Buscar

linguagem_e_ensino_em_perspectiva

Prévia do material em texto

ISBN 978-65-00-07447-5
Prof. Me. Gil Barreto Ribeiro (PUC Goiás)
Diretor Editorial
Presidente do Conselho Editorial
Dr. Cristiano S. Araujo
Assessor
Larissa Rodrigues Ribeiro Pereira
Diretora Administrativa
Presidente da Editora
CONSELHO EDITORIAL
Profa. Dra. Solange Martins Oliveira Magalhães (UFG)
Profa. Dra. Rosane Castilho (UEG)
Profa. Dra. Helenides Mendonça (PUC Goiás)
Prof. Dr. Henryk Siewierski (UnB)
Prof. Dr. João Batista Cardoso (UFG Catalão)
Prof. Dr. Luiz Carlos Santana (UNESP)
Profa. Me. Margareth Leber Macedo (UFT)
Profa. Dra. Marilza Vanessa Rosa Suanno (UFG)
Prof. Dr. Nivaldo dos Santos (PUC Goiás)
Profa. Dra. Leila Bijos (UnB)
Prof. Dr. Ricardo Antunes de Sá (UFPR)
Profa. Dra. Telma do Nascimento Durães (UFG)
Profa. Dra. Terezinha Camargo Magalhães (UNEB)
Profa. Dra. Christiane de Holanda Camilo (UNITINS/UFG)
Profa. Dra. Elisangela Aparecida Pereira de Melo (UFT)
LINGUAGEM E ENSINO 
EM PERSPECTIVA
CLAUDIA LUCIA LANDGRAF VALÉRIO
EPAMINONDAS DE MATOS MAGALHÃES 
IMARA QUADROS
Goiânia-GO
EDITORA ESPAÇO ACADÊMICO
2020
CIP - Brasil - Catalogação na Fonte
Copyright © 2020 by Claudia Lucia Landgraf Valério, Epaminondas de Matos Magalhães, Imara Quadros
Editora Espaço Acadêmico
Endereço: Rua do Saveiro, Quadra 15, Lote 22, Casa 2
Jardim Atlântico - CEP: 74.343-510 - Goiânia/Goiás
CNPJ: 24.730.953/0001-73
Site: http://editoraespacoacademico.com.br/
Contatos:
Prof. Gil Barreto - (62) 98345-2156 / (62) 3946-1080
Larissa Pereira - (62) 98230-1212
Diagramação: Marcos Digues
www.diguesdiagramacao.com.br
Capa: 
Projetado por freepik.com
 
O conteúdo da obra e sua revisão são de total responsabilidade do autor.
DIREITOS RESERVADOS
É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou 
por qualquer meio, sem a autorização prévia e por escrito do autor. 
A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido 
pelo artigo 184 do Código Penal.
Impresso no Brasil | Printed in Brazil
2020
V162l
Valério, Claudia Lucia Landgraf.
Linguagem e ensino em perspectiva [livro eletrônico] / Claudia Lucia Landgraf 
Valério, Epaminondas de Matos Magalhães e Imara Quadros. – Goiânia : Editora Espaço 
Acadêmico, 2020.
205 p. ; Ebook [PDF].
 Bibliografia
 ISBN: 978-65-00-07447-5
1. Literatura. 2. Linguagem - ensino. I. Magalhães, Epaminondas de Matos. II. Quadros, 
Imara. III. Título. 
 CDU 82:37
Índice para catálogo sistemático
1. Liberatura - ensino......................................................................................................82:37
5
SUMÁRIO
 APRESENTAÇÃO .......................................................................9
1. A REPRESENTAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO
 CONTO “PARA QUE NINGUÉM A QUISESSE”
 DE MARINA COLASANTI ...........................................................11
1.1 Introdução .......................................................................................12
1.2 Metodologia e delineamento da pesquisa ...................................14
1.3 O paradigma patriarcal ..................................................................16
1.4 A atuação da Literatura na formação humana ...........................20
1.5 Análise do conto “Para que ninguém a quisesse” .......................24
1.6 Considerações Finais .....................................................................29
1.7 Referências .....................................................................................30
2. AFLIÇÕES DE AMARO E AS DENÚNCIAS DA LITERATURA ...........32
2.1 Introdução ....................................................................................33
2.2 Explorando a história de Amaro ...............................................34
2.3 Discussões acerca de racismo e homossexualidade
 a partir da literatura de Adolfo Caminha ................................45
2.4 Considerações finais ....................................................................49
2.5 Referências ...................................................................................50
3. A LEITURA NO BRASIL: APONTAMENTOS HISTÓRICOS,
 CONCEITO E CENÁRIO EDUCACIONAL ......................................51
3.1 Introdução .......................................................................................52
6
3.2 Apontamentos históricos sobre a leitura ....................................53
3.3 Conceito da leitura e o cenário educacional ...............................62
3.4 Considerações finais.......................................................................66
3.5 Referências .....................................................................................67
4. O PROTAGONISMO JUVENIL COMO PARÂMETRO PARA
 A INTRODUÇÃO DA APRENDIZAGEM EM PARES .......................69
4.1 Introdução ....................................................................................70
4.2 O protagonismo como ação mediadora nas práticas
 de aprendizagem ..........................................................................72
4.3 A aprendizagem em pares como prática pedagógica
 pautada no protagonista colaborativo ......................................76
4.4 Considerações finais ....................................................................80
4.5 Referências ...................................................................................81
5. (RE) CONHECENDO A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM:
 REFLEXÕES E DESAFIOS NA CONSTRUÇÃO DOS PROJETOS
 INTERDISCIPLINARES NAS TURMAS DE ENSINO MÉDIO ............85
5.1 Introdução ....................................................................................86
5.2 A admissão dos projetos interdisciplinares para construção
 e ampliação dos conhecimentos no ensino médio .................88
5.3 Avaliação da aprendizagem frente aos projetos
 interdisciplinares: desafios e possibilidades ............................92
5.4 Considerações finais ....................................................................96
5.5 Referências ...................................................................................98
6. TECNOLOGIAS DIGITAIS DE INFORMAÇÃO E
 COMUNICAÇÃO (TDIC) E OBJETO DIGITAL DE
 APRENDIZAGEM (ODA) NO CONTEXTO DA FORMAÇÃO
 DOCENTE: OFICINA ..................................................................99
6.1 Introdução .....................................................................................100
6.2 Metodologia ..................................................................................101
7
6.3 Oficina ............................................................................................101
6.4 Análises das oficinas e resultados ...............................................106
6.5 Considerações finais.....................................................................117
6.6 Referências ...................................................................................118
7. ESTRATÉGIAS DE LEITURA: POSSIBILIDADE DE TRABALHO
 PARA UMA PRÁTICA REFLEXIVA DA LEITURA NA ESCOLA .... 120
 7.1 Introdução ..................................................................................121
7.2 Etapas para o trabalho com as estratégias de leitura ............123
7.3 Professor como o mediador do trabalho com as estratégias
 da leitura .....................................................................................129
7.4 Considerações finais .................................................................133
7.5 Referências .................................................................................134
8. ENTRE O TEMPO E A HISTÓRIA: PRODUÇÃO DE MEMÓRIAS
 LITERÁRIAS COM UTILIZAÇÃO DAS TIC. .................................. 135
8.1 Introdução .....................................................................................136
8.2 Fundamentação teórica ...............................................................138
8.3 Olimpíada de Língua Portuguesa e Metodologia de Trabalho .145
8.4 A produção de memóriasliterárias e o uso das TICs ..............150
8.5 Considerações finais.....................................................................152
8.6 Referências ...................................................................................154
ANEXO A – Íntegra da Memória Literária .....................................156
9. ENTRE O CLÁSSICO E O BEST-SELLER... ESCOLHA OS DOIS! ...... 159
9.1 Introdução .....................................................................................160
9.2 Entre o clássico e o best-seller... escolha os dois! .....................161
9.3 O que leem os estudantes? ...........................................................167
9.4 Considerações finais.....................................................................170
10. JOSÉ JOAQUIM PILLON: UMA OBRA SOBRE A NATUREZA
 E O PERTENCIMENTO ............................................................. 174
10.1 Introdução ...................................................................................175
8
10.2 Dados biográficos: o padre e o professor ................................175
10.3 O escritor e o pensador ..............................................................177
10.4 Autoria e pertencimento: o homem, a obra e seu tempo ......184
10.5 Considerações finais ..................................................................186
10.6 Referências ................................................................................187
11. DAS ALTERNATIVIDADES NA METODOLOGIA DA FORMAÇÃO
 UNIVERSITÁRIA CONTEMPORÂNEA: UM ENSAIO SOBRE
 A ENSINABILIDADE INVERTIDA NA PERSPECTIVA DOCENTE
 E DISCENTE PLURIDISCILINAR ................................................. 189
11.1 Introdução ..................................................................................190
11.2 Por uma história narrada e bancária: a evolução
 educacional e suas consequências na atualidade ...................192
11.3 Da aceitabilidade e das práticas didáticas de
 aplicabilidade do ensino invertido na holística dos
 protagonistas do ensino ...........................................................196
11.4 Considerações finais ..................................................................201
11.5 Referências ..................................................................................203
9
APRESENTAÇÃO
Os textos aqui propostos são resultados de pesquisas desenvolvi-
das e em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação – Mestrado 
em Ensino e do Grupo de Pesquisa em Ensino de Literatura e Línguas 
- GPELL - do Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT). 
O Grupo de Pesquisa em Ensino de Literatura e Línguas (GPELL), 
abrange projetos que tratam das construções de saberes a partir da pró-
pria atuação dos sujeitos em práticas sociais, tendo como foco as me-
diações de linguagem, na produção de sentido e da vinculação social, 
na contemporaneidade, assim como a formação de professores para as 
práticas didático-pedagógicas voltadas para o ensino-aprendizagem das 
linguagens e seus códigos. 
Para tanto, o Grupo constitui-se de professores-pesquisadores e 
estudantes que discutem o contexto do ensino de linguagens frente ao 
mundo globalizado e à emergência das novas tecnologias. Como cata-
lizadora, esta equipe almeja oferecer suporte ao profissional ligado ao 
ensino formal ou não formal que atua em diferentes instituições.
Destaca-se o caráter interdisciplinar das pesquisas, que perpas-
sam pelas diferentes áreas do conhecimento, tendo como foco o ensino 
de linguagens, para linguagem e suas diferentes perspectivas. Entende-
mos que em um cenário diverso como o que vivemos, as relações entre 
ensino e pesquisa devem permear constantemente os processos de pro-
dução do conhecimento, em especial, nas Ciências Humanas, conjunto 
macroestrutural que compreende a linguagem e a própria educação.
10
Tomando alguns versos de Fernando Pessoa, do poema Navegar 
é preciso:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar. Não conto go-
zar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu 
corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo. 
Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso 
tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso. 
Parafraseando o poeta, o que desejamos da educação é o ato cria-
dor, o desejo de transformação, de mudança. O sentido maior de toda 
pesquisa é mudar, transformar e construir novos espaços, de tornar a 
humanidade mais humana. Cada vez que produzimos, escrevemos e 
pesquisamos desejamos que os estudos empunhados tragam uma nova 
perspectiva para o universo educacional.
Desejamos a todos uma boa leitura e que “naveguem” pelos tex-
tos.
Os organizadores
11
1. A REPRESENTAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A 
MULHER NO CONTO “PARA QUE NINGUÉM A 
QUISESSE” DE MARINA COLASANTI
Carlos Rafael Dias1
Resumo
Este artigo se propôs a analisar as representações da violência contra a 
mulher no conto “Para que ninguém a quisesse”, de Marina Colasanti, e 
refletir sobre a situação de violação aos direitos da mulher na sociedade 
brasileira atual, a partir da perspectiva de estudantes da Educação de 
Jovens e Adultos – EJA. Para tanto, buscou-se estabelecer um repertó-
rio teórico acerca dos conceitos de “dominação masculina” e “violên-
cia simbólica” propostos por Bourdieu (2004); compreender como a 
obra literária atua na formação humana, com aporte teórico em Sartre 
(2004), Llosa (2004) e Cândido (2011); e analisar, em conjunto com as 
participantes da pesquisa, as representações da violência contra a mu-
lher no corpus ficcional do estudo. Realizou-se, então, uma pesquisa 
qualitativa, de natureza aplicada, dividida em duas etapas. A primeira 
delas constituiu-se em uma pesquisa bibliográfica. A segunda consis-
tiu na realização de oficinas de leitura para discussão coletiva e análise 
do conto. Utilizou-se como técnicas para a produção de dados, a ob-
1 Possui Mestrado em Ensino pelo Instituto Federal de Mato Grosso (2019), Espe-
cialização em Educação de Jovens e Adultos pelo Instituto Federal de Mato Grosso 
(2012), Graduação em Direito pela Universidade do Estado de Mato Grosso – UNE-
MAT (2010). Atualmente é professor efetivo da área de Direito do Instituto Federal 
de Mato Grosso - Campus Pontes e Lacerda, Advogado e consultor jurídico.
Carlos Rafael Dias
12
servação participante (YIN, 2001); (GIL, 2008), o registro em diário de 
campo (OLIVEIRA, 2014); (BOGDAN; BIKLEN, 1999); e a gravação 
das oficinas em áudio. Para análise dos dados produzidos, foi utilizada 
análise de conteúdo temática (BARDIN, 1977).
Palavras-chave: Violência de gênero. Educação de Jovens e Adultos. Re-
presentação literária.
1.1 Introdução
A cada ano as pesquisas vêm confirmando que o cenário brasilei-
ro no campo da violência contra a mulher se torna mais preocupante. O 
Brasil apesar de ser uma democracia que defende os direitos humanos, 
também é o quinto país do mundo onde mais se mata mulheres por se-
rem mulheres (WAISELFISZ, 2015). Além disso, tem números críticos 
relacionados a outros crimes no âmbito da violência contra a mulher, 
como lesão corporal, estupro e ameaça. E mesmo com importantes mu-
danças desenvolvidas nas últimas décadas na construção e implemen-
tação de políticas públicas de proteção à integridade física da mulher 
no âmbito privado2, os índices de violência contra a mulher ainda não 
tiveram o recuo esperado.
O problema da violência contra a mulher é, como se sabe, um 
fenômeno complexo, que possui profundas raízes históricas, e está for-
temente alicerçado em um pensamento patriarcal de desequilíbrio de 
poder entre homens e mulheres. A supremacia do homem, ou domina-
ção masculina, encontra ressonância em um longo percurso histórico 
de criação e legitimação dessas desigualdades, de modo que se pode 
falar na existência de um paradigma de sistema social que inculca no 
2 A publicação da Lei Maria da Penha (11.340/2006); as mudanças promovidas pela 
lei do divórcio (6.515/77) e, posteriormente, o fim do institutoda separação judicial 
(EC 66/10); a criação de pastas ministeriais com a finalidade de promover políticas 
públicas específicas para as mulheres; e a previsão que os contratos habitacionais 
decorrentes do Programa Minha Casa Minha Vida sejam feitos em nome da mulher 
são alguns exemplos da preocupação do Estado brasileiro em proteger as mulheres 
no espaço privado.
A REPRESENTAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO CONTO “PARA QUE NINGUÉM A QUISESSE” DE MARINA COLASANTI
13
imaginário coletivo, a crença segundo a qual essas desigualdades são 
naturais e, portanto, não devem ser questionadas (BOURDIEU, 2002).
Essa dinâmica de naturalização da opressão, quando transpor-
tada para o campo da violência contra a mulher, constitui-se naquilo 
que Bourdieu (2002) chama de violência simbólica. Essa violência é 
uma decorrência de a vítima assimilar, nos meios simbólicos de comu-
nicação e conhecimento, algumas opressões e abusos como se fossem 
algo normal. Dessa aparência de naturalidade, resulta que a violência 
simbólica adquire invisibilidade, torna-se insensível a própria vítima, 
de modo que ao internalizar a opressão, tendo-a como natural, a vítima 
não consegue pôr fim à dominação.
Nesse sentido, de acordo com Bourdieu, para a superação da vio-
lência simbólica e, consequentemente, da violência contra a mulher a 
que dá substrato, é necessário um despertamento, um chamamento à 
ordem, com o propósito de fazer desmascarar essa opressão por meio de 
atos de conhecimento que proporcionem uma “transformação radical 
das condições sociais de produção das tendências que levam os domi-
nados a adotar, sobre os dominantes e sobre si mesmos, o próprio ponto 
de vista dos dominantes” (BOURDIEU, 2002, p. 53).
Nessa perspectiva, este artigo discute à temática da violência 
contra a mulher, por meio de uma intersecção entre literatura e direi-
to. Tendo como concepção, de acordo com Cândido (2011), que a lite-
ratura tem uma função social, psicológica e formativa. E dessa forma 
ela, a literatura, pode se constituir em um “instrumento consciente de 
desmascaramento, pelo fato de focalizar as situações de restrição dos 
direitos, ou da negação deles, como a miséria, a servidão, a mutilação 
espiritual”. 
Sendo assim, esse desmascaramento promovido pela literatura 
permite refletir sobre a situação de violação aos direitos e pode levar 
a vítima de agressões a buscar a proteção do Estado. A literatura leva 
ao Direito. A obra literária, ao representar o mundo e suas atrocidades, 
promove um despertamento acerca da violação dos direitos, e é capaz 
Carlos Rafael Dias
14
de levar a vítima a uma postura ativa, a exigir do Estado a proteção de 
seus direitos. 
Dessa forma, acreditamos que a intersecção entre literatura e Di-
reito é um dos meios possíveis para a superação do poder hipnótico da 
violência simbólica, isto porque pode instigar reflexões sobre os instru-
mentos simbólicos subjacentes às relações sociais de que o pensamento 
patriarcal se vale para naturalizar a opressão sobre as mulheres.
 O objetivo principal deste trabalho é analisar as representações 
da violência contra a mulher no conto “Para que ninguém a quisesse”, 
de Marina Colasanti, e refletir sobre a situação de violação aos direitos 
da mulher na sociedade brasileira atual, a partir da perspectiva das es-
tudantes do curso Técnico em Comércio – EJA, do IFMT – Campus 
Pontes e Lacerda Fronteira Oeste. Para a consecução deste propósito, 
buscamos o cumprimento de objetivos secundários: estabelecer um 
repertório teórico acerca do paradigma do patriarcado; compreender 
como a obra literária atua na formação humana; e analisar em conjunto 
com as participantes da pesquisa as representações da violência contra a 
mulher no corpus ficcional do estudo.
Assim, na primeira parte deste artigo traremos considerações 
acerca do paradigma do patriarcado, a partir dos teóricos Carlos Alber-
to Plastino e Pierre Bourdieu. Na segunda seção deste trabalho, discuti-
remos com base nos ensinamentos de Antônio Cândido, Jean Paul Sar-
tre e Mario Vargas Llosa como a literatura atua na formação humana. 
E, por fim, faremos a análise do conto “Para que Ninguém a Quisesse”, 
de Marina Colasanti, em conjunto com as estudantes de EJA do IFMT – 
Campus Pontes e Lacerda Fronteira Oeste.
1.2 Metodologia e delineamento da pesquisa
A presente pesquisa é de abordagem qualitativa, de natureza 
aplicada e foi dividida em duas etapas. A primeira delas constitui-se de 
uma pesquisa bibliográfica, na qual procuramos estabelecer definições 
A REPRESENTAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO CONTO “PARA QUE NINGUÉM A QUISESSE” DE MARINA COLASANTI
15
teóricas sobre as desigualdades entre os sexos, buscando reconhecer o 
paradigma do patriarcado como condicionante de uma ordem simbóli-
ca que privilegia a manifestação da violência, discutir como a literatura 
atua na formação do homem e, por fim, entender como a intersecção 
entre literatura e direito pode se constituir em um meio de reconheci-
mento e exercício de direitos.
A segunda parte foi a realização da oficina, em que as partici-
pantes da pesquisa se encontraram com a obra “Para que ninguém a 
quisesse”, de Marina Colasanti, onde pudemos promover uma análise 
conjunta do fenômeno da violência contra a mulher, partindo da inter-
pretação do texto literário e chegando na perspectiva das participantes 
acerca da realidade social. Durante a oficina, o professor-pesquisador e 
as participantes da pesquisa sentaram-se em círculo, para uma melhor 
interação e fluência dos assuntos a serem discutidos. Os trabalhos das 
oficinas foram moderados pelo professor-pesquisador que buscou atuar 
como facilitador do diálogo, nos termos propostos por Gatti (2005), 
cuidando para que o grupo desenvolvesse a discussão, fazendo encami-
nhamentos para possibilitar trocas de informação e buscando manter o 
objetivo da pesquisa.
A pesquisa foi realizada com um total de 07 (sete) estudantes do 
curso Técnico em Comércio integrado ao ensino médio na modalidade 
da educação de jovens e adultos do IFMT – Campus Pontes e Lacerda 
– Fronteira Oeste. As idades das estudantes variaram de 19 a 39 anos.
Na oficina inaugural fizemos uma atividade em que as estudantes 
escolheram nomes fictícios para representá-las neste trabalho e nas pu-
blicações subsequentes à pesquisa. A finalidade era prover meios para 
que essas estudantes tivessem sua identidade e privacidade resguarda-
das ao mesmo tempo em que também se sentissem retratadas. Ambicio-
namos com isso que as partícipes da pesquisa se envolvessem mais pro-
fundamente com as oficinas por encararem como uma oportunidade 
de ter sua voz ouvida. Os nomes escolhidos pelas participantes foram: 
Anah Flor, Carla, Crepúsculo, Orquídea, Paula, Rubi e Sol.
Carlos Rafael Dias
16
Utilizamos como técnicas para a produção de dados, a observação 
participante (YIN, 2001); (GIL, 2008); (BOGDAN; BIKLEN, 1999), o 
registro em diário de campo (OLIVEIRA, 2014); (BOGDAN; BIKLEN, 
1999); e a gravação das oficinas em áudio. Para análise dos dados produ-
zidos, utilizamos análise de conteúdo temática (BARDIN, 1977).
Por fim, é importante dizer que este estudo é parte de uma pes-
quisa com maior abrangência, realizada a partir do contato das inte-
grantes do estudo com outros contos de Marina Colsanti e, também, 
que esta pesquisa foi devidamente aprovada pelo Conselho de Ética em 
Pesquisa da Universidade de Cuiabá – CEP/UNIC, sob o parecer con-
substanciado nº 3.540.510. O pesquisador responsável por essa pesquisa 
não recebeu bolsa de estudos e a pesquisa não contou com nenhum 
financiamento externo.
1.3 O paradigma patriarcal
Uma compreensão importante acerca do patriarcado é que ele se 
constitui como um paradigma de sistema social. Nesse sentido, traze-
mos as lições de Plastino (2016), segundo o qual, um paradigma é
um modelo geral que, a partir de determinadas concepções fun-
damentais — crenças —, preside durante longos períodos his-
tóricos as linhas mestras da organização de uma sociedadehu-
mana. Trata-se de uma construção histórica, imaginada e criada 
pelos homens de determinada época (PLASTINO, 2016, p. 26).
A definição do autor traz pelo menos dois elementos importan-
tes de serem considerados. O primeiro deles é que o paradigma institui 
uma crença em uma dada forma de se pensar sobre a organização da 
sociedade. Essa crença quando é incorporada ao inconsciente coletivo 
adquire uma aparência de naturalidade, ou até mesmo de obrigatorie-
dade. De tal forma, que a repetição de algumas práticas sociais, por um 
A REPRESENTAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO CONTO “PARA QUE NINGUÉM A QUISESSE” DE MARINA COLASANTI
17
tempo prolongado, cria no imaginário coletivo a ilusão de que aquele 
modo de se conduzir na sociedade é o modo correto, o natural, o que 
deve ser mantido “porque sempre se fez daquela forma determinada”. O 
paradigma é, portanto, uma organização do pensamento de longa dura-
ção, de tal maneira que o seu conteúdo mais fundamental se naturaliza, 
perdendo-se de vista sua origem histórica. Quando se naturaliza fica 
isento de crítica, parece que suas afirmações centrais são evidentes para 
todo mundo e, portanto, não deve ser criticado. Pense-se, por exemplo, 
na divisão sexual do trabalho, em que durante muito tempo, na socieda-
de ocidental, a crença vigente era que em razão das características rela-
cionadas ao sexo biológico os homens teriam a responsabilidade sobre 
a esfera produtiva (funções de importante valor social agregado, como 
indústria, comércio, empreendimentos, e na política) e as mulheres es-
tariam encarregadas da esfera reprodutiva (atividades relacionadas à 
gestação e educação dos filhos e aos afazeres domésticos). Apesar de 
esse tipo de divisão do trabalho representar um pensamento históri-
co, arcaico, uma crença vetusta e inapropriada para os padrões sociais 
atuais, ela ainda encontra ressonância nos setores mais conservadores 
da sociedade brasileira, justamente pela força do paradigma patriarcal 
que a sustenta.
Outro ponto que merece destaque na definição do autor, refere-se 
à afirmação de que todo paradigma social é uma construção histórica, 
imaginada e criada por seres humanos de uma determinada época. Em 
assim sendo, se houver a compreensão de que um paradigma representa 
a crença de uma determinada época, só que qualificada pelos efeitos 
inexoráveis da ação do tempo inculcando o hábito, fica mais fácil ques-
tionar aquela mesma crença e colocá-la à prova, amoldando-a às cir-
cunstâncias atuais. Em outras palavras, reconhecer o caráter histórico 
de um paradigma é o primeiro passo para retirar-lhe a força que possui 
graças à equivocada aparência de naturalização.
Nesse ponto, torna-se importante evocarmos o pensamento de 
Bourdieu. Para o sociólogo francês, muitas manifestações humanas que 
Carlos Rafael Dias
18
consideramos naturais são socialmente construídas. E existe uma ten-
dência do senso comum em naturalizar a ação humana, ou seja, de con-
siderá-la como resultado de uma natureza qualquer. Esse processo de 
naturalização dos atos humanos acaba por ignorar o quanto as nossas 
manifestações resultam de um trabalho propriamente social de que o 
nosso corpo é vítima, de uma explicação sociológica que não é natural 
(BOURDIEU, 2007).
Para Bourdieu (2002), a construção da identidade do masculino 
e do feminino encontra-se no campo simbólico. De modo que, em di-
ferentes sociedades “ser homem” e “ser mulher” não significa a mesma 
coisa. Não existe, por assim dizer, uma definição natural, biológica, dos 
comportamentos que definem um homem ou uma mulher. Essa iden-
tidade só será produzida após um processo sociocultural, a partir de 
diversas relações sociais que inculcam um certo jeito de ser, de pen-
sar, e agir. E isso acontece, muitas vezes, sem que haja uma percepção 
consciente do sujeito. Dessa forma, a força simbólica que o paradigma 
exerce é muito maior que qualquer determinação biológica ou natural. 
Nas palavras do autor
Torna-se evidente que nossa questão principal tem que ser de-
monstrar os processos que são responsáveis pela transformação 
da história em natureza, do arbitrário cultural em natural. E, ao 
fazê-lo, nos pormos à altura de assumir, sobre nosso próprio 
universo e nossa própria visão de mundo, o ponto de vista do 
antropólogo capaz de, ao mesmo tempo, devolver a diferença en-
tre o masculino e o feminino, tal como a (des) conhecemos, seu 
caráter arbitrário, contingente, e também, simultaneamente, sua 
necessidade sociológica. (BOURDIEU, 2002, p.11).
Desse modo, na visão do sociólogo francês, é preciso desmasca-
rar os argumentos que legitimam as desigualdades de gênero atribuin-
do-lhes características de naturalidade ou de diferença biológica. Com 
efeito, existe uma arbitrariedade sim na construção dessas desigualda-
A REPRESENTAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO CONTO “PARA QUE NINGUÉM A QUISESSE” DE MARINA COLASANTI
19
des, mas essa arbitrariedade é de índole cultural, produzida e reprodu-
zida pela própria sociedade, por meio do que o autor chama de habitus3.
Quando ao dissertarmos sobre os números que descrevem o 
cenário nacional de violência contra a mulher indicamos a existência 
de um ambiente cultural propício à violência no país, nos referíamos 
ao substrato simbólico existente no pensamento patriarcal brasileiro. 
Apesar de fugir dos objetivos do presente trabalho estabelecer qualquer 
comparação entre os cenários de violência com outros países, cabe o 
questionamento, o homem brasileiro e o homem islandês têm os mes-
mos componentes biológicos, o que explicaria o Brasil ser o quinto país 
do mundo que mais mata mulheres por serem mulheres, e a Islândia 
ter números desprezíveis de violência contra a mulher, sendo conside-
rado o país mais pacífico do mundo? Logicamente, o comportamento 
de homens islandeses e brasileiros difere não por questões naturais ou 
biológicas, mas por fatores culturais.
Para Bourdieu (2002), a dominação masculina se opera mediante 
essa violência simbólica, nas palavras do autor
Também sempre vi na dominação masculina, e no modo como é 
imposta e vivenciada, o exemplo por excelência desta submissão 
paradoxal, resultante daquilo que eu chamo de violência simbó-
lica, violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas, 
que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas de 
comunicação e do conhecimento, ou mais precisamente, do des-
conhecimento, do reconhecimento, ou, em última instância, do 
sentimento (BOURDIEU, 2002, p. 03).
O ambiente cultural brasileiro é fortemente carregado por va-
lores patriarcais, os quais se cristalizam, muitas vezes, em práticas so-
3 O habitus pode ser compreendido como a naturalização de comportamentos que 
são convenientes de serem realizados no campo social. Para Bourdieu, o habitus 
é uma espécie de reprodução imperceptível de comportamentos aprendidos pela 
vivência em determinado campo social, é o condicionamento cultural do sujeito ao 
ambiente, que acontece mesmo sem que este se dê conta.
Carlos Rafael Dias
20
ciais degradantes aos direitos das mulheres. E por essas práticas serem 
constantes, adquirem uma aparência de naturalidade, que faz com que 
o oprimido, muitas vezes, nem se dê conta que vive em uma situação de 
opressão, esse é o efeito da violência simbólica.
Dessa forma, segundo Bourdieu (2002), uma mudança na con-
juntura de violência só será possível se for vencido o poder hipnóti-
co da violência simbólica imposta pelo pensamento patriarcal. Sem a 
pretensão de propor soluções universais para o problema, a tese que 
defenderemos nos próximos capítulos deste trabalho é que a literatu-
ra – com sua capacidade de suscitar reflexões sobre a realidade - pode 
ser uma das possibilidades para o despertamento desse poder hipnótico 
da violência simbólica, e, consequentemente, de efetivação dos direitos 
humanos das mulheres.
1.4 A atuação da Literatura na formação humana
Cândido (2011) teoriza sobre a natureza da literatura, buscando 
explicar como a obraliterária atua na formação do homem. Para o autor, 
existem, pelo menos, três faces a serem consideradas sobre a literatura: 
1) ela é uma construção de objetos autônomos, com estrutura e signifi-
cados; 2) ela é uma forma de expressão, ou seja, comunica sentimentos, 
emoções e uma determinada visão de mundo; 3) ela é uma forma de 
conhecimento. Apesar de ser comum nos atermos ao terceiro aspecto e 
pensarmos na literatura como forma de disseminação de conhecimento 
e, portanto, como algo com caráter instrutivo, o efeito da obra literária 
se desenvolve com a atuação concomitante dos três aspectos.
Pensar na literatura como a construção de um objeto autôno-
mo é refletir sobre a maneira pela qual a mensagem da obra literária é 
construída. Se diferentes pessoas passassem pela mesma experiência e 
lhes fosse pedido que escrevessem um texto literário inspirado naqui-
lo que foi vivido, o resultado muito provavelmente seria a obtenção de 
textos tão diversos como os seus escritores. Isto porque, quando o autor 
A REPRESENTAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO CONTO “PARA QUE NINGUÉM A QUISESSE” DE MARINA COLASANTI
21
transforma sua história em linguagem, no instante em que os fatos são 
contados, eles sofrem uma significativa transformação. Existe, no ato 
de contar, uma escolha a ser feita pelo autor: ele decidirá não só o que 
contar, mas como irá fazê-lo. E cada opção por uma forma de contar a 
história revela, ao mesmo tempo, a preferência por não narrar outras 
várias versões que poderiam ser contadas, mas foram deliberadamente 
excluídas (Llosa, 2004).
Para Sartre (2004, p. 22) “Ninguém é escritor por haver decidi-
do dizer certas coisas, mas por haver decidido dizê-las de determinado 
modo”. Escrever é organizar palavras, retirá-las do caos e ordená-las de 
modo a serem decodificadas pelo entendimento humano, com o obje-
tivo de transmitir uma mensagem. De acordo com Cândido (2011, p. 
177), “a organização da palavra comunica-se ao nosso espírito e o leva, 
primeiro, a se organizar; em seguida, a organizar o mundo”. Por essa 
razão, a sistematização do texto, a ordenação da forma com a qual se 
transmitirá a mensagem, implica necessariamente na comunicação de 
uma organização de ideias, a qual poderá resultar em uma forma dife-
rente de ver o mundo. 
Nesse sentido, o impacto da obra literária, oral ou escrita, aconte-
ce por meio da fusão inextrincável entre a mensagem e a forma (CÂN-
DIDO, 2011). Sendo assim, o poder da obra literária está intimamente 
ligado à eficiência alcançada pelo escritor neste processo de ordenação 
das palavras. Inegavelmente, esse empreendimento não é fácil, o belo 
poema de Drummond ilustra a agonia do literato ao professar que “Lu-
tar com palavras é a luta mais vã”.
A segunda constatação sobre a literatura, difundida por Cândi-
do, revela que a obra literária é uma forma de expressão, de comunicar 
sentimentos e proporcionar experiências novas. Esse entendimento é 
semelhante ao de Aristóteles, para quem a arte literária “se trata, não só 
de imitar uma ação em seu conjunto, mas também de imitar fatos ca-
pazes de suscitar o terror e a compaixão, e estas emoções nascem prin-
cipalmente (e mais ainda) quando os fatos se encadeiam contra nossa 
Carlos Rafael Dias
22
experiência” (Aristóteles, 2010, p. 15). Para o pensador grego, a beleza 
da literatura está justamente nessa capacidade de comunicar sentimen-
tos, forçar reflexões, de maneira tal que, ainda que o filósofo considere a 
obra literária uma imitação da realidade, ele também admite que, para o 
leitor, ler passa a ser uma experiência verdadeira. Isto porque, ao simu-
lar as situações cotidianas, a obra literária proporciona a possibilidade 
de se refletir sobre a realidade. Nesse sentido, para Aristóteles, a litera-
tura se aproxima da filosofia.
Vargas Llosa (2002) corrobora, também, desse entendimento da 
literatura como forma de expressão, para o autor, a criação ficcional 
nos transporta para o universo criado pelo escritor e nos faz entrar em 
contato com emoções e pensamentos novos, capazes de ampliar nossa 
experiência humana. E por mais fantasiosa que seja a obra literária “ela 
afunda suas raízes na experiência humana, da qual se nutre e à qual 
alimenta” (LLOSA, 2004, p. 21). Para Llosa, seja na escrita realista ou na 
escrita fantástica, o poder da ficção se opera indistintamente, fazendo o 
leitor ampliar seus horizontes, ao mergulhar na representação de reali-
dades, de experiências, que se pode identificar na vida.
A terceira face da literatura, apontada por Cândido (2011), diz 
respeito à obra literária ser uma incorporação de conhecimento. Para 
o autor, de maneira consciente ou inconsciente, a obra literária atua 
sobre o leitor trazendo uma mensagem. Esse conteúdo transmitido, 
além do conhecimento latente proveniente da organização das emo-
ções e de uma visão diferente do mundo – conforme já expusemos 
ao dissertarmos sobre as duas primeiras faces da literatura – também 
apresenta níveis de conhecimento intencional planejados pelo autor 
e conscientemente assimilados pelo leitor. Nesses níveis de conheci-
mento, o autor injeta suas intenções de propaganda, ideologia, crença, 
revolta, adesão.
Nesse sentido, também, é o pensamento de Sartre (2004), que ao 
buscar definir a literatura, começa a desenvolver seu raciocínio a partir 
da indagação “que é escrever? ”. O filósofo responde ao questionamento 
A REPRESENTAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO CONTO “PARA QUE NINGUÉM A QUISESSE” DE MARINA COLASANTI
23
inicial a partir da premissa de que “falar é agir” (SARTRE, 2004, p. 20). 
Para Sartre,
ao falar, eu desvendo a situação por meu próprio projeto de 
mudá-la; desvendo-a a mim mesmo e aos outros, para mudá-
-la; atinjo-a em pleno coração, traspasso-a e fixo-a sob todos os 
olhares; passo a dispor dela; a cada palavra que digo, engajo-me 
um pouco mais no mundo e, ao mesmo tempo, passo a emergir 
dele um pouco mais, já que o ultrapasso na direção do porvir 
(SARTRE, 2004, p. 20)
Para o filósofo francês, quem se dispõe a escrever o faz buscando 
mudar a realidade, de modo que todo escritor escolheu um modo de 
agir em face do mundo, chamado por ele de “ação por desvendamento” 
(SARTRE, 2004, p. 20). Em outras palavras, o escritor é um ser engajado 
que decidiu escrever para comunicar ao mundo suas ideias, seus pensa-
mentos, e, em alguns casos, utiliza do empreendimento da escrita para 
denunciar iniquidades, como ocorre no que Cândido chama de “litera-
tura social”, composta por obras em que existe uma tomada de posição 
política e humanitária. Sobre esses textos, assevera o autor: “a literatura 
satisfaz, em outro nível, à necessidade de conhecer os sentimentos e a 
sociedade, ajudando-nos a tomar posição em face deles” (CÂNDIDO, 
2011, p. 180).
Nesse sentido, em referência a pesquisa que ora desenvolvemos, 
acreditamos que a obra de Marina Colasanti se situa nesse tipo de lite-
ratura social, já que os símbolos, as alegorias presentes em seus textos, 
representam a situação da mulher na sociedade e denunciam, de certa 
forma, as iniquidades de um sistema opressor.
De acordo com Bourdieu (2002), a força da dominação mascu-
lina reside na violência simbólica, uma violência insensível, invisível, 
que faz com que a vítima não perceba que se encontra em uma situa-
ção de violência. Esse poder hipnótico da violência simbólica se deve 
justamente ao longo processo histórico e cultural de incorporação da 
Carlos Rafael Dias
24
desigualdade de gênero ao imaginário social. A forma de romper com 
a dominação masculina, segundo o sociólogo francês, é desmascarar 
essa opressão por meio de atos de conhecimento que proporcionem 
uma “transformação radical das condições sociais de produção das 
tendências que levam os dominados a adotar, sobre os dominantes e 
sobre si mesmos, o próprio ponto de vista dos dominantes” (BOUR-
DIEU, 2002, p. 53).
Como já pontuamos anteriormente, Antônio Cândido (2011, p. 
188) assevera que a literatura pode constituir-se em um “instrumentoconsciente de desmascaramento, pelo fato de focalizar as situações de 
restrição dos direitos, ou da negação deles, como a miséria, a servidão, 
a mutilação espiritual”.
 Dessa forma, acreditamos que a literatura é um dos meios de 
superação do poder hipnótico da violência simbólica, isto porque pode 
instigar reflexões sobre os instrumentos simbólicos subjacentes às rela-
ções sociais de que o pensamento patriarcal se vale para naturalizar a 
opressão sobre as mulheres. A literatura, em nossa visão, pode ser um 
meio legítimo de empoderamento, propiciando o conhecimento sobre 
alguns direitos femininos desconhecidos por grande parte das mulhe-
res, e fornecendo, dessa forma, meios para o exercício desses direitos.
1.5 Análise do conto “Para que ninguém a quisesse”
O conto “Para que ninguém a quisesse” descreve uma relação 
marcada por uma constante violência psicológica, em que o marido se 
comporta de maneira abusiva, exigindo que a mulher se desvencilhe de 
traços da sua identidade. A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) 
insere a violência psicológica no rol das formas de violência doméstica 
e familiar passíveis de intervenção do Estado na vida privada, com o 
propósito de assegurar a integridade física e psicológica da mulher. O 
art. 7º, II, daquele texto legal define violência psicológica como:
A REPRESENTAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO CONTO “PARA QUE NINGUÉM A QUISESSE” DE MARINA COLASANTI
25
qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da 
autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvi-
mento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comporta-
mentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, 
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, per-
seguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimi-
dade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir 
ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológi-
ca e à autodeterminação (BRASIL, 2006).
As atitudes expostas na narrativa, como o homem controlar o 
modo que a mulher se veste, a forma com que exprime sua identidade, 
comportamentos abusivos que infligem sofrimento psicológico à mu-
lher, fazendo com que exista prejuízo a sua saúde psíquica, todas essas 
ações caracterizam a violência psicológica e entram na aplicabilidade da 
Lei Maria da Penha. 
Do ponto de vista jurídico-processual, o maior problema nos ca-
sos de violência psicológica é que dificilmente se consegue fazer prova 
em juízo sobre a materialidade desse tipo de violência. A prática judiciá-
ria tem dado maior guarida aos casos em que existe uma lesão aparente, 
mais facilmente demonstrável, como na violência física e alguns casos 
de violência sexual e patrimonial.
Durante a oficina procuramos instigar as participantes da pes-
quisa a dizer se consideravam que as atitudes praticadas pelo marido no 
conto colasantiano se caracterizavam ou não como violência doméstica. 
O propósito era compreender a percepção dessas mulheres acerca da 
violência contra a mulher, mais precisamente em relação as formas de 
violência que não deixam marcas visíveis. Nesse sentido seguem alguns 
relatos:
ORQUÍDEA – Eu tenho pra mim que a gente tem que ver bem 
as coisas. O marido dizer que gosta mais de uma roupa ou de 
outra, ou então falar que alguma roupa tá mostrando demais, 
Carlos Rafael Dias
26
não acho que tem problema não. Mas aí ir lá e jogar roupa da 
mulher fora, cortar o cabelo dela por causa de ciúme, aí já acho 
que é violência sim.
ANAH FLOR – Eu acho que é muito errado o homem querer 
mandar na mulher, mas a mulher casada também tem que en-
tender que tem roupa que não é de mulher casada usar. Mas vio-
lência eu acho que não é não, a gente nunca vê alguém ser preso 
por causa de não deixar a mulher se arrumar (risos).
SOL – Quando eu era casada já passei por umas coisas assim, 
meu marido não gostava que eu colocasse roupas curtas e com 
decote. Eu achava normal, as vezes eu ficava brava, mas sabia que 
no fundo ele tava cuidando de mim.
Dos relatos das mulheres podemos perceber, conforme propõe 
Saffioti (1999), que entre o que se concebe por violência e o que se admi-
te como o normal em uma relação de casais existe uma fronteira bastan-
te nebulosa. De modo que não é verdade admitir que todas as mulheres 
terão a mesma consciência acerca da existência dos limites a serem tras-
passados para que um relacionamento passe a ser violento. Esses limites 
serão formatados na individualidade, cada mulher, de acordo com sua 
vivência, experiência, cultura, terá fronteiras mais largas ou mais estrei-
tas de reconhecimento de ações que possam ser consideradas condutas 
violentas.
Dessa forma, se tomarmos por base o pensamento de Bourdieu 
acerca da violência simbólica ser uma violência invisível, insensível, 
naturalizada, o reconhecimento das violências de resultado imaterial – 
como o são a moral e a psicológica – pode ser bastante problemático, 
de forma que muitas mulheres vivem situações de violência psicológica, 
mas não a entendem como um processo violento, por terem assimila-
do em seus mecanismos simbólicos que algumas condutas abusivas são 
naturais.
Das falas das estudantes e da premissa do texto, podemos perce-
ber uma certa adesão tácita a padrões de comportamentos moldados 
A REPRESENTAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO CONTO “PARA QUE NINGUÉM A QUISESSE” DE MARINA COLASANTI
27
pela sociedade que estabelecem, com fundamento em condicionamen-
tos morais, uma separação entre o vestuário considerado apropriado 
para mulheres solteiras e casadas. Por que o vestuário da mulher ca-
sada tem que manter o corpo mais coberto que o da solteira? Estaria a 
sensualidade feminina em contraposição ao instituto do casamento? De 
quem é o corpo da mulher casada, dela ou do marido?
O pensamento patriarcal, muito bem delineado e apresentado no 
texto, implica, como assevera Scott (1995), na dominação do corpo da 
mulher, sendo a sexualidade considerada a chave do patriarcado. O ma-
rido do conto não se enciumara da mulher por alguma atitude dela que 
tivesse sugerido interesse por outros homens, mas “porque os homens 
olhavam demais para a sua mulher” (COLASANTI, 1986, p. 111).
O ciúme não era de afeto, e sim de propriedade. O problema não 
estava na fidelidade conjugal, pairava sobre a defesa do domínio sobre a 
mulher. O pensamento que subjaz é do homem como colonizador e da 
mulher como terra colonizada. Para o marido, a vontade, a liberdade, as 
escolhas da mulher lhe são indiferentes, a preocupação é com os outros 
colonizadores que se aproximam de sua propriedade. Para usar os con-
ceitos de Beauvoir (1970) sobre alteridade, o marido se preocupa com 
os outros sujeitos e a ameaça que paira sobre o seu objeto.
A relação do homem com a mulher segue o binômio possuidor-
-posse. Já a relação do homem com os outros homens pelo corpo da 
mulher segue a lógica patriarcal consistente nas disputas influenciadas 
pelos três valores propostos por Plastino (2016) como pontos centrais 
do patriarcalismo: conflito, conquista e dominação. Dessa forma, pelo 
pensamento patriarcal, ainda muito vívido em nossa sociedade, o corpo 
da mulher é visto como propriedade do marido. O corpo da mulher 
casada deve estar coberto como quem põe muros em volta de sua pro-
priedade, sua feminilidade só pode se revelar para seu possuidor.
Outro elemento importante de ser observado no conto, é que as 
exigências do marido passaram a ser cada vez mais rigorosas e se reves-
tiam de tons imperativos: “mandou que descesse a bainha” / “exigir que 
Carlos Rafael Dias
28
eliminasse os decotes” / “tosquiou-lhe os longos cabelos”. A gravidade 
das limitações dirigidas à mulher foi aumentando até o ponto em que o 
cabelo dela foi tosquiado. Isso demonstra a tendência existente na traje-
tória da violência contra a mulher em que as agressões começam menos 
violentas e ganham ascendência em força, intensidade e periodicidade. 
Assim como a trajetória violenta costuma começar com violência psi-cológica e evoluir para agressões físicas, os dois primeiros comandos do 
marido foram ordens (mandou, exigiu) e o último foi ação física (tos-
quiou).
Uma metáfora importante foi constatada durante as oficinas 
“Eu morei muito tempo na roça e lá a gente não usa essa palavra ‘tos-
quiar’ pra gente não, a gente usa mesmo é pra animais, pra cortar o 
pelo deles, será que a mulher não foi chamada de animal? ” (RUBI). 
Referir-se a mulher como um animal domesticado é dizer que o pro-
cesso de retirada da liberdade da mulher resulta também na perda 
de sua humanidade. Quanto mais agredida em sua identidade, me-
nos humana se torna a mulher. No texto, a referência ao processo de 
perda de humanidade é cuidadosa: primeiro a mulher foi tosquiada, 
depois tornou-se “esquiva como um gato”, e, enfim, foi “mimetizada 
com os móveis e as sombras”. Perdida em si mesmo, tornando-se em 
sombra, o estado da mulher no conto é idêntico ao de muitas vítimas 
de violência psicológica que adoecem, ficam depressivas e acabam 
no isolamento.
Ao conquistar seu objetivo de fazer com que mais nenhum ho-
mem olhe e se interesse por sua mulher, o marido encontra paz na nar-
rativa “Agora podia viver descansado. Ninguém a olhava duas vezes, ho-
mem nenhum se interessava por ela”. Enquanto isso, a mulher deixava 
de passar pela praça, evitava sair de casa, com medo de provocar algum 
olhar masculino, pelo qual seria culpada e punida (JACOBSEN, 2018). 
Aquele homem havia implementado uma estratégia de controle social 
com sua mulher, de modo que a dominação pela violência se mostra 
presente em toda a narrativa.
A REPRESENTAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO CONTO “PARA QUE NINGUÉM A QUISESSE” DE MARINA COLASANTI
29
Por fim, o marido começa a sentir falta, não da mulher, mas da-
quele objeto de desejo que um dia despertou olhares de outros homens. 
Então começa a trilhar o caminho da sedução levando batom, vestido 
de seda e uma rosa de cetim. No entanto, a empreitada de conquista 
não tem sucesso, pois a mulher, ao acatar toda a humilhação que lhe foi 
imposta, acabou por desistir de si mesma.
1.6 Considerações Finais
A questão da violência contra a mulher chama atenção pela gran-
deza dos números que normalmente estão ligados ao fenômeno, por 
essa razão se constitui em uma das mais graves mazelas sociais, caracte-
rizando-se pela persistência e durabilidade dos preceitos e preconceitos 
que a sustentam.
Esses antigos paradigmas cultivam um pensamento patriarcal que 
atua na sociedade e direciona comportamentos de forma praticamente 
invisível, operando por meio daquilo que Bourdieu (2002) nomeou de 
violência simbólica. O poder dessa violência reside, justamente, nessa 
invisibilidade e o tempo, a repetição, o inculcamento são o que lhe ga-
rantem força e permanência.
Dessa forma, a não ser que exista uma interferência externa que 
provoque profunda reflexão sobre seus fundamentos, o pensamento 
patriarcal atua no sujeito sem que ele sequer pense a respeito, fazendo 
com que suas ações, ainda que cruéis e injustas, tenham aparência de 
normalidade. Esse é o caso da dominação masculina, da manutenção 
de inúmeros privilégios dos homens em detrimento das mulheres e da 
persistente desigualdade de gênero.
É, também, o fundamento primeiro do uso da força e da agressi-
vidade pelos homens, no interior dos lares, para controlar suas mulhe-
res. É, igualmente, o substrato do sentimento de posse, do ciúme doen-
tio, da necessidade de controle sobre a mulher. O paradigma patriarcal 
é o alicerce mais firme para a perpetuação do comportamento violento.
Carlos Rafael Dias
30
Em colisão frontal a este problema, a investigação proposta neste 
estudo adquiriu importância por buscar na arte, mais precisamente na 
literatura, meios de combater o poder desse paradigma patriarcal. Pro-
pugnou-se por colocar mulheres, estudantes com trajetórias escolares 
descontínuas, em contato com o conto “Para que ninguém a quisesse”, 
de Marina Colasanti, texto que representa questões concernentes a rela-
cionamentos abusivos e diferentes formas de violência contra a mulher.
O objetivo principal de analisar em conjunto com as participan-
tes da pesquisa as formas de violência contra a mulher foi cumprido. 
Embora, como se viu, as respostas denotaram uma assimilação tácita 
por parte das mulheres de um pensamento patriarcal dominante, prin-
cipalmente quando consideram que a demanda masculina por contro-
lar-lhes o modo de se portar e se vestir é justificada por um instinto 
natural de proteção.
Finalmente, conclui-se, utilizando a perspectiva de Llosa (2004), 
que a ficção de Marina Colasanti, como toda obra literária, revela verda-
des sobre nós e sobre o mundo. E por mais que seja uma mentira ficcio-
nal, o texto literário analisado nesta pesquisa dialoga, eloquentemente, 
com a realidade da mulher brasileira contemporânea.
1.7 Referências 
ARISTÓTELES. Arte Poética. São Paulo: Martin Claret, 2010.
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo sexo I: fatos e mitos. 4. ed. São 
Paulo: Difusão europeia do livro, 1970.
BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Ed. Ber-
trand Brasil, 2002.
____. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: EDUSP, 
2007.
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2009.
A REPRESENTAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO CONTO “PARA QUE NINGUÉM A QUISESSE” DE MARINA COLASANTI
31
Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, Planalto. Disponível em < http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm 
> Acesso em: 05 de set. De 2019. 
CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. Ciência e 
cultura. São Paulo, v. 24, n. 9, p. 803-809, set. 1972.
 ____. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2011.
COLASANTI, Marina. Contos de amor rasgados. Rio de Janeiro: Roc-
co, 1986.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. Edi-
tora Atlas, 2008.
JACOBSEN, Kallige Cristina. Direito e Literatura: a construção iden-
titária da mulher em Marina Colasanti. 2018. 161 f. Dissertação (Mes-
trado em Letras) - Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2018.
LLOSA, Mario Vargas. A verdade das mentiras. São Paulo: Arx, 2004.
PLASTINO, Carlos Alberto. Do paradigma da dominação ao paradig-
ma do cuidado. Divulgação em saúde para debate. Rio de Janeiro, n. 
53, p. 25-40, jan. 2016.
SAFFIOTI, Heleieth Iara Bongiovani. Rearticulando gênero e classe so-
cial, in: COSTA, Albertina de Oliveira e BRUSCHINI, Cristina (Org.). 
Uma questão de gênero. Rio de Janeiro, Rosa dos Tempos; São Paulo, 
Fundação Carlos Chagas, 1992.
SARTRE, Jean-Paul. O que a literatura? São Paulo: Ática, 2004.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educa-
ção e Realidade, Porto Alegre, v. 20, n. 2, jul. /dez., 1995.
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da violência 2015. Homicídios de 
Mulheres no Brasil. Brasília, 2015. <http://www.mapadaviolencia.org.
br/pdf2012/mapa2012_mulher.pdf>. Acesso em 24 de abril de 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
32
Guilherme Ramos de Oliveira | Letícia Gisele Pinto de Moraes
2. AFLIÇÕES DE AMARO E AS DENÚNCIAS DA LI-
TERATURA
Guilherme Ramos de Oliveira4
Letícia Gisele Pinto de Moraes5
Resumo 
Abordar questões raciais e homossexualidade em textos não é tarefa fá-
cil, já que o autor tem a preocupação em passar a mensagem correta ao 
leitor. No Brasil, o contexto histórico e social é composto por misoginia, 
machismo, homofobia e racismo, que com o passar dos anos vem sendo 
trabalhado para que seja superado e as pessoas que são oprimidas por 
estes preconceitos, não tenham mais suas existências ameaçadas e pos-
sam viver da melhor maneira possível. Neste sentido, a literatura tem 
abraçado causas e movimentos sociais na representação das minorias e 
denúncia dos meios e modos de opressão, cumprindo com sua função 
social em romper paradigmas e modificar a realidade do leitor. A vista 
deste papeltransgressor das obras literárias, volta-se o olhar para Bom 
Crioulo, história escrita por Adolfo Caminha, em 1895, que explora as 
inquietações e aflições de um marinheiro negro e homossexual do sé-
culo XIX. Sendo assim, a presente pesquisa tem por escopo a revisão 
bibliográfica da obra, para compreender as proposições do autor entre 
4 Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Ensino, Associação ampla IFMT-
-UNIC. E-mail: demolay.groliveira@gmail.com
5 Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ensino, Associação ampla IFMT-
-UNIC. E-mail: leticiapmq@gmail.com
33
AFLIÇÕES DE AMARO E AS DENÚNCIAS DA LITERATURA
ficção e realidade, e levando em consideração a importância da leitura 
literária para o avanço nos debates relacionados a gênero, sexualidade 
e racismo.
Palavras-chave: Literatura. Homossexualidade. Racismo.
2.1 Introdução
O debate acerca da inclusão e aceitação de pessoas lésbicas, gays, 
bissexuais, transexuais, queer, intersexuais, assexuais e outras variações 
de sexualidade e gênero, tem ganhado espaço na sociedade, por meio de 
movimentos sociais, redes, livros, artigos, pesquisas, revistas, jornais e 
periódicos. No entanto, o que se vê é o desabrochar da luta de inúmeros 
autores que deram início a essa discussão lá no passado.
Sob esta perspectiva, volta-se o olhar para uma obra literária pu-
blicada em 1895, num brasil recém abolicionista e republicano, eivado 
de conservadorismo, pobreza, racismo, preconceito ao diferente e ho-
mofobia. Todavia, como precursor no caminho da quebra de paradig-
mas, Adolfo Caminha, traz em Bom Crioulo, diversos estigmas sociais 
dos quais precisavam ser discutidos naquela época.
A obra que denuncia violência, homofobia, racismo e machismo 
através de um personagem negro/preto e homossexual, trouxe inquie-
tação e indignação para o público da época, já que não estavam ha-
bituados com tamanha ousadia. Deste modo, encara-se que este livro 
ao provocar o leitor a refletir sobre a vida de pessoas marginalizadas e 
discriminadas, apenas pela cor da pele e orientação sexual, revela uma 
ideologia dominante que perpassa gerações e deve ser aniquilada.
Para tanto, por ser uma obra escrita no século XIX, está repleta 
de termos e posicionamentos que são considerados inadequados atual-
mente. Visto que se publicada nos dias atuais, certamente seria criticada 
pelas polêmicas envolvendo o título do livro e idade dos personagens. 
Outrora, considerando seu papel precursor, sendo a primeira literatura 
34
Guilherme Ramos de Oliveira | Letícia Gisele Pinto de Moraes
brasileira a relatar a paixão entre dois homens, há de se reconhecer sua 
importância para a discussão acerca da homoafetividade.
Neste sentido, a análise do texto volta-se para a mensagem que 
o autor se propôs a passar, com o intuito de que casais homossexuais 
são como casais heterossexuais, seus anseios, desejos e vontades são os 
mesmos, que não há diferença entre eles. Todavia, deixa claro o contex-
to histórico da trama, convidando o leitor a participar e compreender 
que a história daquele personagem, paralelamente seria a realidade de 
muitas pessoas que são inferiorizadas por sua classe social, etnia, cor de 
pele e orientação sexual.
Por ora, tem-se uma leitura repleta de informações sobre a mari-
nha, castigos aos marinheiros, como homossexuais e negros eram vistos 
pela sociedade em geral, de modo que ao comparar o período que o 
texto foi publicado, aos dias atuais, houve certo progresso em relação 
aos assuntos abordados, em decorrência da luta pelos direitos humanos, 
mas ainda há muito o que conquistar para a tão sonhada igualdade e 
equidade dos povos.
2.2 Explorando a história de Amaro 
Em 1895, Adolfo Caminha, trouxe à tona a discussão de racismo, 
homossexualidade e bissexualidade na obra Bom Crioulo. Por ora, nota-se 
que o título já é um apontamento ao racismo, tendo em vista que a palavra 
‘crioulo’ é usada em tom pejorativo às pessoas negras/pretas. Antemão, a 
análise do texto visa demonstrar a genialidade do autor em criticar uma 
sociedade preconceituosa, antiquada, escravocrata, racista e homofóbica.
A ficção aborda a história de Amaro, negro, que fora escravo, mas 
conseguiu fugir e se refugiar na marinha brasileira. Por ser considerado 
ótimo marinheiro, passou a ser chamado de Bom Crioulo pelos com-
panheiros de trabalho. Outrora, em fases obscuras, tornava-se nocivo e 
consequentemente era castigado: 
35
AFLIÇÕES DE AMARO E AS DENÚNCIAS DA LITERATURA
Seguia-se o terceiro preso, um latagão de negro, muito alto e cor-
pulento, figura colossal de cafre, desafiando, com um formidável 
sistema de músculos, a morbidez patológica de toda uma gera-
ção decadente e enervada, e cuja presença ali, naquela ocasião, 
despertava grande interesse e viva curiosidade: era o Amaro, ga-
jeiro da proa – o Bom Crioulo na gíria de bordo. (p.32)
Vê-se que Amaro possuía características físicas peculiares, um 
sujeito másculo, viril, forte, mas por circunstâncias inapropriadas aca-
bava causando confusão e sendo punido, bem como os demais colegas 
de trabalho. Os marinheiros que descumpriam as regras eram presos e 
castigados com chibatadas. Por ora:
Quando havia conflito no cais Pharoux, já toda a gente sabia que 
era o Bom Crioulo às voltas com a polícia. Reunia povo, toda a 
população do litoral corria enchendo a praça, como se tivesse 
acontecido uma desgraça enorme, formavam-se partidos a favor 
da polícia e da Marinha... uma coisa indescritível! (p.34)
Deste modo, fica claro que Amaro causava confusões cor-
riqueiramente, sendo castigado inúmeras vezes no decorrer do 
exercício de sua profissão. No entanto, sempre que ocasionava 
conflitos, era decorrente de ingestão de bebidas alcoólicas ao fi-
nal da jornada de trabalho. Até que certo dia originou uma nova 
confusão, sendo:
O motivo, porém, de sua prisão agora, no alto-mar, a bordo da 
corveta, era outro, muito outro: Bom Crioulo esmurrara desa-
piedadamente uma segunda classe, porque este ousara, “sem o 
seu consentimento”, maltratar o grumete Aleixo, um belo ma-
rinheirito de olhos azuis, muito querido por todos e de quem 
diziam-se “cousas”. (p.34)
36
Guilherme Ramos de Oliveira | Letícia Gisele Pinto de Moraes
A partir daqui o texto começa a abordar o interesse que Amaro 
passa a ter por um colega da marinha, o grumete Aleixo. Percebe-se que 
a afeição pelo jovem marinheiro era tamanha, de modo que impulsio-
nou uma briga em sua defesa. Nestes termos, antes de avançar para o 
romance entre Amaro e Aleixo, o autor busca esclarecer as aflições do 
personagem: 
Ele, o escravo, “o negro fugido” sentia-se verdadeiramente ho-
mem, igual aos outros homens, feliz de o ser, grande como a na-
tureza, em toda a pujança viril da sua mocidade, e tinha pena, 
muita pena dos que ficavam na “fazenda” trabalhando, sem ga-
nhar dinheiro, desde a madrugadinha té... sabe Deus! (p.37)
 
Basta esclarecer que não se sabe exatamente o período que se pas-
sa a história, se antes ou depois do abolicionismo, no entanto Caminha 
enfatiza a liberdade que Amaro obteve ao fugir da fazenda onde era 
escravizado, passando a refugiar-se na marinha. Lugar que se sentia ver-
dadeiramente homem. Assim:
Amaro soube ganhar logo a afeição dos oficiais. Não podiam 
eles, a princípio, conter o riso diante daquela figura de recruta 
alheio às praxes militares, rudo como um selvagem, provocando 
a cada passo gargalhadas irresistíveis com seus modos ingênuos 
de tabaréu; mas, no fim de alguns meses, todos era de parecer 
que “o negro dava para gente”. Amaro já sabia manejar uma es-
pingarda segundo as regras do ofício, e não era lá nenhum boto-
cudo em artilharia; criara fama de “patesca”. Nunca, durante esse 
primeiro ano de aprendizagem, merecera a pena de um castigo 
disciplinar: seu caráter era tão meigo que os próprios oficiais co-
meçaram a tratá-lo por Bom Crioulo. (p.38)
Reafirma-se a competência de Amaro neste trecho, no entanto 
percebe-se o racismo presente no posicionamento dos demais mari-
37
AFLIÇÕES DE AMAROE AS DENÚNCIAS DA LITERATURA
nheiros, pois o tratavam com inferioridade. Entretanto, passam a afei-
çoá-lo quando encontraram nele um excelente oficial por desempenhar 
bom trabalho e acatar ordens. Haja vista, inicialmente não era de causar 
conflitos, exceto quando passou a adotar hábitos ébrios e posteriormen-
te apaixonar-se por Aleixo:
Diziam uns que a cachaça estava deitando a perder “o negro”; 
outros, porém, insinuavam que Bom Crioulo tornara-se assim, 
esquecido e indiferente, dês que “se metera” com o Aleixo, o tal 
grumete, o belo Marinheiro de olhos azuis, que embarcara no 
Sul. – O ladrão do negro estava mesmo ficando sem-vergonha! 
E não lhe fossem fazer recriminações, dar conselhos... Era muito 
homem para esmagar um! (p.43)
Amaro se afeiçoou pelo grumete e não sabia lidar com a situação, 
deixando que os demais marinheiros notassem o que estava acontecen-
do entre os dois. Ocorre que uma relação homossexual não era aceita no 
século XIX, de modo que era perigoso e arriscado o que se passava entre 
os dois. “O próprio comandante já sabia daquela amizade escandalosa 
com o pequeno. Fingia-se indiferente, como se nada soubesse, mas co-
nhecia-se-lhe no olhar certa prevenção de quem deseja surpreender em 
flagrante...” (CAMINHA, 1895, p. 43). 
À vista disso, para que Amaro e Aleixo pudessem dar continuida-
de com a relação, deveriam ser discretos, para evitar escândalos. Assim, 
ressalta-se a homofobia existente no período que a obra foi escrita, de 
modo que uma relação entre dois homens jamais seria aceita pela socie-
dade. Adiante:
Tudo isso, porém, não passava de suspeitar, e Bom Crioulo, com 
o seu todo abrutalhado, uma grande pinta de sangue no olho 
esquerdo, o rosto largo de uma prognatismo evidente, não se in-
comodava com o juízo dos outros. – Não lho dissessem na cara, 
porque então o negócio era feio... A chibata fizera-se para o ma-
38
Guilherme Ramos de Oliveira | Letícia Gisele Pinto de Moraes
rinheiro: apanhava até morrer, como um animal teimoso, mas 
havia de mostrar o que é ser homem! (p.43)
Isto é, os acontecimentos entre Amaro e Aleixo eram deduzidos 
pelos demais, pois ambos mantinham comportamento discreto. Toda-
via, ainda que soubesse dos comentários homofóbicos, o marinheiro 
não se incomodava, pois mesmo que fosse punido pela ocasião, teria 
escrúpulos para lidar com a covardia. Neste seguimento: 
Sua amizade ao grumete nascera, de resto, como nascem todas 
as grandes afeições, inesperadamente, se precedentes de espécie 
alguma, no momento fatal em que seus olhos se fitaram pela 
primeira vez. Esse movimento indefinível que acomete ao mes-
mo tempo duas naturezas de sexos contrários, determinando o 
desejo fisiológico de posse mútua, essa atração animal que faz 
o homem escravo da mulher e que em todas as espécies impul-
siona o macho para a fêmea, sentiu-a Bom Crioulo irresistivel-
mente ao cruzar a vista pela primeira vez com o grumetezinho. 
Nunca experimentara semelhante cousa, nunca homem algum 
ou mulher produzira-lhe tão esquisita impressão, desde que se 
conhecia! Entretanto, o certo é que o pequeno, uma criança de 
quinze anos, abalara toda a sua alma, dominando-a, escravizan-
do-a logo, naquele mesmo instante, como a força magnética de 
um ímã. (p.43-44)
Observa-se que a atração de Amaro por Aleixo é genuína, não é 
um sentimento efêmero, já que potencializa com a amizade de ambos. 
Outrora, há uma problemática moral neste romance, tendo em vista que 
o grumete nem está perto de completar a maioridade. Sendo assim, o 
autor aguça a criticidade do leitor em relação a diferença de idades do 
casal, pois partindo da premissa que não deve haver preconceito com a 
homossexualidade, há problema gravíssimo na formação de um casal 
entre um adulto e um adolescente de quinze anos.
39
AFLIÇÕES DE AMARO E AS DENÚNCIAS DA LITERATURA
No desenrolar da trama, Amaro se mostra completamente encan-
tado e apaixonado por Aleixo, de modo que nunca houvera se afeiçoado 
por outra pessoa. Assim, deixa claro que no passado tentou se relacionar 
com mulheres, mas resultou em frustração. A partir destas experiências 
mal logradas, preferiu seguir sem se relacionar com ninguém, até o apa-
recimento do grumete em sua vida. Assim descreve:
Não se lembrava de ter amado nunca ou de haver sequer arrisca-
do uma dessas aventuras tão comuns na mocidade, em que en-
tram mulheres fáceis, não: pelo contrário, sempre fora indiferen-
te a certas cousas, preferindo antes a sua pândega entre rapazes 
a bordo mesmo, longe de intriguinhas e fingimentos de mulher. 
Sua memória registrava dois fatos apenas contra a pureza quase 
virginal de seus costumes, isso mesmo por uma eventualidade 
milagrosa: aos vinte anos, e sem o pensar, fora obrigado a dor-
mir com uma rapariga em Angra dos Reis, perto das cachoeiras, 
por sinal dera péssima cópia de si mesmo como homem; e, mais 
tarde, completamente embriagado, batera em casa de uma fran-
cesa no largo do Rocio, donde saíra envergonhadíssimo, jurando 
nunca mais se importar com “essas cousas”... (p. 48)
Ante a este sentimento que só crescia em Amaro, também o fazia 
questionar os motivos desta afeição por um homem, mesmo sendo um 
instinto natural, pois sabia dos riscos de relacionar-se com uma pessoa 
do mesmo sexo. Sabendo que outros marinheiros também se relaciona-
vam e ocultavam a homossexualidade, para não serem julgados imorais, 
para ele seria mais fácil relacionar-se com uma mulher e evitaria maio-
res problemas, como se vê:
Tudo isto fazia-lhe confusão no espírito, baralhando ideias, re-
pugnando os sentidos, revivendo escrúpulos. – É certo que ele 
não seria o primeiro a dar exemplo, caso o pequeno se resolvesse 
a consentir.... Mas – instinto ou falta de hábito – alguma cousa 
40
Guilherme Ramos de Oliveira | Letícia Gisele Pinto de Moraes
dentro de si revoltava-se contra semelhante imoralidade que ou-
tros de categoria superior praticavam quase todas as noites ali 
mesmo sobre o convés.... Não vivera tão bem sem isso? Então, 
que diabo! Não valia a pena sacrificar o grumete, uma criança... 
Quando sentisse “a necessidade”, aí estavam mulheres de todas as 
nações, francesas, inglesas, espanholas... a escolher! (p.49)
Visto que mesmo ao avaliar os perigos de manter-se apaixona-
do por homem, resolveu se arriscar por Aleixo e dar continuidade ao 
romance. Com isto, colaborou com o crescimento do grumete na mari-
nha, ensinando-o a ser um excelente oficial. Todavia, ante ao desabro-
char deste sentimento, resolveram avançar com a relação:
Depois de um silêncio cauteloso e rápido, Bom Crioulo, conche-
gando-se ao grumete, disse-lhe qualquer cousa no ouvido. Alei-
xo conservou-se imóvel, sem respirar. Encolhido, as pálpebras 
cerrando-se instintivamente de sono, ouvindo, com o ouvido 
pegado ao convés, o marulhar das ondas na proa, não teve âni-
mo de murmurar uma palavra. Viu passarem, como em sonho, 
as mil e uma promessas de Bom Crioulo: o quartinho da rua da 
Misericórdia no Rio de Janeiro, os teatros, os passeios...; lem-
brou-se do castigo que o negro sofrera por sua causa; mas não 
disse nada. Uma sensação de ventura infinita espalhava-se-lhe 
em todo o corpo. Começava a sentir no próprio sangue impulsos 
nunca experimentados, uma como vontade ingênita de ceder aos 
caprichos do negro, de abandonar-se-lhe para o que ele quisesse 
– uma vaga distensão dos nervos, um prurido de passividade... 
– Ande logo! Murmurou apressadamente, voltando-se. E consu-
mou-se o delito contra a natureza. (p.60)
Nestes termos, o autor instiga o leitor a se questionar por que a 
relação sexual consentida entre dois homens que se amam, é considera-
da um delito contra a natureza. Reflexão esta que perpassa pelo século 
XXI, de modo que ainda existe preconceito com casais homoafetivos. 
41
AFLIÇÕES DE AMARO E AS DENÚNCIAS DA LITERATURA
Contudo, afirmando não ser contra sua natureza, “ao pensar nisso, Bom 
Crioulo sentia uma febre extraordinária de erotismo, um delírio inven-
cível de gozo pederasta... Agora compreendia nitidamenteque só no 
homem, no próprio homem, ele podia encontrar aquilo que debalde 
procurara nas mulheres”. (CAMINHA, 1895, p. 63)
Todavia, em uma nova passagem, passa a compreender seus in-
sucessos com as mulheres que tentou se relacionar no passado, já que 
concluiu ser homossexual. Importante ressaltar que Amaro compreen-
deu sua natureza após longos anos de sua existência, cujo processo se 
diferencia de pessoa para pessoa. De modo que reflete:
Afinal de contas era homem, tinha suas necessidades, como 
qualquer outro: fizera muito em conservar-se virgem té aos trin-
ta anos, passando vergonhas que ninguém acreditava, sendo 
muitas vezes obrigado a cometer excessos que os médicos proí-
bem. De qualquer modo estava justificado perante sua consciên-
cia, tanto mais quanto havia exemplos ali mesmo a bordo, para 
não falar em certo oficial de quem se diziam cousas medonhas 
no tocante à vida particular. Se os brancos faziam, quanto mais 
os negros! É que nem todos têm força para resistir: a natureza 
pode mais que a vontade humana... (p. 64)
Após compreender sua natureza e orientação sexual, Amaro ago-
ra quer trilhar este caminho com Aleixo, e não se esconder a exemplo 
de um dos oficiais com quem trabalha. Para tanto, ao avançar a história, 
ele e o grumete alugam um quarto no sobradinho de D. Carolina, para 
que quando estivessem em terra, pudessem partilhar seus momentos de 
casal. Sendo assim:
Bom Crioulo, desde a primeira noite dormida no sobradinho, 
começou a experimentar uma delícia muito íntima, assim como 
um recolhido gozo espiritual – certo amor à vida obscura daque-
la casa onde ultimamente quase ninguém ia, e que era o seu que-
42
Guilherme Ramos de Oliveira | Letícia Gisele Pinto de Moraes
rido valhacoito de marujo em folga, o doce remanso de sua alma 
voluptuosa. Não sonhava melhor vida, conchego mais ideal: o 
mundo para ele resumia-se agora naquilo: um quartinho pegado 
às telhas, o Aleixo, e.… nada mais! Enquanto Deus lhe conser-
vasse o juízo e a saúde, não desejava outra cousa. (p.74)
Amaro e Aleixo para se resguardarem, mantinham o relaciona-
mento com discrição, trabalhando na marinha, mas quando voltavam 
para cidade, se abrigavam no sobradinho. De modo que esta situação 
perdurou por meses, como ressalta:
 
Quase um ano de convivência fora bastante para que ele se iden-
tificasse absolutamente com o grumete, para que o ficasse conhe-
cendo, e a convicção de que Aleixo não o traía entregando-se à 
fúria selvagem de qualquer marmanjo, a certeza de que era res-
peitado pelo outro, comunicava-lhe essa tranquilidade confiante 
de marido feliz, de capitalista zeloso que traz o dinheiro guarda-
do inviolavelmente. (p.81)
Entretanto, após meses mantendo esta rotina, Amaro se vira for-
çado a se afastar de Aleixo, pois recebeu uma gratificação e teria que 
passar mais tempo trabalhando. Assim, os dias de romance no sobra-
dinho estariam contados. Mesmo ante ao recém empecilho, Amaro es-
tava decidido a não perder este amor, que passou a se transformar em 
obsessão:
E o negro ficou pensando no grumete, sentado à mesa, de crista 
caída, esgravatando maquinalmente a unha com um fósforo. – 
“Aquilo” não ia bem... Precisava tomar uma resolução: abando-
nar o Aleixo, acabar de uma vez, meter-se a bordo, ou então ami-
gar-se aí com uma rapariga de sua cor e viver tranquilo... Estava 
emagrecendo à toa, não comia, não tinha descanso, em termos 
de adoecer, de apanhar uma moléstia, por causa do “sr. Aleixo”. 
43
AFLIÇÕES DE AMARO E AS DENÚNCIAS DA LITERATURA
Se ao menos pudesse vê-lo todos os dias, como na corveta...; mas 
assim, longe um do outro? Não valia a pena, era cair no desfru-
te... (p. 98)
Inseguro com sua atual posição, Amaro questiona se deve ou não 
esperar por Aleixo, já que estava longe de casa e não tinha informações 
sobre o que pudesse estar acontecendo. Tendo em vista que o grumete 
estava na flor da idade, poderia se afeiçoar por outros rapazes. No en-
tanto, mal ele sabia que a preocupação dele estava dentro do próprio 
sobradinho: 
D. Carolina realizara, enfim, o seu desejo, a sua ambição de mu-
lher gasta: possuir um amante novo, mocinho, imberbe, com 
uma ponta de ingenuidade a ruborizar- lhe a face, um amante 
quase ideal, que fosse para ela o que um animal de estima é para 
seu dono – leal, sincero, dedicado té ao sacrifício. (p.113)
Amaro estando longe da cidade, D. Carolina e Aleixo passaram 
a se relacionar, o que para o desenvolvimento da trama é superinteres-
sante, pois inicialmente o grumete é apresentado como homossexual. 
Desta feita, em 1895, Adolfo Caminha além de dar voz à representação 
da homossexualidade, também traz à tona a bissexualidade do jovem 
rapaz cujo personagem principal é perdidamente apaixonado. Outros-
sim, há de se reiterar a diferença exorbitante nas idades de D. Carolina 
e do adolescente Aleixo, evidenciando-se novamente a problemática do 
relacionamento entre um adulto e um menor de idade.
Adiante, não era interesse de D. Carolina, que Amaro mantivesse 
contato com Aleixo, de modo que fez o possível para mantê-los inco-
municáveis. Neste ínterim, o jovem grumete reflete sobre a relação que 
esteve com Amaro e se vê melhor sem ele, tendo em vista que tinha 
tudo que lhe era possível, mas a obsessão do amado o fazia um ser em 
cativeiro, como explica o texto:
44
Guilherme Ramos de Oliveira | Letícia Gisele Pinto de Moraes
Mas Aleixo não podia esquecer Bom Crioulo. A figura do negro 
acompanhava-o a toda parte, a bordo e em terra, quer ele quises-
se quer não, com uma insistência de remorso. Desejava odiá-lo 
sinceramente, positivamente, esquecê-lo para sempre, varrê-lo 
da imaginação como a um pensamento mau, como a uma ob-
sessão insólita e enervante; mas, debalde! O aspecto repreensivo 
do marinheiro estava gravado em seu espírito indelevelmente; 
a cada instante lembrava-se da musculatura rija de Bom Criou-
lo, de seu gênio rancoroso e vingativo de sua natureza extraor-
dinária – híbrido conjunto de malvadez e tolerância –, de seus 
arrebatamentos, de sua tendência para o crime, e tudo isso, to-
das essas recordações o acordavam, punham-lhe no sangue um 
calefrio de terror, um vago estremecimento de medo, qualquer 
cousa latente e aflitiva... Suas expansões com a portuguesa eram 
incompletas, vibravam-lhe os lábios em sorrisos de falsário, cada 
vez que ela o exaltava para deprimir o outro... (p. 115)
Para tanto, Amaro tinha voltado a beber e se envolveu em uma 
confusão, a qual acarretou um castigo que lhe fez ser internado em 
um hospital. Neste tempo que estava no hospital, mandou um bilhete 
a Aleixo, que em conversa com D. Carolina, resolveu não responder e 
seguir sua vida sem Amaro. Esta inércia do grumete fez com que Amaro 
se revoltasse completamente contra o amado, de modo que:
Era um misto de ódio, de amor e de ciúme, o que ele experimen-
tava nesses momentos. Longe de apagar-se o desejo de tornar a 
possuir o grumete, esse desejo aumentava em seu coração ferido 
pelo desprezo do rapazinho. Aleixo era uma terra perdida que 
ele devia reconquistar fosse como fosse; ninguém tinha o direito 
de lhe roubar aquela amizade, aquele tesouro de gozos, aque-
la torre de marfim construída pelas suas próprias mãos. Aleixo 
era seu, pertencia-lhe de direito, como uma cousa inviolável. Daí 
também o ódio ao grumete, um ódio surdo, mastigado, brutal 
como as cóleras de Otelo... (p. 137-138)
45
AFLIÇÕES DE AMARO E AS DENÚNCIAS DA LITERATURA
E, assim, vê-se um amor sendo desfeito, já que após Aleixo ig-
norar seu bilhete, Amaro vai atrás de respostas e acaba se deparando 
com a situação que não desejava. Acarretando o final trágico da história. 
Portanto, demonstrando a realidade preconceituosa presente na comu-
nidade, esta é uma obra que denuncia inúmeros problemas políticos, 
culturais, econômicos e sociais, através de uma abordagem crítica sobre 
racismo e homossexualidade. 
2.3 Discussões acerca de racismo e homossexualidade a partir da li-
teratura de Adolfo Caminha 
A literatura de Adolfo Caminha

Continue navegando