Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
César Evangelista Fernandes Bressanin Kamila Gusatti Dias Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida (Organizadores) Editora Ilustração Cruz Alta – Brasil 2022 INSTITUIÇÕES ESCOLARES HISTÓRIA, MEMÓRIA E NARRATIVAS Volume 1 Responsável pela catalogação: Fernanda Ribeiro Paz - CRB 10/ 1720 2022 Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora Ilustração Todos os direitos desta edição reservados pela Editora Ilustração Rua Coronel Martins 194, Bairro São Miguel, Cruz Alta, CEP 98025-057 E-mail: eilustracao@gmail.com www.editorailustracao.com.br Copyright © Editora Ilustração Editor-Chefe: Fábio César Junges Capa: Vone Petson Pereira Branquinho Revisão: Os autores CATALOGAÇÃO NA FONTE I59 Instituições escolares [recurso eletrônico] : história, memória e narrativas / organizadores: César Evangelista Fernandes Bressanin, Kamila Gusatti Dias, Maria Zeneide Carneiro Magalhães Almeida. - Cruz Alta : Ilustração, 2022. v. 1. ISBN 978-85-92890-45-2 DOI 10.46550/978-85-92890-45-2 1. Educação - História. 2. Instituições escolares - História. 3. Formação de professores. 4. Práticas docentes. I. Bressanin, César Evangelista Fernandes (org.). II. Dias, Kamila Gusatti (org.). III. Almeida, Maria Zeneide Carneiro Magalhães (org.). CDU: 37(091) Conselho Editorial Drª. Berenice Beatriz Rossner Wbatuba URI, Santo Ângelo, RS, Brasil Dr. Charley Teixeira Chaves PUC Minas, Belo Horizonte, MG, Brasil Dr. Douglas Verbicaro Soares UFRR, Boa Vista, RR, Brasil Dr. Eder John Scheid UZH, Zurique, Suíça Dr. Fernando de Oliveira Leão IFBA, Santo Antônio de Jesus, BA, Brasil Dr. Glaucio Bezerra Brandão UFRN, Natal, RN, Brasil Dr. Gonzalo Salerno UNCA, Catamarca, Argentina Drª. Helena Maria Ferreira UFLA, Lavras, MG, Brasil Dr. Henrique A. Rodrigues de Paula Lana UNA, Belo Horizonte, MG, Brasil Dr. Jenerton Arlan Schütz UNIJUÍ, Ijuí, RS, Brasil Dr. Jorge Luis Ordelin Font CIESS, Cidade do México, México Dr. Luiz Augusto Passos UFMT, Cuiabá, MT, Brasil Dr. Manuel Becerra Ramirez UNAM, Cidade do México, México Dr. Marcio Doro USJT, São Paulo, SP, Brasil Dr. Marcio Flávio Ruaro IFPR, Palmas, PR, Brasil Dr. Marco Antônio Franco do Amaral IFTM, Ituiutaba, MG, Brasil Drª. Marta Carolina Gimenez Pereira UFBA, Salvador, BA, Brasil Drª. Mércia Cardoso de Souza ESEMEC, Fortaleza, CE, Brasil Dr. Milton César Gerhardt URI, Santo Ângelo, RS, Brasil Dr. Muriel Figueredo Franco UZH, Zurique, Suíça Dr. Ramon de Freitas Santos IFTO, Araguaína, TO, Brasil Dr. Rafael J. Pérez Miranda UAM, Cidade do México, México Dr. Regilson Maciel Borges UFLA, Lavras, MG, Brasil Dr. Ricardo Luis dos Santos IFRS, Vacaria, RS, Brasil Dr. Rivetla Edipo Araujo Cruz UFPA, Belém, PA, Brasil Drª. Rosângela Angelin URI, Santo Ângelo, RS, Brasil Drª. Salete Oro Boff IMED, Passo Fundo, RS, Brasil Drª. Vanessa Rocha Ferreira CESUPA, Belém, PA, Brasil Dr. Vantoir Roberto Brancher IFFAR, Santa Maria, RS, Brasil Drª. Waldimeiry Corrêa da Silva ULOYOLA, Sevilha, Espanha Este livro foi avaliado e aprovado por pareceristas ad hoc. SUMÁRIO PREFÁCIO ..........................................................................................13 Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro APRESENTAÇÃO .............................................................................19 César Evangelista Fernandes Bressanin Kamila Gussatti Dias Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida Capítulo 1 - HISTÓRIAS DAS ESCOLAS E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES ................................................................................25 Libania Xavier Livia de Fátima Conceição Fernanda Monteiro Capítulo 2 - A ESCOLA NORMAL DO BRÁS: CULTURA MATERIAL E CULTURA EMPÍRICA (SÃO PAULO, 1913-1924) ...39 Wiara Rosa Rios Alcântara Capítulo 3 - O ENSINO PRIMÁRIO PICOENSE: MEMÓRIAS DE PROFESSORAS DO GRUPO ESCOLAR COELHO RODRIGUES EM PICOS/PI (1960-1970) ................................................................55 Danila da Silva Nascimento Gomes Capítulo 4 - ESCOLA TERRITORIAL DE 1º GRAU PAULO DE ASSIS RIBEIRO: EM MEIO A MATA, NASCE UMA ESCOLA .......73 Flaviana Faustino da Silva Elizabeth Figueiredo de Sá Dálete Cristiane Silva Heitor de Albuquerque Capítulo 5 - UMA HISTÓRIA DE FORMAÇÃO DOCENTE NO BRASIL: DA FACULDADE ADVENTISTA DE EDUCAÇÃO (FAED) AO CURSO DE PEDAGOGIA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO (UNASP) .......89 Giza Guimarães Pereira Sales Rosane Michelli de Castro Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I Capítulo 6 - A PRODUÇÃO DE IMPRESSOS ESCOLARES NO GINÁSIO DOM BOSCO: LEITURAS SOBRE O PERIÓDICO O GINÁSIO (1935-1945) ......................................................................103 Jéssica Lima Urbieta Loren Katiuscia Paiva da Silva CAPÍTULO 7 - HISTÓRIA, MEMÓRIA, CELEBRAÇÕES E TRADIÇÃO: O JEITO SEI DE SER ................................................119 Luana Tainah Alexandre Braz Magda Sarat Capítulo 8 - ENTRE POAIAS E GOTEIRAS: UM ESTUDO SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO DO GRUPO ESCOLAR DESEMBARGADOR CANÊDO .....................................................137 Luciano Dias Nunes Thaís Reis de Assis Capítulo 9 - INSTITUIÇÕES EDUCATIVAS: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA MODERNA NA EUROPA E O SEU REFLEXO NO BRASIL..............................................................................................153 Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida Marliane Dias Silva Maria Edimaci Teixeira Barbosa Leite Capítulo 10 - NOTÍCIAS HISTÓRICAS DA ESCOLA NO SUBÚRBIO FERROVIÁRIO DE SALVADOR ................................167 Paulo de Tarso Vellanes Capítulo 11 - PRIMEIRA UNIVERSIDADE DO CENTRO-OESTE: BREVE HISTÓRICO .......................................................................185 Sonia Maria Zanezi Peres Gleison Peralta Peres Lucia Helena Rincón Afonso Capítulo 12 - A ESCOLA ESTADUAL JOSÉ GARCIA LEAL (PARANAÍBA – MS): SINAIS E LEMBRANÇAS DE UMA DIRETORA ESCOLAR ....................................................................195 Adriana Ribeiro de Brito e Silva Ademilson Batista Paes Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I Capítulo 13 - OS NEOPENTENCOSTAIS E AS FINALIDADES EDUCACIONAIS NAS ESCOLAS PUBLICAS BRASILEIRA ........209 Edmar Moreira Alves Capítulo 14 - OS CATECISMOS PROTESTANTES INSERIDOS NO CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO DO SÉCULO XIX 223 Josué dos Santos Alves Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do Nascimento Jorge Carvalho do Nascimento Capítulo 15 - AS PRIMEIRAS ESCOLAS PROTESTANTES EM GOIÁS: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ...................................241 Tamiris Alves Muniz Sauloéber Tarsio de Souza Capítulo 16 - ESCOLA OTONIEL MOTA: GÊNESE E FUNCIONAMENTO DE UMA INSTITUIÇÃO PROTESTANTE EM RIO VERDE – GO (1958 - 1990) .............................................259 Kamila Gusatti Dias Capítulo 17 - QUE HISTÓRIA É ESSA? O CENTRO DE TREINAMENTO DE PROFESSORES EM INHUMAS NO CONTEXTO DA DITADURA MILITAR (1962-1988) ..................275 Gleidson de Oliveira Moreira Capítulo 18 - O GRÊMIO LITERÁRIO PORTUGUÊS NO OITOCENTOS: INSTITUIÇÃO EDUCATIVA, MEMÓRIA E CULTURA EM BELÉM-PA..............................................................289 Maria José da Silva Corrêa Boulhosa Mário Allan da Silva Lopes Capítulo 19 - ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL E O ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA: UMA RELAÇÃO ENTRE TEMPO E ESPAÇO ............................................................................................303 Ângela Roberta Felipe Campos Daniele Gonçalves Lisbôa Gross Jackson Carlos da Silva José Maria Baldino 12 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I Capítulo 20 - NEOLIBERALISMO, NOVO NEOLIBERALISMO E EDUCAÇÃO: INFLUÊNCIAS NO ÂMBITO ESCOLAR .............319 Adma Palmira Jaime Noleto Cláudia Valente Cavalcante Capítulo 21 - AS RELAÇÕES ENTRE ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO E RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA À LUZ DAS NORMATIVASQUE OS REGEM ..................................................333 Andressa Freitas Lopes Wesllen Martins Lopes Fernando Primitivo Romero Bordin Capítulo 22 - REFLEXÕES DO TRABALHO DO PROFESSOR E O ESTRESSE OCUPACIONAL ..........................................................347 Ayer Barsanulfo Franco Alexsandro Silva Mateus Verônica Daniela Gomes Capítulo 23 - CRIANDO E RECRIANDO MÉTODOS VISUAIS: A ALFABETIZAÇÃO E O LETRAMENTO DA CRIANÇA COM SURDEZ ...........................................................................................361 Junior César Ferreira de Castro Thays Borges de Lima Goveia Capítulo 24 - A DISTÂNCIA ENTRE A ESCOLA QUE TEMOS E A ESCOLA QUE QUEREMOS ...........................................................379 Silena da Fonseca Pimentel Paizan PREFÁCIO Honra-me imensamente prefaciar a coletânea intitulada, Instituições Escolares: história, memória e narrativas, pois me coloco na postura de quem tem o privilégio de aprender e anunciar a alegria do aprendido, bem como divulgar novas descobertas e anúncios de pesquisas sobre instituições escolares. Vale ressaltar que a iniciativa de se publicar estudos sobre instituições escolares vem demonstrando a vitalidade do campo da história da educação brasileira, o que estimula novas pesquisas em perspectiva histórica. Assim, essa obra constitui-se como uma relevante iniciativa de seus organizadores, que reuniram exímios autores os quais realizaram análises de diversos objetos, o que contribuiu sobremaneira para os interessados em conhecer a história da educação brasileira. A noção de instituições escolares se firmou como eixo estruturante conceitual fértil à pesquisa acadêmica. Prova isso o volume expressivo de estudos que biografam escolas (específicas) como instituição e seus agentes como sujeitos que justificam sua existência social e funcional. Com efeito, a existência de instituições educacionais tem sido mote para os estudos, pois tendem a tratar da criação, das formas e dos tempos de funcionamento, às vezes de sua extinção. Desse enfoque, tem sido possível derivar compreensões sistemáticas mais amplas, tais como as transformações que atravessam sociedades e comunidades, que se refletiriam — e se refletem — nas escolas públicas e privadas das quais as populações se valem para escolarizar sua prole. Têm sido caracterizados valores e tradições que permeiam os processos, os movimentos, as práticas e as mudanças associadas à consolidação de sociedades, economias e culturas etc. Permeiam as instituições escolares quesitos como o lugar da escola, sua arquitetura, seu mobiliário, registros documentais da ação docente, administrativa e funcional, impressões e ações da população em relação às escolas etc. Sobretudo, a compreensão sistemática da constituição e do funcionamento das instituições escolares toca na formação e evolução de movimentos, processos e lutas sociais de dado tempo e lugar em que se instituiu dada escola. Além disso, a proposição de compreender forças subjacentes ao movimento de estruturar e fazer funcionar uma escola tem levado ao diálogo e à colaboração interdisciplinar, assim como a grupos sociais variados, tais como professores, pais de alunos e demais membros 14 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I da comunidade escolar. Em pesquisas mais pioneiras, as instituições escolares se fortaleceram como campo de pesquisa, em especial, dos estudos histórico-educacionais; a ponto de — parafraseando Jacques Le Goff — renovarem abordagens, problemas, objetos e métodos; procedimentos e técnicas de pesquisa; a ponto de ampliarem o rol de fontes para estudar a história da escola brasileira. Na esteira de estudiosos como Justino Magalhães, Dermeval Saviani, José Claudinei Lombardi, José Luís Sanfelice, Diana Vidal, Rosa Fátima Souza, Ester Buffa e Paulo Nosella, José Carlos Souza Araujo, Carlos Henrique Carvalho, Décio Gatti Júnior, Geraldo Inácio Filho, Wenceslau Gonçalves Neto, Eliane Marta Teixeira Lopes, Ana Maria de Oliveira Galvão, Luciano M. Faria Filho, para ficar em alguns exemplos. Assim, a partir de meados dos 1980, tem sido possível compreender o passado da educação no Brasil não só segundo seus marcos legais (lei de 1827, Constituição de 1890, reformas da educação, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961 e 1996, a Reforma de 1971 que institui o 1° e o 2° Graus e afins). Sobretudo após o começo deste milênio, o passado da escola brasileira tem se aberto a uma leitura que, longe de desconsiderar a legislação, descortinou processos, ações, reações, práticas, conquistas e outros elementos afins à educação escolar no Brasil que ficaram ao largo dos estudos feitos no século passado. Caso já exemplar é o conceito de grupo escolar como instituição cuja história revela sua influência no sistema educacional atual, como nos tempos e espaços, no currículo e no programa, na administração escolar... A seriação é um exemplo de herança desse modelo escolar. Ou seja, foi no grupo escolar que se iniciou o processo de ensino e aprendizagem como movimento gradativo-ascendente, em que se vai de um grau básico a um grau superior, ano a ano e segundo o desempenho e a frequência. Também derivou do grupo escolar o modelo de escola pública: seja a escola estadual ou a escola municipal, nomenclaturas substituintes. Em que pese a predominância dos usos históricos da categoria, instituição escolar, esta tem sido empregada, também, em outras áreas de estudo sobre a educação no Brasil. Exemplos incluem abordagens de feição sociológica, como as que investigam as relações entre docência e identidade da mulher, entre escola e violência, dentre outros; também podem ser citadas as abordagens pedagógicas, como no caso dos saberes docentes, das práticas pedagógicas, de métodos e técnicas pedagógicas, da formação continuada e outros; além das abordagens críticas das políticas público-educacionais: origens, interesses, ações, aplicações, 15 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I consequências... A categoria instituição escolar se presta a essas searas de produção de conhecimentos sobre a educação porque é, sobretudo, uma realidade institucional. Reduzida às suas funções primárias, a escola existe em função dos alunos e dos professores. Retire-se uma parte da equação, e a escola perderá muito de seu significado como instituição social e como materialidade. Contudo, essas partes essenciais à escola não são, necessariamente, fundamentais para que esta possa existir. Ao lado dos corpos discente e docente, um sem-número de agentes de outras instituições, inclusive políticas, atua para estruturar e fazer funcionar o sistema educacional. Dito de outro modo, a categoria, instituição escolar, se projeta em um horizonte pleno de possibilidades para se estudar processos educacionais sejam quais forem. Se o passado das instituições escolares suscitou mais o interesse de pesquisadoras e pesquisadores, não se pode dizer que seu presente não se destaque no rol de temas associáveis a elas. Mais que as escolas isoladas, mais que a sua reunião nos grupos escolares, mais que a Escola Normal, passou a interessar à pesquisa uma diversidade de instituições escolares e de temas afeitos. Prova disso está nesta obra, ora prefaciada. Do ponto de vista da abordagem sistemática das instituições escolares, a obra apresenta estudos afins a uma reflexão filosófica — como em texto sobre a distância entre a escola que existe e a escola ideal e em texto sobre tempos e lugares da educação física na escola de tempo integral; estudos afins a uma epistemologia histórica — como em um texto relativo à história das escolas e construção de identidades e em outro referente ao reflexo, no Brasil, de estudos acerca de instituições educacionais da Europa moderna; estudos afins à materialidade — com em texto sobre escola Normal e cultura empírica; estudos afins às relações entre educaçãoe política — como em texto sobre influências do neoliberalismo na escola; enfim, estudos afins à metodologia do processo de ensino e aprendizagem — vide textos sobre o emprego de tecnologias digitais de informação e comunicação no nível fundamental e sobre alfabetização de criança surda com recursos didáticos visuais. Tendo em vista o âmbito dos problemas e objetos, destacam-se: as relações entre educação e religião; os fins da educação pública; as tensões entre docência e estresse ocupacional docente; a aplicação de métodos; a adequação da escola às demandas da sociedade; o efeito das políticas públicas na escola; e outros. Tais elementos se desdobram, sobretudo, em estudos do campo da história da educação; mas incluem trabalhos situáveis na sociologia da educação, como no caso de saberes e práticas 16 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I profissionais docentes e da tipologia escolar (escolas religiosas). É nítida a força das instituições escolares nos estudos histórico-educacionais no desdobramento de áreas temáticas e objetos. As relações entre história e memória aparecem em quatro estudos, onde se projetam a recordação de professora e diretora, assim como a memória construída por grêmios, por celebrações e pela tradição. Cara à história, a categoria, gênese, se destaca em número de estudos: são seis. Os trabalhos tratam de escolas elementares públicas e escolas protestantes, catecismos e público neopentecostal; também enfocam instituições de ensino superior, como a primeira universidade do Centro-Oeste, e a formação docente ofertada em faculdade adventista. Com efeito, o tema da formação docente permeia outro texto de intenção histórica, um estudo sobre treinamento de professores. Encerra o conjunto de estudos históricos outra questão cara à história das instituições escolares: as relações entre educação e imprensa, que aparecem num texto sobre a produção de um jornal intraginasial, e noutro sobre a presença de uma escola no noticiário impresso. Como coletânea que conjuga áreas distintas do rol de assuntos e temas da pesquisa em educação, o recorte temporal vai do presente ao passado, assim como da democracia à ditadura. Os olhares se voltam ao império – às origens do catecismo na escola do século XIX; às primeiras décadas da República – à cultura escolar entre 1913 e 1924; à ditadura Vargas – à imprensa escolar entre 1935 e 1945; à ditadura civil-militar – à formação docente entre 1962 e 1988; ao grupo escolar e suas professoras entre 1960 e 1970. Enfim, os olhares se voltam à escola independentemente do momento político – a uma instituição protestante entre 1958 e 1990: democracia-ditadura-Democracia. Assim como o recorte temporal atravessa a história política do país, o recorte espacial o faz. Os estudos cobrem de regiões de norte a sul, leste a oeste. São trabalhos afins à Bahia, ao Piauí, ao Pará e à Rondônia; a Minas Gerais e São Paulo; a Goiás e ao Mato Grosso do Sul; e outros. Enfim, convém destacar a preponderância das mulheres na produção de pesquisas sobre instituições escolares. Trinta e cinco autoras se desdobraram na produção de estudos em áreas distintas, enquanto os pesquisadores somaram dezoito. A discrepância parece ecoar a presença maior de mulheres em curso de Pedagogia e Normal Superior, o que redunda em um número maior de pesquisadoras e estudiosas. Neste livro, quem está familiarizado com a noção de instituição educacional (ou escolar) na pesquisa vai constatar a força e a amplitude de uma categoria conceitual; aos que vão se iniciar na compreensão de tal 17 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I categoria a partir da leitura deste livro, a obra oferece uma pesquisa valiosa com seu conjunto de estudos. Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro Docente da Universidade Federal de Uberlândia do Curso de Pedagogia do ICHPO e do Programa de Pós-Graduação em Educação, Linha de História e Historiografia da Educação Coordenadora da Linha de História da Educação. Pesquisadora Produtividade 2 do CNPq Dra. em Educação pela USP –SP Pós-Doutorado em Psiquiatria Médica Neurologia pela USP –RP Pós-Doutorado em Educação pela UNIUBE APRESENTAÇÃO É com grata satisfação que apresentamos à comunidade acadêmica a coletânea Instituições Escolares: história, memória e narrativas. Uma obra, organizada em dois volumes, fruto de muitas mãos, de muitas mentes, de trajetórias profissionais diferentes, de olhares distintos, de tessituras comprometidas com a pesquisa em educação, especialmente em História da Educação e, particularmente, sobre Instituições Escolares. Os capítulos desse belo conjunto de textos seletos compartilham memórias, narrativas, práticas, experiências, espaços, lugares, tempos, confessionalidades, ideias, reflexões, saberes e possibilidades que engendram a História de tantas Instituições Escolares fincadas Brasil afora. O primeiro capítulo HISTÓRIAS DAS ESCOLAS E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES, de autoria de Libania Xavier, Livia de Fátima Conceição e Fernanda Monteiro apresenta reflexões e resultados do Projeto de Pesquisa e Extensão vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) intitulado Sua Escola tem História (SETH), desenvolvido ao longo de dois anos, cujo objetivo foi divulgar conhecimentos sobre a história das escolas do Rio de Janeiro. O segundo capítulo A ESCOLA NORMAL DO BRÁS: CULTURA MATERIAL E CULTURA EMPÍRICA (SÃO PAULO, 1913-1924) de Wiara Rosa Rios Alcântara analisa indícios de práticas e modelos pedagógicos em circulação na Escola Normal do Brás, na cidade de São Paulo. Por meio do estudo da materialidade da escola intenta-se compreender aspectos da cultura empírica e as propostas pedagógicas disseminadas pela Escola Normal nas décadas de 1910 e 1920 para a formação de professoras primárias. No terceiro capítulo, Danila da Silva Nascimento Gomes apresenta o texto O ENSINO PRIMÁRIO PICOENSE: MEMÓRIAS DE PROFESSORAS DO GRUPO ESCOLAR COELHO RODRIGUES EM PICOS/PI (1960-1970), que tem como finalidade analisar experiências de professoras primárias do Grupo Escolar Coelho Rodrigues da cidade de Picos, estado do Piauí entre os anos de 1960 a 1970 por meio da metodologia da História Oral. O desdobramento do texto analisa como essas experiências docentes influenciaram na trajetória profisisonal destas professoras, desde a escolha pela carreira docente, a formação inicial, o 20 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I processo de socialização e a construção identitária. O quarto capítulo intitula-se ESCOLA TERRITORIAL DE 1º GRAU PAULO DE ASSIS RIBEIRO: EM MEIO A MATA, NASCE UMA ESCOLA é de autoria de Flaviana Faustino da Silva, Elizabeth Figueiredo de Sá e Dálete Cristiane Silva Heitor de Albuquerque. O texto tem por objetivo explorar aspectos da criação e do funcionamento da primeira escola de Colorado do Oeste, estado de Rondônia, nos anos de 1970. Escola que nasceu em meio à mata para atender às necessidades educacionais de um lugar nascente. O quinto capítulo de autoria de Giza Guimarães Pereira Sales e Rosane Michelli de Castro intitulado UMA HISTÓRIA DE FORMAÇÃO DOCENTE NO BRASIL: DA FACULDADE ADVENTISTA DE EDUCAÇÃO (FAED) AO CURSO DE PEDAGOGIA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO (UNASP), pautado nos pressupostos da História Cultural, a partir de uma análise historiográfica e documental, apresenta aspectos da formação docente a partir de uma instituição privada e confessional na zona sul de São Paulo. No sexto capítulo encontra-se o texto A PRODUÇÃO DE IMPRESSOS ESCOLARES NO GINÁSIO DOM BOSCO: LEITURAS SOBRE O PERIÓDICO O GINÁSIO (1935-1945) de autoria de Jéssica Lima Urbieta e de Loren Katiuscia Paiva da Silva. O trabalho diz respeito às práticas empreendidas no Ginásio Dom Bosco, na cidade de Campo Grande, entre os anos de 1935 a 1945, na produção do periódico escolar intitulado O Ginásio. O texto resulta daaproximação à temática dos usos de impressos escolares na produção do conhecimento científico em pesquisas histórico-educacionais. O sétimo capítulo assinado por Luana Tainah Alexandre Braz e Magda Sarat, HISTÓRIA, MEMÓRIA, CELEBRAÇÕES E TRADIÇÃO: O JEITO SEI DE SER, apresenta o resultado de uma pesquisa desenvolvida no mestrado em Educação da UFGD com o objetivo de retratar a história e memória da Escola Serviço de Educação Integral (SEI) e seus aspectos formativos entre os anos de 1980 e 1998. No oitavo capítulo intitulado ENTRE POAIAS E GOTEIRAS: UM ESTUDO SOBRE O PROCESSO DE CRIAÇÃO DO GRUPO ESCOLAR DESEMBARGADOR CANÊDO, os autores Luciano Dias Nunes e Thaís Reis de Assis buscam compreender o processo de criação do Grupo Escolar Desembargador Canêdo (doravante DECA), no município de Muriaé, na Zona da Mata mineira a partir de pesquisas em diversos 21 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I documentos que abarcam o período de 1930 a 1946, como uma primeira contribuição sobre a história desta instituição escolar. INSTITUIÇÕES EDUCATIVAS: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA MODERNA NA EUROPA E O SEU REFLEXO NO BRASIL é o texto que compõe o nono capítulo da coletânea. De autoria de Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida, Marliane Dias Silva e Maria Edimaci Teixeira Barbosa Leite, o artigo tem como objetivo tecer proposições acerca das pesquisas sobre instituições educacionais no Brasil, enfatizando a influência europeia nos estudos teóricos sobre esta temática no território nacional. O capítulo dez NOTÍCIAS HISTÓRICAS DA ESCOLA NO SUBÚRBIO FERROVIÁRIO DE SALVADOR, de autoria de Paulo de Tarso Vellanes é resultado de um substancial pesquisa bibliográfica e documental sobre o processo de escolarização da região soteropolitana conhecida como Subúrbio Ferroviário. O capítulo onze PRIMEIRA UNIVERSIDADE DO CENTRO- OESTE: BREVE HISTÓRICO assinado por Sonia Maria Zanezi Peres, Gleison Peralta Peres e Lucia Helena Rincón Afonso apresenta resultados da pesquisa sobre o ensino superior em Goiás, a partir da criação da Universidade Católica, atual Pontifícia Universidade Católica de Goiás, como primeira instituição de ensino superior reconhecida da região centro- oeste. No capítulo doze, Adriana Ribeiro de Brito e Silva e Ademilson Batista Paes apresentam o texto A ESCOLA ESTADUAL JOSÉ GARCIA LEAL (PARANAÍBA – MS): SINAIS E LEMBRANÇAS DE UMA DIRETORA ESCOLAR. A partir dos fragmentos de memórias de uma professora que atuou como diretora em uma das escolas públicas mais antigas da cidade de Paranaíba, interior do Mato Grosso do Sul, os pesquisadores apresentam dados de uma pesquisa de mestrado que tem como objeto memórias de ex-diretoras da rede pública estadual desta localidade, durante as décadas de 1970 e 1980. O capítulo treze OS NEOPENTENCOSTAIS E AS FINALIDADES EDUCACIONAIS NAS ESCOLAS PUBLICAS BRASILEIRA é assinado por Edmar Moreira Alves. O texto aborda as concepções de finalidades educacionais da educação escolar na percepção dos religiosos evangélicos neopentecostais, analisando aspectos da repercussão dessas finalidades no sistema escolar, especialmente sob a contextualização do ensino religioso. 22 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I OS CATECISMOS PROTESTANTES INSERIDOS NO CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO DO SÉCULO XIX é o texto do capítulo catorze assinado por Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do Nascimento, Josué dos Santos Alves e Jorge Carvalho do Nascimento. O capítulo tem por objetivo identificar as práticas educacionais disseminadas no Brasil por missionários norte-americanos, tomando como ferramenta didático-pedagógica alguns catecismos protestantes que foram utilizados nas instituições de ensino, como as escolas dominicais e paroquiais, e nos seus templos de ensino bíblico, as Igrejas. O capítulo quinze AS PRIMEIRAS ESCOLAS PROTESTANTES EM GOIÁS: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA, de autoria de Tamiris Alves Muniz e Sauloéber Tarciso de Souza, apresenta uma investigação de cunho bibliográfico que resultou no mapeamento da ação educacional protestante com a criação das primeiras escolas presbiterianas e interdenominacionais no estado de Goiás na primeira metade do século XX. No capítulo dezesseis, Kamila Gusatti Dias apresenta o texto ESCOLA OTONIEL MOTA: GÊNESE E FUNCIONAMENTO DE UMA INSTITUIÇÃO PROTESTANTE EM RIO VERDE – GO (1958 - 1990). A autora esboça, por meio de relatos orais, de uma pesquisa documental e bibliográfica, a história da Escola Otoniel Mota, instituição confessional presbiteriana da cidade de Rio Verde, no sudoeste goiano. O capítulo dezessete QUE HISTÓRIA É ESSA? O CENTRO DE TREINAMENTO DE PROFESSORES EM INHUMAS NO CONTEXTO DA DITADURA MILITAR (1962-1988), que tem como autor Gleidson de Oliveira Moreira, apresenta o estudo e a pesquisa sobre as políticas de formação de professores estabelecidas a partir do acordo MEC/USAID durante a ditadura militar brasileira e sua aplicação no centro de treinamento de professoras primárias na cidade de Inhumas- GO, a partir de pesquisas documentais e entrevistas. O capítulo dezoito O GRÊMIO LITERÁRIO PORTUGUÊS NO OITOCENTOS: INSTITUIÇÃO EDUCATIVA, MEMÓRIA E CULTURA EM BELÉM-PA, assinado por Maria José da Silva Corrêa Boulhosa e Mário Allan da Silva Lopes investiga o processo de construção do grêmio Literário Português, no século XIX, na cidade de Belém do Pará e sua importância no contexto educacional da região amazônica, a partir de uma pesquisa bibliográfica-documental pautada nos pressupostos da História Cultural. 23 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I O capítulo dezenove ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL E O ENSINO DA EDUCAÇÃO FÍSICA: UMA RELAÇÃO ENTRE TEMPO E ESPAÇO, que tem como autores, que tem como autores Ângela Roberta Felipe Campos, Daniele Gonçalves Lisbôa Gross, Jackson Carlos da Silva e José Maria Baldino, propõe reflexões, pautadas num estudo bibliográfico e na metodologia da análise de conteúdo, sobre a influência do tempo e do espaço no ensino da Educação Física nas escolas de tempo integral. O capítulo vinte NEOLIBERALISMO, NOVO NEOLIBERALISMO E EDUCAÇÃO: INFLUÊNCIAS NO ÂMBITO ESCOLAR é assinado por Adma Palmira Jaime Noleto e por Cláudia Valente Cavalcante. O texto, de caráter crítico-reflexivo, trata sobre as origens do neoliberalismo e seus delineamentos no campo educacional, enfatizando os riscos da ideia de escola como empresa a fim de satisfazer funções meramente mercadológicas. No capítulo vinte e um, os autores Andressa Freitas Lopes, Wesllen Martins Lopes e Fernando Primitivo Romero Bordin apresentam no texto AS RELAÇÕES ENTRE ESTÁGIO CURRICULAR SUPERVISIONADO E RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA À LUZ DAS NORMATIVAS QUE OS REGEM, análises, discussões, contrastes e convergências entre o Estágio Curricular Supervisionado e a Residência Pedagógica a partir de uma pesquisa bibliográfica e documental. O capítulo vinte e dois REFLEXÕES DO TRABALHO DO PROFESSOR E O ESTRESSE OCUPACIONAL, de autoria de Ayer Barsanulfo Franco, Alexsandro Silva Mateus e Verônica Daniela Gomes enfatiza a temática urgente do adoecimento docente, em especial o estresse causado pela rotina e suas consequências. No capítulo vinte e três, os pesquisadores Junior César Ferreira de Castro e Thays Borges de Lima Goveia apresentam o texto CRIANDO E RECRIANDO MÉTODOS VISUAIS: A ALFABETIZAÇÃO E O LETRAMENTO DA CRIANÇA COM SURDEZ. O capítulo propõe, a partir de um estudo bibliográfico, recursos metodológicos para a alfabetização e o letramento da criança surda e aspectos relevantes do perfil docente à adaptação de estratégias de ensino para este público. No capítulo vinte e quatro, Silena da Fonseca Pimentel Paizan assina o ensaio A DISTÂNCIA ENTRE A ESCOLA QUE TEMOS E A ESCOLA QUE QUEREMOS. Neste capítulo, a autora faz pertinentes provocações como a aproximação do conceito de homem com o conceito 24 Instituições Escolares:História, Memória e Narrativas - Volume I de cultura, a realidade da educação na atualidade, as mudanças curriculares propostas pela BNCC, a educação dialógica como princípio para a educação libertária, de maneira gradativa e contínua. Esta publicação faz parte das atividades do Diretório/Grupo de Pesquisa “Educação, História, Memória e Cultura em diferentes espaços sociais”, parceiro do HISTEDBR, cadastrado junto à CAPES e vinculado ao Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, onde atuamos como pesquisadores. O DGP EHMCES mantém uma linha de publicações sobre os objetos de estudos e de pesquisas que desenvolve por meio de seus participantes. Desejamos uma ótima leitura! Almejamos outros aprendizados, disseminação do conhecimento, incentivos para novas pesquisas e outras produções sobre Instituições Escolares. Saudações acadêmicas! Dr. César Evangelista Fernandes Bressanin Dra. Kamila Gussatti Dias Dra. Maria Zeneide Carneiro Magalhães de Almeida (Organizadores) Capítulo 1 HISTÓRIAS DAS ESCOLAS E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES Libania Xavier Livia de Fátima Conceição Fernanda Monteiro 1 Introdução O capítulo apresenta as reflexões desenvolvidas ao longo de dois anos de desenvolvimento do Projeto de Pesquisa e Extensão vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) intitulado Sua Escola tem História (SETH), cujo objetivo é divulgar conhecimentos sobre a história das escolas do Rio de Janeiro. Como professora e alunas do Curso de Pedagogia e do Curso de História, da UFRJ, pretendemos, neste capítulo, articular nossa participação nesse projeto a uma reflexão sobre o potencial da memória e da história na produção de sentidos sobre a escola e sobre a cidade, bem como na produção de nossas identidades pessoais e sociais. Entendemos que o conhecimento das histórias das instituições escolares nas quais nós passamos boa parte de nossas vidas, incluindo nesse processo, a memória afetiva que as envolvem, viabiliza a reflexão sobre as dinâmicas de construção das identidades subjetivas, que se articulam aos sentimentos de pertencimento a grupos sociais, instituições formativas e trajetórias pessoais. Michel Pollak (1998) chama atenção para os processos de enquadramento da memória na configuração de uma história oficial, mas, também, lembra a existência dos esquecimentos e silêncios que funcionam como um modo de enquadrar a memória de certos acontecimentos, evitando falar de assuntos que possam gerar conflitos ou desconforto. No caso da história de nossas escolas, eles se encontram carregados de tensões, seja pelas disputas por aquilo que é visto por alguns como um poderoso aparelho ideológico, como pontuou a sociologia de L. Althusser (1970), seja em razão do potencial reprodutor e, simultaneamente transformador da realidade social contida nos processos educativos, como pontuaram Bourdieu (1992) e Paulo Freire (1967). Nesse sentido, consideramos que 26 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I produzir novos conhecimentos e divulgar os conhecimentos já produzidos sobre as histórias das escolas do Rio de Janeiro constitui um ato de valorização do patrimônio educacional que pertence a todas as pessoas que se beneficiaram da formação escolar. Contribui, ainda, para a autorreflexão acerca de nossos processos formativos, tanto na esfera individual quanto na coletiva ou social. Assim, tendo em vista as questões assinaladas nesta introdução, nós dividimos o capítulo em três seções: A primeira seção explica os objetivos e os modos de execução do Projeto que embasa as observações aqui apresentadas; a segunda analisa os conteúdos produzidos no desenvolvimento do referido projeto, configurados no site (http:// suaescolatemhistoria.com.br) e divulgados nas redes sociais; a terceira seção inquire os sentidos atribuídos às instituições escolares, tendo como base as memórias de alunos e as declarações de professores que compõem postadas no site. Nas Considerações finais, apontamos alguns resultados e os possíveis desdobramentos do projeto em tela. 2 Sua escola tem história: o projeto de extensão O conhecimento da história da educação tem demonstrado que a escola pública é uma instituição potente para a construção de um modelo de educação e de sociedade democráticas. Essa ideia ganha centralidade redobrada diante dos ataques que a escola pública, os professores e a pesquisa científica vêm sofrendo nos dias atuais. Por isso, defender e divulgar a importância crucial das instituições escolares na vida social, política e cultural do país e do nosso estado é tarefa que requer a participação de todos e justifica uma detida reflexão sobre o papel histórico das instituições escolares. Ainda que tenham assumido uma forma padrão – salas de aula com coletivo de alunos organizados por idade e nível de aprendizagem, repartição do tempo de acordo com o ensino de diferentes conhecimentos disciplinares, material próprio, dentre outras características –, cada escola possui uma História que a constitui, imprimindo-lhe uma identidade e uma cultura particulares. Porém, nem todos os alunos, professores e comunidade do entorno escolar conhecem essas histórias. Vale lembrar que, muitas vezes, essa história se constitui por meio de lutas pelo direito à educação; outras vezes, correspondem a políticas de expansão do ensino. Além disso, muitas escolas foram palco de experiências 27 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I pedagógicas inovadoras e inspiradoras que, com o tempo, foram esquecidas. O que importa dizer é que essas histórias – do prédio, do nome da escola, das experiências pedagógicas e das políticas e tensões sociais que marcam a sua história –, constituem um patrimônio memorialístico, historiográfico e material que pertence à comunidade escolar e ao seu entorno. Portanto, é crucial que esse patrimônio se torne, cada vez mais, conhecido e reconhecido. Dar visibilidade a essas histórias é um meio de reforçar o direito à memória e ao reconhecimento do protagonismo dos sujeitos escolares em suas próprias histórias. Isso contribui para o fortalecimento das identidades pessoais e coletivas, ampliando a compreensão e a autorreflexão sobre o próprio protagonismo dos sujeitos escolares nas dinâmicas de configuração dos espaços – padronizados ou não – e das culturas escolares, estas sempre específicas, particulares. O projeto – de pesquisa e extensão que reúne as autoras deste capítulo, se soma a um movimento virtuoso que vem sendo construído graças ao diálogo entre a História local, o ensino de História e a História da Educação (GONÇALVES, 2007; REZNIK, 2008; ABREU, 2017; CORREA, 2018; SANT’ANA, 2020; SANTOS, 2021). Em tempos de pandemia, marcados pela circulação de falsas informações e de ideias prejudiciais à saúde física e mental, reforça-se a importância do trabalho de socialização, informação racional e formação ética que a escola, por meio de seus professores, realiza sobre os alunos. O título “sua escola tem história” sugere algo que nos parece natural e certo, mas na verdade, precisa ser reafirmado, pois nem sempre o que nos parece certo e natural é percebido em todas as suas dimensões. Em outras palavras, nem todos pararam para olhar para as escolas que frequentam ou frequentaram, bem como para aquelas que encontram pelo caminho, percebendo-as como um patrimônio material, cultural e simbólico. Com isso, pretendemos levar o estudante que participar desse projeto – desde o ensino fundamental e médio, até alunos de graduação e pós das instituições parceiras – a valorizar a preservação da memória e da história da educação, por meio da compreensão de experiências pedagógicas relevantes ocorridas no passado – distante e recente –; das lutas pelo direito à educação e das políticas educacionais que permeiam as histórias de nossas escolas, bem como do protagonismo de seus sujeitos. Por fim, ao produzirconteúdos para postar no site e divulgar nas redes sociais, pretendemos chamar a atenção do público, em geral, 28 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I para a importância da instituição escolar no acesso aos códigos letrados e às informações científicas, tão centrais na vida contemporânea. Simultaneamente, visamos dar maior visibilidade ao conhecimento da história das escolas, tendo em vista que esse conhecimento atribui sentido ao seu trabalho de socialização, de disseminação dos conhecimentos científicos e de construção de cidadania. O trabalho de pesquisa que alimenta o projeto de extensão voltado à divulgação dos conhecimentos sobre o patrimônio escolar / educacional do Rio de Janeiro tem como ponto de partida os levantamentos da produção acadêmica sobre a história das instituições escolares, dos professores e alunos das escolas do Rio de Janeiro. Além do levantamento de teses e dissertações, também são identificadas outras produções como catálogos, livros infantis e outras que abordam o tema. Por meio desse levantamento, podem ser gerados pequenos posts de informação; entrevistas ou simplesmente indicações de leitura. Dito isto, vamos explicitar, na seção seguinte, como vem se dando o trabalho de organização do site e de divulgação de seus conteúdos. 3 Produção de conteúdos e estratégias de divulgação O surgimento de tecnologias digitais de informação e comunicação, bem como os constantes aprimoramentos destas, transformaram os modos como os seres humanos se relacionam entre si e também as atividades que realizam individualmente e coletivamente. À vista disso, Santos (2014, p.53) afirma que essas tecnologias estão possibilitando diversos mecanismos de processamento, armazenamento e circulação de informações, resultando em mudanças nos modos e meios de produção e de desenvolvimento em áreas que abrangem, desde clássicos processos de comunicação e, sociabilidade, até aqueles vinculado à educação e à aprendizagem. Compreendendo as características culturais da sociedade contemporânea no ciberespaço e a possibilidade de alcançar diversas pessoas em um mesmo espaço, rompendo áreas geográficas, foi definido que o projeto de extensão Sua Escola Tem História seria fundamentado por atividades onlines registradas em um site, compondo um acervo digital de livre acesso a toda pessoa que dispusesse conexão com a internet. Desse modo, em 2020, ano no qual o projeto foi iniciado, foi criado o site que registra e disponibiliza os os conteúdos produzidos pelos extensionistas, sob a supervisão da coordenadora do projeto. 29 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I Ainda que parte dos objetivos do projeto seja narrar histórias de instituições escolares e preservar as memórias destes espaços e de quem por lá passou, existem inúmeras maneiras de realizar tais ações. A elaboração de todas as publicações seguem os respectivos critérios: limite de três parágrafos, linguagem simples e direta, informação relevante e sensível. Por isso, para facilitar a busca dos visitantes virtuais no nosso acervo digital, o site conta com as seguintes divisões de categorias: Início: apresentação dos objetivos do projeto e da equipe que o compõe; Entrevistas: um espaço onde se encontram conversações entre os extensionistas e os sujeitos das escolas, especialmente os professores; A Escola na Cidade: onde estão reunidos os resultados de pesquisas acerca das relações históricas da expansão escolar com mudanças arquitetônicas, sociais e políticas na cidade do Rio de Janeiro e como estas se fazem ou não presentes atualmente; Indicaê. Este último é composto por recomendações feitas pelos extensionistas de materiais literários e audiovisuais que podem servir tanto ao usuário que deseja aprofundar-se nas pesquisas sobre temas pertinentes, quanto para professores que desejam refletir sobre determinadas temáticas que podem ser trabalhadas em sala de aula, contribuindo para a democratização dos conhecimentos escolares e acadêmicos; Memórias: espaço dedicado ao compartilhamento de lembranças de sujeitos que passaram por instituições escolares e também à postagem de informações sobre centros de memórias, como o Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade -PROEDES/UFRJ; e Blog: área onde o visitante pode visualizar prévias de todas as postagens feitas no site, em geral. O trabalho de pesquisa se remete aos levantamentos da produção acadêmica sobre a história das instituições escolares, dos professores e alunos das escolas do Rio de Janeiro, trabalho que, na chave das atividades de extensão, se mescla com entrevistas a professores (ver aba Entrevistas), com as lembranças de alunos sobre os tempos de escola (ver aba Memórias) e com os depoimentos dos próprios alunos de extensão (videos curtos reunidos no eixo Extensionistas falam). Por meio desse levantamento, podem ser gerados pequenos posts de informação; entrevistas e até mesmo indicações de leitura na aba chamada Indicaê. Com a determinação do espaço onde seriam publicadas e armazenadas as produções do projeto, restava-nos pensar em outro objetivo primordial: a divulgação destes trabalhos. Há quem pense que somente a escolha de um ambiente que conserve o que é produzido pelos extensionistas e coordenadores seja suficiente, e, de certa forma, é. No entanto, como desejamos especificamente alcançar tanto grupos presentes 30 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I no meio acadêmico que possuem afinidade com temáticas como Memória, História, Patrimônio e Educação, quanto pessoas que conhecem ou não a importância das histórias e narrativas que permeiam as escolas, se amplia a relevância social e política do trabalho escolar e do trabalho com a memória e a história da educação. Por isso, na medida do possível, o projeto visa, também, articular uma rede de divulgação de informações sobre as atividades promovidas por seus participantes e também de centros, salas, espaços de memória e de preservação do patrimônio escolar/educacional, no estado do Rio de Janeiro. Tendo em vista que, no Brasil, algumas das principais redes sociais utilizadas são o Facebook e Instagram, o nosso projeto de extensão decidiu presentificar-se nesses espaços marcados pela interatividade, a fim de divulgar as produções dos extensionistas de maneira acessível, estabelecendo um contato mais próximo aos públicos que desejamos alcançar. Dessa forma, foi essencial aprendermos as especificidades de cada rede social para que pudéssemos desenvolver atividades dinâmicas e que fizessem sentido em ambos os ambientes. Para tanto, tivemos que nos adaptar às linguagens específicas das redes citadas. É interessante ressaltarmos que desde a compra do Instagram, feita pelo Facebook, os dois aplicativos passaram a ter ferramentas muito similares, o que facilitou o nosso planejamento de posts a serem publicados. No entanto, buscamos sempre levar em conta as características das duas redes: a primeira, desde seu surgimento, é conhecida pela finalidade de compartilhar publicamente fotos e vídeos; já o Facebook, mais antigo que o Instagram, tornou-se popular por ter funcionalidades diversas como, por exemplo, criação de grupos e de eventos, compartilhamento de textos, notícias, arquivos, fotos e vídeos. Isto posto, passemos então para a apresentação das atividades onlines que desenvolvemos até agora, para depois falarmos sobre as projeções futuras e também das limitações que encontramos ao longo do tempo. Tanto a conta do Instagram quanto a página do projeto no Facebook já haviam sido criadas no ano de 2020, mas as postagens elaboradas propositalmente para esses espaços só se deram a partir de abril de 2021. A princípio, os posts eram feitos no feed e tratavam exclusivamente dos trabalhos armazenados e disponibilizados no site do projeto, divulgando- os e convidando os seguidores a acessarem o sítio eletrônico. Contudo,como havíamos mencionado anteriormente, a divulgação que nos propomos a realizar é a partir da conversação com os públicos, e, 31 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I consequentemente, apoiado nas linguagens e comportamentos que estes têm nas redes sociais já referidas. Assim sendo, no mês de maio foram lançados dois filtros, de autoria do projeto, no formato de quizzes que abordam temáticas relacionados ao nosso projeto, que podem ser usados no Instagram e Facebook pelos nossos seguidores atuais e vindouros. O uso de filtros nos stories se popularizou de modo grandioso no Instagram e somente posteriormente esta função passou a ser disponibilizada nos stories do Facebook. O conteúdo desses filtros são diversos, indo desde alteração de cor nas imagens que as câmeras dos telefones celulares capturam até jogos de perguntas como quiz. Com isso, em nosso projeto, o desenvolvimento destes jogos interativos se deu segundo o desejo e objetivo que temos de aproximar as produções dos extensionistas com a sociedade virtual. Portanto, como veremos nas imagens a seguir, as perguntas presentes nos filtros fazem referência aos conteúdos já registrados e expostos em nosso acervo digital, como se pode verificar nas imagens dos filtros do projeto que estão disponíveis nas redes sociais. Figura 1: Filtros do projeto que estão disponíveis nas redes sociais Fonte: Perfil do projeto Sua Escola tem História no Instagram (2021). 32 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I Para além dos filtros, criamos também duas séries de vídeos intituladas de “Extensionistas Falam” e “Entrevistas” postadas na ferramenta IGTV, atualmente chamada de “Instagram TV”, e na ferramenta “Vídeo” no Facebook. Na primeira, os alunos envolvidos no projeto contam, brevemente, sobre as histórias/narrativas que eles escreveram; o porquê escolheram falar sobre determinado assunto, quais foram as dificuldades que enfrentaram e quais descobertas eles fizeram ao longo do processo de pesquisa e produção de conteúdos e configuração do mesmo no formato de post. Já a segunda é composta por gravações de entrevistas feitas pelos extensionistas com figuras que fazem parte de corpos escolares e que, de alguma forma, possuem aproximação com os temas do projeto. Deste modo, além de permanecermos fazendo publicações que divulgam as produções presentes em nosso site, uma vez que o acesso ao acervo é o objetivo primordial, procuramos dinamizar as formas como essa publicização é realizada e como construímos relações com nossos públicos-seguidores. Os resultados que tivemos estão sendo positivos, principalmente no que diz respeito à participação daqueles que seguem os perfis do projeto. Tanto nos posts publicados no feed quanto por meio de mensagens privadas, nossos seguidores interagem conosco, relembrando memórias escolares, compartilhando seus testemunhos e também mencionando outros projetos que realizam atividades parecidas com as que fazemos. Ainda assim, nossa maior dificuldade, até o momento, tem sido o baixo acesso ao site. Por isso, estamos planejando novas ações que seriam iniciadas em conjunto com os nossos seguidores nas redes sociais, que, por sua vez, podem promover melhor o site como, por exemplo, o “Projeto Memória”. Esta ação, a princípio, deverá ocorrer da seguinte forma: o perfil do projeto de extensão irá fazer chamadas no story, feed e reels – três grandes ferramentas do Instagram – e no feed e story do Facebook, convidando professores, alunos, ex-alunos, diretores e outras pessoas que fazem ou fizeram parte de comunidades educacionais para entrarem em contato conosco, a fim de partilharem memórias escolares, e, até mesmo, serem entrevistados. Com isso, objetivamos estabelecer relações ainda mais próximas entre o projeto e os seguidores, além da possibilidade do “Projeto Memória” servir como um instrumento de incentivo, pois acreditamos que os depoentes irão desejar acessar o site para lerem e divulgarem suas contribuições. Objetivamos, assim, aproximar os conhecimentos produzidos na Universidade com aqueles provenientes do ambiente 33 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I escolar, assim como das memórias escolares do público, em geral. Por ora, estes são alguns dos nossos desafios e também de nossas ações propostas para superá-los. 4 Sentidos da escola Visando cumprir um dos nossos principais objetivos com a criação do projeto de pesquisa e extensão, incluindo a organização do site, nós pretendemos, nesta seção, destacar as narrativas que emergiram, desse trabalho, sobre os sentidos das escolas. É indispensável reiterar a importância da compreensão de que toda escola tem uma história e seu conhecimento advém, também, das narrativas dos sujeitos que por lá passaram. Com isso, nosso trabalho buscou refletir, através das memórias e das experiências escolares, os diversos sentidos atribuídos à escola por meio das narrativas construídas por alunos, professores, familiares e funcionários, bem como aquelas que se constituem nos trabalhos acadêmicos sobre o tema. Para melhor apreender os sentidos que emergiram entre as postagens do site, faremos um recorte, focalizando especificamente as categorias “Entrevistas” e “Memórias”, que compõem sua estrutura. Estas são formadas por diálogos com diversos profissionais da educação, alunos e ex-alunos, além de ser um espaço de compartilhamentos de lembranças. A constituição desse espaço se deu, principalmente, devido à necessidade de os principais sujeitos das escolas se expressarem, narrarem suas experiências que, muitas vezes, diferem das narrativas veiculadas na mídia e nos documentos governamentais sobre a Escola Pública. No período político atual, no Brasil, é preciso sempre afirmar o lugar da educação pública, diante de tantos ataques e atitudes negacionistas dirigidas aos conhecimentos escolares e acadêmicos, assim como ao trabalho de professores, pesquisadores, artistas e intelectuais, de modo geral. É necessário ter em mente que tais discursos não são novos e é inerente ao educador, e ao educador em formação, lutar contra essas adversidades. A possibilidade de veicular outros sentidos sobre as escolas, advindas dos sujeitos que a vivenciam é uma forma de reconfigurar e ressignificar o significado ímpar e crucial da escola na formação dos indivíduos e da sociedade. Ao trabalhar com memórias e experiências escolares, não conhecemos somente a escola, mas também o local, as pessoas, a comunidade ao redor. Tais reflexões são um convite a explorar a nossa cidade, (re)descobrir 34 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I histórias e memórias, além de refletir as complexas relações entre educação escolar, urbanização e construção nacional. Para tal, é necessária uma escuta sensível para/com as diferentes falas escolares. Ao compartilhar suas memórias o sujeito expõe-se, podemos ter vislumbres de sua infância ou de sua carreira, entender suas escolhas, perceber o dito e o não-dito. O ouvir e documentar em nosso site é uma metodologia fundamental para dar forma a essas compreensões, sempre respeitando as concepções que elas expressam. Diante do exposto, ao observarmos os posts do site, é possível notar que as memórias de alunos, professores e outros sujeitos escolares se ligam ao afeto e às amizades e que transcorrem nos tempos e espaços escolares (FARIA FILHO E VIDAL, 2000). O espaço escolar se constitui, assim, como cenário físico e representação simbólica, como bem demonstrou Benito Escolano (2000). Por vezes, as narrativas dos sujeitos escolares descrevem esses espaços como refúgio, entretanto também os representam como local de luta e resistência estudantil, tal como vimos na postagem sobre o movimento de ocupação de escolas por estudantes, que marcou o cenário nacional, durante o ano de 2015 e 2016, como exposto nas imagens que se seguem. Em alguns momentos, as narrativasvêm permeadas de boas lembranças, outras vezes, destacam grande insatisfação. Figura 2 - Cartazes feitos por estudantes que participaram da ocupação estudantil, em 2016, no Colégio Pedro II Fonte: Acervo digital do projeto Sua Escola tem História (2021). Disponível em: <https://suaescolatemhistoria.com.br/?p=1114> e <https://suaescolatemhistoria.com. br/?p=1024>. É notável que a instituição escolar esteja presente em grande parte dos nossos anos, ainda mais quando retornamos a ela como profissionais. Não é possível simplesmente, perpassar por todos esses anos e não ter uma memória dos tempos de escola para compartilhar. Torna-se impossível não se ter criado para si um sentido sobre o tempo que passamos nessa 35 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I instituição tão disseminada e eivada de afetividade. Pela nossa análise, alunos, professores e demais funcionários veem a escola como um refúgio, um local onde cada um se constituiu como indivíduo e como cidadão, isto é, como ser social e político, conforme detalhamos em estudo anterior (XAVIER e CHAVES, 2018), com base em diversas referências teóricas. A esse respeito, o sociólogo francês, François Dubet (2006) observa que, assim como a Igreja, a Escola parece estar “fora do mundo”, constituindo um santuário ao abrigo das divisões da vida social. Logo, esta não é só um lugar de aprendizagem, mas, também, um espaço moral, (...) um ambiente que circunda o professor assim como os alunos. É forçoso assinalar que a escola não se encontra apartada da sociedade e, como sabemos, muitas vezes pode reproduzir as suas mazelas, reproduzindo práticas autoritárias e excludentes. Contudo, em suas origens históricas, a escola se estabeleceu como instituição ancorada em um conjunto de princípios éticos e morais que sustenta (e é sustentado) pelas formas republicana e democrática de organização social. Por isso, a escola se torna, também, podemos afirmar, um espaço potente, gerador de inclusão social, esperança individual e de mudança da realidade circundante. Conforme demonstramos em estudos anteriores (XAVIER, 2021 a e 2021 b), esse entendimento não vem sozinho, mas sim atrelado a uma forte atuação do corpo docente, que estimula a interação e o sentimento de pertencimento de seus alunos com o espaço físico e simbólico da escola, apesar de problemáticas como apoio insuficiente do Estado, precarização do ambiente escolar e intensificação ascendente do trabalho dos professores. Nas entrevistas e memórias compartilhadas conosco, também se destaca a importância da atuação desses sujeitos na preservação das histórias de suas escolas. Muitos trabalhos são destacados por ex-alunos que retornam às suas escolas para para realizar a formação prática, se inserindo nas escolas de sua infância como futuros professores e, nessa posição, se dedicam a registrar, documentar e compartilhar suas histórias. O patrimônio educacional brasileiro, em destaque aqui o fluminense, é vastamente rico, porém com escassos registros. Muitos professores incentivam seus alunos e a sociedade ao redor das instituições a um processo de sensibilização e mobilização sobre a importância da memória e da escola e da história local. Muitos alunos passam anos em uma instituição escolar, simplesmente sem se perguntar e logo, sem conhecer, a história de seu prédio ou o porquê de seu nome. Um sentido forte de emergiu de diversas falas é a escola como lugar de luta. Tanto professores quanto alunos surgem com histórias sobre a 36 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I importância de sua formação crítica e plural, reconhecendo a contribuição de professores que os inspiraram a lutar pela educação e, muitas vezes, foram os motivos para sua escolha profissional. Outras memórias já nos registram a força do engajamento de alunos na política estudantil, como nas ocupações escolares em 2015 e 2016, nos mostrando que o espaço escolar é potencialmente, um espaço de luta por direitos. 5 Considerações Finais Ao observarmos os posts publicados no site do Projeto SETH, percebemos que, entre as memórias de alunos sobressaem, em geral, as lembranças das amizades e das brincadeiras, bem como de alguns professores que despertaram afeto, admiração ou, até mesmo frustração. Mas aparecem, também, os registros de suas lutas políticas, como foi o caso do movimento de ocupação de escolas. O que essas memórias nos falam a respeito da condição de aluno? E as escolas, o que suas histórias nos dizem sobre o processo de formação e desenvolvimento da cidade em que vivemos? Em que medida, os posts sobre escolas dos mais diferentes locais do Rio de Janeiro exibem os conflitos, as desigualdades e os problemas que atingem a população fluminense? Em entrevistas e estudos postados no site, podemos observar algumas práticas e medidas que professores e gestores adotaram para contornar alguns desses conflitos. O que eles nos ensinam? Estas são algumas das questões que emergiram de uma avaliação dos resultados alcançados em dois anos de trabalho nesse projeto. Frente a tantas visões de escola, o que podemos concluir a respeito de sua contribuição para cada indivíduo e para a sociedade? Encerramos este capítulo convidando o leitor a responder a essa última questão, a partir de suas memórias e experiências escolares. Referências ABREU, M. História local e ensino de História: interrogação da memória e pesquisa como princípio educativo. IN: MONTEIRO, Ana Maria F.C. et alii. Narrativas do Rio de Janeiro nas aulas de História. Rio de Janeiro: Mauad X Editora, 2017. p. 59-79. ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado. Lisboa: Presença, 1970. BENITO, Augustín Escolano. El espacio escolar como encenário y 37 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I como representación. Revista Teias - ProPed-UERJ, v.1 (2), 2000, pág. 1-12. Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/ revistateias/article/view/23853/16826> Acesso em: 18 nov. 2021. BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução. 3.ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992. CORREA, Rodrigo Antunes. Memórias e Histórias do Ciep 228: Brizolão Darcy Vargas. Dissertação de Mestrado. PPGEH/UFRJ. Rio de Janeiro, 2018. 131 p. DUBAR, Claude. A Socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo, Martins Fontes, 2005. DUBET, François. El declive de la institucion: professores, sujeitos e indivíduos ante La reforma Del Estado. Traduccion de Luciano Padilha, Barcelona, Espanha: Gedisa editorial, 2006. FARIA Filho e VIDAL. Os tempos e os espaços escolares no processo de institucionalização da escola primária no Brasil. Revista Brasileira de Educação - ANPED, n. 14, maio/agosto, 2000, pag. 19-34. Disponível em: <https://www.scielo.br/j/rbedu/a/ rjhxvFpJQ97LDYVJxkXybbD/?format=pdf&lang=pt> Acesso em: 18 nov. 2021. FREIRE, Paulo. A Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro, Paz e terra, 1967. GONÇALVES, Márcia de Almeida. História local: o reconhecimento da identidade pelo caminho da insignificância. In: MONTEIRO, Ana Maria, GASPARELLO, Arlette Medeiros, MAGALHÃES, Marcelo de Souza. Ensino de História: sujeitos saberes e práticas. Rio de Janeiro: Mauad; FAPERJ., 2007. MARINHO, Nailda; XAVIER, Libania. Nacif. (orgs.). A história da educação no Rio de Janeiro: identidades locais, memórias e patrimônio. Ed. Letra Capital, Rio de Janeiro, 2013. POLLAK, Michel. Memória, Esquecimento, Silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, p. 3-15, 1989. Disponível em: <https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2278> Acesso em: 18 nov. 2021. REZNIK, Luís (s/d) História local, pesquisa e narrativa. Disponível em: <http://www.institutocidadeviva.org.br/historiasdomedioparaiba/ cms/wp-content/uploads/2008/11/historia_local_reznik.pdf>. Acesso https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/view/23853/16826https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistateias/article/view/23853/16826 https://www.scielo.br/j/rbedu/a/rjhxvFpJQ97LDYVJxkXybbD/?format=pdf&lang=pt https://www.scielo.br/j/rbedu/a/rjhxvFpJQ97LDYVJxkXybbD/?format=pdf&lang=pt https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2278 http://www.institutocidadeviva.org.br/historiasdomedioparaiba/cms/wp-content/uploads/2008/11/historia_local_reznik.pdf http://www.institutocidadeviva.org.br/historiasdomedioparaiba/cms/wp-content/uploads/2008/11/historia_local_reznik.pdf 38 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I em: 02 nov. 2021. SANT’ ANA. Ronaldo Elói da Silva. A história da cidade de Duque de Caxias: entre oficinas e jogos didáticos. Dissertação de Mestrado. PPGEH / UFRJ. Rio de Janeiro, 2020. 148p. SANTOS, Edméa. Pesquisa-formação na cibercultura. Portugal: White Books, 2014. SANTOS, Mauro Fernandes dos. A pedagogia da festa: memórias do Ciep Maria Joaquina de Oliveira e Brigadeiro Sérgio Carvalho. Tese de doutorado, PROPED-UERJ, 2021. https://suaescolatemhistoria.com. br/ Acesso em 22 de novembro de 2021, 15 h. STATISTA. Leading countries based on Instagram audience size as of July 2021 (in millions). Disponível em: <https://www.statista.com/ statistics/578364/countries-with-most-instagram-users/> Acesso em: 18 nov. 2021. STATISTA. Number of Facebook users in Brazil from 2017 to 2026 (in millions). Disponível em: <https://www.statista.com/ statistics/244936/number-of-facebook-users-in-brazil> Acesso em: 18 nov. 2021. XAVIER, Libania. Nacif. & CHAVES, Miriam. W. A invenção da Escola pública e seus desdobramentos no Brasil: entre o ideal de modernidade e os problemas contemporâneos. História Caribe, vol. XIII, n. 33, p. 253- 280, Julho-Dezembro, 2018. Disponível em: <http://www.scielo.org.co/ pdf/hisca/v13n33/0122-8803-hisca-13-33-255.pdf> Acesso em: 18 nov. 2021. XAVIER, Libania. Nacif. A docência entre o ideal republicano e as violências do cotidiano. Educação e Pesquisa, v. 47, 2021 a. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1678-4634202147236303> Acesso em: 19 nov. 2021. XAVIER, Libania. Nacif. Docência, gênero e processos formativos: Considerações sobre práticas de mediação pedagógica em contextos adversos. Estudos Ibero-Americanos, 47 (3), 2021, b. Disponível em: <https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/iberoamericana/article/ view/39977> Acesso em: 19 nov. 2021. https://suaescolatemhistoria.com.br/ https://suaescolatemhistoria.com.br/ https://www.statista.com/statistics/578364/countries-with-most-instagram-users/ https://www.statista.com/statistics/578364/countries-with-most-instagram-users/ https://www.statista.com/statistics/244936/number-of-facebook-users-in-brazil https://www.statista.com/statistics/244936/number-of-facebook-users-in-brazil http://www.scielo.org.co/pdf/hisca/v13n33/0122-8803-hisca-13-33-255.pdf http://www.scielo.org.co/pdf/hisca/v13n33/0122-8803-hisca-13-33-255.pdf https://doi.org/10.1590/S1678-4634202147236303 https://doi.org/10.1590/S1678-4634202147236303 https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/iberoamericana/article/view/39977 https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/iberoamericana/article/view/39977 Capítulo 2 A ESCOLA NORMAL DO BRÁS: CULTURA MATERIAL E CULTURA EMPÍRICA (SÃO PAULO, 1913-1924) Wiara Rosa Rios Alcântara1 1 Introdução O objetivo deste texto é abordar, por meio do estudo da cultura material, indícios de práticas e modelos pedagógicos em circulação na Escola Normal do Brás, entre os anos de 1913 e 1924. Ou seja, por meio do estudo da materialidade da escola intenta-se compreender aspectos da cultura empírica, as propostas pedagógicas disseminadas pela Escola Normal nas décadas de 1910 e 1920 para a formação de professoras primárias. No período em estudo, a Escola Normal do Brás e a Escola Normal da Praça da República eram as únicas escolas normais oficiais da cidade de São Paulo uma vez que, com a unificação das escolas normais, por meio da Lei no 1750, de 8 de dezembro de 1920, a Escola Normal Primária e a Secundária da Capital foram reunidas numa mesma instituição. Criada pela Lei n. 1.359 de 24 de dezembro de 1912 no governo de Francisco de Paula Rodrigues Oliveira, a Escola Normal do Brás, destinava- se unicamente ao sexo feminino com a mesma organização, regime e funcionamento das outras existentes. Porém, a Normal só foi instalada no dia 31 de março de 1913, em prédio próprio à Avenida Rangel Pestana, 419. Sua criação é explicada pela grande demanda das moças por escola. Isso pode ser comprovado no elevado número de inscrições para exames de suficiência, no curso complementar e também no Normal. Conforme consta no “Livro do Jubileu da Escola Normal”, “o número de alunas matriculadas no curso normal aumenta extraordinariamente todos os anos. Em conseqüência dessa grande afluência, as classes, especialmente as 1 Doutorado em educação pela Faculdade de Educação da USP Professora Adjunta – Universidade Federal de São Paulo. Agência de fomento: FAPESP. E-mail: wrr.alcantara@unifesp.br 40 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I de primeiro ano, têm sido desdobradas todos os anos”. Foi em razão dessa crescente afluência de mulheres para as escolas de formação ao magistério primário que a escola foi criada, como assevera Tanuri (1979, p.127): A destinação da Escola Normal do Brás apenas para o sexo feminino resultou do progressivo aumento da clientela feminina que buscava as escolas normais, candidatando-se aos exames de admissão. A desproporção entre o número de candidatos dos dois sexos desfavorecia o elemento feminino que via reduzidas suas possibilidades de ingresso, comparativamente às do sexo masculino. Enquanto todos os aprovados deste sexo logravam matrícula nas escolas normais, era freqüente a existência de candidatas excedentes que, embora aprovadas, não podiam ser matriculadas por falta de vagas. Na Capital, onde esse fenômeno era mais sensível, a criação de um estabelecimento exclusivamente feminino foi a medida adotada para propiciar aos dois sexos as mesmas oportunidades de preparação para o magistério. Coaduna-se com essa observação Oscar Thompson (1918), quando ressalta o crescimento das matrículas nas escolas normais. Segundo ele, no ano de 1918, dos 3.423 alunos matriculados, 999 eram do sexo masculino e 2.424 do feminino. Diplomaram-se 856 professores, dos quais 223 são homens e 633 mulheres. Diante do quadro, o Diretor Geral da Instrução Pública, conclui: “É notavel o excesso de alumnas sobre alumnos, parecendo conveniente, pois, para o futuro, destinar algumas das Escolas Normaes exclusivamente ao sexo feminino, como já se fez com a do Braz, na Capital, continuando outras como mixtas” (Anuário do Ensino do Estado de São Paulo, 1918, p. 9). Ele apresenta dois motivos para a transformação de algumas escolas normais em exclusivamente femininas. O primeiro motivo é que a educação de um maior número de moças traria vantagens para o ensino paulista, mas também seria um benefício para elas visto que “não teem no Estado outros estabelecimentos de ensino secundário para se educarem” (Anuário, 1918, p. 283). Na passagem do século XIX ao XX, é notável o papel atribuído à escola normal para renovação do ensino. Para tanto, ela mesma foi renovada do ponto de vista da arquitetura, do corpo docente e da introdução de novos espaços, objetos, materiais escolares e pedagógicos. Logo, se as estruturas escolares indiciam os movimentos de renovação pedagógica, que passam pela formação docente, é por meio do estudo dessa estrutura, mais especificamente dos espaços e objetos da Escola Normal do Brás, que se pretende averiguar aspectos da cultura empírica da formação para 41 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I o magistério primário que ali se dava. Essa cultura empírica se constitui na convergência de ideias, práticas, reformas educativas, normas, dentre outros (ESCOLANO,2017). Assim, cabe indagar de que saberes e práticas de formação docente esses objetos e espaços podem ser indiciários. Por meio da análise do Inventário de Bens da Escola Normal do Brás, dos anos de 1913 e 1924, problematizo saberes e práticas que circularam na Escola Normal do Brás. Longe de exprimir uma homogeneização de modelos ou falar de influências, o interesse reside em analisar, por meio da cultura material escolar, uma cultura empírica que na perspectiva de Escolano (2007; 2017), não está desconectada de outras culturas: “[...] uma que ensaiou interpretá-la e modelá-la com base nos saberes (cultura académica) e outra que intentou governá-la e controlá-la por meio dos dispositivos da burocracia (cultura política)” (Escolano Benito, 2017, p. 119). Já Margarida Felgueiras (2005, p.94) defende que “estudar a educação hoje significa prestar atenção à densidade histórica do sistema educativo, nos contextos históricos de realização, expressos numa cultura material, que, simultaneamente, traduz as concepções de uma sociedade e manifesta as condições em que puderam ocorrer”. O interior da escola e, sobretudo, da sala de aula é colocado em evidência nos estudos que se interessam pela materialidade desses espaços. Isso porque os objetos da escola “são eles mesmos, dispositivos visíveis da escola, por meio dos quais, uma coletividade foi educada e instruída” (ESCOLANO, 2007, p.21). Como fontes, podem ser férteis no sentido de revelar as intenções de instituir e consolidar saberes e práticas entre os professores, professoras e alunas. Produzidos no contexto das práticas administrativas e pedagógicas, os inventários de bens “permitem não apenas a percepção dos conteúdos ensinados, a partir de uma análise dos enunciados e das respostas; mas o entendimento do conjunto de fazeres ativados no interior da escola” (VIDAL, 2005, p. 16). São inúmeras as possibilidades de se acercar à cultura material escolar como objeto de investigação. Por isso, é preciso pontuar os limites das fontes citadas para a pesquisa. Elas não permitem estudar os usos dos objetos ou a importância que eles recebiam no trabalho daquela escola, ou ainda, que relações os professores estabeleciam com os livros e materiais pedagógicos, mas são profícuas na investigação das orientações pedagógicas que os colocam em circulação, considerando que os propósitos originais 42 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I não determinam os usos subsequentes. Com estas questões em mente, analiso os Inventários de bens dos anos de 1913 e 1924, intentando perceber os indícios de uma cultura empírica na formação das professoras primárias na Escola Normal do Brás. 2 A escola, novos espaços e novos objetos A materialidade da escola indicia muito mais que as condições de funcionamento das instituições de ensino. De acordo com Escolano (2007), o legado material é uma fonte essencial para o conhecimento do passado da escola em suas dimensões prática e discursiva; a história material da escola se constrói a partir dos objetos, os quais portam significados que devem ser decifrados pelos indícios que sugerem ao pesquisador; os objetos são também registros da cultura empírica das instituições educativas e, nesse sentido, sinalizam orientações pedagógicas subjacentes à formação e ao trabalho docente, como defende. Examinados sempre em suas significações culturais, os objetos e as representações sobre eles não são autônomos e atemporais (ESCOLANO, 2007). O aparecimento, o uso, a transformação e o desaparecimento desses objetos, são reveladores das práticas educacionais e suas mudanças (SOUZA, 2007), bem como das teorias pedagógicas que os põem em circulação. Possibilidades e concepções educativas, perspectivas de formação docente podem ser percebidas nos objetos, no mobiliário, nos recursos e materiais pedagógicos. A compreensão de escola republicana, pelo menos no discurso, não se limitava ao espaço da sala de aula. [...] os edifícios deveriam ser amplos e iluminados, abrigando uma profusão inédita de novos materiais escolares, produtos industriais que condensavam os modernos usos pedagógicos de povos mais civilizados, propondo-se prescritivamente como suportes de rotinas inéditas nas salas de aula (CARVALHO, 2001, p. 139). Diversos ambientes foram introduzidos na estrutura escolar, de modo que a presença e a configuração dos mesmos denotam projetos educativos e modelos de escolarização. A Escola Normal do Brás dispunha de espaços e equipamentos necessários para adequar-se ao projeto político modernizador republicano, e consequentemente, introduzir mudanças no ensino normal e primário. Na acepção de Escolano (2007) as fontes materiais da cultura da escola redirecionam a investigação histórica para as práticas escolares. Elas sinalizam de um lado, uma corrente pedagógica, 43 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I uma cultura empírico-prática; e de outro, são elas mesmas dispositivos visíveis da escola, por meio dos quais uma coletividade foi educada e instruída. Por essa via, os objetos da escola são fontes para elucidar os sentidos e as orientações pedagógicas que subjazem na cultura de que são portadores. Corrobora essas ideias Souza (2007, p.165), ao afirmar que “os artefatos materiais vinculam concepções pedagógicas, saberes, práticas e dimensões simbólicas do universo educacional constituindo um aspecto significativo da cultura escolar”. Logo, cabe o questionamento acerca dos materiais e recursos pedagógicos disponíveis na Escola Normal do Brás no período estudado. Interessa identificar tais recursos e, ao fazê-lo, perceber de que modo estão atrelados às inovações educacionais e, como corolário, às concepções de formação da professora primária. Em outras palavras, buscar a relação dos objetos com seus contextos de criação e uso, situando os materiais nos cenários de distintos lugares e tempos nos quais aquelas inovações se difundiram. Ainda que não se possam supor as práticas dos objetos, a presença deles informa sobre a concepção de escola, de bom professor e de professora primária, bem como as orientações pedagógicas naquele contexto. 3 O inventário de 1913 O primeiro inventário é elaborado em 1913 quando a Escola Normal do Brás foi instalada. Em 1924, outro inventário é feito. Na década de 1910, quando foi elaborado o primeiro inventário da Escola, é notável a hegemonia da crença no método intuitivo enquanto “instrumento pedagógico capaz de reverter a ineficiência do ensino escolar” (VALDEMARIN, 1998, p. 67). De acordo com Vera Valdemarin (1998), a implantação do método intuitivo no ensino brasileiro, que remonta às últimas décadas do século XIX e primeiras décadas do século XX, expressa a pretensão de adotar uma orientação pedagógica em conformidade com a renovação educacional em curso na Europa e nos Estados Unidos da América, cujos efeitos extrapolaram os limites da sala de aula em direção às transformações sociais. No caso paulista, a escola assume uma função essencial para o regime republicano na formação de “cidadãos que saibam ler, escrever, compreender e pensar” (VALDEMARIN, 1998, p.68). Nesse contexto, o analfabetismo aparece como problema por excelência das primeiras 44 Instituições Escolares: História, Memória e Narrativas - Volume I décadas do século XX. Num primeiro momento, a arma proposta contra esse mal foi o ensino intuitivo e, num segundo momento, a Escola Nova. Quanto ao método intuitivo, buscava intervir no caráter abstrato do ensino. Para VALDEMARIN (1998), seu princípio fundamental é a proposição de que a aprendizagem tem seu início nos sentidos, que operam sobre os dados do mundo para conhecê-lo e transformá-lo pelo trabalho e que a linguagem é a expressão deste conhecimento. Por isso, a criação de situações de aprendizagem em que o conhecimento não é meramente transmitido e memorizado, mas emerge no entendimento da criança
Compartilhar