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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS 
INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM 
 
 
GIULIA MENDES GAMBASSI 
 
 
 
 
 
 
Mulheres, adolescência e conflito com a lei: 
uma análise discursivo-desconstrutiva 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CAMPINAS, 
2018
 
 
GIULIA MENDES GAMBASSI 
 
Mulheres, adolescência e conflito com a lei: 
uma análise discursivo-desconstrutiva 
 
 
 
 
Dissertação de mestrado apresentada ao 
Instituto de Estudos da Linguagem da 
Universidade Estadual de Campinas para 
obtenção do título de Mestra em 
Linguística Aplicada na área de Linguagem 
e Sociedade. 
 
 
 
 
Orientadora: Profa. Dra. Maria José Rodrigues Faria Coracini 
 
 
Este exemplar corresponde à versão final 
da Dissertação defendida pela aluna 
Giulia Mendes Gambassi e orientada 
pela Profa. Dra. Maria José Rodrigues 
Faria Coracini. 
 
 
 
CAMPINAS, 
2018 
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8326-818
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem
Crisllene Queiroz Custódio - CRB 8/8624
 
 Gambassi, Giulia Mendes, 1990- 
 G142m GamMulheres, adolescência e conflito com a lei : uma análise discursivo-
desconstrutiva / Giulia Mendes Gambassi. – Campinas, SP : [s.n.], 2018.
 
 
 GamOrientador: Maria José Rodrigues Faria Coracini.
 GamDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Estudos da Linguagem.
 
 
 Gam1. Adolescentes (Meninas). 2. Identidade (Psicologia) em adolescentes. 3.
Detenção de menores. 4. Mulheres e psicanálise. 5. Linguagem e psicanálise.
6. Estudos de gênero. 7. Análise do discurso. I. Coracini, Maria José Rodrigues
Faria, 1949--. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da
Linguagem. III. Título.
 
Informações para Biblioteca Digital
Título em outro idioma: Women, adolescence and conflict with the law: : a discursive-
deconstructive analysis
Palavras-chave em inglês:
Teenage girls
Identity (Psychology) in adolescence
Juvenile detention
Women and psychoanalysis
Language and psychoanalysis
Gender studies
Discourse analysis
Área de concentração: Linguagem e Sociedade
Titulação: Mestra em Linguística Aplicada
Banca examinadora:
Maria José Rodrigues Faria Coracini [Orientador]
Mariana Rafaela Silva Batista Peixoto
Claudete Moreno Ghiraldelo
Data de defesa: 26-02-2018
Programa de Pós-Graduação: Linguística Aplicada
Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)
http://www.tcpdf.org
BANCA EXAMINADORA:
Maria José Rodrigues Faria Coracini
Mariana Rafaela Batista Silva Peixoto
Claudete Moreno Ghiraldelo
IEL/UNICAMP
2018
Ata da defesa, com as respectivas assinaturas dos membros da banca, encontra-se no
SIGA - Sistema de Gestão Acadêmica.
 
 
Dedicatória 
 
Às mulheres que, generosamente, aceitaram construir esta dissertação 
conosco, às que se negaram em participar e às que nada puderam dizer. 
 
Aos meus irmãos (Alice, Ana Lígia, Mariana e Pedro) e à esperança que eles 
me trazem. 
 
A Salvador José Troise (in memoriam), o primeiro mestre (em) que (me) 
(re)conheci. 
 
À Juliana e à Lena, mulheres que me mostraram os caminhos do que é estar 
neste mundo performando o gênero feminino, além do que espera e oferece o senso 
comum. 
 
 
 
Agradecimentos 
Acredito que os agradecimentos de uma pesquisa devem contemplar o 
reconhecimento da contribuição (in)direta de algumas pessoas para sua escrit(ur)a e a 
confissão de que nada (vida e/ou pesquisa) seria possível sem o outro. Aproveito também 
para tentar indulgenciar minhas ausências, os dias sombrios e os momentos de isolamento 
que, em sua maioria, foram compreendidos e acalentados por aqueles com quem tive a 
sorte de dividir esses dois anos. 
Pelo apoio incondicional, leitura cuidadosa e ombro amigo desde o início 
desta pesquisa, agradeço à Renan Kenji Sales Hayashi, amigo a quem tanto (con)fio e 
admiro profundamente como pesquisador, professor e humano. 
Pelos cafés, jantares e palavras de apoio, assim como pelo incentivo, pela 
cumplicidade e pelo carinho, agradeço à Bruna Tella Guerra, à Cláudia Alves, ao Junot 
Maia, à Natasha Magno e ao Ricardo Bezerra. Aos amigos Lua Gill e Rodrigo Cardoso 
vale um à parte, pois não só me ouviram, ampararam e incentivaram, como me levaram 
para um lugar remoto com cafés da manhã e noites de jogos de tabuleiro para que eu 
pudesse terminar as correções pós-qualificação em plena época de festas. Jamais poderei 
esquecer ou agradecer a amizade generosa de vocês. 
À Fabiana Anjos, agradeço pelas tardes e noites de estudo no bitolódromo, 
pelos almoços e conversas, assim como pela amizade querida e sincera. 
Por compreender minhas ausências e me apoiar, mesmo que às vezes à 
distância, agradeço a: Beatriz Muniz, Daniel Mariotti, Maíra Balau, Priscila Yuri Nago, 
Talita Barbary, Tatiane Zerbini e Thais Kirita. 
Aos docentes Cláudia Hilsdorf Rocha, Daniela Palma, Lauro Baldini e Márcia 
Mendonça, agradeço pelo enriquecimento de meus questionamentos, pelas oportunidades 
e pelo fomento a conhecer novas formas de atuar e estar na Linguística Aplicada e no 
IEL. 
Pela parceria e generosidade na luta pelas cotas na pós-graduação do IEL, 
agradeço aos integrantes do GT Pró-Cotas nos anos de 2016, 2017 e 2018 por terem 
marcado incomensuravelmente a minha vida e militância, assim como a escrita desta 
dissertação (Bruna Tella Guerra, Bruno Santos, Danielle Lima, Felipe Nascimento, 
Janaína Tatim, Lua Gill, Natasha Magno, Rafahel Parintins e Rodrigo Cardoso). 
Às Profas. Dras. da UFMG Andréa Guerra e Jacqueline Barbosa, agradeço 
pela acolhida em seu grupo e auxílio imprescindível na produção do corpus desta 
pesquisa, estendendo meu muito obrigada aos membros de sua equipe que me acolheram 
 
 
durante minha estadia em Belo Horizonte, Ana Carolina Dias Silva, Lucas Alves e 
Rodrigo Lima. 
Agradeço, ainda, aos indispensáveis Cláudio Platero, Miguel Leonel, Raiça 
Fernandez e João Pereira de Sá Neto, companheiros e mestres da vivência discente no 
IEL, sem os quais os dias e prazos dos alunos da pós-graduação seriam (ainda mais) 
impossíveis, assim como a cada um os servidores do IEL e da Unicamp que estruturam e 
possibilitam a feitura de toda e qualquer pesquisa. Agradeço, ainda, à CAPES pela bolsa 
de fomento à pesquisa, recebida durante os dois anos de mestrado. 
Também foram vitais para o desenvolvimento desta dissertação as (quase 
infinitas) horas passadas na biblioteca do IEL, que só foram suportáveis devido à equipe 
empática aos destemperos do processo de escrita de uma pesquisa acadêmica. Por isso, 
agradeço a: Ana Aparecida Granzotto Llagostera, Crisllene Queiróz Custódio, Aparecida 
Maria Domingues, Cristiano Brito dos Santos, Dionary Crispim de Araújo, Lilian Demori 
Barbosa, Loide Brambilla, Lucas Zanellato Michelani e Maria Madalena Silva Brito. 
Às Profas. Dras. Claudete Ghiraldelo e Mariana Peixoto, membros da banca 
de qualificação e de defesa, agradeço a leitura generosa e atenta que (trans)formou a 
edição final desta dissertação. E pelas (in)certezas e contribuições, agradeço aos membros 
do grupo de pesquisa e orientandos da Profa. Dra. Maria José Coracini, que estiveram 
comigo desde 2012. 
Por fim, (re)vela-se o agradecimento que mais é difícil mensurar em palavras 
grafadas ou ditas, mas que tento expressar aqui. À Professora Doutora Maria José 
Coracini, agradeço por ter me apresentado à temática da exclusão social dentro dos 
estudos da linguagem como possibilidade de produção de conhecimento científico em 
minha monografia (que inicialmente se voltava aos estudos de tradução), assim como por 
ter me incentivado a pesquisar e a voltar para a Unicamp depois da graduação. Por ter me 
ensinado que há beleza nas incertezas e que é inaceitável contentar-se com o que se 
apresenta como óbvio e certo, agradeço; assim como por ter transformado a minha forma 
de lidar com a vida e comigo mesma, trazendocores e tons (des)confortáveis aos dias, às 
noites e às madrugadas de mestranda, essenciais para que eu pudesse tentar enxergar na 
escuridão do contemporâneo. E mesmo que já tenham se passado seis anos desde nossa 
primeira conversa na sala de projetos do grupo, ainda volto a ela(s) com o mesmo 
entusiasmo, admiração e ânsia por questionamentos (por vezes sem resposta) do primeiro 
dia. Que saibamos (re)conhecer novas possibilidades e perspectivas nos próximos quatro 
anos do doutorado. 
 
 
Epígrafe1 
 
 
1 A dificuldade que sentimos em encontrar uma epígrafe para nosso trabalho (re)afirmou o silêncio que 
amarra o nosso objeto de pesquisa. Na tentativa de encontrar dizeres que pudessem delimitar o tema desta 
dissertação, falhamos. Mas não porque não soubemos procurar quem falasse algo correlato a ele, mas pela 
nossa pesquisa ser/ter um (d)enunciado que remete à falta. Falta de representatividade, falta de espaço para 
a escuta. Por isso, em nossa epígrafe, ao invés de trazermos a palavra de outros para situar a motivação 
desta dissertação, marcamos, no branco desta página, o silenciamento do feminino, do marginal e do 
adolescente que acompanhou e (des)construiu esta pesquisa. 
 
 
Resumo 
O objetivo do presente trabalho é analisar como se dão as representações 
identitárias de três mulheres que estiveram em conflito com a lei durante a adolescência, 
problematizando o que dizem de si e considerando o imaginário de adolescentes, de 
jovens em conflito com a lei e de mulheres na sociedade. A partir dos estudos da 
linguagem, buscamos problematizar como se materializam ou se (re)produzem nos 
dizeres das participantes, assim como em suas representações de si e do outro, discursos 
recorrentes em nosso sistema homogeneizante, que parece ignorar a construção de 
identidades como um tecido contínuo, multifacetado e inacabado. Então, a partir da 
perspectiva discursivo-desconstrutiva cunhada por Coracini (2003, 2007, 2010, 2012, 
entre outros), consideramos que falar de si permite que sejam rastreados fragmentos da 
constituição identitária do sujeito que se expõe ao relatar sua história (CORACINI, 2008). 
Ademais, partimos do pressuposto de que dizeres recorrentes no senso comum 
(re)produzem estigmas sobre jovens em conflito com a lei, minimizando a adolescência 
a uma identidade generalizante e efêmera, assim como buscando moldar e predizer o 
comportamento feminino. Apesar disso, fazemos a hipótese de que os dizeres 
(re)produzidos sobre jovens mulheres em conflito com a lei não correspondem às suas 
representações de si. Essa hipótese se desdobra em três perguntas: (i) quais são e como 
se manifestam linguisticamente as representações que essas mulheres que estiveram em 
conflito com a lei têm de si?; (ii) de que forma essas representações convergem e/ou 
divergem das narrativas autorizadas sobre os sujeitos em conflito com a lei?; e (iii) caso 
apareçam questões relacionadas a gênero e a raça em seus dizeres, de que modo elas 
interferem nas representações que as participantes têm de si? O corpus da pesquisa, 
coletado oralmente e posteriormente transcrito, foi produzido com seu consentimento 
livre e esclarecido, partindo de um roteiro semiestruturado que visou fomentar 
depoimentos acerca de suas vivências. Como resultado principal, temos a confirmação 
parcial de nossa hipótese, pois, apesar de haver interferência do imaginário do que é ser 
mulher, adolescente e desviante da lei em suas representações identitárias, as 
representações dessas mulheres por vezes (re)produzem e por vezes excedem ou 
extrapolam formações discursivas que silenciam e impõem verdades aos grupos dos quais 
fazem parte. 
 
Palavras-chave: linguagem; identidade; estudos de gênero; prisão; psicanálise. 
 
 
 
Abstract 
The objective of this research is to analyze how the identity representations 
of three women that happened to be in conflict with the law during their adolescence 
occur, aiming to problematize what they say about themselves, considering the social 
imaginary regarding women, adolescents, and young people in conflict with the law. In 
the field of language studies, we aim to problematize how recurrent discourses – that are 
present in our homogenizing system and that seem to ignore the construction of identities 
as a continuous, multifaceted and unfinished fabric – materialize or are (re)produced in 
the sayings of the participants. In this sense, inserted in the discursive-deconstructive 
perspective coined by Maria José Coracini (2003, 2007, 2010, 2012, among others), we 
assume that speaking of oneself allows tracking fragments of the identity constitution of 
the subject, that exposes her/himself when reporting telling her/his history (CORACINI, 
2008). In addition, we assume that recurrent sayings in the common sense (re)produce 
stigmas of young people in conflict with the law, minimizing adolescence to a general 
and ephemeral identity, as well as seeks to shape and predict female behavior. 
Nevertheless, we hypothesize that the (re)produced sayings regarding young women in 
conflict with the law do not correspond to their representations of themselves. This 
hypothesis unfolds in three questions: (i) which are the representations that these women 
– who have been in conflict with the law – have of themselves and how they are 
manifested linguistically?; (ii) how these representations converge and/or diverge from 
authorized narratives about subjects in conflict with the law?; and (iii) if comments related 
to gender and race appear in their statements, how do they interfere in their 
representations of themselves? The corpus of this research, collected orally and later 
transcribed, was produced with their free and informed consent, starting from a semi 
structured script that aimed to instigate testimonies about their experiences. As a main 
result, we have the partial confirmation of our hypothesis because, although there is 
interference of the imaginary of what is to be a woman, an adolescent and a deviant of 
the law in their identity representations, the representations of these women sometimes 
(re)produce and sometimes exceed or extrapolate the discursive formations that silence 
and impose truths to the groups that they are part of. 
 
Keywords: language; identity; gender studies; prison; psychoanalysis. 
 
 
 
CONVENÇÕES USADAS NA TRANSCRIÇÃO DAS ENTREVISTAS 
 
/ (barra): indica uma pausa breve na fala da enunciadora. 
// (barras duplas): indicam pausa longa na fala da enunciadora. 
: (dois pontos): marcam alongamento na pronúncia de vogais. 
... (reticências): indicam hesitação na fala da enunciadora. 
[...]: indicam supressão de parte da fala da enunciadora. 
[ ]: indicam a inserção de comentário da pesquisadora. 
Maiúsculas: indicam ênfase na entonação da enunciadora. Salvo citação ao nome fictício 
das participantes, nomes de instituições ou outras palavras convencionalmente grafadas 
com a primeira letra maiúscula, serão transcritas em minúsculas. 
 
 
Sumário 
Introdução ..................................................................................................................... 14 
Parte 1: Trama de étamine .............................................................................................. 19 
Capítulo 1 – (In)visibilidade da prisão e de seus sujeitos .............................................. 21 
1.1 Poder de arquivo: proteção x silenciamento ......................................................... 23 
1.1.1 A Fundação CASA e a lei do ventre livre ...................................................... 26 
1.1.2 O mito da escrava Anastácia .......................................................................... 28 
1.2 Do suplício à (des)identidade ............................................................................... 32 
1.3 Heterotopia (im)possível .......................................................................................34 
Capítulo 2 – Conflito com a lei e adolescência: o retorno ao ato ................................... 37 
2.1. Adolescência em conflito com a lei ..................................................................... 38 
2.2 Da Lei e da segunda castração .............................................................................. 41 
2.3 Cultura ocidental e violência ................................................................................ 45 
2.4 Conflito com a Lei x conflito com a lei ................................................................ 47 
2.5 O retorno ao ato .................................................................................................... 49 
Capítulo 3 – Questão de gênero? .................................................................................... 52 
3.1 Da violência .......................................................................................................... 53 
3.2 Do desvio .............................................................................................................. 58 
3.3 Do corpo ............................................................................................................... 60 
Capítulo 4 – Os caminhos e a costura da pesquisa ......................................................... 64 
4.1 Perspectiva teórico-filosófica ............................................................................... 65 
4.1.1 Sujeito ............................................................................................................ 67 
4.1.2 Desconstrução ................................................................................................ 69 
4.1.3 Representações identitárias ............................................................................ 70 
4.1.4 Senso comum ................................................................................................. 72 
4.2 Produção do corpus: “onde é que elas estão?”...................................................... 75 
4.3 Amizade e herança: uma abordagem analítica desconstrutiva ............................. 81 
4.4 Da nossa violência: gestos de interpretação e cicatrizes ....................................... 87 
4.5 A verdade importa? ............................................................................................... 89 
4.6 Resistência como condição de produção .............................................................. 92 
Parte 2: Tapeçaria ........................................................................................................... 95 
Capítulo 5 - Voz (aprisio)nada ....................................................................................... 97 
5.1 (Estere)óticos: através do olhar do Outro ............................................................. 99 
 
 
5.1.1 Sobre( )viver sendo negra ............................................................................ 101 
5.1.2 Escrever (r)existências ................................................................................. 114 
5.1.3 Estar entre grades: adolescência e prisão ..................................................... 125 
Alinhavando .......................................................................................................... 134 
5.2 (Des)(a)creditadas: assujeitamento e feminilidades ........................................... 135 
5.2.1 Gradiva ......................................................................................................... 135 
5.2.2 (Frágil) corpo ............................................................................................... 145 
5.2.3 Humilhadas .................................................................................................. 155 
Alinhavando .......................................................................................................... 161 
5.3 Renom(e)ação: desistir sem renunciar ................................................................ 162 
Alinhavando .......................................................................................................... 168 
Histeriótipo: algumas conclusões ................................................................................. 170 
Referências bibliográficas ............................................................................................ 175 
ANEXO I – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ........................... 186 
ANEXO II – Roteiro semiestruturado .......................................................................... 188 
ANEXO III – História da Fundação CASA ................................................................. 189 
 
14 
 
Introdução 
Em agosto de 2015 foi aprovada na Câmara dos Deputados, em 2º turno, a 
redução da maioridade penal de 18 para 16 anos nos casos de crimes hediondos, 
homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.2 Esse fato marcou o ápice do debate 
sobre o tema – alongando-se durante o ano em questão –, que não incluiu, em nenhuma 
instância, aqueles que seriam diretamente impactados por essa mudança: as jovens e os 
jovens em conflito com a lei. Incomodou-nos que muito se falou (e ainda se fala) sobre 
esses jovens, mas pouco se sabe e se busca saber deles. Os adolescentes, principalmente, 
têm seus dizeres desconsiderados e, muitas vezes, desmerecidos pelos adultos. Caso 
entrem em conflito com a lei, a situação se agrava. 
Após alguma reflexão, evidenciaram-se, então, os constantes investimentos 
no apagamento desses sujeitos. O discurso da mídia3 (re)produz representações desses 
sujeitos, ecoando dizeres do senso comum4 que impõem a eles uma identidade de grupo 
como sendo perigosos, merecedores de todo e qualquer suplício que lhes aconteça nas 
instituições ditas de recuperação.5 Além disso, sobre os adolescentes em conflito com a 
lei, paira o descrédito de suas ações e intenções que parece tornar impossível a suposta 
reintegração social após o período de internação. Nos discursos que atravessam e são 
atravessados pelo contexto socio-histórico da escrita desta dissertação, as representações 
desses jovens são geralmente ligadas a um sentimento de medo e, ao mesmo tempo, de 
ojeriza, que também acompanha tudo o que foge às normatizações sociais.6 Temos, então, 
via linguagem, a construção de um imaginário sobre a delinquência – que, no caso deste 
 
2 Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2015/08/camara-aprova-em-2-turno-reducao-da-mai 
oridade-penal-para-16-anos.html. Acesso em: dez. 2017. 
3 “Na sociedade contemporânea, a mídia é cada vez mais relevante no agenciamento dos diferentes 
discursos, que disputam espaço e visibilidade nos meios de comunicação, muitas vezes como forma de 
legitimação. Cria-se, assim, um movimento que se retroalimenta, já que a mídia só pode constituir seus 
dizeres tecendo textos oriundos de diferentes discursos que lhe são, a priori, estranhos, mas que, por outro 
lado, precisam dela como forma de legitimação e visibilidade. Assim, a mídia constitui seu discurso 
mobilizando, aproximando e se apropriando de outros discursos sob uma nova regra: a regra da visibilidade 
ou do espetáculo” (RUBBO RONDELLI, 2014, pp. 44-5). 
4 Detalharemos o que entendemos por senso comum no capítulo quatro, item 4.1.4 Senso comum. 
5 No caso deste trabalho, foram produzidas entrevistas com mulheres que passaram pela Febem (Fundação 
Estadual do Bem-Estar do Menor), em São Paulo – atualmente Fundação CASA (Centro de Atendimento 
Socioeducativo ao Adolescente) –, pela Fundação CASA, também em São Paulo, e pelo CIA (Centro 
Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional) de Belo Horizonte. 
6 “Esses sentimentos exacerbados de medo do crime fundamentam, por sua vez, uma demanda da população 
por ordem através do aumento da repressão e intensificação das práticas punitivas, mesmo que isso 
signifique perdas na garantia dos direitoshumanos e, portanto, aumento na arbitrariedade das ações da 
polícia e do Estado”. Disponível em http://www.crianca.mppr.mp.br/pagina-294.html. Acesso em: jan. 
2018. 
15 
 
trabalho, se focará na delinquência durante a juventude – que parece predizer quem são e 
o que esperar desses sujeitos. 
Entretanto, ressaltamos que não se trata de uma análise sociológica ou de 
registros de diferenças de classe na criminalidade. O que empreendemos neste trabalho é 
uma análise de como, a partir da e na linguagem, é possível perceber o funcionamento de 
mecanismos de poder e de controle na constituição dos sujeitos, mais especificamente das 
mulheres que estiveram em conflito com a lei durante a adolescência. Isso, sem deixar de 
lado a complexidade dos fenômenos sociais e raciais que abrangem não só as participantes 
desta pesquisa, mas a população carcerária como um todo. 
Com isso em mente, propusemo-nos a investigar como esse senso comum7 
poderia influenciar nas representações de si de três mulheres que passaram por privação 
de liberdade na adolescência, visto o que delas é dito, em geral, na sociedade,8 e tendo 
em mente que, em sua maioria,9 elas não encontram espaço nos meios hegemônicos para 
se dizerem, suas vozes não encontram espaço para escuta. 
Ademais, escolhemos o gênero feminino como recorte para a composição de 
nosso corpus, por ser ainda mais contundente o silenciamento de mulheres encarceradas 
quando se pesquisa sobre os temas adolescência e conflito com a lei. É possível encontrar 
reportagens, entrevistas e documentários sobre jovens que entraram em conflito com a 
lei, mas apenas com dizeres de internos do gênero masculino. Logo, além de tratarmos de 
questões relacionadas ao crime e à adolescência, não podemos desarticular nossa pesquisa 
das questões de gênero e de raça que, para nós, mostraram-se prementes tanto por nossa 
escolha de abordar o gênero feminino quanto por duas das três participantes serem 
negras.10,11 
 
7Também construído pelo discurso científico, no qual estamos inseridas. 
8 Como veremos nos resultados de análise, as próprias entrevistadas ressaltam e retomam dizeres 
estereotipados com relação às mulheres presas, como a ideia de que mulheres se preocupam só com a 
estética (presente na fala de Eduarda), de que muitos acham que, por ter sido presa, aquela “ex-detenta” é 
a “pior pessoa do mundo” (presente na fala de Andreia), ou até mesmo que só se vai ou volta para a cadeia, 
caso não tenha “vergonha na cara” (presente na fala de Thais). 
9 Andreia é conhecida na mídia, tendo participado de programas de TV e documentários. 
10 Ademais, “[a]s mulheres negras vivem em condição mais vulnerável que as mulheres brancas e, em 
alguns aspectos, que os homens negros. A intersecção de gênero e raça se manifesta de forma específica 
nas nossas vidas” (SANTANA, 2016, s/n). 
11 Também nesse sentido, “[a]s mulheres negras representam o principal grupo em situação de pobreza. 
Somente 26.3% das mulheres negras viviam entre os não pobres, enquanto que 52.5% das mulheres brancas 
e 52.8% dos homens brancos estavam na mesma condição (IPEA, 2011). A maioria das mulheres negras 
reside nas regiões com menor acesso a água encanada, esgotamento sanitário e coleta regular de lixo. Por 
isso, estão mais expostas a fatores patogênicos ambientais e também àqueles fatores decorrentes de 
sobrecarga de tarefas de cuidado com o domicílio, o ambiente, com seus residentes e a comunidade, sob 
condições adversas e sem anteparo de políticas públicas adequadas” (GELEDÉS; CRIOLA, 2017, p. 11). 
16 
 
Articulamos, então, essas proposições teórico-filosóficas e os gestos de 
análise nos dizeres dessas mulheres, pois, assim como Frois (2017) propõe em sua 
pesquisa com mulheres encarceradas em Portugal, acreditamos que 
para compreendermos a reclusão, o seu impacto nas pessoas, na forma 
como perspectivam o seu passado, o seu presente e o seu futuro, é 
essencial percebermos também como chegaram aqui, que escolhas 
fizeram, como entendem e racionalizam o seu passado, a sua trajetória 
de vida (FROIS, 2017, p. 242). 
 
Apesar de sua pesquisa diferir da nossa por propor uma etnografia de 
mulheres presas em Lisboa, Frois considera que as relações de poder que compõem o 
espaço prisional inscrevem-se no corpo e na forma como as mulheres se apresentam e se 
autorrepresentam (FROIS, 2017, p. 243). Produzimos, então, esta dissertação a partir da 
análise dos dizeres de Eduarda, 18 anos, Andreia MF (Mães e Filhos do Hip Hop), 49 
anos e Thais, 20 anos – mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e 
Esclarecido para a gravação das entrevistas12 –, que passaram por períodos de internação 
na adolescência, tendo ocorrido no estado de São Paulo para duas delas e no estado de 
Minas Gerais para a terceira. A partir desse material de análise, assim como do contexto 
de produção desta dissertação, elaboramos nossa hipótese de pesquisa, que se desdobra 
em três perguntas. 
Partimos do pressuposto de que dizeres recorrentes no senso comum 
(re)produzem estigmas sobre jovens em conflito com a lei, minimizando a adolescência 
a uma identidade generalizante e efêmera, assim como buscando moldar e predizer o 
comportamento feminino. Apesar disso, fazemos a hipótese de que os dizeres 
(re)produzidos sobre jovens mulheres em conflito com a lei não correspondem às suas 
representações de si. Essa hipótese se desdobra em três perguntas: (i) quais são e como 
se manifestam linguisticamente as representações que essas mulheres que estiveram em 
conflito com a lei têm de si?; (ii) de que forma essas representações convergem e/ou 
divergem das narrativas autorizadas sobre os sujeitos em conflito com a lei?; e (iii) caso 
apareçam questões relacionadas a gênero e a raça em seus dizeres, de que modo elas 
interferem nas representações que as participantes têm de si? 
A partir disso, temos como objetivo geral contribuir para a área de Linguística 
Aplicada, no que tange às discussões sobre linguagem e representações identitárias, em 
 
12 Disponível no Anexo I. 
17 
 
contexto de vulnerabilidade13 social e marginalização, que majoritariamente condicionam 
as situações de conflito com a lei. Além disso, por nosso recorte tratar de conflitos 
ocorridos durante a adolescência, é possível contribuir também para o ambiente de sala 
de aula14 na esfera pública, que recebe essas jovens depois de períodos de internação e 
que, geralmente, não reflete sobre práticas de ensino adequadas a esse público, muitas 
vezes, por falta de material sobre ele. 
Como objetivos específicos, buscamos (i) problematizar de que maneira o 
senso comum influencia nas representações de si, especialmente nas representações que 
essas mulheres em conflito com a lei têm si e do outro; (ii) ponderar sobre subjetividade 
e linguagem via psicanálise freudo-lacaniana em casos de vulnerabilidade social e 
conflito com a lei; (iii) analisar como/se questões de gênero e raça se manifestam via 
linguagem reproduzindo o senso comum, principalmente em situações de vulnerabilidade 
social. 
Para que possamos confirmar ou refutar nossa hipótese total ou parcialmente, 
e responder a essas perguntas de pesquisa, organizamos esta dissertação em duas partes: 
Trama de étamine, que conterá os capítulos teórico-filosóficos e um capítulo 
metodológico, e Tapeçaria, que trará os resultados de análise e será seguida pelo capítulo 
de conclusão. Julgamos produtivo acomodarmos as discussões dessa maneira, pois, 
durante nosso percurso de pesquisa e, principalmente, no processo de análise, os 
resultados pareciam se costurar na trama teórico-filosófica que desenvolvemos neste 
trabalho. Por isso, na primeira parte, apresentaremos primeiro reflexões teórico-
filosóficas que irão orientar nosso olhar sobre o corpus para, depois, versarmos sobre a 
metodologia em si. Na segunda parte, organizamosos resultados de análise em eixos 
temáticos e não apenas em seções ou temas, pois, mesmo que possam ser reunidos sob 
assuntos específicos, os resultados de análise desta dissertação são multifacetados, 
atravessando e sendo atravessados uns pelos outros, tecendo efeitos de sentido que não 
são estanques, mas fluidos, constituindo, então, eixos que não dividem esses resultados 
 
13 Optamos por vulnerabilidade a exclusão social, pois consideramos que, mesmo que pretensamente 
excluídos pelas vozes hegemônicas, os sujeitos vulneráveis socialmente fazem parte da sociedade e de seu 
funcionamento, mesmo que não sejam considerados produtivos em uma visão neoliberalista, por isso, a 
palavra exclusão nos parece inadequada para esta dissertação. 
14 Essa questão foi trazida quando estávamos em campo, procurando participantes de pesquisa, por uma 
professora de uma escola municipal de Jundiaí, que disse que tanto para receber mães dos alunos da 
educação infantil quanto para dar aulas para essas jovens que passaram por internação na adolescência, é 
preciso refletir sobre como elas e a sociedade as veem, para, então, pensar em maneiras assertivas de manter 
a elas e a seus filhos na escola. 
18 
 
em partes iguais, mas que permitem que sejam colocados em foco, temas que se destacam 
ao mesmo tempo que se entretecem. 
Vale, ainda, ressaltar que este trabalho foi produzido por mulheres,15 partindo 
de um ponto de vista ocidental, pós-colonial e latino-americano – considerando também 
a cena de privilégio social em que estamos inseridas. Julgamos esse posicionamento 
relevante, pois esta dissertação foi produzida em um espaço incômodo no litoral que faz 
margem entre a linguagem e a sociedade, sendo-nos imprescindível marcar nosso lugar 
de fala.16 
 
15 Ressaltamos, ainda, que esta dissertação é obra não só da orientanda, da orientadora, das Professoras 
Doutoras integrantes da banca de qualificação e da banca de defesa, mas também (e principalmente) das 
mulheres que participaram da pesquisa, das que se recusaram a fazer parte dela e das que não pudemos ou 
conseguimos alcançar. 
16 Djamila Ribeiro publicou em 2017, pela editora Letramento, o livro O que é lugar de fala?, que aborda 
esse conceito a partir da perspectiva do feminismo negro. 
19 
 
PARTE 1: TRAMA DE ÉTAMINE 
Na primeira parte de nossa dissertação, apresentaremos a trama que, na segunda, 
será costurada por nossos resultados de análise. Assim como a étamine é o pano de fundo de 
um bordado ou de uma tapeçaria, os primeiros quatro capítulos de nosso trabalho constituem o 
tecido teórico-filosófico de nossa dissertação, que é multifacetado, possui diversos furos – que 
permitem acomodar espessuras diversas de linhas na união de seus pontos – e é facilmente 
desfiado. Seja pelos principais autores que mobilizamos apresentarem pontos de encontro e de 
desencontro entre si, ou por acreditarmos que não há escrit(ur)a17 neutra ou fixa, a étamine ou 
os quatro primeiros capítulos de nossa dissertação são apresentados a partir do entrecruzamento 
de fios diversos, que podem ser (des)fiados ou interpretados de diferentes maneiras. Ainda é 
interessante pontuar que, apesar de aparentar certa rigidez, com o manuseio, esse tipo de tecido 
tende a ficar mais maleável, assim como nossas posições teórico-filosóficas, que vão na 
 
17 Entendemos escrit(ur)a a partir do que propõe Foucault ([1969] 1992) sobre a escrita de si e Derrida ([1967] 
2000) sobre escritura, a partir da interpretação de Coracini (ECKERT-HOFF; CORACINI, 2010), que, aqui 
endossamos. Considerando, então, que a escrita de si (FOUCAULT, [1969] 1992) é uma tecnologia disposta para 
o cuidado de si, propondo uma condição para a ascese do pensamento que culminaria, considerando a estética da 
existência, na vida como obra de arte, a escritura (DERRIDA, [1967] 2000) estaria além do fono e do 
grafocentrismo, não sendo secundária à expressão de um sentido, mas, sim, propiciando sua constituição a partir 
da possibilidade de inscrição. Logo, a escrit(ur)a indica tanto o escrever sobre si (que não está necessariamente 
vinculado à grafia) como prática reflexiva importante para certa “excelência” da vida, quanto como movimento 
desconstrutor que possibilita que marcas do inconsciente se (re)velem e novos ou outros sentidos se (re)produzam. 
20 
 
contramão do que prima a maioria das ciências exatas e biológicas, por encararmos a parte 
“teórica” como um terreno movediço que não proporciona segurança ou conforto, mas 
orientações necessárias. 
Entretanto, assim como aqueles que irão bordar a étamine, é preciso que façamos 
uma bainha18 nesta parte de nossa dissertação para definir – tal qual aquele que borda o tecido 
– o limite do trabalho e evitar seu desfio. Nesse sentido, nossa bainha é a perspectiva teórico-
filosófica discursivo-desconstrutiva na qual nos inserimos – que delimita por onde serão 
bordados nossos gestos de análise – e a maleabilidade de nosso tecido se deu devido às 
(im)possibilidades que surgiram em nossa pesquisa e que desestabilizaram as previsões rígidas 
ou fixas que tentamos antecipar antes de iniciar o trabalho de campo. 
A seguir, então, apresentaremos três temas que irão introduzir questões teórico-
filosóficas sobre a prisão, a adolescência e o gênero feminino, organizados da seguinte forma: 
a (in)visibilidade da prisão, no capítulo um, em que iremos refletir brevemente sobre a história 
das prisões e do sistema carcerário no Brasil, considerando questões acerca do mal de arquivo 
(DERRIDA, [1995] 2001) e das novas formas de suplício (FOUCAULT [1975] 2012a), assim 
como uma certa heterotopia (FOUCAULT [1966] 2016) (im)possível atrelada à prisão; os 
pontos em comum entre o crime e a psicanálise freudo-lacaniana no capítulo dois, considerando 
o conflito com a Lei característico da adolescência, vinculado à violência e à cultura em que 
estamos inseridos; e questões de gênero – que não podemos desarticular de raça e de classe – 
no capítulo três. Para finalizar esta primeira parte e introduzir os resultados de análise, no 
capítulo quatro teceremos algumas considerações sobre o processo metodológico desta 
pesquisa, que resolvemos destacar da introdução por sua densidade e pelas dificuldades que 
encontramos no processo de investigação e de coleta de dados.19 
 
 
18 Entendemos “bainha” como dobra ou costura nas bordas do tecido – sendo esse tecido a étamine ou o texto. 
19 Embasamos nossas associações à étamine, a partir de um texto publicado no blog de Wagner Reis, professor de 
ponto-cruz. Disponível em: http://www.wagnerreis.com.br/2012/11/o-tecido-de-bordar-etamine-aida.html. 
Acesso em: nov. 2017. 
21 
 
Capítulo 1 – (In)visibilidade da prisão e de seus sujeitos 
A instituição prisão é, de longe, um iceberg. A parte aparente é a 
justificativa: “É preciso prisões porque há criminosos”. A parte escondida 
é o mais importante, o mais temível: a prisão é um instrumento de 
repressão social (FOUCAULT, [1971] 2015, p. 7). 
Pretensamente excluídos e esquecidos,20 os sujeitos em conflito com a lei – 
adolescentes ou não – parecem ter sido apagados da história; os muros que cercam as 
instituições a que são alocados parecem ter se fundido à paisagem e a sua (in)existência 
habita cenários ficcionais em livros, novelas, séries e filmes ou ocupa minutos – de leitura 
ou em frente à TV ou ao computador – daqueles que narram suas histórias: jornalistas, 
pesquisadores, documentaristas e gestores de testemunho.21 Nesse sentido, ao iniciarmos 
o trabalho de campo desta pesquisa, antes mesmo de conseguirmos contatar as 
participantes, o silenciamento institucional que encontramos na Fundação CASA 
(Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente) – mesmo que a 
Fundação proponha um funcionamentodiferente dos presídios, oferecendo um 
atendimento descentralizado a jovens de 12 a 21 anos – e seus ecos nas ONG responsáveis 
pelas medidas de Liberdade Assistida (LA),22,23 pareciam refletir uma política de estado 
que apaga e silencia os/as adolescentes que estão internados24 para cumprir medidas 
socioeducativas. Isso se destaca ainda mais por ser possível acessar instituições similares 
 
20 Ressaltamos que consideramos que esses sujeitos são pretensamente excluídos e esquecidos na 
sociedade, pois dela fazem parte, mesmo que, muitas vezes, sejam ignorados e marginalizados consciente 
ou inconscientemente. 
21 De acordo com Cruz (2016), a literatura de testimonio é um gênero que surgiu nos anos 1970 com o 
objetivo de construir a “verdadeira” história de opressão da dominação burguesa na América Latina, feita 
a partir da experiência e das vozes dos oprimidos (CRUZ, 2016, p. 3). Entretanto, a autora – que atualmente 
produz sua tese de doutorado (DTL/IEL/UNICAMP), por hora intitulada “Ousar resistir. Ousar existir.”: 
os militantes da resistência e a literatura pós-ditatorial –, questiona a mediação, o trabalho de edição em 
literaturas marginais – como de Carolina Maria de Jesus em Quarto de despejo: diário de uma favelada 
(Editora Francisco Alves, 1960) – e, principalmente, nas literaturas de testemunho – como Cela forte 
mulher (Labortexto Editoria, 2003), de Antonio Carlos Prado – em que o olhar e o ouvir do outro 
(inter)ferem nos testemunhos relatados (ainda sem publicação). 
22 De acordo com o site da Fundação, em 2010, “os serviços de LA, que eram realizados em parte pela 
Fundação CASA, foram totalmente municipalizados, com repasse estadual de verbas gerenciado pela 
Secretaria de Estado de Assistência e Desenvolvimento Social”. Disponível em: http://www.fundacaocasa. 
sp.gov.br/ View.aspx?title=medidas-socioeducativas&d=12. Acesso em: jan. 2018. 
23 Detalharemos quais são as medidas socioeducativas possíveis de serem aplicadas no capítulo quatro. 
24 Tanto nos sites da Fundação CASA e do CPDoc quanto em estudos feitos sobre adolescência e 
criminalidade, o termo internação é utilizado para se referir à privação de liberdade dos jovens e das jovens 
menores de 21 anos que cometeram ato infracional, sendo também usual o termo interno/interna para se 
referir ao adolescente. Iremos utilizar essas nomeações em alguns momentos de nosso trabalho, entretanto, 
não podemos deixar de lado que o uso dessa palavra remete a internações em casas de saúde, o que, por sua 
vez, relaciona-se à patologização do crime e da adolescência, como discutiremos no capítulo dois. 
22 
 
em outros estados, como Minas Gerais e Rio de Janeiro.25 Dos diversos contatos que 
fizemos com pesquisadores da área, a dificuldade de acessar a Fundação CASA é 
constante, (d)enunciada por muitos deles juntamente aos abusos e maus-tratos físicos e 
psicológicos às internas e aos internos. Ressaltamos também que os coletivos – como o 
Coletivo Autônomo Herzer,26 com o qual tivemos contato – que conseguem atuar nesses 
espaços não podem fazer nenhum registro do ambiente ou de dizeres dos jovens.27 
Considerando, ainda, que a incidência criminal feminina na adolescência é 
menor, assim como também são escassas as unidades direcionadas à sua pretensa 
socioeducação, o silenciamento imposto a elas é ainda mais notável. No estado de São 
Paulo temos 9.238 jovens institucionalizados por terem entrado em conflito com a lei, 
dos quais apenas 3,76% são do gênero feminino;28 no Brasil, são 23.447 homens para 
1.181 mulheres, ou seja, apenas 5% da população menor de idade em conflito com a lei 
é feminina.29 
Como relatamos, o acesso tanto às jovens mulheres em conflito com a lei 
quanto aos dados sobre elas é quase que interditado em sua totalidade, o que também é 
apontado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em pesquisa coordenada por Mello 
(2015): “ainda, não existem publicações e acompanhamentos acerca do cumprimento da 
medida socioeducativa de internação, o que torna ainda mais invisíveis as preocupações 
de políticas públicas e as especificidades de gênero” (MELLO, 2015, p. 9). Nessa 
pesquisa, outros dois apontamentos também são relevantes por apontarem a (não) 
interação do grupo de pesquisadores com a Fundação CASA. O primeiro deles refere-se 
à negativa de acesso à documentação: 
 
25 Fizemos contato com pesquisadores e ativistas relacionados ao tema de criminalidade e adolescência e 
foi-nos dada a possibilidade de entrar nas instituições desses estados. Optamos por não seguir esse caminho, 
por termos recebido denúncias de maus-tratos dentro das instituições que poderiam apresentar risco às 
participantes, caso decidissem falar algo que dessagrasse os agentes que acompanhariam a entrevista. 
26 “O Coletivo Autônomo Herzer é um coletivo anticapitalista e abolicionista penal que nasceu no início de 
2016 e luta pelo fim do encarceramento de jovens. Seu surgimento diz respeito a um desdobramento da 
Rede 2 de Outubro, que participou da organização de atos anuais para relembrar o Massacre do Carandiru 
e denunciar a continuidade dos massacres diários nas unidades prisionais de adultos e jovens [...]”. 
Disponível em: https://coletivoherzer.milharal.org/. Acesso em: jan. 2018. 
27 Thais esteve no CIA em Belo Horizonte/MG, mas, inicialmente, a pesquisa se focava no Estado de São 
Paulo, por isso, mencionamos, principalmente a Fundação CASA. Iremos detalhar essa questão no item 4.2 
Produção do corpus “onde é que elas estão?”. 
28 De acordo com o Boletim Estatístico Semanal emitido ao Governador do Estado em agosto de 2017. 
Disponível em: http://www.fundacaocasa.sp.gov.br/View.aspx?title=boletim-estat%C3%ADstico&d=79. 
Acesso em: ago 2017. 
29 De acordo com o Levantamento Anual do SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) 
de 2014. Disponível em: http://www.sdh.gov.br/noticias/pdf/levantamento-sinase-2014. Acesso em: ago. 
2017. 
23 
 
[n]o caso de São Paulo, a administração da Fundação Centro de 
Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação CASA) negou 
o acesso aos PIAs [Planos Individuais de Atendimento] ou prontuários 
das adolescentes. Sequer foi fornecida uma lista com o nome das 
meninas que cumpriam medida de internação [...] o que também 
inviabilizou a coleta dos dados nos processos judiciais das adolescentes. 
Sendo assim, os dados relativos a esse perfil socioeducativo foram 
fornecidos, já com as frequências tratadas, pela própria Fundação 
CASA, dados esses que a pesquisa não empreendeu nenhum controle, 
testagem e análise (MELLO, 2015, p. 15). 
 
Um pouco adiante, temos o relato de que, depois de um ano de espera e 
negociações, a equipe conseguiu permissão para interagir com as internas na Fundação, 
tendo a entrada das pesquisadoras sido autorizada três meses depois da aprovação oficial 
da pesquisa. Ressaltamos que essa dificuldade foi encontrada por uma equipe que fazia 
um levantamento para o CNJ, instituição pública legitimada pela Constituição Federal e 
que zela pela autonomia do Poder Judiciário. Logo, considerando a influência e a 
relevância legal do departamento, podemos ter uma melhor dimensão da dificuldade de 
pesquisadores de projetos independentes em terem os mesmos contatos e a mesma 
acessibilidade, como vemos a seguir: 
[p]or fim, no tocante a São Paulo, como já mencionado, o processo com 
a Fundação Casa foi difícil [...]. Não existia possibilidade de 
aproximação direta com as unidades, havendo a necessidade da 
mediação e autorização do setor competente para tanto [...]. Após 
muitas solicitações de informações pelo portal da transparência, 
telefonemas e e‑mails trocados, conseguimos o agendamento de uma 
reunião com a Presidência no final de janeiro de 2014 (MELLO, 2015, 
p. 17, grifos nossos). 
 
A partir, então, de nossa experiência, assim como de relatos de outros 
pesquisadores e dessa pesquisa do CNJ, nestecapítulo, iremos aprofundar o que 
entendemos por silenciamento e (in)visibilidade do sistema carcerário, voltando-nos mais 
especificamente para a Fundação CASA. 
 
1.1 Poder de arquivo: proteção x silenciamento 
Propomos, então, uma reflexão sobre o silenciamento e a (in)visibilidade a 
partir do conceito de arquivo, que exploraremos via Derrida ([1995] 2001), Coracini 
(2010a) e Roudinesco (2006). Para Derrida – de forma resumida e, principalmente a partir 
da obra Mal de Arquivo ([1995] 2001) –, o arquivo retém acontecimentos passados, mas 
também possibilidade de futuro, de (re)interpretações. Ao mesmo tempo em que se busca 
preservar uma memória, a partir do momento em que ela é arquivada, além de ser alterada, 
24 
 
cria-se a possibilidade de acessa-la em um tempo por-vir.30 Entretanto, quando se busca 
arquivar a memória – que é composta também de esquecimentos, recalques e repressões 
– nós a corrompemos. Ao escolher o que queremos guardar, hierarquizamos e 
classificamos acontecimentos, os violamos e, de certa forma, destruímos no que Derrida 
chamou de “mal de arquivo” (CORACINI, 2010a, p. 149). 
Ao nos voltarmos à Fundação CASA, em um primeiro momento, deparamo-
nos com uma seleção de arquivos sobre a instituição e sobre os/as adolescentes atendidos, 
disponibilizados no CPDoc (Centro de Pesquisa e Documentação)31,32; logo, defrontamo-
nos com a escolha da Fundação sobre o que a população pode saber sobre os jovens e as 
jovens que lá estão e estiveram. Isso nos levou a refletir junto a Roudinesco, em sua obra 
A Análise e o Arquivo (2006), sobre o apagamento dessas histórias que culminariam em 
duas relações com a produção de saberes a partir delas: a história como criação e seus 
saberes como saberes absolutos. No primeiro caso, o apagamento, a inacessibilidade da 
sociedade como um todo ao que viveram as jovens e os jovens em conflito com a lei, 
assim como interdição dos pesquisadores aos arquivos da Fundação, potencialmente 
ajuda a construir um estigma ou até mesmo um arquivo reinventado em dogma, como 
coloca a autora, sobre quem são essas pessoas, como vivem e se existe, realmente, 
possibilidade de socioeducação. Criam-se ideias fantasiosas sobre aqueles que estão 
“fora” das normas, pois “se tudo está apagado ou destruído, a história tende para a fantasia 
ou o delírio, para a soberania delirante do eu” (ROUDINESCO, 2006, p. 9). 
Por outro lado, também é possível que se tome como verdade e que se 
(re)produza o discurso engendrado pelas formas hegemônicas de saber, já que “[s]e tudo 
está arquivado, se tudo é vigiado, anotado, julgado, a história como criação não é mais 
possível: é então substituída pelo arquivo transformado em saber absoluto, espelho de si” 
(ROUDINESCO, 2006, p. 9). Seja pela mídia, pela indústria cultural, por documentos 
 
30 Para Derrida, em contraposição ao porvir, que se relaciona com o futuro previsível, o por-vir traz à tona 
o sentido de algo que chega como inesperado, o que ainda pode ser alterado, mas não planejado. 
31 “O Centro de Pesquisa e Documentação (CPDoc), criado e regulamentado pela Portaria Administrativa 
nº 873/2006, vinculado à Escola para Formação e Capacitação Profissional (EFCP), é um espaço de 
referência na pesquisa em história e historiografia da infância e adolescência brasileira, oferecendo uma 
vasta gama de documentos para as diferentes áreas de pesquisa. O CPDoc desenvolve atividades voltadas 
à identificação, coleta, preservação, tratamento e divulgação de acervos de natureza arquivística e 
bibliográfica, fomentando e oferecendo subsídios tanto à pesquisa ‒ de iniciação cientifica, pós-graduação 
latu senso e stricto sensu e aperfeiçoamento ‒ quanto à sociedade em geral, a partir de procedimentos 
estabelecidos pela Portaria Normativa nº 155/2008”. Disponível em http://www.fundacaocasa.sp.gov.br/ 
files/efcp/Guia_CPDOC.pdf. Acesso em: jul. 2017. 
32 O CPDoc foi o órgão com o qual entramos em contato para solicitar a entrada na Fundação CASA, assim 
como o acesso às jovens lá internadas. No capítulo quatro, iremos detalhar como esse contato foi feito. 
25 
 
oficiais, entre outros dizeres hegemônicos, vão se tecendo saberes em jogos de verdade 
(FOUCAULT, [1982] 2010) (re)produzidos no senso comum. Não é preciso procurar 
ouvir as vozes desses sujeitos, pois são deslegitimadas por esses processos, logo, não se 
questiona o que se fala sobre eles: são “farinha do mesmo saco”, “merecem sofrer” e 
falta-lhes “vergonha na cara”.33 
Acreditamos que o pouco que temos de informação é tão vigiado, anotado e 
julgado, tal qual coloca a autora, que se tem uma representação fixa de quem são as 
pessoas em conflito com a lei. Quando temos relatos de rebeliões, por exemplo, uma das 
reações comuns na sociedade é achar justificado um tratamento mais violento às presas e 
aos presos por eles terem apresentado um comportamento que os tornaria merecedores 
do que quer que a eles aconteça. 
Entretanto, o desconhecimento quanto às histórias de vida, aos caminhos e às 
possibilidades de futuro não só das e dos jovens, mas dos sujeitos que entram em conflito 
com a lei em geral, ajuda a construir não só um imaginário perverso sobre quem são esses 
seres não-mais-humanos, mas também um espectro que os impede de se reintegrarem à 
sociedade, pois são constantemente marcados e relembrados de que, em algum momento, 
confrontaram o que a sociedade dos cidadãos de bem mais preza: a lei e a moral. 
Esquecemo-nos de que essas pessoas tornam possível que a sociedade como vivemos seja 
como é; afinal, só pode haver acúmulo de capital por alguns, se outros não o retiverem, 
só pode haver cidadãos de bem se alguns forem considerados do mal. Chamamo-los de 
excluídos, em uma dicotomia nós/outros, mas não acreditamos ser possível que alguém 
deixe de fazer parte da sociedade; escolhemos (de maneira consciente ou não) colocá-los 
à margem, no esquecimento, arquivamos suas subjetividades e as transformamos em 
identidades de grupo. E essa “[n]ossa escolha [...] não se orienta por nenhum princípio 
abstrato, neutro, mas é uma negociação orientada ideologicamente, relacionada bem de 
perto com as políticas de interpretação” (CORACINI, 2010b, p. 152). Nesse sentido, 
também é (re)produzido o silenciamento desses sujeitos nos discursos da Academia e das 
Ciências Jurídicas, como comenta Derrida em Força de lei (2007) ao detalhar a violência 
performativa e instauradora da lei:34 
[o] discurso encontra ali seu limite: nele mesmo, em seu próprio poder 
performativo. É o que proponho aqui chamar, deslocando um pouco e 
generalizando a estrutura, o místico. Há ali um silêncio murado na 
 
33 Como veremos (re)produzido no dizer de Thais, no capítulo cinco. 
34 Discutiremos esse tema em 2.3 Cultura ocidental e violência. 
26 
 
estrutura violenta do ato fundador. Murado, emparedado, porque esse 
silêncio não é exterior à linguagem (DERRIDA, 2007, p. 25) 
. 
Ademais, é possível ver efeitos desses silenciamentos e das políticas de 
interpretação tanto nas falas de nossas entrevistadas – seja acerca de gênero, raça ou 
crime – quanto em documentos oficiais da própria Fundação CASA, como veremos a 
seguir. 
 
1.1.1 A Fundação CASA e a lei do ventre livre 
Durante nosso percurso de pesquisa, deparamo-nos, como mencionado 
anteriormente, com o silenciamento institucionalizado daqueles que estão ou estiveram 
em conflito com a lei. Para buscar construir nosso corpus e dar materialidade à nossa 
análise, utilizamos, além das entrevistas coletadas, pesquisas com temas semelhantes – 
como mencionamos na introdução deste capítulo – e, como veremos a seguir, documentos 
disponibilizados pela Fundação. 
Em uma de nossas buscas, deparamo-nos com a seção do site da Fundação 
CASA que versa sobre sua história e chamou-nos à atenção a associação que a própria 
assessoria de imprensa fazcom a história da escravidão e o processo de criação da 
instituição.35 Observemos, então, o trecho que destacamos da seção: 
Ventre livre 
O primeiro projeto de proteção à infância do qual se tem 
conhecimento foi enviado à Assembleia Constituinte por José 
Bonifácio de Carvalho, no século 19, e passou a ser representado pelo 
Artigo 18 da Constituição da época, na qual se estabelecia que: “a 
escrava, durante a prenhez e passado o terceiro mês, não será obrigada 
a serviços violentos e aturados; no oitavo mês, só será ocupada em casa, 
depois do parto terá um mês de convalescença e, passado este, durante 
um ano, não trabalhará longe da cria.” 
Em 1871, com a promulgação da Lei do Ventre Livre, começou 
a ficar evidente o problema do jovem abandonado. O Governo, então, 
criou o primeiro sistema de atendimento à criança e ao adolescente. 
A abolição da escravatura, em 1888, causou grande crescimento 
do número de abandonados e infratores. Em 1894, o jurista Candido 
Mota propôs a criação de uma instituição específica para crianças e 
adolescentes que, até então, ficavam em prisões comuns. 
No ano de 1896, a Roda, sistema usado pelos conventos da época 
para o recolhimento de donativos, foi transformada na Casa dos 
Expostos devido ao aumento do número de crianças atendidas pela 
mesma e também pela deficiência da proteção dada pelas amas pagas 
para alimentar as crianças no período de adaptação.36 
 
 
35 Conteúdo disponível na íntegra no Anexo III. 
36 Disponível em: http://www.fundacaocasa.sp.gov.br/View.aspx?title=a-fundacao-historia&d=83. Acesso 
em: set. 2017. Grifo nosso. 
27 
 
Dois pontos, principalmente, destacam-se nesse excerto. Primeiro, temos a 
relação explícita da escravidão e do mal planejado processo de abolição com a “criação” 
de um destino pobre e contraventor àqueles sujeitos escravizados que fossem libertos. Foi 
a partir do desamparo àqueles que foram forçados não só a migrar, mas a trabalhar em 
condições deploráveis visando expansão mercantilista e, por consequência, lucro e 
acúmulo de riquezas,37 que o governo à época achou por bem criar um sistema de 
atendimento a esses sujeitos. O segundo ponto de destaque damos para o uso do verbo 
“causar” no trecho que italicizamos do excerto. Mesmo havendo relação entre o 
desamparo social e a criminalidade nesse texto, a palavra “causou” remete ao efeito de 
sentido de que foi o processo de abolição da escravatura, ou seja, a libertação daqueles 
que foram feitos prisioneiros no Brasil, o motivo para o crescimento de menores 
abandonados e infratores. Já aí podemos perceber como o discurso constrói um saber que 
culpabiliza o vulnerável e que exime os colonizadores ou outros opressores de sua 
responsabilidade para com tamanha pobreza e desigualdade que até hoje vemos em nosso 
país.38 
Para podermos entender melhor como foi esse processo e como ele se associa 
ao encarceramento em massa daqueles que foram destinados à pobreza, embasamo-nos 
na Crítica da razão punitiva: nascimento da prisão no Brasil (MOTTA, 2011). O autor, 
inspirado pelo trabalho de Foucault no que tange à genealogia do poder punitivo e da 
prisão em Vigiar e Punir (FOUCAULT, [1975] 2012a), remete-se à organização da 
penalidade no Brasil, depois do processo de independência de Portugal, que conta com a 
criação de um Código Criminal que levou à necessidade de um ambiente destinado às 
práticas penalizadoras – no começo conhecido como Casa de Correção. Já nas décadas 
de 60, 70 e 80 do século XIX, havia uma Comissão Inspetora – que fazia parte do 
Ministério da Justiça, à época – que julgou, entre outras coisas, necessária a desmontagem 
 
37 Apesar de algumas tribos africanas terem apresentado como costume escravizar os inimigos derrotados 
(isso fazia parte de sua cultura), não consideramos esse fato um argumento amenizador dos processos de 
venda e compra de seres humanos para trabalho escravos, visto que esses sujeitos foram inseridos em uma 
lógica mercantilista e cruel, sem qualquer justificativa (a não ser a exploração humana) ou semelhança a 
seus países de origem. 
38 A questão da negritude na Fundação CASA é tão incisiva que existe, desde “novembro de 2006, o Comitê 
Institucional Quesito Cor, órgão vinculado diretamente ao gabinete da presidência da Fundação CASA, 
[que] representa um avanço nas políticas de atendimento da instituição. Sua missão é discutir questões 
relativas à diversidade étnico-racial e propor, a partir de um conceito de integração, políticas de atendimento 
aos adolescentes em medida socioeducativa. Tem por função também propor a integração dos funcionários 
e discutir o eixo étnico-racial com os servidores e parceiros da Fundação CASA. Nesse tempo de existência, 
o comitê está estruturado em todas as 11 Divisões Regionais da Fundação”. Disponível em: 
http://www.fundacaocasa.sp.gov.br/ View.aspx?title=quesito-cor&d=13. Acesso em: jan. 2018. 
28 
 
de elementos que se coadunavam à Correção, como o Instituto de Menores Artesãos, o 
Calabouço e o Depósito de Africanos Livres (MOTTA, 2011, p. 280). E é o Instituto de 
Menores Artesãos que se assemelha ao que teríamos como instituição dedicada à 
socialização ou recuperação de menores. 
Para o autor, é a instituição penitenciária como um todo que inicia, no Brasil, 
um projeto de disciplinarização da sociedade (MOTTA, 2011, p. 281); entretanto, a 
necessidade do desmonte ou do fim da escola de menores artesãos é determinada pelo 
que, para o autor, constitui a prova do fracasso penitenciário (em geral e, ainda, nos dias 
de hoje): a prisão como geradora de delinquência (MOTTA, 2011, p. 289). Muito se 
comenta sobre essa potencialidade criminalizadora das instituições socioeducativas, mas, 
mesmo assim, aquele discurso que culpabiliza o vulnerável parece ser mais forte, mais 
lógico e mais contundente do que qualquer crítica. Nesse sentido, Foucault aponta, 
quando reflete sobre o papel social do encarceramento, que 
[a] constituição do meio delinquente é absolutamente correlativa da 
existência da prisão. Procurou-se constituir no próprio interior das 
massas um pequeno núcleo de pessoas que seriam, se assim podemos 
dizer, os titulares privilegiados e exclusivos dos comportamentos 
ilegais. Pessoas rejeitadas, desprezadas e temidas por todo mundo 
(FOUCAULT, [1975] 2012a, p. 33). 
 
Por isso, julgamos tão significativa a associação, pela própria Fundação 
CASA da escravidão com a produção de possibilidades de delinquência para os mais 
pobres. Ainda hoje, negras e negros são maioria nas prisões;39 portanto, acreditamos que, 
atualmente, continua a haver um efeito desse processo de abolição da escravidão mal 
planejado, em que “a coexistência com os africanos chamados livres na penitenciária é 
um índice de que a sombra da sociedade escravista se projeta sobre a penitenciária” 
(MOTTA, 2011, p. 3). E é a partir dessa sombra que iremos nos reportar ao mito da 
escrava Anastácia para continuar nossa reflexão acerca da proteção versus o 
silenciamento. 
 
1.1.2 O mito da escrava Anastácia 
Para finalizarmos nossa reflexão sobre o silenciamento, uma figura ajuda-nos 
a entender a possível relação entre o silenciamento, o processo de arquivo, a escravidão 
e uma pretensa proteção oferecida pelo Estado. Antes de nos determos a essa análise, vale 
 
39 De acordo com o Mapa do encarceramento: os jovens do Brasil, produzido pela Secretaria-Geral da 
Presidência da República e disponível em: http://juventude.gov.br/articles/participatorio/0010/1092/ 
Mapa_do_Encarceramento_-_Os_jovens_do_brasil.pdf. Acesso em: nov. 2017. 
29 
 
a pena lembrar o que trouxemos no primeiro capítulo desta dissertação acerca do 
incentivo para que não se fale sobre o período de internação na adolescência, já que o 
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante a não divulgação dos atosinfracionais cometidos por esses sujeitos. Vemos, aí, tanto uma tentativa de proteger 
aqueles que cometeram delitos antes da maioridade legal – já que não há um bom 
acolhimento na sociedade para aqueles que passaram por alguma situação de prisão – 
quanto de silenciamento: evita-se que se propague a experiência e que se saiba como 
vivem e quem são esses sujeitos, o que ajuda a manter o imaginário tenebroso, fantasístico 
e ao mesmo tempo consolidado que temos sobre eles. 
Essa mesma dupla, proteção-
silenciamento, pode ser vista na imagem da Escrava 
Anastácia. No início do século XIX, Arago, pintor, 
escritor, filósofo e explorador francês desenhou a 
imagem de um homem com um aparato de punição 
e de proteção: a máscara de flandres.40 
De acordo com Handler e Hayes 
(2009), Arago publicou em 1822 um de seus 
relatórios de expedição, que versou sobre as 
condições precárias e os dispositivos de punição 
dos africanos ou brasileiros escravizados. Fosse 
como punição por haver uma tentativa de fuga ou para evitar que comessem terra para se 
suicidarem, era comum que máscaras de diversos tipos fossem colocadas nesses sujeitos 
escravizados, como comenta Arago: 
[u]m escravo que tente escapar é flagelado e, ao redor de seu pescoço, 
é colocado um anel de ferro [anneau de fer], atrelado à uma pequena 
espada; a ponta dessa espada é direcionada ao seu ombro e ele continua 
a usar esse anel até o mestre achar que é válido removê-lo. Eu vi dois 
Negros com as faces cobertas por máscaras de estanho [masque de fer-
blanc], com buracos feitos para os olhos. Eles eram punidos dessa 
maneira porque sua tormenta os fazia comer terra para acabar com suas 
vidas (ARAGO, 1822, p. 102 apud HANDLER; HAYES, 2009, p. 30, 
tradução nossa).41 
 
40 Fabricada com folha de flandres (liga metálica de folha de ferro-estanhado), a máscara de flandres era 
usada para impedir que sujeitos escravizados ingerissem alimentos, bebidas, terra ou ouro – no caso dos 
sujeitos escravizados em terrenos de mineração. 
41 Em inglês (não conseguimos acesso ao texto de Arago original em francês): “A slave who attempts to 
escape is flogged and around his neck is placed an iron collar [anneau de fer] with a short sword attached; 
the tip of this sword is directed against his shoulder and he continues to wear this collar until his master 
thinks fit to remove it. I have seen two Negroes whose faces were covered with tin masks [masque de fer-
Figura 1: Anastácia (ARAGO, 1839, p. 119). 
30 
 
 
Também era recorrente o uso de aparatos como esse nas minerações para 
proteger os chamados “senhores de escravos” de roubos – já que se aponta que era comum 
que sujeitos escravizados engolissem ouro. É interessante notar que, apesar de Arago ter 
sempre relatado, em seus escritos, o sujeito retratado nessa imagem como um homem, 
essa figura é interpretada como a de uma mulher, nomeada como a escrava Anastácia – 
esse personagem gerou diversas especulações e ainda tem forte simbologia nos estados 
brasileiros da Bahia e do Rio de Janeiro. Será que a posição feminina retratada 
amordaçada faz mais sentido do que a masculina em nosso imaginário? 
Trazemos o mito de Anastácia, entretanto, para refletir sobre a proteção-
silenciamento à qual nos referenciamos anteriormente. Enquanto a justificativa dos 
senhores de escravos era colocar a máscara para protegê-los de atentarem contra a 
propriedade – fosse o ouro ou suas próprias vidas42 –, a intenção de punir era clara. 
Acreditamos, ademais, que podemos ver o reflexo disso ao refletir sobre a proteção-
silenciadora que propõe o ECA: não fale sobre o que aconteceu para não se prejudicar no 
futuro e mantenha o(s) discurso(s) vigente(s) que coloca(m) como fixas as representações 
a seu respeito. 
Nesse sentido, quando uma pessoa é presa, é como se ela fosse para um 
universo paralelo, como se deixasse de ser parte da sociedade, sendo marginalizada e 
(in)visibilizada. Os “cidadãos de bem” escolhem – e, como vimos a partir de Coracini 
(2010b, p. 152), não ingenuamente, mas por uma lógica de saberes legitimados – não ver, 
não saber sobre essas pessoas e deixar o pior acontecer; afinal, “ninguém mandou se 
desviar da lei”. A partir disso, consideramos que se coloca uma máscara de flandres 
invisível ou simbólica nesses sujeitos, sendo a eles negada a propagação de sua voz 
mesmo em liberdade; afinal, as marcas dessa punição não são facilmente extintas, assim 
como é latente o apagamento de sua história, pela supressão de sua versão da verdade, já 
que institucionalmente são incentivados a não falar sobre sua experiência para poder ter 
 
blanc] with holes made for the eyes. They were punished in this manner because their misery caused them 
to eat earth to end their lives (Arago 1822; 1: 102)”. 
42 “[...] é sobre a vida e ao longo de todo o seu desenrolar que o poder estabelece seus pontos de fixação; a 
morte é o limite, o momento que lhe escapa; ela se torna o ponto mais secreto da existência, o mais 
“privado”. Não deve surpreender que o suicídio – outrora crime, pois era um modo de usurpar o direito de 
morte que somente os soberanos, o daqui debaixo ou o do além, tinham o direito de exercer – tenha-se 
tornado, no decorrer do século XIX, uma das primeiras condutas que entraram no campo da análise 
sociológica; ele fazia aparecer, nas fronteiras e nos interstícios do poder exercido sobre a vida, o direito 
individual e privado de morrer” (FOUCAULT, [1988] 1993, p. 130). 
31 
 
alguma possibilidade de futuro.43 Vejamos o comentário que Foucault ([1977] 2012b) faz 
sobre a prisão no texto A tortura é a razão, a partir do qual podemos melhor analisar o 
que propusemos: 
quando alguém passou por um desses programas de reinserção, por 
exemplo, por um reformatório, por um alojamento destinado a 
prisioneiros libertados, ou por recidivistas, isso faz com que o indivíduo 
continue marcado como delinquente: junto ao seu empregador, ao 
proprietário de seu alojamento. Sua delinquência o define, assim como 
o relacionamento entre ele e o meio ambiente, tão eficazmente que se 
chega ao ponto de o delinquente só poder viver em um meio criminal. 
A permanência da criminalidade não é de modo algum um fracasso do 
sistema penal, é, ao contrário, a justificação objetiva de sua existência 
(FOUCAULT, [1977] 2012b, p. 108). 
 
Então, no mesmo sentido do que propôs Foucault em Vigiar e Punir ([1975] 
2012a) acerca da obliteração dos rituais de pena e da passagem do castigo carnal e público 
para uma punição da alma longe dos olhos da sociedade, a máscara de flandres colocada 
nos sujeitos escravizados, ainda reproduz seus efeitos nos jovens delinquentes e 
periféricos, de maioria negra. Ademais, julgamos relevante nos voltarmos ao filme Um 
sonho de liberdade,44 de Stephen King, em que, ao ser libertado da prisão, depois de 
muitos anos, um dos personagens do filme (que é negro) não consegue se (re)adequar à 
sociedade fora da prisão, pois havia, ali, construído um modo de viver e até uma 
representação de identidade como prisioneiro. Logo, além da máscara de flandres 
invisível silenciar aqueles que são presos (principalmente mulheres e adolescentes), ela 
parece simular ou provocar determinadas representações identitárias, das quais pode ser 
difícil se desvencilhar. 
 
 
43 Entretanto, há também a visão de, pela literatura, por exemplo, ocorrer o “estilhaçamento” dessa máscara. 
Nesse sentido, a respeito da relação do silenciamento com máscara de Flandres, Conceição Evaristo 
(escritora brasileira vencedora do Jabuti em 2004) concedeu uma entrevista à Djamila Ribeiro 
(pesquisadora na área de filosofia política e feminista) em que diz: “[a]quela imagem de escrava Anastácia 
(aponta pra ela), eu tenho dito muito que a gente sabe falar pelos orifícios da máscara e às vezes a gente 
fala com tanta potênciaque a máscara é estilhaçada. E eu acho que o estilhaçamento é o símbolo nosso, 
porque a nossa fala força a máscara. Porque todo nosso processo pra eu chegar aqui, foi preciso colocar o 
bloco na rua e esse bloco a gente não põe sozinha [...].” (RIBEIRO, 2017). 
44 Um sonho de liberdade (título original: The Shawshank Redemption) foi lançado em 1994 nos Estados 
Unidos, país em que foi produzido e filmado, sendo estrelado por Morgan Freeman e Tim Robins. O filme 
foi escrito e dirigido por Frank Daranbont, que se baseou na obra Rita Hayworth and Shawshank 
Redemption de Stephen King (1982). O enredo trata da amizade entre Andy Dufresne, condenado a vinte 
anos de prisão devido ao assassinato de sua esposa e seu amante, e Ellis “Red” Redding, protegido pelos 
guardas após ter feito parte de operações de lavagem de dinheiro por agentes penitenciários. 
32 
 
1.2 Do suplício à (des)identidade 
Ainda refletindo sobre a punição velada, ou não, desses jovens, apesar de 
termos assistido ao fim do suplício (castigo infligido ao corpo por meio da violência), a 
questão do corpo ainda é importante para a compreensão da penalidade e dos sujeitos a 
ela vinculados. E isso, não só pelo corpo ser o agente do crime, assim como portador da 
voz que buscamos ouvir, mas por ser (des)figurado, (des)considerado a partir da definição 
de sua sentença, afinal “[é] dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser 
utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado” (FOUCAULT, [1975] 2012a, 
p. 132). 
Nesse sentido, em Vigiar e punir, Foucault ([1975] 2012a), propõe que a 
criminalidade e as formas de punição são pensadas a partir do deslocamento da penalidade 
e do processo de criminalização, o que entendemos fazer um movimento pendular 
decrescente, que transferiu o registro do poder soberano para o registro do poder 
disciplinar, firmando-se no segundo. Mesmo com essa mudança, apesar de termos 
assistido o fim do suplício medieval e do castigo infligido à carne por meio da violência 
escancarada, ainda que tenha havido a psicologização dos dispositivos de punição, 
discussões acerca do corpo e do poder incidido sobre ele ainda são vitais para a 
desconstrução dos discursos que constituem os processos penais atuais. 
Ao trazer à baila a crítica de Foucault ao modelo panóptico de Bentham,45 
Birman, psiquiatra e psicoterapeuta brasileiro, em Entre o cuidado e o saber de si: 
Foucault e a psicanálise (2000), coloca o olhar especular do outro que, para Lacan, 
“capturaria definitivamente o infante e estruturaria este para sempre” (BIRMAN, 2000, 
p. 62), como um “olhar capturante [...] exercido pelos dispositivos panópticos do poder” 
(BIRMAN, 2000, p. 62), de acordo com Foucault ([1979] 2010). Resumidamente, então, 
Birman propõe que o olhar que seria constitutivo da criança, tornando seu corpo 
momentânea e ilusoriamente uma unidade no estádio do espelho, traria nos dispositivos 
disciplinares uma constante e poderosa vigilância, privando o indivíduo observado de agir 
por si só, de acordo com sua subjetividade. A busca constante por observar e corrigir o 
criminoso acaba por fragmentar as partes de seu corpo e de sua identidade para 
 
45 O Panóptico é um tipo de construção arquitetônica, constituído por uma torre que fica cercada por celas 
que não possuem interface umas com as outras. Cada preso fica isolado, sem conseguir ver ou ouvir outros 
presos que estejam ao seu lado, não podendo, também, verificar se há ou não, na torre, algum vigia 
observando-o. Bentham propunha, de acordo com Foucault, o princípio de que o poder devia ser invisível 
e inverificável (FOUCAULT, [1975] 2012a). 
33 
 
reorganizá-las e adequá-las à ordem vigente. Corpo dócil e corpo utópico, que só na 
relação com o Outro46 existe e produz algum sentido. 
Descartando, então, individualidades e subjetividades, essa visão do 
criminoso como o corpo que comete o crime e que deve ser punido faz parte dos 
mecanismos de poder presentes nos dispositivos de punição da modernidade. E, apesar 
de haver uma lei que julga e condena, o valor social que é atribuído ao criminoso se 
aproxima da figura jurídica romana do homo sacer.47 Reduzidos somente a seus corpos, 
sem qualquer subjetividade, os homo sacer poderiam ser mortos por qualquer um sem 
julgamento prévio e sem qualquer ônus para seu assassino. Entretanto, mesmo os corpos 
criminosos da atualidade estando nos limites da lei e dos direitos humanos, socialmente 
são marginalizados e colocados em um estado de exceção.48 A partir do momento em que 
tangenciam ou se afastam das normas impostas pela sociedade, esses sujeitos são vistos 
como inimigos, apagados e colocados em um lugar de desinteresse. No senso comum, 
esses transgressores merecem sofrer, ser punidos e até mortos, enquanto que os que 
seguem as regras e as normas se vangloriam de estarem nas conformidades da sociedade, 
reforçando a vulnerabilidade e o silenciamento daqueles que se distanciam delas. 
Logo, a função do panóptico, a partir do que Birman apresenta de Foucault, 
como “algo que seria produzido permanentemente pela insistência do olhar vigilante do 
poder, que controlaria os menores movimentos das individualidades” (BIRMAN, 2000, 
p. 62), poderia ser interpretada como a intenção de apagar quaisquer rastros de 
subjetividade que tenham levado aquele indivíduo a cometer um crime. Readaptá-lo é a 
missão dos órgãos que serão incumbidos de vigiar e punir esses corpos que cometeram 
 
46 Lacan ([1964] 1985) diferencia outro de Outro no processo de constituição do Eu. Enquanto o outro é o 
lugar da alteridade especular, o semelhante com o qual a criança se confunde no imaginário enquanto se 
percebe no mundo na fase do espelho, o Outro “é o lugar em que se situa a cadeia de significante que 
comanda tudo o que vai poder presentificar-se do sujeito, é o campo desse vivo onde o sujeito tem que 
aparecer” (LACAN, [1964] 1985, p. 193), ou seja é na relação com o Outro (relacionado ao inconsciente), 
via linguagem, que temos o simbólico. Vale ressaltar que Lacan propõe figuras topológicas para poder 
expressar o que do aparelho psíquico parecia fugir das palavras ou da lógica. Elegeu, então, três registros 
(Imaginário, Simbólico e Real) que, articulados, formam o nó borromeano, que representa esse aparelho. 
47 Referindo-se ao direito romano arcaico, Agamben (1995 [2002]) investiga a figura do homo sacer, 
definida (resumidamente) como um indivíduo que ficava fora da jurisdição humana, por ter cometido algum 
ato que ia contra a moral da época, ou por ser escravo ou estrangeiro, e cuja morte não era considerada nem 
homicídio, nem sacrifício para o sagrado, sendo sua vida “matável e insacrificável” (AGAMBEN, [1995] 
2002, p. 91). 
48 O estado de exceção se dá quando os direitos individuais são suspensos temporariamente pelo governo 
em situações emergenciais. As situações em que esse conceito é aplicado estão relacionadas a ditaduras e 
o exemplo mais claro se dá nas políticas de extermínio de Adolf Hitler, que foram embasadas social e 
juridicamente. 
34 
 
os crimes porque escolheram, desviaram da norma apenas porque desejaram, como 
(re)produz o senso comum. 
Vistos como inimigos em uma sociedade normatizadora que ignora a 
construção de identidades e discursos como um tecido contínuo, multifacetado e 
inacabado, esses sujeitos têm suas vozes pretensamente excluídas do discurso 
hegemônico, seus direitos deixados em segundo plano e os caminhos que os levaram a 
esse afastamento das regras são soterrados por preconceitos institucionalizados e 
reproduzidos por cidadãos “de bem”. Dos suplícios passamos à (des)identidade do corpo 
docilizado e utópico: se é o que é dito do grupo no qual se está alocado. Por isso, 
reforçamos a necessidade de olhar para a sociedade de uma maneira crítica, levando em 
conta as relações culturais e a historicidade que orientaram

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