresponde à tran- qüilidade espiritual, sem a qual não pode haver produção intelectual, pois o con- PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 7 16 DWORKIN, Ronald. “De que Maneira o Direito se Assemelha à Literatura”, in Uma Questão de Princípios. São Pau- lo: Martins Fontes, 2000. Pp. 219-220. 17 PERLINGIERI, Pietro. Perfi s de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. P.81. 18 Ver, entre outros, DWORKIN, Ronald. “De que Maneira o Direito se Asseme- lha à Literatura”, in Uma Questão de Princípios. São Paulo: Martins Fontes, 2000; Richard A. Posner em “Remarks on Law and Literature”, in Loyola Uni- versity Chicago Law Journal — Vol. 23; WHITE, James Boyd. “Law and Literatu- re: ‘No Manifesto’”. trário — paixão — obscurece o espírito. O equilíbrio é a qualidade que garante a fi rmeza e coerência. O intérprete precisa ser diligente, não se acomodando diante das difi culdades de sua tarefa. Deve desenvolver todos os esforços, recor- rer a todos os meios disponíveis, no sentido de revelar as expressões do Direito. Deve explorar todos os elementos de que dispõe, para dar cumprimento à tarefa. Infere-se da exposição de Paulo Nader que o intérprete do Direito há que ser impar- cial. Não signifi ca que seja frio, máquina alheia às vicissitudes do mundo contemporâ- neo. Deve, entretanto, ser cuidadoso para não defender, sob o pretexto de estar inter- pretando a lei, opinião pessoal. E, ainda, ser sensato o sufi ciente para não extrapolar os limites de ingerência exclusiva do elaborador da lei. Evidentemente, não se espera que o juiz venha a se valer da lei como pretexto para decidir de acordo com seus princípios. Haveria, nesse caso, uma inversão lógica (e mes- mo cronológica): primeiro, o juiz decidiria de acordo com seus princípios; a seguir, buscaria a fundamentação jurídica. Nesse caso, não há qualquer interpretação legítima da lei — o que se busca, aqui, são justifi cativas. Esse fenômeno se chama ‘pré-compre- ensão’ do Direito. Ronald Dworkin assim se manifesta sobre o tema16: A maior parte da literatura presume que a interpretação de um documento consiste em descobrir o que seus autores (os legisladores ou os constituintes) queriam dizer ao usar as palavras que usaram. Mas os juristas reconhecem que, em muitas questões, o autor não teve nenhuma intenção e que, em outras, é impossível conhecer sua intenção. Alguns juristas adotam uma posição mais cé- tica. Segundo eles, sempre que os juízes fi ngem estar descobrindo a intenção por trás de alguma legislação, isso é apenas uma cortina de fumaça atrás da qual eles impõem sua própria visão acerca do que a lei deveria ter sido. É intuitivo que a pré-compreensão põe em risco os mais basilares princípios in- terpretativos, e impede que, como quer Pietro Perlingieri17, seja a interpretação uma atividade plenamente vinculada, controlada e responsável. Pelo exposto, depreende-se que a interpretação da lei ultrapassa em muito a identifi - cação de seus elementos lítero-gramaticais: o que se espera é que a lei possa ser interpre- tada de modo a alcançar sua função primordial, a de cumprir sua fi nalidade social como elemento integrante do sistema jurídico. Direito e literatura A interseção entre direito e literatura não é nova. Seu ápice, ao que nos parece, foi atin- gido nos anos 90 do século XX, quando grandes nomes da teoria jurídica, como Ronald Dworkin, Richard Posner e James Boyd White, entre outros, dedicaram-se ao tema18. Desde então, o debate parece não ter evoluído muito. No entanto, o que propomos aqui é uma re- leitura mais ampla do diálogo entre direito e literatura para permitir que, para além das bases teóricas que norteiam o tema, a literatura sirva de instrumento de refl exão sobre o direito. PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 8 O objetivo é sugerir novas abordagens de textos literários (e outras obras, como se verá adiante) para buscarmos, por meio de textos não jurídicos, uma compreensão dos limites interpretativos do direito. Por isso, não vamos nos limitar a tratar do embate entre direito e literatura a partir das correntes clássicas do “direito na literatura” e do “direito como literatura”. Nossa intenção é muito mais apresentar elementos pragmáti- cos de discussão e de abordagem de temas jurídicos por meio de obras essencialmente não jurídicas. A bem da verdade, pode-se dizer que este curso trata não tanto de direito nem tanto de literatura, mas sobretudo de interpretação. E como a interpretação de obras não jurídicas pode ser múltipla, optamos por discutir especialmente um tema: as relações de poder, em diversos níveis. Assim é que pretendemos no curso, discutimos, por meio de obras literárias, algu- mas das diversas relações de poder: estatal, social e política, apresentando possibilidades de melhor utilização do discurso teórico entre direito e literatura em sala de aula. PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 9 AULA 2: LINGUAGEM FORMAL E LINGUAGEM INFORMAL LEITURAS OBRIGATÓRIAS: (a) Comentário, na rede, sobre tudo o que está acontecendo por aí, de André Sant’anna http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/il2006201009.htm (b) Quando o errado está certo, de Ferreira Gullar: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2006201030.htm (c) O Jargão. Luís Fernando Veríssimo. Comédias para se Ler na Escola. Ed. Objetiva. PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 10 AULA 3: A LINGUAGEM JURÍDICA LEITURA OBRIGATÓRIA Texto da lei nº 10.671/2003. LEI No 10.671, DE 15 DE MAIO DE 2003. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES Gerais Art. 1o Este Estatuto estabelece normas de proteção e defesa do torcedor. Art. 1o-A. A prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do poder pú- blico, das confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas, entidades recreativas e associações de torcedores, inclusive de seus respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Art. 2o Torcedor é toda pessoa que aprecie, apóie ou se associe a qualquer entidade de prática desportiva do País e acompanhe a prática de determi nada modalidade esportiva. Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-sea apreciação, o apoio ou o acompanhamento de que trata o caput deste artigo. Art. 2o-A. Considera-se torcida organizada, para os efeitos desta Lei, a pessoa jurídi- ca de direito privado ou existente de fato, que se organize para o fi m de torcer e apoiar entidade de prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Parágrafo único. A torcida organizada deverá manter cadastro atualizado de seus associados ou membros, o qual deverá conter, pelo menos, as seguintes informações: (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). I — nome completo; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). II — fotografi a; (Incluído pela Lei nº 12 .299, de 2010). III — fi liação; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). IV — número do registro civil; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 11 V — número do CPF; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). VI — data de nascimento; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). VII — estado civil; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). VIII — profi ssão; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). IX — endereço completo; e (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). X — escolaridade. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Art. 3o Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da compe- tição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo. Art. 4o (VETADO) CAPÍTULO II DA TRANSPARÊNCIA NA ORGANIZAÇÃO Art. 5o São asseguradas ao torcedor a publicidade e transparência na organização das competições administradas pelas entidades de administração do desporto, bem como pelas ligas de que trata o art. 20 da Lei no 9.615, de 24 de março de 1998. § 1o As entidades de que trata o caput farão publicar na internet, em sítio da enti- dade responsável pela organização do evento: (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). I — a íntegra do regulamento da competição; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). II — as tabelas da competição, contendo as partidas que serão realizadas, com espe- cifi cação de sua data, local e horário; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). III — o nome e as formas de contato do Ouvidor da Competição de que trata o art. 6o; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). IV — os borderôs completos das partidas; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). V — a escalação dos árbitros i mediatamente após sua defi nição; e (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). VI — a relação dos nomes dos torcedores impedidos de comparecer ao local do evento desportivo. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 12 § 2o Os dados contidos nos itens V e VI também deverão ser afi xados ostensivamen- te em local visível, em caracteres facilmente legíveis, do lado externo de todas as entra- das do local onde se realiza o evento esportivo. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). § 3o O juiz deve comunicar às entidades de que trata o caput decisão judicial ou acei- tação de proposta de transação penal ou suspensão do processo que implique o impe- dimento do torcedor de frequentar estádios desportivos. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Art. 6o A entidade responsável pela organização da competição, previamente ao seu início, designará o Ouvidor da Competição, fornecendo-lhe os meios de comunicação necessários ao amplo acesso dos torcedores. § 1o São deveres do Ouvidor da Competição recolher as sugestões, propostas e recla- mações que receber dos torcedores, examiná-las e propor à respectiva entidade medidas necessárias ao aperfeiçoamento da competição e ao benefício do torcedor. § 2o É assegurado ao torcedor: I — o amplo acesso ao Ouvidor da Competição, mediante comunicação postal ou mensagem eletrônica; e II — o direito de receber do Ouvidor da Competição as respostas às sugestões, pro- postas e reclamações, que encaminhou, no prazo de trinta dias. § 3o Na hipótese de que trata o inciso II do § 2o, o Ouvidor da Competição utilizará, prioritariamente, o mesmo meio de comunicação utilizado pelo torcedor para o enca- minhamento de sua mensagem. § 4o O sítio da internet em que forem publicadas as informações de que trata o § 1o do art. 5o conterá, também, as manifestações e propostas do Ouvidor da Competição. (Redação dada pela Lei nº 12.299, de 2010). § 5o A função de Ouvidor da Competição poderá ser remunerada pelas entidades de prática desportiva participantes da competição. Art. 7o É direito do torcedor a divulgação, durante a realização da partida, da ren- da obtida pelo pagamento de ingressos e do número de espectadores pagantes e não- pagantes, por intermédio dos serviços de som e imagem instalados no estádio em que se realiza a partida, pela entidade responsável pela organização da competição. Art. 8o As competições de atletas profi ssionais de que participem entidades integran- tes da organiza ção desportiva do País deverão ser promovidas de acordo com calendário anual de eventos ofi ciais que: PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 13 I — garanta às entidades de prática desportiva participação em competições durante pelo menos dez meses do ano; II — adote, em pelo menos uma competição de âmbito nacional, sistema de disputa em que as equipes participantes conheçam, previamente ao seu início, a quantidade de partidas que disputarão, bem como seus adversários. CAPÍTULO III DO REGULAMENTO DA COMPETIÇÃO Art. 9o É direito do torcedor que o regulamento, as tabelas da competição e o nome do Ouvidor da Competição sejam divulgados até 60 (sessenta) dias antes de seu início, na forma do § 1o do art. 5o. (Redação dada pela Lei nº 12.299, de 2010). § 1o Nos dez dias subseqüentes à divulgação de que trata o caput, qualquer interessa- do poderá manifestar-se sobre o regulamento diretamente ao Ouvidor da Competição. § 2o O Ouvidor da Competição elaborará, em setenta e duas horas, relatório conten- do as principais propostas e sugestões encaminhadas. § 3o Após o exame do relatório, a entidade responsável pela organização da com- petição decidirá, em quarenta e oito horas, motivadamente, sobre a conveniência da aceitação das propostas e sugestões relatadas. § 4o O regulamento defi nitivo da competição será divulgado, na forma do § 1o do art. 5o, 45 (quarenta e cinco) dias antes de seu início. (Redação dada pela Lei nº 12.299, de 2010). § 5o É vedado proceder alterações no regulamento da competição desde sua divulga- ção defi nitiva, salvo nas hipóteses de: I — apresentação de novo calendário anual de eventos ofi ciais para o ano subseqüen- te, desde que aprovado pelo Conselho Nacional do Esporte — CNE; II — após dois anos de vigência do mesmo regulamento, observado o procedimento de que trata este artigo. § 6o A competição que vier a substituir outra, segundo o novo calendário anual de eventos ofi ciais apresentado para o ano subseqüente, deverá ter âmbito territorial diver- so da competição a ser substituída. Art. 10. É direito do torcedor que a participação das entidades de prática desportiva em competições organ izadas pelas entidades de que trata o art. 5o seja exclusivamente em virtude de critério técnico previamente defi nido. PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 14 § 1o Para os fi ns do disposto neste artigo, considera-se critério técnico a habilitação de entidade de prática desportiva em razão de colocação obtida em competição anterior. § 2o Fica vedada a adoção de qualquer outro critério, especialmente o convite, obser- vado o disposto no art. 89 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998. § 3o Em campeonatos ou torneios regulares com mais de uma divisão, será observa- do o princípio do acesso e do descenso. § 4o Serão desconsideradas as partidas disputadas pela entidade de prática desportiva que não tenham atendidoao critério técnico previamente defi nido, inclusive para efeito de pontuação na competição. Art. 11. É direito do torcedor que o árbitro e seus auxiliares entreguem, em até quatro horas contadas do término da partida, a súmula e os relatórios da partida ao representante da entidade responsável pela organização da competição. § 1o Em casos excepcionais, de grave tumulto ou necessidade de laudo médico, os relatórios da partida poderão ser complementados em até vinte e quatro horas após o seu término. § 2o A súmula e os relatórios da partida serão elaborados em três vias, de igual teor e forma, devidamente assinadas pelo árbitro, auxiliares e pelo representante da entidade responsável pela organização da competição. § 3o A primeira via será acondicionada em envelope lacrado e fi cará na posse de representante da entidade responsável pela organização da competição, que a encami- nhará ao setor competente da respectiva entidade até as treze horas do primeiro dia útil subseqüente. § 4o O lacre de que trata o § 3o será assinado pelo árbitro e seus auxiliares. § 5o A segunda via fi cará na posse do árbitro da partida, servindo-lhe como recibo. § 6o A terceira via fi cará na posse do representante da entidade responsável pela organização da competição, que a encaminhará ao Ouvidor da Competição até as treze horas do primeiro dia útil subseqüente, para imediata divulgação. Art. 12. A entidade responsável pela organização da competição dará publicidade à súmula e aos relatórios da partida no sítio de que trata o § 1o do art. 5o até as 14 (qua- torze) horas do 3o (terceiro) dia útil subsequente ao da realização da partida. (Redação dada pela Lei nº 12.299, de 2010). PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 15 CAPÍTULO IV DA SEGURANÇA DO TORCEDOR PARTÍCIPE DO EVENTO ESPORTIVO Art. 13. O torcedor tem direito a segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas. (Vigência) Parágrafo único. Será assegurado acessibilidade ao torcedor portador de defi ciência ou com mobilidade reduzida. Art. 13-A. São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei: (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). I — estar na posse de ingresso válido; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). II — não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos d e violência; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). III — consentir com a revista pessoal de prevenção e segurança; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). IV — não portar ou ostentar cartazes, bandeiras, símbolos ou outros sinais com mensagens ofensivas, inclusive de caráter racista ou xenófobo; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). V — não entoar cânticos discriminatórios, ra cistas ou xenófobos; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). VI — não arremessar objetos, de qualquer natureza, no interior do recinto esporti- vo; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). VII — não portar ou utilizar fogos de artifício ou quaisquer outros engenhos pi- rotécnicos ou produtores de efeitos análogos; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). VIII — não incitar e não praticar atos de violência no estádio, qualquer que seja a sua natureza; e (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). IX — não invadir e não incitar a invasão, de qualquer forma, da área restrita aos competidores. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Parágrafo único. O não cumprimento das condições estabelecidas neste artigo im- plicará a impossibilidade de ingresso do torcedor ao recinto esportivo, ou, se for o caso, o seu afastamento imediato do recinto, sem prejuízo de outras sanções administrativas, civis ou penais eventualmente cabíveis. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 16 Art. 14. Sem prejuízo do disposto nos arts. 12 a 14 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, que deverão: I — solicitar ao Poder Público competente a presença de agentes públicos de segu- rança, devidamente identifi cados, responsáveis pela segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios e demais locais de realização de eventos esportivos; II — informar imediatamente após a decisão acerca da realização da partida, dentre outros, aos órgãos públicos de segurança, transporte e higiene, os dados necessários à segurança da partida, especialmente: a) o local; b) o horário de abertura do estádio; c) a capacidade de público do estádio; e d) a expectativa de público; III — colocar à disposição do torcedor orientadores e serviço de atendimento para que aquele encaminhe suas reclamações no momento da partida, em local: a) amplamente divulgado e de fácil acesso; e b) situado no estádio. § 1o É dever da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo so- lucionar imediatamente, sempre que possível, as reclamações dirigidas ao serviço de atendimento referido no inciso III, bem como reportá-las ao Ouvidor da Competição e, nos casos relacionados à violação de direitos e interesses de consumidores, aos órgãos de defesa e proteção do consumidor. Art. 15. O detentor do mando de jogo será uma das entidades de prática desportiva envolvidas na partida, de acordo com os critérios defi nidos no regulamento da competição. Art. 16. É dever da entidade responsável pela organização da competição: I — confi rmar, com até quarenta e oito horas de antecedência, o horário e o local da realização das partidas em que a defi nição das equipes dependa de resultado anterior; II — contratar seguro de acidentes pessoais, tendo como benefi ciário o torcedor portador de ingresso, válido a partir do momento em que ingressar no estádio; III — disponibilizar um médico e dois enfermeiros-padrão para cada dez mil torce- dores presentes à partida; IV — disponibilizar uma ambulância para cada dez mil torcedores presentes à par- tida; e PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 17 V — comunicar previamente à autoridade de saúde a realização do evento. Art. 17. É direito do torcedor a implementação de planos de ação referentes a segu- rança, transporte e contingências que possam ocorrer durante a realização de eventos esportivos. § 1o Os planos de ação de que trata o caput serão elaborados pela entidade res- ponsável pela organização da competição, com a participação das entida des de prática desportiva que a disputarão e dos órgãos responsáveis pela segurança pública, transporte e demais contingências que possam ocorrer, das localidades em que se realizarão as par- tidas da competição. (Redação dada pela Lei nº 12.299, de 2010). I — serão elaborados pela entidade responsável pela organização da competição, com a participação das entidades de prática desportiva que a disputarão; e II — deverão ser apresentados previamente aos órgãos responsáveis pela segurança pública das localidades em que se realizarão as partidas da competição. § 2o Planos de ação especiais poderão ser apresentados em relação a eventos esporti- vos com excepcional expectativa de público. § 3o Os planos de ação serão divulgados no sítio dedicado à competição de que trata o parágrafo único do art. 5o no mesmo prazo de publicação do regulamento defi nitivo da competição. Art. 18. Os estádios com capacidade superior a 10.000 (dez mil) pessoas deverão manter central técnica de informações, com infraestrutura sufi ciente para viabilizar o monitoramento por imagem d o público presente. (Redação dada pela Lei nº 12.299, de 2010). Art. 19. As entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes respondem solidariamente com as entidades de que trata o art. 15 e seus diri- gentes,independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios ou da inobservância do disposto neste capítulo. CAPÍTULO V DOS INGRESSOS Art. 20. É direito do torcedor partícipe que os ingressos para as partidas integrantes de competições profi ssionais sejam colocados à venda até setenta e duas horas antes do início da partida correspondente. § 1o O prazo referido no caput será de quarenta e oito horas nas partidas em que: PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 18 I — as equipes sejam defi nidas a partir de jogos eliminatórios; e II — a realização não seja possível prever com antecedência de quatro dias. § 2o A venda deverá ser realizada por sistema que assegure a sua agilidade e amplo acesso à informação. § 3o É assegurado ao torcedor partícipe o fornecimento de comprovante de paga- mento , logo após a aquisição dos ingressos. § 4o Não será exigida, em qualquer hipótese, a devolução do comprovante de que trata o § 3o. § 5o Nas partidas que compõem as competições de âmbito nacional ou regional de primeira e segunda divisão, a venda de ingressos será realizada em, pelo menos, cinco postos de venda localizados em distritos diferentes da cidade. Art. 21. A entidade detentora do mando de jogo implementará, na organização da emissão e venda de ingressos, sistema de segurança contra falsifi cações, fraudes e outras práticas que contribuam para a evasão da receita decorrente do evento esportivo. Art. 22. São direitos do torcedor partícipe: (Vigência) I — que todos os ingressos emitidos sejam numerados; e II — ocupar o local correspondente ao número constante do ingresso. § 1o O disposto no inciso II não se aplica aos locais já existentes para assistência em pé, nas competições que o permitirem, limitando-se, nesses locais, o número de pessoas, de acordo com critérios de saúde, segurança e bem-estar. § 2o A emissão de ingressos e o acesso ao estádio nas primeira e segunda divisões da principal competição nacional e nas partidas fi nais das competições eliminatórias de âmbito nacional deverão ser realizados por meio de sistema eletrônico que viabilize a fi scalização e o controle da quantidade de público e do movimento fi nanceiro da parti- da. (Redação dada pela Lei nº 12.299, de 2010). § 3o O disposto no § 2o não se aplica aos eventos esportivos realizados em estádios com capacidade inferior a 10.000 (dez mil) pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.299, de 2010). Art. 23. A entidade responsável pela organização da competição apresentará ao Ministério Público dos Estados e do Distrito Federal, previamente à sua realização, os laudos técnicos expedidos pelos órgãos e autoridades competentes pela vistoria das condições de segurança dos estádios a serem utilizados na competição. (Regulamento) PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 19 § 1o Os laudos atestarão a real capac idade de público dos estádios, bem como suas condições de segurança. § 2o Perderá o mando de jogo por, no mínimo, seis meses, sem prejuízo das demais sanções cabíveis, a entidade de prática desportiva detentora do mando do jogo em que: I — tenha sido colocado à venda número de ingressos maior do que a capacidade de público do estádio; ou II — tenham entrado pessoas em número maior do que a capacidade de público do estádio. II I — tenham sido disponibilizados portões de acesso ao estádio em número inferior ao recomendado pela autoridade pública. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Art. 24. É direito do torcedor partícipe que conste no ingresso o preço pago por ele. § 1o Os valores estampados nos ingressos destinados a um mesmo setor do estádio não poderão ser diferentes entre si, nem daqueles divulgados antes da partida pela enti- dade detentora do mando de jogo. § 2o O disposto no § 1o não se aplica aos casos de venda antecipada de carnê para um conjunto de, no mínimo, três partidas de uma mesma equipe, bem como na venda de ingresso com redução de preço decorrente de previsão legal. Art. 25. O controle e a fi scalização do acesso do público ao estádio com capacidade para mais de 10.000 (dez mil) pessoas deverão contar com meio de monitoramento por imagem das catracas, sem prejuízo do disposto no art. 18 desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.299, de 2010). CAPÍTULO VI DO TRANSPORTE Art. 26. Em relação ao transporte de torcedores para eventos esportivos, fi ca assegu- rado ao torcedor partícipe: I — o acesso a transporte seguro e organizado; II — a ampla divulgação das providências tomadas em relação ao acesso ao local da partida, seja em transporte público ou privado; e III — a organização das imediações do estádio em que será disputada a partida, bem como suas entradas e saídas, de modo a viabilizar, se mpre que possível, o acesso seguro e rápido ao evento, na entrada, e aos meios de transporte, na saída. PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 20 Art. 27. A entidade responsável pela organização da competição e a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo solicitarão formalmente, direto ou me- diante convênio, ao Poder Público competente: I — serviços de estacionamento para uso por torcedores partícipes durante a realiza- ção de eventos esportivos, assegurando a estes acesso a serviço organizado de transporte para o estádio, ainda que oneroso; e II — meio de transporte, ainda que oneroso, para condução de idosos, crianças e pessoas portadoras de defi ciência física aos estádios, partindo de locais de fácil acesso, previame n te determinados. Parágrafo único. O cumprimento do disposto neste artigo fi ca dispensado na hipó- tese de evento esportivo realizado em estádio com capacidade inferior a 10.000 (dez mil) pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.299, de 2010). CAPÍTULO VII DA ALIMENTAÇÃO E DA HIGIENE Art. 28. O torcedor partícipe tem direito à higiene e à qualidade das instalações físicas dos estádios e dos produtos alimentícios vendidos no local. § 1o O Poder Público, por meio de seus órgãos de vigilância sanitária, verifi cará o cumprimento do disposto neste artigo, na forma da legislação em vigor. § 2o É vedado impor preços excessivos ou aumentar sem justa causa os preços dos produtos alimentícios comercializados no local de realização do evento esportivo. Art. 29. É direito do torcedor partícipe que os estádios possuam sanitários em nú- mero compatível com sua capacidade de público, em plenas condições de limpeza e funcionamento. Parágrafo único. Os laudos de que trata o art. 23 deverão aferir o número de sanitá- rios em condições de uso e emitir parecer sobre a sua compatibilidade com a capacidade de público do estádio. CAPÍTULO VIII DA RELAÇÃO COM A ARBITRAGEM ESPORTIVA Art. 30. É direito do torcedor que a arbitragem das competições desportivas seja independente, imparcial, previamente remunerada e isenta de pressões. Parágrafo único. A remuneração do árbitro e de seus auxiliares será de responsabi- lidade da entidade de administração do desporto ou da liga organizadora do event o esportivo. PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 21 Art. 31. A entidade detentora do mando do jogo e seus dirigentes deverão convocar os agentes públicos de segurança visando a garantia da integridade física do árbitro e de seus auxiliares. Art. 31-A. É dever das entidades de administração do desporto contratar seguro de vida e acidentes pessoais, tendo como benefi ciária a equipe de arbitragem, quando exclusivamente no exercício dessa atividade. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Art. 32. É direito do torcedor que os árbitros de cada partida sejam escolhidos me- diante sorteio, dentre aqueles previamente selecionados. § 1o O sorteio será realizado no mínimo quarenta e oito horas antes de cada rodada, em local e data previamente defi nidos. § 2o O sorteio será aberto ao público, garantidasua ampla divulgação. CAPÍTULO IX DA RELAÇÃO COM A ENTIDADE DE PRÁTICA DESPORTIVA Art. 33. Sem prejuízo do disposto nesta Lei, cada entidade de prática desportiva fará publicar documento que contemple as diretrizes básicas de seu relacionamento com os torcedores, disciplinando, obrigatoriamente: (Vigência) I — o acesso ao estádio e aos locais de venda dos ingressos; II — mecanismos de transparência fi nanceira da entidade, inclusive com disposições relativas à realização de auditorias independentes, observado o disposto no art. 46-A da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998; e III — a comunicação entre o torcedor e a entidade de prática desportiva. Parágrafo único. A comunicação entre o torcedor e a entidade de prática desportiva de que trata o inciso III do caput poderá, dentre outras medidas, ocorrer mediante: I — a instalação de uma ouvidoria estável; II — a constituição de um órgão consultivo formado por torcedores não-sócios; ou III — reconhecimento da fi gura do sócio-torcedor, co m direitos mais restritos que os dos demais sócios. PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 22 CAPÍTULO X DA RELAÇÃO COM A JUSTIÇA DESPORTIVA Art. 34. É direito do torcedor que os órgãos da Justiça Desportiva, no exercício de suas funções, observem os princípios da impessoalidade, da moralidade, da celeridade, da publicidade e da independência. Art. 35. As decisões proferidas pelos órgãos da Justiça Desportiva devem ser, em qualquer hipótese, motivadas e ter a mesma publicidade que as decisões dos tribunais federais. § 1o Não correm em segredo de justiça os processos em curso perante a Justiça Des- portiva. § 2o As decisões de que trata o caput serão disponibilizadas no sítio de que trata o § 1o do a rt. 5o. (Redação dada pela Lei nº 12.299, de 2010). Art. 36. São nulas as decisões proferidas que não observarem o disposto nos arts. 34 e 35. CAPÍTULO XI DAS PENALIDADES Art. 37. Sem prejuízo das demais sanções cabíveis, a entidade de administração do desporto, a liga ou a entidade de prática desportiva que violar ou de qualquer forma concorrer para a violação do disposto nesta Lei, observado o devido processo legal, in- cidirá nas seguintes sanções: I — destituição de seus dirigentes, na hipótese de violação das regras de que tratam os Capítulos II, IV e V desta Lei; II — suspensão por seis meses dos seus dirigentes, por violação dos dispositivos desta Lei não referidos no inciso I; III — impedimento de gozar de qualquer benefício fi scal em âmbito federal; e IV — suspensão por seis meses dos repasses de recursos públicos federais da admi- nistração direta e indireta, sem prejuízo do disposto no art. 18 da Lei no 9.615, de 24 de março de 1998. § 1o Os dirigentes de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo serão sempre: I — o presidente da entidade, ou aquele que lhe faça as vezes; e II — o dirigente que praticou a infração, ainda que por omissão. PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 23 § 2o A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir, no âm- bito de suas competências, multas em razão do descumprimento do disposto nesta Lei. § 3o A instauração do processo apuratório acarretará adoção cautelar do afastamento compulsório dos dirigentes e demais pessoas que, de forma direta ou indiretamente, pu- derem interferir prejudicialmente na c ompleta elucidação dos fatos, além da suspensão dos repasses de verbas públicas, até a decisão fi nal. Art. 38. (VETADO) Art. 39-A. A torcida organizada que, em evento esportivo, promover tumulto; pra- ticar ou incitar a violência; ou invadir local restrito aos competidores, árbitros, fi scais, dirigentes, organizadores ou jornalistas será impedida, assim como seus associados ou membros, de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até 3 (três) anos. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Art. 39-B. A torcida organizada responde civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer dos seus associados ou membros no local do evento esportivo, em suas imediações ou no trajeto de ida e volta para o evento. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Art. 40. A defesa dos interesses e direitos dos torcedores em juízo observará, no que couber, a mesma disciplina da defesa dos consumidores em juízo de que trata o Título III da Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990. Art. 41. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão a defesa do torcedor, e, com a fi nalidade de fi scalizar o cumprimento do disposto nesta Lei, poderão: I — constituir órgão especializado de defesa do torcedor; ou II — atribuir a promoção e defesa do torcedor aos órgãos de defesa do consumidor. Art. 41-A. Os juizados do torcedor, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pelos Estados e pelo Distrito Federal para o proces- so, o julgamento e a execução das causas decorrentes das atividades reguladas nesta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). CAPÍTULO XI-A DOS CRIMES (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Art. 41-B. Promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos: (Incluído pela Lei nº 12.299, d e 2010). Pena — reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 24 § 1o Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que: (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). I — promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de 5.000 (cinco mil) metros ao redor do local de realização do evento esportivo, ou durante o trajeto de ida e volta do local da realização do evento; (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). II — portar, deter ou transportar, no interior do estádio, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia de realização de evento esportivo, quaisquer instrumentos que pos- sam servir para a prática de violência. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). § 2o Na sentença penal condenatória, o juiz deverá converter a pena de reclusão em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a 3 (três) anos, de acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser primário, ter bons an- tecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de condutas previstas neste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). § 3o A pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, converter-se-á em privativa de liber- dade quando ocorrer o descumprimento injustifi cado da restrição imposta. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). § 4o Na conversão de pena prevista no § 2o, a sentença deverá determinar, ainda, a obrigatoriedade suplementar de o agente permanecer em estabelecimento indicado pelo juiz, no período compreendido entre as 2 (duas) horas antecedentes e as 2 (duas) horas posteriores à realização de partidas de entidade de prática desportiva ou de competição determinada. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). § 5o Na hipótese de o representante do Ministério Público propor aplicação da pena restritiva de direito prevista no art. 76 da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, o juiz aplicará a sanção prevista no § 2o. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Art. 41-C. Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva: (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Pena — reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Art. 41-D. Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fi m de alterar ou falsear o resultadode uma competição desportiva: (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 25 Pena — reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Art. 41-E. Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de co mpetição esportiva: (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Pena — reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Art. 41-F. Vender ingressos de evento esportivo, por preço superior ao estampado no bilhete: (Incluído pela Lei nº 12 .299, de 2010). Pena — reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Art. 41-G. Fornecer, desviar ou facilitar a distribuição de ingressos para venda por preço superior ao estampado no bilhete: (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Pena — reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). Parágrafo único. A pena será aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o agente for servidor público, dirigente ou funcionário de entidade de prática desportiva, enti- dade responsável pela organização da competição, empresa contratada para o processo de emissão, distribuição e venda de ingressos ou torcida organizada e se utilizar desta condição para os fi ns previstos neste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.299, de 2010). CAPÍTULO XII DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS Art. 42. O Conselho Nacional de Esportes — CNE promoverá, no prazo de seis meses, contado da publicação desta Lei, a adequação do Código de Justiça Desportiva ao disposto na Lei no 9.615, de 24 de março de 1998, nesta Lei e em seus respectivos regulamentos. Art. 43. Esta Lei aplica-se apenas ao desporto profi ssional. Art. 44. O disposto no parágrafo único do art. 13, e nos arts. 18, 22, 25 e 33 entrará em vigor após seis meses da publicação desta Lei. Art. 45. Esta Lei entra em v igor na data de sua publicação. Brasília, 15 de maio de 2003; 182o da Independência e 115o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Agnelo Santos Queiroz Filho Álvaro Augusto Ribeiro Costa PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 26 Este texto não substitui o publicado no DOU de 16.5.2003 AULA 4: LINGUAGEM E NARRATIVA LEITURA OBRIGATÓRIA A Aliança. Luis Fernando Veríssimo. Comédia da Vida Privada. Ed. L&PM. PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 27 19 POSNER, Richard A., Remarks on Law and Literature, in Loyola University Chicago Law Journal — Vol. 23, P. 190. 20 WHITE, James Boyd. “Law and Litera- ture: ‘No Manifesto’”. 21 DWORKIN, Ronald. De que Maneira o Direito se Assemelha à Literatura. Uma Questão de Princípios. São Paulo: Martins Fontes, 2000. P. 217. AULAS 5 E 6: A LITERATURA COMO INSTRUMENTO DE DISCUSSÃO JURÍDICA LEITURA OBRIGATÓRIA Édipo Rei. Sófocles. A leitura do Direito como literatura já trouxe à tona acirradas disputas doutrinárias nos Estados Unidos. Nem todos os autores que se dedicaram à análise do tema são simpáticos à idéia de que o estudo hermenêutico da Literatura possa trazer novas luzes à interpretação do Direito. Esta parece ser a opinião de Richard Posner, ao afi rmar19: I don’t think immersion in literature on legal themes or in techniques of literary criticism or literary history will transform people’s view of law or justice or society. I don’t think the movement has a revolutionary or transformative potential. I don’t think for example that law and literature represents a last humanistic stand against the engulfment of law by social sciences and by massive law fi rms. James Boyd White, por seu turno, é bem menos radical em sua abordagem do tema, e se pergunta em que medida o Direito pode se assemelhar (se benefi ciar) da Literatura20: To some, it may sound odd even to suggest that meaningful connections could be drawn between two such diff erent things as law and literature. ‘How can literature have anything to say to lawyers’, such a one might ask, ‘when literature is inherently about the expression of individual feelings and perceptions, to be tested by the criteria of authenticity and aesthetics, while law is about the exercise of political power, to be tested by the criteria of rationality and justice?’ To reduce the law to its merely literary aspect would seem to erase the dimensions of politics, authority, responsibility, and power — the whole sense that the law is about real consequences — and to substitute for it a kind of empty aestheticism, a celebration of style over substance. Is this what those who speak of ‘law and literature’ wish to do? Já Ronald Dworkin, em seu famoso ensaio “De que Maneira o Direito se Assemelha à Literatura”21, assim inicia sua compreensão do tema, de maneira incisiva, como lhe é típico: Sustentarei que a prática jurídica é um exercício de interpretação não apenas quando os juristas interpretam documentos ou leis específi cas, mas de modo geral. O Direito, assim concebido, é profunda e inteiramente político. Juristas e juízes não podem evitar a política no sentido amplo da teoria política. Mas o Direito não é uma questão de política pessoal ou partidária, e uma crítica do Direito que não compreenda essa diferença fornecerá uma compreensão pobre e uma orientação mais pobre ainda. Proponho que podemos melhorar nossa compreensão do Direito comparando a interpretação jurídica com a interpre- PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 28 22 DWORKIN, Ronald. Interpretação e Objetividade. Uma Questão de Princí- pios. São Paulo: Martins Fontes, 2000. P. 264. 23 DWORKIN, Ronald. De que Maneira o Direito se Assemelha à Literatura. Uma Questão de Princípios. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Pp. 223-224. tação em outros campos do conhecimento, especialmente a literatura. Também suponho que o Direito, sendo mais bem compreendido, propiciará um entendi- mento melhor do que é interpretação em geral. Pretendemos nos ater a duas questões apresentadas por Dworkin, que nos parecem ser as mais relevantes na compreensão do tema: a forma precisa de se ler um texto e o Direito como um romance em cadeia. Trataremos, ainda, de uma terceira questão de que Dworkin não trata especifi camente, mas que pode ser inferida de seus outros pos- tulados: a multiplicidade de interpretações possíveis. a. A forma precisa de se ler um texto A forma precisa de se ler um texto (ou de se analisar uma obra) é, na verdade, ques- tão central na compreensão da arte de maneira geral e, especialmente, da Literatura. Em primeiro lugar, há que se saber o campo por onde a interpretação deverá se espraiar. Evidentemente que a interpretação somente será relevante na medida em que contribua para a compreensão da obra literária ou do texto jurídico. Se a interpretação proposta não faz qualquer diferença para o valor de uma obra de arte (ou para a efi cácia de uma norma jurídica), então simplesmente não faz sentido cogitá-la. Dworkin dá, a respeito do tema, o seguinte exemplo22: Alguém poderia pensar, por exemplo, que a velha questão de se Hamlet e Ofélia eram amantes não tem resposta porque nenhuma das respostas teria liga- ção com nenhum critério de valor no teatro. A peça não poderia ser mais bem interpretada de uma maneira do que de outra. Quase nenhuma teoria da arte teria essa conseqüência para algumas questões — se Hamlet dormia de lado, por exemplo. Mas algumas a teriam, para a maior parte das questões que os críticos discutem, e essas teorias forneceriam descrições muito céticas da interpretação. Além disso, outro aspecto relevante deve ser mencionado. O público e a crítica frequentemente se frustram em razão de expectativas equivocadas. Não se pode esperar encontrar em uma comédia romântica as questões metafísicas que permeiam os fi lmes de Ingmar Bergman, sob pena de se decepcionar profundamente. Neste caso, no entan-to, não se pode discutir — a priori — a qualidade da obra em si mesma (se o fi lme era bom ou ruim), mas sim uma questão anterior: o olhar do espectador, que esperava da obra algo que ela não poderia lhe dar. Dworkin apresenta a matéria de maneira elucidativa, ao tratar da hipótese estética23: Um estilo interpretativo também será sensível às opiniões do intérprete a respeito da coerência ou integridade na arte. Uma interpretação não pode tornar uma obra de arte superior se trata grande parte do texto como irrelevante, ou boa parte dos incidentes como acidentais, ou boa parte do tropo ou do estilo como desarticulado e respondendo apenas a padrões autônomos das belas-letras. PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 29 24 DWORKIN, Ronald. De que Maneira o Direito se Assemelha à Literatura. Uma Questão de Princípios. São Paulo: Martins Fontes, 2000. P. 226. 25 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Consti- tuição. Coimbra: Almedina. Pp. 1189- 1190. Portanto, não decorre da hipótese estética que, como um romance fi losófi co é esteticamente mais valioso que uma história de mistério, um romance de Agatha Christie seja na verdade um tratado sobre o signifi cado da morte. Essa interpre- tação falha não apenas porque um livro de Agatha Christie, considerado como um tratado sobre a morte, seja um tratado pobre, menos valioso que um bom texto de mistério, mas porque a interpretação faz do romance um desastre. Todas as frases, exceto uma ou duas, seriam irrelevantes para o tema suposto, e a organização, o estilo e as fi guras seriam adequadas não a um romance fi losófi co, mas a um gênero inteiramente diferente. (grifamos) É lógico que o que de mais importante se pode aferir a partir das considerações de Dworkin é que a interpretação (de um texto) só será verdadeiramente efi ciente se o lei- tor souber identifi car qual a melhor maneira de encará-la. Como afi rma Dworkin, “[a] mbos os tipos de convicções fi guram no julgamento de que uma certa maneira de ler um texto torna-o melhor do que outra”24. É sempre a melhor maneira de ler um texto que se deve buscar quando se interpreta a norma jurídica. Este conceito já parece assentado, especialmente no que diz respeito à interpretação das normas diante da Constituição. Afi nal, o princípio da interpretação conforme a Constituição parece-nos corolário da busca da leitura mais adequada de um texto, no caso, legal. O clássico autor J. J. Gomes Canotilho25 discorre com clareza a respeito do princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição: É fundamentalmente um princípio de controlo (tem como função assegurar a constitucionalidade da interpretação) e ganha relevância autónoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco dentre os vários signifi cados da norma. Daí a sua formulação básica: no caso de normas polissémicas ou plurisignifi cativas deve dar-se prefe- rência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a constitui- ção. Esta formulação comporta várias dimensões: (1) o princípio da prevalência da constituição impõe que, dentre as várias possibilidades de interpretação, só deve escolher-se uma interpretação não contrária ao texto e programa da norma ou normas constitucionais; (2) o princípio da conservação de normas afi rma que uma norma não deve ser declarada inconstitucional quando, observados os fi ns da norma, ela pode ser interpretada em conformidade com a constituição; (3) o princípio da exclusão da interpretação conforme a constituição mas ‘contra legem’ impõe que o aplicador de uma norma não pode contrariar a letra e o sentido des- sa norma através de uma interpretação conforme a constituição, mesmo através desta interpretação consiga uma concordância entre a norma infraconstitucional e as normas constitucionais. Quando estiverem em causa duas ou mais interpre- tações — todas em conformidade com a Constituição — deverá procurar-se a interpretação considerada como a melhor orientada para a Constituição. (grifos do autor) PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 30 26 DWORKIN, Ronald. De que Maneira o Direito se Assemelha à Literatura. Uma Questão de Princípios. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Pp. 235-236. 27 Alguns romances foram efetivamente construídos valendo-se desse artifício. Agatha Christie participou de dois de- les, pelo menos: “A Morte do Almirante” e “Um Cadáver Atrás do Biombo”. No Brasil, há o clássico exemplo de “O Mis- tério dos MMM”. Torna-se evidente, a partir da leitura do texto do constitucionalista português, que o que ele propõe sistematicamente como interpretação constitucional é o paralelo jurí- dico (já aplicado, na prática, no Brasil) à teoria de interpretação literária de Dworkin. Dworkin cita, por exemplo, o fato de que “alguns livros oferecidos originalmente ao público como textos de mistério ou de suspense (e considerados assim por seus autores) foram ‘reinterpretados’ como algo mais ambicioso”. Isso prova que a obra, uma vez criada, desprende-se de seu criador e de sua vontade para seguir rumo autônomo. Será a sociedade, a crítica, o intérprete, afi nal, que defi nirá sua verdadeira qualidade (sua função social). Nesse sentido, claro está que a forma precisa de se ler um texto, buscando-se extrair dele a melhor perspectiva que poderá oferecer, é questão central na interpretação literá- ria, bem como na análise de textos legais, inclusive legislativos. b. O Direito como romance em cadeia Dworkin propõe o seguinte exercício26: supor que determinado grupo de romancis- tas seja contratado para um certo projeto que consiste em que cada um dos romancistas escreva, a seu turno e conforme sorteio preliminar, capítulos que integrarão um único romance27. Dessa forma, o primeiro autor terá plena liberdade de escolha quanto aos persona- gens, à época em que a história se passa e ao desenvolvimento do enredo. Os roman- cistas que o seguirem, entretanto, terão a dupla função de interpretar o que foi escrito antes dele e o de criar seu próprio capítulo, a partir dessa interpretação. Dessa forma, Dworkin sustenta que esse exercício literário seria útil na compreensão de como o juiz deve decidir casos difíceis. Prossegue: A similaridade é mais evidente quando os juízes examinam e decidem casos do Common Law, isto é, quando nenhuma lei ocupa posição central na questão jurídica e o argumento gira em torno de quais regras os princípios de Direito “subjazem” a decisões de outros juízes, no passado, sobre matéria semelhante. Cada juiz, então, é como um romancista na corrente. Ele deve ler tudo o que ou- tros juízes escreveram no passado, não apenas para descobrir o que disseram, ou seu estado de espírito quando o disseram, mas para chegar a uma opinião sobre o que esses juízes fi zeram coletivamente, da maneira como cada um de nossos romancistas formou uma opinião sobre o romance coletivo escrito até então. Qualquer juiz obrigado a decidir uma demanda descobrirá, se olhar nos livros adequados, registros de muitos casos plausivelmente similares, decididos há dé- cadas ou mesmo séculos por muitos outros juízes, de estilos e fi losofi as judiciais e políticas diferentes, em períodos nos quais o processo e as convenções judiciais eram diferentes. Ao decidir o novo caso, cada juiz deve considerar-se como par- ceiro de um complexo empreendimento em cadeia, do qual essas inúmeras de- cisões, estruturas, convenções e práticas são a história; é seu trabalho continuar essa história no futuro por meio do que ele faz agora. Ele deve interpretar o que PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 31 aconteceu antes porque tem a responsabilidade de levar adiante a incumbência que tem em mãos e não partir em alguma nova direção. Portanto, deve deter- minar, segundo seu próprio julgamento, o motivo das decisões anteriores,qual realmente é, tomado como um todo, o propósito ou o tema da prática até então. Como bem observa o autor, a prática é muito mais plausível nos países integrantes do sistema do common law, onde a jurisprudência, através dos precedentes, exerce fun- ção coercitiva muito mais forte do que nos países do sistema romano-germânico. Ainda assim, é evidente que a análise proposta é útil aos países em que vige o siste- ma romano-germânico. Ao se compreender os precedentes judiciais, uma vez lidos os autores clássicos, muito mais substancialmente se poderá adicionar elos suplementares à corrente interpretativa que vinha se formando até então. O papel do juiz, ou do in- térprete em geral, será muito mais responsável na medida em que ele conhece a história jurídica até aquele momento, quando terá a oportunidade de escrever, ele próprio, mais um capítulo. c. O Direito como múltiplas possibilidades de interpretação Assim como um texto literário pode ser interpretado de diversas maneiras distintas, também a norma jurídica muitas vezes poderá apresentar múltiplas possibilidades in- terpretativas. Sempre que isso for possível, o intérprete deverá optar pela interpretação que fi zer com que a lei cumpra mais efi cazmente sua função social. De toda forma, é fundamen- tal que reste claro que não é por haver entendimento consolidado em determinado sentido que o intérprete deve se abster de buscar novos entendimentos. Antes, sempre que os entendimentos forem efetivamente consolidados, talvez seja a oportunidade de se avançar um pouco mais na escrita infi nita da interpretação normativa. É função inafastável do intérprete buscar novas soluções para os problemas que se apresentam na sociedade, sob pena de manter estagnados velhos padrões que não se ajustam mais às demandas contemporâneas. Se isso puder ser feito a partir de novas interpretações de diplomas legais existentes, tanto melhor. d. Édipo Rei O Direito sempre foi tema caro à literatura. Uma vez que o Direito trata, entre ou- tras questões, de moral, de ética, de relações intersubjetivas e da conduta humana em geral, nada mais natural que a Literatura tenha demonstrado, desde seus primórdios, interesse por questões jurídicas ou análogas ao Direito. São inúmeros os exemplos que podemos apontar de obras literárias que tratam de temas jurídicos. Embora haja exemplos ainda mais antigos de textos literários que nar- ram procedimentos jurídicos, tais como “O Livro dos Mortos” (que descreve uma cena de julgamento), “A Ilíada” (também com uma breve cena de julgamento) e “A Odis- PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 32 28 Exemplos conferidos por Richard A. Posner em “Remarks on Law and Litera- ture”, in Loyola University Chicago Law Journal — Vol. 23, P. 190. 29 Oedipus signifi ca originalmente “pé inchado”, ou “pé machucado”, em razão do estado do pé de Édipo, ainda criança, quando encontrado na fl oresta. 30 A esfi nge havia sitiado Tebas des- truindo qualquer pessoa que tentasse entrar ou sair da cidade. O mito não explica como Laio saiu para ser morto, do lado de fora da cidade, por Édipo. É conhecido de todos o enigma que a Esfi nge propunha a cada pessoa que se atrevesse a desafi á-la — que animal anda com quatro patas pela manhã, com duas pela tarde e com três pela noite. Evidentemente, tratava-se do ser humano. 31 Tradução para o Inglês não creditada. Edição escolar em brochura. séia” (sobre vingança, antes de haver um sistema jurídico organizado)28, “Édipo Rei” tornou-se célebre em razão da temática desenvolvida e seu aproveitamento em teorias psicanalíticas. Como se sabe, o teatro grego clássico se fundava sobre três pilares: a unidade de ação, a unidade de tempo e a unidade de espaço. Dessa forma, as peças gregas antigas versavam sobre um único curso de acontecimentos, sem tramas paralelas, em um único momento e em um único lugar. Assim é que a peça de Sófocles trata da busca empre- endida por Édipo para descobrir o assassino do Rei de Tebas, Laio, que deixou viúva a rainha da cidade, Jocasta. Quando a peça se inicia, já são de conhecimento dos espectadores todos os aconte- cimentos ocorridos antes daquele momento. Afi nal, as peças gregas versavam, em sua maioria, a respeito de mitos do imaginário popular daquela época, por todos conhecidos. Por isso, antes de o primeiro ator entrar em cena, já se sabe o que ocorreu: o orácu- lo de Delfos profetizou, anos antes, que em Tebas nasceria um herdeiro do trono que mataria o pai e desposaria a mãe. Horrorizado com a profecia, com o nascimento de seu fi lho, Laio manda matá-lo para que os terríveis acontecimentos não se concretizem. Ocorre que o serviçal enviado para matar o fi lho do Rei na fl oresta não cumpre com a missão por piedade. A criança é dada a um pastor de Corinto que para lá conduz a criança, onde é adotada pelos reis locais e onde passa a viver. Anos se passam até que a criança, então chamada Édipo29, fi ca sabendo, ao consultar ele próprio o Oráculo de Delfos, que seria protagonista da terrível profecia. Por esse mo- tivo, e por não saber ter sido adotado, foge de Corinto a fi m de evitar que seu destino se concretize. Ironicamente, ao se afastar de Corinto, envolve-se em uma luta de rua em que mata, entre outras pessoas, o rei de Tebas, Laio, seu pai biológico, sem que tenha conhecimento deste fato. A seguir, Édipo consegue destruir a esfi nge30 que sitiara a cidade de Tebas, e em razão disso entra na cidade como herói. Nada mais razoável a um herói do que desposar a rainha local, recém-viúva, sendo a identidade do assassino de seu marido desconhecida de todos. E é assim que Édipo se casa com sua própria mãe, Jocasta, cumprindo, por fi m, os funestos presságios. Passados alguns anos, os deuses decidem punir Tebas — ou assim, pelo menos, pa- rece aos seus habitantes — e Édipo passa a buscar o autor do crime que tirou a vida de Laio de modo a aplacar a ira dos deuses — acredita que a descoberta do autor do crime trará prosperidade de novo à cidade onde vive. Não sabe, entretanto, buscar a si mes- mo. É nessa busca — que consome quase que a totalidade da peça — que vemos Édipo exercer uma função quase detetivesca que nos lembra um inquérito policial. Édipo é investido no cargo de investigador naturalmente em razão de sua impor- tância política, mas também a partir dos apelos de um representante de Zeus, o que parece dar uma certa legitimidade à condução de suas funções. Em nome da população de Tebas, que sofre com a praga que se abateu sobre a cidade, assim se pronuncia o representante divino31: PORTUGUÊS JURÍDICO FGV DIREITO RIO 33 32 Refere-se, naturalmente, à destrui- ção da Esfi nge por Édipo. 33 Curiosamente, há evidências de que Jocasta sabe exatamente o que está acontecendo ou, ao menos, passa a ter a noção exata dos eventos no correr da peça. Em pelo menos um diálogo, Jocasta demonstra estar seriamente preocupada com as consequências das investigações de Édipo, tanto para ele quanto para ela própria. Tenta dissu- adi-lo de sua empreitada de descobrir a verdade, o que seria um indício de que deseja conscientemente evitar que Édipo perceba onde sua investigação particular poderá levá-lo: Édipo: How can you say that when the clues to my true birth are in my hands? Jocasta: For god’s love! Let us have no more questioning! Is your life nothing to you? My own is in pain enough for me to bear. Édipo: You need not worry. Suppose my mother a slave, and borne of sla- ves: no baseness can touch you. Jocasta: Listen to me: I beg you, do not do this thing! Édipo: I will not listen; the truth must be made known. Jocasta: Everything I say is for your own good! Édipo: My own good snaps my pa- tience, then; I want none of it. Jocasta: You are fatally wrong! May you never learn who you are! 34 A decisão de tornar-se
Compartilhar