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garegnani_valor_e_distribuição_1998 (1)

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NOTAS SOBRE A TEORIA DA DISTRIBUIÇÃO E DO VALOR 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Parte Introdutória1 
 
1 Notas provisórias das lições do Prof. P. Garegnani no ano acadêmico de 1976 - 77, recolhidas pelos 
doutores A. Campos e T. Cavaliere. 
 2 
ÍNDICE 
 
I. Esquema analítico das teorias do excedente 
 1. Conceito de excedente 
 2. Esquema analítico 
 3. Taxa de salário real 
 4. Produto social 
 5. Valor e distribuição nesta teoria 
 6. Relação entre o problema do valor e distribuição e as outras partes da teoria 
 
II. Esquema analítico das teorias marginalistas 
 
A. Os métodos alternativos de produção dos bens e o princípio da produtividade 
marginal como fundamento das funções de demanda dos fatores de produção. 
 
 7. Hipótese 
 8. Os trabalhadores como empresários 
 9. A curva do produto marginal do capital-trigo 
 10. A taxa de lucro 
 11. Determinação da quantidade de capital-trigo empregada por uma cooperativa 
individual de trabalhadores. 
 12. A curva do produto marginal do capital-trigo na economia como um todo 
 13. Determinação da distribuição na economia como um todo 
 14. Os dados das teorias marginalistas 
 15. Simetria da determinação do lucro como produto marginal e como resíduo 
 3 
 16. O papel da relação inversa entre taxa de lucro e quantidade de capital 
 
B. Os gostos dos consumidores e o princípio da utilidade marginal decrescente como 
fundamento das funções de demanda dos fatores de produção. 
 
 17. Objeto 
 18. Hipótese 
 19. Descrição do procedimento de determinação de uma função de demanda do 
capital-trigo 
 20. Determinação da quantidade de capital-trigo demandada a uma taxa de lucro 
dada 
 21. Variações da quantidade de capital-trigo demandada ao diminuir a taxa de 
lucro 
 22. Generalizações dos resultados obtidos 
 23. O papel dos gostos dos consumidores na determinação da distribuição e dos 
preços 
 24. Substitutibilidade entre métodos de produção e entre bens de consumo 
 
III. Diferenças entre as estruturas analíticas das teorias do excedente e das teorias 
marginalistas 
 
 25. O elemento central da diferença entre as duas teorias 
 4 
Premissa: 
O objetivo desta parte introdutória do curso é indicar algumas características 
básicas que diferenciam os dois tipos de teoria do valor e da distribuição, caracterizadas 
respectivamente pela noção de excedente social e pelas noções gêmeas de utilidade e 
produtividade marginais. 
A questão será tratada apresentando-se, em primeiro lugar, um esquema 
simplificado de cada um dos dois tipos de teoria, com o objetivo de ressaltar a estrutura 
das respectivas análises. Efetuaremos, então, um confronto de tais estruturas analíticas 
de modo a colocar em evidência as suas diferenças. Discutiremos, enfim, algumas 
implicações que estas estruturas e suas diferenças produzem com respeito à explicação 
do sistema econômico capitalista. 
 
I. ESQUEMA ANALÍTICO DAS TEORIAS DO EXCEDENTE: 
 
1. Como veremos melhor no decorrer do curso, o problema central em torno do 
qual estas teorias da distribuição giram é a determinação do excedente social, onde a 
expressão excedente social é entendida como aquela quantidade de bens dos quais uma 
sociedade pode dispor sem comprometer a reprodução, a cada período, do processo 
produtivo social numa mesma escala. 
Para simplificar, suponhamos: a) que a duração do ciclo produtivo seja de 1 ano 
(o produto, portanto, fica pronto no fim do ano); b) que os meios de produção 
empregados sejam totalmente consumidos: supõe-se, assim, que todo o capital seja 
circulante; e c) que os meios de produção sejam reproduzidos anualmente. 
A determinação do excedente social se baseia em três grandezas. 
 5 
A primeira é o produto social. Graças a hipótese c) podemos fazer referência a 
um produto social líquido que, bem como a reintegração líquida dos meios de produção, 
apresentar-se-á como um agregado físico de mercadorias que denotaremos por P. 
A segunda grandeza é constituída da parte do produto social que deve ser 
destinada aos trabalhadores produtivos para prover sua como subsistência. Usando uma 
expressão de Ricardo, podemos chamar esta segunda grandeza de consumo necessário. 
Para simplificar, suponhamos também que o agregado de mercadorias que constitui o 
consumo necessário seja também reproduzido. Nós o denotaremos por N. 
A terceira é o próprio excedente social que denotaremos por S e que é obtido 
como a diferença entre as outras duas grandezas. 
Podemos então escrever a seguinte equação: 
P - N = S (1), 
nesta equação N e P aparecem como grandezas conhecidas antes da determinação do 
excedente social. Portanto, S aparece como a diferença entre estas duas e é, assim, a 
única grandeza a ser determinada. As hipóteses simplificadoras que fizemos aqui - 
acerca da reintegração do consumo necessário - nos habilita a calcular S facilmente 
como uma diferença entre agregados físicos de mercadorias. 
2. Passamos agora a analisar este simples esquema analítico e, em particular, 
veremos quais são os elementos que se supõem dados para que N e P possam, por sua 
vez, ser consideradas como dadas no que se refere à determinação do excedente. 
Tais elementos podem ser reduzidos aos três seguintes: 
1) as condições técnicas de produção; 
2) o produto social como agregado físico de mercadorias; 
3) a taxa de salário real. 
 6 
Dados estes elementos são também conhecidos: a) o número de trabalhadores 
empregados em função de 1) e de 2); e b) o consumo necessário que obtemos a partir de 
3) e do número de trabalhadores empregados. 
Podemos então concluir dizendo que, uma vez que os elementos 1), 2) e 3) 
sejam supostos dados, é possível2 se obter o produto social e o consumo necessário 
como grandezas conhecidas antes da determinação do excedente. 
3. Colocamos em evidência os dados sobre os quais este esquema analítico se 
fundamenta e pudemos ver porque as parcelas do produto social diferentes dos salários 
são determinadas como excedente, isto é, como resíduo. Trata-se agora de ver por quais 
razões substanciais o salário real e o produto social são tratados como grandezas 
conhecidas antes da determinação do excedente. 
Iniciemos com a taxa de salário real. No que se refere à Quesnay e aos 
fisiocratas eles sustentavam que a quantidade de produto retida pela “classe produtiva” 
(os agricultores) fosse determinada por um nível habitual de subsistência. O mesmo era 
verdade para Ricardo, com a observação de que este nível habitual (tradicional) de 
subsistência, justamente porque habitual, não tem um caráter simplesmente biológico, 
mas histórico-social. De fato, Ricardo afirmava que a subsistência é diferente de país 
para país e, no mesmo país, é diferente nos vários períodos históricos. 
Mais complexa é a posição de Smith ou de Marx. Também para Smith o salário 
real era determinado a partir de um nível tradicional de subsistência, mas para explicar 
isto ele introduziu um outro elemento referente ao poder relativo de barganha dos 
trabalhadores e dos capitalistas. Portanto, encontramos em Smith uma explicação sobre 
a tendência da taxa de salário real para um nível habitual de subsistência, mediante a 
 
2 Os elementos 1, 2 e 3 permitem conhecer o produto social e o consumo necessário como agregados 
físicos de mercadorias. No decorrer do desenvolvimento da teoria será discutido o problema de 
mensuração destas grandezas e, em conexão com isto, o problema do valor. Colocar-se-á então o 
 7 
análise dos fatores que atribuem aos capitalistas um poder de barganha maior em 
relação aos trabalhadores. 
Em Marx a tendência dos salários gravitarem para o nível de subsistência (onde 
a subsistência tem um caráter histórico) é analisada com a introdução da noção de 
exército industrial de reserva. Trata-se do exército de desempregados visto como um 
elemento essencial do sistema capitalista que impede o salário de crescer até o ponto em 
que colocariaem perigo o lucro e, portanto, o sistema capitalista. 
O que interessa evidenciar aqui é como os teóricos do excedente sustentaram 
que o salário real fosse determinado por fatores de caráter histórico-social. A análise 
destes fatores encontrava, então, o seu lugar natural em uma parte da teoria econômica 
separada da determinação do excedente. Isto implica, em termos lógicos, que o salário 
real era considerado um dado quando se determinavam as outras parcelas do produto. O 
salário real ser considerado um dado significa, essencialmente, que ele é determinado 
separadamente das parcelas do produto que constituem o excedente. 
 
4. Analogamente ao que fizemos para a taxa de salário, examinaremos, 
brevemente, as idéias que os teóricos do excedente tinham sobre os fatores que 
determinam o produto social, do qual podemos distinguir dois aspectos: a sua 
composição física e o seu tamanho (ou seja, a sua magnitude, dada a composição física). 
No que se refere ao tamanho eles sustentavam que dependia: a) do nível 
alcançado pela acumulação de capital (expresso, em geral, pelo número de 
trabalhadores produtivos empregados), bem como b) das condições técnicas de 
produção das quais dependia a magnitude do produto que pode ser obtida por cada 
trabalhador. 
 
problema de se aqueles elementos considerados dados serão capazes de determinar o valor de P e de N de 
modo independente de S. 
 8 
A composição física do produto social, por outro lado, está relacionada com os 
níveis de acumulação (vejam-se os esquemas de reprodução simples e ampliada de 
Marx) e com a composição do consumo necessário (dependente, como se viu, de 
condições históricas e sociais). O estudo das variações da quantidade produzida das 
mercadorias particulares era efetuado, em seguida, caso a caso quando isto fosse 
relevante. 
O que interessa enfatizar é como a natureza e a multiplicidade dos fatores dos 
quais se considerava depender o produto social fazem com que a análise de sua 
determinação seja efetuada em uma parte da teoria econômica separada daquela que 
determina a parcela do produto excluídos os salários. E isto implica, em termos lógicos, 
que o produto social seja um dado ou uma variável independente na teoria da 
determinação de tal parcela. 
5. Neste ponto estamos em condições de ver como a teoria do excedente 
apresenta um núcleo central distinto do resto da teoria graças as hipóteses de um 
produto social e de um salário real dados. Este núcleo compreende, em primeiro lugar, a 
determinação da parcela do produto social excluídos os salários. Todavia, ele 
compreende também, como parte desta primeira determinação, a determinação dos 
valores de troca das mercadorias. Para entender o vínculo entre estas duas 
determinações é oportuno nos referirmos brevemente à teoria dos lucros de Ricardo. 
Ricardo retoma e utiliza a teoria do excedente como uma teoria da taxa de lucro 
e consegue, graças à teoria da renda da terra utilizada por seu contemporâneo Malthus, 
isolar a renda da terra do resto do produto social e se referir então a um produto social 
líquido de tal renda. 
A equação (1) pode, então, ser escrita da seguinte maneira: 
P (líquido da renda) − N = Lucros (1a). 
 9 
Nesta equação o excedente é constituído somente dos lucros. Mas o que, sobretudo, 
interessa a Ricardo é a determinação da taxa de lucro. É no âmbito da determinação da 
taxa de lucro que se coloca um problema particular de “mensuração” das grandezas 
envolvidas e com isto o problema do valor. 
Um modo fácil de ver a questão é o seguinte. Para Ricardo, a taxa de lucro era 
dada pela relação entre o valor do excedente (os lucros na equação (1a)) e o valor do 
consumo necessário (identificado com o total do capital social). No que diz respeito ao 
excedente, se supormos, como fizemos até agora, que os meios de produção e o 
consumo necessário são reintegrados é fácil colocá-lo em termos físicos, isto é como 
‘produto excedente’. Mas o produto excedente e o consumo necessário são, em geral, 
constituídos de mercadorias diferentes ou presentes em proporções distintas. São, 
portanto, dois agregados heterogêneos cuja relação não permitirá obter a taxa de lucro. 
Para determiná-la é necessário exprimir as duas grandezas em termos de valor e passar 
ao estudo dos fatores que determinam as relações de troca entre as mercadorias. 
Do que dissemos resulta, portanto, que o ‘núcleo’ da teoria do excedente do qual 
falamos acima é constituído pela teoria do valor, além da teoria da distribuição 
entendida no sentido restrito da determinação dos rendimentos diferentes dos salários. 
6. Como vimos, de fora da teoria da distribuição e do valor assim concebida 
ficam, além da determinação do salário real, a determinação do produto social, já que 
estas duas grandezas são supostas como dadas independentemente uma da outra e do 
excedente. 
Poderia parecer que este tratamento do salário real, do produto social e do 
excedente exclui a existência de interrelações entre as primeiras duas grandezas ou, 
também, efeitos, por assim dizer, de repercussão de mudanças do excedente sobre o 
produto social ou sobre o salário real. 
 10 
Na realidade tais tipos de relações eram livremente admitidas pelos teóricos do 
excedente, mas a análise destas relações, que eram realizadas depois da análise da 
determinação do salário real e do produto social, era examinada numa fase posterior e, 
portanto, em uma parte da teoria econômica separada da teoria da distribuição e do 
valor. 
Desse modo, a possibilidade de relações do tipo tratado acima não era negada, 
mas apenas abstraída no momento em que se efetuava a análise da distribuição e do 
valor. A razão disto era que a análise das relações lógicas dentro do núcleo da teoria era 
vista como uma base necessária para se poder abordar, num estágio posterior, as 
múltiplas e complexas relações existentes entre as três grandezas e, mais geralmente, a 
determinação do produto social e do salário real. 
Por trás da escolha formal dos dados podemos agora encontrar escolhas 
importantes da abordagem teórica em questão. A análise da distribuição e do valor 
conduzida assumindo o produto social e o salário real como dados teria, entre outras 
coisas, fornecido a base para se poder examinar as circunstâncias que determinam os 
próprios dados. 
 11 
II. ESQUEMA ANALÍTICO DAS TEORIAS MARGINALISTAS 
 
Nesta parte examinaremos a estrutura analítica das teorias marginalistas e, 
portanto, os dados sobre os quais tais teorias se baseiam para determinar a distribuição e 
os valores de troca. 
Veremos como nestas teorias a demanda decrescente dos fatores de produção, 
capital e trabalho, derivada dos conceitos de produtividade marginal e de utilidade 
marginal, exerce um papel essencial na determinação da distribuição e do valor. 
Com este objetivo nos referiremos primeiro apenas ao conceito de produtividade 
marginal (e, portanto, à hipótese de produção de um só bem mediante ele mesmo e 
trabalho em proporções variáveis de modo contínuo) e, em seguida, somente à noção de 
utilidade marginal (na hipótese de uma única técnica de produção mas muitos bens de 
consumo). Trabalharemos com um esquema simplificado onde assumiremos sempre a 
existência de um só bem de capital. Além disso, ao contrário do que se fez na exposição 
do esquema das teorias do excedente, supõe-se que os salários são pagos post factum. 
 
A. Os métodos alternativos de produção dos bens e o princípio da produtividade 
marginal como fundamento às funções de demanda dos fatores de produção. 
7. Consideramos uma economia na qual se produz somente um bem, trigo por 
exemplo. Suponhamos: (a) que o trigo seja produzido a partir de trabalho e de trigo na 
forma de semente; (b) que a proporção na qual trabalho e trigo são empregados seja 
variável de modo contínuo; (c) que a terra seja abundante e a renda da terra seja, desta 
maneira, zero em condições de livre concorrência;(d) que se têm ciclos produtivos 
anuais e os salários sejam pagos no final do ciclo produtivo; e (e) que todo o capital seja 
circulante. 
 12 
Segundo nossas hipóteses temos apenas duas classes, os trabalhadores e os 
capitalistas (isto é, proprietários do trigo não utilizado como semente). Suponhamos, 
além disso, que ambos possam ser empresários. Consideramos que os empresários 
sejam os trabalhadores e que atuem organizando-se em cooperativas. 
8. Como primeiro passo trataremos de determinar a quantidade de capital-trigo 
que cada cooperativa individual de trabalhadores tomará emprestado no início do ano. 
Os dados de que cada cooperativa dispoe individualmente para decidir são a 
curva do produto marginal do trigo e a taxa de lucro. Examinemos separadamente estes 
dados. 
9. O produto marginal do trigo é o incremento de produto (trigo neste exemplo) 
que se obtém aumentando de uma unidade a quantidade de capital-trigo empregada na 
produção, mantendo constante a quantidade de trabalho (neste caso os trabalhadores que 
constituem a cooperativa). 
O produto marginal (para simplificar nos referiremos ao produto marginal 
líquido, ou seja ao incremento de produção obtido com o emprego da última unidade de 
capital-trigo, deduzido da unidade de capital-trigo empregada) pode, pela hipótese de 
proporções variáveis de modo contínuo, ser representado por uma curva como no 
gráfico (1). Sobre o eixo das abcissas é indicado o capital-trigo que os trabalhadores 
decidem tomar emprestado e sobre o eixo das ordenadas o produto marginal:
GRÁFICO 1
lucasteixeira
Realce
 13 
 
Observemos que esta curva tem um intervalo constante até o ponto em que é 
empregada a quantidade A1 de capital-trigo e, em seguida, um intervalo decrescente. 
O intervalo constante da curva se explica a partir da consideração de que dados 
os L trabalhadores da cooperativa, existe uma quantidade de capital-trigo, digamos A1, 
para a qual o produto por unidade de capital-trigo empregada é máximo. Indiquemos 
esta quantidade máxima de produto por unidade de capital-trigo como R. Com menores 
quantidades de capital-trigo não convém empregar todos os trabalhadores da 
cooperativa, mas somente aquele número de trabalhadores que mantém constante a 
proporção L/A1. Neste caso, na hipótese de rendimentos constantes de escala, para cada 
unidade de trigo empregada se obtém o mesmo produto R. Com quantidades de capital 
inferiores a A1 o trabalho disponível é, portanto, relativamente abundante. Com a 
quantidade de capital-trigo A1 será conveniente ocupar todos os trabalhadores e, a cada 
dose adicional de trigo, a quantidade de trabalho empregável com uma unidade de trigo 
é cada vez menor. Os incrementos de produto para cada dose adicional de trigo serão 
por isso decrescentes até se tornarem nulos quando for empregada a quantidade de trigo 
A2. Além desta quantidade o capital-trigo fica abundante em relação a quantidade dada 
de trabalho. 
É interessante notar que, supondo que a curva de produto marginal continuasse 
horizontal (i.é o produto marginal não se tornasse nunca decrescente), teríamos a 
conseqüência absurda de que poderíamos obter um produto infinito com um número de 
trabalhadores arbitrariamente pequeno, enquanto que aumentando indefinidamente a 
quantidade de capital-trigo empregada com uma qualquer quantidade dada de trabalho 
obteríamos, por hipótese, incrementos de produção sempre iguais para cada unidade 
sucessiva de capital-trigo. 
 14 
Deveria ser agora evidente que a curva decrescente do produto marginal de 
trigo é conseqüência da hipótese de que o trigo pode ser produzido com proporções 
variáveis de trabalho e capital-trigo. 
10. O outro dado que está disponível para a cooperativa de trabalhadores, ou seja 
a taxa de lucro, resulta da hipótese de que num regime de livre concorrência a 
cooperativa individual não pode influir sobre ela. Já que o capital consiste de trigo a 
taxa de lucro, denotada por r, pode ser expressa como uma quantidade de trigo e, 
portanto, medida juntamente com o produto marginal sobre o eixo das ordenadas. 
11. Explicados os dados vejamos agora qual será a quantidade de capital-trigo 
que a cooperativa de trabalhadores decidirá tomar emprestado. 
GRÁFICO 2
 15 
 
Dada a curva de produto marginal e r=r*, a quantidade de capital-trigo tomada em 
empréstimo será OK* uma vez que, a esta taxa de lucro, esta é a quantidade que 
maximiza os salários. De fato, empregando a quantidade de capital-trigo OK* o produto 
líquido agregado é dado, como se pode notar, pela superfície RADK*O; além disso, 
dada a taxa de lucro r=r*, os lucros agregados são expressos pela superfície r*DKO e os 
salários agregados pela superfície r*DAR. Emprestimos feitos com quantidades de 
capital maiores ou menores do que OK* implicariam, à taxa de lucro r*, uma perda para 
os trabalhadores. Se, à taxa de lucro r*, a quantidade de capital-trigo tomada emprestada 
fosse igual a OK’ a perda de salários relativa à quantidade trabalho nao empregada, 
K*K’, seria representada pela superfície CFD. Por outro lado, podemos observar que 
uma perda para os salários igual à superfície DGE ocorre também quando uma 
quantidade de capital-trigo OK’’, maior que OK*, é tomada emprestada. 
Podemos então concluir que a quantidade de capital-trigo demandada na 
forma de empréstimo deve ser tal que a última unidade de produto marginal seja 
igual à taxa de lucro. Supondo outras taxas de lucro podemos facilmente ver que a 
quantidade de capital-trigo que a cooperativa de trabalhadores terá interesse em tomar 
emprestado aumentará ao diminuir r e vice-versa3. 
12. O segundo passo para se chegar a determinação da distribuição nesta teoria 
consiste em passar de uma unica cooperativa de trabalhadores para a economia como 
um todo. O problema que se coloca é o de determinar, juntamente com a quantidade de 
 
3 Devemos ressaltar que para r=R a quantidade de trigo tomada em empréstimo fica indeterminada. Mas, 
em virtude de, neste ponto, os salários serem iguais a zero, nenhum trabalhador teria interesse em 
produzir e devemos supor que o processo produtivo só poderá iniciar quando ‘r’ for menor que ‘R’, isto é 
quando a curva de produto marginal começar a decrescer. O intervalo relevante da curva de produto 
marginal para a determinação da quantidade de trigo que os trabalhadores tomariam emprestado será, 
assim, o intervalo decrescente da curva. 
 16 
capital-trigo tomada emprestada pelo total de trabalhadores disponíveis na economia, a 
taxa de lucro que, neste caso, não pode ser considerada um dado. 
A curva do produto marginal do capital-trigo na economia como um todo será 
uma cópia em escala daquela da cooperativa individual. Se supussérmos que os 
trabalhadores disponíveis na economia estão organizados em, digamos, um milhão de 
cooperativas e que o número e a qualidade dos trabalhadores sejam iguais em cada 
cooperativa, teremos uma curva de produto marginal do capital-trigo na economia como 
um todo que interceptará o eixo das ordenadas numa altura igual a da curva da 
cooperativa individual. O intervalo constante da curva será, porém, um milhão de vezes 
àquele da curva individual e no intervalo decrescente o mesmo produto marginal 
corresponderá a uma quantidade de trabalho um milhão de vezes maior (e, assim, o 
intercepto da curva com o eixo horizontal será um milhão de vezes a distância entre a 
origem e o intercepto da curva da cooperativa individual). 
Portanto, também para a economia como um todo temos uma curva de produto 
marginal do capital-trigo semelhante à curva da cooperativa individual. Considerando 
que as taxas de lucro podem ser assinaladas sobre o eixo das ordenadas, podemos ver 
mediante um raciocínio semelhante ao empregado para uma cooperativa individual, que 
para cada hipotética taxa de lucro existe somente uma quantidade de capital-trigo que, 
tomada emprestado, maximiza os salários agregados.Tal quantidade é aquela à qual a 
produtividade marginal é igual a hipotética taxa de lucro. O intervalo decrescente da 
curva de produto marginal social mostra, portanto, qual será a quantidade de capital-
trigo tomada emprestado na economia como um todo para cada nível possível da taxa 
de lucro. 
Este tratamento da produção nos fornece a base para a explicação da distribuição 
em termos de demanda e oferta, característica da teoria marginalista. 
 17 
13. Para chegar a tal explicação é suficiente introduzir outras duas hipóteses: 
(a) que os capitalistas têm e desejam emprestar uma certa quantidade dada de 
trigo; 
(b) que, se os capitalistas não conseguem emprestar toda a quantidade dada de 
trigo, a taxa de juros diminui pela concorrência entre eles; e vice-versa, se os 
trabalhadores não conseguem tomar emprestado todo o capital-trigo que desejam, a 
concorrência entre eles provoca um aumento da taxa de lucro. 
Representamos as duas hipóteses no seguinte gráfico: 
 
 
onde OK* representa a quantidade de capital-trigo que os capitalistas pretendem 
emprestar. Se r=r’ a quantidade de trigo que os trabalhadores tomam emprestado será 
igual a OK’. À esta taxa os capitalistas não conseguem emprestar a quantidade K*K’, 
haverá concorrência entre eles e r diminuirá até r*. Se r=r’’ os trabalhadores demandam 
GRÁFICO 3
 18 
uma quantidade de trigo igual a OK’’ maior que a quantidade de trigo disponível. Pela 
concorrência entre eles, r aumentará até r*. 
À taxa r* a quantidade de capital-trigo que os trabalhadores demandam se iguala 
à quantidade de capital-trigo que os capitalistas oferecem. A taxa r* será uma taxa de 
equilíbrio estável porque, quando a economia acidentalmente não se encontra no ponto 
de equilíbrio, as forças que descrevemos, se os dados não mudam, tendem trazê-la de 
volta ao equilíbrio. 
Simultaneamente à taxa de lucro são determinados: (a) o nível de produção 
correspondente ao emprego das quantidades dadas de trabalho e de capital-trigo 
(medido pela área abaixo de ABCK*); (b) os lucros agregados obtidos multiplicando a 
taxa de lucro pela quantidade dada de capital-trigo (medidos pela área Or*OK*); (c) os 
salários agregados obtidos como diferença entre os níveis de produção e os lucros 
(medidos assim pela área ABCr*); além de (d) a taxa de salário determinada dividindo 
os salários agregados pela quantidade dada de trabalho. 
14. Podemos então concluir que dados: 
(a) a existência de uma curva de produto marginal decrescente determinada pela 
hipótese de métodos alternativos de produção; 
(b) a quantidade de trabalho e de capital-trigo disponíveis; 
(c) a flexibilidade, pela hipótese de concorrência, da taxa de lucro; 
a economia tenderá a gravitar em direção à taxa de lucro determinada pela interseção 
entre a curva de demanda de capital-trigo BCD (determinada pelo intervalo decrescente 
da curva de produto marginal deste fator) e a curva de oferta de capital-trigo K*C 
(vertical pelas nossas hipóteses). 
Dada a quantidade de trabalho e as técnicas de produção, se variarmos a 
quantidade de capital-trigo disponível é fácil ver que a taxa de lucro de equilíbrio varia 
 19 
numa direção inversa. Portanto, a taxa de lucro é determinada, dada a quantidade de 
trabalho, pela quantidade de capital-trigo e as técnicas produtivas com base na 
´escassez` relativa dos fatores. 
15. Da hipótese de que os trabalhadores são considerados empresários, os 
salários são determinados como resíduo e os lucros como produto marginal do capital-
trigo. Todavia, poderíamos considerar os capitalistas como empresários. Neste caso o 
problema da distribuição seria apresentado de maneira perfeitamente simétrica. 
Determinamos os salários com base no produto marginal do trabalho e os lucros como 
resíduo. A igualdade dos resultados obtidos para os lucros e salários calculados através 
dos dois modos depende da hipótese de rendimentos de escala4. É interessante observar 
brevemente como, neste caso, a curva de produto marginal de trabalho está implícita na 
curva do produto marginal de capital-trigo. 
Suponhamos que seja K a quantidade dada de capital-trigo disponível para os 
capitalistas empresários (os quais demandam então trabalho com base na curva de 
produto marginal de trabalho). A quantidade de trabalho que corresponde ao máximo 
produto médio do trabalho (ou seja, a ordenada máxima da curva de produto marginal 
do trabalho) será determinada pela proporção entre trabalho e capital para a qual se tem 
na curva de produto marginal de capital-trigo um produto marginal igual a zero. De 
maneira semelhante, a quantidade de trabalho para a qual o produto marginal do 
trabalho fica nulo será determinada pela proporção entre trabalho e capital para a qual se 
tem, na curva de produto marginal de capital-trigo, o máximo de produto por unidade de 
trigo. 
Podemos agora mostrar que quando a curva de produto marginal de capital-trigo 
se encontra num ponto de produto máximo por unidade de trigo empregado, a curva de 
 
4 Sobre este aspecto veja as notas sobre a teoria do valor e da distribuição de Wicksell (das lições do 
professor Garegnani) pp. ?. 
 20 
produto marginal de trabalho se encontra no ponto de interseção com o eixo das 
abcissas (ou num ponto da abcissa à sua direita). A estas posições corresponde uma 
quantidade de trabalho relativamente abundante com respeito à quantidade de capital-
trigo e uma taxa de salário nula correspondente à uma taxa de lucro máxima. As 
conclusões são simetricamente opostas quando se tem a curva de produtividade 
marginal de trigo no ponto de produtividade marginal igual a zero. 
Da discussão acima podemos ver, portanto, como na economia como um todo 
obtemos simultaneamente uma curva de demanda por capital e por trabalho5. 
16. Introduzimos os seguintes elementos constitutivos das teorias marginalistas: 
(a) a curva decrescente de produto marginal e, conseqüentemente, a relação 
inversa entre taxa de lucro e quantidade demandada de capital dada uma quantidade 
empregada de trabalho; 
(b) a quantidade de trabalho e de capital-trigo disponível na economia; 
(c) a flexibilidade das taxas de lucro e de salários. 
Podemos agora perguntar qual entre estes elementos é decisivo para se chegar à 
conclusão, mencionada acima, de que a economia tenderá a gravitar em direção a uma 
taxa de lucro determinada pelo equilíbrio entre as forças de demanda e de oferta e, 
portanto, caracterizado pelo pleno emprego dos recursos (trabalho e capital) disponíveis. 
Continuamos a manter as hipóteses (b) e (c) e abandonamos a primeira, 
supondo, por exemplo, que a quantidade de capital-trigo demandada como empréstimo 
aumenta ao aumentar a taxa de lucro. Representamos esta nova hipótese no seguinte 
gráfico: 
 
 
5 Estes argumentos permitem entender a diferença entre os lucros como resíduo nas teorias marginalistas 
e nas do excedente. Nas teorias marginalistas a determinação do lucro como resíduo é simétrica a sua 
determinação como produto marginal, é somente uma questão do ponto de vista adotado e é igualmente 
 21 
onde OK representa a quantidade de capital-trigo disponível, R a taxa máxima de lucro e 
a curva AA´ a nova relação entre taxa de lucro e quantidade de capital-trigo demandada 
em empréstimo. 
Para r=r’ a quantidade de capital-trigo demandada pelos trabalhadores seria 
maior que a quantidade disponível e, portanto, pela hipótese (c) r´ tenderia a aumentar 
até R, onde todo o produto iria para os capitalistas. 
Para r=r´´, por outro lado, a quantidade de trigo demandada seria menor que a 
quantidade de trigo disponível, então, pela hipótese (c) r tenderia a diminuir até zero e 
todo o produto iria, portanto, para os trabalhadores. 
Como se pode ver pelo gráfico existiria, no exemplo acima, um ponto de 
equilíbrio onde r=r*, mas tal ponto de equilíbrio seria instável e não seria, portanto, 
uma posição em direção da qual a economia possa tender.Pelo contrário, teríamos 
razoes para concluir que a economia tenderia alternativamente para o lucro zero ou para 
o salário zero, em evidente contraste com a experiência empírica. 
 
aplicável ao trabalho. Nas teorias do excedente, considerando que o salário e o produto são determinados 
GRÁFICO 4
 22 
Por isso abandonada a primeira proposição relativa ao produto marginal 
decrescente, as outras duas não nos permitiriam mais concluir que a distribuição seja 
determinada por forças de demanda e oferta como considerado pelas teorias 
marginalistas. Podemos agora concluir que o elemento central que permite 
determinar a distribuição em termos de demanda e oferta é a possibilidade de 
estabelecer uma relação entre taxa de lucro e quantidade de capital tal que ao 
diminuir a primeira a segunda aumenta. É a possibilidade de estabelecer esta relação 
decrescente (fundada, como vimos, no princípio do produto marginal decrescente) que 
nos leva a concebê-la como uma “curva de demanda” pelo fator em questão. Atribuir a 
tal relação a qualidade de “curva de demanda” significa, em última análise, determinar 
pela interseção ou interseções com uma “curva de oferta” do próprio fator, as posições 
de “equilíbrio” em torno das quais se pode supor que a economia gravita; mas isto só é 
plausível na medida em que se possa afirmar que tais “equilíbrios” são, em geral, apenas 
um unico e que ele será estável. 
 
B. Os gostos dos consumidores e o princípio da utilidade marginal decrescente como 
fundamento das funções de demanda dos fatores de produção. 
 
17. Na parte anterior pudemos determinar a distribuição sem ter introduzido 
qualquer noção de utilidade marginal; isto foi possível graças a uma hipótese 
simplificadora. De fato, supusemos que fosse produzido um único bem de consumo6. 
O objetivo desta parte é demonstrar que o princípio da utilidade marginal 
fornece uma base adicional ou, eventualmente, alternativa para a relação decrescente 
entre a taxa de lucro e a quantidade de capital empregada na economia que obtivemos 
 
antes e independentemente dos lucros, o lucro não pode ser determinado senão como resíduo. 
lucasteixeira
Realce
 23 
com base no princípio da produtividade marginal; relação sobre a qual, como vimos, 
(ver parágrafo 16) se apoia a determinação da distribuição em termos de demanda e 
oferta. 
18. Suponha-se que sejam produzidos dois bens, trigo e tecido. Suponha-se, 
além disso, que cada um dos dois bens sejam produzidos com proporções dadas de 
trabalho e capital-trigo, isto é que exista um método, e somente um, para a produção de 
cada um dos bens. Esta hipótese evidentemente exclui a possibilidade de construir uma 
curva de produto marginal, cuja existência dependia da hipótese de que um bem fosse 
produzido com uma série de métodos alternativos. 
Para simplificar mantemos as hipóteses adotadas no caso em que um só bem 
fosse produzido, ou seja: (a) que a terra seja abundante e a renda da terra seja, portanto, 
zero em condições de livre concorrência; (b) que se tenha um ciclo anual de de 
produção e os salários sejam determinados post factum; e (c) que todo o capital seja 
circulante. 
19. Já que o nosso objetivo é determinar a relação entre taxa de lucro r e a 
quantidade de capital-trigo empregada na economia conjuntamente com a quantidade 
dada de trabalho L, assumiremos a taxa de lucro como a nossa variável independente e 
nos proporemos a determinar qual será a quantidade de capital-trigo demandada na 
economia às diversas taxas de lucro fixadas hipoteticamente. 
O primeiro passo que devemos dar será calcular os preços relativos dos dois 
bens para cada taxa de lucro fixada hipoteticamente. 
O segundo passo consistirá na determinação de como varia a proporção na qual 
os dois bens são demandados conforme varie o seu preço relativo. 
 
6 Além disso, supusemos que a quantidade de capital-trigo fosse dada independentemente da taxa de 
lucro, adotando a hipótese de que o consumo direto desta quantidade não fornecesse nenhuma utilidade. 
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Realce
 24 
Para tanto devemos iniciar considerando os gostos dos consumidores e as 
correspondentes funções de utilidade marginal decrescente. Do princípio da utilidade 
marginal decrescente e da condição de utilidade máxima resulta, com efeito, que cada 
consumidor demandará uma quantidade dos bens tal que a razão entre suas utilidades 
marginais sejam iguais a razão entre seus preços, ou seja, medindo em trigo o preço pt 
do tecido, Umg=Umt/pt. 
Torna-se claro porém como, com base nesta igualdade, é possível, em geral, 
determinar uma curva de demanda decrescente de cada um dos dois bens e afirmar que 
ao diminuir o preço relativo de um dos bens cresce a proporção em que ele é 
demandado relativamente ao outro. 
Apresentada deste modo como varia a proporção na qual os dois bens são 
demandados estamos em condições de, dada a quantidade de trabalho empregada na 
economia, determinar como varia a quantidade de capital-trigo para cada taxa de lucro 
hipoteticamente fixada. 
20. Supõe-se que os métodos de produção, respectivamente do trigo (g) e do 
tecido (t), são dados como se segue: 
(9/10)L + (1/10)g → 1g 
 1L + 1g → 1t. 
As equações de preços do trigo e do tecido, usando o trigo como unidade de medida (ou 
seja, pg=1), são agora: 
 
(9/10).w+(1/10).(1+r)=1 
 1.w + 1.(1+r) =pt 
 
 25 
ou seja, os preços dos bens devem ser tais de modo a pagar os salários do trabalho 
empregado e os lucros do capital calculados às suas respectivas taxas uniformes w e r, 
além de permitir recuperar o capital empregado e inteiramente consumido (segundo a 
nossa hipótese) na produção dos próprios bens. 
Como se viu, construir a curva de demanda do capital significa encontrar a 
quantidade de capital-trigo empregada na economia com um número constante de 
trabalhadores, às diversas possíveis taxas de lucro com as correspondentes taxas de 
salário. 
Começamos com o caso em que w=0 e, portanto, que na economia se tenha a 
taxa máxima de lucro. Da equação de preço do trigo obtemos r=R=9. Com w=0 e r=R=9 
podemos usar a equação de preço do tecido para determinar o seu preço em trigo que 
será pt=10. 
Suponhamos agora que, para pt=10, os gostos (e suas remunerações de acordo 
com a hipótese adotada w=0 e r=9) dos consumidores são tais que os bens sejam 
demandados na proporção de uma unidade de tecido por 8 unidades de trigo. Portanto, 
se a quantidade agregada de tecido demandada é Dt, o trigo demandado será 8Dt. 
Devemos, nesta altura, determinar as quantidades demandadas líquidas de tecido 
e de trigo, Dt e Dg, com base na igualdade entre a quantidade dada de trabalho 
disponível na economia e a quantidade de trabalho empregada na sua produção. Em 
primeiro lugar, devemos, portanto, determinar as quantidades de trabalho necessárias 
para produzir uma unidade de trigo e uma unidade de tecido, cada uma líquida da 
reintegração do capital-trigo consumido. Isto é, trata-se de determinar os métodos de 
produção ‘integrados’ de trigo e de tecido, que são os seguintes7: 
 
7 Iniciamos construindo a indústria ‘integrada’ de trigo. Do método direto de produção de trigo temos 
(9/10)L + (1/10)g → 1g → (9/10)g (líquidas) 
lucasteixeira
Realce
lucasteixeira
Realce
 26 
 
1L + (1/9)g → 1g (líquidos) 
2L + (10/9)g → 1t (líquidos) 
 
Podemos agora escrever as equações que definem a igualdade entre a quantidade 
disponível de trabalho e a quantidade necessária para produzir as quantidades líquidas 
Dg e Dt. 
Supondo que a quantidade de trabalho disponível seja 10 trabalhadores temos 
10 = 1 Dg + 2Dt 
mas já que supomos que para cada unidade demandada de tecido seriam demandadas 8 
unidades de capital-trigo, podemos escrever 
10 = 1(8Dt) + 2Dt 
da qual resulta Dt=1 e Dg=8. 
Agora estamos em condições de determinar a quantidade de capital-trigo 
demandado na economia a uma taxa de lucro r=9. Na indústria integradado tecido é 
empregada a quantidade (10/9)Dt=10/9 de capital-trigo; na indústria integrada de trigo é 
empregada a quantidade (1/9)Dg=8/9. Portanto, agregadamente, o capital-trigo 
demandado é igual a 10/9 + 8/9 = 2. 
21. Consideramos um outro nível de taxa de lucro, por exemplo r=8. Da equação 
do preço do trigo obtemos w=1/9. Da equação do preço do tecido resulta pt=82/9. Com a 
 
para ter uma unidade líquida de trigo bastará multiplicar os coeficientes do método direto de produção por 
10/9, de tal modo se obtém 
1L + (1/9)g → (10/9)g → 1g (líquida) 
onde 1L e (1/9)g são coeficientes da indústria integrada. A indústria ‘integrada’ do tecido, como se pode 
facilmente ver, é a seguinte 
2L + (10/9)g → 1t + (10/9)g → 1g (líquida) 
de fato, do método direto de produção sabemos que é empregada uma unidade de capital-trigo, para 
recuperá-la devemos, portanto, produzir uma unidade líquida de trigo da qual é determinada, 
imediatamente, o método de produção. 
lucasteixeira
Riscado
lucasteixeira
Realce
lucasteixeira
Nota
1t (líquida). 
lucasteixeira
Realce
 27 
redução da taxa de lucro o preço do tecido em relação ao do trigo diminui, como 
poderíamos esperar pelo fato de que na produção do tecido a quantidade de capital-trigo 
empregado em relação a de trabalho é maior do que a proporção empregada na 
produção do trigo8. 
Como dissemos (par. 19), a análise do equilíbrio dos consumidores leva a 
conclusão de que, salvo para casos excepcionais (e.g. o caso dos bens considerados 
‘inferiores’), a diminuição do preço relativo do tecido levará a um aumento do seu 
consumo relativo. 
Podemos então supor, por exemplo, que o tecido seja demandado na razão de 1 
para 3 e não mais de 1 para 8. A condição do emprego dos 10 trabalhadores disponíveis 
implica então (como se pode facilmente calcular com base na equação de igualdade 
entre trabalho disponível e demandado mencionada no par. 20), que as quantidades 
demandadas são Dt=2 e Dg=6. 
Para produzir tais quantidades serão necessárias: (1/9).6 + (10/9).2=26/9 
unidades de capital-trigo; a demanda de capital-trigo aumenta em relação às duas 
unidades do caso em que r=9. 
Esta conclusão era facilmente dedutível; a maior quantidade de tecido produzida 
foi obtida deslocando alguns trabalhadores (cujo número agregado é dado) da produção 
de trigo para a produção de tecido, onde cada um deles deverá ser assistido por uma 
quantidade maior de capital-trigo. 
22. Supondo taxas de lucro cada vez menores teremos, pelos motivos que 
acabamos de ver, uma quantidade demandada de capital-trigo sempre maior. Pela maior 
intensidade de capital do método que produz tecido teremos, de fato, um preço do tecido 
 
8 A taxa de salário e o preço do tecido podem ser determinados também com base no método de produção 
da indústria integrada. O valor da unidade líquida de trigo é composto dos salários do trabalho empregado 
(na indústria que a produz) e dos lucros, determinados multiplicando a taxa de lucro pelo capital-trigo 
lucasteixeira
Realce
lucasteixeira
Realce
 28 
decrescente em relação ao do trigo. Pelos já citados resultados da análise do equilíbrio 
dos consumidores teremos, em geral, uma mudança na proporção na qual os dois bens 
são demandados em favor do tecido e, portanto, um deslocamento de trabalhadores 
(cujo número total é dado) do setor produtor de trigo para o setor produtor de tecidos. 
Uma vez que a intensidade de capital na indústria de tecidos é maior que na indústria do 
trigo, uma variação na proporção na qual os dois bens são consumidos em favor dos 
tecidos implicará um aumento absoluto da quantidade de capital-trigo demandada e um 
aumento na proporção em que o capital e o trabalho são empregados na economia como 
um todo. 
Podemos então concluir observando que também supondo que exista um só 
método para a produção de cada bem e que não se tenham, assim, curvas de produto 
marginal, a análise de equilíbrio do consumidor, fundada no princípio da utilidade 
marginal decrescente, permite estabelecer uma relação entre taxa de lucro e quantidade 
de capital tal que, em geral, ao diminuir uma a outra aumenta, o que, como se viu (cf. 
par. 16), permite explicar a distribuição em termos de demanda e oferta com base em tal 
relação. 
23. Podemos observar, com base no nosso exemplo simples, como os gostos dos 
consumidores e o princípio da utilidade marginal decrescente não tiveram nenhum papel 
direto na determinação dos preços relativos; as condições técnicas de produção e a taxa 
de lucro eram, de fato, suficientes para determiná-los. Contrariamente, podemos 
observar como tais gostos determinam os preços dos bens somente na medida em que 
participam da determinação da distribuição do produto social entre salários e lucros. De 
fato, vimos que os gostos dos consumidores e o princípio da utilidade marginal 
decrescente permitem, em primeiro lugar, determinar, dadas a quantidade de trabalho 
 
empregado para produzi-la. Para r=8 teremos 1=1w + 8.(1/9) e w=1/9. Usando o mesmo procedimento 
pode ser determinado o preço do tecido. 
 29 
disponível na economia e o método de produção de cada um dos bens, uma curva de 
demanda por capital e, portanto, determinar, dada a quantidade de capital disponível na 
economia, a taxa de lucro. Determinada a taxa de lucro também os preços relativos 
estarão determinados. 
24. Examinamos aqui o caso em que o princípio da utilidade marginal 
decrescente constitui, em relação ao princípio da produtividade marginal decrescente, 
uma base alternativa para a construção de uma curva de demanda por capital. Todavia, 
afirmamos que o princípio da utilidade marginal constitui uma base adicional ou, 
eventualmente, alternativa. 
Para ver como ele pode cumprir este papel, a hipótese de métodos de produção e 
o conseqüente princípio da produtividade marginal decrescente, é suficiente eliminar a 
hipótese de que os dois bens sejam produzidos com um só método de produção e 
substitui-la supondo que eles possam ser produzidos com uma pluralidade de métodos. 
Neste caso, ao diminuir a taxa de lucro, teremos para cada um dos dois bens a adoção de 
métodos que requerem uma maior proporção entre capital-trigo e trabalho. À este 
primeiro efeito que aumentaria a proporção entre capital-trigo e trabalho na economia 
ainda que a distribuição do trabalho entre as duas produções permanecesse a mesma, 
juntar-se-á, em seguida, a substitutibilidade entre os bens demandados pelo consumidor 
segundo o princípio da utilidade marginal como no caso em que acabamos de examinar. 
O resultado final será que, somando-se os dois efeitos (substitutibilidade entre métodos 
e substitutibilidade entre bens) a curva de demanda por capital que teremos na economia 
será mais elástica do que àquela que se tinha no caso em que tivéssemos somente a 
substitutibilidade entre bens. 
 30 
III. DIFERENÇAS ENTRE AS ESTRUTURAS ANALÍTICAS DAS TEORIAS 
DO EXCEDENTE E DAS TEORIAS MARGINALISTAS 
 
25. Descrevemos até aqui a estrutura analítica das teorias do excedente e, em 
seguida, das teorias marginalistas. Agora faremos uma comparação destas duas 
estruturas da qual derivamos diferentes implicações sobre a representação do sistema 
econômico. 
Para a determinação dos lucros e dos preços relativos (cf. par.5) as teorias do 
excedente assumem como dadas as seguintes elementos: 
(a) as condições técnicas de produção 
(b) a taxa de salário real 
(c) o produto social 
enquanto que as teorias marginalistas assumem como dadas: 
(a’) as condições técnicas de produção 
(b’) os gostos dos consumidores 
(c’) a disponibilidade de fatores de produção. 
As diferenças que podem ser percebidas mais diretamente são que o produto 
social e a taxa de salário real aparecem entre os dados das teorias do excedente, ao 
passo que não aparecem entre àqueles das teorias marginalistas. Por outro lado, nestas 
últimas teorias encontramos dois novos dados que não aparecem entreàqueles das 
teorias do excedente, ou seja os gostos dos consumidores e a disponibilidade dos 
fatores. Como indicamos acima (par. 14 e 22), tais dados fornecem para as teorias 
marginalistas o fundamento das funções de demanda e oferta (relativas) de capital e 
trabalho e, assim, da determinação da distribuição do produto entre salários e lucros. 
Salários, lucros e produto social são determinados de modo simultaneamente. Podemos 
 31 
então dizer que os gostos dos consumidores e as disponibilidades dos fatores cumprem 
o papel de determinar a taxa de salário real que era, pelo contrário, um dado nas teorias 
do excedente. O fato de que a taxa de salário é determinada em termos de demanda e 
oferta implica, por outro lado, que o produto social não pode ser relacionado entre os 
dados, aparecendo então entre as grandezas a serem determinadas. De fato, é claro que a 
cada ponto da curva de demanda-produtividade marginal do capital-trigo do parágrafo 
12 corresponde um produto social diferente e que isto é verdade também para cada 
ponto da curva de demanda do parágrafo 22. 
A principal diferença analítica que encontramos ao passar de uma teoria a outra 
é então abandonar a taxa real de salário como um dado, determinado, desta maneira, 
separadamente dos lucros.

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