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Bioetica ambiental - Anor Sganzerla

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©2018, Anor Sganzerla, Patricia Maria Forte Rauli,Valquíria Elita Renk
 2018, PUCPRESS
 
Este livro, na totalidade ou em parte, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem
autorização expressa por escrito da Editora.
 
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ (PUCPR)
Reitor
Waldemiro Gremski
Vice-Reitor
Vidal Martins
Pró-Reitora de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação
Paula Cristina Trevilatto
PUCPRESS
Coordenação
Michele Marcos de Oliveira
Editor
Marcelo Manduca
Preparação de texto e Revisão
Camila Fernandes de Salvo
Capa e Projeto gráfico
Ana Paula Vicentin Ferrarini
Diagramação e infográficos
Ana Paula Vicentin Ferrarini
Rafael Matta Carnasciali
Conselho Editorial
Auristela Duarte de Lima Moser
Cilene da Silva Gomes Ribeiro
Eduardo Biacchi Gomes
Evelyn de Almeida Orlando
Léo Peruzzo Júnior
Rodrigo Moraes da Silveira
Ruy Inácio Neiva de Carvalho
Vilmar Rodrigues Moreira
Prdução de ebook
S2 Books
PUCPRESS / Editora Universitária Champagnat
Rua Imaculada Conceição, 1155 - Prédio da Administração - 6º andar 
Campus Curitiba - CEP 80215-901 - Curitiba / PR 
Tel. +55 (41) 3271-1701 
pucpress@pucpr.br
 
Dados da Catalogação na Publicação
http://www.s2books.com.br/
mailto:pucpress%40pucpr.br?subject=
B615 
2018
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR
Biblioteca Central
Bioética ambiental / Anor Sganzerla, Patricia Maria Forte
Rauli,Valquíria Elita Renk, organizadores –
Curitiba : PUCPRESS, 2018.
263 p. : il. ; 23 cm
 
ISNB 978-85-54945-08-4
 
1. Bioética. 2. Desenvolvimento sustentável. 3. Sustentabilidade. 4.
Meio ambiente. 
I. Sganzerla, Anor. II. Rauli, Patricia Maria Forte. III. Renk, Valquíria
Elita. IV. Título
CDD 20. ed. – 174.9574
SUMÁRIO
Capa
Folha de rosto
Créditos
Apresentação
Anor Sganzerla, Patricia Maria Forte Rauli
Prefácio 
José Roque Junges
Fundamentação filosófica da bioética ambiental 
Fermin R. Schramm
Um olhar bioético da agenda 2030 para o desenvolvimento
sustentável da ONU 
Leo Pessini, Anor Sganzerla
Sustentabilidade e cidadania 
Maria Luiz Pfeiffer
A Bioética ambiental e a Casa Comum 
Saulo Feitosa
Direitos humanos e bioética ambiental: da crise dos valores
à ética da responsabilidade 
Jelson Roberto de Oliveira
kindle:embed:0002?mime=image/jpg
Interfaces entre a bioética ambiental e a educação ambiental
Marta Fischer, Ana Laura Diniz Furlan
A Bioética Interface saúde: reflexões frente à crise ambiental
Paulo Barrozo Cassol, Alberto Manuel Quintana
Saúde ambiental 
Therezinha Maria Novais de Oliveira, Marta Jussara Cremer
Ética na relação entre economia e ambiente 
João A. de C. Mangabeira, Sergio Gomes Tosto, 
Ademar Ribeiro Romeiro
Hidroética: água, ética e meio ambiente 
Demétrius Christofidis
Ensaios sobre bioética urbana e ecologia 
Erick Luiz Araújo de Assumpção
Agricultura e meio ambiente 
Luciane Costa
Entre o desperdício, a inocuidade e a escassez:
considerações bioéticas sobre insegurança alimentar 
Caroline Filla Rosaneli, Luana de Assis, José Eduardo de
Siqueira, 
Ricardo de Amorim Cini, Thiago da Rocha Cunha
Tecnologia, Ambiente e Informação 
Glenda Morais Rocha, Cesar Grisoli
Crise ambiental e subjetividade: o olhar da ecologia profunda
Marcelo L. Pelizzoli
Sobre os autores
APRESENTAÇÃO
 
A relação do ser humano com a natureza, principalmente a partir
do processo de industrialização no começo da era moderna, foi
marcada pela exploração e pelo domínio dos interesses humanos,
sem levar em conta os interesses da própria natureza, na medida
em que era considerada indiferente e fora do campo da moralidade.
Essa forma de ação humana promoveu uma verdadeira
deterioração global do ambiente, com a destruição da Casa Comum,
e com a real ameaça à própria degradação humana. Partia-se do
pressuposto de que os recursos da natureza são inesgotáveis e
totalmente renováveis, o que autorizava o homem a usar da
inteligência para impor o seu império, conforme bem expressa o
projeto baconiano de “saber é poder”.
Passados alguns séculos de pura devastação humana sobre a
natureza, começou-se a perceber que existem limites na natureza, e
que esses limites estariam bem mais próximos do seu fim do que o
suposto estado de progresso e realização humana previsto pela
utopia do desenvolvimento tecnocientífico.
A esse cenário, não podemos ignorar que até um determinado
período histórico, que alguns classificam de pré-moderno,
acreditava-se que o ser humano seria limitado técnica e
cientificamente para promover qualquer ação permanente sobre a
natureza, pois se considerava que o ciclo e a essência da natureza
seriam imodificáveis pelo agir humano. A prática exploratória
humana sobre a natureza, no entanto, mostrou que a natureza se
revela sempre como estrago e como dano, portanto, de modo
sempre tardio, não havendo como retroceder.
Na atualidade vemos alguns cenários que no mínimo podemos
chamar de curiosos: por um lado presenciamos que a população em
geral reconhece e compreende que a proteção ao patrimônio natural
representa um valor por si mesmo, e que os danos promovidos pelo
homem sobre a natureza retornam ao próprio homem, seja em
forma de poluição, aquecimento global, falta de água, efeito estufa e
tantos outros; por outro lado, quando se busca identificar as maiores
preocupações humanas em nossos tempos, a proteção ao meio
ambiente não está entre as primeiras metas, mas sim a busca por
segurança, emprego, acesso à saúde e à educação, senão quando
as preocupações com as satisfações egoístas, como o acesso ao
consumo e ao lucro. Esse descompasso revela que a atual
sociedade ainda não tem consciência do clamor urgente da
natureza, e que também não está disposta a se impor sacrifícios ou
limites no tempo presente para assegurar um futuro autêntico para
todos futuramente.
Ao tratar dos problemas da nossa Casa Comum, o Papa
Francisco, em sua Encíclica Laudato Si’, afirma que somos a
primeira geração a sentir mais fortemente os efeitos da nossa
intervenção no planeta e a última geração a decidir que futuro
queremos para o planeta. Para tomarmos tal decisão, alerta o
Pontífice, é necessário reconhecer que a humanidade não vive
crises isoladas, ou seja, uma crise ambiental e outra crise social,
mas uma única e complexa crise socioambiental, com
consequências sobre todas as dimensões da vida humana, desde o
nascer até o morrer.
O predomínio dos interesses econômicos e políticos de nossos
tempos sobre a totalidade da vida revela que as questões
ambientais, além de constituírem-se um problema do universo da
política, da economia, com graves interferências nas questões
sociais, têm direta relação com o mundo dos valores, portando, com
o universo da ética e da moral. Sem uma profunda reflexão sobre os
valores e as escolhas humanas em nossos tempos, de modo a
promover uma radical mudança no que fazemos, no que
consumimos, e qual o papel e função do homem dentro da natureza,
não será possível construirmos uma relação harmoniosa com a
natureza. Trata-se, portan to, de questionar a visão cosmológica, de
modo que o viver humano na natureza possa ser concebido como
um viver com a natureza e não mais de um viver sob a natureza.
A proposta desta obra intitulada de Bioética Ambiental é,
portanto, promover o diálogo interdisciplinar entre os diferentes
saberes, crenças, teorias e concepções de nossos tempos, que
buscam compreender a relação do homem com a natureza, de
modo a despertar e a promover uma nova aliança entre a
humanidade e o ambiente, e unir os diferentes interesses, sejam
humanos ou do meio ambiente. Esta nova aliança, por sua vez, não
será possível se não houver primeiramente uma mudança nos
valores que orientam a vida humana, de modo a sermos capazes de
substituir os atuais projetos individualistas e materialistas de nossos
tempos por projetos coletivos, de longo prazo, de reciprocidade e de
partilha entre todos. Não se trata de buscar consensos ou
uniformizar pensamentos, mas unir-nos em torno de uma
necessidade comum.
Nesse esforço de repensar a aliança da humanidade com a
natureza,a bioética, nesse caso bioética ambiental, tornou-se um
referencial e um privilegiado espaço para tal atividade, pois é
necessária uma união de forças e uma unidade de contribuições,
advindas das diferentes áreas do saber, bem como dos diferentes
agentes ou pacientes morais. Somente nesse diálogo será possível
eliminar as divergências entre as demandas do homem com as
demandas da natureza, o que permitirá orientar as decisões em
vista do bem-estar de todos os seres vivos.
Atenta aos desafios de seu tempo, a Sociedade Brasileira de
Bioética, Regional Paraná (SBB/PR), não poupou esforços para
reunir nesta obra os maiores especialistas do assunto, de modo
oferecer ao leitor uma complexa visão dos desmembramentos que
emergem do tema, a fim de garantir, como afirmou Potter, que “a
sobrevivência de todo o reino vivo seja objetivo de toda a nossa
sabedoria”.
 
 
 
Dr. Anor Sganzerla
Presidente da SBB/PR- Gestão 2015-2017
Drª. Patricia Maria Forte Rauli
Presidente da SBB/PR – Gestão 2017-2019
Curitiba, agosto de 2017.
PREFÁCIO
 
A humanidade viveu por milhares de anos em harmonia com a
natureza, porque se sentia fazendo parte da teia de
interdependências da vida. Com o surgimento dos grandes impérios
da antiguidade iniciou-se uma intervenção maior nos ecossistemas
naturais, devido à necessidade da produção de excedente agrícola
para alimentar a crescente burocracia militar e religiosa de
sustentação do poder. Embora a retirada de recursos naturais e o
uso do solo para agricultura fosse maior, o sistema de retirada e o
tipo de agricultura não desestruturava os equilíbrios da natureza.
Somente nos tempos modernos, com a introdução da racionalidade
instrumental na ciência e, especificamente a partir do século XIX,
com a industrialização à base do carvão, seguida do petróleo, e com
a agricultura moderna baseada nos adubos químicos e agrotóxicos,
as ações humanas de intervenção começaram a destruir e a
desequilibrar os ciclos geoquímicos da terra como nunca tinha
acontecido antes.
Esse desequilíbrio destrutivo se manifesta no ar, com a poluição
atmosférica e as chuvas ácidas, com a destruição da camada de
ozônio e o aquecimento climático global; na água, com a sua
inutilização para a vida devido à presença de produtos químicos;
com a destruição das cadeias alimentares nos corais marítimos e
nos cursos de água dos rios; no solo, com a destruição de florestas,
de estepes, de manguezais, com a desertificação e a quimificação
dos terrenos que destrói a fertilidade natural do solo.
Todos esses efeitos deram início e, por um processo de
agudização sempre maior, instalaram de vez a crise ambiental sem
precedentes, que pode ser definida como o drástico desajuste entre
a dinâmica cíclica da biosfera (natureza) e a lógica linear da
tecnosfera (sociedade). Se os mecanismos da esfera tecno-social
não conseguirem adequar-se e adaptar-se aos ritmos coerentes e
equilibrados da natureza não haverá solução para a crise que
ameaça a todos. A sociedade apenas está acordando para as
consequências desse pesadelo para o qual ela terá que encontrar
uma solução se quiser preservar a sobrevivência da humanidade.
Os governantes estão cientes do problema e convencidos de que
é necessário encontrar caminhos alternativos de desenvolvimento.
Recentemente a ONU apresentou a Agenda 2030 que é uma
proposta utópica para o desenvolvimento sustentável, como aparece
no capítulo de Pessini e Sganzerla. As utopias são necessárias
como motivação para agir. Nesta perspectiva, elas não podem
reduzir-se àquilo que não tem lugar, mas propor uma visão ideal que
questiona, critica e motiva para mudar o que existe de concreto. A
Agenda 2030 apresenta objetivos ambiciosos que certamente não
serão atingidos, apenas em parte. Por isso, as conferências
internacionais sobre o meio ambiente sempre decepcionaram,
porque não existe compromisso para tomar medidas que realmente
vão à raiz do problema, que é sociocultural e econômico. Por isso é
mais fácil permanecer numa visão utópica. Impõe-se mudar o
modelo econômico de produção e consumo, mas quem tem a
coragem de propor, mesmo idealmente, esta solução radical? As
propostas, em geral, são remendos para desviar do real problema,
porque atingem interesses que não se está disposto a tocar.
Essa constatação da ideologização do problema aponta para a
necessidade de tratar, mais em profundidade, a crise, assumindo a
perspectiva ética e política. A abordagem ética coloca o problema
filosófico da possibilidade e da fundamentação de uma ética
ecológica, questão discutida com maestria no capítulo escrito por
Schramm. Se essa abordagem é de cunho antropocêntrico, o
problema é justificar a responsabilidade dos seres humanos em
relação ao seu entorno ambiental. Se ela é biocêntrica, o caminho
de fundamentação, em geral, confere direitos aos animais, sendo
eles sujeitos morais, mas permanece o problema sobre onde fazer o
corte na escala dos seres vivos, que vai desde uma ameba até um
elefante. Entre estes, quais têm direitos e quais não?
Mas o problema da fundamentação de uma ética ambiental torna-
se ainda mais complexo quando se assume a abordagem
ecocêntrica, que parece ser a perspectiva mais adequada
ecologicamente para enfrentar a crise ambiental. Em que sentido
um ecossistema pode tornar-se sujeito moral a exigir respeito por
parte dos seres humanos?
Se a fundamentação teórica de um novo paradigma para
sustentar a abordagem ética da crise ambiental é um problema
importante, outra é a questão da referência e do critério ético para
avaliar eticamente as consequências e os danos ambientais para a
população. É o tema do capítulo de Oliveira, ao tratar do papel dos
direitos humanos na bioética ambiental. Parte da crise de
fundamentação da ética atual, constatada por Jonas, propondo a
dignidade humana como referência para uma bioética ambiental.
Se a abordagem ética da crise ambiental coloca o problema da
sua fundamentação e da sua referência ética básica, a perspectiva
política levanta a questão da possibilidade de uma sustentabilidade
socioambiental e de uma cidadania ecológica, temas tratados com
profundidade no capítulo escrito por Pfeiffer. Para discutir a ecologia
política impõe-se fazer, segundo a autora, uma crítica radical da
racionalidade instrumental da ciência moderna que move os
modelos de desenvolvimento com suas implicações sobre a
sustentabilidade e que define as ações políticas com suas
consequências sobre a cidadania.
A expressão mais visível dessa racionalidade instrumental da
ciência moderna são as tecnologias, e mais especificamente as
biotecnologias, tema abordado por Rocha e Grisolia. O capítulo trata
da questão do acesso à informação com respeito às inovações
biotecnológicas, discutindo a aplicação dos quatro “Ps” —
prevenção, proteção, precaução e prudência — da bioética da
intervenção ao problema do uso das tecnologias.
Intimamente relacionado com as inovações tecnológicas e, mais
ainda, com as biotecnológicas, está a economia, formando um
binômio inseparável no atual sistema capitalista mundial, cuja lógica
é a racionalidade instrumental. A vida adquiriu tal valorização
econômica, nunca antes vista, por obra das biotecnologias, podendo
se falar hoje de uma bioeconomia. A racionalidade instrumental que
move o binômio biotecnologia e economia está na base da atual
crise ambiental, exigindo um redirecionamento do modelo
econômico. Por isso surge a proposta de uma economia ecológica
que não reduz a natureza a um estoque de recursos, mas defende
uma valorização dos seus serviços ecossistêmicos. Esse é o tema
de discussão do capítulo de Mangabeira, Tosto e Romeiro.
Contudo, essa necessária abordagem crítica de cunho ético e
político pode exigir uma análise ainda mais radical, identificada com
a ecologia profunda de Arne Naess. Trata-se de uma mudança de
Gestalt no modo do ser humano perceber o meio ambiente natural,
superando uma visão egóica, típica da modernidade, para uma
atitude ecóica na maneira de se posicionar diante da natureza. Esta
é a tese do capítulo de Pelizzoli,chamada de ecopsicologia, que
consiste em defender uma diferente subjetivação do ser humano
que se configura a partir de uma compreensão sistêmica da vida.
Quem assume essa perspectiva sistêmica e ecocentrada é a
encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, como muito bem
demonstra Feitosa em seu capítulo. O documento convida à
conversão ecológica de uma atitude utilitarista para uma visão do
valor intrínseco da natureza, independente do seu valor de uso
pelos seres humanos.
Para que seja possível essa conversão ecológica da Gestalt, é
necessário aproximar a bioética ambiental da educação ambiental
como defende o capítulo de Fischer e Furlan. Não existe solução
para a crise ambiental se não acontecer uma mudança na
sensibilidade ecológica das pessoas. Por isso, a importância da
bioética e da educação ambiental nas escolas, sendo imperioso
assumir esse desafio na mais tenra idade, quando se configuram as
atitudes que irão conformar a personalidade desse indivíduo no
futuro.
Como a qualidade de vida depende sempre mais das condições
socioambientais e sanitárias provocadas pela destruição e
inquinação do meio ambiente, é necessário sempre mais assumir
uma visão ecossistêmica da saúde humana, como bem propõe
Oliveira e Cremer. As interfaces entre meio ambiente e saúde
precisam pautar sempre mais as ações dos profissionais, devido
aos efeitos dessa interferência sobre o modo de vida das pessoas.
Quando a crise ambiental assume dimensões mundiais, devido ao
fenômeno da globalização, é necessário começar a refletir sobre a
saúde ambiental numa perspectiva global, que é o objetivo do
capítulo de Cassol e Quintana. As intervenções humanas sobre a
natureza chegaram a tal escala e dimensão que estão
desequilibrando o ecossistema e toda biosfera com efeitos
destrutivos, dentre os quais o aquecimento climático global sobre as
condições de vida das pessoas, principalmente daquelas mais
vulneráveis e desassistidas.
Um desses efeitos, exigindo análise ética, é a escassez
qualitativa da água, elemento central para a continuidade da teia da
vida e das interdependências ambientais, seguindo a proposta de
Christofidis de uma hidro ética que irá abordar os usos e as
soluções para a crise da água. Isso aponta para outro elemento
básico para o meio ambiente que é a preservação do solo, assunto
tratado no capítulo de Costa sobre agricultura e bioética, de como
ter um manejo e uma conservação sustentável do solo. Ligado a
questão da agricultura surge o problema da segurança alimentar e
suas interfaces com a crise ambiental, tema discutido por Rosaneli,
Assis, Siqueira e Cunha. Por um lado, o contínuo aumento de safras
a serviço das commodities e por outro o desperdício, a inocuidade e
a escassez, provocando insegurança alimentar, apontam para uma
contradição. Todos esses problemas ambientais estão ligados ao
processo de gradativa urbanização dos ambientes, mediante a
ocupação e a configuração do espaço social com suas
consequências sobre convivência humana, abrindo a possibilidade e
a necessidade de propor uma bioética urbana em suas interfaces
com a ecologia, como propõe o capítulo de Araújo.
A abordagem dos diferentes capítulos não é casuística, mas
hermenêutica e crítica, tanto no tratamento de questões teóricas de
fundo como são os primeiros capítulos, como na discussão de
problemas mais concretos e específicos como são os últimos. A
crise ambiental necessita de uma análise crítica que possa
interpretar os paradigmas de fundo que explicam o modelo de
intervenção na natureza para a retirada de recursos, sua posterior
produção para o consumo e sua externalização em custos e danos
ao meio ambiente. O momento atual exige, antes de mais nada,
reflexividade crítica e transparência pragmática no uso da natureza,
nos processos de produção e na geração de externalidades que
incidem no meio ambiente. A bioética ambiental pode ser uma
ferramenta fundamental para a criação dessa consciência ecológica
crítica.
 
 
José Roque Junges
PPG em Saúde Coletiva / UNISINOS
São Leopoldo, agosto de 2017.
FUNDAMENTAÇÃO FILOSÓFICA DA ÉTICA
AMBIENTAL
 
 
Fermin Roland Schramm [1]
 
 
Introdução
 
A ética ambiental pode ser considerada um novo campo
complexo e interdisciplinar de pesquisa filosófica, que surge junto
com o movimento ambientalista a partir do começo dos anos 1970,
e que aborda a moralidade do tipo de relações que o homem
estabelece com a natureza e o planeta Terra, inclusive dialogando
com o campo das ciências humanas e sociais, como a biopolítica,
preocupada em conhecer os dispositivos de poder que se aplicam
“ao homem enquanto ser vivente, vida biológica ou vida nua”
(BAZZICALUPO, 2005, p. 79).
Neste campo de diálogo interdisciplinar e de lutas, a ética
ambiental (chamada também de ética ecológica ou ecoética) se
ocupa, em particular, das implicações do desenvolvimento
econômico-industrial, não somente de um ponto de vista sanitário e
biopolítico (que tem por objeto a saúde e as formas de vida dos
humanos em seus ambientes), mas também considerando os
efeitos sobre o ambiente, que deve ser entendido em sentido amplo
como tudo aquilo que nos rodeia e que afeta as condições materiais,
biológicas, culturais e sociais de nossas vidas. O duplo contexto
deste diálogo é aquele da assim chamada crise ecológica e de um
“deslocamento na filosofia moral da ‘ética normativa’ para a ‘ética
aplicada’” (GREBLO, 2005, p. 17).
Aqui será abordada a questão da “fundamentação filosófica” da
ética ambiental, considerando-a no âmbito de uma “transição
paradigmática em que se estaria formando um novo conjunto de
valores” (TELLES & SCHRAMM, 1999, p. 15), resultante da
desconstrução do tradicional ponto de vista moral antropocêntrico e
de uma tentativa de reconstrução que podemos chamar de
“ecocêntrica”, por ser produzida a partir de um descentramento com
relação aos meros interesses e valores humanos para poder
considerar também os eventuais interesses e valores da própria
natureza, entendida como “o conjunto dos seres vivos, dos
ecossistemas e, em definitivo, o próprio planeta” (BEAU, 2015, p.
307) e que pode ter valor em si.
Mas o que se pode entender por “fundamento”? A pergunta é
pertinente, pois “fundamento” é considerado uma ferramenta
essencial ao próprio trabalho da filosofia, pelo menos se
considerarmos que, historicamente, a filosofia “tem pensado a si
mesma prevalentemente como saber fundamental” (SCIUTO, 2006,
p. 4374), o que parece tornar a expressão “fundamento filosófico”
redundante, devendo ser justificado seu uso. Como tentaremos
mostrar, o uso do conceito “fundamento” na filosofia contemporânea
é problemático e a questão permanece em aberto.
Uma segunda questão se refere ao campo de aplicação da
discussão crítica sobre “fundamento”: a ética aplicada ao
“ambiente”, que deve ser entendido como tudo aquilo que está ao
nosso redor e que pode ser conceituado, em sentido amplo, como
sendo constituído pelas condições materiais, culturais e
socioambientais de nossas vidas. A palavra ambiente (particípio
presente do verbo latim ambire, “andar ao redor, cercar, rodear”, de
amb- “ao redor” e -ire “andar”) adquiriu, ao longo da história, outros
significados, denotando não só o que está “ao redor” mas, de forma
mais inclusiva, “o que está fora e também o que está dentro de nós”,
sendo que esta “fusão” mudou nossa relação com ele, pois não terá
mais “censuras entre sujeito e objeto, entro o dentro e o fora”, logo
“cuidar de nós mesmos comportará cuidar do ambiente, e vice-
versa” (TRUPPI, 2006, p. 331).
Mas o termo “fundamento” é polissêmico e possui uma
multiplicidade de significados dificilmente reconduzíveis a uma
unidade semântica. Por isso, para poder falar em “fundamentos
filosóficos”, deveríamos antes nos perguntar quais são os vários
significados da própria palavra “fundamento” e quais seriam
pertinentes para nossa análise.
Mas quais são, de fato, os significados do termo?
De acordo com a linguagem do senso comum, “fundamento” é a
base (ou a estrutura) de algo construído; que pode ser material,
como no casode uma casa, ou simbólico quando pertencer a um
conjunto de conhecimentos ordenados e inteligíveis, como pode ser
o caso de uma teoria, ou uma simples afirmação, que pode ser
julgada “fundamentada” ou não. Historicamente, este é também o
primeiro significado adquirido pelo termo, que será também utilizado
pela Filosofia, por exemplo, por Descartes, para quem o
conhecimento, para poder ser considerado fidedigno (ou válido),
deve ter fundamentos seguros e sólidos “porque uma vez minados
os fundamentos, cai por si tudo o que está sobre eles edificado”
(DESCARTES, 1985, p. 106).
Em realidade, o termo “fundamento” é um termo significativo na
construção do próprio discurso filosófico na medida em que a
Filosofia é identificada como um “saber fundamental”, isto é, “um
conhecimento [que] repousa em última instância sobre certas
crenças básicas que sustentam outras, como alicerces sustentam
uma construção [e que são chamadas] crenças verdadeiras
‘básicas’, que não precisam ser justificadas por apelo a outras”
(LAW, 2008, p. 60).
Mas o que dizem os dicionários especializados? De acordo com
o Vocabulário técnico e crítico da filosofia, de André Lalande (1972)
“fundamento” teria dois significados “muito diferentes”: (1) o
significado de “o que dá a algo a sua existência ou sua razão de
ser”, denotando, em particular, “o que justifica uma opinião, o que
determina o assentimento legítimo do espírito a uma afirmação ou a
um conjunto de afirmações, sejam especulativas, sejam práticas”, e
(2) “a proposição mais geral e a mais simples (ou, mais exatamente,
o sistema formado pelas ideias e as proposições mais gerais e
menos numerosas)”, o que permitiria “deduzir todo um conjunto de
conhecimentos ou de preceitos” (LALANDE, 1972, p. 364).
Do ponto de vista diacrônico, em Filosofia, “fundamento” adquiriu
uma multiplicidade de significados, tais como:
(a) “causa” e “princípio” na filosofia antiga, como em Aristóteles,
para quem a “causa” (aitía) está vinculada à razão (logos): “a causa
é razão, logos [que explica] não somente o acontecer de fato da
coisa, mas seu ‘não poder ser diferente’, isto é, sua necessidade
racional” (apud ABBAGNANO, 1998, p. 413);
(b) “condição”, “razão suficiente” ou “razão de ser” das coisas na
filosofia moderna, tendo em particular os significados de:
(b1) “princípio” ou “proposição fundamental” a partir da qual
podemos construir conhecimentos fidedignos, como em Kant, que,
em sua Fundamentação da Metafísica dos Costumes [1785],
identifica especificamente a questão da fundamentação da moral
com “a busca e fixação do princípio supremo da moralidade, o que
constitui (...) uma tarefa completa e bem distinta de qualquer outra
investigação moral” (KANT, s/d, p. 19);
(b2) “unidade da identidade e da diferença” no processo dialético
em Hegel, que, em sua Enciclopédia das Ciências Filosóficas
[1830], considera tal “unidade” a “essência posta como totalidade”,
que “não é só a unidade [mas também] a diferença da identidade e
da diferença”, que “aparece assim como uma nova contradição” e
que “como tal, não é o que persiste em repouso, senão antes um
repelir-se de si mesmo”, em suma: “[o] fundamento é apenas
fundamento enquanto funda; mas o que derivou do fundamento é
ele próprio” (HEGEL, 1995, p. 237-238);
(c) tornando-se uma questão em aberto na filosofia
contemporânea, quando “a questão do fundamento entra em uma
crise decisiva”, não podendo mais ser considerada “como tema
central da Filosofia” (SCIUTO, 2006, p. 4380).
A “crise” da fundamentação na filosofia contemporânea se deve,
sobretudo, ao debate epistemológico sobre o saber-fazer científico
ao longo do século XX, que questiona a tradição do
“fundacionalismo” por conceber o conhecimento como “uma
estrutura que se ergue a partir de fundamentos certos e seguros
[que se] encontram numa combinação da experiência com a razão”
e que se opõe ao “coerentismo, que nos diz que um conjunto de
proposições pode ser conhecido sem que esteja fundado na
certeza” (BLACKBURN, 1997, p. 164).
Pode-se, portanto, dizer que a fundamentação em Filosofia é
uma questão em aberto.
Mas este parece ser também o caso da ética ambiental, pois
“apesar do interesse no ambiente representar uma das maiores
características da sociedade ocidental do século XX, os
fundamentos ético-filosóficos do pensamento ambiental
contemporâneo são escassamente compreendidos tanto pelos
ambientalistas quanto por seus opositores” (HARGROVE, 1990, p.
09).
 
 
A ética ambiental, seus sinônimos,
significados e vínculos conceituais
 
A ética ambiental é conhecida também como “ecoética”, “ética da
proteção do ambiente” e até como “ecofilosofia”, visto que todas “se
ocupam das normas e valores envolvidos nas relações entre o
homem e os outros seres vivos no quadro dos ecossistemas” e que,
partindo da constatação dos “efeitos negativos do poder tecnológico
e econômico”, se preocupam com uma “nova percepção da
responsabilidade do ser humano para com o futuro da vida na terra”,
o que permitiria, inclusive, considerar a ética ambiental como
“intimamente ligada aos fundamentos e às aplicações da bioética”
(LESCH, 2001, p. 339), visto que a própria bioética surge também
oficialmente naqueles anos com o oncologista Van Rensselaer
Potter, que foi quem criou o neologismo bioética para indicar um
novo campo interdisciplinar de pesquisa e tentar dar conta da
complexidade representada pelo problema da “sobrevivência” da
espécie humana, para a qual o respeito do ambiente natural seria
uma condição necessária (POTTER, 1970).
Em particular, a “ecofilosofia” pode ser vista como “uma disciplina
recente atenta às relações que o ser humano mantém com a
natureza [e que] desenvolve uma reflexão ética que visa justificar
um conjunto [de] comportamentos, de valores, de atitudes para com
[os] objetos naturais (animados ou inanimados) ou ainda a biosfera”
(BÉGUIN, 2003, p. 326).
Em outros termos, a ecofilosofia pode ser considerada uma
reflexão filosófica orientada pela normatividade elaborada pelo
pensamento ecológico, em consonância com a tradição de reflexão
de Aldo Leopold, que propunha em 1949 uma “ética da Terra”
preocupada com “o respeito dos equilíbrios, a integridade e a beleza
dos ecossistemas como reflexo das relações biológico-evolutivas
entre nossa espécie e o ambiente natural” (TALACCHINI, 2006, p.
333).
Para Leopold a “ética da terra” seria uma “extensão da ética” e
referente a “um processo de evolução ecológica [cujas] sequências
podem ser descritas em termos tanto ecológicos como filosóficos”,
sendo que “uma ética, ecologicamente falando, é um limite imposto
à liberdade de agir na luta pela existência” e, com este sentido, “é
possível que a ética seja uma espécie de instinto comunitário em
gestação [que] simplesmente amplia as fronteiras da comunidade
para incluir o solo, a água, as plantas e os animais ou,
coletivamente, a terra” (LEOPOLD, 2000, p. 256-258).
De fato, para Leopold “abusamos da terra [que] consideramos
uma commodity que nos pertence”, ao invés de considerá-la como
uma “comunidade à qual pertencemos” e que “podemos começar a
utilizar com amor e respeito”; mas isso constituiria “uma extensão da
ética”, considerada necessária “se quisermos que a terra sobreviva
ao impacto do homem mecanizado”, pois “nossa sociedade do
cada-vez-mais-e-melhor possui atualmente um comportamento
hipocondríaco, de tão obcecada que ela é por sua saúde
econômica”, mas perdendo, de fato, “a capacidade de ficar
saudável” e de dar-se conta de que “nada poderia ser mais saudável
[que] um pouco de desprezo pela pletora dos bens matérias”
(LEOPOLD, 2000, p. 14-15).
No comentário de Le Clézio, o que Leopold queria mostrar seria
que “a evidência da deterioração é uma constatação física, não um
parti pris intelectual” e o que ele nos transmitiu seria a ideia de que
“em nosso mundo de abundância de bens e de empobrecimento da
vida, não podemos mais ignorar o valor da troca e a necessidade do
pertencimento – esse frágil equilíbrio [que] será a preocupação do
século vindouro” (LE CLÉZIO, 2000, p. 8-9).Do ponto de vista epistemológico, a emergência do termo “ética
ambiental” e de seus sinônimos se situa num movimento que
chamamos de “transição paradigmática” in fieri em ética (TELLES &
SCHRAMM, 1999), na qual, a partir da constatação da existência de
uma “crise ecológica”, infere-se que as implicações práticas,
inclusive morais, deveriam ser assumidas pelo humano, integrando-
as na caixa de ferramentas a serem utilizadas pela humanidade
para poder enfrentar tal crise e tentar “sobreviver”.
Mas isso implica em se perguntar antes se é pertinente
desenvolver uma ética que reconheça (ou atribua) valor moral ao
ambiente natural (ou natureza) e a seus componentes, por um lado,
e se é justificado afirmar que existem obrigações do homem com
ela, por outro. Visto que, a rigor, “ética ambiental”, “ecoética” e
“ecofilosofía”, embora indiquem que o ambiente natural possa ser
considerado um “paciente moral” e possuir alguma forma de “valor
intrínseco”, o “agente moral” — que será responsável pelos efeitos
sobre o primeiro — será de qualquer maneira sempre o humano,
que terá em conta também seus interesses específicos, e isso a
partir de um ponto de vista que será sempre, de alguma maneira,
“antropocêntrico”.
Mas é exatamente tal ponto de vista “antropocêntrico” — que a
ética tradicional considera inevitável — a ser questionado pela ética
ambiental e a ecologia, as quais incluem, no âmbito de suas
preocupações, a extensão das ferramentas ético-normativas a
novos pacientes morais, como os animais não humanos e os seres
sencientes em geral, assim como a própria natureza — que é, via de
regra, a posição assumida pela assim chamada “ecologia
superficial”, que de fato não é propriamente “anti-antropocêntrica”.
Entretanto, neste debate destaca-se uma tentativa de
desconstrução — e até de dissolução — da ética antropocêntrica
tradicional. Este é o caso do movimento representado pela “ecologia
profunda” (deep ecology), que Arne Naess define como Ecosofia T,
opondo-a à ecologia superficial (shallow ecology).
A Ecosofia T defende um “igualitarismo biosférico de princípio”,
que recusa a concepção do homem visto tão somente como
“inserido no ambiente (...) a não ser quando se fala colocando-se
num nível de troca verbal superficial ou preliminar”, para pensá-lo,
ao contrário, como inserido “na rede ou campo da biosfera”, onde
cada ser teria com os outros seres “relações intrínsecas”, o que
poderia ser visto como “modelo do campo de vista total” e que
mostraria que a ecologia (a não ser confundida com o “ecologismo”
considerado uma das “numerosas formas desviantes vindas da
ecologia profunda”) é uma “ciência limitada” que deve ser
substituída por uma forma de saber mais ampla e integradora, como
seria justamente uma “ecosofia [entendida como] filosofia da
harmonia ou do equilíbrio ecológico” (NAESS, 1973).
Em outros termos, a “ecologia profunda” não aceita a cosmovisão
fundamentada no dualismo homem-natureza do paradigma
antropocêntrico. Na prática, pretende modificar os modos de viver
dos humanos em relação ao ambiente, defendendo que o ambiente
tem “direitos” e que a “natureza” tem um valor intrínseco, que não
pode ser confundido com aquele referente à realização dos bens
humanos; ou seja, que a vida deve ser considerada uma “totalidade
não diferenciada que possui valor que merece respeito, seja por
razões de tipo metafísico-religioso ou por motivações de tipo
empírico”, como seria o caso da “ética da terra” proposta por
Leopold, que propõe uma concepção do “homem como parte da
natureza e da natureza como uma ‘comunidade biótica’ de relações
interdependentes baseadas no equilíbrio homeostático” (GREBLO,
2005, p. 18).
Para tentar responder às críticas radicais dos defensores da
ecologia profunda, os defensores de alguma forma de
antropocentrismo — como aqueles da ecologia superficial — tiveram
que diferenciar seu campo começando por distinguir três
subconjuntos: (a) o “antropocêntrico” propriamente dito; (b) o “não
antropocêntrico” e (c) o “misto”:
(a) considerando “a ética ambiental como sendo, ou devendo ser,
centrada no homem [e] que os valores ambientais são meras
preferências humanas”;
(b) julgando que “os valores morais não são meros produtos das
preferências humanas ou que as éticas tradicionais erraram em
colocar os interesses humanos em primeiro lugar”, devendo,
portanto, a ética “ser submetida a uma transformação massiva para
poder contemplar os problemas ambientais contemporâneos”;
(c) ponderando que, se por um lado, a ética deve ser reformada
para poder contemplar os problemas ambientais, por outro, ela deve
também considerar que “alguns interesses humanos devem ter
prioridade sobre interesses ambientais e outros não” (SHRADER-
FRECHETTE, 2005, p. 189-190).
Assim sendo, alguma forma de “antropocentrismo” poderia ser
considerada adequada também para resolver problemas ambientais,
podendo-se argumentar que aquilo que afeta o ambiente afeta
também o homem; logo, proteger o ambiente seria uma maneira de
proteger também o homem e garantir seu bem-estar.
Entretanto, considerando a responsabilidade do homem com
relação à natureza, alguns autores – como John Passmore (1974) –
estigmatizaram a “arrogância greco-cristã”, baseada na crença de
que “o homem poderia se tornar não somente o possuidor, mas o
verdadeiro senhor da natureza”; crença que teria “encorajado
determinadas atitudes com relação à natureza: que ela existe em
primeiro lugar como um recurso mais do que como algo a
contemplar com prazer, que o homem tem o direito de utilizá-la de
acordo com sua vontade, que ela não é sagrada, que as relações
dos homens com ela não são governadas por princípios morais”. Em
suma, para Passmore, existiria “uma forte tradição ocidental
segundo a qual o homem é livre de tratar a natureza como ele quer,
pois ela só existiria para ele”, atitude esta que teria “encontrado sua
expressão em uma metafísica para a qual o homem é o único
agente finito e a natureza um vasto sistema de máquinas que o
homem pode utilizar e modificar segundo sua vontade”
(PASSMORE, 1974, p. 17-27).
Outra abordagem antropocêntrica “fraca” no campo da ética
ambiental é aquela feita por Eugene C. Hargrove (1990), que entra
diretamente na questão da fundamentação da ética ambiental, tem
em conta a distinção entre valor intrínseco e valor instrumental, e
considera que o valor encontrado na natureza estaria sempre
centrado no próprio humano, sendo que a relevância moral atribuída
ao tipo de relação que o homem estabelece com a natureza faria
parte da própria formação do caráter moral humano, que implicaria,
em particular, um vínculo entre ética e estética, algo que já tinha
sido pensado por Wittgenstein, para quem “ética e estética são uma
só”, visto que “a obra de arte é o objeto visto sub specie aeternitatis
[e] a vida boa é o mundo visto sub specie aeternitatis. Esse é o
vínculo entre Arte e Ética” (apud BUCHHOLZ, 2006, p. 85).
Em particular, para Hargrove, ao privilegiar “o valor da fruição das
belezas naturais”, se estabeleceria uma conexão entre “preservação
do ‘belo’ natural e aperfeiçoamento (moral) do caráter” (apud
BARTOLOMMEI, 1995, p. 71).
Para justificar sua interface entre ética e estética, Hargrove
estabelece uma genealogia “das ideias que conduziram à
preservação e conservação pelo ser humano de seres não
humanos” e que começaria no século XIX, quando o “quadro
intelectual não [estava ainda] marcado pela teoria da evolução das
espécies e pela teoria ambiental” (PINSART, 2003, p. 62).
De fato, em seu livro Foundations of Environmental Ethics,
Hargrove estabelece claramente o vínculo conceitual entre ética e
estética, que começa por detectar no próprio saber-fazer científico:
“os naturalistas do século dezenove têm adquirido atitudes
preservacionistas com relação à natureza por razões estéticas”
(HARGROVE, 1990, p. 155). Acrescentando que “a percepção do
mundo dos ecologistas e ambientalistas” está “diretamente ligada às
percepções estéticas dos primeiros botânicos, biólogos e geólogos,
sendo, portanto, compatível [com] umimportante componente da
ciência, com a civilização e o homem ocidental”, sendo “as atitudes
estéticas com relação à natureza, desenvolvidas no Ocidente nos
últimos três séculos demasiado enraizadas na cultura e na ciência
ocidentais para ser consideradas uma moda ou uma interferência
oriental” (Ibidem, pp. 104-105).
Hargrove estabelece também uma relação entre o belo, a sua
perda e as implicações morais envolvidas: visto que “a perda do
belo natural e artístico representa uma perda de bem total do
mundo, é nosso dever tentar preservar ambos os tipos de belo no
melhor dos modos”, embora seja “em termos de esforços de
preservação do belo que aflorem as diferenças de nossos deveres
com relação a cada tipo de belo” e que, no caso da natureza, “a
preservação do belo seja algo mais difícil, [pois] as tentativas diretas
de preservar um objeto natural constituem habitualmente uma
interferência com o processo natural, reduzindo sua beleza”
(HARGROVE, 1990, p. 259).
Para o autor, a interface entre ética e estética teria sido
estabelecida ao longo da própria “história natural”: “esteticamente, a
natureza não é somente o que existe neste momento temporal, é
também a inteira série de eventos e de iniciativas que a levaram a
este ponto. Quando admiramos a natureza, admiramos também tal
história. Quando interferimos com a natureza, independentemente
do fato de nossas intenções serem boas ou não, criamos uma
fratura em tal história natural. Não podemos ajudar a natureza em
seus planos, pois ela não tem planos [e] os planos não são da
natureza, mas nossos e o resultado é o enrijecimento da criatividade
natural” (Ibidem, p. 263).
Respondendo às objeções daqueles que defendem “a
impossibilidade de cumprir o dever de promover e de preservar a
natureza” e que consideram que o argumento em defesa de tal
dever “se baseia em assuntos medievais que são hoje irrelevantes”,
Hargrove pondera que o “dever” de proteger a natureza “não
significa que tenhamos sempre o dever de promover e preservar
tudo na natureza ou que a promoção e a preservação das obras de
arte não tenham, em muitos casos, a precedência, mas que se
temos o dever de promover e preservar o belo artístico devemos
reconhecer um dever análogo de promover e de preservar o belo
natural, em grande parte pelas mesmas razões pelas quais
reconhecemos o mesmo dever no que diz respeito à arte e por
razões precisas ligadas à condição ontológica da existência natural”
(HARGROVE, 1990, p. 267). E conclui com um alerta: “embora a
maioria das pessoas não deseje tão ardentemente a destruição do
belo na natureza, a ideia da apreciação da natureza como consumo
da natureza é um problema sério, que muitas vezes leva a confusão
na formulação da política pública relativa às áreas naturais” (Ibidem,
p. 272).
 
 
A questão dos fundamentos permanece
problemática
 
Em princípio, a crítica ao fundacionalismo se estende a todos os
significados de “fundamento” utilizados, mas se aplica,
preferencialmente, ao significado “forte”, que deve ser distinto do
significado “fraco”.
No sentido forte, “fundamento” é conceituado como “base
absolutamente certa”, considerada “evidente e/ou inegável” tanto do
ponto de vista lógico como ontológico, pois do ponto de vista lógico
“o fundamento constitui a garantia e a justificação última de
asserções, argumentações, leis, princípios” e do ponto de vista
ontológico o fundamento “permite explicar e compreender o ‘porque’
do ser das coisas” (SCIUTO, 2006, p. 4374).
De fato, ambos os sentidos foram abordados “com terminologias
diversificadas por todo o pensamento antigo, medieval e moderno”,
mas na contemporaneidade tem prevalecido o “significado fraco,
próximo daquele do senso comum [e indicando] as bases, sempre
provisórias e sempre atualizáveis dos saberes especiais”,
mostrando, em particular, que não se pode sair “deste pluralismo
com um conceito único de fundamento” e, mesmo que fosse
possível adotar este método, que “tal unicidade não seria fecunda
nem utilizável”, ou seja, existiria, na prática, uma “grande variedade
de posições, que oscilam entre os dois extremos do pensamento
fundacional e do mais radical antifundacionalismo” (SCIUTO, 2006,
p. 4375).
Mas, como vimos, no pensamento contemporâneo a questão do
fundamento entra em crise, sobretudo devido aos questionamentos
epistemológicos acerca das pretensões do fundacionalismo, o que
tornou a questão do fundamento uma questão em aberto em todos
os campos do conhecimento. Podendo-se até falar em crise do
fundamento como característica da filosofia contemporânea,
caracterizada pelo historicismo e o pluralismo, ou até por um “saber
sem fundamentos” (GARGANI, 1975).
Com efeito, para Gargani a ideia de “fundamento absoluto” teria
uma forte conotação questionável, que podemos chamar de
biopolítica por ser nada mais que “um instrumento de
disciplinamento da vida humana, uma função de ordem da vida
civil”, podendo-se falar em “sintoma de uma necessidade
profundamente enraizada de realizar situações garantidas, regimes
teóricos de segurança” e “rituais metodológicos” ou “cerimonias
epistemológicas” suscitadas pela necessidade de pôr em ordem as
“atividades simbólicas e cognitivas que têm sua legitimação na
dimensão das formas de vida às quais são imanentes” (GARGANI,
1975, p. 78-109).
Entretanto, e apesar das críticas recebidas, a defesa da
ferramenta constituída pelo “fundamento” continua na
contemporaneidade, sendo um termo ainda muito utilizado, por
exemplo, nas discussões epistemológicas em lógica e na
matemática, onde serve para indicar o que protegeria o raciocínio
dedutivo contra as antinomias, os paralogismos e os assim
chamados sofismas, e, sobretudo, na metodologia científica,
podendo-se dizer que o método da fundamentação consiste em dar
“a razão que justifica cada passo do filosofar”, sendo também o que
“dá a razão de uma preferência, de uma escolha, da realização de
uma alternativa ao invés de outra” (ABBAGNANO, 2002, p. 415).
Já no campo específico das éticas aplicadas a questão do
fundamento é aparentemente menos problemática, pois foi
parcialmente resolvida integrando-a na problemática linguístico-
hermenêutica abordada pelas ciências da linguagem e a filosofia
analítica, que abordam a questão das condições de possibilidade da
construção de um conhecimento intersubjetivo válido, baseado no
diálogo e na comunicação. Esta abordagem pretende ser uma
alternativa ao fundacionalismo, fundamentada na natureza
interpretativa das práticas cognitivas e que encontra seu
“fundamento” no “princípio epistêmico do falibilismo”, vinculando-o a
uma “concepção processual da racionalidade” embasada “no critério
da ação enquanto instrumento ou banco de prova das nossas
proposições cognitivas e éticas”, o que se torna uma condição de
possibilidade para o exercício de uma “constante e aguda atenção
às práticas através das quais se desenrolam nossas instâncias
cognoscitivas e valorativas” (CALCATERRA, 2012, p. 7).
Este foi o caso de Karl Otto Apel, que formulou em 1973 a “ética
da comunicação” (APEL, 2000), e de Jürgen Habermas, que a
substituiu em 1983 pela “ética discursiva” (HABERMAS, 1989).
Em substância, esta subsunção da problemática do fundamento
numa ética comunicativo-discursiva é feita considerando que o
fundamento da moral deve ser procurado na forma de linguagem
conhecida como “discurso argumentativo”, pois “o fundamento das
normas não pode ser estabelecido nem através de uma reflexão
ontológica sobre a natureza das coisas nem [de] uma reflexão
transcendental sobre a natureza do sujeito, mas somente graças a
uma confrontação entre argumentos”, de tal forma que “nenhum
sujeito envolvido por aquelas normas possa ser excluído de tal
confrontação, pena a inviabilidade do consenso atingido”, o que
implica que uma norma se torna válida não devido à “existência de
um bem ou de um justo em si, mas somente no procedimento
argumentativo-consensual que a institui”; em suma: “não se pode
estabelecer a priori, antes daquele consenso, nenhuma norma, nem
antecipando com um experimento mentalo que poderia emergir de
tal confronto” (CORTELLA, 2006, p. 2991).
Mas tal “experimento mental” praticado na argumentação
substitui os tradicionais fundamentos a priori com a comunicação,
que é um “a priori” diferente, pois permite uma confrontação
argumentativa aberta a todos os interessados e/ou envolvidos em
uma disputa para tentar resolvê-la. Apel, em particular, o identifica
como “metanorma fundamental da ética” (APEL, 2000), que “obriga
todos aqueles que, através do processo de socialização,
conseguiram a ‘competência comunicativa’ para procurar (...) um
acordo que visa uma formação solidal do querer”, pois “no a priori
da argumentação está implícita a pretensão de justificar (...) todas
as pretensões humanas (também as pretensões implícitas, contidas
nas ações e instituições, dos homens em relação com os outros
homens). Quem argumenta reconhece implicitamente todas as
possíveis pretensões de todos os membros da comunidade da
comunicação que podem se justificar através de argumentos
racionais [e] se engaja, ao mesmo tempo, em justificar, por meio de
argumentos, suas próprias pretensões em relação aos outros” (apud
PETRUCCIANI, 2006, p. 555).
Em suma, a ética discursiva, ou “dialógica”, necessita do
consentimento entre partes envolvidas em uma disputa, o que
constitui uma condição necessária a ser satisfeita para poder
abordar também a questão dos fundamentos, embora ela não se
ocupe diretamente da natureza ou essência do fundamento, mas de
sua adequação à universalizabilidade, entendida como fundamento
que “vale como princípio geral do qual se possa deduzir o maior
número possível de conclusões particulares compartilháveis”
(SCIUTO, 2006, p. 4386).
 
 
Considerações finais
 
Como vimos, enquanto disciplina acadêmica, a ética ambiental
surge quando emerge a necessidade de atribuir uma relevância
moral ao ambiente natural a partir da constatação de que “o
crescimento econômico do pós-guerra tem exercido um impacto
ecológico importante nos países industrializados” (HESS, 2015, p.
412-413). Esta tomada de consciência do “impacto ecológico” da
ação humana e de suas possíveis consequências para os próprios
humanos presentes e futuros, levou alguns filósofos a se
perguntarem quais seriam as implicações morais do tipo de
desenvolvimento vigente e, em particular, qual tipo de relação que o
homem deveria de fato ter com a natureza quando esta adquirir uma
relevância moral, considerada necessária para orientar nossas
relações com ela.
Mas isso implica também em ter que questionar as éticas
tradicionais, que, via de regra, não se preocuparam diretamente
com as implicações morais das ações humanas sobre a natureza,
mas somente indiretamente, por serem essencialmente
antropocêntricas. Assim sendo, a ética ambiental representa uma
resposta à emergente “crise ecológica”, da qual o homo sapiens
seria responsável e, portanto, seria também incumbido de resolver
tal crise, devendo partir da premissa de que a natureza não é algo
sem um valor que não seja instrumental, nem uma mera fonte
inexaurível de recursos, ou algo que só tem valor se for a serviço do
homem, visto que ela teria também um valor em si, ou seja, ela seria
também um “paciente moral” para além “dos confins da espécie
humana” (BARTOLOMMEI, 1995, p. 33).
Em outros termos, a ética ambiental ou “ética ecológica”, ao
destacar o “chauvinismo” das éticas antropocêntricas tradicionais,
coloca, em particular, o problema do valor intrínseco do conjunto dos
entes naturais constitutivos do ambiente (e que vimos, apresentando
as ideias de Hargrove vinculando ética e estética), visto que parte
do pressuposto de que a natureza (ou ambiente, que consideramos
aqui como sinônimo) pode, sim, ser concebida como algo que tem
valor intrínseco, independentemente de sua valoração elaborada
pelo homem. Em suma, a ética ambiental é produzida pelo ponto de
vista que considera central o ambiente entendido como “o ambiente
não humano e não produzido pelo homem” (BARTOLOMMEI, 1989,
p. 11).
Mas a afirmação deste ponto de vista não antropocêntrico é
bastante recente na cultura ocidental, pois a ideologia da dominação
da natureza tem prevalecido ao longo de sua história, que a
considerara como indício — ou até prova — do progresso alcançado
pela humanidade dita civilizada, distanciando-se da natureza, o que
implicava que a maioria dos objetos naturais podia ser danificada e
até destruída sem levantar problemas morais substantivos, pois “a
ideia de natureza como res nullius e poço de recursos inesgotáveis
ou renováveis contribuía a circunscrever o tratamento dos entes
naturais a um problema de maximização das vantagens
econômicas” (BARTOLOMMEI, 1989, p. 12).
Entretanto, a partir dos anos 1960/1970 do século XX, a ideia do
crescimento material constante e ilimitado começou a ser
questionada, levando à emergência da ideia segundo a qual existiria
uma incompatibilidade entre crescimento econômico e proteção do
ambiente, ou seja, que o crescimento indefinido seria impossível
num mundo de recursos escassos e que a obstinação neste sentido
levaria a uma ruptura do tecido ecológico que garantiu ao longo da
história as condições de vida no planeta Terra. Por isso as
sociedades humanas deveriam considerar que não podem não ter
em conta os vínculos físicos e biológicos do habitat no humano,
como é o caso da “contaminação” do meio natural que constituiria
uma “guerra” contra a natureza (CARSON, 1962); da obsessão pelo
lucro do sistema de produção atual, que é injusto porque favorece
alguns e porque o custo social e ecológico é para todos,
esquecendo que tudo está interconectado e que os problemas
sociais e ambientais são inseparáveis (COMMONER, 1963); em
suma, que devem existir limites ao crescimento, pois um
“crescimento exponencial em um sistema finito e complexo”, quando
atingir seu “limite natural”, implica uma alta probabilidade do próprio
“fim do crescimento antes de 2010” e o “colapso final” (MEADOWS,
1972).
Partindo dessas premissas, a ética ambiental — que emerge
junto com a consciência da crise ecológica e de suas consequências
— implica uma desconstrução das certezas vinculadas às éticas
antropocêntricas, acusadas de “especismo”, e perguntando se “a
capacidade dos ecossistemas de produzir e reproduzir
autonomamente suas formas próprias de organização” não seriam
um “requisito também moralmente relevante” que deveria ser
integrado nos “critérios mais tradicionais de possuir ‘consciência’,
‘racionalidade’ ou de pertencer à espécie humana”
(BARTOLOMMEI, 1995, p. 35).
Em particular, do ponto de vista epistemológico, a ética ambiental
constitui uma passagem de um paradigma antropocêntrico, que
considera que o ambiente (ou a “natureza”) só tem um valor
instrumental a serviço do homem, para um paradigma que pode ser
chamado de “ecocêntrico” e que atribui à natureza (ou “ecosfera” ou
“biosfera”) um valor intrínseco e que situa os humanos como um
componente inter alia dela, junto com os vários ecossistemas
(montanhas, solos, bosques, mares, espécies animais e vegetais
etc.), que teriam todos um valor intrínseco. Esta transição
paradigmática, representada pelo surgimento da ética ambiental em
meados do século XX, consiste em uma passagem (que indicamos
pela expressão “transição paradigmática”) do valor instrumental para
o valor intrínseco atribuído ao ambiente natural ou “natureza”.
Concluindo, costuma-se indicar como marco inicial desta
passagem o artigo A ética da terra, de Aldo Leopold (1949), que
propõe o termo land ethics para denotar a preocupação de
ampliarmos nosso universo moral e incluir a Terra como paciente
moral. Como escreveu Lepold: “A ética da terra simplesmente
amplia os limites da comunidade de maneira a incluir solo, água,
plantas e animais, ou, coletivamente: a terra” (LEOPOLD, 1949, p.
224).
 
 
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UM OLHAR BIOÉTICO DA AGENDA 2030
PARA O DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL DA ONU
 
 
Leo Pessini [2]
Anor Sganzerla [3]
 
 
“Desenvolvimento sustentável significa suprir as necessidades do
presente sem afetar as habilidades das gerações futuras de suprirem
as próprias necessidades”.
BRUNDTLAND, G. Nosso futuro comum. Comissão mundial sobre o meio
ambiente e desenvolvimento.
 
“... a sensibilidade moral e a reflexão ética devem ser parte
integrante do processo de desenvolvimento científico e tecnológico e
de que a bioética deve desempenhar um papel predominante nas
escolhas que precisam ser feitas sobre as questões que emergem de
tal desenvolvimento”.
UNESCO. Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos.
 
“Reafirmamos que a educação é um bem público, um direito
humano fundamental e a base que garante a efetivação de outros
direitos. Ela é essencial para a paz, a tolerância, a realização
humana e o desenvolvimento sustentável (...) elemento chave para
atingirmos o pleno emprego e a erradicação da pobreza”.
UNESCO. Declaração de Incheon, Educação 2030: rumo a uma educação de
qualidade inclusiva e equitativa e à educação ao longo da vida para todos.
 
 
Introdução
 
Ao avançarmos na leitura desta reflexão bioética poderemos ter
uma sensação de estarmos navegando num horizonte utópico de
difícil concretização, ou seja, sonhos que jamais se realizarão.
Vivemos hoje numa cultura que cultiva a ditadura de um
pragmatismo de resultados imediatos e urgentes, em que esperar é
agir. À primeira vista pareceria impossível fazer uma associação e
aproximação entre bioética e utopia no melhor dos sentidos que
esta expressão utopia conota. Na verdade, em toda utopia existe
uma ética subjacente, e em toda ética, existe uma dimensão utópica
que a constitui.
O filósofo brasileiro, Adauto Novaes, ao apresentar o ciclo de
conferências em torno da temática “Um novo espírito utópico?”
(2015) nos lembra que comemoramos neste ano de 2016
quinhentos anos da publicação da obra clássica de Thomas Morus,
Utopia (1516). Esta bela palavra, que quer dizer “não lugar”, mas
também se pode traduzir por eutopia – “lugar da felicidade” –, fez
um longo percurso cheio de enigmas.
Promessa, esperança, simulação antecipadora, horizonte de
nossos desejos, a utopia tem um destino comum: a “severa e lúcida
crítica da realidade”. Assim, entendemos por utopia não
necessariamente uma ação imediata, uma vez que seu trabalho
incessante não se aplica a produzir diretamente a coisa, “mas a
produzir aquilo que produzirá a coisa”. É isso que a distingue da
ordem e da desordem. Ou melhor, a utopia é ponto de permanente
contradição tanto diante da ordem como da desordem do mundo. O
fundamento da utopia é, pois, a permanente criação do novo.
Precisamos de utopias, nos diz o filósofo Francis Wolff. Elas são
para a comunidade aquilo que os sonhos são para os indivíduos.
Uma utopia é um refúgio em direção a um ideal irrealizável quando
o real parece insuportável. É a aspiração do impossível. Sim,
qualquer comunidade, qualquer época, qualquer geração precisa de
utopias”.
A utopia é isto: seres e imagens sem objetos, ou melhor, aquilo
que não existe, mas sem o qual não conseguiríamos viver como
humanos nem lutar contra as trevas da realidade social e política. O
real hoje é insuportável, todos sabem.
Poderíamos fazer uma comparação ao falarmos de uma
perspectiva utópica, com a “utopia” judaico cristã. Na cultura Judaico
cristã, quando na Bíblia se fala da conquista da terra prometida, que
é descrita em termos nutricionais como uma “terra onde corre leite e
mel”, ou mesmo a responsabilidade dos cristãos de construírem
juntos “novos céus e nova terra”, ou se fala de Jesus em torno do
“Reino dos Céus”, é nesta perspectiva utópica, fruto de um
cuidadoso planejamento a longo prazo, que olhamos para a agenda
2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável.
A ONU – Organização das Nações Unidas, que reúne hoje 193
Estados membros, adotou formalmente em 2015, na Cúpula das
Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (Nova York,
25-27 de setembro) a agenda Transformando Nosso Mundo: a
Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Ban Ki-moon, no
discurso de abertura da Cúpula, disse que “a nova agenda é uma
promessa dos líderes para a sociedade mundial. E uma agenda
para acabar com a pobreza em todas as suas formas, uma agenda
para o planeta”.
O então secretário Geral da ONU, Ban Ki-Moon, jáno final de
2014, ao apresentar aos Estados membros das Nações Unidas um
relatório-síntese sobre o trabalho desenvolvido para a definição e
negociação da agenda pós 2015, que iria substituir os oito Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio 2000-2015 (ODM), afirmava:
“estamos prestes a adentrar o ano mais importante para o
desenvolvimento desde a criação das Nações Unidas. Nós devemos
dar significado para a promessa desta organização, a fim de
reafirmar a fé na dignidade e no valor do ser humano. Temos uma
oportunidade histórica e o dever de agir vigorosamente para tornar a
dignidade para todos uma realidade, sem deixar ninguém para trás”.
Este relatório-síntese intitulado O caminho para a dignidade até
2030: acabando com a pobreza, transformando todas as vidas e
protegendo o planeta, começou a ser elaborado desde a Rio + 20,
contou com o apoio e com a colaboração de governos, de
empresários, de todo o Sistema ONU e de milhares de pessoas ao
redor do mundo. O documento aborda os desafios pós 2015 e pós
ODM. Os chamados ODM em número de oito são os seguintes: 1.
Acabar com a fome e a pobreza; 2. Educação básica de qualidade
para todos; 3. Educação entre sexos e valorização da mulher; 4.
Reduzir a mortalidade infantil; 5. Melhorar a Saúde das gestantes; 6.
Combater a Aids, a malária e outras doenças; 7. Qualidade de vida
e respeito ao meio ambiente; 8. Todo mundo trabalhando pelo
desenvolvimento.
Esta nova agenda do planeta para os próximos 15 anos, até
2030, como definiu Ban Ki-Moon, que agora oficialmente é aprovada
pela Assembleia da ONU com o seguinte título, Transformando
Nosso Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável,
consta de 17 objetivos e 169 metas a serem cumpridas por todos os
países.
Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram
sendo construídos sobre as bases dos ODM, — que produziram o
mais bem-sucedido movimento anti pobreza da História humana —
procurando completar o trabalho inacabado referente a eles e
responder a novos desafios. Segundo estudiosos da ONU, os ODS
focam nos três pilares fundamentais da sustentabilidade, ou seja: o
social, o ambiental e o econômico. O que diferencia os ODM e ODS
é que os ODM se importavam mais com as questões sociais e a
preocupação econômica era um pouco difusa. Além disso, existia
uma atenção maior em relação às necessidades dos países em
desenvolvimento. Já os ODS são mais globais e incluem a todos os
países, em desenvolvimento e desenvolvidos, incluindo também as
questões de ecologia e meio ambiente.
A agenda 2030 apresenta uma consciência mais crítica, alargada
e globalmente compartilhada dos desafios que temos em termos
globais para se alcançar o desenvolvimento sustentável. Ao abordá-
lo ressalta a crença e herança histórica em muitos povos indígenas
da América Latina: “Reafirmamos que o planeta Terra e seus
ecossistemas são a nossa Casa Comum e que a ‘mãe Terra’ é uma
expressão comum em vários países e regiões”.
 
 
O que entender por “desenvolvimento
sustentável’ e “sustentabilidade”
 
Ao comemorar seus 70 anos de existência a ONU em 2015
procura reinventar-se e ser uma referência importante para todos os
193 países membros em termos de promoção da paz, superação de
conflitos étnicos e desenvolvimento de seus povos.
Em 2015, na Cúpula das Nações unidas sobre o
Desenvolvimento Sustentável (25-27/09 – Nova York), adotou
oficialmente a chamada Transformando o Mundo: agenda 2030 para
o Desenvolvimento Sustentável. Um novo conceito de
desenvolvimento é adotado oficialmente pelos líderes mundiais, o
chamado “desenvolvimento sustentável”. Desde a Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, de 1992
– a Cúpula da Terra, realizada no Rio de Janeiro (conhecida como
ECO 92), o mundo identificou um novo caminho para o bem-estar
humano, o do desenvolvimento sustentável. Este conceito
apresentado na Agenda 21, reconhece que o desenvolvimento
econômico deve ser equilibrado com um crescimento que responda
às necessidades das pessoas e proteja o meio ambiente.
A nova agenda para 2030 para o desenvolvimento sustentável
baseia-se no resultado da Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento
Sustentável de 2002, da Cúpula de 2010, sobre os Objetivos do
Desenvolvimento do Milênio, e o resultado da Conferência das
Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável de 2012 (Rio
+20) e contribuições de organizações civis, ONGs de todo o mundo.
Reconhecendo os sucessos dos ODM, os países concordaram
no documento final da Conferência do Clima realizada no Brasil, no
Rio de Janeiro, em 2012, a Rio+20, O futuro que Queremos, em
estabelecer um grupo de trabalho aberto para elaborar um conjunto
de metas a respeito do desenvolvimento sustentável. Nas 55
páginas do documento, a expressão “desenvolvimento sustentável”
aparece nada menos que 286 vezes. Depois de mais de um ano de
deliberações consultivas abrangentes e intensivas, o Grupo de
Trabalho propôs 17 objetivos específicos com 169 metas
associadas. As negociações intergovernamentais sobre a
composição das metas duraram mais de dois anos e incluiram
numerosas contribuições da sociedade civil e outras partes
interessadas.
Neste contexto ganha muita importância um conceito que
fundamentou todas as discussões: sustentabilidade. O que entender
por sustentabilidade? Temos discussões em andamento com críticos
fervorosos de plantão. Mas é bom conhecer um pouco a evolução
histórica do conceito para entender onde estamos. Quem utilizou
pela primeira vez foi a norueguesa Gro Brundtland, ex-Diretora
Geral da Organização Mundial da Saúde. Em 1987, como
Presidente de uma comissão da ONU, Gro Brundtland publicou um
pequeno livro intitulado Nosso Futuro Comum, que relacionava meio
ambiente com progresso. Nesta publicação encontramos a primeira
definição: “Desenvolvimento sustentável significa suprir as
necessidades do presente sem afetar as habilidades das gerações
futuras de suprirem as próprias necessidades”. O que se defende
não é pura e simplesmente a interrupção do crescimento
econômico, afirmou Brundtland: “O que se reconhece é que os
problemas de pobreza e subdesenvolvimento só poderão ser
resolvidos se tivermos uma nova era de crescimento sustentável, na
qual os países do sul do globo desempenhem um papel significativo
e sejam recompensados por isso com os benefícios equivalentes”.
A sustentabilidade se aplica a toda e qualquer atividade humana
e para esta ser sustentável necessita ser economicamente viável,
socialmente justa, culturalmente aceita e ecologicamente correta.
Portanto quando falamos de “desenvolvimento sustentável”, de
“sustentabilidade”, estamos diante de um conceito que passou por
uma evolução de compreensão, e hoje temos esta perspectiva de
ser um conceito sistêmico, isto é, que integra aspectos econômicos,
sociais, culturais e ambientais, entre outros elementos.
 
 
Os referenciais éticos fundamentais da
Agenda 2030
 
Transformando o Nosso mundo: A Agenda 2030 para o
Desenvolvimento Sustentável é a agenda global para os 193 países
membros da ONU adotada para os próximos 15 anos. No seu
preâmbulo é dito: “Esta agenda é um plano de ação para as
pessoas, para o planeta e para a prosperidade. Ela também busca
fortalecer a paz universal com mais liberdade. Reconhecemos que a
erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões,
incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito
indispensável para o desenvolvimento sustentável”.
Esta agenda 2030 se constrói sobre o legado dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODM) e assume os objetivos e metas
não alcançados. Visa concretizar os direitos humanos de todos,
particularmente os mais vulneráveis. Eles se apresentam de forma
integrada e indivisível e abrangem as três dimensões do
desenvolvimento sustentável, a saber: a econômica, social e
ambiental. Segundo Ban Ki-Moon, secretário Geral da ONU, “a nova
agenda é uma visão universal, integrada e de transformação para o
mundo. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são o
nosso guia. Eles são a lista de coisas a fazerpara as pessoas e o
planeta e um plano para o sucesso”.
Antes de apresentar os 17 objetivos com as suas 169 metas, a
Agenda 2030 da ONU apresenta cinco princípios guia que embasam
estas opções. São como que os “valores guia” fundamentais,
referenciais éticos, valores inegociáveis a serem buscados,
preservados com determinação. Eis os cinco referenciais éticos
fundamentais:
 
1. Pessoas: acabar com a pobreza e a fome e garantir que todos
os seres humanos possam realizar o seu potencial em
dignidade e igualdade num ambiente saudável.
2. Planeta: proteger o planeta da degradação, sobretudo por
meio do consumo e da produção sustentáveis, da gestão
sustentável dos seus recursos atuais e tomando medidas
urgentes sobre a mudança climática, para que ele possa
suportar as necessidades das gerações presentes e futuras.
3. Prosperidade: assegurar que todos os seres humanos
possam desfrutar de uma vida próspera e de plena realização
pessoal, e que o progresso econômico, social e tecnológico
ocorra em harmonia com a natureza.
4. Paz: promover sociedades pacíficas, justas e inclusivas que
estão livres do medo e da violência. Não pode haver
desenvolvimento sustentável sem paz e não há paz sem
desenvolvimento sustentável.
5. Parceria: mobilizar os meios necessários para implementar
esta Agenda por meio de uma Parceria Global para o
desenvolvimento sustentável revitalizada, com base num
espírito de solidariedade global reforçada, concentrada em
especial nas necessidades do mais pobres e mais vulneráveis
e com a participação de todos os países, todas as partes
interessadas e todas as pessoas.
 
Os vínculos e a natureza integrada dos Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável (ODS) são de importância crucial para
assegurar a concretização dos propósitos da nova Agenda 2030. E
assim ocorrendo, diz o documento, “a vida de todos será
profundamente melhorada e o nosso mundo estará transformado
para melhor”.
A ONU nascia há 70 anos a partir da divisão das nações e das
cinzas da II Guerra Mundial. Aquela geração de líderes mundiais se
reuniu para formar a ONU acreditando num futuro da humanidade a
partir dos valores da “paz, diálogo e da cooperação internacional”.
“Nós, os povos”, são as famosas palavras de abertura da Carta da
ONU. E são “nós, os povos” que estão embaraçando hoje na
estrada para 2030. “É uma Agenda do povo, pelo povo e para o
povo, e isto, acreditamos, irá garantir o seu sucesso” (nº 52).
Enfim “o futuro da humanidade e do nosso planeta está em
nossas mãos. Também está nas mãos da geração mais jovem de
hoje, que vai passar a tocha para as gerações futuras” (nº 53).
 
 
Conhecendo os Objetivos da Agenda 2030
 
Relembramos os referenciais éticos norteadores da agenda
2030, os valores fundamentais que embasam estas escolhas de
objetivos, a saber: respeito à pessoa humana em sua dignidade;
cuidado para com o nosso planeta, nossa Casa Comum; um
progresso que não destrua a natureza e que beneficie a toda a
humanidade; busca da paz entre os povos, pois sem paz não
acontece desenvolvimento sustentável e estabelecimento de
parcerias globais, num espírito de solidariedade com os mais pobres
e vulneráveis do planeta.
A partir desta perspectiva é que são propostos os dezessete
objetivos do milênio, a saber: 1. Acabar com a pobreza em todas as
suas formas, em todos os lugares; 2. Acabar com a fome, alcançar a
segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura
sustentável; 3. Assegurar uma vida saudável e promover o bem-
estar para todos, em todas as idades; 4. Garantir educação inclusiva
e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizado
ao longo da vida para todos; 5. Alcançar igualdade de gênero e
empoderar todas as mulheres e meninas; 6. Garantir disponibilidade
e manejo sustentável da água e saneamento para todos; 7. Garantir
acesso à energia barata, confiável, sustentável e moderna para
todos; 8. Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e
sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para
todos; 9. Construir infraestrutura resiliente, promover a
industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação; 10.
Reduzir a desigualdade entre os países e dentro deles; 11. Tornar
as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros,
resilientes e sustentáveis; 12. Assegurar padrões de consumo e
produção sustentáveis; 13. Tomar medidas urgentes para combater
a mudança do clima e seus impactos (cf. COP 21); 14. Conservar e
promover o uso sustentável dos oceanos, mares e recursos
marinhos para o desenvolvimento sustentável; 15. Proteger,
recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas
terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a
desertificação, bem como deter e reverter a degradação do solo e a
perda de biodiversidade; 16. Promover sociedades pacíficas e
inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o
acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes,
responsáveis e inclusivas em todos os níveis; 17. Fortalecer os
mecanismos de implementação e revitalizar a parceria global para o
desenvolvimento sustentável.
Obviamente que estamos diante de uma visão extremamente
ambiciosa e transformadora. Como é dito na Agenda: “Prevemos um
mundo livre da pobreza, fome, doença e penúria, onde toda a vida
pode prosperar. Prevemos um mundo livre do medo e da violência.
Um mundo com alfabetização universal. Um mundo com o acesso
equitativo e universal à educação de qualidade em todos os níveis,
aos cuidados de saúde e proteção social, onde o bem-estar físico,
mental e social estão assegurados. Prevemos um mundo de
respeito universal dos direitos humanos e da dignidade humana, do
estado de Direito, da justiça, da igualdade e da não discriminação,
do respeito pela raça, etnia, diversidade cultural; e de igualdade de
oportunidades, que permita a plena realização do potencial
humano... Um mundo justo, equitativo, tolerante, aberto e
socialmente inclusivo em que sejam atendidas as necessidades das
pessoas mais vulneráveis”.
 
 
Um checkup das doenças do mundo na
perspectiva da Agenda 2030
 
Sem sombra de dúvida o momento histórico que estamos
vivendo apresenta desafios gigantescos para o chamado
desenvolvimento sustentável. Não é difícil perceber que ainda
bilhões de pessoas continuam a viver na pobreza e a elas é negada
uma vida digna. As desigualdades dentro dos e entre os países
estão crescendo ao invés de diminuir. Existem disparidades
gritantes de oportunidades, riqueza e poder. A desigualdade entre
homem e mulher continua a ser uma desfio fundamental. Em muitas
partes do mundo a mulher ainda é tratado como se fosse uma
escrava, ou coisa e propriedade do homem.
O desemprego, particularmente entre os jovens, é uma grande
preocupação. Ameaças globais de saúde, desastres naturais mais
frequentes e intensos, conflitos em ascensão, o extremismo
violento, o terrorismo e as crises humanitárias relacionadas e o
deslocamento forçado (migrantes) de pessoas ameaçam reverter
grande parte do progresso do desenvolvimento conquistado nas
últimas décadas.
O esgotamento dos recursos naturais e os impactos negativos da
degradação ambiental, incluindo a desertificação, secas, a
degradação dos solos, a escassez de água doce e a perda de
biodiversidade acrescentam e exacerbam a lista de desafios que a
humanidade enfrenta.
A mudança climática é um dos maiores desafios do nosso tempo
e seus efeitos negativos minam a capacidade de todos os países de
alcançar o desenvolvimento sustentável. Os aumentos na
temperatura global, o aumento do nível do mar, a acidificação dos
oceanos e outros impactos das mudanças climáticas estão afetando
seriamente as zonas costeiras e os países litorâneos de baixa
altitude, incluindo os menos desenvolvidos e os pequenos Estados
insulares em desenvolvimento.
Com este terrível diagnóstico, a conclusão não poderia ser
diferente desta: “a sobrevivência de muitas sociedades, bem como
dos sistemas biológicos do planeta, está em risco”. Estamos
chegando numa situação de emergência crítica e

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