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FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA Prof. Éder Gimenes FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA Marília/SP 2022 “A Faculdade Católica Paulista tem por missão exercer uma ação integrada de suas atividades educacionais, visando à geração, sistematização e disseminação do conhecimento, para formar profissionais empreendedores que promovam a transformação e o desenvolvimento social, econômico e cultural da comunidade em que está inserida. Missão da Faculdade Católica Paulista Av. Cristo Rei, 305 - Banzato, CEP 17515-200 Marília - São Paulo. www.uca.edu.br Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. Todos os gráficos, tabelas e elementos são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência, sendo de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Diretor Geral | Valdir Carrenho Junior FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 5 SUMÁRIO CAPÍTULO 01 CAPÍTULO 02 CAPÍTULO 03 CAPÍTULO 04 CAPÍTULO 05 CAPÍTULO 06 CAPÍTULO 07 CAPÍTULO 08 CAPÍTULO 09 CAPÍTULO 10 CAPÍTULO 11 CAPÍTULO 12 CAPÍTULO 13 CAPÍTULO 14 CAPÍTULO 15 09 23 37 50 66 79 93 107 121 135 150 165 181 197 215 SOCIEDADE E CULTURA FILOSOFIA E ÉTICA POLÍTICA E DEMOCRACIA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E SOCIAL MULTICULTURALISMO E DEMOCRACIA NECROPOLÍTICA COMO POLÍTICA DE ESTADO DIREITOS HUMANOS SEXO, GÊNERO E SEXUALIDADE RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS IDADE E GERAÇÕES PESSOAS COM DEFICIÊNCIA DIREITOS HUMANOS, MARCADORES SOCIAIS E EDUCAÇÃO TRABALHO NA CONTEMPORANEIDADE REDES DE SOCIABILIDADE NA CONTEMPORANEIDADE MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 6 INTRODUÇÃO Olá, estudante! Seja bem-vindo(a) à sua disciplina de Formação Sociocultural e Ética! Nosso objetivo geral, ao longo deste material didático, é promover interlocuções entre temas que permeiam tanto aspectos de sua formação na graduação quanto perspectivas de sua futura atuação profissional no mercado de trabalho e também referentes à sua inserção na sociedade por meio do reconhecimento de sua condição de cidadania. Para tanto, ao longo de nossas quinze aulas você encontrará discussões que recuperam elementos de sua formação no Ensino Médio, estabelecem diálogos com temas pertinentes a outras disciplinas de sua grade curricular e/ou produzem novas inquietações, decorrentes da interpretação humanística pertinente aos assuntos que versam sobre sociedade, cultura e ética e suas interlocuções. Isto posto, este material didático pode ser dividido em dois grandes blocos de aulas. O primeiro bloco contempla as aulas um a sete e se configura como conjunto de exposições de formação mais ampla e teórica, relacionado aos conceitos importantes e norteadores das discussões. Nas duas primeiras aulas evidenciamos os termos que compõem o título desta disciplina: primeiro, abordamos os conceitos de sociedade e cultura e sua conformação histórica no campo das Ciências Sociais; em seguida, consideramos os debates da Filosofia para compreender o que é moral e o que é ética. Na sequência, as aulas três e quatro versam sobre temas que permeiam a política, por ser tal tema transversal aos debates sobre sociedade, cultura e ética. Assim, são expostas uma discussão sobre o que é política e a construção do conceito de democracia e sua prática em diferentes sociedades, seguida por uma aula específica para tratar da relevância da participação política e social em nossa sociedade, com destaque à relevância histórica na mobilização de movimentos de trabalhadores e às configurações atuais de modalidades de engajamento político e social. Como desdobramentos do debate sobre democracia e participação, nas aulas cinco e seis discorre-se acerca de dois caminhos possíveis e opostos do desenvolvimento de governos no contexto democrático: o multiculturalismo e a necropolítica, FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 7 respectivamente. Trata-se de propostas de configurações de governo que conferem distinta expressividade às demandas de grupos sociais. Por fim, a sétima aula encerra o primeiro bloco de discussões abordando os direitos humanos. Considerando que governos que adotam o multiculturalismo e necropolítica tratam os direitos humanos de modos opostos, nossa discussão recai sobre o desenvolvimento dos direitos humanos ao longo do séculos e sua relação com a temática mais ampla dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Avançando ao segundo bloco de aulas, de oito a quinze, direcionamos nosso foco mais especificamente para assuntos que, mesmo sendo parte do cotidiano da nossa sociedade, carecem de conhecimento e interpretação crítico-analítica. São aulas em que os conceitos explorados no primeiro bloco de aula são retomados conforme o conteúdo abordado, tendo em vista especialmente as diferenciações entre grupos sociais e impactos de processos sociais sobre a vida na atualidade. As aulas oito a onze tratam de grupos sociais que representam minorias em termos de acesso a direitos e oportunidades. Em cada aula, é exposta a configuração histórico-social das categorias analíticas em destaque, para depois explorar as políticas públicas existentes e sua perspectiva de reparação ou manutenção da condição de desigualdade entre os indivíduos. Tal estrutura é adotada para abordar os seguintes assuntos: sexo, gênero e sexualidade; relações étnico-raciais; idade e gerações; e pessoas com deficiência. A décima segunda aula se relaciona com as quatro anteriores por tratar da necessidade e dos caminhos relativos à educação sobre direitos humanos, suas potencialidades e estratégias passíveis de desenvolvimento no âmbito formal e não-formal. Avançando, discute-se a questão do trabalho na contemporaneidade na aula treze, em que a abordagem remete tanto à conceitualização e detalhamento do próprio termo “trabalho” quanto à maneira como sua prática tem se alterado especialmente nas últimas décadas, em que modalidades flexíveis e prejudiciais aos direitos dos trabalhadores são ampliadas e incentivadas mediante discursos elitistas. Nossa décima quarta trata da importância das redes de sociabilidade ao longo da história da humanidade e seus impactos na vida social hoje, com destaque à internet, com suas potencialidades, limites, aspectos positivos e negativos. Por fim, encerramos esta disciplina abordando uma preocupação mundial desde as últimas décadas do século passado: a questão ambiental. Foco de debates sobre direitos humanos e ações de movimentos sociais, trata-se de aspecto que permeia FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 8 múltiplos conteúdos abordados anteriormente, de modo que as seções da aula versam sobre sustentabilidade, desenvolvimento sustentável e educação ambiental. Perceba, caro(a) acadêmico(a), que percorreremos nesta disciplina Formação Sociocultural e Ética um trajeto de conteúdos que lhe permitirão compreender, sob múltiplas perspectivas, elementos e processos sociais que não raras vezes são tomados como “dados” ou “naturais”, mas que decorrem da ação humana no campo da política, do trabalho e/ou das relações sociais. Espera-se que ao fim desse trajeto você tenha novas inquietações que impliquem repensar aspectos de sua formação, de sua profissão e de sua cidadania. Boa leitura, boa reflexão, bons estudos! FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 9 CAPITULO 1 SOCIEDADE E CULTURA Caro(a) acadêmico(a), o ponto inicial para uma discussão sobre Formação Sócio- Cultural e Ética é compreender as bases que fundamentam cada um desses pilares. Nesse sentido, nesta primeira aula trataremos de aspectos de ordem sócio-cultural com o objetivo de explorarmos as noções de sociedade e cultura.Para tanto, a aula está dividida em duas seções, que exprimem diferentes momentos de interlocução Na primeira parte da aula, você conhecerá as bases teóricas das discussões científicas sobre esses temas, que constituem um campo do conhecimento denominado Ciências Sociais. Trata-se de uma exposição relevante ao seu entendimento de que os elementos sócio-culturais não operam isoladamente em um determinado conjunto de indivíduos, mas se articulam, sofrem influências e impactam diferentes nuances da vida social. https://www.istockphoto.com/es/foto/a%C3%A9rea-la-gente-se-api%C3%B1a-en-el-paso-de-peatones-fondo-de-vista-superior-imagen-gm1180279584-330604037 https://www.istockphoto.com/es/foto/a%C3%A9rea-la-gente-se-api%C3%B1a-en-el-paso-de-peatones-fondo-de-vista-superior-imagen-gm1180279584-330604037 FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 10 Já na segunda seção desta aula, trataremos sobre a relação entre sociedade e cultura e abordaremos a necessidade de nos colocarmos, enquanto seres sociais, na condição de questionar determinados aspectos da vida cotidiana que nos parecem naturais, mas são, em verdade, resultado de interações sociais e dos padrões culturais estabelecidos. Assim, ao fim desta primeira aula tem-se a expectativa de que você sinta-se provocado(a) a observar, analisar e ressignificar certos elementos de sua vida cotidiana e a maneira como lida como aspectos de ambientes sociais múltiplos nos quais circula – desde sua família e relações pessoais mais próximas até o modo como pensa sua formação e se coloca em seu ambiente de trabalho ou organizações e grupos com os quais se se relaciona de algum modo. 1.1 As Ciências Sociais como campo de conhecimento A preocupação com a interpretação das relações sociais permeia a humanidade desde os primórdios da sistematização do conhecimento e se constitui como um aspecto relevante às diferentes áreas de atuação e de formação profissional. Os primeiros registros de sistematização de análises e produção de modelos teóricos acerca do funcionamento das sociedades remetem à Filosofia – sobre o que trataremos em nossa próxima aula – e são de grande relevância histórica, porém o desenvolvimento mais aprofundado sobre questões sociais e suas implicações práticas e diretas no cotidiano dos conjuntos de indivíduos remontam às Ciências Sociais, que se estabeleceram a poucos séculos como campo reconhecido do conhecimento científico. De modo geral, as Ciências Sociais constituem uma grande área do saber com a qual a maioria das pessoas que estudaram o Ensino Médio tiveram algum contato direto, já que a matriz curricular considera a disciplina de Sociologia, mas também há autores e análises que permeiam conteúdos de disciplinas como História, Geografia, Filosofia e Artes, uma vez que se trata de uma área que tem nos indivíduos, suas instituições e relações sociais o foco de sua atenção. Até meados do milênio passado, o conhecimento mais reconhecido decorria da Filosofia e das Ciências Exatas e Naturais, de modo que, portanto, havia uma cisão entre a maneira como se pensava abstratamente e conceitualmente o ser humano e sua vida social, por um lado, e as implicações científicas de análises, testes e observações FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 11 práticas como subsídios ao desenvolvimento de teorias e modelos para outros campos do conhecimento, por outro lado. Conforme explicam Sell (2010) e Castro e O’Donnell (2018), o primeiro pensador que pode ser considerado como clássico das Ciências Sociais, ainda que de maneira a anteceder os principais autores, é Auguste Comte, cujo destaque se deve ao fato de que, estudioso, identificou aspectos do método de análise e investigação das Ciências Naturais e buscou transpor esse modo de pensar ao olhar para as sociedades. No primeiro momento, o constructo analítico de Comte foi conhecido como Física Social e se concentrou sobre fenômenos sociais para identificar regularidades que permitissem a compreensão do desenvolvimento da vida em coletividade. Para Comte (1989), o estabelecimento do conhecimento da Física Social passaria pela compreensão de que o desenvolvimento humano e de suas relações e instituições ocorreria em três distintos estágios, quais sejam: teológico, de abstração e positivo. No estágio teológico, os fenômenos naturais só seriam compreendidos com a crença de um elemento divino, sendo que nosso conhecimento sobre a vida seria superficial e a verdadeira compreensão da vida estaria além de nossa capacidade humana. O estágio de abstração, seria marcado pela preocupação com a compreensão de fenômenos físicos a partir da observação, o que permitiria a comprovação de fenômenos sociais aos moldes das Ciências Naturais, sendo que o corpo social (sociedade como um todo) deveria ser regulado pelo Estado. Por fim, no estágio positivo, a compreensão de fenômenos sociais passaria pela observação e pela comprovação científica, sendo que descobertas seriam consideradas científicas conforme sua aplicabilidade. Ainda que precursora da preocupação em tomar as sociedades como objetos passíveis de investigação, a Física Social teve como limite a transposição de teorias e modelos das Ciências Naturais, de modo que grandes eventos que promoveram alterações expressivas na vida em sociedade especialmente entre os séculos XVII e XVIII demonstraram que era necessário superar tal transposição em favor da criação de formas próprias e específicas de analisar as relações sociais. Assim, o contexto histórico do surgimento das Ciências Sociais remete às duas grandes revoluções que alteraram de maneira expressiva a organização da vida em sociedade, cujos reflexos ressoam até a contemporaneidade: a Revolução Industrial (1780-1860) e a Revolução Francesa (1789-1799). Desde o período das grandes navegações e a expansão das colonizações, entre os séculos XV e XVI, as sociedades europeias sofriam mudanças constantes, como o FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 12 crescimento do poder econômico de alguns Estados nacionais, a alteração das relações pautadas pelo mercantilismo para o liberalismo e a migração parte da população trabalhadora rural para as áreas urbanas em busca de oportunidades. Nesse sentido, Thompson (1978) afirma que foi um contexto que combinou acúmulo de capital, arrendamento de terras e atividade artesanal. Iniciada no fim do século XVII, a Revolução Industrial se configurou como um grande processo de transformações econômicas e sociais desencadeadas na Inglaterra e com efeitos se expandiram aos demais Estados nacionais europeus e depois a outros continentes. Para Paiva e Cunha (2008), durante a Revolução Industrial e ainda por muitas décadas depois, a Inglaterra foi a maior potência econômica do mundo. https://www.istockphoto.com/es/vector/f%C3%A1brica-para-la-galjanoplastia-de-plata-gm1059738176-283268474 De modo sintético, a Revolução Industrial promoveu uma radical alteração do modo de produção existente à época, que passou de artesanal para industrial, baseado na utilização de máquinas em detrimento do trabalho manual. Isso ocasionou, dentre outros efeitos, a elevação do êxodo rural, o estabelecimento da divisão social do trabalho e sua especialização, bem como impactos em ordens diversas da vida social, como o meio ambiente, as relações trabalhistas e até as relações familiares. Conforme afirmam Marx e Engels (1984), o descontentamento dos trabalhadores que esperavam por alguma oportunidade de condições dignas de vida e até mesmo https://www.istockphoto.com/es/vector/f%C3%A1brica-para-la-galjanoplastia-de-plata-gm1059738176-283268474 FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 13 de mobilidade social somou-se às condições exploratórias de trabalho, à incorporação de mulheres e até de crianças nas atividades nas fábricas e na perspectivade trabalho particionado ao extremo, a ponto de cada trabalhador perder a noção daquilo que era produzido a partir de seu trabalho diante da especialização das atividades. Ademais, foi o período de exponencial crescimento da riqueza da burguesia em detrimento das condições mínimas de sobrevivência aos trabalhadores, relegados a moradias sem estrutura e distantes dos centros das cidades, sujeitos a todo tipo de poluição decorrente da produção fabril, como fuligens no ar, ruídos e água contaminada, por exemplo. Assim, a Revolução Industrial é uma das bases ao desenvolvimento do pensamento nas Ciências Sociais porque a necessidade de refletir sobre as mudanças sociais naquele contexto estavam além de modelos “importados” das Ciências Naturais e careciam de considerações sobre múltiplos interesses, atores e relações de poder. Contudo, as mudanças ocorridas no período não se manifestaram apenas pautadas pela perspectiva econômica, ainda que, em alguma medida, a segunda revolução destacada tenha sua relação com a Revolução Industrial. Trata-se da Revolução Francesa, que concentrou, no fim do século XVIII, um conjunto de perspectivas que convergiam à formulação de um pensamento social um tanto quanto distinto daquele que imperava na Europa até então. De modo geral, a Revolução Francesa foi resultado da combinação entre contestação da metafísica e das explicações da Igreja Católica como fundamentos dos fenômenos sociais, o que culminou no fortalecimento do conhecimento filosófico e científico e do destaque a pensadores que ficaram conhecidos como iluministas, os quais argumentavam que a vida em sociedade decorreria de aspectos socialmente construídos, sendo que as instituições postas estariam a serviço de elites políticas, econômicas e religiosas e, portanto, deveriam ser combatidas em favor do estabelecimento de igualdade e liberdade entre os indivíduos. ANOTE ISSO O filme “Tempos modernos”, de Charles Chaplin, foi lançado na década de 1930, ainda com cinema mudo e em preto e branco, e se tornou ao retratar a vida em sociedade baseada na produção capitalista, em que o trabalhador desenvolve atividades especializadas por conta da divisão social do trabalho. Trata-se de uma crítica aos efeitos da Revolução Industrial, que explora conceitos como Estado, modernidade, alienação e luta de classses. Fonte: O autor. FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 14 A Revolução Francesa, cabe destacar, foi um marco da tomada do poder pela burguesia em contraposição à maneira como os Estados nacionais e a Igreja Católica determinavam a vida social, de modo que seu ideário amplamente disseminado até os dias atuais de “igualdade, liberdade e fraternidade” colocou-se sob a perspectiva de questionar as relações de poder concentradas em elites feudais rurais, elites políticas e econômicas nos centros urbanos e as elites religiosas á época. Como a Revolução Francesa buscou se afastar do pensamento teológico no sentido de estimular o desenvolvimento da racionalidade entre os indivíduos, seu ideário contestou a ordem da sociedade francesa e teve reflexos sobre muitos países europeus e, depois, para além daquele continente, sendo que um dos principais meios pelo qual as ideias se espalharam foi a Enciclopédia, publicação que reuniu uma sistematização de verbetes com explicações de termos, fatos e aspectos históricos e sociais, a fim de disseminar entre a população o conhecimento sobre esses fenômenos e processos sociais. Nesse sentido, essa base do Iluminismo e também da Revolução Francesa conforma a perspectiva das Ciências Sociais de questionar a naturalização de processos, fenômenos, interpretações e costumes sociais como dados, ou seja, como inerentes à vida humana, pelo fato de que se trata de elementos forjados ou moldados ao longo do tempo pelos detentores de poder de diferentes ordens – como político, econômico e religioso, por exemplo e como mencionado anteriormente – com a finalidade de parametrizar como os comportamentos dos indivíduos e o funcionamento das instituições devem ocorrer. Assim, o surgimento das Ciências Sociais esteve atrelado a duas grandes e importantes revoluções que, emergidas em distintos Estados nacionais e com finalidades também diferentes, possibilitaram reflexões e questionamentos sobre problemas sociais latentes na ordem vigente entre os séculos XVII e XVIII. Nesse sentido, Castro e O’Donnell (2018) destacam que a preocupação com o desvelamento dos determinantes das relações sociais continua sendo um foco das Ciências Sociais, cuja preocupação persiste em promover estranhamento diante da naturalização de processos e ações sociais que são socialmente constituídos, o que Wright Mills (1969) denominou imaginação sociológica. Diante desse contexto, cabe destacar que o reconhecimento das Ciências Sociais como campo de conhecimento científico iniciou-se pela Sociologia, que é uma das três áreas que compõem as Ciências Sociais, o que trataremos na próxima seção desta aula. FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 15 Por sua preocupação com o estudo sobre processos, fenômenos e relações sociais, basicamente as Ciências Sociais tem como finalidade compreender as condições de desenvolvimento das sociedades em perspectiva histórica e contemporânea, a fim de analisar os impactos de fatores de múltiplas ordens sobre a vida social. Autores como Lakatos (1995), Giddens e Turner (1999) e Dias (2014) ensinam que para entendermos, caro(a) acadêmico(a) o que são as Ciências Sociais é preciso realizarmos o exercício de analisar os termos em separado – como estamos tratando nesta disciplina, onde a questão social e cultural é tratada na primeira aula e a ética será abordada na segunda aula. Assim, cabe-nos analisar os termos “Ciências” e “Sociais”. Vamos lá? Primeiramente, a noção de ciência diz respeito àquilo que decorre de um tipo específico de conhecimento, fundamentado teoricamente e com o qual você tem contato ao longo de toda a sua escolarização, mas principalmente e de modo mais aprofundado ao ingressar no Ensino Superior. Basicamente, quando se trata de ciência está sendo considerado o conhecimento produzido ao longo do tempo sobre um determinado objeto ou tema, sendo, então, o conhecimento científico cumulativo, ou seja, deve-se tomar como premissa que aquilo que foi cientificamente produzido anteriormente sobre o que estudamos é relevante para compreendermos nosso objeto ou temática. E por que é importante assumir a premissa de que o conhecimento produzido anteriormente está sistematizado de modo cumulativo? Como estudante, você já se perguntou sobre as razões pelas quais precisou ler textos clássicos ou mesmo artigos de revisão bibliográfica, também chamados quadros teóricos ou revisões de literatura? A perspectiva do conhecimento científico é de que não precisamos iniciar uma pesquisa “do zero” para entendermos sobre algo. Se outros pensadores, pesquisadores, autores já se debruçaram a investigar e sistematizar considerações e resultados sobre o que estamos analisando e tornaram públicos, então é pertinente a leitura crítica daquilo que está divulgado, o que lhe permite otimizar seu tempo dedicado à leitura sem que isso implique em aceitar tacitamente tudo o que está posto, já que outra característica do pensamento científico é verificação de recorrência daquilo que está escrito ou descrito. Em outras palavras, o conhecimento científico é falível, ou seja, é coerente pensarmos que aquilo que sabemos sobre algo não é a totalidade, mas apenas o que foi descoberto FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 16 até o momento, de modo que cabem investigações que permitam a descoberta de outros aspectos e até mesmo venham a contestar o que era conhecido anteriormente. Já o termo “Sociais” remete à sociedade, que os referidos autores tratam como o grande corpo coletivoe em constante movimento do qual fazemos parte. Aqui cabe ressaltar que, portanto, cada um de nós – independente de professor ou acadêmico(a) e de qual a sua área ou curso de formação – está inserido(a) na sociedade sob diferentes perspectivas, pois há inúmeros modos de organização, articulação ação nos âmbitos cultural, ambiental, religioso, jurídico, político e tecnológico, por exemplo. Assim, trata-se de um termo que remete a um objeto dinâmico e que se altera cotidianamente, como ressalta Dias (2014) ao destacar que uma característica recorrente nas organizações humanas é a ausência de monotonia da vida em sociedade, pensada em termos de alterações de costumes, valores, institucionalidades e percepções sobre temas diversos. Tomados em conjunto, os termos que conformam o campo do conhecimento das Ciências Sociais, portanto, implicam no ramo do conhecimento que tem por objetivo a identificação de regularidades na vida em sociedade, sendo que as alterações decorrentes de relações, processos e fenômenos sociais são analisadas a partir de sua recorrência e caracterização, a fim de identificar-se o que há de perene e de distinto em cada alteração. Para tanto, há três diferentes áreas nas Ciências Sociais e também elementos a serem considerados para a conformação do olhar crítico-analítico, sobre o que tratamos na próxima seção desta aula. 1.2 A relação entre sociedade e cultura Para compreendermos as relações entre sociedade e cultura e, consequentemente, a conformação do termo sócio-cultural, iniciamos esta seção abordando brevemente as três áreas que conformam as Ciências Sociais, dada a sua relevância à definição de cultura e ao conceito central desta aula: a noção de alteridade. FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 17 https://www.istockphoto.com/es/vector/gente-hablando-pensando-concepto-gm683743480-125618875 Como abordado na seção anterior desta aula, as Ciências Sociais emergiram no contexto de duas grandes Revoluções, Industrial e Francesa, em um período em que diferentes setores da sociedade questionavam a ordem estabelecida, como os trabalhadores na Inglaterra e os pensadores e a burguesia na França. Nesse sentido, Collins (2009) discorre que aspectos que tangenciavam temas como capitalismo, antropocentrismo e mudanças culturais se destacaram, de modo que as Ciências Sociais se fortaleceram sob distintas bases teórico-analíticas: Sociologia, Antropologia e Ciência Política. A Sociologia surgiu baseada nos estudos de Comte, anteriormente mencionado, e foi a primeira área a se estruturar dentro das Ciências Sociais, tendo como foco analítico os arranjos sociais, suas transformações e implicações tendo como foco o estudo do homem atuando em sociedade, de maneira ativa e/ou passiva. Por sua vez, a Antropologia se consolidou apenas entre os séculos XVIII e XIX, mas os primeiros estudos que depois viriam a ser atribuídos à área datam do século https://www.istockphoto.com/es/vector/gente-hablando-pensando-concepto-gm683743480-125618875 FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 18 XVI e remetem ao período das grandes navegações e explorações de povos, locais, e costumes diferentes daqueles dos europeus. Assim, tendo como ponto de partida a contraposição de “eu” e o “outro” dos europeus colonizadores e tidos como civilizados diante dos povos nativos que “descobriram” em suas navegações, a Antropologia estuda a cultura, entendida como o conjunto de elementos sociais que conformam o modo de vida de um povo, ou seja, os elementos cotidianos que conformam as relações entre as pessoas em determinado espaço. Retomaremos a noção de cultura na sequência desta seção, mas antes cabe mencionarmos a terceira área das Ciências Sociais, cujo desenvolvimento é mais recente, ainda que haja obras anteriormente classificadas no âmbito da Filosofia Política que também se enquadrem na Ciência Política. De maneira quase intuitiva por conta de seu nome, esta área trata dos estudos e discussões que remetem ao campo da política e aos seus desdobramentos, como relações de poder, estruturas e instituições políticas, a participação social e os direitos sociais. Ao longo desta disciplina, você perceberá que essas três áreas estão intimamente relacionadas e que tal divisão serve muito mais à produção de pesquisas do que ao contexto social de modo amplo. Em outras palavras, os arranjos sociais, os costumes e questões políticas se interpenetram cotidianamente da vida dos indivíduos. Contudo, nesta seção, por estarmos promovendo uma discussão sobre sociedade e cultura, focamos na Antropologia. É comum associarmos a palavra cultura com práticas artísticas, como música, teatro, poesia e dança, por exemplo. Contudo, esses aspectos são algumas representações culturais de um povo, grupo ou sociedade, mas a cultura diz respeito a um conjunto mais amplo de elementos, os quais são foco de estudos da área da Antropologia. Para Rifiotis (2012), os estudos antropológicos analisam como grupos, coletividades, povos e sociedade se organizam, atuam, interpretam e desenvolvem suas relações internas e com o mundo. Para o autor, trata-se de um conjunto de aspectos por vezes contraditórios e que colocam em xeque o caráter científico de identificação de regularidades, tendo em vista que a cultura é, ao mesmo tempo nesse contexto atual de globalização, composta por alguns elementos que perduram ao longo do tempo (até mesmo séculos) e por outros que são metamorfoseados constantemente diante da velocidade de circulação de informações, referências e práticas pela internet. Nesse sentido, à Antropologia cabe buscar compreender tanto as regularidades da cultura de sociedades quanto suas dinâmicas e especificidades, uma vez que – FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 19 diferentemente da Sociologia e da Ciência Política, cujos objetos muitas vezes são encontrados em condições semelhantes entre grupos distintos e até países, como a exploração nas relações de trabalho ou a relação entre partidos políticos e eleições – entre distintos agrupamentos de indivíduos há diferenças que não permitem comparação simplista, como ao considerarmos, no caso brasileiro, aspectos como as macrorregiões do país, perfis etários de jovens e idosos ou ainda minorias em termos de direitos com relação àqueles que gozam de privilégios, como mulheres, negros, a população LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, intersexuais e outros) e pessoas com deficiência, por exemplo. Assim, Rifiotis (2012) ensina que a perspectiva antropológica de interpretação da cultura de uma sociedade é perpassada pelo olhar reflexivo e crítico, de modo a buscar conhecer e compreender os fenômenos sociais desde sua origem até o sentido que têm para quem os pratica. É nesse contexto que se coloca relevante nos atentarmos para a armadilha da naturalização! Conforme exposto anteriormente, você acadêmico(a) já deve ter vivenciado situações de naturalização de costumes em muitos momentos da sua vida. Procure responder mentalmente e rapidamente a essas perguntas apenas com “sim” ou “não”: Quando recebe uma instrução sobre algo a fazer, você pergunta quem definiu aquela atividade e quais critérios utilizou? Diante de uma situação em que pessoas utilizam frases ou expressões que exprimem algum pré-conceito contra outro – como “mulher não sabe dirigir”, “homem não chora”, “se tivesse apanhado na infância não seria assim” ou “tinha que ser…” – você se questiona ou questiona quem profere a frase ou expressão sobre o conteúdo do que está reproduzindo? É comum que ao longo do seu dia você pense ao menos uma vez algo do tipo “e se eu buscar conhecer mais sobre esse assunto antes de emitir uma opinião” ou “que estereótipo vazio de conteúdo, preciso tomar cuidado pra não reproduzí-lo”? Caso você tenha respondido afirmativamente a ao menos uma das perguntas acima, está,em alguma medida, questionando a naturalização de aspectos tomados como “normais” ou “naturais” no nosso dia-a-dia. Caso tenha respondido “não” para todas as perguntas, tome essa discussão como oportunidade em seu processo de formação profissional para também conformar-se como cidadão, mas não se culpe por não ter refletido desta maneira até aqui, afinal estamos sempre em construção! Todo ato, rito, frase ou costume que, quando questionados sobre a justificativa ou a origem, respondemos apenas que é “normal” ou entendemos que é óbvio e por isso não FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 20 cabe questionamento é algo que foi naturalizado, ou seja, tomado como natural, como intrínseco ou como parte de determinado indivíduo ou de uma sociedade. Contudo, não se trata de aspectos biológicos, então não são naturais, mas socialmente construídos. Aqui cabe um ponto de atenção: aquilo que tomamos como “normal” ou natural não é essencialmente bom ou ruim, a princípio se trata apenas de algo que não foi refletido antes de sua execução, seja um pensamento, uma verbalização ou uma atitude. De fato, em todas as sociedades humanas encontramos uma série de modos de agir e pensar que podem ser chamados de padrões de comportamento normativo, que são não-racionais, não utilitários, mas que desempenham um papel crucial na estruturação da vida social. Tais padrões são por um lado expressivos, ou seja, eles mostram algo de nós para os outros, mas também são instrumentais porque é através deles que criamos e mantemos as nossas relações sociais e o modo próprio de existir da nossa sociedade (RIFIOTIS, 2012, p. 22-23). Esses comportamentos, valores, tradições e costumes que conformam nosso modo de agir de maneira não necessariamente racional ou explícita constituem a dimensão simbólica de nossas sociedades e fazem do homem um ser cultural. Essa dimensão simbólica diz respeito ao conjunto de objetos, atos, conceitos ou formas de linguagem que assumem distintos significados para grupos sociais diferentes e, em cada um, remetem a sentimentos, imagens ou percepções distintas (COHEN, 1978). Nesse sentido, o olhar para os símbolos que definem uma cultura tende a seguir a perspectiva etnocêntrica, ou seja, de analisar aquilo que é produzido e valorizado pelo outro – que é um diferente de você por qualquer característica, como sexo, gênero, faixa etária, etnia, local de residência, nível de escolaridade, condição financeira, profissão etc. - a partir de um julgamento pautado pelos valores e símbolos de quem analisa. Em outras palavras, significa julgar o outro baseado naquilo que conheço, entendo e considero correto, adequado ou “normal”. Rifiotis (2012) alerta que é difícil a compreensão da dimensão simbólica de uma sociedade sem o conhecimento teórico e metodológico que permita refletir sobre a possível importância e utilidade desses símbolos àquele grupo e aos seus modos de pensar e de agir. Isso significa que o julgamento da cultura e dos costumes e símbolos deve ser precedido de conhecimento sobre como aqueles indivíduos vivenciam e interpretam aquilo que está sob análise (GEERTZ, 1997). Imaginando que este material didático está sendo lido simultaneamente por muitos acadêmicos(as), na condição de professor surge uma inquietação: Quantos de vocês FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 21 devem estar se questionando “E como desenvolver essa postura?”. O primeiro passo para isso é compreender que se trata de um processo constante ou contínuo, ou seja, que deve nos acompanhar ao longo da vida, pois as sociedades mudam e os padrões daquilo que é óbvio ou natural também. Em segundo lugar, podemos considerar os preceitos metodológicos da Antropologia para iniciar nossa reflexão, uma vez que tal área baseia-se em três princípios para romper com a naturalização decorrente do etnocentrismo, conforme preceituam Queiroz e Sobreira (2016). I) Estranhamento: parte da atitude de quebrar o monopólio na consciência do que está à frente ou voltar em termos de evento cultural ou social é evidente por si só. Pelo contrário em lugar do “é assim mesmo”, um estado de estranhamento contínuo para examinar e apreender o que se colocar à frente são apenas pontas do iceberg que o senso comum teima a conceber como o iceberg inteiro. É pelo exercício do distanciamento que efetivamente sai da “sala do evidente”, tendo como chave a pergunta epistemológica: por que os eventos que existem são assim? Tem outros modos deles existirem? Quais deles proporcionam maior grau de integração sociocultural? Qual a função ele desempenha para a sociedade aonde a realiza? II) Desnaturalização do social: significa colocar um estado de pensamento em relação ao que existe como expressão de ou da cultural de um indivíduo, tanto quanto do próprio grupo social, não é inato ou dado, mas é uma produção por um conjunto de indivíduos socializados. Por isso, pode ser investigado o momento que eles elaboraram e organizaram-se para efetivá-la, bem como as razões para produzi-la. III) Unidade plural do homem: implicar em entender que não há uma unidade centrada numa essência única, sequer biológica a determinar uma modalidade linear de comportamento para o homem, mas que os modos de se comportar, de agir são espécie de programas que as culturas e regras sociais convencionaram de diferentes maneiras a confeccionar. Fonte: Queiroz e Sobreira (2016, p. 34). Esses princípios demonstram a pertinência de considerarmos o estranhamento ao naturalizado, de expressiva relevância na conformação cidadã, de modo que cabe, então expor a você, profissional em formação, o conceito de alteridade, que se contrapõe ao etnocentrismo. Conforme diversos antropólogos (LAPLANTINE, 2003; RIFIOTIS, 2012; FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 22 RECHENBERG, 2013; QUEIROZ; SOBREIRA, 2016), trata-se da diferenciação entre o “eu” e o “outro” nas relações sem o julgamento prévio de inferioridade do segundo. O conceito de alteridade se refere a reconhecer o outro e respeitar as diferenças, ou seja, é mais do que analisar o outro, mas conferir-lhe a dimensão de humanidade que temos para nós mesmos, seja pensando em indivíduos isoladamente ou em grupos sociais de modo amplo. Rifiotis (2012, p. 26) assevera que se trata de tomar consciência da diferença entre o que eu penso e o que pensa o outro, sem hierarquização entre esses elementos. Continua o autor, afirmando que a experiência da alteridade, que aparentemente é simples, revela-se complicada na prática, porque somos condicionados ao longo da vida a estabelecer pré-julgamentos. Isto posto, em sua futura atuação, é importante lembrar-se de, antes de avaliar aqueles com quem terá contato, buscar compreender seu interlocutor e sua perspectiva. Essa noção de alteridade – e seu contrário, o etnocentrismo – é basilar para as discussões desta disciplina, pois tratar sobre a formação sócio-cultural e ética de indivíduos, como profissionais e como cidadãos, parte de premissas relacionadas a fenômenos sociais e marcadores sociais múltiplos, sobre os quais trataremos nas próximas aulas. FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 23 CAPÍTULO 2 FILOSOFIA E ÉTICA Caro(a) acadêmico(a), em nossa primeira aula abordamos a relação entre sociedade e cultura que é parte do título desta disciplina, de modo que neste segundo momento focamos nossa atenção sobre a questão da ética. Para tanto, assim como partimos anteriormente do campo do conhecimento das Ciências Sociais para compreender o modo de interpretação e a maneira como aspectos sócio-culturais se revelam relevantes na formação profissional e cidadã, nesta aula expomos inicialmente a Filosofia como base teórico-conceitual em que se fundamenta a noção de ética. Esse é o tema da primeira seção desta aula. https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/acropolis-athens-greece-parthenon-temple-during-753910417Na sequência, avançamos ao debate sobre moral e ética, muitas vezes tratadas como semelhantes pelo senso comum, mas que guardam diferenças e relações entre si, sobre o que trataremos de modo detalhado. Ademais, tendo em vista a preocupação com a perspectiva de significação deste conteúdo em sua vivência, avançaremos no sentido de apresentar a importância de considerar aspectos éticos em sua futura atuação profissional. https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/acropolis-athens-greece-parthenon-temple-during-753910417 FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 24 1.1 Filosofia e pensamento filosófico A Filosofia é uma forma de conhecimento distinta das Ciências Sociais e, portanto – apesar de muitas pessoas confundirem ou pensarem se tratar de muito semelhantes – parte de pressupostos diferentes que precisam ser considerados para entendermos as bases do pensamento filosófico e suas implicações na maneira como a Filosofia impacta a vida dos indivíduos. Há em comum, entre Filosofia e Ciências Sociais, o olhar lançado sobre os homens e as sociedades, mas a maneira como esse olhar se coloca nas análises diverge por se tratarem de duas formas diferentes de conhecimento. Em algum momento de sua trajetória de estudos, você deve ter sido apresentado(a) aos quatro tipos de conhecimento existentes: popular, teológico, científico e filosófico. De modo geral, o conhecimento popular ou de senso comum é aquele decorrente de tradições, crendices, que vem das experiências vivenciadas e transmitidas, sem uma fundamentação que necessariamente explique seu “porquê”. Nesse sentido, baseia-se em argumentos como “faça porque é bom”, “isso resolve” ou “não pergunte, sempre foi assim, apenas siga” e é permeado tanto por aspectos verdadeiros – que a ciência, por outros caminhos, é capaz de confirmar – quanto por falácias. Fato é que conformam as sociedades e majoritariamente são tomados como verdades absolutas por quem acredita e podem ter implicações sérias sobre a realidade social, como em situações em que ouvimos, por exemplo, que só prospera no trabalho quem bajula o patrão ou sabota os colegas ou que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, por um lado, mas também com relação a situações como o cuidado em não entrar no mar ou piscina algum tempo depois de realizar grandes refeições ou atenção com relação à ingestão de bebidas ou alimentos quentes e frios em sequência. Assim, Santos (2002) destaca que é um tipo de conhecimento com o qual precisamos saber lidar e “filtrar” o que absorvemos, com perspectiva crítico-analítica. O conhecimento teológico advém da religião e é dogmático, ou seja, caracterizado por uma verdade inquestionável e que deve apenas ser aceita. Trata-se de um conhecimento diferente dos demais porque não pode ser construído socialmente, mas é revelado por meio de uma tradição escrita no caso de religiões cristãs, ou pela autoridade pessoal que faz uso da tradição oral, no caso de indígenas, por exemplo (LAKATOS; MARCONI, 2011). É o tipo de conhecimento cujo conteúdo remete a noções de sacralidade, do que FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 25 é bom e de verdade postas em contexto de respeito à hierarquia, já que não permite questionamentos, deve-se apenas aceitar e seguir o que se ensina. O conhecimento científico foi mencionado na aula anterior e diz respeito àquele baseado em atividades como observação, busca por identificação de regularidades e padrões e testagens que permitem conferir caráter de verdadeiro ou falso para possíveis explicações a partir de experimentações com utilização de métodos e técnicas para coleta, sistematização, interpretação e análise de dados e informações. Assim, é um tipo de conhecimento baseado em fatos, construído socialmente de modo cumulativo, verificável e falível, que pode ser alterado, superado ou mesmo negado (ARANHA; MARTINS, 2012). Por fim, chegamos ao pensamento filosófico, tema desta primeira seção da segunda aula e sobre o qual cabe aprofundarmos a discussão. Nesse sentido, inicialmente cabe-nos definir o que é a Filosofia para compreendermos porque se trata de uma forma de conhecimento distinta das demais, especialmente do científico. De modo geral, quando pensamos em Filosofia nos vêm à mente os filósofos gregos de milênios atrás e pensamentos abstratos, conceituais, teóricos e que nada parecem ter a acrescentar na maneira como vivemos hoje, certo? Se você pensou algo semelhante a isso quando se deparou com esta disciplina ou no início da leitura desta aula, saiba que não está sozinho(a), pois é como boa parte das pessoas pensa a Filosofia. Contudo, nesta seção o nosso objetivo é romper com essa percepção – que remete ao conhecimento de senso comum – por meio da explanação sobre o tema. Vamos lá? O termo Filosofia é composto por duas palavras de origem grega, philo e sophia, sendo que a primeira significa amizade, amor fraterno e respeito pelos iguais e a segunda remete à sabedoria (ABBAGNANO, 1982). Assim, Filosofia significa, de maneira simples, o amor ou respeito pela sabedoria, ou seja, um modo de considerar a busca pelo saber como positiva. Marilena Chauí (2015, p. 19), uma das mais reconhecidas filósofas brasileiras, explica que “[…] filósofo é o que ama a sabedoria, tem amizade pelo saber, deseja saber. Assim, Filosofia indica um estado de espírito, o da pessoa que ama, isto é, deseja o conhecimento, o estima, o procura e o respeita”. Diante dessa conceitualização sobre a Filosofia, acredito que você tenha percebido que, em sua jornada de formação profissional nesta graduação, está em contato direto com a prática da filosofia. Isso porque, diferentemente da maneira como as pessoas geralmente pensam a Filosofia como uma disciplina, trata-se de um modo de se colocar diante do mundo, com maior ou menos preocupação em compreendê-lo. Se FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 26 no conhecimento popular é recorrente que alguém diga que “fulano está filosofando” quando o outro divaga ou fala sem parar, em sentido verdadeiro esse “filosofar” diz respeito à busca por conhecimento. Um ponto de atenção a ser considerado, contudo, é que não é qualquer tipo de pensamento que caracteriza esse “filosofar”, mas somente aquele baseado em um conhecimento racional e verdadeiro, ou seja, decorrente de reflexão crítica e analítica e não enviesado ou tendencioso, e que seja pautado por valores morais, éticos, políticos e culturais, capaz de lidar com as práticas sociais de maneira teórica. Para Chauí (2015, p. 15), a definição de Filosofia, em sentido prático, incorpora quatro diferentes aspectos, quais sejam: “(1) visão de mundo de um povo, de uma civilização ou de uma cultura; (2) sabedoria de vida, (3) esforço racional para conceber o Universo como uma totalidade ordenada e dotada de sentido e (4) fundamentação teórica e crítica dos conhecimentos e das práticas”. Assim, perceba que falar em Filosofia diz respeito tanto a aspectos amplos e gerais quanto às especificidades que podem limitar-se a uma comunidade ou grupo de pessoas. Em sentido prático, a Filosofia se coloca em diversas situações do cotidiano, de modo que considerar esse conteúdo em sua formação profissional – e também, em alguma medida, cidadã – é relevante porque existem questões filosóficas e situações em que, mesmo sem perceber, podemos nos valer do conhecimento para definir como agimos, como exemplificam autores como Freire (2011), Aranha e Martins (2013) e Chauí (2015) ao mencionarem casos como, por exemplo: a busca pelo sentido de suas ações em sociedade e de seu pensamento em geral; desenvolver o respeito por si e pelo outro em suas múltiplas formas, como gestos, palavras, atitudes e pensamentos; não apenas aprender, mas também disseminar e incentivar outros à busca por conhecimento; a reflexão diante de situações como a escolha de um candidatonas eleições, o aceite de uma oferta para um novo emprego ou o que espera de sua vida nos próximos anos (casar ou não, ter filhos ou não, especializar-se ou não, acumular dinheiro ou não etc.); e compreender o outro como diferente e respeitar essas diferenças sem partir de julgamentos que se baseiam no seu lugar, ou seja, a alteridade. Diante do que foi exposto até aqui, caro(a) acadêmico(a), a Filosofia apresenta a possibilidade de “dividir” o mesmo objeto analítico das Ciências Sociais, uma vez que também pode direcionar seu conhecimento à compreensão de aspectos da vida em sociedade, desde aqueles mais comuns, corriqueiros ou cotidianos – como a obrigatoriedade do comparecimento eleitoral (ato de votar) no Brasil – até especificidades FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 27 ou detalhes que conformam uma sociedade que é múltipla nesse país de dimensões continentais e com costumes, valores e cultura tão variados – em termos de dialetos, religiões, práticas regionais, culinária e tantos outros aspectos. Então, talvez você esteja se perguntando (ou pensando como poderia me perguntar): qual a diferença entre a Filosofia e as Ciências Sociais? A resposta é relativamente simples e está posta no decorrer desta seção: Filosofia não é ciência! É importante ter em mente que a Filosofia é uma forma de conhecimento diferente das Ciências Sociais desde sua base e essa distinção consiste no fato de que a ciência busca explicar como os processos sociais, políticos, econômicos, culturais, religiosos e outros acontecem, enquanto que a Filosofia não se preocupa exatamente com os caminhos pelos quais determinados fenômenos se manifestam ou acontecem, mas com a justificativa dos processos e fenômenos. Isso significa que a Filosofia busca compreender a razão ou o porquê desses fenômenos ou processos sociais, políticos, econômicos, culturais, religiosos e outros, independentemente de como eles ocorrem. Assim, a diferença entre a Filosofia e as Ciências Sociais está na atitude filosófica de questionar sobre a natureza das coisas, partindo da necessidade de refletir sempre para compreender. E como colocar essa atitude filosófica em prática? Como refletir filosoficamente sobre algum processo ou fenômeno para compreender sua justificativa e não “como” algo ocorreu? Para responder a essas perguntas, vamos nos valer das observações de dois filósofos brasileiros contemporâneos, Mariano (2007) e Cortella (2019), que discutem as características do pensamento filosófico. FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 28 https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/think-solution-critical-thinking-solve-problem-2086925437 De modo sucinto, podemos resumir a três as características do pensamento filosófico, que distinguem tal forma de reflexão em comparação com o pensamento científico. Trata-se da criticidade, da radicalidade e da totalidade. A criticidade diz respeito ao questionamento minucioso e criterioso de práticas sociais com relação à sua veracidade, o que implica seu julgamento. O termo “crítica”, nesse sentido, se refere ao ato de examinar, discernir, analisar criteriosamente algum objeto, fenômeno ou processos, a fim de compreender se é verdadeiro ou falso, baseado em conhecimento anterior. A radicalidade filosófica significa a busca da origem e/ou causas das práticas sociais, baseado na ideia de que “radical” remete às raízes, fundamentos ou princípios de algo analisado. Assim, o pensamento filosófico nunca deve ser superficial ou analisar um fenômeno apenas de maneira simplista, mas precisa compreender as motivações que conformaram aquela situação ou processo. Por fim, a totalidade filosófica diz respeito à abrangência das práticas sociais analisadas de modo geral ou total, pensando as especificidades no contexto amplo, de modo a compreender as relações e seus impactos e justificativas. Esta é uma característica do pensamento filosófico que em muito o diferencia do pensamento https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/think-solution-critical-thinking-solve-problem-2086925437 FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 29 científico, pois a Filosofia busca a compreensão de aspectos considerando que a realidade é multifacetada e toda interpretação é, ao mesmo tempo, uma visão sobre o todo e uma perspectiva parcial. Enquanto a ciência busca generalizações e padrões, a Filosofia reconhece que os saberes e fazeres assumem distintos arranjos por conta de especificidades de trajetórias e conformações sociais, econômicas, políticas, culturais e religiosas, por exemplo. Assim a reflexão sobre as razões da existência humana significa pensar filosoficamente e interrogar-se a si mesmo e às relações humanas e sociais para compreender por que pensamos e agimos de determinada maneira, o que queremos ou buscamos quando pensamos e agimos e qual a finalidade do que pensamos e de como agimos. ISTO ACONTECE NA PRÁTICA A série Merlí, disponível em diferentes serviços de streaming, aborda o contexto de uma escola, com seus personagens conflitos e relações externas, tendo como fio condutor as aulas de um professor de Filosofia, que trata, em cada episódio, de um diferente pensador, estabelecendo conexões entre o pensamento filosófico e a prática cotidiana dos estudantes e daqueles com quem convivem. Trata-se de conteúdo interessante para quem deseja compreender como a Filosofia está presente em questões do dia-a-dia, mesmo que não percebamos. Fonte: O autor. Para finalizar essa seção, gostaria de apresentar – ou rememorar, para o caso de você conhecer – o mito ou alegoria da caverna, de Platão. Esse foi um dos principais filósofos clássicos, referenciado em praticamente todos os manuais que se dedicam a discutir o que é Filosofia, sendo que geralmente o referido mito costuma ser apresentado como um dos primeiros aspectos nessas discussões. O mito da caverna é uma história extraída da obra “A República”, cujo conteúdo exprime a maneira como Platão compreendia e discorria sobre o conhecimento humano. De maneira resumida, trata-se de uma exposição na qual o filósofo fala de um grupo de indivíduos que habitava em uma caverna e via sombras de estatuetas, mas não conheciam a luz, não saíam da caverna para conhecer o que havia além daquele espaço. Na verdade, então, estavam todos aprisionados. Quando alguém sai da caverna, conhece a luz e se liberta daquele limite que o espaço os impõe, tenta FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 30 explicar aos demais sobre o que viu e experienciou, para que os outros também se tornem livres, mas acaba sendo espancado e morto. Nessa alegoria, a caverna é o mundo onde vivemos, as sombras das estatuetas representam coisas sensoriais e materiais, a luz é a perspectiva de enxergar ou conhecer a verdade, o mundo fora da caverna é o mundo das ideias ou da realidade ampla (que quem está na caverna não conhece) e o prisioneiro que sai da caverna é o filósofo, aquele que busca o saber, que rompe com o que lhe é dado ou imposto por meio do questionamento. Assim, a Filosofia seria uma visão do mundo real iluminado, passível de ser visto e compreendido, algo muito maior do que o espaço da caverna e os limites do conhecimento que não busca se expandir, que não tem aprofundamento (CHAUÍ, 2015). Expor esse mito ao fim da seção, em contraposição aos textos canônicos que o fazem inicialmente ao tratar do conceito de Filosofia, tem o objetivo de fazer com que você reflita, à luz daquilo que já conheceu sobre o tema, sobre como vive – e vivemos, ainda que de maneiras diferentes, todos – em uma caverna, sobre os limites que já buscou superar e o quanto conheceu e em que medida essa busca por conhecimento alterou também os vínculos com outros indivíduos que optam ou para os quais não se coloca como possibilidade deixar a caverna rumo ao conhecimento.Em suma, a expectativa desta primeira seção foi de que você compreenda que o pensamento filosófico é mais do que refletir sobre o que os filósofos escrevem, mas colocar-se na condição de quem busca o conhecimento, de quem nutre sentimentos positivos pela sabedoria. 1.2 Moral e ética Os conceitos de moral e ética são os mais recorrentemente destacados quando se pensa e debate o pensamento filosófico durante a formação de profissionais no Ensino Superior, mas não somente nesses espaços, uma vez que, por exemplo, ao longo de campanhas políticas e no ambiente de trabalho somos também impactados pela utilização desses termos, não raras vezes como sinônimos ou como remetendo a um único significado. Isto posto, nesta seção tratamos da ética enquanto pilar estruturante das discussões desta disciplina, o que fazemos por meio do diálogo entre seu conceito e a definição de moral. FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 31 Para Sung e Silva (1995), a palavra moral, que deriva do latim mores, significa costumes, ou seja, a maneira de se comportar regulada pelo uso. Assim, o homem moral é aquele que age conforme as regras estabelecidas pelo grupo social no qual encontra-se inserido. Moral é a parte da filosofia, que trata dos costumes, dos deveres e do modo de agir, de proceder dos homens para com os outros homens, ou seja, é o conjunto, o corpo de preceitos e de regras para dirigir as ações do homem, segundo a equidade natural, ou seja, a justiça natural, que é o reconhecimento imparcial do direito de cada um. É o conjunto de regras, de normas que determinam o comportamento, a conduta dos indivíduos na sociedade (MOURA, 2004, online). A moral refere-se à construção coletiva de regras e normas sociais, o que significa que não parte de simples imposição, mas precisa ser percebida por todos os indivíduos que convivem em determinado grupo, que pode ser um conjunto de voluntários de uma organização social, amigos que praticam esportes coletivos, pessoas no mesmo ambiente de trabalho, moradores de um bairro que participam de uma associação comunitária, habitantes de um município ou região, toda uma população nacional ou até mesmo, em último caso, a humanidade como um todo. https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/moral-legal-symbol-businessman-turns-wooden-1964515519 https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/moral-legal-symbol-businessman-turns-wooden-1964515519 FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 32 Para Weiss (2011), a moral se efetiva quando cada indivíduo sente vontade de obedecê-la, ou seja, existe o respeito pela norma estabelecida e cada um se sente impelido a cumprir tal determinação, é mais do que aquilo que é imposto, mas é o que é desejado dentro de um corpo social. Isso porque, como coloca Cripa (2015), a moral não existe no indivíduo isoladamente, mas no processo de relação social, ou seja, em coletividade. É importante que seja perceptível ao grupo que a moral corresponde a essas regras sociais, que compreendam se tratar de normas socialmente partilhadas para reger o funcionamento daquela coletividade. Trata-se, portanto, de uma construção humana que tem caráter cultural, temporal e societal, ou seja, a moral não é estanque ou sedimentada eternamente, mas se altera conforme analisamos os costumes e valores de cada grupo social em determinado período de tempo, o que significa que sociedades contemporâneas entre si podem vivenciar diferentes morais e também que uma mesma sociedade pode ser perpassada por distintos valores morais em períodos diferentes de sua história. Assim, a moral se altera porque os valores não permanecem os mesmos dentro de uma cultura. O processo de construção social da realidade passa pela construção de conjuntos de instrumentos materiais e espirituais para um mundo mais humano, e isso pode, a cada geração, ser assimilado ou rejeitado, levando os indivíduos a conflitos e questionamentos sob a ordem anteriormente estabelecida. Toda essa transformação deve-se à liberdade de pensar e agir de cada um, buscando sempre o novo e uma realidade segura. Se os valores fossem iguais em todas as culturas, não haveria choques culturais, não haveria conflitos entre diferentes perspectivas de interpretação da realidade, então teríamos outra maneira de conviver, uma única forma de conviver. Por um lado, a existência de uma moral única teria como principal ponto positivo a possibilidade de redução de discrepâncias decorrentes de visões de mundo distintas ou etnocêntricas, já que teríamos todos uma mesma base moral estruturando nossos pensamentos e ações. Haveria a possibilidade de vivermos em sociedade mais tolerantes, democráticas, respeitosas e com valores sociais. Por outro lado, a inexistência de possibilidades diferentes de conformação de normas e regras sociais poderia conduzir ao domínio de elites políticas e econômicas sobre os demais indivíduos de maneira ininterrupta e imutável, já que alterações nos padrões FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 33 morais dependeriam do interesse desse grupo e invariavelmente não seriam destinadas a melhorias ou ganhos sociais para a classe trabalhadora, maioria da população. Ainda nesse sentido, a multiplicidade de culturas e sociedades e a ampliação do acesso à informação – o que retomaremos em uma de nossas últimas aulas dessa disciplina – nos permitem comparar determinadas regras e normas sociais e avaliá- las com relação à sua adequação a uma sociedade, de modo que a contestação da ordem vigente, mesmo que minimamente, passa pelo exercício de refletir sobre outras realidades possíveis. E como a moral se altera? Considerando que a moral é um conjunto de normas socialmente aceitas, mudanças ocorrem quando essas regras deixam de ser consideradas legítimas por uma sociedade, ou seja, quando os indivíduos deixam de vislumbrar aquele aspecto moral como um símbolo do funcionamento daquela sociedade e passam a interpretá-lo como uma obrigação. Trata-se, portanto, do momento em que algo deixa de ser aceito como adequado ou pertinente, ao que cabe sua modificação ou substituição. Bergamasco (2007) oferece um exemplo de como determinados conceitos ou valores podem ser alterados ao longo do tempo, fazendo com que a moral se modifique. Trata- se da definição de família, secularmente construída sob a perspectiva heteronormativa e cristã, baseada no arranjo conservador de pai, mãe e filhos decorrentes dessa união. Tanto se constituiu essa visão como a norma moral de família que até mesmo as propagandas de produtos apresentavam famílias felizes com essa composição, o que gerou a ideia de senso comum da “família de comercial de margarina”. Contudo, observando os arranjos sociais existentes em nossa sociedade – por diferentes razões – temos que os tipos de famílias hoje são múltiplos, como, por exemplo: somente um genitor com os filhos, avós que criam netos, pais separados com filhos de relações anteriores que formam uma nova família, adoções por pessoas sem cônjuge, o reconhecimento de relações homoafetivas e a redução do estranhamento a casais que não têm filhos, cuja família é composta apenas por essas duas pessoas. Perceba, caro(a) estudante, que a importância do conceito de família não foi reduzida e que a moral sobre o tema não deixou de existir, mas alterou-se diante de condições sociais em que a “família de comercial de margarina” não reflete a realidade de parcela expressiva das famílias brasileiras. Pensando em questões que podem estar passando por sua cabeça ao longo da leitura desta seção, imagino duas possibilidades, que na verdade se tornaram recorrentes em FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 34 aulas que ministrei sobre o tema sempre que chegávamos a esse ponto da discussão: Como nós podemos perceber a moral na prática? Onde “entra” a ética nessadiscussão? Essas duas perguntas nos conduzem a um mesmo caminho para resposta, uma vez que a moral se materializa ou se realiza por meio de ações éticas, ou seja, a ética corresponde à prática da moral na vida em sociedade. Partindo dessa prerrogativa, a ética é a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade, ou seja, a ética é a própria vida, representada pelos costumes e ações humanas, que identificam seus comportamentos, uma vez que estuda as manifestações do comportamento humano (VÁSQUEZ, 1995). Conforme a filósofa brasileira contemporânea Márcia Tiburi (2014, p. 13), a ética se conforma nas experiências vivenciadas, está para além do pensamento ou do discurso: […] a mera análise de uma teoria ética ou o seu ensino podem ser puramente moralizantes, não garantem que alguém se torne ético […] isso quer dizer que a ética remete ao grande desafio que a prática nos coloca diariamente, a cada momento em que vivemos no mundo da ação partilhado com outras pessoas. Ainda refletindo sobre como a ética coloca-se como compromisso firmado pelos indivíduos entre si de maneira coletiva, a mesma autora destaca a pertinência de considerar que se trata de acordos de toda natureza, desde grandes aspectos existenciais até aquilo que vivenciamos no cotidiano, uma vez que a ética está presente na prática, nas ações que empreendemos no convívio social. O modo de pensar e de agir que demonstra sua urgência, justamente nesses contextos vazios de reflexão filosófica, em que o comodismo de pensamento é uma espécie de lei a qual se submetem todos os corpos. Ética em si mesma é a filosofia prática (TIBURI, 2014, p. 23). Essa perspectiva da ética como prática social coletiva não é recente em nossas sociedades e encontrava-se discutida desde os primórdios dos registros da Grécia Antiga. Entretanto, os filósofos políticos que ficaram conhecidos como contratualistas se destacam como expressivos teóricos do debate sobre como normas sociais se efetivam a partir de delineamentos aceitos coletivamente. De modo geral, Thomas Hobbes (1651 [2000]), John Locke (1689 [2001]) e Jean- Jacques Rousseau (1755 [2002]; 1762 [1999]) escreveram sobre como os Estados FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 35 nacionais foram conformados em torno da grandes acordos coletivos para sobreporem liberdades individuais que poderiam levar à guerra, à desigualdades sociais e a outros caminhos, em favor da segurança oferecida por um ente capaz de regular as relações sociais de modo a ditar regras e normas que favorecessem o convívio, daí a noção de contrato social. Com distintas argumentações sobre como as sociedades se organizariam e como esse ente seria superior ou subordinado ao conjunto de cidadãos, os contratualistas defenderam que os Estados nacionais teriam na figura do Estado o ente político e jurídico regulador de direitos e deveres. Assim como a moral, a ética, portanto, também é variável ao longo do tempo e em distintas sociedades, uma vez que remete à prática das normas. Então, como as regras sociais são diferentes entre determinados grupos e espaços, o mesmo acontece quando nos remetemos à moral. Isto posto, a ética se revela importante em diversos ambientes e situações de sua vida, sendo que, neste contexto específico de sua formação para o mercado de trabalho, cabem considerações sobre a atitude ética no ambiente profissional. Para Chauí (2000), a ética deve ser um fim, não apenas um meio para que alguém atinja algo. Em outras palavras, a atitude ética não deve consistir em executar determinadas ações para atingir ganhos, pois o resultado positivo da ação ética é a realização prática da moral asseverada como norma social partilhada. A partir de tal perspectiva, quando pensamos sobre o trabalho, deve-se ter em mente que os indivíduos devem considerar a natureza ética daquilo que lhes é solicitado, assim como cada empresa deve buscar conhecer os valores e práticas daqueles que contrata, uma vez que podem partir de premissas éticas discordantes ou até mesmo conflituosas, que não necessariamente visem ao bem comum. Nesse sentido, Arruda et al (2003) afirmam que a ética é aspecto fundamental para a dinâmica social no contexto do trabalho, pois é o que permite o estabelecimento de relações de confiança e de responsabilidade no interior de um grupo. Conforme os autores: Sem a ética, o convívio social torna-se insustentável. Sem confiança mútua, por exemplo, não se realizariam transações econômicas, nem haveria contratos. Ninguém empregaria, ninguém produziria, ninguém se associaria (ARRUDA et al, 2003, p. 149). FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 36 Cabe, portanto, considerar que no mundo do trabalho as ações dos indivíduos são caracterizadas como apropriadas ou inapropriadas, sendo que a baliza que define essa diferenciação é a ética, responsável pelo estabelecimento de parâmetros de comportamentos, valores e atitudes aceitáveis ou não. Para Gianetti (2007), é dessa relação que denota a relevância de que empregador e profissional conheçam a ética um do outro, a fim de evitar atritos ou situações que venham a ferir sua moral por conta de atitudes éticas dissonantes das normas que considera adequadas. Ainda, cabe lembrar que conflitos dessa natureza podem ressoar de modo amplo, uma vez que a ética empresarial e coletiva, então as atitudes de cada profissional podem influenciar as ações de outros ou mesmo alterar a visão externa que se tem sobre a empresa; o mesmo vale para pensarmos como a “fama” da empresa pode ser estendida aos seus funcionários. E como lidar com situações em que os profissionais se percebem diante de atitudes éticas distintas das suas, ainda que não destoem de sua moral? Uma solução para tanto seria valer-se das múltiplas faces de sua identidade - o que retomaremos na aula em que se discute o multiculturalismo - e considerar que cada um de nós estabelece diferentes relações em espaços e entre grupos distintos. É o que Goffmam (2014) ensina sobre as representações, que consistem na maneira como agimos publicamente (em termos de estar diante de outros) de modo a nos adaptarmos aos cenários - em alusão a peças teatrais - e valemo-nos de máscaras sociais para interagir conforme os códigos de conduta aceitáveis. Ante ao exposto nesta aula, espero que você tenha percebido que a ética é mais do que um conceito filosófico antigo e teórico, mas um conjunto de elementos de ordem prática, que mobilizamos conforme normas e regras sociais interferem e são interpretadas em nossas relações cotidianos e nos espaços em que convivemos. Ainda, para além dessa importância geral, atente-se ao fato de que se trata de tema importante à sua futura inserção e atuação no mercado de trabalho. FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 37 CAPÍTULO 3 POLÍTICA E DEMOCRACIA Caro(a) acadêmico(a), depois de conhecer sobre os dois termos que constam no título desta disciplina, avançamos nesta terceira aula na reflexão sobre como os aspectos sócio-culturais e éticos dialogam entre si nas sociedades contemporâneas. Para tanto, o conteúdo abordado versa sobre política e democracia. Na primeira seção, a abordagem da política é apresentada de modo a explorar com maior aprofundamento aquilo que fora mencionado nas aulas anteriores: as sociedades são conformadas por aspectos de ordem política, que influenciam e são influenciados por outros, de ordem social, econômica, cultural, tecnológica, religiosa etc. Se anteriormente a política foi tratada como parte do conhecimento nas Ciências Sociais e na Filosofia, nesta seção o tema é exposto como central à formação de indivíduos, relações sociais, instituições, valores, normas e práticas sociais. https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/diverse-cultures-multiculturalism-society-international-tolerance-1887228277 Na sequência, a segunda seção aborda o regime democrático,focalizado de maneira específica por ser aquele sob o qual vivemos no Brasil e também é o mais comum ao redor do mundo. Trata-se de uma seção que objetiva demonstrar como a política se efetiva no cotidiano e tem relação com sua formação profissional e cidadã, em que dialoga com os eixos fundamentais do regime e sua relação com a cidadania. https://www.shutterstock.com/pt/image-photo/diverse-cultures-multiculturalism-society-international-tolerance-1887228277 FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 38 3.1 A Ciência Política e a política O conhecimento de senso comum tem uma máxima de que “política se discute”, por ser um assunto que mobiliza diferentes perspectivas, expectativas e formas de pensar sobre a vida em sociedade, os interesses de grupos e aquilo que se espera daqueles que operam a política – e que, muitas vezes, acabam por serem generalizados à política, como se tais cidadãos não fossem apenas parte, mas a política em si. Contudo, se perguntarmos um ao outro, ou cada um de nós a si mesmo, “o que é política?”, é possível que muitos se surpreendam com a dificuldade de definir ou explicar tal temática. É essa dificuldade, cabe destacar, não é recente, mas permeia o desenvolvimento das sociedades ao longo dos séculos, já que o tema sempre está em pauta, mesmo que para reduzidos grupos. Em um livro clássico da reconhecida “Coleção Primeiros Passos”, organizada com a finalidade de disponibilizar conteúdos de maneira acessível àqueles que buscam conhecimento sobre temas - não apenas por formação acadêmica mas também à população em geral -, Wolfgang Leo Maar (2006) discorre sobre o tema e inicia destacando haver dois sentidos para o termo. O primeiro é aquele mencionado na primeira aula ao tratarmos da Ciência Política: a política pode ser interpretada com referência ao poder político, às instituições, aos espaços e formas de realização de ações, projetos e práticas políticas. Há ainda um outro significado, mais vago e impreciso, que corriqueiramente faz parte da vida dos indivíduos: Mas há um outro conjunto em que a mesma palavra manifesta-se claramente de um modo diverso. Quando se fala da política da Igreja, isto não se refere apenas às relações entre a Igreja e as instituições políticas, mas à existência de uma política que se expressa na Igreja em relação a certas questões como a miséria, a violência, etc. Do mesmo modo, a política dos sindicatos não se refere unicamente à política sindical, desenvolvida pelos governos para os sindicatos, mas às questões que dizem respeito à própria atividade do sindicato em relação aos seus filiados e ao restante da sociedade. A política feminista não se refere apenas ao Estado, mas aos homens e mulheres em geral. As empresas têm políticas para realizarem determinadas metas no relacionamento com outras empresas, ou com os seus empregados. As pessoas, no seu relacionamento cotidiano, desenvolvem políticas para alcançar seus objetivos nas relações de trabalho, de amor ou de lazer; dizer “Você precisa ser mais político” é completamente distinto de dizer “Você precisa se politizar mais”, isto é, “precisa ocupar-se mais da esfera política institucional” (MAAR, 2006, p. 10). FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 39 Nesta disciplina, considerada a relevância da política em seu sentido formal- institucional para a conformação sócio-cultural e ética da sociedade, nos deteremos ao primeiro significado exposto por Maar (2006). Conforme Coelho (2017, p. 22), “como as primeiras discussões sobre os sentidos da Política datariam de mais de dois mil anos atrás, alguns entusiastas do tema afirmam que não existiria Ciência mais antiga no mundo do que a Política”, uma vez que as bases iniciais das discussões em torno de questões políticas remetem à vida em Atenas, já que foram primeiramente os gregos, com destaque a Platão e Aristóteles, que se debruçaram a estabelecer conjecturas acerca das relações sociais em coletividades, tendo em vista aspectos como liberdade, pluralidade, racionalidade e interações no âmbito público São muitas as definições sobre o que seria a política. Para Bobbio, Matteucci e Pasquino (2000), a partir da etimologia do termo, que decorre da palavra grega pólis, a política pode ser definida como tudo que diz respeito à cidade e, por consequência, ao urbano, ao civil e ao público. De modo mais direto e objetivo, Weber (2004, p. 60) afirmou que a política poderia ser compreendida como “[...] o conjunto de esforços feitos visando participar do poder ou a influenciar a divisão do poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado”. O segundo autor complementa sua explanação destacando que “[...] por política entenderemos tão somente a direção de um agrupamento político hoje denominado ‘Estado’ ou a influência que se exerce nesse sentido”, tendo em vista que “[...] o Estado consiste em uma relação de dominação do homem pelo homem, com base no instrumento da violência legítima – ou seja, da violência considerada como legítima” (WEBER, 2004, p. 59). Essa perspectiva weberiana é explorada por Maar (2006), que aponta um ponto de atenção à maneira como vivenciamos a política: as relações sociais, as práticas culturais, as normas e valores estão intimamente relacionados à política, contudo as elites políticas atribuem à população um espaço e um tempo determinado para exercerem a política, que são as eleições, o momento do voto. Essa perspectiva está tão introjetada ou mesmo naturalizada - e aqui, caro(a) acadêmico(a), lembre-se dos perigos desse termo - que Kuschnir (2007) afirma que as eleições são o tempo da política. Os autores clássicos da Teoria das Elites, o elitismo, construíram modelos teóricos baseados na argumentação de que organização política do Estado se dá a partir da FORMAÇÃO SOCIOCULTURAL E ÉTICA PROF. ÉDER GIMENES FACULDADE CATÓLICA PAULISTA | 40 existência de dois grupos sociais e políticos distintos, dominadores e dominados ou governantes e governados, em que os primeiros exerceriam autoridade sobre o segundo grupo e seriam responsáveis pelo poder pelo fato de que, mesmo sendo um grupo menor numericamente, teriam objetivos comuns e manteriam sua condição diferentemente da grande massa de dominados ou governados, cujos múltiplos interesses dificultariam a articulação e organização (MICHELS, 1982; PARETO, 1984; MOSCA, 1992). Diante do exposto, é perceptível que a política se impõe aos indivíduos que vivem em sociedade, de modo que não se coloca a possibilidade de manter-se completamente afastado ou alheio à política, isso porque a temática está presente no cotidiano de cada um de diversas maneiras: de como fiscalizamos a distribuição e a utilização de recursos públicos à determinação dos caminhos das políticas públicas e sua utilização pela população, do modo como cada um define seu voto até o interesse em acompanhar notícias e o desempenho dos políticos eleitos. Assim, tanto o alto interesse por assuntos relacionados à política quanto o completo afastamento com relação a questões dessa natureza compreendem modos de relacionamento dos indivíduos com a política, como explicita Coelho (2017, p. 29) ao tratar do tema da apatia e indiferença política: Curiosamente, o significado etimológico da palavra “idiota” deriva do grego e sua definição está relacionada inicialmente aquele indivíduo que não participava da Pólis e por isso seria incapaz de exercer qualquer ofício público, passando depois a ser compreendido como “homem comum” – sem especial distinção – e finalmente “sujeito ignorante, de pouca inteligência e pouca valia”. Resumidamente, o “idiota” pode ser percebido também como aquele que não se interessa pelos assuntos públicos, somente pelos privados”. Maar (2006) afirma que a política exige atenção da sociedade, porque o alheamento pode decorrer de muitas fontes e ter efeitos também diversos. Sobre o primeiro aspecto, o