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Argumento e Roteiro BERTRAND LIRA, 2015 2 http://roteiroparacinema.blogspot.com.br/2009/ 0BSumário 1BApresentação 03 2BA tarefa do roteirista 04 3BQuadro de Etapas de um roteiro 06 4BA ideia e a story line 07 5BSinopse/Argumento (outline) 08 6BPerfil dos personagens 09 7BExemplos de perfil 11 8BLocalização e temporalidade 14 Modelo de sinopse 16 A Jornada do Herói 18 Escaleta (step outline) 27 Recursos para contar uma história 29 Primeiro Tratamento 32 O diálogo 33 Elementos visuais 35 As ferramentas do roteiro 36 Dicas para formatação 47 Referências 55 APÊNDICES (+ sinopses) 56 3 Apresentação Para esta apresentação, recorro às idéias de Jean-Claude Carrière, autor de mais de cinqüenta roteiros de cinema dirigidos por grandes realizadores. São dele, entre outros, os roteiros de O discreto charme da burguesia (1972), Este obscuro objeto do desejo (1977) e A bela da tarde (1967), de Luis Buñuel; A insustentável leveza do ser (1988), de Philip Kaufman, Danton, o processo da Revolução (1982), de Andrzeji Wajda, O Mahabharata (1989), de Peter Brook. Em A linguagem secreta do cinema, Carrière se diz intrigado quando alguém afirma gostar de um roteiro seu mas não do filme resultante. “Não posso entender como é possível dissociar um roteiro de um filme, aprecia-lo separadamente. (...) Não tenho a menor idéia do tipo de monstrengo que poderia ser um filme bem dirigido, mas mal escrito. Seria uma criatura híbrida, quase inimaginável. Um filme é sempre uma coisa em si mesma, um todo realizado com maior ou menor êxito, com trechos decepcionantes ou empolgantes. Uma direção apaixonada e inventiva pode, às vezes, insuflar vitalidade numa história fraca e banal. Isso acontece. Por outro lado, um diretor medíocre ou arrogante pode sabotar horrivelmente uma boa história. Ai de mim, isso também acontece. Mas, neste caso, o roteiro original desapareceu, vítima de uma traição; não existe mais. Portanto, como podemos dizer ainda que ele é bom? Na verdade, um bom roteiro é aquele que dá origem a um bom filme. Uma vez que o filme esteja pronto, o roteiro não mais existe. Provavelmente, ele é o elemento menos visível da obra concluída. Parece ser um todo independente. Mas está fadado a sofrer uma metamorfose, a desaparecer, a se fundir numa outra forma, a forma definitiva.” O material a seguir é uma compilação de informações preciosas para quem deseja escrever um roteiro para produção de uma obra audiovisual em qualquer mídia que suporte som e imagem e foram garimpadas em obras importantes de profissionais e estudiosos da estirpe de Doc Comparato, Sid Field, David Howard, Edward Mabley, Robert Mckee, Michel Chion, Puccini, Christopher Vogler, entre outros. Bertrand Lira 4 9BA TAREFA DO ROTEIRISTA Elementos gerais: O Roteiro é uma das formas mais difíceis e incompreendidas de toda a literatura (...) porque implica muito mais intermediários entre o escritor e o público de que outras formas literárias. O roteirista precisa se comunicar com o diretor, com os atores, com os figurinistas, o fotógrafo, os técnicos de som, os cenógrafos, os montadores e mais de uma infinidade de profissionais do cinema. A roteirização é fruto direto da dramaturgia; ela adapta muito das mesmas ferramentas e convenções do teatro a uma nova tecnologia, a uma nova maneira de passar uma história (ou estória como ainda preferem alguns, a exemplo de McKee) para o público. Para Mckee (2006, p. 54), “criar uma TRAMA significa navegar através de terrenos perigosos da história e, quando confrontado por uma dúzia de possibilidades, escolher o caminho certo. Trama é a escolha de eventos do escritor e sua colocação no tempo.” O que compete ao roteirista? 1) Ter uma visão fundamental da Useqüência de eventosU. Isso inclui não só os diálogos ditos pelos atores, como também Ua atividade físicaU que exercem, Uo ambienteU que os cerca, o UcontextoU dentro do qual a história se desenrola, a UiluminaçãoU, Ua música e os efeitos sonorosU, Uos figurinosU, além de todo o andamento do Uritmo da narrativaU. 2) Ter Uclareza suficienteU para que o diretor, fotógrafo, técnico de som e todos os outros profissionais criem um filme que se assemelhe às intenções originais do roteirista. Ele é o primeiro a “ver” o filme, embora unicamente na mente e no papel. A visão original de um filme é, de início, domínio exclusivo do roteirista. O que é o roteiro? Definição: Roteiro é a forma escrita de qualquer espetáculo áudio e/ou visual. É uma espécie de plano diretor para uma forma artística extremamente complexa: o audiovisual. _ Texto de um filme, estruturado em uma série de cenas na ordem em que deverão ser apresentadas, com indicação relativa a personagens, cenários e diálogos. Syd Field: Roteiro é uma história contada em imagens, diálogos e descrições dentro do contexto de uma estrutura dramática. 5 Marcos Rey: um roteiro é composto de narrações, anotações técnicas e diálogos. José Carlos Avellar: “uma forma literária que remete a um filme a ser feito”. As Relações do Roteirista Uma vez que fazer cinema é atividade de grupo, as relações são cruciais para um trabalho eficaz (o roteirista deve saber quem são os outros profissionais e como se comunicar com eles). Os três relacionamentos mais importantes do roteirista são com o produtor, com o diretor e com os atores. Escritor e diretor vêem a totalidade da história da mesma forma, como ela é contada ao espectador e como ele vai vivenciar o filme e reagir à história. 18BPRINCÍPIOS BÁSICOS DA ROTEIRIZAÇÃO O que vem a ser “uma história bem contada”? _ Grande parte das boas histórias gira em torno de personagens que geram um mínimo de Uempatia e simpatia, que é seu frutoU. _Tem que trazer uma circunstância dramática básica: “Alguém quer desesperadamente alguma coisa mas está tendo dificuldade em obtê- la.”(Frank Daniel). Se o personagem não estiver muito interessado em alcançar o objetivo, se a façanha for fácil demais, ou se for completamente impossível, não há drama. _ “Uma boa história bem contada” inclui outro elemento crucial: a maneira como o público vivencia a história: o O que o espectador sabe, o Quando fica sabendo, o O que sabe que um ou mais personagens desconhecem, o O que o espectador espera, o que teme, o que pode antecipar, o que surpreende. Todos esses são elementos que integram Ua técnica de contar uma históriaU. Os elementos essenciais de “uma boa história bem contada” são: 1. A história é a respeito de UalguémU por quem sentimos empatia. 2. Esse alguém quer desesperadamente Ualguma coisaU. 3. Essa coisa é difícil, mas possível de obter ou alcançar. 4. A história é contada tendo em vista o máximo de impacto emocional e a participação do público nos acontecimentos. 5. A história tem que chegar a um Ufim satisfatórioU (o que não significa necessariamente um final feliz). 6 ETAPAS DE UM ROTEIRO: 1. IDEIA 2. STORY LINE 3.ARGUMENTO 4. ESTRUTURA 5. ROTEIRO Processo mental oriundo da imaginação Síntese da estória (trama, enredo) Desenvolvimento da story line em texto ESCALETA Fragmentação do argumento em cenas. 1. Primeiro Tratamento. Roteiro aberto a modificações. 2. ROTEIRO FINAL. Texto que vai ser gravado ou filmado. Característica s: A idéia é comunicada verbalmente. Pode ser selecionada, verbalizada, lida, transformada, solicitada, pesquisada. Características: É a idéia anotada, de 1 a 5 linhas. Contém: _ a apresentação do conflito. _ desenvolvimento do conflito. _ Solução do conflito. * Não contém diálogos Características: De 2 a 5 laudas _ O texto com objetividade e clareza. Contém: _ temporalidade _ localização _percurso da ação _ perfil do personagem* Não contém diálogos Características: Descrição das cenas contendo localização no tempo, no espaço e a ação. * Não contém diálogos. Características: Cenas completas, desenvolvimento dos personagens e seus conflitos. CONTÉM DIÁLOGOS Objetivos: _ registrar a idéia; _ acompanhar o argumento fornecendo o enredo da história. Objetivos: _Viabilidade de produção mercadológica, artística e autoral. Objetivos: Organizar a narrativa numa seqüência visando ao maior nível possível de tensão dramática. Objetivos: É um documento que serve a toda a equipe de filmagem e a partir do qual se estabelece o cronograma de trabalho. Sinônimo: Pré-sinopse (TV) Sinônimo: Sinopse (TV) Sinônimos: Screenplay (cinema) Script (TV) Televisionplay (TV) HLEBAROVA, Vânia Perazzo (1997). Vídeo: Noções básicas para principiantes. João Pessoa: Editora Universitária. 7 1. A ideia Processo mental oriundo da imaginação. Pode ser, segundo Lewis Herman: a) Selecionada: vem da memória, independe de outra pessoa ou fatos externos; b) Verbalizada: vem de algo que ouvimos; c) Lida Ex.2: A seção policial (Cidade) de O Globo foi matriz de várias estórias escritas por Comparato para “Plantão de Polícia”. d) Transformada. Ex. “Henrique V”, de Shakeaspeare, foi uma idéia “roubada” a um escrito de um autor da época. A idéia transformada consiste em utilizar a mesma idéia, mas de outra maneira. e) solicitada. Um produtor solicita um roteiro sobre a história de um herói nacional. Ex. a vida de Tiradentes. f) Procurada/pesquisada. Um estudo feito para saber qual é o tipo de filme que o mercado quer ou que está faltando. Novos enfoques para um tema conhecido. Exemplos: As séries televisivas “Malu Mulher” ou “Plantão de Policia”. 10BExercício: 1: Elaborar cinco story line originais ou baseadas em algo lido. Uma delas deve ser a do roteiro a ser desenvolvido na disciplina. 2. Story Line Conceito: É a estória resumida em uma só frase; é o fio-da-meada, o enredo. Tem de 1 a 5 linhas, no máximo. É o quê, isto é, o enredo, a trama. Expõe o conflito. Story line (exemplos) 1. Ana é uma jovem noviça que está pronta para tornar-se uma freira, mas antes ela vai visitar sua única parenta, uma tia. Essa mulher, então, revela segredos avassaladores a respeito da própria jovem e do passado da família.1 2. A história mostra o esforço de um ator para estrelar uma peça na Broadway, e assim recuperar sua popularidade , abalada desde que se 1 Ida (ida). Polônia/Dinamarca. 2013. Direção Pawel Pawlikowski. 8 recusou a estrelar mais um filme no papel do super-herói que o tornou famoso.2 3. Bem e George formam um casal há quatro décadas. Quando finalmente decidem casar, a cerimônia é aprovada por amigos e familiares, mas acaba levando George a perder o emprego na igreja onde trabalha como regente de um coro. Sem dinheiro, os dois são obrigados a viver separadamente em casa de um amigo e de um sobrinho. A nova vida em lares provisórios torna-se bastante desgastante para o casal e as pessoas envolvidas.3 4. Ingrid acabou de perder a visão. Ela se esconde na segurança de sua casa, onde se sente em controle e pode ficar a sós, apenas com seu marido e seus pensamentos. Seus verdadeiros problemas, porém, não estão no mundo exterior, e sim dentro dela mesma. Logo, seus medos mais obscuros vão tomar conta de seu mundo.4 5 Uma enfermeira aposentada vive uma relação harmoniosa com o filho adulto desprotegido, num ambiente acolhedor como um ninho. Mas o rapaz tem uma vida dupla, de que a mãe sequer desconfia.5 6 Deixando para trás os sonhos da juventude de mudar o mundo, o casal quarentão tenta manter um relacionamento aberto, baseado na total honestidade. Mas o casal vive uma fase de inquietação. Advogada, ela acaba se envolvendo com um dos seus clientes.6 3. Sinopse/Argumento (outline7) Delineia personagens, localiza a história no tempo e no espaço, o percurso da ação. Pode ter de 5 a 20 laudas. Para alguns autores a sinopse equivale ao argumento. Para outros, chamam de argumento uma sinopse maior, mais detalhada (mais ou menos 20 laudas). Nos dois casos, afirma Puccini (2009, p. 36) “trata-se de um resumo da história com início, desenvolvimento e resolução. Na sinopse/argumento, foram estabelecidos personagens principais, ação dramática, tempo e lugar da ação e os eventos principais que irão compor a história.” Objetivo: convencer das viabilidades (artística, econômicas, etc.) do projeto. O argumento contém: O QUE (a história), QUEM (personagens), ONDE (espaço) e QUANDO (tempo). 2 Birdman (Birdman). E.U.A. 2014. Dir. Alejandro González Iñarritu. 3 O amor é estranho (Love is strange). EUA, França. 2014. Dir. Ira Sachs. 4 Blind (Blind). Noruega. 2013. Dir. Skil Vogt. 5 Atrás da janela. Brasil. 2000. Dir. Tata Amaral. 6 Tolerância. Brasil. 2000. Dir. Carlos Gerbase. 7 OUTILNE = esboço, resumo. 9 “Uma boa sinopse é o guia perfeito para se obter o roteiro” (Doc Comparato) 3.1. O perfil dos personagens (o quem). O protagonista é a personagem básica do núcleo dramático principal; é o herói da história. Pode ser uma pessoa, um grupo de pessoas, ou qualquer coisa que tenha capacidade de ação e de expressão. Um exemplo não humano: o cão Rin-tin-tim. O protagonista está no centro da ação e é, por conseguinte, o mais trabalhado e desenvolvido. Observações básicas para a configuração da personagem: A. Adequação da personagem à história. O protagonista se cria segundo a história, e não o contrário. Se a personagem de James Stewart em “Um corpo que cai”(Vertigo), de Hitchcock, não sofresse de vertigens, o filme não faria sentido. São pressupostas no protagonista determinadas características que geram uma interação máxima com a história. Têm sua razão de ser em função do drama ou são concomitantes. O caso contrário é pouco freqüente. O importante é que o produto final resulte como uma interação personagem-história indestrutível (harmonioso). B. O pensar e o agir da personagem. 19BUma lei dramatúrgica muito popular diz que cada vez que a personagem pensa, fala. 20BPensar = Falar Em audiovisual não existe um fluxo interior ou da consciência tal como existe no romance; assim, o que a personagem diz é a única forma que dispõe para expressar seus pensamentos. O emprego da voz em OVER para descrever estados de espírito e pensamento da personagem é comum no cinema francês. Pode ser aborrecido e pouco criativo, por isso é preferível evitar. Há exceções. Ex. “Os Bons Companheiros”, de Martin Scorcese. 23BSentir = Atuar O sentir da personagem exprime-se pela sua atuação, pela sua reação e pelo seu comportamento perante a ação. Por exemplo: quando ama, beija; quando se irrita, luta; quando está triste, chora. Diferente de nós, seres humanos, que escondemos nossos sentimentos, a personagem, cedo ou tarde, expõe todos os 10 seus sentimentos por meio de ações. Até a falta de reação perante um acontecimento demonstra o sentir da personagem. C. A maneira de falar. Se a personagem fala gaguejando, se a fala é lenta, se tem sotaque do Sul, se é mudo, etc. Não precisamos conhecer em profundidade todos os atributos e defeitos de sua fala; bastará indicar os elementos-tipos mais óbvios. Em “O Silêncio dos Inocentes”, a maneira de falar definia e opunha dois perfis psicologicamente muito complicados. D. UO Batismo (nomes). O nome revela _ e isto é algo geralmente aceito _ a classe social, o caráter e a tipologia da personagem. Ex. Natalino para uma personagem rural. André Gustavo, se o personagem é da classe média. E. Tem de ser real. Uma personagem tem de possuir todos os valores que se consideram universais (morais,éticos, religiosos, afetivos, políticos, etc.,), e também os chamados pessoais, que apenas têm significado naquela personagem específica (obsessão pelo trabalho, mania de ordem, etc.,). Os ingredientes que entram na composição de uma personagem são basicamente os mesmos; o que varia são as proporções que se dão a esses valores. A complexidade de uma personagem e suas contradições têm de se manifestar para que seja verossímil, real. Quanto maior for a sua densidade humana, mais real nos parecerá F. Composição. Três fatores a considerar: __ fator físico: idade, peso, altura, presença, cor do cabelo, cor da pele, dos olhos... __ fator social: classe social, religião, família, origens, trabalho, nível cultural.... __ fator psicológico: ambições, anseios, frustrações, sexualidade, perturbações, sensibilidade, percepções... A correspondência entre intelecto e emoções (reações) é o que dá identidade à personagem. Compor uma personagem depende muito da capacidade de observação e abstração do roteirista (pode ser desenvolvida pela visita a diferentes ambientes sociais). O autor é colecionador de tipos humanos (matéria-prima para a configuração da personagem). Ela, tal como ser humano, nunca é estática: transforma-se (processo chamado evolução da personagem). 11 * Compara-se a personagem a um filho: move-se sozinha se comporta em função de sua “vontade própria”. Por isso devemos conhecer e respeitar a sua originalidade, a sua individualidade, para não incorrermos na atrocidade de pôr na sua boca palavra que são nossas e não suas. 29BGiulietta Masina em Noites de Cabíria (1957), de Federico Fellini 30BExemplo de perfil de personagens do filme O Invasor, de Bento Brant 31BAnísio É um matador de aluguel que vive na periferia de uma grande cidade, sujeito feio mas com um certo carisma, engraçado e metido a conquistador. É magro, de estatura mediana, tem 1,65 aproximadamente, jeito de malandro e com o falar cheio de gírias e de meias palavras. “Boa-vida”, não tem nada a perder e está sempre de olho no que os outros podem lhe dar. Cínico e sem escrúpulos, Anísio é do tipo folgado, de entrar e ficar à vontade em qualquer ambiente. Mulherengo, come todas as mulheres com os olhos, mas termina se envolvendo com Marina, filha do construtor que ele mesmo assassinara. Ambicioso, não se contenta com a soma recebida pelo serviço e, como quem não quer nada, vai discretamente chantageando os dois sócios e infernizando suas vidas. 32BGilberto Engenheiro e sócio minoritário de uma construtora que pertence à Estevão. Ambicioso e inescrupuloso, usa de todos os artifícios para ampliar seu domínio na construtora, inclusive mandar eliminar Estevão, sócio-majoritário, que não aceita negócios escusos na empresa. Além da construtora, Gilberto mantém sociedade numa casa noturna de prostituição aonde vai com freqüência “relaxar”. Boa pinta e mulherengo, nenhuma mulher lhe passa despercebida. É aparentemente bem casado com Luísa, com quem tem uma filha de quatro anos. Inescrupuloso e arrivista, acha que todo mundo quer sempre mais da vida e que ninguém é inocente e que qualquer um pode querer usurpar tudo de alguém, é só ter uma chance. Manipulador, joga com falsas informações para confundir Ivan, seu sócio e ex-companheiro de faculdade. 12 24BIvan Como Gilberto, é engenheiro e sócio-minoritário da mesma construtora. Boa aparência, olhar inquisidor, irrequieto, se deixa influenciar por Giba, amigo em quem confia e que conhece desde os tempos de faculdade de engenharia. Ivan termina convencido pelo plano de Gilberto de eliminar Estevão que está atrapalhando os planos do amigo com o aceno da possibilidade de romper a sociedade. Indeciso, quer voltar atrás no plano, mas é sempre manipulado por Giba. Aparentemente bem casado, termina se apaixonando por Cláudia, uma bela garota de programa com quem pretende fugir. 25BEstevão Engenheiro, sócio-majoritário da construtora onde Gilberto e Ivan são sócios. Ético e sério nos negócios, evita envolver a empresa em negócios escusos propostos pelos sócios Ivan e Gilberto e por isso pretende comprar sua parte na sociedade. Boa aparência, tem entre 40 e 45 anos, vive um casamento meio acomodado, fazendo sexo tipo papai-mamãe, e tem uma filha de 18 anos de nome Marina. 26BMarina Filha de Estevão, eliminado por Anísio a mando dos sócios. Tem 18 anos, é bonitinha, usa piercing, tatuagem, modelitos meio dark e meio clubber. Fala manso e com gírias, totalmente desligada dos pais e de seus negócios. Adora embalos regados a drogas e música eletrônica. Ingênua, carente e meio solitária, termina se envolvendo com Anísio, assassino dos pais. Anísio (Palo Miklos), Ivan (Marco Ricca) e Gilberto (Alexandre Borges) em O invasor, de Beto Brant Quadro de algumas características básicas para o perfil de uma personagem Parcimonioso __ pródigo sujo __ imaculado gentil __ violento justo__ injusto moral__ imoral Inteligente __ estúpido alegre __ lânguido gracioso __ apático delicado_ bruto leal __ desleal Valente __ covarde generoso __ avaro fanfarão __ humilde claro __ confuso Otimista __ pessimista Obstinado __ dócil gregário __solidário crédulo__ incrédulo tranqüilo __ nervoso saudável __doente Sensível __ insensível ingênuo_ malicioso arrogante __ cortês cruel __benevolente Extravagante __ comedido indeciso _impulsivo simples__ complexo vulgar __ nobre Pretensioso __ modesto lúcido __ alienado natural __ afetado torpe __ hábil Impetuoso __ sereno astuto __ franco egoísta __ altruísta histérico __ plácido Ativo __ preguiçoso galante __ rude loquaz __ taciturno 13 1) Assinale as características físicas (F), psicológicas (P), sociais (S), ideológicas (I) e morais (M) do personagem abaixo: Era um pobre-diabo caminhando para os setenta anos, antipático, cabelo branco, curto e duro, como uma escova, barba e bigode do mesmo teor, muito macilento, com uns óculos redondos que lhe aumentavam o tamanho da pupila e davam-lhe à cara uma expressão de abutre, perfeitamente de acordo com seu nariz adunco e com sua boca sem lábios; viam-se lhe ainda todos os dentes, mas tão gastos, que pareciam limados até o meio. Andava sempre de preto, com um guarda-chuva debaixo do braço e um chapéu de Braga enterrado nas orelhas./ Fora em seu tempo empregado do comércio, depois corretor de escravos; contava mesmo que estivera mais de uma vez na África negociando negros por sua conta. Atirou-se muito às especulações; durante a guerra do Paraguai ainda ganhara forte, chegando a ser bem rico; mas a roda da fortuna desandou e, de malogro em malogro, foi-lhe escapando tudo por entre as garras de ave de rapina. /E, agora, coitado, já velho, comido de desilusões, cheio de hemorróidas, via-se totalmente sem recursos e vegetava à sombra do Miranda, com quem muitos anos trabalhou em rapaz, sob as ordens do mesmo patrão, e de quem se conservava amigo, a princípio por acaso e mais tarde por necessidade. Devorava-o, noite e dia, uma implacável amargura, uma surda tristeza de vencido, um desespero impotente, contra tudo e contra todos, por não lhe ter sido possível empolgar o mundo com suas mãos hoje inúteis e trêmulas. E, como o seu atual estado de miséria não lhe permitia abrir contra ninguém o bico, desabafava vituperando as idéias da época. Assim, eram às vezes muito quentes as sobremesas do Miranda, quando, entre outros assuntos palpitantes, vinha à discussão o movimento abolicionista que principiava a formar-se em torno da Lei do Rio Branco. Então o Botelho ficava possesso e vomitava frases terríveis, para a direita e para a esquerda, como quem dispara tiros sem fazer alvo, e vociferava imprecações, aproveitando aquela válvula para desafogar o velho ódio acumulado dentro dele. (Botelho, personagem de O Cortiço, de Aluísio Azevedo). Exercício 2: Elaboraro perfil dos personagens principais de sua história, respondendo às seguintes questões: Como é a personagem? (descrição física e psicológica. Personalidade); Como pensa e fala? Onde vive? Com quem e em que circunstâncias? Onde trabalha? Que faz para viver, como é o seu ambiente (família, amigos)? Possui alguma particularidade? 14 3.2. LOCALIZAÇÃO e TEMPORALIDADE (presentes no Argumento) a) A temporalidade (o quando). A quantidade de tempo que a história abrange (dias, meses, anos, etc.), se este tempo é contínuo, se salta de um mês para outro, de uma década para outra... ou se se trata de um tempo irreal. O tempo “época” __ indica o momento histórico dos acontecimentos narrados (na Idade Média, no século passado, no ano de 1964, no século XXI. Não confundir temporalidade com tempo dramático (duração das cenas). b) A localização (o onde). Em que lugar decorre a história. O onde não contém apenas um componente geográfico, com oportunos detalhes sobre o cenário, mas também implica um contexto social e histórico. Ex. Seria impossível compreender a personagem e sua história (no filme “Ladrões de Bicicletas”, de Vittorio de Sica) fora do contexto social da época. O fragmento que segue foi extraído do romance O Cortiço, de Aluísio Azevedo: “Daí à pedreira restavam apenas uns cinqüenta passos e o chão era já todo coberto por uma farinha de pedra moída que sujava como a cal. Aqui, ali, por toda parte, encontravam-se trabalhadores, uns ao sol, outros debaixo de barracas feitas de lona ou de folha de palmeira. De um lado cunhavam pedra cantando; de outro a quebravam a picareta; de outro afeiçoavam lajedos a ponta de picão; mais adiante faziam paralelepípedos a escopro e macete. E todo aquele retintim de ferramentas, e o martelar da forja, e o coro dos que lá em cima brocavam a rocha para lançar-lhe fogo, e a surda zoada ao longe, que vinha do cortiço, como de uma aldeia alarmada; tudo dava a idéia de uma atividade feroz, de uma luta de vingança e de ódio. Aqueles homens gotejantes de suor, bêbedos de calor, desvairados de insolação, a quebrarem, a espicaçarem, a torturarem a pedra, pareciam um punhado de demônios revoltados na sua impotência contra o impassível gigante que os contemplava com desprezo, imperturbável a todos os golpes e a todos os tiros que lhe desfechavam no dorso, deixando sem um gemido que lhe abrissem as entranhas de granito. O membrudo cavouqueiro havia chegado à fralda do orgulhoso monstro de pedra; tinha-o cara a cara, mediu-o de alto a baixo, arrogante, num desafio surdo. A pedreira mostrava-se neste ponto de vista o seu lado mais imponente. Decomposta, com o escalavrado flanco exposto ao sol, erguia-se altaneira e desassombrada, afrontando o céu, muito íngreme, lisa, escaldante e cheia de cordas que mesquinhamente lhe escorriam pela ciclópica nudez com um efeito de teias de 15 aranha. Em certos lugares, muito alto do chão, lhe haviam espetado alfinetes de ferro, amparando, sobre um precipício, miseráveis tábuas que, vistas cá de baixo, pareciam palitos, mas em cima das quais uns atrevidos pigmeus de forma humana equilibravam-se, desfechando golpes de picareta contra o gigante.” *afeiçoar: dar forma ou figura a picão: ferramenta para lavrar a pedra. escopro: cinzel. macete: espécie de martelo. cavouqueiro: que trabalha em mina ou pedreira. Escalavrado: golpeado, esburacado, arruinado. ciclópica: colossal, extraordinária. De ciclope (mitologia grega): gigante com um olho só na testa. Tarefa 3: Descrever o lugar onde acontece a história do seu roteiro com indicações do seu contexto histórico, socioeconômico, político, moral e psicológico. 16 Modelo de sinopse/argumento (outline8): O Invasor, direção de Beto Brant Num bar de um bairro da periferia da cidade de São Paulo, Gilberto e Ivan, dois jovens empresários da construção civil e ex-colegas de universidade, se encontram com Anísio, um sujeito mal-encarado e lhe entregam um envelope como pagamento de “um serviço” a ser feito. À noite eles vão a uma boate, na realidade uma casa de prostituição, onde Gilberto se sente à vontade como um velho freqüentador. Ivan está tenso e Gilberto o faz conhecer o tratamento anti- stress de uma das garotas do local. Na volta para casa, Ivan fica sabendo que seu amigo Giba, optou pela “diversificação de negócios” e mantém sociedade no bar privê que acabaram de visitar. Na construtora, Estevão, o sócio majoritário abre o jogo com Ivan e diz não concordar com a proposta de Gilberto de fazer negócios com o governo e ter de pagar propinas. Neste momento, Ivan recebe uma ligação de Rangel, um alto funcionário do governo em Brasília que reclama a demora no envio da proposta da empresa deles, mas Ivan disfarça para que Estevão não entenda. Ivan procura Gilberto, no canteiro de obras, para dizer que desistiu do plano de se livrar de Estevão e que este já sabe dos seus negócios escusos com a boate e Ivan fica sabendo que Estevão é velho cliente da casa. No dia seguinte, Estevão não comparece à construtora para uma reunião importante com arquitetos e Ivan o substitui. Sua família e a secretária começam a se preocupar com seu estranho desaparecimento. O pai de Estevão vai à delegacia acompanhado da neta Mariana, uma garota de 18 anos, meio dark, meio clubber. Ivan se junta a eles logo em seguida. Num restaurante, Ivan se encontra com Gilberto e se mostra tenso e dá sinais de arrependimento. De madrugada, Gilberto telefona para Ivan e comunica que a polícia encontrou os corpos de Estevão e sua mulher. Os dois vão ao local de desova e consolam a família. Anísio, o assassino de aluguel, os visita inesperadamente na construtora deixando atônitos os dois sócios Ivan e Giba com a sua ousadia. O invasor exibe para engenheiros os objetos pessoais do casal assassinado, deixando-os em pânico. Eles resolvem pagar imediatamente Anísio pelo serviço prestado, mas este demonstra não ter pressa e diz que só passou para saber se eles estavam satisfeitos com o trabalho realizado. Na casa de Estevão, Dr. Araújo convida a neta Marina para morar com eles, mas ela recusa friamente. Com o propósito de “dar um trato na segurança da empresa”, Anísio aparece pela segunda vez assustando Ivan e Giba. Nesse meio tempo, Chegam Dr. Araújo e Marina acompanhados de um advogado para se inteirar do funcionamento da empresa e informar a Marina dos seus direitos de herdeira única de Estevão, mas ela não se interessa pelos negócios e deixa a sala. Na área externa da construtora encontra o “folgado” Anísio: é o início de um intenso envolvimento entre os dois, embalados com drogas, boates e passeios pela periferia da cidade que Anísio conhece bem e é bastante respeitado. Numa casa de praia, Ivan parece estar fortemente envolvido com Cláudia, uma bela 8 Ver outros modelos nos Apêndices. 17 garota, que conheceu no bar que costuma freqüentar. Anísio já se mostra bastante à vontade na construtora e leva um amigo, um rapper de periferia e “pede” a Ivan e Gilberto uma força para a gravação do primeiro cd do artista. Anísio pede ao rapper para dar uma pequena demonstração do seu talento, o que irrita ainda mais os engenheiros, e ainda os ameaça dizendo que vai acabar sendo sócios dos dois. Numa conversa com Gilberto, Ivan insinua que “Giba” tenha usado mais uma vez os préstimos de Anísio para eliminar um antigo credor, o que o deixa irado, e os dois quase chegam às vias de fato. Ivan diz ainda que está de olho nele e procura o mais rápido possível adquirir um revólver. No canteiro de obras, se sentindo dono do pedaço, Anísio acusa os peões de roubarem material da empresa. O encarregado do almoxarifado defende os colegas. Gilberto chega e dissolve o tumulto. Pela primeira vez, oferece uma grana para Anísio sumir de sua vida, mas ele diz que está gostandodo “trabalho”. Num motel, Ivan fala para Cláudia dos seus planos de deixar São Paulo e levá-la consigo mas não diz o que está acontecendo. No escritório da construtora, Ivan falsifica a assinatura de Gilberto num cheque e procura Cláudia para darem o fora. Ela não se encontra em casa e ele arromba o apartamento depois de uma longa espera. Descobre, num recado deixado por Gilberto na secretária eletrônica de Cláudia, que este não é seu nome verdadeiro e que ela procurou Gilberto para lhe falar de algo importante. Transtornado, revira o apartamento e confere a verdade. Enquanto isso, Anísio ganha de Marina roupas transadas e vão dar um rolé pelas boates da cidade. Ivan vai à procura de Gilberto no apartamento e na boate mas não o encontra, arma uma confusão e termina expulso do local pelos seguranças. Neste ínterim, Cláudia chega e descobre que Ivan invadiu seu apartamento e tenta avisar a Gilberto. Ivan, por sua vez, se envolve num acidente de carro sem importância e ameaça com um revólver os garotos do outro veículo que vão embora. Na casa de Marina, Gilberto conversa com Anísio e pede para “dar um jeito” em Ivan, mas Anísio se nega e sugere que Gilberto se vire sozinho. Numa delegacia, Ivan resolve abrir o jogo e contar tudo. Tempos depois, ele chega algemado numa viatura de polícia, acompanhado de um delegado e um investigador à casa de Marina. Ficamos sabendo que o delegado é Norberto, sócio de Gilberto na boate. Norberto chama Anísio e Gilberto e diz que já fez sua parte e que “agora é com eles”. Marina, no seu quarto, dorme um sono inocente. Ouvimos ruídos discretos (e não identificados) vindos da dependência ao lado. 18 A Jornada do Herói Apresentação Todas as histórias consistem em alguns elementos estruturais comuns, encontrados universalmente em mitos, contos de fadas, sonhos e filmes. São conhecidos como a Jornada do Herói. Resumimos, a seguir, as idéias de Christopher Vogler9 em seu livro A jornada do escritor que busca entender esses elementos e seu uso na escrita moderna. Vogler, analista de histórias para os grandes estúdios de cinema, afirma que novas e excitantes possibilidades são criadas pelos computadores e pelo raciocínio não-linear que eles provocam. No entanto, as pessoas sempre se divertirão entrando no transe de uma história e se deixando conduzir pela narrativa de um hábil tecelão de histórias. Vogler trabalha aqui com os estudos do mitólogo Joseph Campbell em seu livro O herói de mil faces. Não é de se admirar, diz Vogler, que Hollywood esteja incorporando as ideias que Campbell apresenta em seus livros. Para o roteirista, produtor, diretor e cenógrafo, os conceitos do autor são como uma excelente caixa de ferramentas e instrumentos ideais para a carpintaria da narrativa. Campbell descobriu que todos os mitos mundiais do herói, basicamente, são a mesma história, contada e recontada infinitas vezes. O modelo da Jornada do Herói é universal, ocorrendo em todas as culturas, em todas as épocas, suas variantes são infinitas, mas sua forma básica permanece constante. As ideias impregnadas de mitologia e que Campbell identificou em O herói de mil faces podem ser aplicadas à análise de quase todos os problemas humanos. O pensamento de Campbell corre paralelo ao do psicólogo suíço Carl G. Jung, que escreveu sobre os arquétipos, personagens ou energias que se repetem constantemente e que ocorrem nos sonhos de todas as pessoas e nos mitos de todas as culturas. Conceito de herói A palavra Herói vem do grego, de uma raiz que significa “proteger e servir”. Um Herói é alguém que está disposto a sacrificar suas próprias necessidades em benefício dos outros. (...) Os heróis têm qualidades com as quais todos nós podemos nos identificar e nas quais podemos nos reconhecer. São impelidos pelos impulsos universais que todos podemos compreender: o desejo de ser amado e compreendido, de ter êxito, de sobreviver, de ser livre, de obter vingança, de consertar o que está errado, de buscar auto-expressão. Os narradores dão a seus heróis uma combinação de qualidades que é uma mistura de características universais e únicas. Defeitos interessantes humanizam um personagem: fraquezas, imperfeições, cacoetes e vícios imediatamente tornam um Herói ou qualquer personagem mais real e atraente. (...) Embora, geralmente, seja pintado como uma figura positiva, o Herói também pode expressar lados escuros ou negativos do ego. O arquétipo do Herói geralmente representa o espírito humano numa ação positiva, mas também pode mostrar as conseqüências da fraqueza ou a relutância em agir. Segundo Vogler, parece existir dois tipos de Heróis: aqueles automotivados e dispostos à aventura e aqueles que precisam ser motivados por forças externas. 9 VOGLER, Christopher. A jornada do escritor: estruturas míticas para escritores. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. 19 O anti-Herói O anti-herói não é o oposto de um Herói, como se costuma pensar, mas um tipo especial de Herói, alguém que pode ser um marginal ou vilão, do ponto de vista da sociedade, mas com quem a platéia se solidariza, se identifica. Os anti-heróis podem ser de dois tipos: aqueles semelhantes aos heróis tradicionais, mas a quem é dado um toque muito forte de cinismo, ou uma ferida qualquer, como os personagens vividos por Humprey Bogart em À beira do abismo e Casablanca; e os que se aproximam mais da ideia clássica dos heróis trágicos, figuras centrais de uma história, que podem não ser admiráveis nem despertar amor, e cujas ações podemos até deplorar como Macbeth (de Shakespeare) ou o personagem de Joan Crawford em Mamãezinha querida. Esse tipo de herói são Heróis com defeitos, que nunca conseguem ultrapassar seus demônios íntimos, e são derrotados e destruídos por eles. Podem ser encantadores, alguns podem ter qualidades admiráveis, mas o defeito ganha no final. Como os antigos gregos que assistiam à queda de Édipo, nós purgamos nossas emoções e aprendemos a evitar as mesmas armadilhas quando vemos a destruição desses personagens a exemplo de Al Pacino em Scarface. Arquétipos Arquétipos são tipos recorrentes de personagens, símbolos e relações presentes em todas as histórias como uma herança compartilhada por toda raça humana, nos contos de fadas, nos mitos e no inconsciente coletivo. São funções que podem ser usadas por qualquer personagem Pode-se pensar nos arquétipos como máscaras, usadas temporariamente pelos personagens à medida que são necessárias para o avanço da história. Um personagem pode entrar na história fazendo um papel de Arauto, depois trocar a máscara e funcionar como um bufão ou pícaro, ou mentor ou uma sombra. Os arquétipos mais comuns e mais úteis, encarnados pelos personagens, estão listados abaixo, mas é evidente que existem muitos outros aspectos _ tantos quantas são as qualidades humanas que podem ser dramatizadas numa história: Os arquétipos mais comuns (básicos) e mais úteis nas histórias são: 1. Herói 2. Mentor (velha ou velho sábio) 3. Guardião do Limiar 4. Arauto 5. Camaleão 6. Sombra e 7. Pícaro 1. Herói Os Heróis são símbolos da alma em transformação e da jornada que cada pessoa percorre na vida. Sua função psicológica: o arquétipo do Herói representa a busca da identidade e totalidade do ego (a parte da personalidade que se separa da mãe, segundo Freud). No processo de nos tornarmos seres humanos completos e integrados, somos todos os Heróis, enfrentando guardiões e monstros internos. A jornada de muitos heróis é a história da separação da família ou da tribo = separação da mãe que a criança vivencia. E sua função dramática é abrangente, entre elas, a identificação com a platéia. Nos estágios iniciais de uma história, o leitor ou espectador é convidado a se identificar com o herói, a se fundir 20 com ele, e ver o mundo por meio dos olhos dele. Para isso, os narradoresdão aos seus heróis uma combinação de qualidades que é uma mescla de características universais e únicas (particulares). 2. Mentor (Velha ou Velho Sábio) Esse arquétipo se expressa em todos aqueles personagens que ensinam e protegem os heróis e lhes dão certos dons. Pode ser Deus caminhando com Adão no Jardim do Éden, Merlin guiando o rei Arthur, a Fada-Madrinha ajudando Cinderela, ou um sargento veterano dando conselho a um recruta novato. Sua função psicológica: desempenha a função da consciência. Na anatomia da psique humana, os mentores representam o self, o deus dentro de nós. Sua função dramática é ensinar ou treinar. Sargentos, instrutores, professores, guias, pais, avós, um cientista ou inventor (cujos presentes são suas descobertas) são manifestações desse arquétipo; sua função é dar presentes: uma arma mágica, uma chave ou uma pista importante, uma senha, algum alimento ou remédio mágico, um conselho, etc. 3. Guardião do Limiar Todos os heróis encontram obstáculos na estrada da aventura. Em cada portão de entrada a um novo mundo há guardiões poderosos defendendo esse limiar, e ali colocados para impedir a passagem e a entrada de quem não for digno. Eles exibem aos heróis uma cara ameaçadora, mas, se forem devidamente compreendidos podem ser ultrapassados, superados, e até transformados em aliados. Geralmente não são os principais vilões ou antagonistas nas histórias. Na maioria das vezes, são capatazes do vilão para guardar o acesso ao quartel-general do chefe. Função psicológica: esses guardiões podem representar os obstáculos comuns, que todos nós temos que enfrentar: azar, preconceito, opressão ou pessoas hostis. Num nível psicológico mais profundo, eles representam nossos demônios internos: neuroses, cicatrizes emocionais, vícios, dependências e autolimitações que seguram nosso desenvolvimento. Testar o herói é a função dramática primordial do guardião de Limiar. Como a Esfinge, que apresenta um enigma a Édipo, para que ele possa continuar sua jornada, um Guardião de Limiar desafia o herói e o experimenta em seu caminho. 4. Arauto Os personagens que incorporam o Arauto lançam desafios e anunciam a vinda de uma mudança significativa. É comum que apareçam no primeiro ato anunciando um Chamado à Aventura. Eles têm a função psicológica importante ao anunciarem a necessidade de mudança. Pode ser uma figura de sonho, uma pessoa real ou uma nova ideia que encontramos. O Chamado pode vir de um livro que lemos, ou de um filme que vimos. Pode ser uma pessoa ou uma força. A chegada de uma tempestade ou dos primeiros tremores de terra, em filmes como Furacão ou Terremoto. A queda da bolsa de valores ou a declaração da guerra já puseram várias histórias em marcha. A função dramática do Arauto é fornecer motivação, lançar um desafio ao herói (e a platéia) para o fato que a mudança e a aventura estão chegando. 21 5. Camaleão Os Camaleões mudam de aparência ou de estado de espírito. Tanto para o Herói como para o público, é difícil ter certeza do que eles são. Podem induzir o herói ao erro ou deixá-lo na dúvida, sua lealdade ou sinceridade estão sempre em questão. Magos, bruxas e ogros são Camaleões tradicionais no mundo dos contos de fadas. Entender seu funcionamento pode ser muito útil – tanto na narrativa como na vida. Com freqüência os heróis encontram figuras – muitas vezes do sexo oposto – cuja principal característica é que parece estar sempre mudando, do ponto de vista do herói. O camaleão tem a função dramática de trazer dúvida e suspense à historia. Os arquétipos do Camaleão surgem com grande frequência e variedade nos filmes noirs e nos thrillers. Nos filmes noirs, geralmente são encarnados por personagens femininas, mas em À sombra de uma dúvida, de Hitchcock, é uma mulher boa que tem que descobrir se um Camaleão (o tio Charles) merece ou não sua confiança. A função psicológica é a de expressar a energia do animus e da anima (Carl Jung). Animus é o emaranhado de imagens positivas (poder, firmeza e autoconfiança) e negativas de masculinidade nos sonhos e fantasias do sexo feminino. Anima é o elemento feminino correspondente no inconsciente masculino. Há uma repressão histórica das características femininas nos homens e vice-versa. Essas qualidades reprimidas vivem dentro de nós e se manifestam em sonhos e fantasias na forma de animus e de anima. Um encontro com o animus ou a anima, em sonho ou fantasia, é considerado um passo importante do crescimento psicológico. Tem a função dramática de trazer dúvida e suspense à história (dúvidas sobre a lealdade e dos motivos dos parceiros). 6. Sombra Esse arquétipo representa a energia do lado obscuro, os aspectos não expressos, irrealizados, ou rejeitados de alguma coisa. As Sombras podem ser todas as coisas de que não gostamos em nós mesmos, todos os segredos obscuros que não queremos admitir, nem pra nós mesmos. A Sombra também pode abrigar qualidades positivas que estão ocultas ou que rejeitamos por um motivo qualquer. O arquétipo da Sombra pode estar em qualquer personagem, não apenas no antagonista. A face negativa da Sombra, nas histórias, projeta-se em personagens chamados de vilões, antagonistas e inimigos que, geralmente, se dedicam à morte, à destruição ou à derrota do herói. Os antagonistas podem não ser tão hostis – podem ser aliados que têm o mesmo objetivo, mas discordam do herói quanto à tática. Antagonistas e heróis em conflito são como cavalos numa parelha, que puxam em direções diferentes, enquanto vilões e heróis em conflitos são como trens que avançam um de encontro ao outro, em rota de colisão. Sua função psicológica: a Sombra pode representar o poder de sentimentos reprimidos: um trauma profundo ou uma culpa podem crescer quando exilados para a escuridão do inconsciente, podendo transformar-se em algo monstruoso. Uma Sombra pode ser um personagem ou uma força externa ao herói, ou pode ser uma parte dele mesmo profundamente reprimida. Pode ser uma força interna destrutiva, principalmente se não for reconhecida, enfrentada e trazida à luz. A função dramática da Sombra é desafiar o herói e apresentar a ele um oponente à altura em sua luta. As Sombras criam conflito e trazem à tona o que o herói tem de melhor, ao colocá-lo numa situação que ameaça sua vida. Costuma-se dizer que uma história é tão boa quanto seu vilão, porque um inimigo forte obriga o herói a crescer no 22 desafio. As Sombras podem transformar-se em Camaleões sedutores para atrair o herói ao perigo. 7. Pícaro O arquétipo do Pícaro incorpora as energias da vontade de pregar peças e do desejo de mudança. Todos os personagens de uma história que são principalmente palhaços ou manifestações cômicas expressam esses arquétipos. Suas funções psicológicas são podar os egos grandes demais, trazer os heróis e platéias para a real. São os inimigos naturais do status quo. Ajudam-nos a perceber nossos vínculos comuns, apontando as bobagens e a hipocrisia. No drama, o Pícaro serve a todas essas funções psicológicas, e mais à função dramática de alívio cômico. Uma tensão sem alívio, o suspense e o conflito podem ser exaustivos emocionalmente. Uma velha regra do teatro assinala essa necessidade de equilíbrio: Faça-os chorar muito, faça-os rir um pouco. Os Pícaros podem ser criados ou aliados, trabalhando para o herói ou a Sombra, ou podem ser agentes independentes, com suas próprias agendas de atuação. Estágios da jornada do Herói Primeiro ATO (o mundo comum, chamado à aventura) 1. O Mundo Comum A maioria das histórias desloca o herói para fora do seu mundo ordinário, cotidiano, e o introduz em um Mundo Especial, novo e estranho. Exemplos conhecidos: O mágico de Oz e A testemunha. No primeiro, vemos a vidinha normal e sem graça de Dorothy no Kansas e depois no mundo maravilhoso de Oz ao ser levada por um furacão. No segundo, vemos a vida do policial urbano e a da mãe e filhoda seita Amish, em seus mundos normais, antes que eles sejam revirados e jogados em ambientes completamente estranhos. 2. Chamado à Aventura Apresenta-se ao herói um problema, um desafio, uma aventura a empreender. Uma vez confrontado com esse chamado, ele não pode mais permanecer indefinidamente no conforto do seu Mundo Comum. (...) Em muitas histórias de detetive, o Chamado à Aventura é o pedido para que o detetive aceite a investigar um novo caso e solucionar um crime que perturbou a ordem das coisas. (...) O Chamado à Aventura estabelece o objetivo do jogo, e deixa claro qual é o objetivo do herói: conquistar o tesouro ou o amor, executar vingança ou obter justiça, realizar um sonho, enfrentar um desafio ou mudar uma vida. O que está em jogo, muitas vezes, pode ser expresso por uma pergunta que, de certa forma, é feita pelo próprio chamado. Será que E.T (ou Dorothy, em O mágico de Oz) conseguirá voltar pra casa? 3. Recusa do Chamado (o Herói Relutante) Com freqüência, o herói hesita logo antes de partir em sua aventura, Recusando o Chamado, ou exprimindo relutância. Afinal de contas, está enfrentando o maior dos medos -- o terror do desconhecido. (...) É necessário que surja alguma outra influência para que vença essa encruzilhada do medo: uma mudança nas circunstâncias, uma nova ofensa à ordem natural das coisas, ou o encorajamento de um Mentor. 23 4. Encontro com o Mentor (a Velha ou o Velho Sábio) A função do Mentor é preparar o herói para enfrentar o desconhecido. Pode lhe dar conselhos, orientação ou um equipamento mágico (os sapatinhos de rubi para Dorothy e a espada de luz para Luke de Guerra nas Estrelas). Entretanto, O Mentor só pode ir até certo ponto com o herói. Mais adiante, o herói deve ir sozinho ao encontro do desconhecido. E, algumas vezes, o Mentor tem de lhe dar um “empurrão” firme, para que a aventura possa seguir em frente. A relação entre Herói e Mentor é um dos temas mais comuns da mitologia, e um dos mais ricos em valor simbólico. Representa o vínculo entre pais e filhos, entre mestre e discípulo, médico e paciente, Deus e o ser humano. Segundo ATO (obstáculos, confrontação, conflito) 5. Travessia do Primeiro Limiar Finalmente o herói se compromete com sua aventura e entra plenamente no Mundo Especial da história pela primeira vez – ao efetuar a Travessia do Primeiro Limiar. Este é o momento que a história decola e a aventura realmente se inicia. O Primeiro Limiar marca a passagem do Primeiro para o Segundo Ato. Tendo enfrentado o medo, o herói resolveu enfrentar o problema e partir para a ação. Acaba de partir em sua jornada, e não pode mais voltar atrás. Exemplo: é esse o momento que Dorothy inicia sua caminhada pela Estrada dos Tijolos Amarelos. Frequentemente, os filmes são construídos em três atos, que podem ser vistos como a representação de: a. o herói decide agir; b. a ação propriamente dita; c. as consequências da ação. 6. Testes, Aliados, Inimigos Uma vez ultrapassado o Primeiro Limiar, o herói naturalmente encontra novos desafios e Testes, faz Aliados e Inimigos, e começa a aprender as novas regras que vigoram no Mundo Especial. Saloons nos filmes de western e bares parecem ser bons lugares para essas transações, onde amigos e vilões são apresentados. Exemplos: O Rick’s Café em Casablanca, a cantina em Guerra nas Estrelas e O retorno de Jedi. (...) Evidentemente, nem todos os Testes, Alianças e Inimizades ocorrem em bares. Em muitas histórias, como O Mágico de Oz, são simplesmente encontros no caminho. Nesse estágio, ao longo da Estrada dos Tijolos Amarelos, Dorothy adquire os companheiros Espantalho, Homem de Lata e Leão Medroso, e faz inimigos, como um pomar cheio de Árvores Falantes agressivas. Passa por alguns testes, como o de despregar o Espantalho, lubrifica o Homem de Lata e ajudar o Leão Medroso a lidar com o medo. 24 7. Aproximação da Caverna Oculta Finalmente, o herói chega à fronteira de um lugar perigoso, às vezes subterrâneo e profundo, onde está escondido o objeto de se busca. Com frequência é o quartel-general do seu maior inimigo, o ponto mais ameaçado do Mundo Especial, a Caverna Oculta. Quando o herói entra nesse lugar temível, dá-se a travessia do segundo grande limiar. Muitas vezes, os heróis se detêm diante do portão para se preparar, planejar e enganar os guardas do vilão. Esta é a fase de aproximação. É a Aproximação da Caverna Oculta, onde, finalmente, vão encontrar a suprema maravilha e o terror supremo. Aqui é possível se desenvolver um romance, ligando o herói e sua amada antes que ambos encontrem a provação principal. Exemplo: em Intriga Internacional, Cary Grant encontra uma bela mulher (espiã) no trem no qual ele está fugindo da polícia e dos inimigos. A espiã tem a missão de seduzir o herói, mas acaba se apaixonando por ele e tornando-se sua Aliada. 8. Provação Aqui se joga a sorte do herói, num confronto direto com seu maior medo. Ele enfrenta a possibilidade da morte e é levado ao extremo numa batalha contra uma força hostil. Agora, o herói está no aposento mais profundo da Caverna Oculta, enfrentando o maior desafio e o mais temível adversário. Os heróis têm de morrer para poderem renascer. Esse é o movimento dramático mais apreciado pelo público. É um momento de extremo suspense, um momento crítico em qualquer história. É uma Provação em que o herói tem de morrer ou parecer que morre, para poder renascer em seguida. Nas comédias românticas, a morte que o herói enfrenta pode ser simplesmente a morte temporária da relação. Nos ritos de passagem ou rituais de iniciação de confrarias e sociedades secretas, o iniciante é forçado a sentir o gosto da morte em alguma experiência terrível, e, depois, lhe é permitido que viva a ressurreição, renascendo como um novo membro do grupo. A morte aqui é muitas vezes metafórica. Exemplo: O personagem de Patrick Swayze, assassinado em Ghost: Do outro lado da vida, aprende a cruzar o véu que o separa dos vivos para proteger sua amada e, 25 finalmente, manifestar seu amor por ela. O E.T. de Spielberg morre diante dos nossos olhos, mas renasce através de uma mágica alienígena e do amor de um menino. 9. Recompensa (Apanhando a Espada) Após sobreviver à morte, derrotar o dragão ou liquidar o Minotauro, o herói e a platéia têm motivos para celebrar. O herói, então, pode se apossar do tesouro que veio buscar, sua Recompensa. Pode ser uma arma especial, como uma espada mágica, ou um símbolo, como o Santo Graal, ou um elixir que irá curar a terra ferida. Por vezes, a “espada” é o conhecimento e a experiência que conduzem o herói a uma compreensão maior e a uma reconciliação com as forças hostis. Nesse ponto, o herói também pode solucionar um conflito com um dos seus pais e com o sexo oposto, como ocorre nas comédias românticas. Do ponto de vista do herói, os sujeitos do sexo oposto podem parecer Camaleão, um arquétipo da mudança, dos aspectos sempre cambiantes do sexo oposto. Em muitas histórias, a amada é o tesouro que o herói veio conquistar ou salvar. Exemplos: Em O mágico de Oz, Dorothy escapa do castelo da Bruxa Malvada com a vassoura da Bruxa e os sapatinhos de rubi, importante para voltar pra casa. Em O retorno de Jedi, Luke se reconcilia com Darth Vader, que acaba revelando ser seu pai e, no fim das contas, um sujeito não tão mal. Terceiro ATO (resolução, transformação, assimilação) 10. Caminho de Volta Mas o herói ainda não saiu do “bosque”. Estamos passando agora para o terceiro ato, no qual ele começa a lidar com as conseqüências de ter-se confrontado com as forças obscuras da Provação. Se ainda não conseguiu se reconciliar com os pais, os deuses, ou as forças hostis, eles podem vir furiosos ao seu encalço. Essa fase marca a decisão de voltar ao Mundo Comum. O herói compreende que, em algum momento, vai ter que deixar para trás o Mundo Especial, e que ainda há perigos, tentações e testes àsua frente. Assim, Luke e Leia são furiosamente perseguidos por Darth Vader quando escapam da Estrela da Morte. O Caminho de Volta em E.T. é o voo de bicicleta ao luar, fugindo de Keys (Peter Coyote). 11. Ressurreição O herói que esteve nos reinos dos mortos deve renascer e se depurar em uma última Provação de morte e Ressurreição, antes de voltar ao Mundo Comum. Nos mitos de caçadores e guerreiros se dá porque o herói tem sangue nas mãos. Muitas vezes, este é um segundo momento de vida-ou-morte, quase uma repetição da morte e renascimento da Provação. A morte e a escuridão fazem um último esforço desesperado, antes de serem finalmente derrotadas. É uma espécie de exame final do herói, que deve ser posto à prova, ainda uma vez, para ver se realmente aprendeu a lição da Provação. O herói se transforma, graças a esses momentos de morte-e-renascimento, e assim pode voltar à vida comum como um novo ser, com um novo entendimento. Exemplo: Os três filmes da série Guerra nas Estrelas mostram uma cena final de batalha, em que Luke quase morre, parece estar morto por um momento, e depois sobrevive miraculosamente. Cada nova provação lhe dá mais conhecimento e mais domínio da Força. Sua experiência o transforma em um novo ser. 26 12. Retorno com o Elixir O herói retorna ao Mundo Comum, mas a jornada não tem sentido se ele não trouxer de volta um Elixir, tesouro ou lição do Mundo Especial. O Elixir é uma porção mágica com o poder de curar. Pode ser um grande tesouro, como o Graal, que, magicamente, cura a terra ferida, ou pode, simplesmente, ser um conhecimento ou experiência que algum dia poderá ser útil à humanidade. Pode ser ainda, o amor, a liberdade, a sabedoria, ou o conhecimento de que o Mundo Especial existe, mas se pode sobreviver a ele. Outras vezes, o Elixir é apenas uma volta para casa com uma boa história para contar. Às vezes um personagem tolo, em muitas comédias, se recusa a aprender sua lição e embarca na mesma bobagem que o meteu em trapalhada da outra vez. Exemplo: Dorothy, em O mágico de Oz, volta ao Kansas com a certeza de que é amada e de que “Não há lugar melhor que o nosso lar”. E.T. volta para casa com a experiência da amizade com os humanos. Luke derrota Darth Vader (por enquanto) e restaura a paz e ordem na galáxia em Guerra nas Estrelas. Breve conclusão A Jornada do Herói é uma armação, um esqueleto, que deve ser preenchido com os detalhes e surpresas de cada história individual. A estrutura não deve chamar a atenção, nem deve ser seguida com rigidez demais. A ordem desses estágios acima é apenas uma das variações possíveis. Alguns podem ser eliminados, outros podem ser acrescentados. Podem ser embaralhados. Nada disso faz com que percam seu poder. Uma rua chamada pecado (1951), Elia Kazan Um estranho no ninho (1975), Milos Forman 27 ETAPAS DE UM ROTEIRO (Cont.) 4. Escaleta (step outline) É o COMO contaremos a nossa história ao público. É a ESTRUTURA, a AÇÃO DRAMÁTICA. “Tendo o roteirista definido os principais eventos de sua história, o passo seguinte é decupar [dividir] a história em cenas dramáticas. Quais as cenas que irão informar o conteúdo da história? Em que ordem elas aparecerão?” (PUCCINI, 2009, p. 36) Para Aristóteles, o dramático é uma relação de fatos e acontecimentos, entre causa e efeito, encadeados segundo uma ordem criada pelo autor. Esse COMO consiste em desenvolver a ação dramática através de um ou vários plots e procurar a maneira mais criativa, harmoniosa e emocionante de contar a uma história. É a construção dramática. Estrutura ou escaleta: é a organização do enredo em cenas. Cada cena tem uma localização no tempo, no espaço e na ação. Sua função é apresentar o drama, despertar o interesse, manter o interesse e aumentá-lo. A estrutura (ou macroestrutura) é a engenharia do roteiro, pois para melhor entender o que vamos dizer, temos de pensar em grupos de cenas e na seqüência em que vamos montar. Desta forma, temos: _ Argumento: um corpo único. _ Estrutura: divisão deste corpo compacto em grupos (cenas) montados segundo uma ordem escolhida pelo autor, de tal forma que se obtenha Uo máximo nível deU Utensão dramáticaU, de acordo com o estilo pessoal. Segundo Doc Comparato, não existem histórias novas, o que é considerado inovador é a maneira particular, surpreendente de contar uma história conhecida. Modelo de uma Escaleta: O Invasor Cena 1. Num bar da periferia, Ivan e Gilberto encontram Anísio para acerto do plano. Cena 2. À noite, Ivan e Gilberto vão a uma boate e no quarto Ivan recebe “tratamento anti-stress”. Cena 3. No caminho para casa, Gilberto revela para Ivan que é sócio da casa de “relax”. Cena 4. Ivan em casa observa a mulher que dorme. Cena 5. Na construtora, Estevão fala para Ivan da recusa à proposta dele e Gilberto. Cena 6. Num caixa eletrônico, Estevão parece ser surpreendido por alguém que vai atacá- lo. 28 Cena 7. Mesma situação da cena 6. Ivan imaginou a cena anterior . Estevão continua falando para Ivan e reitera sua posição de não trabalhar para o governo. Cena 8. Na frente da casa de Estevão, ele parece ser surpreendido por alguém que vai atacá-lo. Cena 9. Continua a mesma situação da cena 5. Estevão justifica a sua decisão. Cena 10. Num estacionamento qualquer, Estevão liga o carro e vemos a clássica cena de explosão. Cena 11. Continuação da cena 9. Estevão insiste em seus argumentos. Cena 13. Flashback. Ivan se lembra do encontro, no aeroporto de Congonhas, com Rangel, ex-companheiro de faculdade hoje funcionário de um certo escalão do governo. Cena 15. Volta a situação da cena 9. Cena 16. Continuação do Flashback. Rangel propõe a Ivan a entrada da construtora numa concorrência do governo. Cena 20. Continuação da cena 9. Estevão diz para Ivan que sabe dos negócios de Gilberto com prostituição. Ivan recebe telefonema. Cena 21. Rangel fala com Ivan por telefone de seu escritório em Brasília. Cena 22. Volta à situação da cena 9. Estevão confessa que quer tirar Gilberto da construtora comprando sua parte. Cena 23. No canteiro de obras, Ivan fala para Gilberto de sua intenção de desistir do plano e os dois discutem demoradamente. Cena 24. No campo de futebol society, Estevão joga com amigos à noite. (.....) 29 Recursos para contar uma história Temos quatro caminhos clássicos de desenvolvimento da macroestrutura que podem estar presentes todos de uma vez. A história vai se desenrolando com a mediação de: 1. Um narrador Alguém presente, ou ausente da cena ou presente em off, que nos conta a história através das imagens (voz Over). O narrador tem de se integrar na história, quer como personagem quer como apresentador, que de quando em quando interfere no processo. Ex. os filmes de Woody Allen e Fellini. Ex. Os Bons Companheiros, de Martin Scorsese. Em TV, a série McGuyver. 2. Legendas São comentários, títulos e subtítulos. Ex. “Nova Iorque, outono de 1900”, ou “seis anos depois”, “anos antes”, a indicação da estação, etc. No cinema: O Silêncio dos Inocentes e em TV a minissérie Lampião e Maria Bonita. Cinema mudo, por exemplo. 3. Ação direta. Obedece a ordem cronológica (direta e simples) dos acontecimentos da vida real. Tempo dramático _ é caracterizado pela síntese do tempo real (horas, meses e anos) em duas horas de espetáculo. Hitchcock tentou obedecer ao tempo real em “Festim Diabólico). Barton Fink dos irmãos Cohen (em TV, a série Dallas) 4. Flash Back. Não se trata do flash back isolado num produto audiovisual. Aqui é o caminho estrutural que escolhemos para construir a história, ou seja, quando todo filme é uma flash back. É pouco utilizado em televisão. Ex. “Crepúsculo dos Deuses”. Amadeus (em TV, a minissérie Pobre Menina Rica) Conclusão: Todas essas técnicas acima não são soluções incompatíveis. Pode- se ter um filme comtodas essas combinações. Ex. Amacord, de Fellini. 33BA CONSTRUÇÃO (da estrutura), segundo Doc Comparato A cena é a base, a unidade dramática do roteiro. É o núcleo de uma ação dramática maior a ela integrada. A cena é a ação em tempo contínuo, é a atuação dos personagens no mesmo espaço e tempo. A organização em seqüência dessas unidades menores (as cenas) é o fundamento para a construção da ESCALETA. A cena, nesta etapa, é um breve resumo descrito da ação, sem diálogos. Para Eugene VALE, a cena “é uma seção da história em que um acontecimento completo se produz”. 30 Syd FIELD: “O propósito da cena é mover a história adiante. Uma cena é tão longa ou tão curta quanto você queira. Pode ser uma cena de três páginas de diálogo ou tão curta quanto um simples plano _ um carro numa rodovia. A cena é o que você quer que seja. (...) Se você muda o LUGAR ou o TEMPO ela se torna outra cena.” Para uma cena ser dramática, a rigor, deve apresentar conflito (choque de interesses entre personagens). A função da cena é fazer a ação avançar. SEQUÊNCIA: segundo FIELD, “é uma série de cenas ligadas , ou conectadas, por uma única idéia.” Ex. a sequência da corrida, do jogo, da festa de aniversário etc. Para Robert Mckee, a sequência é “uma série de cenas – geralmente de duas a cinco – que culminam com um impacto maior do que qualquer cena anterior.” Do ponto de vista didático, existem dois tipos de cena: (didático pois uma cena não tem uma função pura, predominando uma dessas funções) a) Essenciais: são as que contêm o fundamental para o desenrolar do drama. São 5 tipos: 1. Cenas de exposição São as mais adequadas para expor um motivo, um problema, uma informação (evitar o didatismo) 2. Cenas de preparação São aquelas que nos informam das complicações que virão mais tarde (evitar ser demasiado explícito) 3. Cenas de complicação Ilustram o desenrolar da complicação e nos preparam para o clímax (risco: fazer diminuir a expectativa do clímax) 4. Cenas de clímax Evidentemente, são o ponto mais alto do drama. Os americanos chamam obligatory scenes por que sem elas não existe o grande momento dramático. 5. Cenas de resolução Também chamadas terminais ou de conclusão. São as que existem em qualquer produto audiovisual (Risco: incoerência, didatismo explícito). Atenção: A estrutura é maleável. Existem uma infinidade de combinações, tudo depende da imaginação do autor. b) De transição ou integração: Servem para ligar as cenas essenciais. São também chamadas de intermediárias. São cenas sem conteúdos dramáticos e servem para informar a movimentação dos personagens pelo espaço e/ou pelo tempo da ação. São várias as soluções possíveis para unir entre si as cenas essenciais: 1. O passar do tempo É um elemento integrador das cenas. Exemplos manjados: calendário, páginas de um jornal, estações, etc. Elipse: é a passagem de tempo muito longa. Ex. Fogo numa casa/corte/cinzas 31 A mais conhecida: 2001, uma odisséia no espaço, de Stanley Kubrick. Passamos da Idade da Pedra para o ano 2001 em questão de segundos. 2. Flash back O flash back aqui é um elemento integrador. Como regra geral, é sensato evitar os flashbacks sempre que possível porque interrompem o avanço da história, o que pode aborrecer ou confundir os expetadores. Pode ser de três tipos: 2.1. Flash back evocador. Uma personagem solitária evoca o que se passou tempos atrás para explicar melhor o presente. 2.2. Flash back explicativo Um detetive explica em flash back como o crime foi realmente perpetrado. 2.3. Flash back atípico (uma mistura dos dois anteriores). Apresenta-se quase sempre como um elemento de surpresa. 3. Outras formas de transição Trata-se de cenas até agora não classificadas e que não possuem um valor essencial. Às vezes são o resultado de aplicações de novas tecnologias, de forma que seu peso dramático é muito baixo como nos video clips. 3.1. Inserção _ imagens fugazes que nos recordam que algo vai suceder. O insert da víbora na série Lampião e Maria Bonita 3.2. revisão ou flash-forward. Mostra o que irá ocorrer mais adiante. Ex. a cadeira de rodas em A Bela da Tarde, de Buñuel. Estrutura clássica e seus componentes: Primeiro ato (corresponde ao início): Exposição do problema e/ou Situação desestabilizadora e/ou Uma promessa, uma expectativa e/ou Antecipação de problemas APARECE O CONFLITO Segundo ato (corresponde ao meio) Complicação do problema e/ou Piorar da situação e/ou Tentativa de normalização, levando a ação ao limite e/ou CRISE Terceiro ato (corresponde ao fim) Clímax (ou alteração das expectativas) RESOLUÇÃO 32 Relação tempo / dimensão do script no cinema Um folha corresponde de 1 minuto a 1’30” de ação aproximadamente. 100 minutos de ação = a 120 folhas standard. 15 minutos = a 20 folhas standard. 10 minutos = a 15 folhas standard. 5 minutos = a 10 folhas standard. Exemplos: O roteiro de Cidade de Deus (2002), de Fernando Meireles tem 118 páginas e 164 cenas (duração: 130min). Para O invasor (2002), Beto Brant e Marçal Aquino escreveram 108 cenas (para um filme de duração de 97min). Bicho de sete cabeças (2001), roteirizado por Luiz Bolognese e dirigido por Laiz Bodanzky tem 113 cenas e 74min. 5ª Etapa: Primeiro Tratamento (O QUANTO: TEMPO DRAMÁTICO) É chamado de PRIMEIRO ROTEIRO OU RASCUNHO (first draf ou treatment). Também chamamos esse roteiro de roteiro literário, onde, trabalhamos detalhadamente o conteúdo das cenas (sua microestrutura), escrevendo as rubricas com os principais elementos de cena: quem está na cena, movimentação dos personagens, diálogos, conflito, extensão, ritmo interno. “Tudo está presente: ação, descrição dos personagens e dos lugares, UdiálogosU em Uestilo diretoU.” (CHION, citado por Puccini, 2009, p. 36). Tempo Dramático: conceito Cada cena, cada fragmento da nossa estrutura possui um tempo interior, próprio, durante o qual os acontecimentos ocorrem. Esse lapso de tempo Unão é realU; no entanto, dá-se a sensação de o ser. O tempo em que a ação dramática decorre. Quê (conflito) + Quem (personagem) + Quando (temporalidade + Onde (localização)+ Qual (ação dramática) + Como (estrutura) + Quanto (em que quantidade de tempo vai acontecer). Tempo dramático parcial _ é aquilo que acontece dentro de cada cena. Tempo dramático total _ é a soma de todos os tempos parciais. 13BTempo dramático x Tempo Real Tempo dramático é o tempo mágico, de ficção que nos faz condensar em apenas duas horas de tempo real, por exemplo, todo um dia, uma vida inteira e até séculos. Tempo real é o temo cronometrado, mesurado. “Festim Diabólico”, de Hitchcock é uma das raras exceções onde o tempo dramático coincide com o real. É um filme de um único plano (seqüência) O tempo dramático total (como soma dos tempos parciais) é uma resposta sensorial a que chamamos de ritmo. 33 21BRITMO É a qualidade que um roteiro possui de relacionar um Uconjunto de ações dramáticasU dentro de um tempo que consideramos ideal. Tempo ideal muda com a época. Todo produto audiovisual tem um ritmo, um tempo ideal, que permite ao espectador sentir cada cena com o Upeso dramáticoU específico que o roteirista lhe atribuiu. Portanto: nenhuma cena longa reflete, necessariamente, um tempo real extenso. 14BO tempo dramático de uma cena está intimamente ligado ao diálogo e às indicações que nele existem. Do ponto de vista formal, o tempo dramático parcial, o quanto, constrói-se através do diálogo e da cena. 15BCENA 16BA cena é o que também se denomina subdivisão da obra, divisão do ato, ou Udivisão da açãoU. O conceito de cena varia no tempo, dependendo das culturas. No teatro elizabetano: a cena é uma parte contínua da ação (dramática) numa mesma localização. Atualmente, no cinema e na televisão,baseamo-nos na cena inglesa, ou seja, aquela que é determinada pela sua localização no espaço. Um ATO, segundo Mckee, “é uma série de sequências que culminam em uma cena climática, causando uma grande reversão de valores, mais poderosa em seu impactodo que em qualquer cena ou sequência anterior” (2006, p. 52) Clímax da estória: a estória é uma série de atos construídos em função do último clímax da estória, que carrega consigo uma mudança absoluta e irreversível (MCKEE, 2006, p. 53) O DIÁLOGO O diálogo é um texto dramático para ser recitado pelo intérprete e que no roteiro se encontra subordinado às indicações da cena. É o intercâmbio discursivo entre as personagens. a)U SolilóquioU (do latim, loqui (falar) + solus (sozinho): o ator sozinho no palco expõe em voz alta, claramente, seus pensamentos e sentimentos. Recurso habitual nos teatros gregos e latino. Vestígios no teatro moderno (Equus, de Peter Schaffer e versão para o cinema de Sidney Lumet, como também Domingo Maldito, de John Schlesinger). Usado com prudência no cinema. b) Monólogo interior (Fluxo de Consciência) Característica: acontece no pensamento da personagem, como se esta estivesse falando consigo mesma, e pela desarticulação lógica dos períodos e das frases. Ex. Olha quem está falando. c) Coro (chóros) 34 Conjunto vocal que se exprime pelo canto ou pela declamação. No teatro clássico, representavam o povo, UnarrandoU e UcomentandoU a ação. No cinema e no teatro, hoje, só em musicais. d) Narração É o relato dos acontecimentos ou fatos, englobando a ação, o movimento e a passagem do tempo. O narrador pode estar UpresenteU ou em UOFFU. Considerações sobre o diálogo: a) o diálogo é a linguagem essencial do drama; a maneira como se constrói é uma prova crucial da habilidade do roteirista ou dramaturgo. Hoje, há o dialoguista (deve ser um bom ouvinte). b) O diálogo pode ser: realista (ou naturalista) ou literário. Ex. Cyrano de Bergerac (adaptado em versos por Jean-Claude Carrière). c) Funções: _ é o corpo de comunicação do roteiro _ serve para caracterizar as personagens _ dar informações sobre a história; _ fazer avançar a história à medida que se escreve; _ é um dos fundamentos do tempo dramático, introduzindo o quanto; _ contém os sentimentos dos personagens (um bom diálogo deve estar repleto). d) o diálogo tem de ter emoção, intuição e informação. 27BINDICAÇÕES (ou RUBRICAS) Trata-se dos estados de ânimo e atitudes da personagem, sugeridos antes do diálogo propriamente dito, um modo de orientação para o ator. O roteiro é um produto de criação coletiva e que a contribuição dos atores é básica para a composição da personagem, de sua maneira de falar, de sua atitude. Indicação específica / tom / pausa Indicação específica INÁCIA (nervosa) _ Já disse que não vou! Indicação não específica (tom) (tom) _ Aquela casa me aterroriza! Pausa: (pausa) _ Me faz lembrar um cemitério. Dez problemas mais freqüentes de um diálogo: 1. Diálogo literário (texto p/ ser lido x texto p/ ser falado, coloquial, com incorreções gramaticais); 2. Diálogo recortado (curto demais: problemas para a câmera). 3. Escolha léxica errada (falas segundo a classe social e nível de escolaridade) 4. Diálogo repetido 5. Diálogo longo 6. Diálogo clônico (nulo, igual para todos os personagens) 7. Diálogo inconsistente (falta de conteúdo dramático _ comum nas novelas) 8. Diálogo introspectivo (os “apartes” do teatro). Deve-se evitar na TV e no cinema;. 9. Diálogo impossível/artificial. 10. Diálogo discursivo (mistura de literário + longo + repetido) 35 ELEMENTOS VISUAIS Em resumo, a descrição da cena deve incluir informação detalhada referente a uma ou mais das seguintes áreas: a) Locação física da cena. b) Indicação sobre o universo da história. c) Quais os personagens presentes e indicações sobre a condição ou aparência física deles. d) As ações específicas de cada personagem. e) Uma indicação sobre o Utamanho da imagemU, movimento de câmera ou do personagem, e/ou uma UsugestãoU da composição dos elementos visuais no enquadramento. f) Dicas sobre o Uestilo da históriaU que está sendo contada e sobre o estilo de cada cena quando houver mudanças (do presente ao um flashback, do real à fantasia, do surrealista ao lúcido). g) Indicação de mudanças no andamento e no ritmo. h) Indicação de luz, textura e cor. i) Indicação de Usons objetivosU (gerados por fontes presentes na tela, sons diegéticos) e sons subjetivos (usados para efeito dramático, como o batimento cardíaco de uma personagem durante momento de perigo). j) Dicas para o figurinista, o diretor de arte, cabeleireiro, paisagistas e todos os outros profissionais que contribuem para aquilo que o público de fato vê e ouve na tela. Observação: O roteirista precisa fazer essas sugestões com prudência, conhecimento e uma boa dose de delicadeza. O roteirista habilidoso deixa implícitas suas intenções por meio da construção das frases, escolha das palavras e descrição dos detalhes. O diretor não suporta um roteirista ditando o grau de abertura de um plano, quando movimentar a câmera ou como compor uma imagem. 36 AS FERRAMENTAS DO ROTEIROF10 1) PROTAGONISTA E OBJETIVO _ A principal característica do protagonista é um desejo, normalmente intenso, de atingir uma meta. (...) Seja lá o que for, algum tipo de desejo intenso estará sempre presente. _ Um bom protagonista desperta uma forte resposta emocional por parte do público. Pode ser um protagonista que nos seja simpático, provoca dó, admiração, é divertido. O importante é que o público não fique indiferente diante do protagonista. Um personagem abominável, que tenha um mero resquício de redimível, pode vir a ser um protagonista tanto quanto qualquer outro que seja divertido ou digno de admiração. _ O que determina a nossa atitude emocional em relação ao protagonista é a ferocidade com que ele deseja algo. _ Num longa-metragem, o papel do protagonista quase sempre é o principal. Em geral é o mais interessante e sem dúvida é o personagem focalizado com mais freqüência, pelo simples motivo de que é o destino daquela pessoa que nós estamos seguindo. _ O protagonista é, geralmente, a pessoa que toma as decisões que criam a história. _ Somente à luz do objetivo do protagonista é que se pode tramar a história, porque é a busca dessa meta que determina o curso da ação, por mais direto ou tortuoso que seja o caminho. Três pontos principais que é preciso ter em mente em relação ao OBJETIVO: Só pode haver UM OBJETIVO para que o filme tenha unidade. O objetivo precisa despertar oposição para produzir CONFLITO. A natureza do objetivo é um dos fatores principais para determinar a atitude do público em relação ao protagonista e à oposição que ele enfrenta (se for heróico, despertará admiração, se quixotesco, talvez nos divirta, se for detestável, despertará nosso desprezo, etc). 2) CONFLITO _ O conflito é o próprio motor que impele a história adiante, ele fornece movimento e energia à história. Sem conflito o público permanece indiferente aos acontecimentos mostrados na tela. _ Querer alguma coisa pode ser tanto positivo quanto negativo, pode tanto avançar quanto recuar. Para os propósitos do conflito, não querer é tão forte quanto querer ativamente. Não querer fazer alguma coisa pode ser um desejo poderosíssimo, como o de Rick em “Casablanca”, que “não arrisca o pescoço por homem nenhum”. 10 Em: HOWARD, David e MABLEY, Edward (1999). “Teoria e Prática do Roteiro: um guia para escritores de cinema e televisão”. São Paulo: Editora Globo, p. 78-149. 37 3) OBSTÁCULOS Se o protagonista e seu objetivo constituem os dois primeiros elementos importantes na construção de uma história, Uos vários obstáculosU, coletivamente, constituem o terceiro. _ Sem empecilhos
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