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Neurofisiologia da Aprendizagem e Múltiplas Inteligências Professor Me. Frank Duarte Reitor Prof. Ms. Gilmar de Oliveira Diretor de Ensino Prof. Ms. Daniel de Lima Diretor Financeiro Prof. Eduardo Luiz Campano Santini Diretor Administrativo Prof. Ms. Renato Valença Correia Secretário Acadêmico Tiago Pereira da Silva Coord. de Ensino, Pesquisa e Extensão - CONPEX Prof. Dr. Hudson Sérgio de Souza Coordenação Adjunta de Ensino Profa. Dra. Nelma Sgarbosa Roman de Araújo Coordenação Adjunta de Pesquisa Prof. Dr. Flávio Ricardo Guilherme Coordenação Adjunta de Extensão Prof. Esp. Heider Jeferson Gonçalves Coordenador NEAD - Núcleo de Educação à Distância Prof. Me. Jorge Luiz Garcia Van Dal Web Designer Thiago Azenha Revisão Textual Kauê Berto Projeto Gráfico, Design e Diagramação André Dudatt 2021 by Editora Edufatecie Copyright do Texto C 2021 Os autores Copyright C Edição 2021 Editora Edufatecie O conteúdo dos artigos e seus dados em sua forma, correçao e confiabilidade são de responsabilidade exclusiva dos autores e não representam necessariamente a posição oficial da Editora Edufatecie. Permi- tidoo download da obra e o compartilhamento desde que sejam atribuídos créditos aos autores, mas sem a possibilidade de alterá-la de nenhuma forma ou utilizá-la para fins comerciais. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP D812n Duarte, Frank Neurofisiologia da aprendizagem e múltiplas inteligências / Frank Duarte. Paranavaí: EduFatecie, 2021. 82 p.: il. Color. 1. Educação. 2. Inteligências múltiplas. I. Centro Universitário UniFatecie. II. Núcleo de Educação a Distância. III Título. CDD : 23 ed. 370.152 Catalogação na publicação: Zineide Pereira dos Santos – CRB 9/1577 UNIFATECIE Unidade 1 Rua Getúlio Vargas, 333 Centro, Paranavaí, PR (44) 3045-9898 UNIFATECIE Unidade 2 Rua Cândido Bertier Fortes, 2178, Centro, Paranavaí, PR (44) 3045-9898 UNIFATECIE Unidade 3 Rodovia BR - 376, KM 102, nº 1000 - Chácara Jaraguá , Paranavaí, PR (44) 3045-9898 www.unifatecie.edu.br/site As imagens utilizadas neste livro foram obtidas a partir do site Shutterstock. AUTOR Professor Me. Frank Duarte ● Doutorando em Educação - UNR - Universidad Nacional de Rosário-AR ● Mestre em Educação -UDEL (Universidad Del Atlantico). ● Bacharel em Psicologia (Centro Universitário Fametro). ● Bacharel em Pedagogia (Centro universitário Integrado) ● Especialista em Neurociências da Educação (UNISA). ● Especialista em Neuropsicologia (Instituto Pedagógico Brasileiro). ● Especialista em Neuropsicopedagogia (UNIBF) ● Especialista em Neuromarketing (FACULMINAS) ● Especialista em Educação 5.0: Metodologias Inovadoras - Unifatecie. ● Professor (convidado) de Pós Graduação - UNICAMPO ● Professor Conteudista (UNIFATECIE). ● Coordenador Pedagógico e Neurocientista do CEPEN. ● Palestrantes e consultor; Experiência nas áreas da educação, gestão, neurociências e saúde mental. Autor de livros que versam sobre a educação, práticas pedagógicas, neuroeducação e metodolo- gias ativas. Um compartilhador de ideias e um eterno aprendiz. APRESENTAÇÃO DO MATERIAL Seja muito bem-vindo(a)! Atenção senhores(as) passageiros(as), sejam bem vindos a bordo do voo para o sucesso profissional. Nossas reflexões e construções teóricas e práticas, foram desenvolvi- das para levá-los a pensar e compreender a máquina mais potente já existente na história da humanidade: O cérebro humano. Os mitos, dúvidas e curiosidades, serão desvendadas nesta nossa viagem pelo mundo neural, e esperamos que estejam todos em segurança. Em caso de emergências, nossos tutores e toda a equipe estarão à sua disposição para melhor lhe auxiliar. Na unidade I iniciaremos nosso voo por meio das bases neurofisiológicas, para que possamos compreender todos os elementos que compõem o desenvolvimento neurológico humano, em especial a estrutura, função e importância dos neurônios e os neurotransmissores. Já na unidade II vamos ampliar nossos horizontes sobre os aspectos neurobiológi- cos da memória e a aprendizagem, identificando seus tipos e como ocorrem os mecanismos e dinâmicas cerebrais. Depois, nas unidades III e IV vamos pensar sobre a inteligência, seus conceitos e construtos teóricos, explorando as possibilidades de organizar a inteligência no campo organizacional, emocional e nas suas múltiplas facetas. E será na Unidade IV, que especifi- camente trataremos sobre as Múltiplas Inteligências de Gardner e quais os impactos delas no campo educacional. Aproveito para convidar você, para juntos, desvendarmos os mistérios que percor- rem o cérebro humano e suas influências no desenvolvimento humano, e na compreensão global dos nossos alunos. Muito obrigado e tenham todos uma ótima viagem! SUMÁRIO UNIDADE I ...................................................................................................... 3 Neurofisiologia UNIDADE II ................................................................................................... 21 Neurofisiologia da Aprendizagem e Memória UNIDADE III .................................................................................................. 39 Inteligências Múltiplas I UNIDADE IV .................................................................................................. 59 Inteligências Múltiplas II 3 Plano de Estudo: ● Introdução à neurofisiologia; ● Bases neurobiológicas gerais da neurofisiologia. Objetivos da Aprendizagem: ● Conceituar e contextualizar o funcionamento neurofisiológicos e suas bases neurológicas; ● Compreender como ocorrem os processos psicológicos da memória e aprendizagem; ● Alavancar as contribuições da Teoria das Inteligências Múltiplas no processo educacional. UNIDADE I Neurofisiologia Professor Me. Frank Duarte 4UNIDADE I Neurofisiologia INTRODUÇÃO Você já parou para pensar quantos pensamentos passam pela sua cabeça por dia? Quantas decisões tomamos e os inúmeros comportamentos, sensações e emoções? Seu telefone toca, você atende. Do outro lado da linha alguém diz que você recebeu um prêmio e que precisa comparecer na loja para retirar. Neste momento você dá um grito de felicidade, chama todos da casa e conta o que aconteceu. A felicidade toda conta e vocês vão buscar o prêmio. Uma situação simples desta, é uma espécie de pintura da ação do sistema nervoso central, ou seja, nosso comportamento é uma ilustração do que ocorre dentro do nosso cérebro. Quando vemos alguém feliz, (a pintura), não conseguimos dar conta de perceber o que ocorre no nosso corpo para que o resultado seja este. Reações químicas transmissões sinápticas, conexões neurais, descargas de neurotransmissores, ativamento de áreas do cérebro, liberação de hormônios e respostas fisiológicas, são apenas alguns dos fenôme- nos que acontecem no corpo humano, e todos eles advindo do cérebro. Agora imagine. Como pensar no desenvolvimento humano e no cenário educacional, sem compreender este funcionamento interno, suas consequências e desdobramentos? O processo educacional se fundamenta nessa capacidade de evolução e especialização contínua do sistema nervoso, sistema este que apreende o todo dá significado ao mundo e o transforma através de suas ações, de seu comportamento. Como o cérebro funciona? É exatamente isso que vamos conhecer nesta unidade. 5UNIDADE I Neurofisiologia 1. INTRODUÇÃO À NEUROFISIOLOGIA 1.1 Fundamentos da neurofisiologia O sistema nervoso é o que nos permite perceber e interagir com o nosso ambiente, promovendo a relação de afetar e ser afetado, por tudo que está à nossa volta, utilizando-se dos nossos órgãos de sentido: visão, audição, gustação, tato olfato. Todas as informações que são capturadas por estes sensores, são enviadas ao cérebro, decodificados, compreen- didos o que configura numa liberaçãode neurotransmissores e causam reações fisiológicas, resultando em comportamentos e emoções. (RADANOVIC,KATO-NARITA, 2016) Por isso que uma simples cena de um filme, tem a capacidade de nos fazer rir ou chorar. Todas as emoções, sensações e sentimentos são de responsabilidade no nosso sistema nervoso. E desmembrar cada etapa e compreender cada mecanismo cerebral, conhecendo como ele interfere nos outros elementos, é a função da neurofisiologia, que “é o ramo da neurologia que estuda este sistema do qual estamos conversando desde o cérebro, medula, passando pelas suas raízes, nervos e músculos, por isso sua atuação é de especialidade de um profissional formado em Medicina, sendo já discutido no campo da interdisciplinaridade. A Neurofisiologia estuda os movimentos de íons através de uma membrana, po- dendo iniciar a transdução de sinal e a geração de potenciais de ação, incluindo o estudo dos neurotransmissores. Contudo, vamos aprender qual o impacto e as contribuições da neurofisiologia na estrutura do sistema e no nosso comportamento. (BEAR; BW, 2017) 6UNIDADE I Neurofisiologia A) Sistema Nervoso O Sistema Nervoso Central é o tecido nervoso que envolve a caixa craniana e a coluna vertebral, reconhecidos como cérebro e medula espinal, este tecido está na área externa dos ossos, que são nervos cranianos, os nervos espinhais e nervos dos órgãos sensoriais. (HALL, 2017). Possui dois outros sistemas distintos, sendo o Sistema Nervoso Somático (SNS) ao qual recebe informações sensoriais músculos e da pele que envia mensagem aos músculos esqueléticos e o outro o Sistema Nervoso Autônomo (SNA), que envolve os órgãos e glândulas do corpo. O SNA tem duas ramificações: I) sistema Nervoso Simpático, responsável pela excitação do corpo por meio do aumento da frequência cardíaca, onde libera a adrenalina e suprime o sistema digestivo (consome energia); II) Sistema Nervoso Parassimpático, no qual tem a função de diminuir a frequência cardíaca e facilita a atividade do sistema digestivo (reserva energia). (CARDINALI, 1992). Conforme Cosenza (2011), o sistema nervoso forma-se entre a terceira e a quarta semana de fecundação, dando origem ao primeiro sistema do corpo humano. Embora seja o amadurecimento dos neurônios que promovam a formação de sinapses (conexões entre os neurônios), o recém-nascido é pobre em sinapses, no entanto, o cérebro infantil possui uma quantidade exagerada de sinapses que continua aumentando até o início da adoles- cência. É aqui que se iniciam os processos diminutivos das conexões com a finalidade de reorganizar a estrutura cerebral, já que a capacidade de aprender está relacionada à quantidade de sinapses. Neste momento ocorre um processo denominado de sinaptogênese, o que hoje sabemos sobre este fenômeno, está relacionado às pesquisas com macacos, sugerindo sua grande importância nos três primeiros anos de vida, quando ocorre a poda neural. As mudanças estruturais, chamadas de períodos críticos, incluindo a sinaptogênese e a poda neuronal, são eventos relevantes na educação, considerando que uma vez perdida a chance de atuar nos períodos críticos, não haveria como ocorrer o aprendizado. O encéfalo humano, ou cérebro propriamente dito, está localizado envolto de uma estrutura de ossos (interior do crânio), o qual é protegido por um conjunto de três membranas, que são as meninges. Ele é constituído por células neurais conhecidas como neurônios, que possuem um corpo celular, composto de núcleo (onde está o DNA) e da maior parte do citoplasma.(BEAR; BW, 2017) Esta célula possui grandes prolongamentos, chamados de dendritos, que são áreas receptoras de estímulos, e o axônio, por onde o impulso nervoso é propagado para longe do corpo celular. Os corpos celulares estão localizados em áreas restritas do sistema nervoso central (encéfalo e medula espinhal) e dos gânglios, enquanto os seus prolongamentos se distribuem por todo o corpo em feixes chamados nervos, o que constituem o sistema nervoso periférico. 7UNIDADE I Neurofisiologia FIGURA 01 - SISTEMA NERVOSO HUMANO O sistema nervoso central é constituído pela medula espinhal e pelo encéfalo, o qual se situa dentro da caixa craniana, enquanto a medula espinhal percorre o canal medular da coluna vertebral. Olhando no percurso do final de medula para o crânio, o encéfalo se inicia por um conjunto de estruturas antigas que já existiam nos vertebrados mais primitivos, o chamado tronco cerebral (composto de bulbo, ponte e mesencéfalo) e o cerebelo que se aloja “a cavaleiro” sobre o tronco cerebral. O tronco cerebral se liga diretamente à medula espinhal e, por meio dessa, exerce efeitos fundamentais no controle de muitas de nossas funções internas básicas como a regulação da respiração, da pressão arterial, do funcio- namento cardíaco e da digestão. (HALL, 2017). O cerebelo, por outro lado, é fundamental na regulação de nossos movimentos externos, garantindo a sua coordenação e o nosso equilíbrio postural. 8UNIDADE I Neurofisiologia B) Neurônios Como todo o corpo humano que é constituído de células, o cérebro também possui seu repertório, sendo as células nervosas chamadas de neurônios e as de suporte deno- minadas células da glia. Acredita-se que cada cérebro possui aproximadamente 86 bilhões de neurônios e mais de 20 milhões de neurônios na célula espinal. Já o número das células glias chegam a 84 bilhões.(LENT, et al. 2012.). Estas células têm uma função extremamente importante na função do cérebro, pois se comunicam e fazem uma transmissão de dados entre elas, o que resulta na propagação e manutenção de informações que servirão de base para o funcionamento da aprendizagem e da memória. Considera-se que todo neurônio possui em miniatura a capacidade integradora de todo o sistema nervoso, podendo transformar a informação e transmiti-la a outros neurônios. O centro do neurônio é chamado de corpo celular (ou soma ou pericário). Dentro do corpo celular tem um núcleo, e dentro do núcleo tem um nucléolo. O núcleo é grande e torna o neurônio claramente distinto de outras células do SN. (BEAR; BW, 2017). Estas conexões são chamadas de sinapses estima-se que ocorram no mínimo 100 trilhões de conexões neurais em um adulto, ocorrendo por meio de sinais elétricos, na qual estes impulsos nervosos direcionam ao longo de grandes distâncias em milésimos de segundos, percorrendo entre o SNC, SNP e SN. São tantas conexões que Gerald Edelman, um neurobiólogo vencedor do Prêmio Nobel, estimou que levaria 32 milhões de anos para contar o número de sinapses no Sistema Nervoso Central. Para que possam manter-se unidos os neurônios, o próprio cérebro conta com a células de suporte (células da glia), que atendem às necessidades dos neurônios para que se mantenham promovendo a sinapses, o que requer que se tenha as mesmas quantidades de neurônios e células gliais. (COSENZA, 2011). Durante muito tempo acreditou-se que nós humanos ao nascermos já possuíamos uma quantidade determinada de neurônios e que ao longo da vida perdiam-se, chegando à velhice com uma perda considerável, o que justificava as demências, ou como eram chamados a “caduquice”. Atualmente sabe-se que as células neurais são produzidas ao longo de todo o desenvolvimento humano, tendo picos em faixas etárias e declínios em momentos específi- cos, o que justificam e nos permite compreender as demências que vem com a idade, como o caso da senescência e as degenerativas como o Alzheimer. 9UNIDADE I Neurofisiologia Ao contrário de outras células do corpo, eles não podem ser “regenerados” após seu tempo de vida útil, hoje com os achados da neurobiologia é possível pensar a reprogra- mação cerebral por meio da neuroplasticidade. Não obstante, como todo sistema funcional, para que novas conexões sejam possíveis com novos neurônios, é necessário que se tenha a finitude de conexões e neurônios desgastados.(CARDINALLI, 1992). Na imagem a seguir é possível compreendercomo é a estrutura anatômica de um neurônio e ilustrar como funcionam suas partes. Para atender a essas tarefas, o neurônio é assim organizado: (I) um segmento receptivo (dendritos e corpo celular); (II) um seg- mento condutor (axônio); e (III) um segmento efetor (sinapse). (KANDEL et al., 2014). (I) Segmento receptivo: Normalmente, existem vários dendritos que se estendem a partir do corpo celular, mas apenas um axônio. Os dendritos podem se ramificar para formar uma massa de processos dendríticos. Isso é vantajoso, porque o papel dos dendri- tos é receber sinais de outros neurônios. Os dendritos também podem ter neles pequenos espigões ou espinhas, que aumentam sua área de superfície e, portanto, permitem que mais informações sejam recebidas. (II) Segmento condutor: O axônio é responsável por levar o impulso nervoso a outros neurônios. Os axônios podem ser curtos ou muito longos (o mais longo é pouco mais de 1 m). A vantagem de ter axônios de diferentes comprimentos é que permite que eles se comuniquem com neurônios que estão muito distantes ou muito próximos do axônio (KAN- DEL, 2014). O axônio deixa o corpo celular em um ponto chamado de Cone de implantação ou o segmento inicial ou zona de disparo. No final do axônio há um ligeiro alargamento semelhante a um botão chamado terminal axonal. (III) Segmento efetor: Isso também tem vários nomes, incluindo botão terminal ou botão sináptico. O terminal axonal normalmente é encontrado perto do neurônio que recebe a mensagem do axônio. FIGURA 02 - ESTRUTURA E COMUNICAÇÃO DOS NEURÔNIOS 10UNIDADE I Neurofisiologia A comunicação sináptica ocorre por meio da liberação de substâncias químicas conhecidas como neurotransmissores que são liberados através de impulsos nervosos, no espaço conhecido como fenda sináptica. O neurônio é cercado por fluido extracelular, assim chamado porque existe fora da célula (este também é conhecido como fluido intersticial). O fluido dentro da célula é chamado de fluido intracelular. Vários processos se estendem a partir do corpo celular que recebe ou envia sinais elétricos. Estes são chamados de dendritos e axônios (HALL, 2017). O ponto de contato entre o botão do terminal e o outro neurônio é chamado de si- napse. É aqui que a informação é enviada de um neurônio para outro. No SNP, os botões terminais podem formar sinapses com células musculares (OLIVEIRA; LENT, 2018). A comu- nicação na sinapse é possível graças à liberação de substâncias químicas conhecidas como neurotransmissores. Estes são armazenados nas vesículas sinápticas do botão do terminal. C) A Mielinização Constantes processos estão presentes no funcionamento cerebral, no entanto o axônio é um dos processos mais importantes da célula, estando envolvo de uma membrana axonal. Normalmente estão cercados de uma bainha de mielina, que é composto por várias camadas de gordura (lipídios), cerca de 80% e 20% de proteínas que formam a mielina, no qual tem a função de “isolar” os axônios do que está a sua volta. O distanciamento permite reduzir a perda do fluxo de corrente do axônio para o fluido circundante, além de ajudar a condução rápida de impulsos nervosos.(KANDEL, 2014) Quanto maior a espessura da bainha, mais ligeiro é a velocidade da condução do sinal, desta forma pode-se ter axônios mielinizados (cobertos) e não mielinizados (não co- bertos). No caso de patologias que envolvem o sistema nervoso, como esclerose múltipla ou esclerose lateral amiotrófica os axônios sobre a desmielinização da bainha, promovendo o retardamento considerável da condução do sinal ou interrompê-lo por completo. (HALL, 2017) A bainha de mielina tem formato cilíndrico o que produz uma aparência esbran- quiçada, por conta do teor de gordura, produzida por um tipo específico de célula da glia chamada de oligodendrócito. A mielinização inicia desde o nascimento e continua até a idade de dois anos, potencialmente terminando durante a adolescência ou a idade adulta. (OLIVEIRA; LENT, 2018) D) Como os neurônios se comunicam Os neurônios se comunicam entre si, enviando impulsos elétricos chamados poten- ciais de ação, que refere-se à fonte de atividades elétrica- o método de comunicação dos neurônios é, portanto, elétrico. Esta comunicação depende da excitabilidade do neurônio – sua capacidade de reagir a um estímulo de uma descarga elétrica (ou corrente ou impulso – todas essas palavras se referem à mesma coisa).(COSENZA, 2011). 11UNIDADE I Neurofisiologia O potencial de ação é produzido por partículas carregadas chamadas íons, que pas- sam através da membrana celular. O líquido extracelular e intracelular contém íons que são carregados positivamente (cátions) ou carregados negativamente (ânions). A frase familiar “os opostos se atraem”, tem sua origem na química eletrolítica, por que enquanto os íons car- regados de forma semelhante se repelem, os íons carregados de forma diferente se atraem. A força produzida por essa repulsão e atração é chamada de pressão eletrostática. Existem muitos íons diferentes distribuídos de forma desigual dentro e fora da membrana celular (intracelular e extracelularmente). É essa distribuição que dá à membrana. A mem- brana possui uma carga elétrica, pois existem íons positivos e negativos dentro e fora da membrana celular (FUJITA, 1988, apud OLIVEIRA; LENT, 2018). Partindo do preconceito social em relação à quem é de humanas ou de exatas, geral- mente os que buscam o campo da educação, com exceção das áreas de matemática, física e química, os demais fogem forte de cálculos. Pois bem! Já pensou que na pós graduação, reencontraria o terror do ensino médio, os benditos elementos químicos da tabela periódica. A membrana é seletivamente permeável aos íons, ou seja, permite apenas certos íons. Talvez os íons mais significativos sejam Na (sódio), K+ (potássio), Ca²+ (cálcio) e Cl- (cloreto).Os íons de potássio, sódio e cloreto são encontrados em fluidos extracelulares e intracelulares, embora haja mais potássio no fluido intracelular e mais sódio e cloreto no fluido extracelular. O cloreto é o ânion extracelular mais proeminente. Os tipos de abertura dos canais iônicos que são controlados por neurotransmissores são chamados de trans- missores ou ligantes (OLIVEIRA; LENT, 2018). FIGURA 03 - POTENCIAL DE AÇÃO 12UNIDADE I Neurofisiologia Alguns canais são regulados pela magnitude do potencial de membrana. Esses canais são chamados de canais iônicos sensíveis à voltagem ou voltagem-dependentes, e são estes que são responsáveis por produzir o potencial de ação. A permeabilidade da membrana, isto é, a capacidade de permitir que o potássio entra ou sai, depende não só de quantos canais existem, de como eles não são distribuídos e de quanto eles abrem, mas também do gradiente de concentração do íon. Quanto mais concentrado for, maior o fluxo de íons (RADANOVIC; KATO-NARITA, 2016 ). E) Células gliais – célula da glia Embora elas não colem estritamente partes do sistema nervoso em conjunto, as células gliais ou de suporte ajudam a ligar neurônios e seus processos juntos. Embora cerca de 50 por cento das células do cérebro sejam células gliais, até recentemente foram pensadas para desempenhar funções bastante secundárias, como atender às necessida- des dos neurônios. No entanto, agora parece que as células gliais podem determinar o número de sinapses geradas no cérebro (HERCULANO-HOUZEL, 2014). A descoberta seguiu outro achado extraordinário: as sinapses de neurônios cresci- dos com astrócitos – um tipo de célula glial – eram dez vezes mais ativas que as cultivadas sem astrócitos. A mera proximidade das células gliais aos neurônios torna os neurônios mais sensíveis. Os neurônios expostos a células gliais podem formar sete vezes mais sinapses que aqueles que não estão expostos. Abaixo compreenderemos os três tipos de células gliais, suas funções distintas e a estrutura: TABELA 01 - TIPOS DE CÉLULA GLIA E SUAS FUNÇÕES CÉLULAS GLIAS FUNÇÕES ESTRUTURAS Astrócitos(astróglia) São responsáveis pela fagocitose, o processo pelo qual as células mortas são engolidas e digeridas. Eles também produzem tecido cicatricial quando o SNC está danificado ou ferido. Possuem capilar, pé, astrócito fibroso e nodos de Ranvier. Oligodendrócitos (oligodendróglia) Suporta o SNC, e tem como principal função produzir a mielina. Encontra-se muito perto do corpo celular, o que se denomina de células satélite. Microglias Possui propriedades fagocíticas e é pensado que é ativado em resposta a algum dano ao cérebro, como inflamação, tumor ou infecção. Destroem materiais invasores, removem material perigoso e promovem o reparo de tecidos ao secretar o fator de crescimento. Seu tamanho pequeno as torna difíceis de identificar; parecem não ter características estruturais muito claras. Célula de Schwann Dá suporte ao SNP ao isolar os processos do sistema. Orientam de forma física aos axônios que estão brotando ou que foram danificados. Alguns estão mielinizados e outros não, estas últimas são chamadas de Schwann terminais. Fonte: KRUSZIELSKI, 2019 (adaptado). 13UNIDADE I Neurofisiologia 2. BASES NEUROBIOLÓGICAS GERAIS DA NEUROFISIOLOGIA Aqui discutiremos sobre as bases neurobiológicas de como o cérebro interpreta, compreende e apreende as informações dos contextos vivenciados. Todo aprendizado de- pende de uma série de mecanismos que o cérebro se desdobra para fazer, com o objetivo de dar sentido e clareza aos estímulos, resultando na assimilação e no comportamento, como forma de interação com o meio. Como já dissemos, nosso corpo de organiza partir do Sistema Nervoso Central (SNC) e o Sistema Nervoso Periférico (SNP), sendo o primeiro responsável por receber e enviar impulsos elétricos, formado pelo encéfalo e medula espinhal, e o segundo, por sua vez, composto por nervos e gânglios (JUNQUEIRA, CARNEIRO, 2014). O SNC pode ser compreendido por meio de quatro lóbulos: Frontal (funções executivas), Temporal (linguagem e comunicação), Parietal (memória) e Occipital (visão). Esse conglomerado de estruturas e perspectivas sobre o mesmo objeto corrobora a complexidade da dinâmica cerebral, consi- derando o fluxo desde a percepção do estímulo até a resposta por meio de comportamento. Cosenza (2011), nos apresenta como funcionam estes fluxos e suas etapas: a) O primeiro passo, ocorre nos nossos órgãos de sentido, que percebem a informa- ção e impulsos elétricos são enviados para o cérebro, sendo recebido pelo SNC; 14UNIDADE I Neurofisiologia b) No momento seguinte as regiões da comunicação, farão o processamento e identificação do estímulo/objeto, e ao mesmo tempo, buscará na memória os sentimentos e emoções; c) Na sequência os impulsos recebidos no cérebro, em conjunto com a memó- ria, produzem hormônios e ativam os neurotransmissores, de acordo com o armazenamento. Se for algo positivo, reações positivas, memórias negativas, pensamentos negativos; d) Na quarta etapa deste fluxo, os pensamentos são gerados e direcionados para uma resposta em relação ao estímulo recebido, desta forma impulsos elétricos são disparados e comandam as áreas do cérebro responsável pelas emoções; e) E por último, ao ativar as emoções, os hormônios provocam no corpo as respos- tas, podendo ser: comportamentais, fisiológicas ou emocionais. Todo este processo que ocorre dentro do cérebro depende de ações fisiológicas do organismo, a fim de conseguir atingir o ápice do funcionamento neurobiológico, que é promover as reações e a comunicação de várias estruturas do cérebro. Todo processo de aprendizagem para o cérebro é pautado em volta das emoções, o que auxilia em especial no processo de aprendizagem. Mas que áreas estão envolvidas neste fluxo? Vamos descobrir agora. FIGURA 04 - ESTRUTURAS CEREBRAIS DO PROCESSO DE APRENDER 15UNIDADE I Neurofisiologia O sistema límbico, está constituído por um conjunto de estruturas responsáveis pelas funções emotivas, pois nele existem áreas que estão diretamente ligadas às relações da felicidade, por exemplo, bem como: Hipocampo (memórias), Amígdala (emoções), Hipo- tálamo (Equilíbrio químico do corpo) e etc. Ele é composto por Hipotálamo, Base da Glia, Tálamo, Amígdala e Hipocampo; destes nosso foco de aprofundamento será a amígdala, que é considerada a sede das emoções (FUENTES et al, 2008). Sabe-se que a amígdala está relacionada com o registro na memória de situações aversivas. Nesta esteira, podemos argumentar, com Albuquerque e Silva (2009, p. 1, apud KENDALL 2012, p. 48) que a amígdala: a[...] seria o local dos processos plásticos envolvidos na aquisição e consoli- dação de informações de conteúdo aversivo e que essa estrutura modularia os processos de aquisição e consolidação que ocorreriam em outras estru- turas. Em síntese, mesmo que vários estudos apontem que ela é a peça fundamental para a formação de memórias, deve-se enaltecer o importante papel na emoção propria- mente dita, tanto no reconhecimento, quanto nas expressões fisiológicas das respostas emocionais. 2.1 Neurotransmissores Já conhecemos as estruturas, os processos fisiológicos, recordamos até de ele- mentos da tabela periódica. No entanto, ainda temos alguns conhecimentos de reações químicas, que precisamos discorrer, embora não consigamos ver suas ações, temos a grata felicidade de senti-las ao ponto de nos promover o bem estar ou potencializar o mal humor. Estamos falando dos neurotransmissores. (HALL, 2017) A maioria dos neurotransmissores mais proeminentes é baseada em proteínas. Os neurotransmissores podem ser constituídos por moléculas de proteínas pequenas ou grandes. Todos os neurotransmissores de pequenas moléculas, exceto a acetilcolina, são aminoácidos ou um tipo de aminoácido chamado amina. As moléculas maiores são constituídas por peptí- deos (proteínas que são constituídas por um pequeno número de aminoácidos). Os neurotransmissores são sintetizados no botão terminal por enzimas que viajam a partir do corpo celular, e são conhecidos como mensageiros químicos, são produtos químicos endógenos que permitem a neurotransmissão, sendo liberados nas vesículas sinápticas em sinapses na fenda sináptica, onde são recebidos por receptores de neuro- transmissores nas células-alvo. Eles desempenham um papel importante na formação da vida cotidiana e das funções. Seus números exatos são desconhecidos, mas mais de 100 mensageiros químicos foram identificados de maneira exclusiva. (CARDINALLI, 1992). 16UNIDADE I Neurofisiologia Existem muitas maneiras diferentes de classificar os neurotransmissores. Dividi-los em aminoácidos, péptidos e monoaminas é suficiente para alguns propósitos de classifica- ção. Vamos compreender um pouco mais sobre eles: I - ACETILCOLINA: A acetilcolina é um neurotransmissor de molécula pequena que é sintetizado pela ligação de colina à acetil coenzima Estes são encontrados principalmente no sistema motor, especialmente nos neurônios motores do tronco encefálico e da medula espinal que inervam os músculos do esqueleto. A química se liga aos receptores de acetilco- lina. Isso eventualmente produz um potencial de ação que resulta em contração muscular. Os receptores podem ser bloqueados, o que às vezes resulta em comprometimento motor. (STERNBERG, R.; STERNBERG, K., 2016 apud BEAR; BW, 2017). II - MONOAMINAS (AMINAS BIOGÊNICAS) Para a dopamina, existem os chama- dos receptores D1 e D2, que são diferentes em função e distribuição. A noradrenalina e a adrenalina possuem receptores alfa e beta, que às vezes produzem efeitos completamente diferentes. A serotonina possui vários tipos de receptores. Toda essa divergência de recep- tores significa que uma monoamina pode inibir e excitar, dependendo do tipo de receptor que contata (MACKAY, 2006, apud HALL, 2017). III - GLUTAMATO: O glutamato é um aminoácido excitatório e é servido por recep- tores ionotrópicos e metabotrópicos. Dentre os ionotrópicos,o ácido α-amino hidroxi metil isoxazol propiônico (AMPA) e o cainato são responsáveis pela despolarização rápida. Os neurônios pré-sinápticos contendo glutamato podem controlar a liberação do neurotrans- missor de locais de liberação específicos (RANG et al., 2016). Eles podem fazer isso através de auto receptores pré-sinápticos, que dão feedback sobre a ação do neurotransmissor previamente liberado. IV - ÁCIDO Y-AMINOBUTÍRICO: O ácido γ-aminobutírico (ou GABA) é o mais co- mum dos neurotransmissores do SNC de aminoácidos inibitórios. Este transmissor produz hiperpolarização abrindo canais de cloreto ou canais de potássio. O GABA tem dois tipos de receptor: GABAA e GABAB. O receptor A é responsável pela inibição présináptica e medeia a permeabilidade da membrana ao cloreto; O receptor B medeia a permeabilidade ao potássio. Drogas como benzodiazepinas e barbitúricos (os chamados medicamentos antiansiedade) se ligam a esses locais receptores e aumentam os efeitos do GABA, seja aumentando a frequência de abertura dos canais de cloreto ou prolongando essa abertura quando ocorre (HALL, 2017). 17UNIDADE I Neurofisiologia V - GLICINA: A glicina é outro neurotransmissor inibitório encontrado no tronco ence- fálico e nos interneurônios da medula espinal. Sua principal função parece ser a inibição dos neurônios motores: por exemplo, o bloqueador dos receptores de glicina, a estricnina, causa espasmos musculares (BEAR; CONNORS; PARADISO, 2010 apud BEAR; BW, 2017). Os neurotransmissores desempenham funções diversas e contundentes para o de- senvolvimento de áreas do corpo, além de fomentar a produção de outra substâncias como os hormônios que tem características específicas, como é o caso do cortisol, serotonina, noradopamina, adrenalina entre outros que veremos na próxima unidade. SAIBA MAIS Embora os neurotransmissores desempenham um papel muito importante, em algumas pessoas eles podem apresentar algum déficit na produção, desta forma, é necessário a busca por um profissional especializado da medicina, a fim de prescrever medicamentos que possam auxiliar na produção. Podem ser os medicamentos conhecidos como psico- trópicos ou os benzodiazepínicos. Fonte: RANG, H. P. [et. al.]. Farmacologia. [Tradução Gea Consultoría Editorial]. - 8. ed. - Rio de Janeiro : Elsevier, 2016 REFLITA “A neuro é uma arte; e para realizá-la como arte, requer um cuidado tão primoroso como a obra de um pintor ou escultor. Mas o que é lidar com a tela morta ou o frio mármore comparado ao tratar do corpo vivo? A neuro é arte, e eu quase diria, a mais belas de todas” Fonte: Parafraseando, Florence Nightingale. 18UNIDADE I Neurofisiologia CONSIDERAÇÕES FINAIS E agora? Está mais claro como funciona esta máquina de produzir pensamentos? Fascinante entender as especificidades do sistema nervoso não é mesmo. A compreensão do sistema nervoso central e as estruturas que fazem parte nos permite descortinar hori- zontes a respeito do funcionamento cerebral. Conhecer os neurônios as trocar e reações químicas que ocorrem, nos permite pensar o humanos como um ser dotado de complexidades acima de tudo, no entanto, com particularidades e subjetividades que podem ser explicadas pelo olhar na neurofisiologia do corpo humano. Nesta unidade pode-se ter contato com informações valiosas e enriquecedoras sob o ponto de vista fisiológico do cérebro, o que é ponto de partida para todos os nossos comportamentos, sentimentos, emoções e formas de interagir com o meio que nos cerca. Foi possível construir um alicerce para aqueles que desejam enveredar pelo campo da educação ou aos que já estão neste contexto, a fim de promover as reflexões acerca das possibilidades e dos limites de cada sujeito, identificando que toda pintura ou ilustração, existe uma mágica que acontece por detrás da tela. 19UNIDADE I Neurofisiologia LEITURA COMPLEMENTAR Quantas vezes você já pensou nas emergências existentes no campo educacional? Das mudanças e transformações que se tornam cada dia mais frequentes na aprendiza- gem? O professor Milton Antonio Zaro, neurocientista, faz algumas reflexões no seu artigo, com o título: Emergência da Neuroeducação onde trata de novos paradigmas na pesquisa educacional e traça um paralelo à neurociências o qual prevê a integração dos achados de pesquisas das Neurociências às necessidades de identificação das melhores formas de ensinar, para potencializar os resultados do aprendizado. O fundamento desta nova área interdisciplinar de estudo é prover caráter científico à pesquisa educacional, estabelecendo um framework teórico e metodológico para que possam ser testadas as melhores práticas pedagógicas. Além disso, contextualiza ideias e produções, com este enfoque, realizadas nos últimos anos, por um grupo de pesquisadores ligados à Universidade Federal do Rio Grande do Sul e outras instituições da região e sugere que esta nova área possa também balizar o desenvolvimento e a pesquisa sobre o uso de produtos educacionais, em especial aqueles que se utilizam das tecnologias computadorizadas, como a multimídia, os vídeos e os projetos integrados de múltiplos recursos e funções. Vale a pena conferir o artigo na íntegra. Segue referências e link para acesso. Fonte: ZARO, Milton Antonio et al . Emergência da Neuroeducação: a hora e a vez da neurociência para agregar valor à pesquisa educacional. Ciênc. cogn., Rio de Janeiro , v. 15, n. 1, p. 199-210, abr. 2010 . Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806=58212010000100016-&lng=pt&nrm- iso. Acesso em: 05 maio 2021. 20UNIDADE I Neurofisiologia MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: Neurociências e Educação: como o cérebro aprende Autor: CONSENZA, R. M.; GUERRA, L. B. Editora: ARTMED. Sinopse: O cérebro é responsável pela forma como processamos as informações, armazenamos o conhecimento e selecionamos nosso comportamento, dessa forma compreender seu funciona- mento, seu potencial e as melhores estratégias de favorecer seu pleno desenvolvimento é foco principal de estudo e trabalho tanto dos profissionais da saúde mental como da educação. FILME/VÍDEO Título: Fisiologia - Organização do SNC, Sinapses e Neurotrans- missores (Capítulo 46/45) PARTE 1 Ano: 2020. Sinopse: Esta vídeo-aula é um resumo do capítulo 46 da 13ª edição do livro Guyton & Hall e Fisiologia Humana, que equivale ao capítulo 45 da 12ª edição. O capítulo fala sobre a organização do Sistema Nervoso Central, mecanismo geral das sinapses e neurotransmissores. Algumas imagens foram retiradas do livro Silverthorn de Fisiologia Humana. Link: https://www.youtube.com/watch?v=BEJQaVMctOo 21 Plano de Estudo: ● Conceitos e definições das bases neurobiológicas da memória; ● Tipos de memória e demências; ● Campos de estudo do processo neurofisiológico da aprendizagem. Objetivos da Aprendizagem: ● Conceituar os processos da memória e aprendizagem; ● Compreender os tipos de aprendizagem, memória e o processo neurofisiológico; ● Estabelecer a importância da relação entre aprendizagem, memória e como o cérebro aprende. UNIDADE II Neurofisiologia da Aprendizagem e Memória Professor Me. Frank Duarte 22UNIDADE I Neurofisiologia 22UNIDADE II Neurofisiologia da Aprendizagem e Memória INTRODUÇÃO Por que lembramos de algumas coisas e outras não? Já parou para pensar quantas coisas temos contato ao longo de um dia inteiro, e que pouco conseguimos nos recordar no dia seguinte. Você que está estudando já deve ter passado por algum momento, em que leu, estudou, interpretou o texto, foi dormir e no dia seguinte não se recorda de muita coisa. Isso é quase que rotina para muitas pessoas que têm lapsos de memória ou falta de atenção, o que compromete o processo de aprendizagem e aquisição de novas informações. Desta forma, acabam por vivenciarem um constante ir e vir de informações, para que possam gravar e não esquecer mais, ou se debruçam horas estudandopara fazer uma prova. No entanto, isso não é algo apenas relacionado ao estudo, também é possível perceber pessoas com dificuldades de guardar informações que acabaram de ter acesso. Por exemplo, qual o nome completo desta disciplina? E desta unidade? Normalmente isso é resultado de interferências no processo de aprendizagem, onde o cérebro não consegue fazer o processo correto e armazenar o conhecimento. Já imaginou? Como se lembrar de algo que você ainda nem guardou? Vamos nesta unidade conhecer os processos neurofisiológicos da aprendizagem e da memória e compreender de fato, como o cérebro aprende. Bons estudos! 23UNIDADE I Neurofisiologia 23UNIDADE II Neurofisiologia da Aprendizagem e Memória 1. BASES NEUROFISIOLÓGICAS DA MEMÓRIA Alguns processos do cérebro são ainda misteriosos, mas os avanços neurocientí- ficos já nos possibilita compreender alguns fenômenos que colaboram para o desenvolvi- mento não só do sujeito, como da humanidade. O primeiro passo, já descrito, foi identificar e conseguir entender como se dão as conexões neurais e suas respectivas respostas ao comportamento, assim sendo, tem-se a magnífica condição de explicar como funcionam os processos da memória e da aprendizagem. Segundo Souza e Salgado (2015), a memória faz de nós aquilo que somos e o que ainda podemos vir a ser, ao passo que cada lembrança que é recordada ou esquecida faz com que nos tornemos únicos, pois mesmo que duas pessoas vivenciem uma mesma expe- riência ou situações, serão registradas recordações diferentes. Izquierdo (2011), reverbera afirmando que o conjunto de memórias nos faz únicos e influencia a personalidade, assim sendo, nenhuma pessoa é capaz de ser igual a outra, pois mesmos irmãos gemelares monozigóticos, se organizam em seres humanos distintos de acordo com as experiências de memórias que tiveram. Se pensarmos embrionariamente, os primeiros folhetos embrionários darão origem ao cérebro e das estruturas cerebrais o primogênito dará formato e vida à área específica da memória, que convergem o cérebro: amígdala, córtex órbito-frontal, hipocampo, hipo- tálamo, dentre outras Damásio (2011). Embora as informações sejam armazenadas em lugares distintos, há convergências para regiões específicas do cérebro. Essas regiões 24UNIDADE I Neurofisiologia 24UNIDADE II Neurofisiologia da Aprendizagem e Memória são utilizadas na formação e na evocação da memória (IZQUIERDO, 2011). Esta estrutura está localizada na parte no córtex parietal e temporal, na qual tem a função de decodificar e armazenar as informações, que se transformarão em conhecimento (COSENZA, 2015). Aproveito para apresentar uma diferenciação que fiz num livro intitulado “Aluno significado e professor significante” publicado em 2017, onde “informação é um conjunto de dados que armazenamos de forma provisória, e conhecimento é um conjunto de informações que armazenamos de forma permanente” (DUARTE, 2017, p.23). Esta especificação entre as diferenças é preponderante para estudarmos a me- mória e posteriormente o aprendizado. Pensemos… “Você sabe o que é um carapanã?” Se sim, ótimo. isso quer dizer que sua memória está perfeita. Se você não sabe, fique tranquilo, isso não é sinal de memória ruim, apenas sinal de que “carapanã”, não faz senti- do para você, exatamente por ser desconhecido. Assim funciona nossa memória, pois só é possível lembrar daquilo que um dia foi aprendido, ou seja, só encontramos nas caixinhas de lembranças, aquilo que um dia foi guardado. Mas o que isso tem a ver com os processos neurofisiológicos da memória? Pois bem, é o que vamos discutir agora! Antes vou contar uma experiência e tirar sua dúvida do que significa “carapanã”. Em 2008 tive o privilégio de morar no Amazonas, mais pre- cisamente na capital Manaus, e como vários sulistas conheciam o básico ensinado na escola sobre o Amazonas, na minha grande ignorância, pensava que só existia água, índio, mato e onça. No segundo final de semana que eu estava por lá, fomos conhecer um Hotel de Selva, lugar distante da área urbanizada e que explorava uma parte comercial da mata Amazônica. Ao chegar e adentrarmos nossos chalés, fomos advertidos sobre o seguinte aspec- to: “Cuidado! Lá pelas 17 horas é necessário vir aqui e fechar as janelas, senão o carapanã entra. “Disse num tom aterrorizador a nossa guia. Como ainda era cedo, o dia já não me desce tão lindamente, por que a minha única preocupação era ter cuidado com o bendito carapanã. Nem almocei direito e lá pelas 15h00, disfarçadamente fui para o chalé e com muito cuidado pé, por pé, fui fechando as janelas. Fui interrompido pela minha amiga que me perguntou o porquê daquilo e eu logo respondi: “- menina, você ouviu a guia dizer, tem que ter cuidado com o Carapanã!”, E ela num tom de deboche me disse: “ - você sabe o que é Carapana?”. Naquela hora não hesitei. “ - Não sei o que é não, mas pelo tamanho do nome CA-RA-PA-NÃ, deve comer a gente uma bocada só!”. Ela caiu na gargalhada e me disse: “-Deixa de ser besta, carapanã é o pernilongo, muriçoca.. é um mosquito”. Envergonhado, me senti aliviado e pude aproveitar melhor o local. 25UNIDADE I Neurofisiologia 25UNIDADE II Neurofisiologia da Aprendizagem e Memória Relato sempre este episódio, porque aqui além de medo, aventura e comédia, tem também muito dos aspectos neurofisiológicos da memória. Meu órgão de sentido ao cap- turar a informação auditiva da palavra CA-RA-PA-NÃ, enviou para minha área do cérebro chamada de Werneck, ao qual decodificou o fonema e enviou para minha base de dados hipocampo, que não identificou nenhuma informação exata ou similar. Assim, a busca fez algumas devolutivas, sendo uma delas a área de broca, com a seguinte mensagem “Não sabemos do que se trata”, e outra à amígdala “Perigo, perigo, fique atento” (o que me fez sentir medo), a mensagem enviada para área de broca, não me permitiu ter nenhuma reação à não ser o receio ou medo pelo desconhecido. A amígdala é, em geral, mencionada no contexto do aprendizado do medo ou de outras respostas emocionais negativas, mas ela também participa no processamento de memórias relativas a emoções positivas (LOM- BROSO, 2004). É exatamente assim que nos sentimos quando estamos lidando com algo que ainda não temos informações. A capacidade de gerar aprendizado ou não da informação dependerá das conexões da memória de trabalho com os demais sistemas mnemônicos, que são técnicas utilizadas no processo de memorização e podem ser mecanismos criados pelo próprio cérebro, que auxiliarão no resgate da informação (SOUZA, SALGADO, 2015). No entanto, ao receber a informação capturada pelo menos órgão de sentido (ouvido), o que era o carapanã, ocorreu o mesmo processo, só que desta vez ela foi acom- panhada de uma informação que eu já conhecia o pernilongo, e isso fez com que ao chegar no hipocampo, ele identificasse e sentisse mais aliviado, “ahhh sim, agora eu sei do que se trata” e a amígdala teve a sensação “última forma galera, tá tudo tranquilo, com um tapa já resolvemos o problema”. A Memória é compreendida como um sistema complexo e múltiplo combinado por arranjos de codificações ou subsistemas que permitem a armazenagem e a recuperação de informações no cérebro (SOUZA, SALGADO, 2015). E este processo de memória nos faz relembrar o conceito de Jean Piaget, quando pensamos na formação ou aquisição de linguagem ou novo conhecimento. O aprendizado e aquisição de memória por vezes podem ser considerados sinôni- mos, haja visto que só pode-se gravar aquilo que foi aprendido, ou seja, nada pode ser reconhecido ou recordado, sem antes ser percebido (BARTLETT, 1995). Tem-se a necessidade de ter uma base, ou seja, uma informação prévia, para que seja possível ancorar um novo conhecimento, e este conhecimento ficará armazenado a ponto de ser possível seu resgate sempre que necessário. Tudo aquilo que temos contato na vida não necessariamente se tornarámemória, mas se um dia ela se tornar, jamais será perdido, a não ser que seja vítima de Alzheimer. 26UNIDADE I Neurofisiologia 26UNIDADE II Neurofisiologia da Aprendizagem e Memória 2. DEMÊNCIAS E TIPOS DE MEMÓRIAS Esta se caracteriza por uma perda intensa de capacidade cognitiva, com diminuição de memória declarativa (isto é, aquela que os indivíduos podem “declarar” que existe e/ou reconhecem como memória) e dificuldades de comunicação, bem como sintomas psiquiá- tricos, como apatia, depressão e agitação/agressividade, estas últimas principalmente na fase inicial. (MARCO, ISQUIERDO, 2007). De que forma estas doenças neurológicas ou as demências advindas da idade, podem causar essa perda de memória? Os dados estão presentes em cada neurônios, eles são uma espécie de “pen drive”, que carregam estes dados, como já vimos no cérebro ocorre um fenômeno chamado de sinapse, que é quando um neurônio conversa com o outro. Ao fazer este contato, há uma transferência de dados, da mesma forma como se conectar o pen drive no computador, e assim essa informação é compartilhada. No entanto, cada neurônio não possui uma vida útil muito longa (LEIBING, 1997), o que faz com que se as conexões demorarem ou a vida útil dos neurônios diminuirem, corremos o risco de perder a informação. De forma geral quando há uma lentidão da transferência de informação (por conta da velhice, demências ou uso de medicamentos) ou quando sobrecarregamos os neurô- nios (uso de medicamentos que “aceleram” a memorização ou síndrome do pensamento acelerado) perde-se a capacidade de registro da informação. Este registro é o que me faz poder relembrar, ou vasculhar minhas caixinhas e encontrar aquilo que eu tinha guardado. Assim, o Alzheimer uma doença neurodegenerativa do Sistema Nervoso Central (MARI- 27UNIDADE I Neurofisiologia NHO, LAKS, ENGELHARDT, 1997), faz com que haja a perda de memória recente, por ter dificuldades de promover as conexões entre os neurônios e assim, aumentar a dificuldade de registrar os conteúdos trazidos pelos órgãos de sentido. É comum as pessoas acometidas desta demência apresentarem relatos de relem- brar momentos, episódios e fases da infância e não se recordar de detalhes do que comeu no café da manhã, se desligou o fogão, se fechou a porta ou desligou o chuveiro. A perda de memória curta, aquela que se destina a atividades rotineiras , sofre com o início da DA (IZQUIERDO, 2011). Sei que deve estar se perguntando: “Nossa, então eu tenho Alzheimer, vivo esquecen- do as coisas?!”. Calma. Esta doença é comum em pessoas com idade acima de 60 anos, que apresentam comprometimento em outros cenários da vida, bem como outras características, mas acabam afetando as conexões de neurônios alocadas na área do hipocampo. Segundo Marco e Izquierdo (2007), a proporção de indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos passou de 6% em 1975 para 7,9% em 2000, estimando-se que chegue a 15,4% em 2025. E se você tem menos de 60 anos e também apresenta estas dificuldades, ou já passou por situações de não se lembrar de onde estacionou o carro, não conseguir lembrar qual foi o caminho que fez, ou onde guardou o dinheiro? Tem uma situação que sempre acho hilário. Você está deitado na cama no seu quarto e sente sede, aí de repente se levanta vai até a cozinha, chega lá e se pergunta: “o que eu vim fazer aqui?” Parece que estou vendo você balançar a cabeça com sinal de sim, ou dizer a você mesmo, eu também já fiz isso. Acalmem os corações. Isso não é sinal de Alzheimer. Na nossa sociedade que vive a mil por horas, tentando fazer trilhões de coisas ao mesmo tempo, isso é apenas um sinal de que precisamos parar e prestar atenção no que estamos fazendo. Isso é problema no Registro da Informação. Segundo a Abneuro- Associação Brasileira de Neurologia, as pessoas precisam ficar atentas para a falta de atenção, que ocorre quando a informação não é armazenada, assim dois fatores que interferem são o estresse e a depressão. (ABNEURO, 2021). O dilema vivido por muitas pessoas que apresentam este problema para registrar a informação, pode ser causado por alguns fatores e o mais comum deles é a falta de atenção. Independentemente da idade, podemos ser vítimas do déficit de atenção momentânea, o que traz como resultado o não processamento da informação e como consequência a falha na comunicação das áreas cerebrais na hora de buscar a informação. A turbulência de coisas a serem feitas e a quantidade de informações que recebemos desde que acordamos até a hora que vamos dormir, faz com que tenhamos dificuldades de decodificar, ancorar e armazenar tudo isso, ao ponto de evocar quando for necessário. 28UNIDADE I Neurofisiologia 28UNIDADE II Neurofisiologia da Aprendizagem e Memória (FUENTES; MALLOY-DINIZ; CAMARGO; COSENZA, 2008). Se no caso que citamos sobre não se recordar da água, antes de sair do quarto, tivéssemos planejado o que iríamos fazer na cozinha, teríamos mais chance de relembrar, ou seja, o que faltou neste caso, foi registro da informação. O que mesmo que ocorreu se você ao ler isso não se recorda do “caso da agua”. Quer ver outro desafio? Sem retornar a leitura, qual é o nome do bicho que ficou com medo no Amazonas? Se você se recordou, é porque ele deixou de ser informação e se tornou conhecimento, mas não foi isso que ocorreu, lamento, amanhã já terá esquecido dele. Este aglomerado de conhecimento que existe no hipocampo, conhecido como memória, tem tipos diversos e durações diferentes também, de acordo com , as memó- rias podem ser divididas em dois gigantescos grupos: a) as declarativas (eventos, fatos, conhecimentos) localizado no lóbulo temporal e; b) as de procedimentos ou hábitos, que adquirimos e evocamos de maneira mais ou menos automática (andar de bicicleta, usar um teclado) que dependem basicamente de circuitos subcorticais que incluem o núcleo caudato e circuitos cerebelares (ISQUIERDO; FURINI, 2013). Abaixo podemos ver um diagrama que demonstra como se ramifica estes dois grupos. FIGURA 01 - TIPOS DE MEMÓRIAS Fonte: Strauss e colaboradores (2006) Memória declarativa é caracterizada pela capacidade de arquivamento e recu- peração consciente de informações relacionadas a experiências vividas ou informações adquiridas pelo indivíduo (ULLMAN, 2004 apud FUENTES, MALLOY-DINIZ, CONSENZA, 2008, p. 104). Ela envolve a memória dois subtipos, que são a episódica e semântica, a primeira está relacionada ao sistema de resgate de informações vivenciadas pelo sujeito (eventos pessoais, casamento, formaturas, término de relacionamento); e a segunda tam- bém envolve relações com percepção e ação, como por exemplo reconhecer um animal pelo nome, características e quantidade de patas. 29UNIDADE I Neurofisiologia 29UNIDADE II Neurofisiologia da Aprendizagem e Memória Já a memória implícita ou conhecida como não declarativa, está em adquirir ha- bilidades percepto motoras ou cognitivas por meio da exposição repetida a atividade que seguem regras constantes, mas que não requerem resgate é a habilidade consciente ou intencional da experiência. Alterações no seu funcionamento pode modificar a habilidades rotineiras extremamente úteis, como utilizar celular. (STRAUSS et al, 2006). Existem também seus subtipos como, pré-ativação, procedimento, emocional e aprendizado condicionado. A primeira é organizada na recepção e decodificação das informações. Já a segunda está relacionada a um sistema de memória responsável pelo arquivamento e pela manipulação temporários da informação, servindo para que operações mentais sejam realizadas no decorrer desse tempo. A emocional, está relacionada com os momentos que estejam vinculados aos afetos e sentimentos, e a última abrange a área que faz funções que já estão no automático como piscar e dirigir, ou seja, o cérebro não precisa mais pensar para fazer. (ISQUIERDO; FURINI, 2013). Tudo certo, entendermos como os conhecimentos seorganizam e armazenam, agora a questão é, como que eles vão parar aí? Quais processos são necessários para que haja a aprendizagem? Veremos a seguir. 30UNIDADE I Neurofisiologia 30UNIDADE II Neurofisiologia da Aprendizagem e Memória 3. COMO O CÉREBRO APRENDE? Durante algumas décadas o grande enigma que permeava o cérebro se tratava de como podem caber tantas coisas numa parte do corpo humano que pesa um pouco mais de 1500 gramas, e após os achados das estruturas e funções, a outra façanha que intrigou muito cientistas é como este cérebro aprende? Que mecanismos estão imbrica- dos neste processo e a resposta de ouro, por que uns aprendem mais fácil do que outros? As respostas vêm por meio das neurociências. Mas antes, é preciso discutir-se sobre a definição deste processo complexo. O conceito de aprendizagem é muito amplo o que não se permite constituir uma definição conclusiva, assim, o que se pode garantir é que trata-se de um processo contínuo e inin- terrupto onde descobre-se novas coisas ou adapta-se a modificações. (GIUSTA, 2013). Vale ressaltar que ela pode ser observada a partir de diversas teorias, sendo a mais que contribuiu as da psicologia como behaviorismo, associacionismo, Gestalt, chegando às concepções cognitivas. Para iniciar a caminhada pelos trilhos da aprendizagem vamos antes retornar a definição de informação e conhecimento, pois trataremos como aprendizagem todos os dados que tornarem-se conhecimento, ou seja, dos dados que transformaram em conhecimento serão armazenados e se tornarão conhecimento, já os dados que forem apenas informações, serão descartadas após um ciclo de sono. 31UNIDADE I Neurofisiologia 31UNIDADE II Neurofisiologia da Aprendizagem e Memória A aprendizagem é uma atividade cognitiva, ocorre a partir da consolidação da me- mória e o sono tem importância fundamental nesse processo, pois ele interfere no humor, na memória, na atenção, nos registros sensoriais, no raciocínio, enfim nos aspectos cognitivos que relacionam uma pessoa ao seu ambiente (VALLE; REIMÃO, 2009). Existem algumas áreas importantes do cérebro a saber que são responsáveis pelo processo de aprendizagem, denomina-se processo por ser um fenômeno que tem início (levantamento do conhecimento prévio), meio (reflexão sobre o conhecimento inicial e reflexões acerca do novo) e fim (elaboração de um novo conhecimento), sendo necessário que cada etapa tenha sido eficiente para que possamos chegar ao final com o resultado positivo: um novo conhecimento. Durante o período que estamos acordados somos bombardeados por diversos da- dos. Estes dados como vimos, são decodificados e interpretados e enviados ao hipocampo. Se lá for identificado algum tipo de conhecimento (já organizado) e conseguirmos fazer alguma conexão, eles passam de nível, e se tornam informações. No entanto, ao chegarem no hipocampo encontrarem uma conexão com o conhecimento já lá instalado, então temos um novo conhecimento. A imagem abaixo ilustra bem isso. FIGURA 02 - ESTRUTURAS CEREBRAIS DA APRENDIZAGEM Fonte: Elaboração do pesquisador, 2021 – (no prelo). A ilustração refere-se a um corte sagital do cérebro humano e dividimos em três áreas importantes, sendo o Córtex Cerebral, Sistema Límbico e Cerebelo. Eles estão or- ganizados em uma espécie de funil, sendo o córtex um lugar onde entram muitos dados, o sistema límbico um local onde residem as informações e o cerebelo o conhecimento 32UNIDADE I Neurofisiologia 32UNIDADE II Neurofisiologia da Aprendizagem e Memória (KANDEL, 2014). Todos os estímulos que nossos órgãos de sentido recebem são levados para o córtex cerebral, e por lá ficam até que iniciemos nosso tão merecido sono. Logo após acordar, se estes dados não tiverem encontrado nenhuma conexão significativa com as informações que já temos, ele se perderá. Se carapanã, tiver sentido ou algum significado, amanhã você se recordará, porém, se não tiver, provavelmente você não se recordará. Porém, se você contar para alguém sobre o que aprendeu a respeito do carapanã, esse dado vai passar duas vezes pela “sua cabeça” e deixará de ser um dado, passando a nível de informação, assim sendo armazenado no sistema límbico, o que ficará mais fácil de ser recordado, após uma noite de sono. Segundo Valle e Reimão (2009) é importante cuidar do sono desde o início da vida, pois é na fase da complexa de modelagem e na adaptação que transforma cada indivíduo, com suas possibilidades ilimitadas e subjetivas, combinando experiências com características próprias. Agora se você já souber o que é pernilongo, contar a alguém o que você aprendeu, e rever estes conteúdos duas vezes, certamente isso será um conhecimento e este item já fará parte do seu cerebelo, sendo relembrado sempre que desejar e precisar. Portanto, pode-se afirmar que aquilo que está no córtex (dados) dura frações de segundos; o que está no sistema límbico (informações) duram um pouco mais de tempo, até horas e o que está no cerebelo (conhecimento) permanece a vida toda. (PIAZZI, 2012). Portanto, não ficar perdido naquela ação de saímos do quarto para a cozinha bus- car um copo d’água, dependerá de como você interage com esta ação. Se quando pensar na ação, parar e planejar o que fará dando a atenção necessária, deixará de ser apenas um dado e será o resgate de um conhecimento que já está armazenado no seu cerebelo. Muitos me perguntam, então o segredo está em apenas o dado, ou a informação encontrar alguma conexão com o conhecimento existente? SIM. No entanto, outros fatores são importantes também, como sono, tempo de exposição com o conteúdo e o principal, o significado que damos ao que estamos aprendendo. Desta forma, existem duas formas de fazer com que um dado se transforme num conhecimento, seja pela quantidade de vezes que se tem contato com o conteúdo, ou pelo significado que damos ao conteúdo, desde que haja emoção no processo. Partindo deste ponto de vista, entra aqui a figura do professor/educador que tem o papel de propor uma apresentação do conteúdo de forma a dar sentido e significado para quem aprende. (DUARTE, 2017). 33UNIDADE I Neurofisiologia 33UNIDADE II Neurofisiologia da Aprendizagem e Memória Vamos por partes... se você já assistiu o filme “Divertidamente”, você deve se lem- brar de como é ilustrado o processo de aquisição de conhecimento (aprendizagem) e de como são organizados os objetos (memórias), e qual é o momento que isso ocorre? Durante o sono. O sono é o principal agente para promover o link, as conexões, as transmissões de informações e organizar os conhecimentos. É durante o descanso do nosso corpo que o nosso cérebro começa a armazenar aquilo que faz sentido e tem significado em alguma área do que conhecemos. Nosso corpo é um veículo, e como todo veículo, não se troca pneu furado com ele em movimento. O sono serve como parada obrigatória para organizar e selecionar aquilo que permanecerá para o dia seguinte e aquilo que será “dispensado”, o que literalmente vai para a lixeira, e não permanecerá registrado. Portanto, se mantivermos contato por longo tempo com o objeto em estudo, mais fácil ele será relembrado e armazenado no cérebro, passando rapidamente pelos proces- sos, levando um curto espaço de tempo. (COSENZA, 2011). Um bom exemplo é quando queremos aprender uma música, normalmente pegamos a música e junto com a letra começamos a cantarolar juntos, depois de um tempo não precisamos mais da letra, e após algumas horas, também não precisamos mais da música. E passamos o dia lembrando daquela música e sem melodia ou som, lembramos da letra e como num passe de mágica, já decoramos e aprendemos. De repente, um belo dia você acorda com a música e ela fica entranhada na sua cabeça. Isso acontece pelo princípio da constância, ou seja, durante um longo período um simples dado, passa a ser um conhecimento. Outra forma de facilitar o processo de aprendizado é quando envolve emoçãoou sentimento. (LOMBROSO, 2004). Vou lançar um desafio, quero que se recorde do nome da professora ou professor que mais marcou sua vida. Vamos lá, garanto que não precisará fazer muito esforço. Lembrou? Tenho certeza de que o motivo de recordar está atrelado à alguma emoção. Seja ela vivida por momentos bons ou ruins. Ahhh saudades daquela professora de matemática. Brincadeiras à parte, de qualquer forma este sujeito nos é tra- zido à memória pela emoção experienciada, ou seja, quando um conteúdo nos promove sensações de bem-estar tem maior facilidade de nos cativar e auxiliar no processo de aprendizagem. Como no exemplo acima da música, será ainda mais fácil de recordar a mú- sica se você a escutar após um término de relacionamento ou descoberta de uma traição. Já dizia o poeta... “por que o homem não chora, quando um amor vai embora” (risos). Não obstante, seja pelo tempo de contato ou pela emoção, a aprendizagem tem sua potencialização se o conteúdo trouxer ao sujeito um significado, o teórico Alemão, Alzubel cunhou a teoria da aprendizagem significativa, onde defendeu a relação afetiva no processo de ensino e aprendizagem, assim como Henri Wallon. 34UNIDADE I Neurofisiologia 34UNIDADE II Neurofisiologia da Aprendizagem e Memória Um expoente da educação Brasileira, inclusive que leva o título de patrono da educação, o educador Paulo Freire, internacionalmente reconhecido pelo método de apren- dizagem na Educação de Jovens e Adultos, já apresentou a melhor forma de relacionar os conteúdos e objetos da aprendizagem pela contextualização. Sabe-se que algumas pessoas têm dificuldades ou transtornos de aprendizagem o que compromete o processo de aquisição de novas informações, ela pode ser causada por questões globais ou específicas. Cabe aqui diferenciar estas complicações, sendo as dificuldades de aprendizagens questões ao ambiente externo no aluno, sejam estruturas físicas, iluminação, imobiliário, ausência de alimentos ou despreparo dos docentes. (DO- CKRELL; MCSHANE, 2007). Por outro lado, temos as questões internas dos de cada pessoa, como transtornos que podem ser globais do desenvolvimento, como síndrome de Dawn, Transtorno Oposi- tor Desafiador, Transtorno de Hiperatividade e Déficit de Atenção, Síndrome de Rett, ou questões específicas da aprendizagem como: Dislexia, Discalculia, Disgrafia, Disortografia, Disritmia entre outros (FUENTES; MALLOY-DINIZ, CAMARGO; FUENTES, 2008). Desta forma, deixo aqui uma reflexão, é possível um professor, sem nunca ter ouvido falar em neurociências ou processos neurofisiológicos, desempenhar uma ação pedagógica efetiva junto ao seu aluno, sem compreender como o cérebro aprende? 35UNIDADE I Neurofisiologia 35UNIDADE II Neurofisiologia da Aprendizagem e Memória SAIBA MAIS Já ouviu falar em Neuroplasticidade? Sabia que o processo de aprendizagem pode ocorrer em níveis e situações bem adversas? Do ramo das neurociências atua no pro- cesso de estimulação cognitiva para melhorar o desempenho de alguma função ou com a reabilitação neurológica, para resgatar ou manter funções comprometidas. É promo- ver no cérebro a neurogênese, ou seja, a produção de novas conexões sinápticas. Fonte: FUENTES, D.; MALLOY-DINIZ, L.F.; CAMARGO, C.H.P. & COSENZA, R.M. Neuropsicologia: teo- ria e prática. São Paulo: ArtMed, 2008. REFLITA Aprendizagem é a única coisa que a mente não se cansa, nunca tem medo e nunca se arrepende. Albert Schweitzer. 36UNIDADE I Neurofisiologia 36UNIDADE II Neurofisiologia da Aprendizagem e Memória CONSIDERAÇÕES FINAIS A indagação é difícil de ser respondida não é mesmo ? Ao longo desta unidade podemos ter acesso ao funcionamento do cérebro, além de compreender as estruturas e áreas corticais que fazem parte desta arte de aprender. O descortinar dos mistérios que estão envolto no cérebro, faz com que consigamos minimizar os impactos externos no processo de aprendizagem. A educação, assim como o aprender está presente em todas as fases da nossa vida, o que nos faz aprimorar o nosso desenvolvimento e promover as transformações. Todo o aprendizado se faz presente nas memórias daquilo que sabemos e que vivencia- mos, além do mais estas memórias é que nos move e nos permite recordar e preservar a nossa própria existência. Memória e aprendizagem são quase sinônimas, haja visto que um está intrin- secamente ligado ao outro, ou seja, toda memória é um conhecimento oriundo de uma informação que decodificada pelo cérebro, no exato momento em que foi identificado pelos órgão de sentido. E desta forma, servirá de base para que haja a ancoragem de uma nova informação que promoverá o ciclo novamente. Isso mesmo, aprender é a eterna arte de memorizar. Enquanto, há capacidade cognitiva e fisiológica do cérebro em armazenar as in- formações, temos que potencializá-las pois além de dificuldades externas e internas que podemos ter para aprender, ainda se tem que se preocupar com o “alemão” Alzheimer, que se chegar poderá levar um pouco das recordações. Mas não podemos esquecer de que um carinho, afeto e significado, contribui muito para cristalizar um bom conhecimento. 37UNIDADE I Neurofisiologia 37UNIDADE II Neurofisiologia da Aprendizagem e Memória LEITURA COMPLEMENTAR 12. Super-memória – Revista Superinteressante Link: https://super.abril.com.br/comportamento/12-super-memoria/ A Teoria da Aprendizagem Significativa e o jogo Link: https://doi.org/10.21680/1981-1802.2020v58n57ID21088 https://doi.org/10.21680/1981-1802.2020v58n57ID21088 38UNIDADE I Neurofisiologia 38UNIDADE II Neurofisiologia da Aprendizagem e Memória MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: Aprendendo Inteligência: Manual de instruções do cérebro para estudantes em geral: 1 Autor: Pierluigi Piazzi. Editora: Aleph. Sinopse: Durante muito tempo, acreditou-se que a inteligência fosse uma característica inata. O fator genético era considerado bem mais influente do que o fator ambiental. Porém, devido aos avanços da neurociência, ficou demonstrado que inteligência, talento e vocação são características que podem ser adquiridas com facilidade e um pouco de esforço. Neste livro, dedicado aos estudantes de todos os níveis, o Pierluigi Piazzi (conhecido cari- nhosamente pelos seus alunos como Prof. Pier) ensina a usar a inteligência para se tornar uma pessoa mais inteligente. FILME/VÍDEO Título: Divertida Mente (Inside Out) Ano: 2015. Sinopse: No filme, a menina Riley passa por diversas emoções ao se mudar do Meio-Oeste dos EUA para San Francisco. As emoções - Alegria (Amy Poehler), Medo (Bill Hader), Raiva (Lewis Black), Nojo (Mindy Kaling) e Tristeza (Phyllis Smith) - moram no Quartel-General, o centro de controle dentro da mente de Riley, onde eles a ajudam com conselhos diariamente. Enquanto Riley e suas emoções se esforçam para se ajustar à nova vida em San Francisco, a turbulência no Quartel-General aumenta. Embora Alegria, a principal e mais importante emoção de Riley, tente pen- sar positivo, as emoções entram em conflito sobre como navegar pela nova cidade, a nova casa, a nova escola. 39 Plano de Estudo: ● Conceitos de inteligência; ● Tipos de inteligências; ● As teorias das múltiplas inteligências; ● Teoria das múltiplas inteligências: implicações e aplicabilidades na escola. Objetivos da Aprendizagem: ● Conceituar e contextualizar inteligência e seus diversos contextos; ● Compreender os tipos de Inteligência e suas singularidades; ● Evidenciar a importância da Teoria das Múltiplas inteligências para o contexto educacional. UNIDADE III Inteligências Múltiplas I Professor Me. Frank Duarte 40UNIDADE III Inteligências Múltiplas I INTRODUÇÃO E aí, você se sente inteligente? Será que ela pode ser medida ou quantificada? Nascemos com inteligência ou vamos desenvolvendo essa capacidade? Se a inteligência é hereditária como explicamos aquelas pessoas que se destacam em algumas áreas e outras não. Pois é, todos estes inculcamentos estão presentesquando pensamos, discutimos e aprendemos sobre inteligência. Desde da década de 30, quando se pensou em quantificar a inteligência por meio de escalas de quociente, muitas figuras ilustre receberam a classificação como forma de enaltecer sua trajetória ou feitos, dentre eles estão Einstein, Da Vinci, Michelangelo, Steven Spielberg e Santos Dumont. A menção ao QI, sempre esteve atrelado a um potencial que dá ao sujeito “superpode- res”, e o é colocado num pedestal como alguém completamente bem resolvido e contemplado, o que se sabe que não tem disso, toda a verdade. Pelo contrário, pessoas que apresentam um QI (Quociente de Inteligência) alto, tendem a desenvolver uma QE (Quociente Emocional) abaixo do esperado, o que compromete outras áreas do desenvolvimento. Isso implica em minimizar a potencialidade das habilidades das IM (Inteligências Múltiplas). No entanto, como entender melhor o QI ou QE, e a relação com a forma de pensar e compreender o sujeito? As especificações e detalhamento de cada um deles e como podemos aplicar no dia a dia, em especial no ambiente educacional, será tratado nesta Unidade. Está preparado(a) para viajar nas teorias das inteligências e desvendar os desdo- bramentos das múltiplas inteligências no âmbito educativo? Sim. Então vem comigo. 41UNIDADE III Inteligências Múltiplas I 1. CONCEITO DE INTELIGÊNCIA Conta a história que certa vez, num vilarejo havia um rapaz que todos faziam piada. Um belo dia um homem se aproximou dele e lhe apresentou duas moedas, uma de 50 centavos e outra de 5 centavos e pediu para que ele escolhesse. O rapaz pegou a de 5 centavos, e o homem riu da sua atitude. No dia seguinte o homem reuniu diversas pessoas e teve a mesma atitude e o rapaz repetiu a ação. A passaram dias, semanas e meses, sempre o homem fazia-lhe a proposta, e o rapaz pegava a moeda de 5 centavos. Um certo dia, o homem já injuriado, perguntou ao rapaz. “-Mas você é muito burro! Você não sabe que a moeda de 50 centavos tem mais valor que a de 5?” E o rapaz disse: “– Sim eu sei que é.”. E então por que você não a pega logo?” replicou o homem. Então o rapaz abriu um sorriso e disse tranquilamente. “- Por que o dia que eu pegar a de 50 centavos, o senhor para de me dar moedas!” Essa ligeira história, é nosso ponto de partida para dialogarmos sobre inteligência e o quanto ela é representada nas pessoas, e o que elas fazem com a capacidade que tem. Partindo da epistemologia da palavra “inteligência” sua origem está na junção de duas palavras latinas: inter = entre e eligere = escolher, que no seu sentido mais am- plo, significa a capacidade cerebral pela qual conseguimos penetrar na compreensão das coisas escolhendo o melhor caminho. A formação de ideias, o juízo e o raciocínio são frequentemente apontados como atos essenciais à inteligência. A inteligência é resumi- da pelo pequeno dicionário ilustrado brasileiro da língua portuguesa como “a faculdade de compreender”. (ANTUNES, 2015). 42UNIDADE III Inteligências Múltiplas I Galton (1865) iniciou os estudos estatísticos de inteligência e a definiu como “fa- culdade que os gênios têm e os idiotas não tem”. Desde os tempos de Galton, os psicome- tristas tentam explicar as diferenças de performance intelectual entre crianças como sendo resultante da diferença na quantidade de “inteligência”. Nunca houve um consenso sobre o significado da “inteligência”, porém em 1921, no Jornal da Psicologia Educacional, diferentes psicólogos de várias teorias reuniram-se e apesar de grande relação entre suas definições, ainda hoje o que se vê são definições e concepções sobre a inteligências, bastante diferentes (STERNBERG; DETTERMAN, 1986 apud DOCKRELL; MCSHANE, 2007, p. 21). Seguindo uma visão tradicionalista, Travassos (2001) afirma que a inteligência já foi conceituada como uma capacidade inata do indivíduo, um atributo do qual o ser huma- no dispõe para responder a testes de inteligência, (NOVIKOBAS; LAMARI MAIA, 2020). Alguns autores sugeriram que a inteligência fosse um termo descritivo e não explicativo (OLSON,1986). Muitas definições afirmam explicitamente que ao se introduzir o termo, de alguma forma se está explicando a performance e não descrevendo-a. No entanto, William Stern, psicólogo Alemão do século XVIII/XIV, afirmava que se tratava da capacidade pessoal para resolver os problemas novos, utilizando de forma adequada o pensamento. Todavia, outros a consideravam como o arranjo de todos os equipamentos mentais que atendessem a adequação das tarefas vitais. Mesmo com essas definições vagas, havia e há o entendimento de que a inteligência é uma capacidade mental que pode ser medida e quantificada por meio dos famosos testes de QI. (AMARAL, 2007). A “inteligência enquanto adaptação” tornou-se desde então um conceito chave que de forma mais ou menos explícita atravessou a história da psicologia da inteligência hu- mana, na base da investigação fundamental como aplicada, no cerne do desenvolvimento teórico como das técnicas de avaliação da inteligência e em resposta a necessidades e pressões sociais (MIRANDA, 2002). Foram os pesquisadores Alfred Binet e Théodore Simon, que deram início a testagem psicológica com o intuito de atender as necessidades da seleção escolar da época, tendo como objetivo identificar as crianças que não se beneficiaram dos programas públicos, onde esperava-se desenvolver uma avaliação imparcial de checagem das atitudes escolares. Os trabalhos de Binet e Simon logo foram bastante questionados, especialmente porque os testes não apresentavam a condição de fidedignidade daquilo que propunham de avaliar a capacidade do indivíduo adulto, e pelo fato de partirem do estudo de crianças com deficiências. Na verdade, eles buscavam construir uma “escala métrica da inteligência” para identificar nas escolas as crianças denominadas de retardados “perfeitos”, ou seja, aqueles que seriam suscetíveis de frequentar as classes chamadas de “aperfeiçoamento”, e que conseguiriam se adaptar. (AMARAL, 2007). 43UNIDADE III Inteligências Múltiplas I Em busca de conseguir quantificar e mensurar o QI – Quociente de Inteligência, os testes foram utilizados como ferramentas com normas de referências desenvolvidas para avaliar o funcionamento cognitivo de um indivíduo. Assim como todas as medidas com normas de referências, eles sempre vão conter algumas margens de erro (HARRIS, 1983 apud AMARAL, 2007, p. 88). O uso dos testes de Ql caminhou junto com a crença de que a inteligência era herdada, passada de uma geração para outra e de acordo com essa perspectiva, cada indivíduo portanto, nascia com uma determinada ‘quantidade’ de inteligência; assim, seria possível elaborar testes para qualificar e classificar as pessoas em relação a sua inteligência (SMOLE,1999). Antunes (2015) ressalta que é possível afirmar com segurança que a inteligência de um indivíduo é produto de uma carga genética que vai muito além da de seus avós, mas que alguns detalhes da estrutura da inteligência podem ser alterados com estímulos significativos aplicados em momentos cruciais do desenvolvimento humano. A delimitação da “inteligência humana” enquanto objeto de investigação assu- me desde logo dois pressupostos: o da existência de um conceito de “inteligência não humana”, daquelas que estão ligadas a condição de adaptação e funcionalidade. Por exemplo, ao conectar seu celular a rede wifi, é uma forma de executar a “inteligência não humana”. Também há outro pressuposto que é a do reconhecimento do “carácter único” da inteligência humana, no quadro da enorme diversidade biológica, que integram as predisposições específicas do humano, que se aplica muito para lá da descrição do potencial cognitivo humano. Muitas utilizações da palavra “inteligência”, ou do adjetivo “inteligente”, na lingua- gem comum, e em particular na qualificação de objetos inanimados, remetem para esta noção de funcionalidade decorrente da adequação às
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