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Pequena introdução sobre análise de narrativa Elementos da narrativa Enredo Personagens Tempo Espaço Narrador Elementos da narrativa Enredo Personagens Tempo Espaço Narrador Elementos da narrativa Enredo Diegese e discurso ou fábula e trama ou história e enredo Personagens Protagonistas, antagonistas; principais e secundários; planos, redondos e planos com tendência a redondo Tempo Cronológico e psicológico Flashback e flashfoward ou analepses e prolepses Espaço Narrador Primeira ou terceira pessoa Focalização Elementos da narrativa Narrador “A narrativa revelará sempre a marca do narrador, assim como a mão do artista é percebida, por exemplo, na obra de cerâmica” (Walter Benjamin) RESPONSÁVEIS PELO TEXTO Externo Autor Condicionado socioculturalmente Não assume a palavra dentro da narrativa Interno Narrador/eu- lírico Condicionado pela narrativa Assume a palavra dentro da narrativa Elementos da narrativa Narrador Extradiegético x Intradiegético Elementos da narrativa Narrador Primeira ou terceira pessoa Heterodiegético (3ª pessoa, Outro, vê de fora dos fatos) Madame Bovary, de Gustave Flaubert Homodiegético (1ª pessoa, outro, vê de dentro dos fatos) Sherlock Holmes (Watson) Autodiegético (1ª pessoa, fala de si) Elementos da narrativa Narração metadiegética (Genette) ou hipodiegética (Carlos Reis), uma narração de uma personagem que conta uma história na qual surgirá outra personagem a contar outra história. O Bugio Moqueado, Monteiro Lobato A Aranha, Orígenes Lessa Mise en abyme – narrativa em “abismo”, quando uma narrativa contém outras narrativas NARRATIVA HIPODIEGÉTICA: FUNÇÕES Explicativa Clareia as conexões causais entre eventos diegéticos e hipodiegéticos Temática Introduz temas que instituem relações de similitude Elementos da narrativa Focalização Narrador “autor” onisciente intruso (“Deus”, que observa, opina e julga os acontecimentos) Narrador onisciente “neutro” (Outro/tentativa de neutralidade, com mais sumário e menos cena/ ausência de intrusões) “Eu” como testemunha (eu conto sobre alguém próximo a mim) Narrador protagonista (eu conto sobre mim) Onisciência seletiva múltipla (sabe tudo o que se passa com vários personagens/discurso indireto livre) Onisciência seletiva (sabe tudo o que se passa com um personagem) Modo dramático (uso exclusivo da cena/fala/discurso direto) Câmera (flashes da realidade/pseudoneutralidade) eles eram muitos cavalos O tempo Hoje, na Capital, o céu estará variando de nublado a parcialmente nublado. Temperatura – Mínima: 14°; Máxima: 23°. Qualidade do ar oscilando de regular a boa. O sol nasce às 6h42 e se põe às 17h27. A lua é crescente. Elementos da narrativa Personagens Quanto à caracterização Planas: tipo/estereótipo (Há? Quem são?) Planas com tendência a redonda Redondas: características físicas, psicológicas, sociais, ideológicas, morais Quanto à participação na narrativa Protagonista: herói ou anti-herói Antagonista Principal ou secundária Macunaíma (o herói sem nenhum caráter) No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. [...] Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro: passou mais de seis anos não falando. Se o incitavam a falar, exclamava: – Ai! que preguiça!... e não dizia mais nada.[...] Quando era pra dormir trepava no macuru pequeninho sempre se esquecendo de mijar. Como a rede da mãe estava por debaixo do berço, o herói mijava quente na velha, espantando os mosquitos bem. Então adormecia sonhando palavras-feias, imoralidades estrambólicas e dava patadas no ar. Personagem Personagem vem do Latim, persona(m), cujo significado é, máscara de ator de teatro. Em português, pode ser O personagem ou A personagem. Este último, devido à origem do termo em latim [persona]. As personagens são arquitetadas pela fantasia do prosador e atuam no interior da narrativa literária; têm por função simular/modular pessoas, comportamentos e sentimentos reais. Por isso, são construídas à imagem e semelhança dos seres humanos. Se bem construídas, nelas, teremos a impressão de pessoas vivendo situações e dilemas semelhantes aos nossos. A personagem só existe na história se dela participa, ou seja, se age ou fala. Se uma determinada personagem é apenas mencionada na história por outras personagens, mas não participa direta ou indiretamente das ações, não será considerada uma personagem. Funções das personagens Protagonista (do Grego, protagonistés) - É a personagem principal em torno do qual se constrói toda a trama. O protagonista pode ser caracterizado como herói ou anti-herói. Em nossa literatura é muito frequente o anti-herói como protagonista. Há narrativas em que existem co-protagonistas. Antagonista (do Grego, antagonistés) - é a personagem que cria o clima de tensão, opondo-se ao protagonista. Protagonista e antagonista são caracterizados, na linguagem popular como "mocinho e bandido". Em outros termos, herói e vilão. Funções das personagens Personagens Secundárias e Figurantes - personagens sem grande importância na narrativa. As secundárias participam na ação, no entanto, não desempenham papéis decisivos. Os figurantes não têm qualquer participação no desenrolar da ação, cabendo-lhe apenas ajudar a compor um ambiente ou espaço social. Par romântico: representa o objeto de afeto do protagonista, às vezes dividido com o antagonista. Relaciona-se com o mito do amor romântico. Comic relief: conceito relativamente novo, é uma categoria que inclui os personagens de função predominantemente humorística, como "amigos" e "ajudantes" do protagonista; um exemplo é o personagem Pateta em relação ao Mickey. “Sidekick”: parceiro ajudante, não necessariamente cômico e comum em histórias de super-heróis. Ex.: Robin Caracterização das personagens Indivíduos - são personagens que possuem características pessoais marcantes, que acentuam a sua individualidade. Em Dom Casmurro (Machado de Assis), Capitu é uma personagem indivíduo. Observe: “Na verdade, Capitu ia crescendo às carreias, as formas arredondavam- se e avigoravam-se com grande intensidade; moralmente a mesma coisa. Era mulher por dentro e por fora, mulher à esquerda e à direita, mulher por todos os lados, e desde os pés a cabeça. (...); os olhos pareciam ter outra reflexão, e a boca outro império.” Caracterização das personagens Caricaturais - são personagens cujos traços de personalidade ou padrões de comportamento são propositalmente acentuados (às vezes beirando o ridículo) em função do cômico ou da sátira. São personagens muito comuns, principalmente, em novelas de televisão. Pedro, de A Polaquinha, de Dalton Trevisan, por exemplo, é um motorista de ônibus cujas taras sexuais, grosseria e ignorância são ampliadas de tal forma exagerada. Manuel Antônio de Almeida, em Memórias de um Sargento da Milícia, nos descreve uma personagem caricatural: “Era a comadre uma mulher gorda, bonachona, ingênua ou tola até certo ponto, [...] todos a conheciam por muito beata e pela mais desabrida papa-missas da cidade. Era a folinha mais exata de todas as festas religiosas que aqui se faziam; sabia de cor os dias em que se dizia a missa em tal ou tal igreja, como a hora e até o nome do vigário; era pontual à ladainha, ao terço, à novena; não lhe escapava via-sacra, procissão, nem sermão.“ Caracterização das personagens Típica ou Tipos – são personagens identificados pela profissão, pelo comportamento, pela classe social, enfim, por um traço distintivo comum a todos os indivíduos duma categoria. Personagem Tipo seria o jornalista, o estudante, a dona-de-casa, a solteirona etc. É o caso, por exemplo, da maioria das personagens de Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, como o Barbeiro, a Parteira, o Major, osCiganos, etc. O mesmo vale para a maioria dos personagens de Gil Vicente. Rodrigo Cambará, no romance Um Certo Capitão Rodrigo, de Érico Veríssimo, também é uma personagem tipo, pois se caracteriza pelos gestos, roupas, fala e atos de um típico gaúcho (o mesmo ocorre com o Analista de Bagé, de Luís Fernando Veríssimo). Nos romances de Jorge Amado, são as prostitutas, beatas e coronéis, que têm comportamentos padronizados socialmente. Evolução das personagens Planas ou Estacionárias – são personagens construídas em redor de uma única qualidade ou defeito. Por isso, não tem profundidade psicológica, e não alteram seu comportamento no decorrer da narrativa. São personagens estáticas, definidas em poucas palavras, por um traço, por um elemento característico básico, que as acompanha durante toda a história. É o irônico que está sempre fazendo ironias, o chato que só sabe ser chato, ou seja, são personagens que não apresentam contradições: são sempre boas ou más; corajosas ou mentirosas; malandras ou trabalhadoras. Como exemplo, podemos citar Iracema, do romance Iracema, de José de Alencar; e Sinhá Vitória, em Vidas Secas, de Graciliano Ramos. As personagens planas, normalmente, são caracterizadas como tipo ou caricatural. Redondas, Esféricas ou Evolutivas – são personagens complexas; definidas por vários traços diferentes, cheias de contradições; apresentam comportamentos imprevisíveis, enigmáticos, que vão sendo definidos no decorrer da narrativa, evoluindo e, muitas vezes, surpreendendo o leitor. Ora são covardes, ora corajosas; ora possuem virtudes, ora defeitos; enfim, expressam a verdadeira natureza humana. A personagem-protagonista de João do Santo Cristo do texto Faroeste Caboclo, é evolutiva, pois é uma mistura de santo e bandido. Capitu também. “Existência” das personagens Real ou histórica: São personagens que existem ou existiram. São geralmente citadas em obras históricas ou jornalísticas. Fictícia ou ficcional: São personagens que não existem e são criadas pela imaginação do autor, embora em alguns casos elas sejam inspiradas em pessoas reais. Real-ficcional: São personagens reais, mas com personalidade fictícia. Ficcional-ficcional: São personagens ficcionais dentro de obras ficcionais. Ficcional-real: São personagens inicialmente ficcionais, mas que passam a existir no mundo real. Personagens colocadas em prática por encenação no convívio com pessoas reais, as quais não sabem tratar-se de uma personagem. Conceito muito utilizado em "pegadinhas" da TV, sendo uma das mais conhecidas a personagem Borat. Exemplo TRAGÉDIA BRASILEIRA (MANUEL BANDEIRA) Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade. Conheceu Maria Elvira na Lapa-prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria. Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... Dava tudo quanto ela queria. Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado. Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa. Viveram três anos assim. Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa. Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marques de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos... Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul. Classificação das personagens Misael: De acordo com a posição interpretativa de quem lê, pode ser classificada como plana ou plana com tendência a redonda, porque sua reação final, o assassinato, pode ou não ser considerado como previsível. Ainda, de acordo com os autores, essa personagem não tem densidade suficiente para ser considerada redonda. Maria Elvira: Na parte inicial da narrativa, a descrição desta personagem permite que a caracterizemos como plana-estereótipo, pois caricaturiza a prostituta doente, decadente e miserável. Após o concubinato com Misael, Maria Elvira se classifica como plana-tipo, pois deixa de ser uma caricatura da prostituta decadente para encarnar a promiscuidade e a traição da mulher infiel. Médico, dentista, polícia, manicura e namorados de Maria Elvira: classificados como planas-tipo, porque são definidas pela simples identificação de fundo social. Classificação das personagens Misael, Maria Elvira e os namorados de Maria Elvira, são fundamentais. Em relação ao grau de importância para o desenvolvimento do conflito dramático, os autores classificam como: Principais ou protagonistas: Misael e Maria Elvira. Secundárias: Namorados de Maria Elvira, o médico, o dentista, a manicura e a polícia. Embora o texto não coloque em relevo os namorados, eles, apesar de secundários, são essenciais para o desenvolvimento do conflito dramático. Chuck Noland (Tom Hanks) e Wilson (O Náufrago – The Castaway) Wilson é personagem? Que tipo de personagem é Noland? Iracema (José de Alencar) Personagem principal ou coadjuvante? Indivíduo, caricatural ou tipo? Plana ou redonda? Histórica, real-ficcional, ficcional- ficcional ou ficcional-real? Walter White – Heisenberg (Breaking Bad) Herói ou anti-herói? Indivíduo, caricatural ou tipo? Plana ou redonda? Malévola / Rainha Má Indivíduo, caricatural ou tipo? Plana ou redonda? Jessica Jones e Trish Walker Indivíduo, caricatural ou tipo? Plana ou redonda? Trish: sidekick? Baleia (Vidas Secas) É personagem? Indivíduo, caricatural ou tipo? Plana ou redonda? Macunaíma (Mário de Andrade) Herói ou anti- herói? Indivíduo, caricatural ou tipo? Plana ou redonda? Sr. Barriga e Sr. Madruga Planos ou redondos? Indivíduos, tipos ou estereótipos? Antagonista? Anti-herói? Chaves e Quico Quico como co- protagonista? Sidekick? Planos ou redondos? Indivíduos, tipos ou estereótipos? Sherlock Holmes e Watson Watson como co- protagonista? Sidekick? Planos ou redondos? Indivíduos, tipos ou estereótipos? Coringa - Joker (Batman) Plano ou redondo? Indivíduo, tipo ou estereótipo? Tempo “O ficcionista é senhor do espaço e do tempo em que a própria vida humana se realiza. É assim que podemos acompanhar Henry Esmond ao longo de toda a sua vida e que Hamlet poucas horas passará conosco. Em um dia de leitura podemos viver anos e anos da existência das personagens de uma ficção.” (João Gaspar Simões, Ensaio sobre a Criação no Romance) Tempo O tempo na narrativa é o período que assinala o percurso cronológico (tempo de um acontecimento) que vai do início ao fim da história. Muitas histórias se passam em um curto período de tempo; outras têm um enredo que se estende por muitos anos. O tempo em um conto, geralmente é mais curto em relação ao romance e a novela, nestes o transcurso do tempo é mais dilatado. No romance, novela e conto, o tempo é fictício, ou seja, correspondem aos eventos da história. Por isso, o tempo da história nem sempre coincide com o tempo em que ela foi escrita ou publicada. Exemplo: "O Nome da Rosa“, de Umberto Eco - sua narrativa se desenrola na Idade Média, embora tenha sido escrito há pouco tempo. Tempo É importante também, não confundir o tempo do narrador com o tempo da ação (eventualmente pode ser o mesmo). Observe, no fragmento de O Ateneu (Raul Pompéia): "Eu tinha onze anos", afirma o personagem-narrador. Pelo pronome pessoal e o verbo no pretérito podemos perceber que o tempo da ação está no passado, mas, o da narração, no presente da história. O personagem-narrador na sua vida adulta narra fatos acontecidos durante a sua pré-adolescência. Por ser uma narrativa ficcional e não histórica, a cronologiacria o seu tempo interno, atendendo a lógica temporal de passado, presente, futuro. Tempo - características Tempo Época Duração Cena (discurso direto) Sumário (discurso indireto) Elipse (exclusão de acontecimentos) Pausa descritiva (alongamento descritivo) Digressão (pausa para comentários do narrador) A paixão segundo G.H. [...] Teria que ser assim, como uma menina que estava sem querer alegre, que eu ia comer a massa da barata. Então avancei. Minha alegria e minha vergonha foi ao acordar do desmaio. Não, não fora desmaio. Fora mais uma vertigem, pois que eu continuava de pé, [...] Mas eu sabia, antes mesmo de pensar, que, enquanto me ausentara na vertigem, ‘alguma coisa se tinha feito’. Eu não queria pensar mas sabia. Tinha medo de sentir na boca aquilo que estava sentindo, tinha medo de passar a mão pelos lábios e perceber vestígios. E tinha medo de olhar para a barata – que devia ter menos massa branca sobre o dorso opaco... Madame Bovary Na base da encosta, passada uma ponte, começa uma calçada ladeada de pequenos choupos que leva, em linha reta, até às primeiras casas do lugar. Estas são rodeadas de sebes, no meio de pátios cheios de construções dispersas, lagares, cocheiras e alambiques, espalhados à sombra de frondosas árvores com escadas, varas ou foices penduradas nos ramos. [...] Ao muro de reboco, atravessado em diagonal por traves negras, agarra-se às vezes alguma pereira enfezada, e os pavimentos do rés-do-chão têm na porta uma pequena cancela para os defender dos pintos que vêm debicar, nas soleiras, migalhas de pão escuro molhado em sidra. [...] Dom Casmurro CAPÍTULO CXIX NÃO FAÇA ISSO, QUERIDA A leitora, que é minha amiga e abriu este livro com o fim de descansar da cavatina de ontem para a valsa de hoje, quer fechá-lo às pressas, ao ver que beiramos um abismo. Não faça isso, querida; eu mudo de rumo. Elementos da narrativa Tempo Cronológico (ou histórico, ou objetivo) Psicológico (ou imaterial, ou metafísico, ou subjetivo) Tempo cronológico É marcado pelo ritmo do relógio, pelo movimento do sol (alternância dia-noite), pelo calendário, pelas estações do ano, etc. É o tempo objetivo, visível ao leitor mais desprevenido: este vê a história desenrolar-se à sua frente, obediente a uma cronologia histórica definida. Às vezes, o próprio ficcionista indica, na introdução da história, as datas em que os fatos se sucedem. E mesmo que não as indique, o próprio texto se incumbe de oferecer os dados que servem à orientação do leitor, ordenados segundo a cronologia do relógio. Exemplo: 2º capítulo de Senhora (José de Alencar), logo no início: “Seriam nove horas do dia. Um sol ardente de março esbate-se nas venezianas que vestem as sacadas de uma sala, nas laranjeiras.” Tempo cronológico O processo narrativo no tempo cronológico pode apresentar os fatos no momento em que estão acontecendo, isto é, no presente da história, ou, então, no passado, quando já perfeitamente concluídos. Da mesma maneira, pode também entremear presente e passado, utilizando a técnica de flashback. José de Alencar, em Senhora, também trabalha o flashback, narrando o casamento de Aurélia e Fernando até a noite de núpcias, quando, então, promove um corte e passa a narrar fatos anteriores ao casamento, para finalmente retomar fatos acontecidos depois do casamento. O flashback cumpre papel importante na caracterização dos personagens e na introdução de elementos explicativos do passado para os conflitos do presente da narrativa. Tempo psicológico Não obedece à cronologia, não mantém nenhuma relação com o tempo propriamente dito, cuja passagem é alheia a nossa vontade. O tempo psicológico transcorre no interior de cada personagem (ou de cada ser humano), numa ordem determinada pelo desejo ou pela imaginação do narrador ou dos personagens e reflete suas vivências subjetivas, suas angústias e ansiedades. É o tempo interior que se alarga ou se encurta conforme o estado de espírito em que se encontra. Falas como “Ah, o tempo não passa...” ou “Esse minuto não acaba!” refletem o tempo psicológico. Daí, dizer-se que o tempo psicológico altera-se de pessoa para pessoa. O que importa é o momento da personagem, suas emoções e reflexões. Por isso, através de seus devaneios e memórias ele poderá ir ao passado e ao futuro, sem obedecer à ordem do tempo cronológico. Tempo psicológico Exemplo: passagem do conto Missa do Galo(Machado de Assis), em que o narrador- personagem espera a meia-noite da véspera de Natal: “Os minutos voavam, ao contrário do que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso”. O tempo para o narrador-personagem se encurta. É o tempo psicológico, o tempo interior que se alarga ou se encurta conforme o estado de espírito da personagem. O flashback também serve à construção do tempo psicológico (memórias). Tomemos como exemplo, São Bernardo (Graciliano Ramos). Nele Paulo Honório (narrador-personagem) é perseguido pela lembrança da esposa morta, Madalena, todos os dias ao cair da noite. Recursos estéticos do tempo Tempo cronológico ou psicológico [objetivo ou subjetivo] Cronológico (ou Histórico) Analepses (flashbacks) Prolepses (flashfoward) Psicológico (ou Imaterial, ou Metafísico) Monólogo interior (diálogo consigo/sem perda de consciência) Análise mental (dupla perspectiva/não perde nem a consciência nem o domínio da situação real) Fluxo de consciência (há traços de perda de consciência) Analepses (flashbacks) Prolepses (flashfoward) Ulysses o sol brilha para você ele me disse no dia em que estávamos deitados entre os rododendros no cabo de Howth com seu terno de tweed cinza e seu chapéu de palha no dia em que eu o levei a se declarar sim primeiro eu lhe dei um pedacinho de doce de amêndoa que tinha em minha boca e era ano bissexto como agora sim há 16 anos meu Deus depois daquele longo beijo quase perdi o fôlego sim ele disse que eu era uma flor da montanha sim certo somos flores todo o corpo da mulher sim foi a única coisa verdadeira que ele me disse em sua vida e o sol está brilhando para você hoje sim por isso ele me agradava vi que ele sabia ou sentia o que era uma mulher e tive a certeza de que poderia sempre fazer dele o que eu quisesse e dei-lhe todo prazer que pude para levá-lo a me pedir o sim e eu não quis responder logo só fiquei olhando para o mar e para o céu pensando em tantas coisas que ele não sabia (...) Enseada Amena Um dia, faltam mais de quatro meses, o Osório há-de dizer ao Alpoim, ao Alpoim que neste instante está lá à frente, no tempo, à espera dele(...) O Alpoim – ele ainda está neste momento fora desta história e é como se não existisse, embora já tenha trinta e oito anos, ele, que não conhece a Maria José, a qual, aliás, há de vir a desejar profundamente – respondera(...) Cem anos de solidão Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía haveria de recordar aquela tarde remota em que seu pai levouo a conhecer o gelo. (prolepse analéptica) Tempo Frequência Singulativa (igualdade entre nº de acontecimentos e nº de apresentações) Repetitiva (nº de apresentações > nº de acontecimentos) Iterativa (nº de acontecimentos > nº de apresentações) Esta história poderia chamar-se "As Estátuas". Outro nome possível é "O Assassinato". E também "Como Matar Baratas". Farei então pelo menos três histórias, verdadeiras, porque nenhuma delas mente a outra. Embora uma única, seriam mil e uma, se mil e uma noites me dessem. A primeira, "Como Matar Baratas", começa assim: queixei-me de baratas. Uma senhora ouviu-me a queixa. Deu-me a receita de como matá-las. Que misturasse em partes iguais açúcar, farinha e gesso. A farinha e o açúcar as atrairiam, o gesso esturricaria o de dentro delas. Assim fiz. Morreram. A outra história é a primeira mesmo e chama-se "O Assassinato". Começa assim: queixei-mede baratas. Uma senhora ouviu-me. Segue-se a receita. E então entra o assassinato. A verdade é que só em abstrato me havia queixado de baratas, que nem minhas eram: pertenciam ao andar térreo e escalavam os canos do edifício até o nosso lar. Só na hora de preparar a mistura é que elas se tornaram minhas também. Em nosso nome, então, comecei a medir e pesar ingredientes numa concentração um pouco mais intensa. Um vago rancor me tomara, um senso de ultraje. De dia as baratas A quinta história (Clarice Lispector) eram invisíveis e ninguém acreditaria no mal secreto que roía casa tão tranquila. Mas se elas, como os males secretos, dormiam de dia, ali estava eu a preparar-lhes o veneno da noite. Meticulosa, ardente, eu aviava o elixir da longa morte. Um medo excitado e meu próprio mal secreto me guiavam. Agora eu só queria gelidamente uma coisa: matar cada barata que existe. Baratas sobem pelos canos enquanto a gente, cansada, sonha. E eis que a receita estava pronta, tão branca. Como para baratas espertas como eu, espalhei habilmente o pó até que este mais parecia fazer parte da natureza. De minha cama, no silêncio do apartamento, eu as imaginava subindo uma a uma até a área de serviço onde o escuro dormia, só uma toalha alerta no varal. Acordei horas depois em sobressalto de atraso. Já era de madrugada. Atravessei a cozinha. No chão da área lá estavam elas, duras, grandes. Durante a noite eu matara. Em nosso nome, amanhecia. No morro um galo cantou. A terceira história que ora se inicia é a das "Estátuas". Começa dizendo que eu me queixara de baratas. Depois vem a mesma senhora. Vai indo até o ponto em que, de A quinta história (Clarice Lispector) madrugada, acordo e ainda sonolenta atravesso a cozinha. Mais sonolenta que eu está a área na sua perspectiva de ladrilhos. E na escuridão da aurora, um arroxeado que distancia tudo, distingo a meus pés sombras e brancuras: dezenas de estátuas se espalham rígidas. As baratas que haviam endurecido de dentro para fora. Algumas de barriga para cima. Outras no meio de um gesto que não se completaria jamais. Na boca de umas um pouco da comida branca. Sou a primeira testemunha do alvorecer em Pompéia. Sei como foi esta última noite, sei da orgia no escuro. Em algumas o gesso terá endurecido tão lentamente como num processo vital, e elas, com movimentos cada vez mais penosos, terão sofregamente intensificado as alegrias da noite, tentando fugir de dentro de si mesmas. Até que de pedra se tornam, em espanto de inocência, e com tal, tal olhar de censura magoada. Outras — subitamente assaltadas pelo próprio âmago, sem nem sequer ter tido a intuição de um molde interno que se petrificava! — essas de súbito se cristalizam, assim como a palavra é cortada da boca: eu te... Elas que, usando o nome de amor em vão, na noite de verão A quinta história (Clarice Lispector) cantavam. Enquanto aquela ali, a de antena marrom suja de branco, terá adivinhado tarde demais que se mumificara exatamente por não ter sabido usar as coisas com a graça gratuita do em vão: "é que olhei demais para dentro de mim! é que olhei demais para dentro de..." — de minha fria altura de gente olho a derrocada de um mundo. Amanhece. Uma ou outra antena de barata morta freme seca à brisa. Da história anterior canta o galo. A quarta narrativa inaugura nova era no lar. Começa como se sabe: queixei- me de baratas. Vai até o momento em que vejo os monumentos de gesso. Mortas, sim. Mas olho para os canos, por onde esta mesma noite renovar-se-á uma população lenta e viva em fila-indiana. Eu iria então renovar todas as noites o açúcar letal? como quem já não dorme sem a avidez de um rito. E todas as madrugadas me conduziria sonâmbula até o pavilhão? no vício de ir ao encontro das estátuas que minha noite suada erguia. Estremeci de mau prazer à visão daquela vida dupla de feiticeira. E estremeci também ao aviso do gesso que seca: o vício de viver que rebentaria meu A quinta história (Clarice Lispector) molde interno. Áspero instante de escolha entre dois caminhos que, pensava eu, se dizem adeus, e certa de que qualquer escolha seria a do sacrifício: eu ou minha alma. Escolhi. E hoje ostento secretamente no coração uma placa de virtude: "Esta casa foi dedetizada". A quinta história chama-se "Leibniz e a Transcendência do Amor na Polinésia". Começa assim: queixei-me de baratas. A quinta história (Clarice Lispector) Leibniz e a transcendência do amor na Polinésia Leibniz é conhecido por sua teoria das mônadas. Substâncias simples e eternas, que não se decompõem; individuais, submetendo- se às próprias leis e sem interferência mútua (GLEISER, 2006). As mônadas possuem uma simplicidade irredutível e, por serem independentes, qualquer interação que possam ter dá-se apenas no nível da aparência, por isso, cada uma segue como que uma instrução pré-programada (DELEUZE, 2007). Podemos arriscar dizer que, para a narradora, tal como as mônadas, as baratas são, no conto, o espelho do universo, que vivem submetendo-se às suas próprias leis, indiferentes aos outros seres que vivem em torno delas. Obscuras e insistentes, as baratas são ancestrais que nunca abandonam o mundo dos vivos, renovando-se em gerações desde tempos imemoriais, são os fantasmas do inconsciente. Leibniz e a transcendência do amor na Polinésia Transcendência do amor na Polinésia Desejo de superação, ou, se quisermos, de sublimação – a inversão da alteridade vertical que no início tinha a ver com o baixo e nesse momento torna-se transcendente. Outro aspecto importante a ser ressaltado sobre Leibniz: para ele, os animais são dotados de alma e essa assertiva relaciona-se ao fato de ele ter detectado a inquietude do animal diante de uma emboscada, algo praticamente imperceptível que pode mudar o seu prazer em dor. Leibniz e a transcendência do amor na Polinésia As baratas subiam do térreo, da base, portanto, para o apartamento. As baratas brotam do fundo dessa narradora e, porque podem ser narradas, vivem e morrem. A narradora de Clarice é um edifício. Em uma perspectiva onírica, sabemos de quem é o andar de baixo (das baratas): os fantasmas do inconsciente. A única diferença entre a narradora e nós mesmos é esta. Ela sabe, assim como nós sabemos, de onde vêm as baratas. A diferença é que ela não sabe, mas nós sabemos, que o andar de baixo é sempre nosso, ou seja, as baratas também somos nós. Leibniz e a transcendência do amor na Polinésia A superação de esse andar de baixo é justamente a transcendência do amor: por amor às ‘baratas’ (e a si mesma), a narradora mata-as, para que elas possam, em sua morte, garantir formas de vida subjetiva a ela mesma. Por isso, o processo de matar baratas é também um processo de desmatá- las, desbravá-las. Pelo avesso e assegurando uma vida simbólica às baratas, ou melhor, uma vida no simbólico, ou seja, em termos lacanianos, na linguagem, e não apenas no imaginário (LACAN, 1998), a narradora projeta a palavra interrompida para dentro de si e essa palavra não-dita volta ao âmago da narradora, para retornar como barata e ser morta no dia seguinte. Leibniz e a transcendência do amor na Polinésia A palavra narrada, por fim, salva-a da morte, senão da morte física, da morte simbólica e a transcendência do amor na Polinésia significa a travessia. A brevidade da última história e o final marcado pelas reticências mostram justamente a acomodação que segue depois do extermínio total dos seres que, em um primeiro momento, remetiam a uma alteridade inferior e depois, porque transformadas em nada, a algo da ordem superior. AS BARATAS DA EXISTÊNCIA OU A EPOPÉIA DA MORTE EM A QUINTA HISTÓRIA DE CLARICE LISPECTOR (Andrade, Cavicchiolli e Martha) Elementos da narrativa - Espaço Tem sua importância por vezes subestimada É peça fundamental da construção de qualquer narrativa Diferenças de localizar uma cena de término de um relacionamento em um restaurante eleganteou em um boteco de esquina O espaço na história é uma escolha meramente de comodidade ou uma construção conceitual com o restante de sua trama? A escolha do espaço também significa Elementos da narrativa - Espaço O que seria Breaking Bad sem a cidade de Albuquerque? Região de divisa, deserto, clima de cidade de interior Espaço - Características Físico Época Localização geográfica Arquitetura Social Situação econômico-política Moral/religião Psicológico Sentimentos, pensamentos, crises Ambiente (espaço geográfico + social, religioso, econômico, psicológico, filosófico, etc.) Espaço - Construção Franca (descrita/exposta textualmente) Reflexa (revelada a partir do ponto de vista de um personagem, sendo reflexo de sua percepção) Dissimulada ou oblíqua (sugerida a partir das ações dos personagens) Espaço de narração e espaço de narrativa (TOPOANÁLISE) Sobre coincidência Coincidem Coincidem parcialmente Não coincidem Sobre aparecimento Aparece sutilmente Aparece explicitamente Não aparece Espaço de narração e espaço de narrativa (TOPOANÁLISE) Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei num trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. (Dom Casmurro, Machado de Assis) Agora que expliquei o título, passo a escrever o livro. Antes disso, porém, digamos os motivos que me põem a pena na mão. Vivo só, com um criado. A casa em que moro é própria; fi-la construir de propósito, levado de um desejo tão particular que me vexa imprimi-lo, mas vá lá. Um dia, há bastantes anos, lembrou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga rua de Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia daquela outra, que desapareceu. (Cap. II) Espaço de narração e espaço de narrativa (TOPOANÁLISE) Ia entrar na sala de visitas, quando ouvi proferir o meu nome e escondi- me atrás da porta. A casa era a da rua de Matacavalos, o mês novembro, o ano é que é um tanto remoto, mas eu não hei de trocar as datas à minha vida só para agradar às pessoas que não amam histórias velhas; o ano era de 1857. (Cap. III) Em um primeiro momento, o narrador nos mostra apenas o espaço da narração. Esse espaço aparece de maneira explícita e abundante já que o narrador, no segundo capítulo, nos esclarece que a casa em que mora reproduz a antiga casa da rua de Matacavalos e mostra-nos detalhes dela. Quando o narrador passa a contar a sua história, há uma diferenciação dos espaços. O espaço da narração continua sendo a casa do Engenho Novo que é uma réplica da casa de Matacavalos, porém a narrativa não se passa mais na casa do Engenho Novo. Passa-se na casa original e em outros espaços também. Espaço de narração e espaço de narrativa (TOPOANÁLISE) Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro. Uma lua quente de Verão entra pela varanda, ilumina uma jarra de flores sobre a mesa. Olho essa jarra, essas flores, e escuto o indício de um rumor de vida, o sinal obscuro de uma memória de origens. [...]Pelas nove da manhã deste dia de Setembro cheguei enfim à estação de Évora. Nos meus membros espessos, no crânio embrutecido, trago ainda o peso de uma noite de viagem. [...] Eis que me levanta de novo a imagem de meu pai, caído de bruços sobre a mesa, ao jantar, dias antes de eu partir. Todos os anos, pela vindima, meus pais queriam ali os três filhos pelo Natal. O Tomás vivia perto, tinha também a sua lavoura, mas não deixava nunca de comparecer ao jantar. Mas o Evaristo vivia na Covilhã. E agora, que escrevo esta história à distância de alguns anos, exactamente neste mesmo casarão em que tudo se passou, relembro vivamente o estrépito da sua chegada nessa manhã de Setembro. (Aparição, Vergílio Ferreira) Espaço de narração e espaço de narrativa (TOPOANÁLISE) O mulato de Aluísio Azevedo: Era um dia abafadiço e aborrecido. A pobre cidade de São Luís do Maranhão parecia entorpecida pelo calor. Quase que se não podia sair à rua: as pedras escaldavam. As vidraças e os lampiões faiscavam ao sol como enormes diamantes; as paredes tinham reverberações de prata polida; as folhas das árvores nem se mexiam; as carroças de água passavam ruidosamente a todo o instante, abalando os prédios; e os aguadeiros, em mangas de camisa e pernas arregaçadas, invadiam sem-cerimônia as casas para encher as banheiras e os potes. Em certos pontos não se encontrava viva alma na rua; tudo estava concentrado, adormecido; só os pretos faziam as compras para o jantar ou andavam no ganho. (p. 9, Ediouro, s.d.) O narrador nos apresenta o espaço da narrativa com abundância de detalhes, mas nada diz do espaço da narração. Essa omissão reforça o caráter de objetividade que a narrativa em terceira pessoa possui. Quanto mais o espaço da narração aparece dentro da narrativa, mais subjetiva esta se mostra. Elementos da narrativa - Enredo Diegese Discurso (enredo) Partes do discurso (introdução, desenvolvimento e conclusão) Ordem do discurso (normal, in media res, in ultima res) Conflito(s): principal e secundário(s) Crônica de uma morte anunciada No dia em que o matariam, Santiago Nasar levantou-se às 5h30m da manhã para esperar o navio em que chegava o bispo. Tinha sonhado que atravessava um bosque de grandes figueiras onde caía uma chuva branda, e por um instante foi feliz no sonho, mas ao acordar sentiu-se completamente salpicado de cagada de pássaros. “Sempre sonhava com árvores”, disse-me sua mãe 27 anos depois, evocando os pormenores daquela segunda-feira ingrata. Elementos da narrativa - Enredo Nó (conflito, problema) Clímax Desfecho (resolução) Elementos da narrativa - Enredo Diegese é a sucessão de ações e acontecimentos de uma narrativa de ficção ou mesmo um simples fato. É construída obedecendo às leis da causalidade e temporalidade, isto é, cada fato da história tem uma causa que desencadeia novos fatos, em termos práticos, um fato anterior causa o que vem depois. Há obras que fogem à essa regra, como as que carregam traços do fantástico Elementos da narrativa - Enredo Sem o conflito não há história. E mesmo que houvesse uma história, sem conflito, não despertaria interesse nenhum. O conflito possibilita ao leitor criar expectativa frente aos fatos do enredo. Há várias possibilidades de conflito. Indivíduo x outro Indivíduo x si mesmo Indivíduo x pressões sociais Indivíduo x forças sobrenaturais Elementos da narrativa - Enredo O Enredo Clássico obedece a seguinte sequência lógica: 1. Apresentação, Introdução ou Exposição – É o começo da história, no qual apresenta(am)-se a(as) personagem(ns) e suas características, o espaço em que se movimenta(am), as relações que mantêm entre si e, às vezes, o tempo e o espaço (um homem caminha à noite por uma estrada escura). Enfim, situa o leitor diante da história queirá ler. 2. Complicação ou Desenvolvimento - Rompe-se o equilíbrio do estado inicial; surge(m) o(s) conflito(s) e começam a ocorrer os acontecimentos, as ações nos episódios, que, encadeados, conduzem a narrativa a um ponto máximo de tensão. Elementos da narrativa - Enredo 3. Clímax - O conflito chega ao seu ponto máximo de tensão, resultante da convergência dos vários conflitos vividos pelas personagens. O clímax é o ponto de referência para as outras partes do enredo, que existem em função dele. De modo geral o clímax situa-se próximo do fim e por vezes com ele identificado. 4. Desfecho, Desenlace ou Conclusão - Corresponde à situação final: a solução dos conflitos. Chega-se, como na situação inicial, a um novo equilíbrio. Há muitos tipos de desfecho: surpreendente, feliz, trágico, cômico etc. Elementos da narrativa Tema – Motivo – Motivação Tema – assunto central (pode variar de acordo com a interpretação) – deve ser definido de modo a abarcar os polos opostos que constituem o conflito dramático. Ex.: Amor/ciúme x Infidelidade/traição= crime passional ou infidelidade. Motivo – pequenos temas: velhice, jovialidade, amor, carinho, alegria, dor etc. – são subtemas ligados ao tema e vinculados ao desenvolvimento da história e conflito dramático. Motivação – conjunto de motivos essenciais (deixe-se à parte o que for acessório) que, articulados ao tema, caracterizam o modo como este é trabalhado ao longo da narrativa. Elementos da narrativa Mensagens e visões de mundo (Quais os problemas humanos, sociais, políticos ou religiosos que a obra apresenta? Como os resolve?) Função da literatura/objetivo da obra Diversão Denúncia social Mostrar o homem interiormente Poesia/estética Didatismo Elementos da narrativa Recursos Formais (partes, capítulos, parágrafos (se conto), estrofes e versos (se poema), distribuição, efeitos visuais, margens ou letras em destaque) De linguagem (linguagem figurada, regionalismos, neologismos, arcaísmos, estrangeirismos) De estilo do autor (modo de narrar, modo de descrever, modo de criar diálogos, coloquialismo, adjetivação, linguagem mais conotada ou denotada, construção de períodos, particularidades do autor – como a pontuação e estruturação de parágrafos de Saramago) De estilo de época (em que estilo de época se caracteriza a obra – Quinhentismo, Barroco, Arcadismo, Romantismo, Realismo [Impressionismo], Naturalismo, Parnasianismo, Simbolismo, pré-Modernismo, Modernismo, Geração de 30, Tropicalismo, Concretismo, etc.) Elementos da narrativa - Análise Teoria crítica que pode ser aplicada à obra Estruturalista, feminista, psicanalista, genética, sociológica, pós-estruturalista, desconstrucionista, pós-colonialista, materialista, etc. Opinião pessoal Leitura fácil ou hermética? Final fechado ou aberto? Etc. SECULAR – LUCI COLLIN O corpo era velho e nada que se pudesse fazer sobre isso. Mas o homem vinha. Às vezes cansados, rostos duros, olhar restos e sem- cerimônia. Não havia notícia de sorrisos genuínos. O ambiente abandonados perfumes cheiros daqueles que se esquece fácil. A parede pode ser pra sempre fria. Desconhecida ameaça, deixara o tempo sagrar sulcos e irrelevâncias, rezar nas conversações sem sentido. O corpo dela era velho e sequer pressentimentos. Olhava a pele sem adjetivos próprios não pensava em nada. O homem vinha. Às vezes diligentes, o esforço para tramar maravilhas. Havia notícia de espasmos. Para ela os ecos. Focalizava detalhes do quadro na parede um dia rosa. Nunca lhe pediram troco. Acariciava a pele descrente. [...] O que sabe sobre si: vende fatias. E nada que pudesse pensar sobre isto, mover pedras, rolar pedras, esquecidos constrangimentos postos no fundo de um rio. Vende às vezes traças quase invisíveis aderem criteriosamente aos corpos que ali se deitam. Leito. O corpo dela era único e frestas sem filosofia. Ciência de desconsiderar o tangente e o irregressível. Olhos alheios e nada a falar sobre isso. Nenhum registro de paixões impagáveis no passado, nenhum bilhete desdizendo amores. Apenas assistia à flexão dos verbos. Corpo ser todo dia. Era pública. Manejando a faca silenciosa o enredo leiloava retalhos fantasiados de delícia. Sábia pantomima. O homem vinha. Desfiavam asperezas, frases mal-ajambradas. Mas não se sabe de vezes em que se tenha pensado em esquivas. Acariciava peles fossem cavalos bicho qualquer eram sempre um. O corpo envelhecera e ela pensou no preço. Talvez existissem mesmo pressa e o tempo inextenso. [...] A alvorada é sempre na mesma janela. Agora pensou no vinho que envelhece. É sempre solitário o que existe dentro dela. É sempre desacompanhada a certeza de que às vezes vira o que quer que fosse próximo e belo. Ensaio sobre tocar o sem cabimento. Desapego e tudo- nada. Mas o homem vinha. Esqueciam flores, frases sem sujeito ela pensou talvez em pedras. Não há notícia de pretéritos que ela se inaugurava toda vez que a porta abria. Vende o mesmo olhar insuspeito velho e escura escuridão fundo do rio. Vê as flores na colcha, vê as flores no azulejo, vê as flores sobre seu corpo. Pensa: um desses dias qualquer. Mas não hoje. O homem vinha. DESENREDO – GUIMARÃES ROSA Do narrador seus ouvintes: – Jó Joaquim, cliente, era quieto, respeitado, bom como o cheiro de cerveja. Tinha o para não ser célebre. Como elas quem pode, porém? Foi Adão dormir e Eva nascer. Chamando-se Livíria, Rivília ou Irlívia, a que, nesta observação, a Jó Joaquim apareceu. Antes bonita, olhos de viva mosca, morena mel e pão. Aliás, casada. Sorriram-se, viram-se. Era infinitamente maio e Jó Joaquim pegou o amor. Enfim, entenderam-se. Voando o mais em ímpeto de nau tangida a vela e vento. Mas tendo tudo de ser secreto, claro, coberto de sete capas. Porque o marido se fazia notório, na valentia com ciúme; e as aldeias são a alheia vigilância. Então ao rigor geral os dois se sujeitaram, conforme o clandestino amor em sua forma local, conforme o mundo é mundo. Todo abismo é navegável a barquinhos de papel. Não se via quando e como se viam. Jó Joaquim, além disso, existindo só retraído, minuciosamente. Esperar é reconhecer-se incompleto. Dependiam eles de enorme milagre. O inebriado engano. Até que – deu-se o desmastreio. O trágico não vem a conta-gotas. Apanhara o marido a mulher: com outro, um terceiro… Sem mais cá nem mais lá, mediante revólver, assustou-a e matou-o. Diz-se, também, que a ferira, leviano modo. Jó Joaquim, derrubadamente surpreso, no absurdo desistia de crer, e foi para o decúbito dorsal, por dores, frios, calores, quiçá lágrimas, devolvido ao barro, entre o inefável e o infando. Imaginara-a jamais a ter o pé em três estribos; chegou a maldizer de seus próprios e gratos abusufrutos. Reteve-se de vê-la. Proibia-se de ser pseudo personagem, em lance de tão vermelha e preta amplitude. Ela – longe – sempre ou ao máximo mais formosa, já sarada e sã. Ele exercitava-se a aguentar-se, nas defeituosas emoções. Enquanto, ora, as coisas amaduravam. Todo fim é impossível? Azarado fugitivo, e como à Providência praz, o marido faleceu, afogado ou de tifo. O tempo é engenhoso. Soube-o logo Jó Joaquim, em seu franciscanato, dolorido mas já medicado. Vai, pois, com a amada se encontrou -ela sutil como uma colher de chá, grude de engodos, o firme fascínio. Nela acreditou, num abrir e não fechar de ouvidos. Daí, de repente, casaram-se. Alegres, sim, para feliz escândalo popular, por que forma fosse. Mas. Sempre vem imprevisível o abominoso? Ou: os tempos se seguem e parafraseiam-se. Deu-se a entrada dos demônios. Da vez, Jó Joaquim foi quem a deparou, em péssima hora: traído e traidora. De amor não a matou, que não era para truz de tigre ou leão. Expulsou-a apenas, apostrofando-se, como inédito poeta e homem. E viajou a mulher, a desconhecido destino. Tudo aplaudiu e reprovou o povo, repartido. Pelo fato, Jó Joaquim sentiu-se histórico, quase criminoso, reincidente. Triste, pois que tão calado. Suas lágrimas corriam atrás dela, como formiguinhas brancas. Mas, no frágio da barca, de novo respeitado, quieto. Vá-se a camisa, que não o dela dentro. Era o seu um amor meditado, a prova de remorsos. Dedicou-se a endireitar-se. Mais. No decorrer e comenos, Jó Joaquim entrou sensível a aplicar-se, a progressivo, jeitoso afã. A bonança nada tem a ver com a tempestade. Crível? Sábio sempre foi Ulisses, que começou por se fazer de louco. Desejava ele, Jó Joaquim, a felicidade – ideia inata. Entregou-se a remir, redimir a mulher, à conte inteira. Incrível? É de notar que o ar vem do ar. De sofrer e amar, a gente não se desafaz. Ele queria os arquétipos, platonizava. Ela era um aroma. Nunca tivera ela amantes! Não um. Não dois. Disse-se e dizia isso Jó Joaquim. Reportava a lenda a embustes, falsas lérias escabrosas. Cumpria-lhe descaluniá-la, obrigava-se por tudo. Trouxe à boca-de- cena do mundo, de caso raso, o que fora tão claro como água suja. Demonstrando-o, amatemático, contrário ao público pensamento e àlógica, desde que Aristóteles a fundou. O que não era tão fácil como fritar almôndegas. Sem malícia, com paciência, sem insistência, principalmente. O ponto está em que o soube, de tal arte: por antipesquisas, acronologia miúda, conversinhas escudadas, remendados testemunhos. Jó Joaquim, genial, operava o passado – plástico e contraditório rascunho. Criava nova, transformada realidade, mais alta. Mais certa? Celebrava-a, ufanático, tendo-a por justa e averiguada, com convicção manifesta. Haja o absoluto amar – e qualquer causa se irrefuta. Pois produziu efeito. Surtiu bem. Sumiram-se os pontos das reticências, o tempo secou o assunto. Total o transato desmanchava- se, a anterior evidência e seu nevoeiro. O real e válido, na árvore, é a reta que vai para cima. Todos já acreditavam. Jó Joaquim primeiro que todos. Mesmo a mulher, até, por fim. Chegou-lhe lá a notícia, onde se achava, em ignota, defendida, perfeita distância. Soube-se nua e pura. Veio sem culpa. Voltou, com dengos e fofos de bandeira ao vento. Três vezes passa perto da gente a felicidade. Jó Joaquim e Vilíria retomaram-se, e conviveram, convolados, o verdadeiro e melhor de sua útil vida. E pôs-se a fábula em ata.
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