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Título: A influência do patrimonialismo lusitano para a formação da sociedade brasileira. Camila CARVALHO RESUMO: Este trabalho pretende demonstrar o significado do conceito de patrimonialismo, segundo Raymundo Faoro, e seu legado para a sociedade brasileira. Essa forma de dominação é recorrente a história do Brasil, ela se repete durante os processos históricos com novas características e de maneiras dissimuladas, ou seja, ela se adapta durante a história para as novas formas de estrutura da sociedade, mas continua exercendo sua influência sob a mesma. PALAVRAS-CHAVE: Patrimonialismo. Estamento. Sociedade. Poder público. Brasil. Introdução Raymundo Faoro foi um jurista, crítico literário, sociólogo e cientista político que atuou também politicamente. Em sua obra “Os donos do poder: Formação do patronato político brasileiro” o autor faz uma interpretação do Brasil imperial influenciado pela noção de patrimonialismo de Weber, esse conceito é um subtipo da dominação tradicional, é uma forma de organização da sociedade baseada em uma economia doméstica que tem como base uma autoridade política. Segundo Faoro os portugueses trouxeram para o Brasil um estamento burocrático que se apossou do Estado, dos seus recursos e instituições. Esse estamento busca uma determinada honra, um prestígio social que determina todo um estilo de vida e que age sempre pela defesa de seus próprios interesses, como consequência ele requer ações comunitárias dos indivíduos entre si, dentro do próprio estamento, para preservar as convenções sociais que caracterizam seu modo vida e continuarem como uma unidade. O estamento tem como característica o consumo de determinados bens e o monopólio da produção que se dá também em certas atividades de cargos ou por meio dos matrimônios com determinadas famílias, as pessoas podem se relacionar entre si por interesse, mas também de forma natural pois é comum que pessoas se relacionem com outras pessoas do seu cotidiano. O conceito de patrimonialismo, apresentado pelo autor, mostra que as estruturas políticas brasileiras que incorporam os poderes públicos, dá ao soberano o poder de agir de maneira publica análogo às ações de poder doméstico, ou seja, o patrimônio público fica a mando e desmando do patrimônio privado. A estrutura política brasileira patrimonial faz com que o Estado deixa de ser racional, ganhando um tom mais personalista da visão política. Faoro mostra as inúmeras dificuldades que o brasil tem de construir um Estado verdadeiramente laico, liberal e impessoal. A existência desses monopólios estamentais e das suas normas e valores vai contra a ideia de um livre mercado. O capitalismo cria monopólios o que impossibilita um livre mercado entre as potências, esse discurso entra em contradição com a forma de organização estamental. A origem do poder político patrimonial determina o vínculo entre dominantes e dominados por meio de uma comunidade consensual que defende que o poder senhorial exercido tradicionalmente continua a ser um direito legitimo do seu senhor, a administração patrimonial passou a atender as exigências pessoais do senhor, seguindo as demandas da sua propriedade privada, o governante age como se o poder público fosse sua própria empresa. A ocupação de cargos políticos é tomada por pelo monopólio estamental como sendo seu patrimônio privado, não estabelecendo mais diferença entre as esferas privadas e públicas. É uma característica vinda do Brasil colonial e que se faz presente ainda hoje, a coroa portuguesa não tinha como gerenciar as grandes terras com dinheiro público de Portugal então passou as terras para as iniciativas privadas tomarem conta. Esses fatores favorecem o privatismo dos poderes políticos locais em relação ao seu território, o senhor podia agir por contra própria de acordo com seus próprios interesses. “Por toda parte, em todas as atividades, as ordenanças administrativas, dissimuladas em leis, decretos, avisos, ordenam a vida do país e das províncias, confundindo o setor privado ao público.” (FAORO, 1958, p. 471) Em 1822, com a independência, o país se encontrou em uma realidade onde de um lado se estava a necessidade de se estabelecer uma ordem burocrática racional legal, mas ao mesmo tempo precisavam de um poder central esses dois pontos eram necessários para a manutenção da ordem escravista e senhorial, mas a tradição patrimonialista e estamental ainda persiste pois é necessária para a manutenção do estamento político, intelectual e econômico. Raymundo Faoro explica que o patrimonialismo permanece, mas com novas roupagens e com novos atores políticos e sociais. O autor faz uma interpretação sociológica do Brasil partindo da tese do feudalismo, ele defende que nesta tese o senhor escravocrata acumula capitais e com o decorrer da história ele se transforma na burguesia industrial ou comercial, o que resulta em uma classe média capaz de se nortear pelo liberalismo econômico, essa transição para a ordem burguesa leva a uma sociedade civil a ser capaz de expressar seus interesses. Essa burguesia dá continuidade à cultura patrimonialista que mistura o público com privado e se torna tão para parasitária quanto à nobreza. Não havia racionalidade e os cargos públicos passam a ser distribuídos entre os nobres e burguesia que adota a cultura patrimonialista, os funcionários públicos assumem um lugar na nobreza passam a ter a vida que um nobre tinha um tempo antes. Faoro diz que essa visão do feudalismo no Brasil ignora a formação de uma camada governante burocrática que desarticula os interesses da sociedade civil que no país estava em frágil processo de consolidação. A burocracia racional legal e o patrimonialismo se diferem, pois, a burocracia tem base na igualdade jurídica e na proteção contra o arbítrio, ou seja, ninguém pode ter ações fora das normais jurídicas já o patrimonialismo tem uma racionalidade de tipo material, ligada a valores éticos, morais, religiosos e políticos e que não está ligada a formação do mercado, essa racionalidade é constituída por valores que necessitam de um poder central que organize a sociedade e a economia e deste modo organize também a inserção desses valores e uma sociedade que entra em contradição com a racionalidade formal que limita o poder público por meio de normas e regulamentos. Dessa forma, o indivíduo passa a ser dependente do poder que dita seus valores e define sua conduta. Em razão disso essa sociedade passa a ter um sistema autocrático e autoritário que reforça a dependência dos seus dominados. Esse cenário dá ao capitalismo um caráter político, Raymundo Faoro acrescenta que os patrimonialistas impõem a sociedade uma orientação de cima para baixo e não aceita nada que venha da própria sociedade. Esse poder do governante sob seus domínios passa a ser patrimônio deles. Portanto, o que acontece no Brasil é uma luta do povo contra o estamento burocrático. Como o caso das universidades, que são estamentos, a sociedade não simpatiza com os acadêmicos pois enxergam eles como antagonistas de classe. “Entre o rei e os súditos não há intermediários: um comanda e todos obedecem. A recalcitrância contra a palavra suprema se chamará traição, rebeldia à vontade que toma as deliberações superiores. O chefe da heterogênea hoste combatente não admite aliados e sócios: acima dele, só a Santa Sé, o papa e não o clero; abaixo dele, só há delegados sob suas ordens, súditos e subordinados.” (FAORO, 1958, p. 15) O autor mostra que o Brasil Colônia, o Brasil Império e o Brasil República constituíram uma classe política burguesa e dominante que justamente se beneficiou do poder do Estado, fazendo com que ele tomasse iniciativas a partir de seus interesses particulares. Portanto, nesse conceito, o estamento é o que não há mobilidade social. Esse seria ocaso de famílias oligárquicas que se mantém no poder há décadas. Raymundo Faoro diz que o estamento, por ser burocrático faz com que aquela classe administradora publica estruture todas as instituições que governam uma sociedade. Ele remonta que a mesma estrutura do Brasil Colônia, do Brasil Império e do Brasil República, está no poder ainda, havendo uma dominação feita por uma elite brasileira que vinha de uma característica europeia, mas que ainda assim era brasileira. No Estado patrimonialista a contas públicas, rendas e despesas reais se confundem. Não se faz diferença de gastos pessoais e de gastos públicos. O Estado está submisso a esfera privada. Vem dessa origem a lógica da troca de favores, que nessa interpretação, é como o pecado original de nossa condição. Os principais elementos dessa autocracia autoritária são: o predomínio de uma pessoa no topo da hierarquia administrativa, a falta de leis e costumes que regulamentem a conduta do governante para que ele responda pelos seus atos e a ausência de limitações ao exercício de poder do governante. Ela precisa ser baseada na lealdade do governado ou pelo medo de um possível castigo. No caso do Brasil, tivemos uma autocracia ditatorial, impositiva e que deixou resquícios até os dias atuais em vários aspectos políticos, o poder monopoliza a administração pública, comanda a economia, se apropria do aparelhamento militar e depende da lealdade dos governados. As leis servem para garantir o privilégio de quem exerce o poder e não para garantir direitos. Faoro faz uma análise onde mostra que a história se repete sob o incentivo da dominação patrimonial. Nos dias atuais ainda é possível ver essa influência do patrimonialismo lusitano, mesmo que debaixo de forma não tão aparente. A nossa sociedade foi fundamentada nesse cenário, é inevitável que tragamos respaldos dessa dominação, atualmente ela se dá não só na relação entre governantes e governados, mas também de uma classe sob outra. Vivemos sob uma fantasia de liberdade e igualdade, mas onde as classes mais baixas não têm oportunidades e quando tentam alterar esse cenário são fortemente reprimidos pelo Estado, o que demonstra que as estruturais estamentais e patrimoniais ainda são parte do nosso cotidiano. REFERÊNCIAS FAORO, Raymundo. Do pensamento político. In: FAORO, Raymundo. Existe um pensamento político brasileiro? São Paulo: Editora Ática, 1994. FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político Brasileiro. São Paulo: Editora Globo, 1958. SILVA, Claudia Giulia Cantele. Quem são e para quem governam os donos do poder no Brasil: uma análise da obra de Raymundo Faoro. Monografia (Bacharel em Ciências Econômicas) - Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2016. Disponível em: < https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/46371/CLAUDIA%20GIULIA%20CANT ELE%20SILVA.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acesso em: 13 mar 2021.
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