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148 Unidade II Unidade II 5 AGENTES ANTIMICROBIANOS Provavelmente, você, em algum momento específico de sua vida, precisou utilizar alguma medida de proteção contra microrganismos (por exemplo, as vacinas) ou fez uso de algum medicamento contra uma infecção causada por eles (por exemplo, antibacterianos, antifúngicos ou vermífugos/ antiparasitários). Porém, nós, que vivemos no século XXI, talvez não conseguimos imaginar como era a vida sem os conhecimentos que nos permitiram desenvolver as vacinas e os agentes antimicrobianos. Agentes antimicrobianos são compostos químicos com a capacidade de reduzir a proliferação de microrganismos (por microrganismos, podemos compreender seres vivos como as bactérias, os fungos, os parasitas protozoários e os vírus) ou induzir a morte desses organismos vivos. Mas, antes de compreendermos os conceitos sobre os microrganismos e o tratamento das infecções causadas por eles, precisamos observar como era o mundo antes de adquirirmos esses conhecimentos. Por isso, vamos verificar os aspectos históricos relacionados às descobertas e ao desenvolvimento dos agentes antimicrobianos que possuímos hoje disponíveis para a prática clínica. 5.1 História dos antimicrobianos Apesar de os microrganismos terem sido inicialmente observados por volta do fim do século XVII, quando os microscópios mais primitivos foram desenvolvidos, os grandes conhecimentos sobre microrganismos pelos microbiologistas ocorreram por volta do século XIX, de modo que, no século XX, a humanidade obteve grandes avanços no desenvolvimento de ferramentas para o diagnóstico (identificação) e para a terapia (tratamento) das infecções causadas por esses microrganismos. Baseados nos avanços científicos recentes, os cientistas iniciaram nas primeiras décadas do século XX uma série de estudos para identificar compostos químicos que pudessem ser úteis para o desenvolvimento de terapias medicamentosas antimicrobianas. Porém, foi durante a Segunda Guerra Mundial que houve na medicina uma série de mudanças em decorrência da necessidade de encontrar compostos com atividade antimicrobiana devido à grande incidência mundial de mortes decorrentes de infecções bacterianas, e também por essas infecções serem responsáveis por um grande número de baixas em tropas que estavam em combate. Em virtude do uso de armas químicas na Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918), o período pós‑Primeira Guerra foi seguido do desenvolvimento de inúmeros agentes químicos tóxicos para seu emprego em eventuais batalhas, já que essas armas acabaram decidindo o resultado da Primeira Guerra Mundial. Isso permitiu que, nas décadas de 1930 e 1940, diversos estudos fossem realizados em busca 149 FARMACOLOGIA de moléculas antimicrobianas. Contudo, esses estudos foram mais úteis no desenvolvimento de agentes quimioterápicos antineoplásicos (antitumorais como a ifosfamida e ciclofosfamida são derivados de mostardas nitrogenadas, como o gás mostarda, utilizado como arma química nessa guerra) do que para a quimioterapia antimicrobiana. Assim, a descoberta da penicilina pelo microbiologista e farmacologista inglês Alexander Fleming, em 1928, permitiu que no período da Segunda Guerra Mundial, mais precisamente em 1941, a penicilina fosse obtida em quantidades suficientes para seu emprego na clínica. Já ao final da Segunda Guerra, o arsenal terapêutico no combate a essas infecções contava com um número considerável de moléculas, em geral, derivadas da molécula da penicilina. Antes mesmo do fim da década de 1940, foi identificada uma cepa bacteriana (um grupo de bactérias descendentes de um ancestral comum que compartilham semelhanças genéticas, morfológicas ou fisiológicas) que produzia a penicilinase, uma enzima (proteína mediadora de reações químicas) capaz de alterar quimicamente a molécula da penicilina, impedindo sua efetividade contra essas bactérias. Assim, iniciaram os estudos sobre os mecanismos de resistência bacteriana aos agentes antimicrobianos e o processo de desenvolvimento de novas moléculas de antimicrobianos que fossem capazes de agir sobre essas cepas resistentes à penicilina e suas moléculas derivadas. Desse modo, na década de 1950, foram obtidos os antimicrobianos pertencentes às classes dos aminoglicosídeos, o cloranfenicol, a tetraciclina, os macrolídeos e a vancomicina. Ainda nessa década, uma classe de compostos conhecidos como azóis trouxe boas perspectivas para o tratamento de diversas infecções fúngicas, bacterianas e parasitárias, permitindo a obtenção de agentes conhecidos como antimicrobianos de amplo espectro de atividade. Nas décadas seguintes, conforme a resistência bacteriana ia sendo verificada em cepas de microrganismos diversos, novos derivados dos agentes antimicrobianos já conhecidos, bem como novas classes de agentes microbianos (como as cefalosporinas, as quinolonas, derivados do ácido nalidíxico; e os agentes modernos, como o monobactam e o carbapenem e seus derivados) foram desenvolvidos e empregados na prática clínica. Atualmente, podemos dizer que possuímos uma grande variedade de agentes antimicrobianos disponíveis, porém, em decorrência do uso irracional de medicamentos antimicrobianos e do emprego desses agentes de forma banalizada em vários segmentos, como a higiene pessoal, avicultura e agropecuária, por exemplo, a resistência de microrganismos se tornou um dos grandes problemas de saúde pública do século XXI. Para compreender melhor o problema da resistência de microrganismos aos agentes antimicrobianos e os desafios que enfrentamos hoje para o tratamento das infecções, discutiremos a seguir os mecanismos de resistência mais comumente verificados nas cepas já estudadas pela ciência. Perceba que você, hoje, faz parte de um novo capítulo que está sendo escrito sobre a história dos antimicrobianos: a batalha contra a resistência bacteriana e a promoção do uso racional de antimicrobianos. 150 Unidade II Saiba mais Para conhecer um pouco mais sobre a vida de Alexander Fleming e o processo de descoberta da penicilina, acesse os artigos: ALEXANDER Fleming e a descoberta da penicilina. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial, Rio de Janeiro, v. 45, n. 5, out. 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/jbpml/v45n5/v45n5a01.pdf. Acesso em: 28 jun. 2020. FRAZÃO, D. Biografia de Alexander Fleming. Ebiografia, 2020. Disponível em: https://www.ebiografia.com/alexander_fleming/. Acesso em: 28 jun. 2020. 5.2 Princípios farmacológicos da terapia medicamentosa das infecções Os agentes antimicrobianos são caracterizados como fármacos que possuem a capacidade de reduzir os processos metabólicos dos microrganismos e, por consequência, impedir sua proliferação, podendo conduzi‑los à morte. Em geral, os agentes que atuam reduzindo apenas a capacidade proliferativa dos microrganismos são conhecidos como agentes estáticos (por exemplo, bacteriostáticos, em referência à ação sobre bactérias; fungistáticos, quando atuam no organismo de fungos). Já os compostos capazes de induzir a morte das células de microrganismos são caracterizados como agentes biocidas (por exemplo, bactericidas, em referência à ação sobre bactérias; ou fungicidas, quando induzem a morte de células de fungos). Para melhor compreensão de alguns termos utilizados aqui, é importante entender a origem e a diferenciação das palavras antibiótico e antimicrobiano. Antibiótico, via de regra, é a denominação mais adequada para os compostos que possuem ação contra microrganismos, mas que são derivados de moléculas produzidas por outros microrganismos ou até mesmo das próprias moléculas produzidas por alguns microrganismos, sendo capazes de causar danos a outros microrganismos diversos. Boa parte dos agentes antimicrobianos disponíveis na prática clínica são antibióticos verdadeiros, como a penicilina G (benzilpenicilina), obtida pelo isolamento da molécula presente na secreção do fungo Penicillium (popularmente conhecido por contaminações como omofo). Todavia, podemos verificar, na prática clínica, o uso de antimicrobianos que foram obtidos em laboratório, utilizando como base a molécula da penicilina G, por exemplo, a amoxicilina. Porém, é comum que venhamos a chamar a amoxicilina de antibiótico, de modo mais popular, mesmo que, em teoria, isso seja um equívoco. Portanto, o uso do termo antimicrobianos acaba sendo mais adequado, pois engloba qualquer tipo de agente com ação sobre microrganismos. Para observar e compreender de forma mais simples a ação terapêutica desses compostos, podemos dividir os organismos relacionados com condições médicas mais frequentes em quatro grandes grupos: 151 FARMACOLOGIA as bactérias; os parasitas – internos (protozoários e helmintos) e externos (artrópodes, como os piolhos e ácaros) –; os fungos e os vírus. Considerando as diferenças metabólicas, estruturais e de capacidade patogênica (de induzir um processo infeccioso ou infestação) de cada um desses grupos, temos estratégias terapêuticas distintas para cada um, podendo ser ainda mais específicas para cada espécie de cada um desses grupos. Visando então entender os princípios básicos para uma terapia medicamentosa efetiva com os agentes antimicrobianos, observaremos quais são os aspectos farmacológicos determinantes para um tratamento bem‑sucedido. 5.2.1 Aspectos farmacodinâmicos dos agentes antimicrobianos Considerando que a farmacodinâmica é a área da farmacologia responsável pelo estudo da dinâmica de interação entre o fármaco e o organismo‑alvo a fim de dominar os parâmetros farmacodinâmicos mais importantes da terapia antimicrobiana, devemos caracterizar ao máximo os detalhes sobre os alvos moleculares em que os fármacos se ligam para efetuar a ação antimicrobiana. Para isso, o conhecimento sobre a composição bioquímica da célula do microrganismo e das funções dessas estruturas no metabolismo antimicrobiano é determinante para a escolha do fármaco ideal. Independentemente do tipo de microrganismo e da classe do composto utilizado, na terapia antimicrobiana, alguns princípios básicos são levados em consideração. O principal ponto a ser observado é o de que o objetivo da terapia é a destruição do microrganismo, sem causar danos ao organismo do hospedeiro em questão. Apesar de ser fácil compreender esse objetivo, na prática, alguns fatores são limitantes para a segurança do hospedeiro, como a semelhança estrutural de algumas moléculas no organismo humano e nos microrganismos. Para auxiliar na compreensão desses aspectos, diferenciamos os compostos antimicrobianos pela seletividade de sua ação citotóxica. Os agentes com ação citotóxica exclusivamente sobre os microrganismos são classificados como agentes de toxicidade seletiva, enquanto que aqueles capazes de atingir diversos tipos de células (incluindo as do hospedeiro) são denominados agentes de toxicidade relativa. Para maior segurança na terapia, sem reduzir a eficácia do tratamento medicamentoso, buscamos então utilizar os compostos que possuem interação química com estruturas dos microrganismos que não estão presentes de forma significativa nos tecidos humanos. Tendo em vista que os microrganismos possuem uma parede celular com características diferentes das membranas celulares humanas, bem como a capacidade dos microrganismos de sintetizarem moléculas essenciais para o seu metabolismo, por exemplo, o ácido fólico, (obtido a partir do ácido p‑aminobenzóico – PABA), o qual nos humanos deve ser obtido necessariamente através da alimentação. A imagem a seguir apresenta um esquema representativo dos mecanismos gerais de ação antibacteriana, exemplificando a afinidade dos agentes antimicrobianos mais seguros utilizados na medicina por estruturas específicas dos microrganismos. 152 Unidade II Parede celular Membrana celular Síntese proteica DNA Função e estrutura Síntese das purinas síntese do ácido fólico • RNAr • RNAt 30s 50s β‑lactâmicos Glicopeptídeos Polimixinas Daptomicina Aminoglicosídeos Tetraciclinas Glicilciclinas Quinolonas Nitroimidazólicos Trimetoprim THF DHF PABA DNA RNA RNAm Ribossomo RNAr 50s30s RNAt Proteínas Sulfonamidas Oxazolidinonas Macrolídeos Estreptograminas Cloranfenicol Lincsaminas PABA = Ácido Paraminobenzoico DHT = Dihidrolato THF = Tetrahidrofolato DNA = Ácido Desoxirribonucleico RNAm = Ácido Ribonucleico mensageiro RNAt = Ácido Ribonucleico transportador RNAr = Ácido Ribonucleico ribossômico Parede celular Membrana celular Figura 51 – Representação dos mecanismos de ação das drogas antibacterianas As características estruturais e metabólicas dos microrganismos são essenciais para determinar a afinidade do antimicrobiano. Por essa razão, compostos possuem em geral um espectro de atividade, o qual pode ser classificado de três formas: • Espectro estreito: citotoxicidade específica para poucos microrganismos, como os agentes antibacterianos específicos para bactérias gram‑positivas. • Espectro estendido: citotoxicidade sobre um espectro intermediário (pouco maior que o espectro estreito), podendo atuar sobre microrganismos de uma classe específica em geral e sobre mais alguns poucos microrganismos de classes diferentes, como os agentes antibacterianos que atuam sobre bactérias gram‑positivas em geral e sobre mais algumas poucas cepas específicas de bactérias gram‑negativas. • Amplo espectro: citotoxicidade sobre um grande grupo de microrganismos com as mais diversas características bioquímicas e estruturais. Um problema associado a esses agentes é a inespecificidade para os microrganismos patogênicos, podendo atuar também sobre microrganismos não patogênicos, desregulando o equilíbrio entre diferentes espécies que colonizam o organismo do hospedeiro. Para compreender melhor a importância do espectro e da especificidade de ação dos fármacos antimicrobianos, vamos discutir a classificação dos microrganismos de acordo com as características que permitem relacionar a interação dos fármacos com seus microrganismos‑alvo. 153 FARMACOLOGIA Observação A alta especificidade dos antimicrobianos está relacionada com a interação com alvos moleculares que podemos encontrar especificamente nos microrganismos de interesse. 5.2.1.1 Classificação dos microrganismos Os microrganismos em geral são classificados na biologia de acordo com o processo evolutivo de cada organismo identificado, separando‑os em reino, divisão ou filo, classe, ordem, família, gênero e espécie (em geral, com nomes derivados do latim). Contudo, no contexto farmacológico, é comum dividirmos esses organismos de acordo com características estruturais e metabólicas mais específicas, permitindo sua categorização conforme sua susceptibilidade aos agentes antimicrobianos e relacionando com o mecanismo de ação dos agentes antimicrobianos. Dessa forma, no contexto da terapia medicamentosa, é comum designarmos os microrganismos por inúmeras características, como seu metabolismo energético (aeróbios e anaeróbios); presença ou não de uma parede celular, e, quando presente, pela composição de sua parede celular (como as bactérias gram‑positivos e gram‑negativos); por sua sensibilidade ou resistência aos antimicrobianos (como as cepas de S. aureus resistentes à meticilina – do inglês, MRSA); por sua morfologia (bacilos, cocos etc); ou pela sua origem e predominância no organismo (como as enterobactéras, presentes no trato gastrintestinal). Entre bactérias, por exemplo, as diversas características bioquímicas estruturais nos permitem inferir sobre a efetividade ou inefetividade da ação antibacteriana. Por exemplo, os fármacos com ação antibacteriana possuem maior facilidade em permear as membranas de bactérias gram‑positivas em relação à penetração em bactérias gram‑positivas. Isso pode ser explicado por conta de a divisão entre gram‑positivas e negativas estar relacionada com a composição da parede celular, de modo que bactérias gram‑positivas possuem uma camada mais espessa de peptidoglicanos (um tipode polímero constituído de aminoácidos e carboidratos) em relação às bactérias gram‑negativas, as quais apresentam uma fina camada de peptidoglicanos associada com uma camada de lipopolissacarídeos. A diferença da composição entre as membranas das bactérias gram‑positivas e gram‑negativas fará com que o processo de coloração pela metodologia de Gram permita a fixação do reagente de gram (violeta de metila) nas bactérias com maior camada de peptidoglicano (gram‑positivas), a qual não será removida após a lavagem da lâmina com as bactérias fixadas, o que, por sua vez, ocorrerá nas células, que são chamadas gram‑negativas, justamente por não fixarem o reagente em suas membranas. 154 Unidade II A) B) Figura 52 – Bactérias gram‑positivas (esquerda) e gram‑negativas (direita), após a coloração de gram Já em relação à divisão dos microrganismos entre aeróbios e anaeróbios, a questão da necessidade de uso do oxigênio (aeróbios) ou não (anaeróbios) para seu suprimento energético permite com que os alvos moleculares sejam mais bem estabelecidos, uma vez que os mecanismos de produção energética celular, quando são interrompidos ou prejudicados pela ação dos fármacos, culminam em uma capacidade de replicação celular reduzida, podendo levar essa célula a um colapso. Por essa razão, fármacos antimicrobianos que atuam comprometendo o metabolismo energético de microrganismos (aeróbios ou anaeróbios) devem ser indicados apenas mediante a identificação prévia das características metabólicas do organismo causador da infecção existente ou do microrganismo que comumente causa uma infecção que desejamos evitar (uso profilático do antimicrobiano). Por último, mas não menos importante, temos a influência da sensibilidade ou resistência intrínseca do microrganismo a determinados agentes. Seja pela presença de mecanismos efetivos de defesa ou pela falta de afinidade química entre o fármaco antibacteriano e os alvos do organismo em questão, podemos classificar os microrganismos em classes de acordo com os antimicrobianos aos quais estes são sensíveis. Como exemplo mais clássico a ser citado, temos as cepas de Staphylococcus aureus, as quais podem ser classificadas como sensíveis à meticilina (oxaciclina) (MSSA – do inglês, Methicillin Susceptible Staphylococcus aureus) ou resistentes à meticilina (MRSA – do inglês, Methicillin Resistant Staphylococcus aureus). Nesse mesmo contexto, temos ainda as cepas de Staphylococcus aureus com resistência intermediária aos glicopeptídeos (GISA) e as cepas resistentes aos glicopeptídeos (GRSA). Embasados por essas características de resistência ou susceptibilidade, estamos aptos a realizar uma escolha mais racional de qual antibiótico deverá ser empregado para o tratamento dessa infecção. Apesar de as características dos microrganismos serem determinantes para os aspectos farmacodinâmicos da ação dos antimicrobianos, as características específicas das moléculas também são fatores‑chave para a determinação da melhor estratégia terapêutica. Por isso, vamos observar a seguir a classificação dos agentes antimicrobianos. 155 FARMACOLOGIA 5.2.1.2 Classificação dos antimicrobianos Os agentes antimicrobianos são moléculas pertencentes à classe dos quimioterápicos, conceituados como agentes químicos capazes de induzir a morte ou reduzir a capacidade proliferativa de células, sejam elas do organismo humano (como no caso dos agentes tumorais), bem como nos microrganismos (como no caso dos agentes antibacterianos, antifúngicos, antiparasitários e antivirais). Sendo a classe dos quimioterápicos muito grande, abordamos como antimicrobianos aqueles agentes que atuam nos microrganismos, podendo controlar infecções ou infestações. De acordo com o glossário da sociedade brasileira de parasitologia (NEVES, 2016, p. 4), infecção consiste na “penetração e desenvolvimento ou multiplicação de um agente etiológico no organismo humano ou animal, podendo ser vírus, bactéria, protozoário, helminto etc.”; e infestação “é o alojamento, desenvolvimento e reprodução de artrópodes na superfície do corpo, nas vestes ou na moradia de humanos ou de animais”. Para facilitar a classificação desses compostos, podemos dividi‑los de acordo com sua origem química (característica da molécula), seu mecanismo de ação ou espectro de atividade. Entre esses três grandes grupos, a origem química da molécula demonstra ser a mais relevante. Utilizando a origem química da molécula do antimicrobiano, podemos relacionar características do mecanismo de ação e do espectro de atividade entre moléculas com estruturas químicas semelhantes, facilitando a visualização das características químicas estruturais da molécula relevantes para a atividade farmacológica, bem como para relacionar com eventos adversos decorrentes do uso desses agentes. Um bom exemplo para compreender melhor essa classificação é o do grupo das penicilinas, moléculas que possuem como origem a estrutura da penicilina G, primeiro agente antibacteriano efetivo introduzido na prática clínica. Os derivados semissintéticos da penicilina, como a amoxicilina, tendem a desencadear as mesmas respostas alérgicas que a penicilina G pode causar, possuindo também um mecanismo de ação análogo ao da penicilina G e um espectro de atividade antibacteriana muito semelhante. As diferenças entre esses compostos estão mais associadas aos aspectos farmacocinéticos e à possibilidade da administração da amoxicilina pela via oral (o que não é possível no caso da penicilina G), decorrente de pequenas alterações em frações específicas da molécula da penicilina G. Todavia, se observarmos a praticidade no momento da escolha do agente antimicrobiano ideal para uma determinada infecção ou infestação, a classificação dos fármacos, de acordo com seu espectro de atividade e sua seletividade, pode ser muito útil. Por essa razão, será verificado o agrupamento dos agentes antimicrobianos de acordo com sua classe química dentro das atividades antibacterianas, antifúngicas e antiparasitárias. 5.2.1.2.1 Antibacterianos Os quimioterápicos antibacterianos são subdivididos em diversas classes, em geral, definidas de acordo com a origem química da molécula. A seguir, vamos observar as principais classes e seus respectivos mecanismos de ação. 156 Unidade II Sulfonamidas Primeira classe de antimicrobianos que foi utilizada por via sistêmica em humanos, apresentando boa eficácia tanto na prevenção como na cura de infecções bacterianas. Essa classe de fármacos possui grande espectro de atividade sobre cepas de bactérias gram‑negativas e gram‑positivas. Devido ao seu uso abusivo por décadas, diversas cepas mostram‑se resistentes às sulfonamidas, sendo que sua ação concentra‑se em seu efeito bacteriostático, sendo indispensáveis mecanismos de defesa humorais do hospedeiro para a efetividade do tratamento e total cura do paciente. As sulfonamidas são análogas à molécula do ácido p‑aminobenzóico (PABA), essencial para a síntese de ácido fólico nas bactérias, o que é fundamental para os processos vitais desse organismo. Por sua semelhança estrutural, as sulfonamidas acabam agindo como falso substrato na formação do ácido fólico, afetando seu metabolismo normal. Já bactérias que possuem a capacidade de utilizar o ácido fólico pré‑formado não são sensíveis às sulfonamidas. Em geral, as sulfonamidas são utilizadas associadas com o trimetoprim, no qual agem sob sinergismo, aumentando a eficácia do tratamento. O trimetoprim age inibindo competitivamente a diidrofolato‑redutase bacteriana, que reduz o diidrofolato em tetraidrofolato, essencial para o metabolismo bacteriano. Sulfonamidas geralmente são utilizadas no tratamento de escoriações de pele, infecções do trato urinário, gastrintestinal e respiratório. CH3 O O O S N H N H2N Figura 53 – Estrutura química do sulfametoxazol Quinolonas Classe de antimicrobianos sintéticos, tendo como primeiro representante o ácido nalidíxico, sendo amplamente utilizada para tratamentode infecções urinárias. Porém, essas primeiras moléculas possuíam um espectro pequeno de aplicação terapêutica, além de apresentarem uma resistência bacteriana notável. Isso fez com que essa classe caísse em desuso. Mas, num contexto mais recente, novas moléculas de quinolonas foram sintetizadas, as 4‑quinolonas fluoradas, como ciprofloxacino, ofloxacino, norfloxacino, que apresentam um amplo espectro de atividade e uma baixa taxa de resistência bacteriana. 157 FARMACOLOGIA As quinolonas possuem como alvo terapêutico nas células bacterianas duas enzimas, a DNA‑girase e a topoisomerase‑IV. Em geral, em bactérias gram‑negativas agem sobre a DNA‑girase, e, na maioria das bactérias gram‑positivas, a ação ocorre preferencialmente sob a topoisomerase‑IV. A DNA‑girase catalisa a superelicoidização do DNA. A introdução de super‑hélices tem um custo de energia, dessa maneira, a DNA girase é uma transdutora de energia convertendo a energia livre do ATP em energia torcional de superelicoidização do DNA. Já a topoisomerase‑IV atua no processo de clivagem dos filamentos de DNA. Visto que as quinolonas atuam inibindo esses sistemas enzimáticos completamente envolvidos no ciclo celular das células bacterianas, ocorrerá uma inibição da proliferação celular por parte da célula afetada. O HO O F NH N N Figura 54 – Estrutura química do ciprofloxacino, um dos principais representantes do grupo das fluoroquinolonas Metenamina Composto muito utilizado como antisséptico das vias urinárias. Sua atividade consiste em formar formaldeído em sua reação com moléculas de água. Essa formação de formaldeído provoca uma diminuição do pH da urina, o que é um fator antibacteriano. As bactérias não desenvolvem resistência ao formaldeído, porém algumas bactérias que degradam a ureia provocam um aumento do pH do meio, neutralizando assim a ação da metenamina. N N N N Figura 55 – Estrutura química da metenamina Penicilinas As penicilinas constituem uma das maiores e mais importantes classes de antibióticos. Considera‑se a descoberta da penicilina como uma das maiores revoluções já existentes na medicina. Em 1928, ao 158 Unidade II estudar cepas de Staphylococcus em seu laboratório, Alexander Fleming percebeu que suas culturas haviam se contaminado por um tipo de fungo, e este apresentava a produção de uma substância que inibia o crescimento das bactérias ali cultivadas. Após identificar o fungo ali presente como sendo o Penicillium, Fleming denominou a então desconhecida substância produto do metabolismo desse fungo como penicilina. Após o estudo mais aprofundado dessa situação, foi possível isolar a penicilina para uso terapêutico, porém, apenas uma década depois de sua descoberta por Fleming. Os primeiros ensaios demonstraram grande efetividade dessa molécula administrada por via parenteral em animais com infecções estreptocócicas induzidas em laboratório. Atualmente, dispomos de uma série de antibióticos penicilínicos, em geral, semissintéticos, derivados da molécula base da penicilina. Isso acarretou a geração de novos fármacos com características farmacocinéticas e farmacodinâmicas diferentes da penicilina, molécula base para a síntese desses compostos. Um exemplo de penicilina semissintética muito utilizada é a amoxicilina. Embora o mecanismo de ação da penicilina ainda não tenha sido completamente determinado, a sua atividade bactericida inclui a inibição da síntese da parede celular e a ativação do sistema autolítico endógeno da bactéria. A ação da penicilina depende da parede celular que contém na sua composição peptidoglicano. Durante o processo de replicação bacteriana, a penicilina inibe as enzimas que fazem a ligação entre as cadeias peptídicas, impedindo, portanto, o desenvolvimento da estrutura normal do peptidoglicano. Essas enzimas (transpeptidase, carboxipeptidase e endopeptidase) localizam‑se logo abaixo da parede celular e são denominadas de proteínas ligadoras de penicilina. A habilidade de penetrar na parede celular e o grau de afinidade dessas proteínas com a penicilina determinam a sua atividade antibacteriana. As bactérias, por diferirem na sua composição quanto ao tipo e à concentração de proteínas ligadoras de penicilina, possuem diferentes respostas quanto à permeabilidade de suas paredes celulares ao antibiótico. Assim, temos diferentes suscetibilidades bacterianas à penicilina. O O HO HO HO O O O O S S NH NH N NH2 N H A) B) HCH3 CH3 CH3 CH3 Figura 56 – A) Estrutura química da benzilpenicilina; B) Estrutura química da amoxicilina, uma penicilina sintética Cefalosporinas As cefalosporinas são compostos antimicrobianos semelhantes à penicilina, também sendo originadas de metabólitos de um fungo, o Cephalosporium acremonium, cuja atividade foi verificada inicialmente sobre cepas de bactérias causadoras da febre tifoide humana. A princípio, foi verificado que no líquido em que esse fungo era cultivado, era possível encontrar três tipos diferentes de antibióticos distintos, que foram denominados cefalosporinas P, N e C. Após o isolamento do núcleo 159 FARMACOLOGIA ativo comum nas moléculas inicialmente encontradas, foi possível a utilização desse conhecimento para síntese de novas moléculas com atividade antimicrobiana semelhante às cefalosporinas. Exemplos clássicos de cefalosporinas são cefalexina, cefalotina, cefuroxina, ceftriaxona e cefepima. Seu mecanismo de ação é semelhante ao das penicilinas, visto que compartilham característica química de possuir um anel β‑lactâmico em sua estrutura. O O O OH S N H N H CH3 NH2 Figura 57 – Estrutura química da cefalexina Carbapenéns É uma classe de antibióticos também β‑lactâmicos que se difere das penicilinas e cefalosporinas pela modificação da sua estrutura química, em que seu anel β‑lactâmico aparece mais protegido contra a ação de β‑lactamases, possuindo uma menor resistência bacteriana e uma maior efetividade terapêutica no tratamento antimicrobiano. Alguns carbapenéns, como o imipenem, devem ser administrados em associação com a ciclastatina, que inibe a degradação do antibiótico pela enzima dipeptidase‑tubular renal. Já outros, como o meropenem, não necessitam dessa proteção. Possuem seu mecanismo de ação em geral semelhante ao das penicilinas e cefalosporinas, com exceção do aztreonam, que possui sua atividade mais semelhante ao dos aminoglicosídeos. O O O OH HO S N NH N H H CH3 CH3 CH3 H3C Figura 58 – Estrutura química do meropenem 160 Unidade II Aminoglicosídeos Os aminoglicosídeos são potentes bactericidas inibidores da síntese proteica bacteriana. Apesar de sua efetividade ser muito ampla, sua toxicidade faz com que seu uso nem sempre seja adequado. Quimicamente, consistem de dois ou mais aminoaçúcares, os quais são unidos por uma ligação glicosídica ao núcleo de uma hexose, em geral, no centro da molécula. Isso faz com que sua molécula seja mais hidrossolúvel, sendo fator determinante para sua fácil absorção. Sua atividade bactericida está diretamente relacionada com sua concentração. Seu mecanismo de ação consiste na ação sobre a membrana da célula bacteriana, afetando sua capacidade de manter o potencial de membrana necessário para o transporte de íons essenciais para o funcionamento das células. Seu efeito intracelular consiste na ligação a polissomas e à interrupção prematura da tradução do mRNA, o que leva à produção ribossômica de proteínas mutadas, que, ao se inserirem na membrana, aumentam a permeabilidade da célula para a entrada dos aminoglicosídeos. Os principais representantes dessa classe são a tobramicina, a neomicina, a gentamicina, a amicacina e a estreptomicina, primeiro aminoglicosídeo descoberto. O O OO O OH OH OH HO HO HO HO NH NH HN H2N H2N NH NH H3C CH3 Figura 59 – Estrutura química da estreptomicina Tetraciclinas Descobertas através de pesquisas para identificação de microrganismos coletados de amostras de solo de todo o mundo que fossem capazes de apresentaralguma molécula de metabólito com características antimicrobianas. São conhecidas por serem drogas de amplo espectro antimicrobiano devido à sua efetividade contra diversas cepas gram‑positivas, gram‑negativas, riquétsias e Chlamydia. Seu mecanismo de ação é relacionado à inibição da síntese de proteínas através de sua ligação com o ribossoma 30 S da bactéria. Penetram em bactérias gram‑negativas pela difusão passiva, através dos canais hidrofílicos de membrana; e, por transporte ativo, por um sistema dependente de energia que bombeia as tetraciclinas por meio da membrana citoplasmática. Acredita‑se que em bactérias gram‑positivas, seu transporte também seja ativo. Seus principais representantes são doxiciclina, oxitetraciclina, tetraciclina, cortetraciclina, demeclociclina, metaciclina e minociclina. 161 FARMACOLOGIA OH O O OOH OH OH HO N NH2 H H CH3 CH3H3C Figura 60 – Estrutura química da tetraciclina Cloranfenicol Antibiótico obtido como metabólito de um microrganismo denominado de Streptomyces venezuelae, tendo sido testado com sucesso na Bolívia em 1947 contra um surto epidêmico de tifo. Porém, seu potencial tóxico foi verificado poucos anos depois, sendo seu uso restrito a pacientes com patologias infecciosas mais severas, os quais não poderiam ser tratados com outros fármacos mais seguros. O cloranfenicol age inibindo a síntese proteica nas bactérias através de sua ligação com a unidade 50 S dos ribossomos. Penetra facilmente na célula bacteriana, provavelmente, por difusão facilitada. Seus efeitos toxicológicos podem ser relacionados à semelhança dos ribossomos mitocondriais dos mamíferos com os ribossomos citoplasmáticos das bactérias, inibindo assim a síntese proteica mitocondrial em mamíferos. O O O‑ OH CI CI OH N H N+ Figura 61 – Estrutura química do cloranfenicol Macrolídeos Classe de antibióticos que tem como primeira molécula a eritromicina, isolada do microrganismo Streptomyces erythreus. A azitromicina e a clindamicina são fármacos semissintéticos desenvolvidos, tendo como base a molécula da eritromicina. São drogas bacteriostáticas que, através de uma ligação competitiva com a porção 50 S do ribossoma, impedem a fixação do RNA transportador e bloqueiam o aporte de aminoácidos essenciais para a síntese proteica (etapas de transpeptidação e/ou translocação). Quando em alta concentração ou contra microrganismos extremamente sensíveis, os macrolídeos podem ser bactericidas. 162 Unidade II HO OH OH OH OH O O O O O O O N N CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 H3C H3C H3C H3C H3C H3C Figura 62 – Estrutura química da azitromicina Antimicobacterianos Em geral, moléculas utilizadas para o tratamento de doenças como tuberculose e hanseníase, que são causadas por micobactérias. Os principais quimioterápicos utilizados no tratamento das infecções micobacterianas são a isoniazida e a rifampicina. A isoniazida age inibindo a biossíntese de ácidos micólicos, essencias para a formação da parede celular em micobactérias. A presença dessa substância exclusivamente na parede das células de micobactérias pode ser o fator determinante para sua alta especificidade. Já a rifampicina inibe a enzima RNA‑polimerase DNA dependente das micobactérias e de outros microrganismos através da formação de um complexo fármaco‑enzimático que leva à supressão da iniciação da formação da cadeia na síntese do DNA. A rifampicina é bactericida para organismos extracelulares e intracelulares. A síntese dessas drogas fez com que doenças antes vistas como extremamente letais (hanseníase e tuberculose) possam hoje ser tratadas com um alto índice de melhora nos pacientes submetidos à quimioterapia antimicobacteriana. 163 FARMACOLOGIA O O O O O O O O OH OH OH OH HO N NH NH2 NH N N N CH3 CH3 CH3 CH3 B)A) CH3 H3C H3C H3C H3C H3C Figura 63 ‑ A) Estrutura química da rifampicina; B) Estrutura química da isoniazida 5.2.1.2.2 Antifúngicos (antimicóticos) Baseada no mesmo principio da quimioterapia antibacteriana, inclusive compartilhando do uso de diversos fármacos, a quimioterapia antimicótica dispõe de um arsenal amplo, porém menor em relação aos antibacterianos. Visto que as infecções por fungos constituem uma letalidade menor em relação às infecções bacterianas, as micoses são infecções cada vez mais comuns, independendo simplesmente de boas condições de saneamento básico, atingindo grande parte da população mundial. Classes de antifúngicos Os antifúngicos são divididos de acordo com sua via de administração: uso tópico ou sistêmico. A seguir, abordaremos as principais moléculas com atividade antifúngica. Anfotericina-B Anfotericina B é um antibiótico macrolídeo poliênico isolado do actinomiceto Streptomyces sp com atividade antifúngica e possui a característica de ser uma substância anfótera, isto é, a de se dissolver em meios básicos ou ácidos. Foi utilizada pela primeira vez no tratamento da paracoccidioidomicose em 1958, com grande sensibilidade do fungo. Ao lado de sua comprovada eficácia, a anfotericina B é uma droga tóxica que requer longo período de hospitalização para sua administração. Seu mecanismo de ação consiste em ligar‑se à célula do fungo alterando especificamente os esteróis da membrana celular (ergosterol). Isso fará com que haja a formação de poros ou canais na membrana que aumentam sua permeabilidade, fazendo com que a célula perca potássio e outras moléculas essenciais para seu metabolismo. Sua atividade é mais fungistática do que fungicida. A anfotericina também é utilizada em tratamentos de infecções por protozoários. 164 Unidade II O O O O O O OH OH OH OH OH OH OHOHOHHO HO NH2 H3C H3C H3C H CH3 Figura 64 – Estrutura química da anfotericina B Nistatina A nistatina é outro antifúngico da classe dos antibióticos macrolídeos poliênicos originados de actinomicetos. Possui semelhanças estruturais com a anfotericina B, com a qual também compartilha do mesmo mecanismo de ação. É amplamente utilizada por via tópica em casos de infecções de pele, candidíase oral e vaginal. É comum verificar medicamentos antissépticos que asssociam a nistatina com outro agente antifúngico e/ou outro agente antibacteriano. O O OO O O OH OH OH OH OH OHOHOH OH HO HO NH2 H3C H3C CH3 CH3 Figura 65 – Estrutura química da nistatina Imidazóis Classe de antifúngicos representada principalmente pelas drogas miconazol, cetoconazol e clotrimazol. Esse grupo apresenta relevância terapêutica tanto no uso sistêmico como no uso tópico (mais utilizado neste último). Promovem a inibição da biossíntese do ergosterol, importante para a integridade e a manutenção da função da membrana celular dos fungos. Os imidazóis inibem a incorporação do acetato de ergosterol, inibindo a lanosterol‑desmetilase, por interferência no citocromo P‑450 da levedura, 165 FARMACOLOGIA trazendo como consequência alterações na fluidez e permeabilidade da membrana citoplasmática do fungo, prejudicando a captação dos nutrientes, o que se traduz por inibição do crescimento fúngico, originando alterações morfológicas que resultam em necrose celular. CI N N Figura 66 – Estrutura química do clotrimazol Triazóis Classe representada principalmente pelos antifúngicos fluconazol e itraconazol, tendo diversas características semelhantes ao grupo dos imidazóis. Seu mecanismo de ação é semelhante ao dos imidazóis, porém, verifica‑se seu emprego com maior frequência no tratamento de infecções fúngicas que exigem tratamento por via sistêmica. É uma alternativa em casos de resistência a antifúngicos como a anfotericina B. O O HO OO CI CI N NN N NN N F F N N N N N N N N H 3C A) B) CH3 Figura 67 – A) Estrutura química do fluconazol; B) Estrutura química do itraconazol 166 Unidade II Fluorcitosinas São pirimidinas fluoradas que apresentam analogia com as moléculas do fluorouracil e floxuridina. Têm como base a molécula da 5‑fluorocitosina, que, na célula do fungo,pode ser transformada em 5‑fluorouracil, um potente antimetabólito vastamente utilizado no tratamento de neoplasias. O 5‑fluorouracil fosforilado é incorporado ao DNA e bloqueia a síntese de ácidos nucleicos e proteínas. É utilizada em associação com a anfotericina B para o tratamento de candidíase sistêmica e criptococose. O F NH2 N N H Figura 68 – Estrutura química da 5‑fluorocitosina 5.2.1.2.3 Antiparasitários Essa classe de quimioterápicos é composta por duas subclasses: antiprotozoários e antihelmínticos. Os medicamentos antiprotozoários são extremamente pesquisados, visto o grau de letalidade relacionado a epidemias de doenças causadas por protozoários, como malária, leishmaniose, entre outras. Além disso, outras doenças comumente relacionadas à falta de saneamento básico apresentam grande incidência em níveis mundiais. O uso de drogas antiprotozoários data do século XV, quando foi relatada a utilização da casca da árvore do quinino para o tratamento das crises de febre, que na verdade eram decorrentes de infecções por malária. Porém, atualmente, existem diversas moléculas capazes de tratar as diversas infecções parasitárias existentes, mas algumas ainda permanecem sem medicamentos que apresentem a cura definitiva de patologias como a própria malária. A seguir, as principais classes e moléculas de antiprotozoários. Cloroquina É um potente esquizontocida sanguíneo, muito utilizado como antimalárico. Esses compostos agem como bases fracas nos vacúolos alimentares dos protozoários, impedindo a ação da heme‑polimerase, responsável pela inativação do heme livre nas células eritrocíticas. Esse heme livre nas células torna‑se tóxico aos parasitas, devido a lesões oxidativas, das membranas e proteases digestivas do protozoário. 167 FARMACOLOGIA NH N N H3C H3C CH3 CI Figura 69 – Estrutura química da cloroquina Primaquina Apesar de a atividade das primaquina e de outras moléculas 8‑aminoquinolinas ainda não ser completamente evidenciada, acredita‑se que seu efeito seja devido à sua transformação de eletrófilos que agem como mediadores de óxido‑redução, podendo ser responsável pela geração de espécies reativas de oxigênio, que possivelmente levariam ao estresse oxidativo, ou interferindo no transporte de elétrons no parasita. O N NH H2N CH3 H3C Figura 70 – Estrutura química da primaquina Proguanil Utilizado geralmente em associação com outro antiprotozoário. Possui uma ação profilática antimalária devido à inibição do desenvolvimento dos gametas encistados nas vísceras do mosquito trasmissor da malária. Seu metabólito ativo cicloguanil possui atividade inibidora da diidrofolato‑redutase e da timidilato‑sintase bifuncional do parasita, inibindo assim a síntese de DNA no parasita, impedindo sua reprodução. 168 Unidade II H N H N H N NH NH CH3 CH3 CI Figura 71 – Estrutura química do proguanil Metronidazol É um pró‑fármaco que necessita da ação ativadora de seu grupo nitro por parte dos organismos susceptíveis a esse medicamento. Sua atividade específica sobre parasitas anaeróbicos deve‑se ao fato de possuírem componentes transportadores de elétrons capazes de doar elétrons à molécula do metronidazol, ativando seu radical nitro altamente reativo, que gera danos ao DNA do parasita, entre outras biomoléculas vitais. O‑ O OH N N N + H3C Figura 72 – Estrutura química do metronidazol Eflornitina É um agente citostático que exerce diversos efeitos antitripanossômicos. Através da inibição de enzimas envolvidas na síntese de diversos aminoácidos necessários ao metabolismo normal, ocorre a parada do ciclo de divisão celular do parasita. Alguns parasitas desenvolvem uma capacidade de utilizar outras enzimas que não são inibidas pela eflornitina para regularizar seu metabolismo, o que pode ser descrito como um provável mecanismo de resistência. Essa droga é mais utilizada no tratamento de tripanossomíase africana ocidental, causada pelo T.b. gambiense. Apesar de estudos pré‑clínicos demonstrarem uma relativa efetividade contra cepas de Leishmania spp., clinicamente, essa resposta não foi observada. O OH F F H2N H2N Figura 73 – Estrutura química da eflornitina 169 FARMACOLOGIA Quinacrina É um composto antiprotozoário que possui forte ação sobre a G. lamblia, promovendo a cura em cerca de 90% dos casos tratados com essa droga. Ela age de forma potente sobre as células do parasita através da indução de morte celular por danos irreversíveis ao ligar‑se com o DNA do parasita. Porém, essa droga apresenta um grande potencial tóxico, tendo caído em desuso em países como os EUA. N N NH H3C H3C H3C CH3 CI O Figura 74 – Estrutura química da quinacrina Nifurtimox É um fármaco tripanomicida, geralmente, empregado em casos de infecções por T. cruzi, agindo sobre as formas tripomastigota e amastigota. Seu mecanismo de ação desencadeia‑se através da redução de sua molécula por parte de uma enzima do próprio parasita, ativando então o radical nitro da molécula, que, reagindo com outras moléculas, gera diversas espécies reativas de oxigênio e nitrogênio, que por meio do estresse oxidativo irá levar a danos na estrutura celular do parasita, levando‑o à morte. O O O‑ O O S N N N+ H3C Figura 75 – Estrutura química do nifurtimox 170 Unidade II Estibogluconato sódico Molécula ainda muito estudada, porém com sua efetividade no tratamento da Leishmania já verificada, embora seu mecanismo de ação antileishmania ainda não esteja elucidado. Aparentemente, seu efeito deve‑se à alteração do metabolismo do parasita, pois ocorre um comprometimento na glicólise, metabolismo de ácidos graxos, e outros processos que ocorrem em organelas raras encontradas no parasita da Leishmania, os glicossomos, que se apresentam suprimidos após a atividade do estibogluconato sódico. Além disso, essa molécula apresenta o potencial de redução da formação de ATP/GTP líquido na célula. Por pertencer a um grupo químico denominado antimônios, seu mecanismo de ação pode ser decorrente de características peculiares a esses grupos, como o fato de agirem como pró‑fármacos, formando espécies tóxicas quando metabolizadas, por macrófagos, em que favoreceriam a fagocitose do parasita nos lisofagossomos. HO H2O H2O H2O H2O H2O H2O H2O H2O H2O OH OH OH OH O O O O O O O O‑ O O O‑ O‑ Na+ Na+Na+ H H H H Sb Sb Figura 76 – Estrutura química do estibogluconato de sódio Já os compostos conhecidos como anti‑helmínticos atuam no controle de helmintos (vermes) de maior complexidade estrutural em comparação aos parasitas protozoários. As helmintíases atingem cerca de dois bilhões de indivíduos em todo o mundo, sendo que em regiões com clima tropical, podem‑se observar casos de infecção por múltiplos helmintos em um mesmo paciente (ALBONICO et al., 2008) Apesar de essas patologias serem mais comuns em ambientes com saneamento básico precário, a falta de higiene em outros lugares com saneamento regular também é responsável pelos altos níveis de contaminação por helmintos. As infecções por helmintos ocorrem, frequentemente, em órgãos como a pele, intestino, fígado, além de outros. Em geral, os fármacos utilizados nos tratamentos dessas patologias buscam penetrar no verme ou interferir nos seus mecanismos de alimentação, inibindo seu desenvolvimento pela fala de nutrientes necessários para manutenção de seu metabolismo normal. A seguir, serão citados os principais grupos de anti‑helmínticos, suas principais moléculas e suas aplicações. 171 FARMACOLOGIA Benzimidazóis (BZA’s) Essa classe de medicamentos tem como seus principais representantes o mebendazol e o albendazol. Esses compostos possuem grande efetividade em helmintos nematódeos. Atuam induzindo uma disfunção no metabolismo, como a inibição da fumarato‑redutase mitocondrial, redução do transporte de glicose e desacoplamento da fosforilação oxidativa. O mecanismo de ação sugerido é o de que ocorra a inibição da polimerização dos microtúbulospor meio da ligação da β‑tubulina, justificando então a deficiência na captação de glicose. O O O O O S H3C CH3 CH3A) B) NH NH NHN N NH Figura 77 – A) Estrutura química do albendazol; B) Estrutura química do mebendazol Nitazoxanida Composto com atividade antiparasitária de amplo espectro, amplamente utilizado tanto para o tratamento de infecções intestinais causadas por protozoários como por helmintos. Pertencente à classe dos nitrotiazolidínicos, a nitazoxanida é rapidamente hidrolisada em sua forma ativa, a tizoxanida. Ambas as formas podem agir em protozoários de maneira inibitória sobre a enzima piruvato‑ferrodoxina oxidorredutase nos parasitas, comprometendo assim seu metabolismo energético ao impedir a transferência de elétrons através da referida enzima. Nos helmintos, a nitazoxanida é capaz de interferir na polimerização da tubulina no parasita, impedindo assim que a estrutura de transporte de secreções citoplasmática seja formada, afetando os processos celulares do parasita, levando‑o à morte. O O O O O‑ N NH N+ S H3C Figura 78 – Estrutura da nitazoxanida 172 Unidade II Dietilcarbamazina É um derivado da piperazina comumente utilizado no tratamento da filaríase e já foi o fármaco de escolha no tratamento da oncocercose, hoje tratada com a ivermectina. É um fármaco que ainda não possui seu mecanismo de ação elucidado, porém supõe‑se que sua ação ocorra por comprometer o transporte e o processamento de macromoléculas essenciais para a membrana plasmática dos parasitas. Outra hipótese seria de que o fármaco interfere no metabolismo do ácido araquidônico no parasita e nas células endoteliais do hospedeiro, justificando a agregação plaquetária, vasoconstrição e granulócitos do hospedeiro ao redor do parasita já com as suas membranas lesadas. O N N N CH3 H3C H3C Figura 79 – Estrutura química da dietilcarbamazina Ivermectina Composto da classe das avermectinas, lactonas isoladas de metabólitos gerados pelo actinomiceto Streptomyces avermitilis. Essa molécula é altamente empregada no tratamento de um amplo espectro de infecções parasitárias, tais como em infecções por nematelmintos, oncocercose e infecções transmitidas por artrópodes. Seu mecanismo de ação é atribuído ao fato de que as avermectinas agem no canal de cloreto aberto por glutamato, induzindo uma paralisia tônica da musculatura do parasita. Visto que esses canais estão presentes no músculo faríngeo desses vermes, haverá uma interferência no comportamento alimentar do parasita, com subsequente deficiência alimentar, inibindo seu desenvolvimento. 173 FARMACOLOGIA O O O O O O O O O O O O O O O O OO HO O O O O OH OH HO HO HO CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 CH3 H3C H3C H3C H3C H3C H3C H3C H3C H3C H3C Figura 80 – Estrutura química da ivermectina Lembrete A ivermectina também é amplamente utilizada no tratamento de infestações. As infestações são conceituadas como uma colonização de superfície corporal (ou vestimentas) por artrópodes, de modo que se alojem, se desenvolvam e se reproduzam no hospedeiro. Piperazina É uma amina secundária cíclica, geralmente utilizada no tratamento de infecções por Ascaris lumbricóides e Enterobius vermiculares. Seu mecanismo é atribuído à sua ação de agonista do GABA. Por aumentar a condução de cloreto, haverá uma hiperpolarização com consequente diminuição da excitabilidade, promovendo um relaxamento muscular excessivo e a paralisia flácida do parasita, fator determinante para a expulsão do verme pelo peristaltismo intestinal. Nos casos de enterobíase, o tratamento deve permanecer mesmo após a aparente cura, devido à facilidade de reinfecção. H N N H Figura 81 – Estrutura química da piperazina 174 Unidade II Praziquantel Derivado pirazinoisoquinolina, utilizado no tratamento de cestódeos e trematódeos. No tratamento de esquistossomos, concentrações mínimas requeridas já são capazes de gerar um aumento da atividade muscular, com decorrente contração, espasmo e paralisia. Isso faz com que os vermes afetados se destaquem da parede dos vasos para o fígado. Em concentrações mais elevadas, ele acarreta em lesões tegumentares que expõem antígenos tegumentares, facilitando a resposta contra esse parasita. Já no tratamento de infecções por cestódeos, baixas doses são suficientes para eficácia no tratamento. O O N N Figura 82 – Estrutura química do praziquantel 5.2.2 Aspectos farmacocinéticos da terapia antimicrobiana Para que um composto possa ser efetivo dentro do contexto de uma terapia antimicrobiana, a biodisponibilidade adequada desse composto é essencial. Observando os níveis plasmáticos da droga antimicrobiana administrada, podemos inferir sobre a capacidade biocida ou bioestática do composto. Isso se deve ao fato de que cada antimicrobiano possui uma concentração mínima efetiva, sendo chamada de concentração inibitória mínima (CIM), no caso dos agentes bioestáticos; ou concentração biocida mínima (CBC), no caso dos agentes biocidas. Em geral, os fármacos são administrados em concentrações capazes de exercer a sua atividade sobre 50% da população de organismos, sendo essas concentrações conhecidas como CIM50 ou CBC50. Quando um composto é administrado e não consegue alcançar a biodisponibilidade equivalente à sua CIM50 ou CBC50 frente a um microrganismo, podemos dizer que o microrganismo é resistente ao antimicrobiano. Por essa razão, erros na administração dos antimicrobianos, falta de adesão adequada ao tratamento, intervalos entre as doses maiores do que o prescrito, interações medicamentosas ou interações medicamento‑alimento, alterações fisiológicas ou físico‑químicas que alteram o processo de absorção do antimicrobiano podem afetar o sucesso da terapia por interferirem nas concentrações plasmáticas do fármaco, afetando assim sua biodisponibilidade. O uso de antimicrobianos abaixo das doses mínimas necessárias pode não só impedir a melhora do paciente com a infecção, mas também conduzir a um processo de seleção dos microrganismos mais resistentes dentro da população de microrganismos presentes no hospedeiro tratado, implicando 175 FARMACOLOGIA a utilização de um tratamento diferente do inicialmente prescrito para esse paciente, ainda que sob o risco de esse novo tratamento também não ser efetivo. Por fim, podemos concluir em relação aos aspectos farmacológicos das terapias antimicrobianas que o processo de prescrição da molécula adequada, na dose adequada, com o monitoramento do tratamento associado à administração correta do medicamento e buscando evitar interações medicamentosas ou com alimentos aproximam o paciente de uma melhora em seu quadro infeccioso. Sempre que esses cuidados não forem observados, além do risco de inefetividade do tratamento antimicrobiano, podemos estar contribuindo para um dos maiores riscos atuais da terapia antimicrobiana em todo o mundo: a resistência dos microrganismos aos agentes antimicrobianos. 5.3 Resistência aos agentes antimicrobianos Um dos grandes problemas enfrentados na terapêutica medicamentosa antimicrobiana é a resistência dos microrganismos frente a diversos medicamentos. De acordo com a OMS (WHO, 2020, tradução nossa), a resistência aos agentes antimicrobianos pode ser conceituada como “a capacidade de um microrganismo em impedir a atuação de um antimicrobiano”. Em decorrência dessa capacidade adquirida por microrganismos, o tratamento medicamentoso torna‑se inefetivo, conduzindo ao agravamento da infecção, podendo resultar em infecções persistentes, recidivas e até mesmo na morte do paciente por complicações decorrentes desse processo infeccioso. Em geral, as células de microrganismos resistentes aos antimicrobianos representam uma das consequências do uso desses compostos de forma abusiva e irracional, que faz com que cepas diversas desenvolvam mecanismos de adaptação frente às drogas, sendo escolhidas em um processo de seleção natural desses compostos em um ambientehostil, em que as mais resistentes se mantêm vivas e se proliferam, dando origem a uma população de microrganismos resistentes. Os mecanismos de resistência podem ser intrínsecos de um microrganismo específico frente a um ou mais antimicrobianos ou podem também ser adquiridos por meio da transmissão de material genético ou mutação desse material no microrganismo em questão. Como os microrganismos, as bactérias podem estar envolvidos em processos de troca de material genético, a codificação dessas moléculas responsáveis pela resistência poderá ser transmitida adiante para outras bactérias, conduzindo a um processo de amplificação dessa resistência. Vale ressaltar que, apesar do principal foco das investigações científicas ser a resistência aos antimicrobianos por parte das bactérias (as quais estão associadas aos principais registros de inefetividade de antimicrobianos), esse processo pode estar também relacionado a organismos como fungos, parasitas e vírus. Desse modo, como poderíamos estabelecer uma estratégia para enfrentar esse risco? Apesar de a resposta ser simples – a identificação de mecanismos de resistência e o desenvolvimento de novas ferramentas terapêuticas –, na prática, não estamos logrando muito êxito nessa batalha. Isso pode ser justificado pela falta de investimento para o desenvolvimento de ferramentas terapêuticas e de 176 Unidade II identificação de resistência, bem como pelo fato de que o desenvolvimento dessas ferramentas é em geral bem mais lento do que o aparecimento de novas cepas resistentes aos agentes antimicrobianos – mesmo quando falamos sobre as drogas antimicrobianas mais modernas. Podemos relacionar a resistência antimicrobiana como uma questão econômica, uma vez que há uma diminuição de produtividade nas populações frequentemente acometidas por infecções, principalmente em países em processo de desenvolvimento. Em uma revisão coordenada pelo economista britânico Jim O’Neill (2014), até a década de 2050, cerca de 10 milhões de pessoas por ano poderão morrer devido à inefetividade de tratamentos medicamentosos com antimicrobianos que falharam por conta da resistência antimicrobiana. Segundo esse mesmo estudo, cerca de 100 trilhões de dólares serão perdidos em nível global, afetando significativamente o poder econômico de diversas nações. Embora as estatísticas demonstrem um grande impacto econômico em todo o mundo, o que deve ser observado pelo profissional é o impacto da resistência aos antimicrobianos sobre os serviços de saúde. Imagine que hoje possuímos tratamentos para inúmeras doenças infecciosas que levavam muitas pessoas à morte séculos atrás. Caso esses tratamentos não sejam mais efetivos, essas doenças poderiam voltar a desencadear um grande número de registros de pessoas doentes (aumento da morbidade) e levar muitas pessoas à morte (aumento da mortalidade). Por essa razão, podemos dizer que a resistência aos antimicrobianos é um grande problema epidemiológico em todo o mundo, devendo ser pautado em políticas públicas e campanhas que promovam o uso racional dos antimicrobianos. Para entender melhor o que é a resistência antimicrobiana, entraremos agora em uma viagem pelos mecanismos que as células dos microrganismos possuem e utilizam para impedir a ação antimicrobiana dos fármacos. 5.3.1 Mecanismos celulares de resistência aos agentes antimicrobianos Buscando ilustrar os mecanismos de resistência aos antimicrobianos, utilizaremos como exemplo as bactérias, que correspondem aos microrganismos mais comumente associados ao processo de resistência a esses compostos. Mas, antes de iniciar a explicação sobre os mecanismos de resistência que levam à inefetividade do tratamento medicamentoso, nesse caso, é necessário que compreender quais são as ações esperadas de um antimicrobiano sobre a célula desse microrganismo. Inicialmente, o fármaco necessita interagir com um alvo molecular, que corresponde a um receptor desse fármaco no microrganismo que deverá ser atingido. Como esses alvos podem ser encontrados frequentemente dentro da célula bacteriana, é necessário que uma quantidade suficiente do composto antimicrobiano atravesse a parede celular dessa bactéria, conseguindo então interagir adequadamente com esse alvo moléculas, iniciando os mecanismos químicos que conduzem essa célula à morte ou à parada de suas atividades metabólicas associadas à divisão celular. 177 FARMACOLOGIA Tendo em vista o processo de interação do fármaco com seus receptores celulares no microrganismo, pode ser estabelecido uma relação simples da ação dos antimicrobianos com a resistência a esse agente: caso a molécula não passe pela parede celular ou não consiga interagir com seu alvo molecular, não ocorrerá a iniciação das reações químicas intracelulares que levam à morte da bactéria. Assim, veremos que as ferramentas celulares utilizadas pela bactéria para reduzir a presença de antimicrobianos dentro de sua célula ou impedir a interação do fármaco com suas estruturas celulares envolvem basicamente quatro mecanismos: a alteração da permeabilidade da membrana celular aos antimicrobianos; a presença de mecanismos para a expulsão (efluxo) dos antimicrobianos do meio intracelular; a alteração dos alvos moleculares intracelulares; e a alteração da molécula dos fármacos, dentro ou fora das células. Cada um desses processos será discutido a seguir e apresenta‑se ilustrado na figura: ATM ATM ATM ATM Parede bacteriana Membrana bacteriana ATM = antimicrobiano DNA bacteriano Célula bacteriana Alteração do sítio de ação Bomba de efluxo Mecanismo enzimáticoAlteração de permeabilidade Mecanismos de resistência bacteriana ATM ATM Plasmideo Genes de resistência Figura 83 – Mecanismos celulares de resistência bacteriana aos antimicrobianos Observação A identificação do mecanismo de resistência dos microrganismos aos antimicrobianos permite alteração da estratégia terapêutica medicamentosa e o desenvolvimento de novas drogas às quais os microrganismos não sejam resistentes. 5.3.1.1 Alteração de permeabilidade da membrana celular A redução da quantidade de droga no interior da célula bacteriana pode ser obtida por meio de dois mecanismos: a expulsão do fármaco por bombas de efluxo e pela alteração de seletividade da parede celular para a entrada de compostos na célula. 178 Unidade II A permeabilidade da parede celular constitui um fator essencial para que o antimicrobiano tenha o efeito desejado, seja ele bactericida, ou seja, bacteriostático. Em células de bactérias classificadas como gram‑negativas, há a presença de uma membrana interna constituída por fosfolípidos e uma membrana externa constituída por lipídeos. Por conta dessa constituição, a penetração do fármaco ocorre de forma lenta, utilizando uma espécie de filtração – a passagem pela membrana ocorre por meio das porinas, canais na membrana seletivos para a entrada de compostos hidrofílicos. Portanto, fármacos hidrofílicos dependem da passagem por essas porinas para chegar ao interior da célula. Contudo, mediante alterações nas estruturas (tamanho) das porinas e na seletividade dessas estruturas ou alterações quantitativas (número de porinas na parede celular), ocorrerá o impedimento da passagem do fármaco para o interior da célula, impossibilitando assim sua atividade antimicrobiana. 5.3.1.2 Bombas de efluxo A retirada de antimicrobianos do interior das células ocorre através de um processo mediado por proteínas encontradas na parede das células bacterianas. Essas proteínas podem ser ativadas como um processo de detoxificação celular frente à presença de compostos xenobióticos (compostos estranhos ao organismo). Desse modo, todo e qualquer fármaco encontrado no interior da célula bacteriana poderá ser reconhecido como um composto xenobiótico e será expulso da célula bacteriana. Em outras palavras, uma molécula que entrou na célula e se encontra no meio intracelular será reconhecida por essas proteínas, e o composto serátransportado para fora da célula. A esse processo damos o nome de efluxo, caracterizando assim essas estruturas proteicas na parede celular como bombas de efluxo. Apesar de as bombas de efluxo representarem um mesmo desfecho de inefetividade dos antimicrobianos, são moléculas com diferentes características estruturais e de funcionamento, sendo divididas em cinco classes de transportadores: adenosine triphosphate binding cassette (ABC), a qual atua mediante gasto de energia (hidrólise de ATP); superfamília dos facilitadores principais (MFS); efluxo de compostos tóxicos e múltiplas drogas (MATE); superfamília de divisão celular de nodulação de resistência (RND); e pequena resistência a múltiplas drogas (SMR) sendo a MFS, a MATE, a RND e a SMR proteínas que atuam mediante a troca de prótons. Lembrete Entende‑se por xenobióticos os compostos exógenos estranhos ao organismo, de modo que o organismo visa à excreção dessas moléculas. 5.3.1.3 Alteração de alvos moleculares Esse processo de resistência bacteriana pode ser adquirido por meio de mutações nos genes responsáveis pela codificação das estruturas celulares que são alvos para a ligação dos antimicrobianos. Com tais mutações, poderá ocorrer uma alteração na conformação espacial dos receptores e/ou na 179 FARMACOLOGIA sua composição química, conduzindo a uma alteração das propriedades de interação química entre o fármaco e o receptor. Ainda, poderá ocorrer um processo de anulação da produção dessa molécula que serve como alvo molecular, não havendo então receptor para a droga. As bactérias, por exemplo, podem adquirir um gene que codifica uma nova molécula, a qual pode vir a ser resistente ao antibiótico por não interagir com o fármaco, substituindo o receptor que ali deveria estar. No caso da bactéria Staphylococcus aureus (resistente ao antibiótico oxacilina) e dos microrganismos do tipo estafilococos coagulase‑negativos, a presença do gene Mec A permitiu a produção de uma Proteína de Ligação da Penicilina (PLP) mutada, a qual não interage comos β‑lactâmicos (tal como a penicilina), possibilitando assim que essa proteína continue exercendo sua função na parede celular, mantendo a célula íntegra, enquanto as PLPs geralmente são inativadas por antibimicrobianos β‑lactâmicos em organismos que não possuem essa mutação. Assim, podemos concluir que um gene transportado por plasmídeo (moléculas circulares duplas de DNA capazes de se reproduzir independentemente do DNA cromossômico) ou por transposon (genes que se inserem aleatoriamente na região regulatória ou codificante de um gene) acabam permitindo uma nova mutação que leva ao ganho ou perda de função celular. 5.3.1.4 Inativação química da molécula do antimicrobiano Algumas mutações adquiridas pelas bactérias podem codificar a síntese de proteínas com função enzimática, as quais muitas vezes estão associadas com reações químicas que levam à alteração da estrutura química de antibióticos. Uma vez alterada a estrutura de um fármaco, suas propriedades de interação molecular com o alvo na célula também serão modificadas. Por essa razão, bactérias que produzem enzimas com essa capacidade tendem a ser resistentes ao composto químico modificado por essa reação química. Como exemplo, podemos observar as bactérias produtoras de enzimas penicilinases, como as β‑lactamases, enzima responsável pela inativação de antibióticos da classe dos β‑lactâmicos. As β‑lactamases promovem uma reação de hidrólise na ligação amida do anel beta‑lactâmico, destruindo dessa forma o grupo químico farmacofórico da molécula – estrutura pela qual os antimicrobianos β‑lactâmicos interagem com as PLPs bacterianas, impedindo que elas exerçam sua função celular de estruturação da parede celular, e desempenham um efeito antibacteriano. As β‑lactamases são na verdade uma classe de enzimas diferentes, codificadas através de plasmídeos ou transposons, podem ocorrer em bactérias de forma constitutiva (já presente em seu material genético) ou induzida (por meio da aquisição de uma mutação). A resistência verificada em cepas de S. aureus à penicilina é mediada por um tipo de enzima β‑lactamase induzida, adquirida por meio de um plasmídeo. Como estratégia para a reversão dessa atividade enzimática, foram desenvolvidos β‑lactâmicos inativadores das β‑lactamases, inibindo a resposta de resistência bacteriana e reestabelecendo a atividade antibacteriana. Podemos citar como exemplo compostos como o ácido clavulânico, o sulbactam e o tazobactam, os quais usualmente são combinados com penicilinas, permitindo assim um sinergismo capaz de possibilitar a efetividade no tratamento antibacteriano em inúmeras cepas tipicamente resistentes aos antimicrobianos β‑lactâmicos. 180 Unidade II 5.3.2 Estratégias gerais para evitar e reverter o surgimento da resistência aos agentes antimicrobianos Em virtude das estatísticas atuais, em que são verificadas cerca de 700 mil mortes anuais por conta de infecções por microrganismos resistentes, bem como pelas perspectivas de agravamento desse quadro (O’NEILL, 2014). O primeiro‑ministro britânico encomendou junto ao economista Jim O’Neill uma revisão sobre os impactos econômicos e sociais da resistência bacteriana, a qual foi publicada em dezembro de 2014. Nessa revisão, foram delineadas metas de cunho político e econômico delineando estratégias para o enfrentamento desse problema. Esse documento endossado pela OMS apresenta‑se como um guia para superar essa problemática e exibe algumas estratégias para alcançar alguns objetivos, as quais envolvem dois grandes eixos, listados a seguir (O’NEILL, 2014). A redução de fatores causadores da resistência bacteriana compreende: • uma campanha massiva de conscientização pública global; • melhora de aspectos relacionados à higiene, visando evitar a propagação das infecções; • redução do uso desnecessário de antimicrobianos na agricultura e sua disseminação no meio ambiente; • melhora da vigilância global da resistência a antimicrobianos e monitoramento do consumo de antimicrobianos em humanos e animais; • promoção de melhoras nos processos de diagnóstico das infecções, agilizando‑os e reduzindo o uso desnecessário de antibióticos; • promoção do desenvolvimento e uso de vacinas e alternativas menos propensas à resistência; • melhora dos investimentos e reconhecimento de pesquisadores trabalhando com estudos sobre as doenças infecciosas; • elevação da oferta (número) de medicamentos antimicrobianos eficazes para combater infecções que se tornaram resistentes aos medicamentos já existentes; • estabelecimento de um fundo global de inovação para pesquisas básicas e sem uma finalidade comercial; • melhora de incentivos para promover o investimento em novos medicamentos antimicrobianos por parte da indústria farmacêutica e melhora dos medicamentos já existentes. 181 FARMACOLOGIA Podemos entender, então, que, enquanto profissionais de saúde, devemos ter o objetivo de promover práticas com foco em aspectos técnicos que não permitam o desenvolvimento de resistência aos agentes antimicrobianos através do uso racional e bem orientado da medicação antimicrobiana. Podemos citar políticas com foco na biossegurança dos profissionais que atuam em ambientes propensos a maior presença de microrganismos patogênicos, bem como no descarte adequado de material biológico, bem como no descarte de compostos com atividade antimicrobiana (por exemplo, antibióticos vencidos), conforme legislação vigente. Ainda, o estabelecimento de critérios mais rigorosos por parte dos profissionais prescritores na decisão do antimicrobiano mais adequado para a situação, bem como se a situação realmente demanda uma prescrição de antimicrobiano. Para isso, é necessário compreender as características farmacológicas dos agentes antimicrobianos, bem como os parâmetros farmacocinéticos e farmacodinâmicos essenciais para que seja possível uma escolha mais precisa do agente farmacológico a ser utilizado,além de observar aspectos sobre a administração do medicamento e acompanhamento dessa terapia medicamentosa, visando garantir o sucesso do tratamento. Portanto, nos tópicos a seguir, poderá ser observado quais são as características do tratamento antimicrobiano que o profissional deverá sempre verificar a fim de alcançar resultados positivos na terapia, sem promover a resistência aos agentes antimicrobianos. 5.3.3 Testes para a identificaçâo de resistência Apesar de a observação de episódios de resistência aos antimicrobianos ter sido realizada inicialmente na década de 1940, os cuidados frente à resistência vieram muitos anos depois, já que naquele momento o grande número de moléculas novas trazia boas perspectivas para revertê‑la. Contudo, embora ainda não tenhamos esgotado as possibilidades de desenvolver novos antimicrobianos, o número de novas moléculas sendo registradas é baixo, levando à necessidade de utilizarmos os agentes antimicrobianos com muito critério. Apesar de a resistência aos antimicrobianos ser amplamente discutida ao redor do mundo, em alguns países, antimicrobianos são utilizados sem prescrição médica em até dois terços das ocasiões (HOLLOWAY, 2003). Ainda que sejam prescritos, podem ser desnecessários em até 50% dos casos (WANNMACHER, 2004). Para que o processo de prescrição seja racional, visando o uso efetivo e evitando o desenvolvimento de resistência bacteriana, é necessário estabelecer um método que possa associar um diagnóstico efetivo da infecção ou do risco de infecção a ser prevenida, permitindo a escolha de antimicrobianos específicos para a ação sobre determinada cepa. Para isso, o exame conhecido como antibiograma representa uma ferramenta de grande valor para a análise e prevenção da resistência aos antimicrobianos. Os antibiogramas representam testes de sensibilidade dos microrganismos cultivados em uma placa frente aos agentes antimicrobianos aos quais serão expostos por meio de discos de difusão do fármaco 182 Unidade II na placa contendo a cultura do microrganismo. Esses testes são indicados para a análise da sensibilidade de qualquer microrganismo que possa ser responsável por um processo infeccioso e que necessite de terapia antimicrobiana. De modo geral, podemos dizer que é impossível predizer a sensibilidade de um microrganismo somente por sua identificação. Através desses testes de sensibilidade, verificamos se o organismo causador do processo infeccioso ou que possa vir a causar um processo infeccioso no futuro é capaz de apresentar resistência aos agentes antimicrobianos disponíveis. Mediante a análise do resultado (em que temos a resposta sobre a sensibilidade ou resistência do microrganismo em relação ao antimicrobiano por meio da análise de sua proliferação na placa de cultura ao redor dos discos contendo o antimicrobiano), podemos discernir qual é o agente antimicrobiano mais efetivo para o tratamento medicamentoso, evitando assim o emprego de terapias medicamentosas inefetivas e desnecessárias. A figura a seguir ilustra como é realizado o teste conhecido como antibiograma. Figura 84 – Antibiograma Em geral, após semear adequadamente o microrganismo na placa, os halos de inibição que aparecem são circulares e uniformes, havendo um padrão de crescimento similar onde houver a presença do microrganismo. Os diâmetros dos halos formados são observados a olho nu, devendo ser medidos de modo a incluir o diâmetro do disco. Os halos são mensurados pela parte de trás da placa de petri onde o microrganismo foi semeado, podendo ser realizado através de um paquímetro ou de uma régua. O halo de inibição é representado pela área sem crescimento detectável a olho nu, sendo ignorado o crescimento de pequenas colônias detectáveis somente com auxílio de microscópios ou lentes de aumento. Porém, caso haja crescimento de colônias dentro de um halo de inibição, de forma notável, mas não uniforme, devemos realizar novo teste, repetindo o procedimento com a cultura de uma única colônia, obtida da placa primária. 183 FARMACOLOGIA De modo geral, a interpretação dos resultados dos halos de inibição identificados deve possibilitar a classificação dos microrganismos como sensíveis, intermediários ou resistentes aos agentes testados. Mediante o exposto, poderá ser compreendido o quão complexo é o uso dos agentes antimicrobianos na prática clínica, tendo em vista o elevado número de critérios que regem uma prescrição efetiva e o elevado número de fatores que pode interferir na efetividade do tratamento. Após analisar esses fatores, serão observados aspectos sobre o uso dos antimicrobianos estudados sobre diferentes tipos de infecções, causadas por bactérias, fungos e parasitas. 6 TERAPIA ANTIMICROBIANA O uso adequado dos antimicrobianos envolve uma série de aspectos sobre o paciente, seu contexto social e ambiental, devendo ser realizada uma anamnese eficiente e criteriosa para que o tratamento seja eficaz e seguro. Para isso, analisaremos os principais pontos a serem considerados para o uso racional dos antimicrobianos. 6.1 Antimicrobianos para profilaxia O uso de antimicrobianos para a profilaxia (prevenção) das infecções pode ser realizado em diversos contextos, pré ou pós‑procedimento cirúrgico ou até mesmo de forma independente dos procedimentos cirúrgicos (nos contextos chamados de clínicos). Em ambientes hospitalares, porém, a maior parte do uso de agentes antimicrobianos é realizada com a finalidade profilática cirúrgica, compondo um fator de grande alerta para o uso racional de antimicrobianos e para o desenvolvimento da resistência por parte dos microrganismos. Podemos definir como profilaxia antimicrobiana cirúrgica o uso dos antimicrobianos especificamente para prevenção de infecções contraídas no sítio cirúrgico. Sempre que houver risco conhecido de infecções em um determinado ambiente ou quando as consequências de uma infecção iminente forem conhecidamente severas, representando um grau de risco elevado à vida do paciente, o uso profilático dos antimicrobianos será justificado. Podemos definir como profilaxia antimicrobiana cirúrgica o uso dos antimicrobianos especificamente para prevenção de infecções contraídas no sítio cirúrgico. Sempre que houver risco conhecido de infecções em um determinado ambiente ou quando as consequências de uma infecção iminente forem conhecidamente severas, representando um grau de risco elevado à vida do paciente, o uso profilático dos antimicrobianos será justificado. Nesse sentido, deve ser analisado o risco de contaminação durante uma cirurgia para que seja dado o veredicto sobre a indicação ou não da profilaxia antimicrobiana. Nessa análise, devemos considerar o tipo de cirurgia a ser realizada. Podemos dividi‑las em: • Cirurgias limpas: aquelas geralmente realizadas de forma eletiva, na ausência de processo infeccioso local, em tecidos estéreis ou de fácil descontaminação. Apresentam um baixo risco de infecção, geralmente não necessitando de uma terapia profilática. 184 Unidade II • Cirurgias potencialmente contaminadas: realizadas onde há presença de uma pequena microbiota colonizando o tecido, ou com a presença de pus e processo inflamatório associado, sendo em geral um local de difícil descontaminação, na maior parte dos casos, é recomendada a profilaxia antimicrobiana. • Cirurgias contaminadas: realizadas onde há presença de uma vasta microbiota colonizando o tecido, sem a presença de pus e processo inflamatório associado, sendo em geral um local de difícil descontaminação, de modo que é recomendada a profilaxia antimicrobiana. • Cirurgias infectadas: aquelas realizadas em qualquer tecido que apresente presença de pus e processo inflamatório associado, como nas feridas decorrentes de traumas que ocorreram há mais de seis horas do atendimento médico inicial, contaminadas, associadas com sujeira de qualquer tipo, ou em casos de fraturas expostas e perfurações de órgãos encontrados na cavidade peritoneal. Como
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