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©2018, Anor Sganzerla, Patricia Maria Forte Rauli,Valquíria Elita Renk 2018, PUCPRESS Este livro, na totalidade ou em parte, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização expressa por escrito da Editora. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ (PUCPR) Reitor Waldemiro Gremski Vice-Reitor Vidal Martins Pró-Reitora de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação Paula Cristina Trevilatto PUCPRESS Coordenação Michele Marcos de Oliveira Editor Marcelo Manduca Preparação de texto e Revisão Camila Fernandes de Salvo Capa e Projeto gráfico Ana Paula Vicentin Ferrarini Diagramação e infográficos Ana Paula Vicentin Ferrarini Rafael Matta Carnasciali Conselho Editorial Auristela Duarte de Lima Moser Cilene da Silva Gomes Ribeiro Eduardo Biacchi Gomes Evelyn de Almeida Orlando Léo Peruzzo Júnior Rodrigo Moraes da Silveira Ruy Inácio Neiva de Carvalho Vilmar Rodrigues Moreira Prdução de ebook S2 Books PUCPRESS / Editora Universitária Champagnat Rua Imaculada Conceição, 1155 - Prédio da Administração - 6º andar Campus Curitiba - CEP 80215-901 - Curitiba / PR Tel. +55 (41) 3271-1701 pucpress@pucpr.br Dados da Catalogação na Publicação http://www.s2books.com.br/ mailto:pucpress%40pucpr.br?subject= B615 2018 Pontifícia Universidade Católica do Paraná Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR Biblioteca Central Bioética ambiental / Anor Sganzerla, Patricia Maria Forte Rauli,Valquíria Elita Renk, organizadores – Curitiba : PUCPRESS, 2018. 263 p. : il. ; 23 cm ISNB 978-85-54945-08-4 1. Bioética. 2. Desenvolvimento sustentável. 3. Sustentabilidade. 4. Meio ambiente. I. Sganzerla, Anor. II. Rauli, Patricia Maria Forte. III. Renk, Valquíria Elita. IV. Título CDD 20. ed. – 174.9574 SUMÁRIO Capa Folha de rosto Créditos Apresentação Anor Sganzerla, Patricia Maria Forte Rauli Prefácio José Roque Junges Fundamentação filosófica da bioética ambiental Fermin R. Schramm Um olhar bioético da agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável da ONU Leo Pessini, Anor Sganzerla Sustentabilidade e cidadania Maria Luiz Pfeiffer A Bioética ambiental e a Casa Comum Saulo Feitosa Direitos humanos e bioética ambiental: da crise dos valores à ética da responsabilidade Jelson Roberto de Oliveira kindle:embed:0002?mime=image/jpg Interfaces entre a bioética ambiental e a educação ambiental Marta Fischer, Ana Laura Diniz Furlan A Bioética Interface saúde: reflexões frente à crise ambiental Paulo Barrozo Cassol, Alberto Manuel Quintana Saúde ambiental Therezinha Maria Novais de Oliveira, Marta Jussara Cremer Ética na relação entre economia e ambiente João A. de C. Mangabeira, Sergio Gomes Tosto, Ademar Ribeiro Romeiro Hidroética: água, ética e meio ambiente Demétrius Christofidis Ensaios sobre bioética urbana e ecologia Erick Luiz Araújo de Assumpção Agricultura e meio ambiente Luciane Costa Entre o desperdício, a inocuidade e a escassez: considerações bioéticas sobre insegurança alimentar Caroline Filla Rosaneli, Luana de Assis, José Eduardo de Siqueira, Ricardo de Amorim Cini, Thiago da Rocha Cunha Tecnologia, Ambiente e Informação Glenda Morais Rocha, Cesar Grisoli Crise ambiental e subjetividade: o olhar da ecologia profunda Marcelo L. Pelizzoli Sobre os autores APRESENTAÇÃO A relação do ser humano com a natureza, principalmente a partir do processo de industrialização no começo da era moderna, foi marcada pela exploração e pelo domínio dos interesses humanos, sem levar em conta os interesses da própria natureza, na medida em que era considerada indiferente e fora do campo da moralidade. Essa forma de ação humana promoveu uma verdadeira deterioração global do ambiente, com a destruição da Casa Comum, e com a real ameaça à própria degradação humana. Partia-se do pressuposto de que os recursos da natureza são inesgotáveis e totalmente renováveis, o que autorizava o homem a usar da inteligência para impor o seu império, conforme bem expressa o projeto baconiano de “saber é poder”. Passados alguns séculos de pura devastação humana sobre a natureza, começou-se a perceber que existem limites na natureza, e que esses limites estariam bem mais próximos do seu fim do que o suposto estado de progresso e realização humana previsto pela utopia do desenvolvimento tecnocientífico. A esse cenário, não podemos ignorar que até um determinado período histórico, que alguns classificam de pré-moderno, acreditava-se que o ser humano seria limitado técnica e cientificamente para promover qualquer ação permanente sobre a natureza, pois se considerava que o ciclo e a essência da natureza seriam imodificáveis pelo agir humano. A prática exploratória humana sobre a natureza, no entanto, mostrou que a natureza se revela sempre como estrago e como dano, portanto, de modo sempre tardio, não havendo como retroceder. Na atualidade vemos alguns cenários que no mínimo podemos chamar de curiosos: por um lado presenciamos que a população em geral reconhece e compreende que a proteção ao patrimônio natural representa um valor por si mesmo, e que os danos promovidos pelo homem sobre a natureza retornam ao próprio homem, seja em forma de poluição, aquecimento global, falta de água, efeito estufa e tantos outros; por outro lado, quando se busca identificar as maiores preocupações humanas em nossos tempos, a proteção ao meio ambiente não está entre as primeiras metas, mas sim a busca por segurança, emprego, acesso à saúde e à educação, senão quando as preocupações com as satisfações egoístas, como o acesso ao consumo e ao lucro. Esse descompasso revela que a atual sociedade ainda não tem consciência do clamor urgente da natureza, e que também não está disposta a se impor sacrifícios ou limites no tempo presente para assegurar um futuro autêntico para todos futuramente. Ao tratar dos problemas da nossa Casa Comum, o Papa Francisco, em sua Encíclica Laudato Si’, afirma que somos a primeira geração a sentir mais fortemente os efeitos da nossa intervenção no planeta e a última geração a decidir que futuro queremos para o planeta. Para tomarmos tal decisão, alerta o Pontífice, é necessário reconhecer que a humanidade não vive crises isoladas, ou seja, uma crise ambiental e outra crise social, mas uma única e complexa crise socioambiental, com consequências sobre todas as dimensões da vida humana, desde o nascer até o morrer. O predomínio dos interesses econômicos e políticos de nossos tempos sobre a totalidade da vida revela que as questões ambientais, além de constituírem-se um problema do universo da política, da economia, com graves interferências nas questões sociais, têm direta relação com o mundo dos valores, portando, com o universo da ética e da moral. Sem uma profunda reflexão sobre os valores e as escolhas humanas em nossos tempos, de modo a promover uma radical mudança no que fazemos, no que consumimos, e qual o papel e função do homem dentro da natureza, não será possível construirmos uma relação harmoniosa com a natureza. Trata-se, portan to, de questionar a visão cosmológica, de modo que o viver humano na natureza possa ser concebido como um viver com a natureza e não mais de um viver sob a natureza. A proposta desta obra intitulada de Bioética Ambiental é, portanto, promover o diálogo interdisciplinar entre os diferentes saberes, crenças, teorias e concepções de nossos tempos, que buscam compreender a relação do homem com a natureza, de modo a despertar e a promover uma nova aliança entre a humanidade e o ambiente, e unir os diferentes interesses, sejam humanos ou do meio ambiente. Esta nova aliança, por sua vez, não será possível se não houver primeiramente uma mudança nos valores que orientam a vida humana, de modo a sermos capazes de substituir os atuais projetos individualistas e materialistas de nossos tempos por projetos coletivos, de longo prazo, de reciprocidade e de partilha entre todos. Não se trata de buscar consensos ou uniformizar pensamentos, mas unir-nos em torno de uma necessidade comum. Nesse esforço de repensar a aliança da humanidade com a natureza,a bioética, nesse caso bioética ambiental, tornou-se um referencial e um privilegiado espaço para tal atividade, pois é necessária uma união de forças e uma unidade de contribuições, advindas das diferentes áreas do saber, bem como dos diferentes agentes ou pacientes morais. Somente nesse diálogo será possível eliminar as divergências entre as demandas do homem com as demandas da natureza, o que permitirá orientar as decisões em vista do bem-estar de todos os seres vivos. Atenta aos desafios de seu tempo, a Sociedade Brasileira de Bioética, Regional Paraná (SBB/PR), não poupou esforços para reunir nesta obra os maiores especialistas do assunto, de modo oferecer ao leitor uma complexa visão dos desmembramentos que emergem do tema, a fim de garantir, como afirmou Potter, que “a sobrevivência de todo o reino vivo seja objetivo de toda a nossa sabedoria”. Dr. Anor Sganzerla Presidente da SBB/PR- Gestão 2015-2017 Drª. Patricia Maria Forte Rauli Presidente da SBB/PR – Gestão 2017-2019 Curitiba, agosto de 2017. PREFÁCIO A humanidade viveu por milhares de anos em harmonia com a natureza, porque se sentia fazendo parte da teia de interdependências da vida. Com o surgimento dos grandes impérios da antiguidade iniciou-se uma intervenção maior nos ecossistemas naturais, devido à necessidade da produção de excedente agrícola para alimentar a crescente burocracia militar e religiosa de sustentação do poder. Embora a retirada de recursos naturais e o uso do solo para agricultura fosse maior, o sistema de retirada e o tipo de agricultura não desestruturava os equilíbrios da natureza. Somente nos tempos modernos, com a introdução da racionalidade instrumental na ciência e, especificamente a partir do século XIX, com a industrialização à base do carvão, seguida do petróleo, e com a agricultura moderna baseada nos adubos químicos e agrotóxicos, as ações humanas de intervenção começaram a destruir e a desequilibrar os ciclos geoquímicos da terra como nunca tinha acontecido antes. Esse desequilíbrio destrutivo se manifesta no ar, com a poluição atmosférica e as chuvas ácidas, com a destruição da camada de ozônio e o aquecimento climático global; na água, com a sua inutilização para a vida devido à presença de produtos químicos; com a destruição das cadeias alimentares nos corais marítimos e nos cursos de água dos rios; no solo, com a destruição de florestas, de estepes, de manguezais, com a desertificação e a quimificação dos terrenos que destrói a fertilidade natural do solo. Todos esses efeitos deram início e, por um processo de agudização sempre maior, instalaram de vez a crise ambiental sem precedentes, que pode ser definida como o drástico desajuste entre a dinâmica cíclica da biosfera (natureza) e a lógica linear da tecnosfera (sociedade). Se os mecanismos da esfera tecno-social não conseguirem adequar-se e adaptar-se aos ritmos coerentes e equilibrados da natureza não haverá solução para a crise que ameaça a todos. A sociedade apenas está acordando para as consequências desse pesadelo para o qual ela terá que encontrar uma solução se quiser preservar a sobrevivência da humanidade. Os governantes estão cientes do problema e convencidos de que é necessário encontrar caminhos alternativos de desenvolvimento. Recentemente a ONU apresentou a Agenda 2030 que é uma proposta utópica para o desenvolvimento sustentável, como aparece no capítulo de Pessini e Sganzerla. As utopias são necessárias como motivação para agir. Nesta perspectiva, elas não podem reduzir-se àquilo que não tem lugar, mas propor uma visão ideal que questiona, critica e motiva para mudar o que existe de concreto. A Agenda 2030 apresenta objetivos ambiciosos que certamente não serão atingidos, apenas em parte. Por isso, as conferências internacionais sobre o meio ambiente sempre decepcionaram, porque não existe compromisso para tomar medidas que realmente vão à raiz do problema, que é sociocultural e econômico. Por isso é mais fácil permanecer numa visão utópica. Impõe-se mudar o modelo econômico de produção e consumo, mas quem tem a coragem de propor, mesmo idealmente, esta solução radical? As propostas, em geral, são remendos para desviar do real problema, porque atingem interesses que não se está disposto a tocar. Essa constatação da ideologização do problema aponta para a necessidade de tratar, mais em profundidade, a crise, assumindo a perspectiva ética e política. A abordagem ética coloca o problema filosófico da possibilidade e da fundamentação de uma ética ecológica, questão discutida com maestria no capítulo escrito por Schramm. Se essa abordagem é de cunho antropocêntrico, o problema é justificar a responsabilidade dos seres humanos em relação ao seu entorno ambiental. Se ela é biocêntrica, o caminho de fundamentação, em geral, confere direitos aos animais, sendo eles sujeitos morais, mas permanece o problema sobre onde fazer o corte na escala dos seres vivos, que vai desde uma ameba até um elefante. Entre estes, quais têm direitos e quais não? Mas o problema da fundamentação de uma ética ambiental torna- se ainda mais complexo quando se assume a abordagem ecocêntrica, que parece ser a perspectiva mais adequada ecologicamente para enfrentar a crise ambiental. Em que sentido um ecossistema pode tornar-se sujeito moral a exigir respeito por parte dos seres humanos? Se a fundamentação teórica de um novo paradigma para sustentar a abordagem ética da crise ambiental é um problema importante, outra é a questão da referência e do critério ético para avaliar eticamente as consequências e os danos ambientais para a população. É o tema do capítulo de Oliveira, ao tratar do papel dos direitos humanos na bioética ambiental. Parte da crise de fundamentação da ética atual, constatada por Jonas, propondo a dignidade humana como referência para uma bioética ambiental. Se a abordagem ética da crise ambiental coloca o problema da sua fundamentação e da sua referência ética básica, a perspectiva política levanta a questão da possibilidade de uma sustentabilidade socioambiental e de uma cidadania ecológica, temas tratados com profundidade no capítulo escrito por Pfeiffer. Para discutir a ecologia política impõe-se fazer, segundo a autora, uma crítica radical da racionalidade instrumental da ciência moderna que move os modelos de desenvolvimento com suas implicações sobre a sustentabilidade e que define as ações políticas com suas consequências sobre a cidadania. A expressão mais visível dessa racionalidade instrumental da ciência moderna são as tecnologias, e mais especificamente as biotecnologias, tema abordado por Rocha e Grisolia. O capítulo trata da questão do acesso à informação com respeito às inovações biotecnológicas, discutindo a aplicação dos quatro “Ps” — prevenção, proteção, precaução e prudência — da bioética da intervenção ao problema do uso das tecnologias. Intimamente relacionado com as inovações tecnológicas e, mais ainda, com as biotecnológicas, está a economia, formando um binômio inseparável no atual sistema capitalista mundial, cuja lógica é a racionalidade instrumental. A vida adquiriu tal valorização econômica, nunca antes vista, por obra das biotecnologias, podendo se falar hoje de uma bioeconomia. A racionalidade instrumental que move o binômio biotecnologia e economia está na base da atual crise ambiental, exigindo um redirecionamento do modelo econômico. Por isso surge a proposta de uma economia ecológica que não reduz a natureza a um estoque de recursos, mas defende uma valorização dos seus serviços ecossistêmicos. Esse é o tema de discussão do capítulo de Mangabeira, Tosto e Romeiro. Contudo, essa necessária abordagem crítica de cunho ético e político pode exigir uma análise ainda mais radical, identificada com a ecologia profunda de Arne Naess. Trata-se de uma mudança de Gestalt no modo do ser humano perceber o meio ambiente natural, superando uma visão egóica, típica da modernidade, para uma atitude ecóica na maneira de se posicionar diante da natureza. Esta é a tese do capítulo de Pelizzoli,chamada de ecopsicologia, que consiste em defender uma diferente subjetivação do ser humano que se configura a partir de uma compreensão sistêmica da vida. Quem assume essa perspectiva sistêmica e ecocentrada é a encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, como muito bem demonstra Feitosa em seu capítulo. O documento convida à conversão ecológica de uma atitude utilitarista para uma visão do valor intrínseco da natureza, independente do seu valor de uso pelos seres humanos. Para que seja possível essa conversão ecológica da Gestalt, é necessário aproximar a bioética ambiental da educação ambiental como defende o capítulo de Fischer e Furlan. Não existe solução para a crise ambiental se não acontecer uma mudança na sensibilidade ecológica das pessoas. Por isso, a importância da bioética e da educação ambiental nas escolas, sendo imperioso assumir esse desafio na mais tenra idade, quando se configuram as atitudes que irão conformar a personalidade desse indivíduo no futuro. Como a qualidade de vida depende sempre mais das condições socioambientais e sanitárias provocadas pela destruição e inquinação do meio ambiente, é necessário sempre mais assumir uma visão ecossistêmica da saúde humana, como bem propõe Oliveira e Cremer. As interfaces entre meio ambiente e saúde precisam pautar sempre mais as ações dos profissionais, devido aos efeitos dessa interferência sobre o modo de vida das pessoas. Quando a crise ambiental assume dimensões mundiais, devido ao fenômeno da globalização, é necessário começar a refletir sobre a saúde ambiental numa perspectiva global, que é o objetivo do capítulo de Cassol e Quintana. As intervenções humanas sobre a natureza chegaram a tal escala e dimensão que estão desequilibrando o ecossistema e toda biosfera com efeitos destrutivos, dentre os quais o aquecimento climático global sobre as condições de vida das pessoas, principalmente daquelas mais vulneráveis e desassistidas. Um desses efeitos, exigindo análise ética, é a escassez qualitativa da água, elemento central para a continuidade da teia da vida e das interdependências ambientais, seguindo a proposta de Christofidis de uma hidro ética que irá abordar os usos e as soluções para a crise da água. Isso aponta para outro elemento básico para o meio ambiente que é a preservação do solo, assunto tratado no capítulo de Costa sobre agricultura e bioética, de como ter um manejo e uma conservação sustentável do solo. Ligado a questão da agricultura surge o problema da segurança alimentar e suas interfaces com a crise ambiental, tema discutido por Rosaneli, Assis, Siqueira e Cunha. Por um lado, o contínuo aumento de safras a serviço das commodities e por outro o desperdício, a inocuidade e a escassez, provocando insegurança alimentar, apontam para uma contradição. Todos esses problemas ambientais estão ligados ao processo de gradativa urbanização dos ambientes, mediante a ocupação e a configuração do espaço social com suas consequências sobre convivência humana, abrindo a possibilidade e a necessidade de propor uma bioética urbana em suas interfaces com a ecologia, como propõe o capítulo de Araújo. A abordagem dos diferentes capítulos não é casuística, mas hermenêutica e crítica, tanto no tratamento de questões teóricas de fundo como são os primeiros capítulos, como na discussão de problemas mais concretos e específicos como são os últimos. A crise ambiental necessita de uma análise crítica que possa interpretar os paradigmas de fundo que explicam o modelo de intervenção na natureza para a retirada de recursos, sua posterior produção para o consumo e sua externalização em custos e danos ao meio ambiente. O momento atual exige, antes de mais nada, reflexividade crítica e transparência pragmática no uso da natureza, nos processos de produção e na geração de externalidades que incidem no meio ambiente. A bioética ambiental pode ser uma ferramenta fundamental para a criação dessa consciência ecológica crítica. José Roque Junges PPG em Saúde Coletiva / UNISINOS São Leopoldo, agosto de 2017. FUNDAMENTAÇÃO FILOSÓFICA DA ÉTICA AMBIENTAL Fermin Roland Schramm [1] Introdução A ética ambiental pode ser considerada um novo campo complexo e interdisciplinar de pesquisa filosófica, que surge junto com o movimento ambientalista a partir do começo dos anos 1970, e que aborda a moralidade do tipo de relações que o homem estabelece com a natureza e o planeta Terra, inclusive dialogando com o campo das ciências humanas e sociais, como a biopolítica, preocupada em conhecer os dispositivos de poder que se aplicam “ao homem enquanto ser vivente, vida biológica ou vida nua” (BAZZICALUPO, 2005, p. 79). Neste campo de diálogo interdisciplinar e de lutas, a ética ambiental (chamada também de ética ecológica ou ecoética) se ocupa, em particular, das implicações do desenvolvimento econômico-industrial, não somente de um ponto de vista sanitário e biopolítico (que tem por objeto a saúde e as formas de vida dos humanos em seus ambientes), mas também considerando os efeitos sobre o ambiente, que deve ser entendido em sentido amplo como tudo aquilo que nos rodeia e que afeta as condições materiais, biológicas, culturais e sociais de nossas vidas. O duplo contexto deste diálogo é aquele da assim chamada crise ecológica e de um “deslocamento na filosofia moral da ‘ética normativa’ para a ‘ética aplicada’” (GREBLO, 2005, p. 17). Aqui será abordada a questão da “fundamentação filosófica” da ética ambiental, considerando-a no âmbito de uma “transição paradigmática em que se estaria formando um novo conjunto de valores” (TELLES & SCHRAMM, 1999, p. 15), resultante da desconstrução do tradicional ponto de vista moral antropocêntrico e de uma tentativa de reconstrução que podemos chamar de “ecocêntrica”, por ser produzida a partir de um descentramento com relação aos meros interesses e valores humanos para poder considerar também os eventuais interesses e valores da própria natureza, entendida como “o conjunto dos seres vivos, dos ecossistemas e, em definitivo, o próprio planeta” (BEAU, 2015, p. 307) e que pode ter valor em si. Mas o que se pode entender por “fundamento”? A pergunta é pertinente, pois “fundamento” é considerado uma ferramenta essencial ao próprio trabalho da filosofia, pelo menos se considerarmos que, historicamente, a filosofia “tem pensado a si mesma prevalentemente como saber fundamental” (SCIUTO, 2006, p. 4374), o que parece tornar a expressão “fundamento filosófico” redundante, devendo ser justificado seu uso. Como tentaremos mostrar, o uso do conceito “fundamento” na filosofia contemporânea é problemático e a questão permanece em aberto. Uma segunda questão se refere ao campo de aplicação da discussão crítica sobre “fundamento”: a ética aplicada ao “ambiente”, que deve ser entendido como tudo aquilo que está ao nosso redor e que pode ser conceituado, em sentido amplo, como sendo constituído pelas condições materiais, culturais e socioambientais de nossas vidas. A palavra ambiente (particípio presente do verbo latim ambire, “andar ao redor, cercar, rodear”, de amb- “ao redor” e -ire “andar”) adquiriu, ao longo da história, outros significados, denotando não só o que está “ao redor” mas, de forma mais inclusiva, “o que está fora e também o que está dentro de nós”, sendo que esta “fusão” mudou nossa relação com ele, pois não terá mais “censuras entre sujeito e objeto, entro o dentro e o fora”, logo “cuidar de nós mesmos comportará cuidar do ambiente, e vice- versa” (TRUPPI, 2006, p. 331). Mas o termo “fundamento” é polissêmico e possui uma multiplicidade de significados dificilmente reconduzíveis a uma unidade semântica. Por isso, para poder falar em “fundamentos filosóficos”, deveríamos antes nos perguntar quais são os vários significados da própria palavra “fundamento” e quais seriam pertinentes para nossa análise. Mas quais são, de fato, os significados do termo? De acordo com a linguagem do senso comum, “fundamento” é a base (ou a estrutura) de algo construído; que pode ser material, como no casode uma casa, ou simbólico quando pertencer a um conjunto de conhecimentos ordenados e inteligíveis, como pode ser o caso de uma teoria, ou uma simples afirmação, que pode ser julgada “fundamentada” ou não. Historicamente, este é também o primeiro significado adquirido pelo termo, que será também utilizado pela Filosofia, por exemplo, por Descartes, para quem o conhecimento, para poder ser considerado fidedigno (ou válido), deve ter fundamentos seguros e sólidos “porque uma vez minados os fundamentos, cai por si tudo o que está sobre eles edificado” (DESCARTES, 1985, p. 106). Em realidade, o termo “fundamento” é um termo significativo na construção do próprio discurso filosófico na medida em que a Filosofia é identificada como um “saber fundamental”, isto é, “um conhecimento [que] repousa em última instância sobre certas crenças básicas que sustentam outras, como alicerces sustentam uma construção [e que são chamadas] crenças verdadeiras ‘básicas’, que não precisam ser justificadas por apelo a outras” (LAW, 2008, p. 60). Mas o que dizem os dicionários especializados? De acordo com o Vocabulário técnico e crítico da filosofia, de André Lalande (1972) “fundamento” teria dois significados “muito diferentes”: (1) o significado de “o que dá a algo a sua existência ou sua razão de ser”, denotando, em particular, “o que justifica uma opinião, o que determina o assentimento legítimo do espírito a uma afirmação ou a um conjunto de afirmações, sejam especulativas, sejam práticas”, e (2) “a proposição mais geral e a mais simples (ou, mais exatamente, o sistema formado pelas ideias e as proposições mais gerais e menos numerosas)”, o que permitiria “deduzir todo um conjunto de conhecimentos ou de preceitos” (LALANDE, 1972, p. 364). Do ponto de vista diacrônico, em Filosofia, “fundamento” adquiriu uma multiplicidade de significados, tais como: (a) “causa” e “princípio” na filosofia antiga, como em Aristóteles, para quem a “causa” (aitía) está vinculada à razão (logos): “a causa é razão, logos [que explica] não somente o acontecer de fato da coisa, mas seu ‘não poder ser diferente’, isto é, sua necessidade racional” (apud ABBAGNANO, 1998, p. 413); (b) “condição”, “razão suficiente” ou “razão de ser” das coisas na filosofia moderna, tendo em particular os significados de: (b1) “princípio” ou “proposição fundamental” a partir da qual podemos construir conhecimentos fidedignos, como em Kant, que, em sua Fundamentação da Metafísica dos Costumes [1785], identifica especificamente a questão da fundamentação da moral com “a busca e fixação do princípio supremo da moralidade, o que constitui (...) uma tarefa completa e bem distinta de qualquer outra investigação moral” (KANT, s/d, p. 19); (b2) “unidade da identidade e da diferença” no processo dialético em Hegel, que, em sua Enciclopédia das Ciências Filosóficas [1830], considera tal “unidade” a “essência posta como totalidade”, que “não é só a unidade [mas também] a diferença da identidade e da diferença”, que “aparece assim como uma nova contradição” e que “como tal, não é o que persiste em repouso, senão antes um repelir-se de si mesmo”, em suma: “[o] fundamento é apenas fundamento enquanto funda; mas o que derivou do fundamento é ele próprio” (HEGEL, 1995, p. 237-238); (c) tornando-se uma questão em aberto na filosofia contemporânea, quando “a questão do fundamento entra em uma crise decisiva”, não podendo mais ser considerada “como tema central da Filosofia” (SCIUTO, 2006, p. 4380). A “crise” da fundamentação na filosofia contemporânea se deve, sobretudo, ao debate epistemológico sobre o saber-fazer científico ao longo do século XX, que questiona a tradição do “fundacionalismo” por conceber o conhecimento como “uma estrutura que se ergue a partir de fundamentos certos e seguros [que se] encontram numa combinação da experiência com a razão” e que se opõe ao “coerentismo, que nos diz que um conjunto de proposições pode ser conhecido sem que esteja fundado na certeza” (BLACKBURN, 1997, p. 164). Pode-se, portanto, dizer que a fundamentação em Filosofia é uma questão em aberto. Mas este parece ser também o caso da ética ambiental, pois “apesar do interesse no ambiente representar uma das maiores características da sociedade ocidental do século XX, os fundamentos ético-filosóficos do pensamento ambiental contemporâneo são escassamente compreendidos tanto pelos ambientalistas quanto por seus opositores” (HARGROVE, 1990, p. 09). A ética ambiental, seus sinônimos, significados e vínculos conceituais A ética ambiental é conhecida também como “ecoética”, “ética da proteção do ambiente” e até como “ecofilosofia”, visto que todas “se ocupam das normas e valores envolvidos nas relações entre o homem e os outros seres vivos no quadro dos ecossistemas” e que, partindo da constatação dos “efeitos negativos do poder tecnológico e econômico”, se preocupam com uma “nova percepção da responsabilidade do ser humano para com o futuro da vida na terra”, o que permitiria, inclusive, considerar a ética ambiental como “intimamente ligada aos fundamentos e às aplicações da bioética” (LESCH, 2001, p. 339), visto que a própria bioética surge também oficialmente naqueles anos com o oncologista Van Rensselaer Potter, que foi quem criou o neologismo bioética para indicar um novo campo interdisciplinar de pesquisa e tentar dar conta da complexidade representada pelo problema da “sobrevivência” da espécie humana, para a qual o respeito do ambiente natural seria uma condição necessária (POTTER, 1970). Em particular, a “ecofilosofia” pode ser vista como “uma disciplina recente atenta às relações que o ser humano mantém com a natureza [e que] desenvolve uma reflexão ética que visa justificar um conjunto [de] comportamentos, de valores, de atitudes para com [os] objetos naturais (animados ou inanimados) ou ainda a biosfera” (BÉGUIN, 2003, p. 326). Em outros termos, a ecofilosofia pode ser considerada uma reflexão filosófica orientada pela normatividade elaborada pelo pensamento ecológico, em consonância com a tradição de reflexão de Aldo Leopold, que propunha em 1949 uma “ética da Terra” preocupada com “o respeito dos equilíbrios, a integridade e a beleza dos ecossistemas como reflexo das relações biológico-evolutivas entre nossa espécie e o ambiente natural” (TALACCHINI, 2006, p. 333). Para Leopold a “ética da terra” seria uma “extensão da ética” e referente a “um processo de evolução ecológica [cujas] sequências podem ser descritas em termos tanto ecológicos como filosóficos”, sendo que “uma ética, ecologicamente falando, é um limite imposto à liberdade de agir na luta pela existência” e, com este sentido, “é possível que a ética seja uma espécie de instinto comunitário em gestação [que] simplesmente amplia as fronteiras da comunidade para incluir o solo, a água, as plantas e os animais ou, coletivamente, a terra” (LEOPOLD, 2000, p. 256-258). De fato, para Leopold “abusamos da terra [que] consideramos uma commodity que nos pertence”, ao invés de considerá-la como uma “comunidade à qual pertencemos” e que “podemos começar a utilizar com amor e respeito”; mas isso constituiria “uma extensão da ética”, considerada necessária “se quisermos que a terra sobreviva ao impacto do homem mecanizado”, pois “nossa sociedade do cada-vez-mais-e-melhor possui atualmente um comportamento hipocondríaco, de tão obcecada que ela é por sua saúde econômica”, mas perdendo, de fato, “a capacidade de ficar saudável” e de dar-se conta de que “nada poderia ser mais saudável [que] um pouco de desprezo pela pletora dos bens matérias” (LEOPOLD, 2000, p. 14-15). No comentário de Le Clézio, o que Leopold queria mostrar seria que “a evidência da deterioração é uma constatação física, não um parti pris intelectual” e o que ele nos transmitiu seria a ideia de que “em nosso mundo de abundância de bens e de empobrecimento da vida, não podemos mais ignorar o valor da troca e a necessidade do pertencimento – esse frágil equilíbrio [que] será a preocupação do século vindouro” (LE CLÉZIO, 2000, p. 8-9).Do ponto de vista epistemológico, a emergência do termo “ética ambiental” e de seus sinônimos se situa num movimento que chamamos de “transição paradigmática” in fieri em ética (TELLES & SCHRAMM, 1999), na qual, a partir da constatação da existência de uma “crise ecológica”, infere-se que as implicações práticas, inclusive morais, deveriam ser assumidas pelo humano, integrando- as na caixa de ferramentas a serem utilizadas pela humanidade para poder enfrentar tal crise e tentar “sobreviver”. Mas isso implica em se perguntar antes se é pertinente desenvolver uma ética que reconheça (ou atribua) valor moral ao ambiente natural (ou natureza) e a seus componentes, por um lado, e se é justificado afirmar que existem obrigações do homem com ela, por outro. Visto que, a rigor, “ética ambiental”, “ecoética” e “ecofilosofía”, embora indiquem que o ambiente natural possa ser considerado um “paciente moral” e possuir alguma forma de “valor intrínseco”, o “agente moral” — que será responsável pelos efeitos sobre o primeiro — será de qualquer maneira sempre o humano, que terá em conta também seus interesses específicos, e isso a partir de um ponto de vista que será sempre, de alguma maneira, “antropocêntrico”. Mas é exatamente tal ponto de vista “antropocêntrico” — que a ética tradicional considera inevitável — a ser questionado pela ética ambiental e a ecologia, as quais incluem, no âmbito de suas preocupações, a extensão das ferramentas ético-normativas a novos pacientes morais, como os animais não humanos e os seres sencientes em geral, assim como a própria natureza — que é, via de regra, a posição assumida pela assim chamada “ecologia superficial”, que de fato não é propriamente “anti-antropocêntrica”. Entretanto, neste debate destaca-se uma tentativa de desconstrução — e até de dissolução — da ética antropocêntrica tradicional. Este é o caso do movimento representado pela “ecologia profunda” (deep ecology), que Arne Naess define como Ecosofia T, opondo-a à ecologia superficial (shallow ecology). A Ecosofia T defende um “igualitarismo biosférico de princípio”, que recusa a concepção do homem visto tão somente como “inserido no ambiente (...) a não ser quando se fala colocando-se num nível de troca verbal superficial ou preliminar”, para pensá-lo, ao contrário, como inserido “na rede ou campo da biosfera”, onde cada ser teria com os outros seres “relações intrínsecas”, o que poderia ser visto como “modelo do campo de vista total” e que mostraria que a ecologia (a não ser confundida com o “ecologismo” considerado uma das “numerosas formas desviantes vindas da ecologia profunda”) é uma “ciência limitada” que deve ser substituída por uma forma de saber mais ampla e integradora, como seria justamente uma “ecosofia [entendida como] filosofia da harmonia ou do equilíbrio ecológico” (NAESS, 1973). Em outros termos, a “ecologia profunda” não aceita a cosmovisão fundamentada no dualismo homem-natureza do paradigma antropocêntrico. Na prática, pretende modificar os modos de viver dos humanos em relação ao ambiente, defendendo que o ambiente tem “direitos” e que a “natureza” tem um valor intrínseco, que não pode ser confundido com aquele referente à realização dos bens humanos; ou seja, que a vida deve ser considerada uma “totalidade não diferenciada que possui valor que merece respeito, seja por razões de tipo metafísico-religioso ou por motivações de tipo empírico”, como seria o caso da “ética da terra” proposta por Leopold, que propõe uma concepção do “homem como parte da natureza e da natureza como uma ‘comunidade biótica’ de relações interdependentes baseadas no equilíbrio homeostático” (GREBLO, 2005, p. 18). Para tentar responder às críticas radicais dos defensores da ecologia profunda, os defensores de alguma forma de antropocentrismo — como aqueles da ecologia superficial — tiveram que diferenciar seu campo começando por distinguir três subconjuntos: (a) o “antropocêntrico” propriamente dito; (b) o “não antropocêntrico” e (c) o “misto”: (a) considerando “a ética ambiental como sendo, ou devendo ser, centrada no homem [e] que os valores ambientais são meras preferências humanas”; (b) julgando que “os valores morais não são meros produtos das preferências humanas ou que as éticas tradicionais erraram em colocar os interesses humanos em primeiro lugar”, devendo, portanto, a ética “ser submetida a uma transformação massiva para poder contemplar os problemas ambientais contemporâneos”; (c) ponderando que, se por um lado, a ética deve ser reformada para poder contemplar os problemas ambientais, por outro, ela deve também considerar que “alguns interesses humanos devem ter prioridade sobre interesses ambientais e outros não” (SHRADER- FRECHETTE, 2005, p. 189-190). Assim sendo, alguma forma de “antropocentrismo” poderia ser considerada adequada também para resolver problemas ambientais, podendo-se argumentar que aquilo que afeta o ambiente afeta também o homem; logo, proteger o ambiente seria uma maneira de proteger também o homem e garantir seu bem-estar. Entretanto, considerando a responsabilidade do homem com relação à natureza, alguns autores – como John Passmore (1974) – estigmatizaram a “arrogância greco-cristã”, baseada na crença de que “o homem poderia se tornar não somente o possuidor, mas o verdadeiro senhor da natureza”; crença que teria “encorajado determinadas atitudes com relação à natureza: que ela existe em primeiro lugar como um recurso mais do que como algo a contemplar com prazer, que o homem tem o direito de utilizá-la de acordo com sua vontade, que ela não é sagrada, que as relações dos homens com ela não são governadas por princípios morais”. Em suma, para Passmore, existiria “uma forte tradição ocidental segundo a qual o homem é livre de tratar a natureza como ele quer, pois ela só existiria para ele”, atitude esta que teria “encontrado sua expressão em uma metafísica para a qual o homem é o único agente finito e a natureza um vasto sistema de máquinas que o homem pode utilizar e modificar segundo sua vontade” (PASSMORE, 1974, p. 17-27). Outra abordagem antropocêntrica “fraca” no campo da ética ambiental é aquela feita por Eugene C. Hargrove (1990), que entra diretamente na questão da fundamentação da ética ambiental, tem em conta a distinção entre valor intrínseco e valor instrumental, e considera que o valor encontrado na natureza estaria sempre centrado no próprio humano, sendo que a relevância moral atribuída ao tipo de relação que o homem estabelece com a natureza faria parte da própria formação do caráter moral humano, que implicaria, em particular, um vínculo entre ética e estética, algo que já tinha sido pensado por Wittgenstein, para quem “ética e estética são uma só”, visto que “a obra de arte é o objeto visto sub specie aeternitatis [e] a vida boa é o mundo visto sub specie aeternitatis. Esse é o vínculo entre Arte e Ética” (apud BUCHHOLZ, 2006, p. 85). Em particular, para Hargrove, ao privilegiar “o valor da fruição das belezas naturais”, se estabeleceria uma conexão entre “preservação do ‘belo’ natural e aperfeiçoamento (moral) do caráter” (apud BARTOLOMMEI, 1995, p. 71). Para justificar sua interface entre ética e estética, Hargrove estabelece uma genealogia “das ideias que conduziram à preservação e conservação pelo ser humano de seres não humanos” e que começaria no século XIX, quando o “quadro intelectual não [estava ainda] marcado pela teoria da evolução das espécies e pela teoria ambiental” (PINSART, 2003, p. 62). De fato, em seu livro Foundations of Environmental Ethics, Hargrove estabelece claramente o vínculo conceitual entre ética e estética, que começa por detectar no próprio saber-fazer científico: “os naturalistas do século dezenove têm adquirido atitudes preservacionistas com relação à natureza por razões estéticas” (HARGROVE, 1990, p. 155). Acrescentando que “a percepção do mundo dos ecologistas e ambientalistas” está “diretamente ligada às percepções estéticas dos primeiros botânicos, biólogos e geólogos, sendo, portanto, compatível [com] umimportante componente da ciência, com a civilização e o homem ocidental”, sendo “as atitudes estéticas com relação à natureza, desenvolvidas no Ocidente nos últimos três séculos demasiado enraizadas na cultura e na ciência ocidentais para ser consideradas uma moda ou uma interferência oriental” (Ibidem, pp. 104-105). Hargrove estabelece também uma relação entre o belo, a sua perda e as implicações morais envolvidas: visto que “a perda do belo natural e artístico representa uma perda de bem total do mundo, é nosso dever tentar preservar ambos os tipos de belo no melhor dos modos”, embora seja “em termos de esforços de preservação do belo que aflorem as diferenças de nossos deveres com relação a cada tipo de belo” e que, no caso da natureza, “a preservação do belo seja algo mais difícil, [pois] as tentativas diretas de preservar um objeto natural constituem habitualmente uma interferência com o processo natural, reduzindo sua beleza” (HARGROVE, 1990, p. 259). Para o autor, a interface entre ética e estética teria sido estabelecida ao longo da própria “história natural”: “esteticamente, a natureza não é somente o que existe neste momento temporal, é também a inteira série de eventos e de iniciativas que a levaram a este ponto. Quando admiramos a natureza, admiramos também tal história. Quando interferimos com a natureza, independentemente do fato de nossas intenções serem boas ou não, criamos uma fratura em tal história natural. Não podemos ajudar a natureza em seus planos, pois ela não tem planos [e] os planos não são da natureza, mas nossos e o resultado é o enrijecimento da criatividade natural” (Ibidem, p. 263). Respondendo às objeções daqueles que defendem “a impossibilidade de cumprir o dever de promover e de preservar a natureza” e que consideram que o argumento em defesa de tal dever “se baseia em assuntos medievais que são hoje irrelevantes”, Hargrove pondera que o “dever” de proteger a natureza “não significa que tenhamos sempre o dever de promover e preservar tudo na natureza ou que a promoção e a preservação das obras de arte não tenham, em muitos casos, a precedência, mas que se temos o dever de promover e preservar o belo artístico devemos reconhecer um dever análogo de promover e de preservar o belo natural, em grande parte pelas mesmas razões pelas quais reconhecemos o mesmo dever no que diz respeito à arte e por razões precisas ligadas à condição ontológica da existência natural” (HARGROVE, 1990, p. 267). E conclui com um alerta: “embora a maioria das pessoas não deseje tão ardentemente a destruição do belo na natureza, a ideia da apreciação da natureza como consumo da natureza é um problema sério, que muitas vezes leva a confusão na formulação da política pública relativa às áreas naturais” (Ibidem, p. 272). A questão dos fundamentos permanece problemática Em princípio, a crítica ao fundacionalismo se estende a todos os significados de “fundamento” utilizados, mas se aplica, preferencialmente, ao significado “forte”, que deve ser distinto do significado “fraco”. No sentido forte, “fundamento” é conceituado como “base absolutamente certa”, considerada “evidente e/ou inegável” tanto do ponto de vista lógico como ontológico, pois do ponto de vista lógico “o fundamento constitui a garantia e a justificação última de asserções, argumentações, leis, princípios” e do ponto de vista ontológico o fundamento “permite explicar e compreender o ‘porque’ do ser das coisas” (SCIUTO, 2006, p. 4374). De fato, ambos os sentidos foram abordados “com terminologias diversificadas por todo o pensamento antigo, medieval e moderno”, mas na contemporaneidade tem prevalecido o “significado fraco, próximo daquele do senso comum [e indicando] as bases, sempre provisórias e sempre atualizáveis dos saberes especiais”, mostrando, em particular, que não se pode sair “deste pluralismo com um conceito único de fundamento” e, mesmo que fosse possível adotar este método, que “tal unicidade não seria fecunda nem utilizável”, ou seja, existiria, na prática, uma “grande variedade de posições, que oscilam entre os dois extremos do pensamento fundacional e do mais radical antifundacionalismo” (SCIUTO, 2006, p. 4375). Mas, como vimos, no pensamento contemporâneo a questão do fundamento entra em crise, sobretudo devido aos questionamentos epistemológicos acerca das pretensões do fundacionalismo, o que tornou a questão do fundamento uma questão em aberto em todos os campos do conhecimento. Podendo-se até falar em crise do fundamento como característica da filosofia contemporânea, caracterizada pelo historicismo e o pluralismo, ou até por um “saber sem fundamentos” (GARGANI, 1975). Com efeito, para Gargani a ideia de “fundamento absoluto” teria uma forte conotação questionável, que podemos chamar de biopolítica por ser nada mais que “um instrumento de disciplinamento da vida humana, uma função de ordem da vida civil”, podendo-se falar em “sintoma de uma necessidade profundamente enraizada de realizar situações garantidas, regimes teóricos de segurança” e “rituais metodológicos” ou “cerimonias epistemológicas” suscitadas pela necessidade de pôr em ordem as “atividades simbólicas e cognitivas que têm sua legitimação na dimensão das formas de vida às quais são imanentes” (GARGANI, 1975, p. 78-109). Entretanto, e apesar das críticas recebidas, a defesa da ferramenta constituída pelo “fundamento” continua na contemporaneidade, sendo um termo ainda muito utilizado, por exemplo, nas discussões epistemológicas em lógica e na matemática, onde serve para indicar o que protegeria o raciocínio dedutivo contra as antinomias, os paralogismos e os assim chamados sofismas, e, sobretudo, na metodologia científica, podendo-se dizer que o método da fundamentação consiste em dar “a razão que justifica cada passo do filosofar”, sendo também o que “dá a razão de uma preferência, de uma escolha, da realização de uma alternativa ao invés de outra” (ABBAGNANO, 2002, p. 415). Já no campo específico das éticas aplicadas a questão do fundamento é aparentemente menos problemática, pois foi parcialmente resolvida integrando-a na problemática linguístico- hermenêutica abordada pelas ciências da linguagem e a filosofia analítica, que abordam a questão das condições de possibilidade da construção de um conhecimento intersubjetivo válido, baseado no diálogo e na comunicação. Esta abordagem pretende ser uma alternativa ao fundacionalismo, fundamentada na natureza interpretativa das práticas cognitivas e que encontra seu “fundamento” no “princípio epistêmico do falibilismo”, vinculando-o a uma “concepção processual da racionalidade” embasada “no critério da ação enquanto instrumento ou banco de prova das nossas proposições cognitivas e éticas”, o que se torna uma condição de possibilidade para o exercício de uma “constante e aguda atenção às práticas através das quais se desenrolam nossas instâncias cognoscitivas e valorativas” (CALCATERRA, 2012, p. 7). Este foi o caso de Karl Otto Apel, que formulou em 1973 a “ética da comunicação” (APEL, 2000), e de Jürgen Habermas, que a substituiu em 1983 pela “ética discursiva” (HABERMAS, 1989). Em substância, esta subsunção da problemática do fundamento numa ética comunicativo-discursiva é feita considerando que o fundamento da moral deve ser procurado na forma de linguagem conhecida como “discurso argumentativo”, pois “o fundamento das normas não pode ser estabelecido nem através de uma reflexão ontológica sobre a natureza das coisas nem [de] uma reflexão transcendental sobre a natureza do sujeito, mas somente graças a uma confrontação entre argumentos”, de tal forma que “nenhum sujeito envolvido por aquelas normas possa ser excluído de tal confrontação, pena a inviabilidade do consenso atingido”, o que implica que uma norma se torna válida não devido à “existência de um bem ou de um justo em si, mas somente no procedimento argumentativo-consensual que a institui”; em suma: “não se pode estabelecer a priori, antes daquele consenso, nenhuma norma, nem antecipando com um experimento mentalo que poderia emergir de tal confronto” (CORTELLA, 2006, p. 2991). Mas tal “experimento mental” praticado na argumentação substitui os tradicionais fundamentos a priori com a comunicação, que é um “a priori” diferente, pois permite uma confrontação argumentativa aberta a todos os interessados e/ou envolvidos em uma disputa para tentar resolvê-la. Apel, em particular, o identifica como “metanorma fundamental da ética” (APEL, 2000), que “obriga todos aqueles que, através do processo de socialização, conseguiram a ‘competência comunicativa’ para procurar (...) um acordo que visa uma formação solidal do querer”, pois “no a priori da argumentação está implícita a pretensão de justificar (...) todas as pretensões humanas (também as pretensões implícitas, contidas nas ações e instituições, dos homens em relação com os outros homens). Quem argumenta reconhece implicitamente todas as possíveis pretensões de todos os membros da comunidade da comunicação que podem se justificar através de argumentos racionais [e] se engaja, ao mesmo tempo, em justificar, por meio de argumentos, suas próprias pretensões em relação aos outros” (apud PETRUCCIANI, 2006, p. 555). Em suma, a ética discursiva, ou “dialógica”, necessita do consentimento entre partes envolvidas em uma disputa, o que constitui uma condição necessária a ser satisfeita para poder abordar também a questão dos fundamentos, embora ela não se ocupe diretamente da natureza ou essência do fundamento, mas de sua adequação à universalizabilidade, entendida como fundamento que “vale como princípio geral do qual se possa deduzir o maior número possível de conclusões particulares compartilháveis” (SCIUTO, 2006, p. 4386). Considerações finais Como vimos, enquanto disciplina acadêmica, a ética ambiental surge quando emerge a necessidade de atribuir uma relevância moral ao ambiente natural a partir da constatação de que “o crescimento econômico do pós-guerra tem exercido um impacto ecológico importante nos países industrializados” (HESS, 2015, p. 412-413). Esta tomada de consciência do “impacto ecológico” da ação humana e de suas possíveis consequências para os próprios humanos presentes e futuros, levou alguns filósofos a se perguntarem quais seriam as implicações morais do tipo de desenvolvimento vigente e, em particular, qual tipo de relação que o homem deveria de fato ter com a natureza quando esta adquirir uma relevância moral, considerada necessária para orientar nossas relações com ela. Mas isso implica também em ter que questionar as éticas tradicionais, que, via de regra, não se preocuparam diretamente com as implicações morais das ações humanas sobre a natureza, mas somente indiretamente, por serem essencialmente antropocêntricas. Assim sendo, a ética ambiental representa uma resposta à emergente “crise ecológica”, da qual o homo sapiens seria responsável e, portanto, seria também incumbido de resolver tal crise, devendo partir da premissa de que a natureza não é algo sem um valor que não seja instrumental, nem uma mera fonte inexaurível de recursos, ou algo que só tem valor se for a serviço do homem, visto que ela teria também um valor em si, ou seja, ela seria também um “paciente moral” para além “dos confins da espécie humana” (BARTOLOMMEI, 1995, p. 33). Em outros termos, a ética ambiental ou “ética ecológica”, ao destacar o “chauvinismo” das éticas antropocêntricas tradicionais, coloca, em particular, o problema do valor intrínseco do conjunto dos entes naturais constitutivos do ambiente (e que vimos, apresentando as ideias de Hargrove vinculando ética e estética), visto que parte do pressuposto de que a natureza (ou ambiente, que consideramos aqui como sinônimo) pode, sim, ser concebida como algo que tem valor intrínseco, independentemente de sua valoração elaborada pelo homem. Em suma, a ética ambiental é produzida pelo ponto de vista que considera central o ambiente entendido como “o ambiente não humano e não produzido pelo homem” (BARTOLOMMEI, 1989, p. 11). Mas a afirmação deste ponto de vista não antropocêntrico é bastante recente na cultura ocidental, pois a ideologia da dominação da natureza tem prevalecido ao longo de sua história, que a considerara como indício — ou até prova — do progresso alcançado pela humanidade dita civilizada, distanciando-se da natureza, o que implicava que a maioria dos objetos naturais podia ser danificada e até destruída sem levantar problemas morais substantivos, pois “a ideia de natureza como res nullius e poço de recursos inesgotáveis ou renováveis contribuía a circunscrever o tratamento dos entes naturais a um problema de maximização das vantagens econômicas” (BARTOLOMMEI, 1989, p. 12). Entretanto, a partir dos anos 1960/1970 do século XX, a ideia do crescimento material constante e ilimitado começou a ser questionada, levando à emergência da ideia segundo a qual existiria uma incompatibilidade entre crescimento econômico e proteção do ambiente, ou seja, que o crescimento indefinido seria impossível num mundo de recursos escassos e que a obstinação neste sentido levaria a uma ruptura do tecido ecológico que garantiu ao longo da história as condições de vida no planeta Terra. Por isso as sociedades humanas deveriam considerar que não podem não ter em conta os vínculos físicos e biológicos do habitat no humano, como é o caso da “contaminação” do meio natural que constituiria uma “guerra” contra a natureza (CARSON, 1962); da obsessão pelo lucro do sistema de produção atual, que é injusto porque favorece alguns e porque o custo social e ecológico é para todos, esquecendo que tudo está interconectado e que os problemas sociais e ambientais são inseparáveis (COMMONER, 1963); em suma, que devem existir limites ao crescimento, pois um “crescimento exponencial em um sistema finito e complexo”, quando atingir seu “limite natural”, implica uma alta probabilidade do próprio “fim do crescimento antes de 2010” e o “colapso final” (MEADOWS, 1972). Partindo dessas premissas, a ética ambiental — que emerge junto com a consciência da crise ecológica e de suas consequências — implica uma desconstrução das certezas vinculadas às éticas antropocêntricas, acusadas de “especismo”, e perguntando se “a capacidade dos ecossistemas de produzir e reproduzir autonomamente suas formas próprias de organização” não seriam um “requisito também moralmente relevante” que deveria ser integrado nos “critérios mais tradicionais de possuir ‘consciência’, ‘racionalidade’ ou de pertencer à espécie humana” (BARTOLOMMEI, 1995, p. 35). Em particular, do ponto de vista epistemológico, a ética ambiental constitui uma passagem de um paradigma antropocêntrico, que considera que o ambiente (ou a “natureza”) só tem um valor instrumental a serviço do homem, para um paradigma que pode ser chamado de “ecocêntrico” e que atribui à natureza (ou “ecosfera” ou “biosfera”) um valor intrínseco e que situa os humanos como um componente inter alia dela, junto com os vários ecossistemas (montanhas, solos, bosques, mares, espécies animais e vegetais etc.), que teriam todos um valor intrínseco. Esta transição paradigmática, representada pelo surgimento da ética ambiental em meados do século XX, consiste em uma passagem (que indicamos pela expressão “transição paradigmática”) do valor instrumental para o valor intrínseco atribuído ao ambiente natural ou “natureza”. Concluindo, costuma-se indicar como marco inicial desta passagem o artigo A ética da terra, de Aldo Leopold (1949), que propõe o termo land ethics para denotar a preocupação de ampliarmos nosso universo moral e incluir a Terra como paciente moral. Como escreveu Lepold: “A ética da terra simplesmente amplia os limites da comunidade de maneira a incluir solo, água, plantas e animais, ou, coletivamente: a terra” (LEOPOLD, 1949, p. 224). Referências bibliográficas ABBAGNANO, N. Dizionario di filosofia. Milano: TEA, 1998. ALMEIDA, JLT. & SCHRAMM, FR. Paradigm shift, metamorphosis of medical ethics, and the rise of bioethics, Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, 15 (Sup. 1): 1999, p.15-25. Disponível em: <http://www.scielosp.org/pdf/csp/v15s1/0333.pdf>. APEL, K.-O. O a priori da comunidade de comunicação e os fundamentos da ética. In: ID. Transformação da filosofia II. São Paulo: Ed. Loyola, 2000, p. 407-491. BARTOLOMMEI, S. Ética e ambiente. Milano: Guerini e Associati, 1989. 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Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. “Reafirmamos que a educação é um bem público, um direito humano fundamental e a base que garante a efetivação de outros direitos. Ela é essencial para a paz, a tolerância, a realização humana e o desenvolvimento sustentável (...) elemento chave para atingirmos o pleno emprego e a erradicação da pobreza”. UNESCO. Declaração de Incheon, Educação 2030: rumo a uma educação de qualidade inclusiva e equitativa e à educação ao longo da vida para todos. Introdução Ao avançarmos na leitura desta reflexão bioética poderemos ter uma sensação de estarmos navegando num horizonte utópico de difícil concretização, ou seja, sonhos que jamais se realizarão. Vivemos hoje numa cultura que cultiva a ditadura de um pragmatismo de resultados imediatos e urgentes, em que esperar é agir. À primeira vista pareceria impossível fazer uma associação e aproximação entre bioética e utopia no melhor dos sentidos que esta expressão utopia conota. Na verdade, em toda utopia existe uma ética subjacente, e em toda ética, existe uma dimensão utópica que a constitui. O filósofo brasileiro, Adauto Novaes, ao apresentar o ciclo de conferências em torno da temática “Um novo espírito utópico?” (2015) nos lembra que comemoramos neste ano de 2016 quinhentos anos da publicação da obra clássica de Thomas Morus, Utopia (1516). Esta bela palavra, que quer dizer “não lugar”, mas também se pode traduzir por eutopia – “lugar da felicidade” –, fez um longo percurso cheio de enigmas. Promessa, esperança, simulação antecipadora, horizonte de nossos desejos, a utopia tem um destino comum: a “severa e lúcida crítica da realidade”. Assim, entendemos por utopia não necessariamente uma ação imediata, uma vez que seu trabalho incessante não se aplica a produzir diretamente a coisa, “mas a produzir aquilo que produzirá a coisa”. É isso que a distingue da ordem e da desordem. Ou melhor, a utopia é ponto de permanente contradição tanto diante da ordem como da desordem do mundo. O fundamento da utopia é, pois, a permanente criação do novo. Precisamos de utopias, nos diz o filósofo Francis Wolff. Elas são para a comunidade aquilo que os sonhos são para os indivíduos. Uma utopia é um refúgio em direção a um ideal irrealizável quando o real parece insuportável. É a aspiração do impossível. Sim, qualquer comunidade, qualquer época, qualquer geração precisa de utopias”. A utopia é isto: seres e imagens sem objetos, ou melhor, aquilo que não existe, mas sem o qual não conseguiríamos viver como humanos nem lutar contra as trevas da realidade social e política. O real hoje é insuportável, todos sabem. Poderíamos fazer uma comparação ao falarmos de uma perspectiva utópica, com a “utopia” judaico cristã. Na cultura Judaico cristã, quando na Bíblia se fala da conquista da terra prometida, que é descrita em termos nutricionais como uma “terra onde corre leite e mel”, ou mesmo a responsabilidade dos cristãos de construírem juntos “novos céus e nova terra”, ou se fala de Jesus em torno do “Reino dos Céus”, é nesta perspectiva utópica, fruto de um cuidadoso planejamento a longo prazo, que olhamos para a agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável. A ONU – Organização das Nações Unidas, que reúne hoje 193 Estados membros, adotou formalmente em 2015, na Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (Nova York, 25-27 de setembro) a agenda Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Ban Ki-moon, no discurso de abertura da Cúpula, disse que “a nova agenda é uma promessa dos líderes para a sociedade mundial. E uma agenda para acabar com a pobreza em todas as suas formas, uma agenda para o planeta”. O então secretário Geral da ONU, Ban Ki-Moon, jáno final de 2014, ao apresentar aos Estados membros das Nações Unidas um relatório-síntese sobre o trabalho desenvolvido para a definição e negociação da agenda pós 2015, que iria substituir os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio 2000-2015 (ODM), afirmava: “estamos prestes a adentrar o ano mais importante para o desenvolvimento desde a criação das Nações Unidas. Nós devemos dar significado para a promessa desta organização, a fim de reafirmar a fé na dignidade e no valor do ser humano. Temos uma oportunidade histórica e o dever de agir vigorosamente para tornar a dignidade para todos uma realidade, sem deixar ninguém para trás”. Este relatório-síntese intitulado O caminho para a dignidade até 2030: acabando com a pobreza, transformando todas as vidas e protegendo o planeta, começou a ser elaborado desde a Rio + 20, contou com o apoio e com a colaboração de governos, de empresários, de todo o Sistema ONU e de milhares de pessoas ao redor do mundo. O documento aborda os desafios pós 2015 e pós ODM. Os chamados ODM em número de oito são os seguintes: 1. Acabar com a fome e a pobreza; 2. Educação básica de qualidade para todos; 3. Educação entre sexos e valorização da mulher; 4. Reduzir a mortalidade infantil; 5. Melhorar a Saúde das gestantes; 6. Combater a Aids, a malária e outras doenças; 7. Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; 8. Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento. Esta nova agenda do planeta para os próximos 15 anos, até 2030, como definiu Ban Ki-Moon, que agora oficialmente é aprovada pela Assembleia da ONU com o seguinte título, Transformando Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, consta de 17 objetivos e 169 metas a serem cumpridas por todos os países. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram sendo construídos sobre as bases dos ODM, — que produziram o mais bem-sucedido movimento anti pobreza da História humana — procurando completar o trabalho inacabado referente a eles e responder a novos desafios. Segundo estudiosos da ONU, os ODS focam nos três pilares fundamentais da sustentabilidade, ou seja: o social, o ambiental e o econômico. O que diferencia os ODM e ODS é que os ODM se importavam mais com as questões sociais e a preocupação econômica era um pouco difusa. Além disso, existia uma atenção maior em relação às necessidades dos países em desenvolvimento. Já os ODS são mais globais e incluem a todos os países, em desenvolvimento e desenvolvidos, incluindo também as questões de ecologia e meio ambiente. A agenda 2030 apresenta uma consciência mais crítica, alargada e globalmente compartilhada dos desafios que temos em termos globais para se alcançar o desenvolvimento sustentável. Ao abordá- lo ressalta a crença e herança histórica em muitos povos indígenas da América Latina: “Reafirmamos que o planeta Terra e seus ecossistemas são a nossa Casa Comum e que a ‘mãe Terra’ é uma expressão comum em vários países e regiões”. O que entender por “desenvolvimento sustentável’ e “sustentabilidade” Ao comemorar seus 70 anos de existência a ONU em 2015 procura reinventar-se e ser uma referência importante para todos os 193 países membros em termos de promoção da paz, superação de conflitos étnicos e desenvolvimento de seus povos. Em 2015, na Cúpula das Nações unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (25-27/09 – Nova York), adotou oficialmente a chamada Transformando o Mundo: agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Um novo conceito de desenvolvimento é adotado oficialmente pelos líderes mundiais, o chamado “desenvolvimento sustentável”. Desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992 – a Cúpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro (conhecida como ECO 92), o mundo identificou um novo caminho para o bem-estar humano, o do desenvolvimento sustentável. Este conceito apresentado na Agenda 21, reconhece que o desenvolvimento econômico deve ser equilibrado com um crescimento que responda às necessidades das pessoas e proteja o meio ambiente. A nova agenda para 2030 para o desenvolvimento sustentável baseia-se no resultado da Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável de 2002, da Cúpula de 2010, sobre os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, e o resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável de 2012 (Rio +20) e contribuições de organizações civis, ONGs de todo o mundo. Reconhecendo os sucessos dos ODM, os países concordaram no documento final da Conferência do Clima realizada no Brasil, no Rio de Janeiro, em 2012, a Rio+20, O futuro que Queremos, em estabelecer um grupo de trabalho aberto para elaborar um conjunto de metas a respeito do desenvolvimento sustentável. Nas 55 páginas do documento, a expressão “desenvolvimento sustentável” aparece nada menos que 286 vezes. Depois de mais de um ano de deliberações consultivas abrangentes e intensivas, o Grupo de Trabalho propôs 17 objetivos específicos com 169 metas associadas. As negociações intergovernamentais sobre a composição das metas duraram mais de dois anos e incluiram numerosas contribuições da sociedade civil e outras partes interessadas. Neste contexto ganha muita importância um conceito que fundamentou todas as discussões: sustentabilidade. O que entender por sustentabilidade? Temos discussões em andamento com críticos fervorosos de plantão. Mas é bom conhecer um pouco a evolução histórica do conceito para entender onde estamos. Quem utilizou pela primeira vez foi a norueguesa Gro Brundtland, ex-Diretora Geral da Organização Mundial da Saúde. Em 1987, como Presidente de uma comissão da ONU, Gro Brundtland publicou um pequeno livro intitulado Nosso Futuro Comum, que relacionava meio ambiente com progresso. Nesta publicação encontramos a primeira definição: “Desenvolvimento sustentável significa suprir as necessidades do presente sem afetar as habilidades das gerações futuras de suprirem as próprias necessidades”. O que se defende não é pura e simplesmente a interrupção do crescimento econômico, afirmou Brundtland: “O que se reconhece é que os problemas de pobreza e subdesenvolvimento só poderão ser resolvidos se tivermos uma nova era de crescimento sustentável, na qual os países do sul do globo desempenhem um papel significativo e sejam recompensados por isso com os benefícios equivalentes”. A sustentabilidade se aplica a toda e qualquer atividade humana e para esta ser sustentável necessita ser economicamente viável, socialmente justa, culturalmente aceita e ecologicamente correta. Portanto quando falamos de “desenvolvimento sustentável”, de “sustentabilidade”, estamos diante de um conceito que passou por uma evolução de compreensão, e hoje temos esta perspectiva de ser um conceito sistêmico, isto é, que integra aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais, entre outros elementos. Os referenciais éticos fundamentais da Agenda 2030 Transformando o Nosso mundo: A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável é a agenda global para os 193 países membros da ONU adotada para os próximos 15 anos. No seu preâmbulo é dito: “Esta agenda é um plano de ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade. Ela também busca fortalecer a paz universal com mais liberdade. Reconhecemos que a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões, incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável”. Esta agenda 2030 se constrói sobre o legado dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e assume os objetivos e metas não alcançados. Visa concretizar os direitos humanos de todos, particularmente os mais vulneráveis. Eles se apresentam de forma integrada e indivisível e abrangem as três dimensões do desenvolvimento sustentável, a saber: a econômica, social e ambiental. Segundo Ban Ki-Moon, secretário Geral da ONU, “a nova agenda é uma visão universal, integrada e de transformação para o mundo. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são o nosso guia. Eles são a lista de coisas a fazerpara as pessoas e o planeta e um plano para o sucesso”. Antes de apresentar os 17 objetivos com as suas 169 metas, a Agenda 2030 da ONU apresenta cinco princípios guia que embasam estas opções. São como que os “valores guia” fundamentais, referenciais éticos, valores inegociáveis a serem buscados, preservados com determinação. Eis os cinco referenciais éticos fundamentais: 1. Pessoas: acabar com a pobreza e a fome e garantir que todos os seres humanos possam realizar o seu potencial em dignidade e igualdade num ambiente saudável. 2. Planeta: proteger o planeta da degradação, sobretudo por meio do consumo e da produção sustentáveis, da gestão sustentável dos seus recursos atuais e tomando medidas urgentes sobre a mudança climática, para que ele possa suportar as necessidades das gerações presentes e futuras. 3. Prosperidade: assegurar que todos os seres humanos possam desfrutar de uma vida próspera e de plena realização pessoal, e que o progresso econômico, social e tecnológico ocorra em harmonia com a natureza. 4. Paz: promover sociedades pacíficas, justas e inclusivas que estão livres do medo e da violência. Não pode haver desenvolvimento sustentável sem paz e não há paz sem desenvolvimento sustentável. 5. Parceria: mobilizar os meios necessários para implementar esta Agenda por meio de uma Parceria Global para o desenvolvimento sustentável revitalizada, com base num espírito de solidariedade global reforçada, concentrada em especial nas necessidades do mais pobres e mais vulneráveis e com a participação de todos os países, todas as partes interessadas e todas as pessoas. Os vínculos e a natureza integrada dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) são de importância crucial para assegurar a concretização dos propósitos da nova Agenda 2030. E assim ocorrendo, diz o documento, “a vida de todos será profundamente melhorada e o nosso mundo estará transformado para melhor”. A ONU nascia há 70 anos a partir da divisão das nações e das cinzas da II Guerra Mundial. Aquela geração de líderes mundiais se reuniu para formar a ONU acreditando num futuro da humanidade a partir dos valores da “paz, diálogo e da cooperação internacional”. “Nós, os povos”, são as famosas palavras de abertura da Carta da ONU. E são “nós, os povos” que estão embaraçando hoje na estrada para 2030. “É uma Agenda do povo, pelo povo e para o povo, e isto, acreditamos, irá garantir o seu sucesso” (nº 52). Enfim “o futuro da humanidade e do nosso planeta está em nossas mãos. Também está nas mãos da geração mais jovem de hoje, que vai passar a tocha para as gerações futuras” (nº 53). Conhecendo os Objetivos da Agenda 2030 Relembramos os referenciais éticos norteadores da agenda 2030, os valores fundamentais que embasam estas escolhas de objetivos, a saber: respeito à pessoa humana em sua dignidade; cuidado para com o nosso planeta, nossa Casa Comum; um progresso que não destrua a natureza e que beneficie a toda a humanidade; busca da paz entre os povos, pois sem paz não acontece desenvolvimento sustentável e estabelecimento de parcerias globais, num espírito de solidariedade com os mais pobres e vulneráveis do planeta. A partir desta perspectiva é que são propostos os dezessete objetivos do milênio, a saber: 1. Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares; 2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável; 3. Assegurar uma vida saudável e promover o bem- estar para todos, em todas as idades; 4. Garantir educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizado ao longo da vida para todos; 5. Alcançar igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas; 6. Garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para todos; 7. Garantir acesso à energia barata, confiável, sustentável e moderna para todos; 8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos; 9. Construir infraestrutura resiliente, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação; 10. Reduzir a desigualdade entre os países e dentro deles; 11. Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis; 12. Assegurar padrões de consumo e produção sustentáveis; 13. Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos (cf. COP 21); 14. Conservar e promover o uso sustentável dos oceanos, mares e recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável; 15. Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, bem como deter e reverter a degradação do solo e a perda de biodiversidade; 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis; 17. Fortalecer os mecanismos de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável. Obviamente que estamos diante de uma visão extremamente ambiciosa e transformadora. Como é dito na Agenda: “Prevemos um mundo livre da pobreza, fome, doença e penúria, onde toda a vida pode prosperar. Prevemos um mundo livre do medo e da violência. Um mundo com alfabetização universal. Um mundo com o acesso equitativo e universal à educação de qualidade em todos os níveis, aos cuidados de saúde e proteção social, onde o bem-estar físico, mental e social estão assegurados. Prevemos um mundo de respeito universal dos direitos humanos e da dignidade humana, do estado de Direito, da justiça, da igualdade e da não discriminação, do respeito pela raça, etnia, diversidade cultural; e de igualdade de oportunidades, que permita a plena realização do potencial humano... Um mundo justo, equitativo, tolerante, aberto e socialmente inclusivo em que sejam atendidas as necessidades das pessoas mais vulneráveis”. Um checkup das doenças do mundo na perspectiva da Agenda 2030 Sem sombra de dúvida o momento histórico que estamos vivendo apresenta desafios gigantescos para o chamado desenvolvimento sustentável. Não é difícil perceber que ainda bilhões de pessoas continuam a viver na pobreza e a elas é negada uma vida digna. As desigualdades dentro dos e entre os países estão crescendo ao invés de diminuir. Existem disparidades gritantes de oportunidades, riqueza e poder. A desigualdade entre homem e mulher continua a ser uma desfio fundamental. Em muitas partes do mundo a mulher ainda é tratado como se fosse uma escrava, ou coisa e propriedade do homem. O desemprego, particularmente entre os jovens, é uma grande preocupação. Ameaças globais de saúde, desastres naturais mais frequentes e intensos, conflitos em ascensão, o extremismo violento, o terrorismo e as crises humanitárias relacionadas e o deslocamento forçado (migrantes) de pessoas ameaçam reverter grande parte do progresso do desenvolvimento conquistado nas últimas décadas. O esgotamento dos recursos naturais e os impactos negativos da degradação ambiental, incluindo a desertificação, secas, a degradação dos solos, a escassez de água doce e a perda de biodiversidade acrescentam e exacerbam a lista de desafios que a humanidade enfrenta. A mudança climática é um dos maiores desafios do nosso tempo e seus efeitos negativos minam a capacidade de todos os países de alcançar o desenvolvimento sustentável. Os aumentos na temperatura global, o aumento do nível do mar, a acidificação dos oceanos e outros impactos das mudanças climáticas estão afetando seriamente as zonas costeiras e os países litorâneos de baixa altitude, incluindo os menos desenvolvidos e os pequenos Estados insulares em desenvolvimento. Com este terrível diagnóstico, a conclusão não poderia ser diferente desta: “a sobrevivência de muitas sociedades, bem como dos sistemas biológicos do planeta, está em risco”. Estamos chegando numa situação de emergência crítica e
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