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INTRODUÇÃO À PSICOMOTRICIDADE 4 Sumário UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 5 UNIDADE 2 – ORIGEM E EVOLUÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE ............................................................................ 8 2.1 Origem e evolução da ciência .................................................................................................................... 8 2.2 Conceitos e definições ............................................................................................................................. 11 UNIDADE 3 – FINALIDADE E ÁREAS DE ATUAÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE ..................................................... 14 3.1 Finalidades da Psicomotricidade ............................................................................................................. 14 3.2 Áreas de atuação ..................................................................................................................................... 15 UNIDADE 4 – PARTICIPAÇÃO DA ESCOLA, FAMÍLIA E PSICOMOTRICISTA ......................................................... 18 4.1 A escola .................................................................................................................................................... 18 4.2 Os pais ..................................................................................................................................................... 20 4.3 Professor-aluno ....................................................................................................................................... 24 UNIDADE 5 – OS ELEMENTOS ESTRUTURANTES DA PRÁTICA PSICOMOTORA ................................................. 27 5.1 O equilíbrio .............................................................................................................................................. 28 5.2 O esquema corporal ................................................................................................................................ 29 5.3 A imagem corporal .................................................................................................................................. 29 5.4 Coordenação motora ampla .................................................................................................................... 33 5.5 Coordenação motora fina ........................................................................................................................ 35 5.6 Lateralidade ............................................................................................................................................. 35 5.7 Estruturação ou orientação espacial ....................................................................................................... 41 5.8 Percepção musical ................................................................................................................................... 42 5.9 Percepção olfativa ................................................................................................................................... 42 5.10 Percepção gustativa .............................................................................................................................. 42 5.11 Percepção, organização temporal e ritmo ............................................................................................ 43 UNIDADE 6 – PSICOMOTRICISTA E O CÓDIGO DE ÉTICA DA CATEGORIA ......................................................... 47 6.1 Introdução ............................................................................................................................................... 48 6.2 Abrangência ............................................................................................................................................. 48 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................................................... 55 5 UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO Uma vez que o nosso corpo é o primeiro referencial e por meio do qual nos expressamos e nos comunicamos, podemos afirmar que a educação psicomotora é indispensável para todas as crianças, apresentem estas, ou não, dificuldades ou problemas de aprendizagem, tenham ou não alguma deficiência, portanto, o movimento é uma importante dimensão do desenvolvimento e da cultura humana. Na vida intrauterina, o feto já se movimenta, mas é na vida extrauterina que as crianças começam a movimentar-se, adquirindo aos poucos maior controle sobre seu próprio corpo, apropriando-se cada vez mais das possibilidades de interação com o mundo (BARRETO, 2010). Outro motivo que nos leva a valorizar a psicomotricidade relaciona-se com o momento que vivemos nesse século XXI, ou seja, todos nós, seres humanos, participamos de uma sociedade que vive uma dinâmica acelerada na qual prevalece a competitividade e a necessidade de acompanhar esse movimento, e ter um corpo saudável é importante. Por meio da educação, da reeducação e da terapia psicomotora podemos ajudar as crianças e os jovens a desenvolverem-se com destreza, levando-os a uma maior chance de aproveitar suas potencialidades e contribuir para um crescimento saudável. Na infância, a psicomotricidade é de vital importância para o desenvolvimento e aprendizagem da criança. O corpo é nosso universo particular. Nele nos movemos, sentimos, agimos, percebemos e descobrimos novos universos. Tudo esta devidamente gravado nesse corpo, e é na infância que determinamos a quem será bem gravado e a quem nem tanto. Aprender, movimentar, sentir esse universo e partilhar com outros, será determinante na estruturação desse sujeito que se forma, respeitando as limitações de cada indivíduo, pois o processo de desenvolvimento pode não ser igual a todos. A psicomotricidade auxilia este universo em formação a se descobrir por inteiro, através de estimulação e exploração concreta do mundo (SILVA 2005). Na adolescência começamos uma nova fase de nossa vida. Novos conflitos aparecem, tais como: perda do corpo infantil, perda da identidade infantil, perda dos pais infantis. Todos esses conflitos interiores vão criar uma desorganização e transformação na imagem corporal. A psicomotricidade se mostra um apoio importante para a assimilação dessa nova fase, agindo na aceitação dessa nova imagem, através da aprendizagem, da relação, da observação de si mesmo, nos levando a tomar consciência do que somos e do que queremos, enfim, ela nos leva a nos reestruturar (SILVA 2005). 6 Na fase adulta, encaramos novos desafios, tornando-se nossa face e fase profissional e financeira a prioridade momentânea. O corpo deixa, então, o seu caráter de universo de todas as sensações vividas para se tornar um apelo estético, maus hábitos, stress e tensões no dia-a-dia acarreta um descontrole tônico e emocional gerando prejuízos a saúde. Nesse momento lança-se mão da psicomotricidade, a fim de se resgatar a verdadeira essência reequilibrando e reorganizando o corpo através de terapias que vão gerar autoconhecimento e fortalecimento da autoimagem (SILVA 2005). A velhice se torna outro marco de desestruturação da imagem corporal. Muitos mitos e crenças rondam essa fase da vida. Todas essas crenças e mitos levam a alterações anatômicas, funcionais e emocionais. Na velhice encontramos a gerontopsicomotricidade, que vem ajudar os sujeitos, dessa fase, nas perdas psicomotoras que acontecem durante o processo de envelhecimento. A gerontopsicomotricidade resgata o tempo do agora, auxiliando os idosos a se redescobrirem. Através do corpo e do movimento, os indivíduos recuperam sua autonomia, seu desejo, sua motivação, seu prazere sua alegria. (http://www.psicomotricidade.com.br/sp/texto_psicomotricidade.htm) Mas o que vem a ser psicomotricidade? Embora bem pontuada no corpo e mente do ser humano, como visto acima, observamos a Psicomotricidade nos momentos mais simples e naturais do ser humano desde o seu nascimento. Teoricamente, podemos defini-la como uma ciência voltada para a educação e saúde, destinada a estudar, analisar e orientar as diversas condutas do indivíduo: motoras, afetivas, emocionais e cognitivas, e que, segundo Coste (1992), tem como objetivo buscar a intencionalidade da ação pelo movimento, a sua relação com o tempo e com o espaço, normalizando ou melhorando o comportamento geral da criança, suas emoções e necessidades e a integração harmoniosa entre os segmentos corporais e as inúmeras possibilidades do movimento. Conhecendo os mecanismos da psicomotricidade, podemos ajudar crianças, jovens, adultos e idosos a terem uma vida melhor, ajustadas ao meio ambiente, com mais segurança, confiança e aumento de sua autoestima, evitando muitas vezes o fracasso escolar (ALVES, 2003). Existem várias definições e várias utilizações, como veremos ao longo do curso, de antemão, vale explicar que Psicomotricidade é uma ciência terapêutica adotada na Europa há mais de 60 anos, principalmente na França, que instituiu o primeiro curso universitário de Psicomotricidade em 1963 (ISPE-GAE, 2007). 7 Segundo a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade (SBP, 2003), é a ciência que tem como objeto de estudo o homem através do seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo interno e externo, bem como suas possibilidades de perceber, atuar, agir com o outro, com os objetos e consigo mesmo. Está relacionada ao processo de maturação, onde o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. Sendo a manifestação corporal do invisível de maneira visível, podemos concluir que Psicomotricidade é um termo empregado para uma concepção de movimento organizado e integrado, em função das experiências vividas pelo sujeito cuja ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem e sua socialização. Ao longo do curso, veremos a origem e evolução desta ciência, estudaremos a motricidade humana desde a vida intrauterina, as influências biológicas, neurológicas e psicológicas na motricidade humana que traduzem os seus fundamentos, bem como as várias deficiências como os transtornos globais do desenvolvimento (TGD) que nos levam a fazer uso da Psicomotricidade, o diagnóstico e avaliação, os limites e possibilidades da psicomotricidade clínica e relacional, o trabalho com os vários portadores de deficiência como a visual, a auditiva, a mental, a equoterapia, asinoterapia, no meio aquático, a aplicação na terceira idade, levando qualidade de vida para os idosos e, por fim, atividades variadas aplicadas à Psicomotricidade que fazem a ponte entre teoria e prática. Esperamos que apreciem o material e busquem nas referências anotadas ao final da apostila subsídios para sanar possíveis lacunas que venham surgir ao longo dos estudos. Ressaltamos que embora a escrita acadêmica tenha como premissa ser científica, baseada em normas e padrões da academia, fugiremos um pouco às regras para nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científicos. Em segundo lugar, deixamos claro que este módulo é uma compilação das ideias de vários autores, incluindo aqueles que consideramos clássicos, não se tratando, portanto, de uma redação original. 8 UNIDADE 2 – ORIGEM E EVOLUÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE 2.1 Origem e evolução da ciência O corpo, a ação e a emoção se interagem a todo o momento e o bom desenvolvimento motor da criança é extremamente importante para que ela melhore seu desempenho escolar e crie confiança em si mesma. Para contribuir, não somente com a criança, mas todos que apresentam alguma disfunção psicomotora, eis que vimos surgir a ciência denominada Psicomotricidade. Historicamente, o termo “psicomotricidade” aparece a partir do discurso médico, mais precisamente neurológico, quando foi necessário, no início do século XIX, nomear as zonas do córtex cerebral situadas mais além das regiões motoras. A origem da Psicomotricidade remonta à Antiguidade, confundindo-se com a história da Educação Física. Naqueles tempos, Aristóteles (384-322 a.C.) fazia referências ao dualismo corpo-alma, ou seja, uma certa quantidade de matéria (corpo), moldada numa forma (sua alma) (MELLO, 2006). Mais tarde, Maine de Biran (1766-1824 apud MELLO, 2006, p.24) falaria que a ação assumia importância na consciência que o indivíduo tem de si e do mundo exterior, colocando o movimento como um componente essencial na estruturação psicológica do eu. Com o desenvolvimento e as descobertas da neurofisiologia, começa a constatar- se que há diferentes disfunções graves sem que o cérebro esteja lesionado ou sem que a lesão esteja claramente localizada. São descobertos distúrbios da atividade gestual, da atividade práxica. Portanto, o “esquema anátomo-clínico” que determinava para cada sintoma sua correspondente lesão focal já não podia explicar alguns fenômenos patológicos. É, justamente, a partir da necessidade médica de encontrar uma área que explique certos fenômenos clínicos que se nomeia, pela primeira vez, o termo Psicomotricidade, no ano de 1870. As primeiras pesquisas que dão origem ao campo psicomotor correspondem a um enfoque eminentemente neurológico (SBP, 2003). A Psicomotricidade no Brasil foi norteada pela escola francesa. Durante as primeiras décadas do século XX, época da primeira guerra mundial, quando as mulheres adentraram firmemente no trabalho formal, suas crianças ficavam nas creches, daí a 9 escola francesa ter influenciado mundialmente a psiquiatria infantil, a psicologia e a pedagogia. Por volta de 1900, Wernick empregou pela primeira vez o termo composto psicomotricidade e Dupré, em 1907, introduziu o conceito de debilidade motora. Na sequência têm-se inúmeros outros pesquisadores importantes. Seus estudos refletem até os dias atuais. Dentre eles: Claparède, Montessori, Schilder, Gesell, Wallon, Piaget e Ajuriaguerra, sendo que o trabalho deste último é considerado um marco fundamental no desenvolvimento da psicomotricidade. Entre 1907 e 1909, a figura de Dupré, neuropsiquiatra, é de fundamental importância para o âmbito psicomotor, já que é ele quem afirma a independência da debilidade motora, antecedente do sintoma psicomotor, de um possível correlato neurológico. Neste período, o tônus axial começava a ser estudado por André Thomas e Saint-Anné Dargassie. Em 1925, Henry Wallon, médico psicólogo, ocupa-se do movimento humano dando-lhe uma categoria fundante como instrumento na construção do psiquismo. Esta diferença permite a Wallon relacionar o movimento ao afeto, à emoção, ao meio ambiente e aos hábitos do indivíduo, e discursar sobre o tônus e o relaxamento. Em 1935, Edouard Guilmain, neurologista, desenvolve um exame psicomotor para fins de diagnóstico, de indicação da terapêutica e de prognóstico. Em 1947, Julian de Ajuriaguerra, psiquiatra, redefine o conceito de debilidade motora, considerando-a como uma síndrome com suas próprias particularidades. É ele quem delimita com clareza os transtornos psicomotores que oscilam entre o neurológico e o psiquiátrico. Ajuriaguerra aproveitou os subsídios de Wallon em relação ao tônus ao estudar o diálogo tônico. A relaxação psicotônica foi abordada por Giselle Soubiran (SBP, 2003) e (ISPE-GAE, 2007). Na década de 1950, Ajuriaguerra elaborou uma obra, traduzida como “O Manual de Psiquiatria da Infância”, que a princípio destinava-se a embasar teoricamente um curso dirigido aos estudantes de Medicina e aos colaboradores da cadeira de Psiquiatria e do ServiçoMédico-Pedagógico de Genebra. Dentre os temas abordados em sua obra, têm- se: a vida social da criança e do adolescente, os problemas gerais do desenvolvimento; os problemas gerais da desorganização psicobiológica da criança; a organização psicomotora e seus distúrbios, etc. Nos tempos atuais, embora tenham surgido outros pesquisadores (Costallat, Rossel, Lapierre, Aucouturier, Luria, Coste, etc.), a obra de Ajuriaguerra continua 10 influenciando e servindo de referência para os trabalhos desenvolvidos no campo da psicomotricidade. No Brasil, a história da Psicomotricidade segue os passos da escola francesa, que naquela época, tinha em Dupré um estudioso das crianças com dificuldades escolares. Era clara e nítida a influência marcante da Escola Francesa de Psiquiatria Infantil e da Psicologia na época da 1ª guerra em todo mundo. O Brasil foi também invadido, ainda que tardiamente, pelos primeiros ventos da Pedagogia e da Psicologia. Nos países europeus, pesquisadores se organizavam em grupos de trabalho: era preciso responder as aspirações e necessidades da sociedade industrial, que levava as mulheres ao trabalho formal, deixando as crianças em creches (ISPE, 2007). Os franceses se conscientizavam sobre a importância do gesto e pesquisavam profundamente os temas corporais. André Thomas e Saint-Anné Dargassie, iniciavam suas pesquisas sobre tônus axial. A maturação, os reflexos tônicos arcaicos do nascimento aos primeiros anos de vida, produziram as primeiras palavras-chave da Psicomotricidade (ISPE, 2007). Na sequência, Wallon utilizou as palavras tônus e relaxamento e o Dr. Ajuriaguerra combinou às suas pesquisas, a importância do tônus falada por Wallon em seus escritos sobre o diálogo tônico. Dra. Giselle Soubiran iniciou sua prática de relaxação psicotônica e fez seguidores. Empenhada cada vez mais em mostrar ao mundo, a importância do tônus no dia-a-dia, ela apontou aos pesquisadores, caminhos a serem seguidos e estudados e deixou clara a sintomatologia tônica corporal do século. No Brasil, Lefévre buscou junto às obras de Ajuriaguerra e Ozeretski, influenciado por sua formação em Paris, a organização da primeira escala de avaliação neuromotora para crianças brasileiras. Dra. Helena Antipoff, assistente de Claparéde, em Genebra, no Instituto Jean- Jacques Rosseau e auxiliar de Binet e Simon em Paris, da escola experimental “La Maison de Paris”, trouxe ao Brasil sua experiência em deficiência mental, baseada na Pedagogia do interesse, derivada do conhecimento do sujeito sobre si mesmo, como via de conquista social (ISPE, 2007). Sempre que se buscar referências sobre a Psicomotricidade encontrar-se-á a influência dos renomados franceses citados anteriormente. Mais precisamente, em 1977, com a fundação do Grupo de Atividades Especializadas – GAE, inicia-se a mobilização e divulgação da Psicomotricidade no Brasil. Em 1979, acontece o 1º Encontro Nacional de Psicomotricidade em São Paulo, com a presença das francesas Dra. Soubiran e Dra. Costallat, e a partir de então, passam a 11 acontecer encontros nacionais e Latino Americanos de Psicomotricidade, mais precisamente nos anos de 1980, 1983, 1986, 1988, 1990, 1992, 1997 e 2002. No curso da história, as escolas, hospitais e consultórios têm oferecido a Psicomotricidade em seus serviços e setores de reeducação e reabilitação, além de existirem faculdades com formação universitária e alguns cursos de Pós-graduação Lato Sensu em universidades públicas e particulares e cursos de Stricto-Sensu formando mestres em Psicomotricidade (ISPE, 2007). Assim, da passividade do aluno e dos estudos nas épocas do imperialismo neurológico, passou-se à especialização da Psicomotricidade atual, pensando o sujeito na sua integralidade. 2.2 Conceitos e definições Sempre que se fala em Psicomotricidade, o primeiro pensamento que vem à mente relaciona-se com a capacidade que o ser humano tem de realizar movimento e, por conseguinte, o desenvolvimento do corpo. Mas, na realidade, a Psicomotricidade é uma ciência mais profunda, que está relacionada ao processo de maturação, onde o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas, sendo, deste modo, sustentada por três conhecimentos básicos: o movimento, o intelecto e o afeto. Psicomotricidade, portanto, é um termo empregado para uma concepção de movimento organizado e integrado, em função das experiências vividas pelo sujeito cuja ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem e sua socialização (ISPE, 2007). Nos seus primórdios, como vimos, a psicomotricidade compreendia o corpo nos seus aspectos neurofisiológicos, anatômicos e locomotores, coordenando-se e sincronizando-se no espaço e no tempo, para emitir e receber significados. Hoje, a psicomotricidade é o relacionar-se através da ação, como um meio de tomada de consciência que une o ser corpo, o ser mente, o ser espírito, o ser natureza e o ser sociedade. Ela está associada à afetividade e à personalidade, porque o indivíduo utiliza seu corpo para demonstrar o que sente, e uma pessoa com problemas motores passa a apresentar problemas de expressão. Segundo Fonseca (1996), a psicomotricidade é atualmente concebida como a integração superior da motricidade, produto de uma relação inteligível entre a criança e o 12 meio. É um instrumento privilegiado através do qual a consciência se forma e se materializa. Diversos autores apresentaram conceitos relacionados à psicomotricidade. Para Pierre Vayer (1986 apud MOLINARI e SENS, 2003), a educação psicomotora é uma ação pedagógica e psicológica que utiliza os meios da educação física com o fim de normalizar ou melhorar o comportamento da criança. Segundo Coste (1992), “é a ciência encruzilhada, onde se cruzam e se encontram múltiplos pontos de vista biológicos, psicológicos, psicanalíticos, sociológicos e linguísticos”. Para Ajuriaguerra (1970 apud Molinari e Sens, 2003), é a ciência do pensamento através do corpo preciso, econômico e harmonioso. É a integração do indivíduo, utilizando, para isso, o movimento e levando em consideração os aspectos relacionais ou afetivos, cognitivos e motrizes. É a educação pelo movimento consciente, visando melhorar a eficiência e diminuir o gasto energético (BARRETO, 2000 apud MOLINARI E SENS, 2003). Voltando a Fonseca (1995), a psicomotricidade visa privilegiar a qualidade da relação afetiva, a mediatização, a disponibilidade tônica, a segurança gravitacional e o controle postural, a noção do corpo, sua lateralização e direcionalidade e a planificação práxica, enquanto componentes essenciais e globais da aprendizagem e do seu ato mental concomitante nela o corpo e a motricidade. Enfim, o corpo reflete o orgânico, o emocional, o neurológico, pois sem esta totalidade, ele não existe, e para estar então disponível à aprendizagem, o corpo precisa estar preparado para se adaptar a novas situações e possuir capacidade de organização. Encerrando estas conceituações acerca do termo Psicomotricidade, ela compreende uma concepção holística de aprendizagem e de adaptação do ser humano, que tem por finalidade, associar dinamicamente, o ato ao pensamento, o gesto à palavra, o símbolo ao conceito e trabalha respeitando o potencial de cada ser, dando a ele o direito de ter um lugar na sociedade, sendo que, o ser humano passa por vários processos de desenvolvimento, tanto motor quanto cognitivo, sendo estes frequentes e permanentes (ISPE, 2007). Uma vez que a função motora, o desenvolvimento intelectual e o desenvolvimento afetivo estão intimamente ligados na criança, a psicomotricidade quer justamente destacar a relação existente entre a motricidade, a mente e a afetividade e facilitar a abordagem global da criança por meio de uma técnica. 13 Para Mello (2006, p. 30), “ela éfundamentada e estudada por um amplo conjunto de campos científicos, onde se pode destacar a Neurofisiologia, a Psiquiatria, a Psicologia e a Educação”. Fonseca (1976 apud Mello, 2006) ressaltou a necessidade de abordar o significado do movimento como comportamento, numa relação consciente e inteligível entre a ação do indivíduo e a situação circunstancial, evitando-se observações restritas ao trabalho de ossos, articulações e músculos, como se o corpo fosse uma máquina posta em movimento por um psiquismo que habilita o cérebro. 14 UNIDADE 3 – FINALIDADE E ÁREAS DE ATUAÇÃO DA PSICOMOTRICIDADE 3.1 Finalidades da Psicomotricidade A Psicomotricidade surgiu como um meio de combater a inadaptação psicomotora, pois apresenta uma finalidade reorganizadora nos processos de aprendizagem de gestos motores. Ela se apresenta como um alicerce sensório-perceptivo-motor indispensável na contribuição do processo de educação e reeducação psicomotoras, pois atua diretamente na organização das sensações, das percepções e nas cognições, visando a sua utilização em respostas adaptativas previamente planificadas e programadas. Sobre seu papel junto às atividades escolares, muitas das dificuldades encontradas não se apresentam em função do nível da turma a que as crianças chegaram, mas em relação aos elementos básicos ou “pré-requisitos”, condições mínimas necessárias para uma boa aprendizagem, que constituem a estrutura da educação psicomotora (LE BOULCH, 1983; MEUR E STAES, 1984 apud CHAVES, 2007). Nesse sentido, é de suma importância a atividade lúdica, realizada através de atividades psicomotoras, no sentido de colaborar para o desenvolvimento integral da criança, e para que ela possa sedimentar bem esses “pré-requisitos”, fundamentais também para a sua vida escolar. Segundo Freire (1991, p.76) [...] causa mais preocupação, na escola da primeira infância, ver crianças que não sabem saltar que crianças com dificuldades para ler ou escrever, portanto, descobrir as habilidades de saltar, correr, lançar, subir em árvores, por exemplo, é importante para o desenvolvimento pleno do aluno, como um organismo integrado, levando-se em conta que tais habilidades são consideradas como formas de expressão de um ser humano. A escola não deve se preocupar em ensinar essas habilidades apenas para que o aluno saiba executá-las bem ou para facilitar a execução das tarefas escolares, mas sim direcionar a aprendizagem para a formação integral do aluno (CHAVES, 2007). Considerar o gesto ou a linguagem corporal como forma de expressão do ser humano é um caminho para reconhecer a importância da atividade corporal no processo ensino-aprendizagem, principalmente se lembrarmos que mesmo antes dos homens se comunicarem através de símbolos, a expressão corporal se constituiu na primeira forma de linguagem. 15 Coste (1991, p.46), ressalta que, “o corpo é, de fato, um lugar original de significações específicas e, por ser parte integrante de nosso universo de símbolos, é produto e gerador, ao mesmo tempo, de signos”. Ainda sobre as finalidades da Psicomotricidade, Fonseca (2004) ressalta as seguintes: a) mobilizar e reorganizar as funções psíquicas emocionais e relacionais; b) aperfeiçoar a conduta consciente e o ato mental (input, elaboração e output); c) elevar as sensações e as percepções a níveis de conscientização, simbolização e conceitualização (da ação aos símbolos e vice-versa, passando pela verbalização); d) harmonizar e maximizar o potencial motor, afetivo-relacional e cognitivo, ou seja, o desenvolvimento global da personalidade, a capacidade de adaptabilidade social e a modificabilidade estrutural do processamento da informação do indivíduo; e, e) fazer do corpo uma síntese integradora da personalidade, reformulando a harmonia e o equilíbrio das relações entre a esfera do psíquico e a esfera do motor, por meio do qual a consciência, aqui encarada como dado imediato e intuitivo do corpo, se edifica e se manifesta, com a finalidade de promover a adaptabilidade a novas situações. 3.2 Áreas de atuação Teoricamente, a psicomotricidade compreende em síntese, um ramo de conhecimentos interdisciplinar onde se cruzam várias contribuições científicas, integrando os seguintes conceitos: Psicológicos (desenvolvimento psicomotor, gênese da noção do corpo, formação do caráter e da personalidade, etc.); Psiquiátricos (noção do inconsciente, emergência das pulsões, síndromes de despersonalização, membro fantasma, alucinações, anorexias mentais, hipocondrias, etc.); Psicossomáticos (dimensão imaginária do corpo, simbiótica e simbólica corporal, etc.); Sociológicos (comunicação não verbal, etc.); e, Psicolinguísticos (linguagem pré-verbal, linguagem interior e gestual, etc.). (FONSECA, 2004). 16 Geralmente, as áreas de atuação do psicomotricista são a educação, clínica, consultoria, supervisão e pesquisa, atendendo crianças em fase de desenvolvimento; bebês de alto risco; crianças com dificuldades/atrasos no desenvolvimento global; pessoas portadoras de necessidades especiais: deficiências sensoriais, motoras, mentais e psíquicas; família e a 3ª idade. O psicomotricista pode trabalhar em creches; escolas; escolas especiais; clínicas multidisciplinares; consultórios; clínicas geriátricas; postos de saúde; hospitais; empresas (SBP, 2007). Enfim, a Psicomotricidade é uma prática pedagógica que visa contribuir para o desenvolvimento integral da criança no processo de ensino-aprendizagem, favorecendo os aspectos físicos, mental, afetivo-emocional e sociocultural, buscando estar sempre condizente com a realidade dos educandos. Em relação ao conteúdo, Fonseca (2004) divide em quatro grandes áreas: 1. Os fundamentos teóricos; 2. A observação psicomotora; 3. A significação Psiconeurológica dos fatores psicomotores; e, 4. Os métodos de intervenção. A primeira área aborda os Fundamentos Históricos, Bioantropológicos, Psicológicos e Sociológicos da Psicomotricidade, passando pela filogênese e pela ontogênese do desenvolvimento psicomotor com recurso à análise dos substratos neurológicos da proto, arqui, paleo e neomotricidade, com abordagem das aquisições especificamente humanas da macro, da micro, da oro, da grafo e da sociomotricidade. Em relação a observação psicomotora, as principais áreas de conteúdo são as seguintes: a Atitude de Observação em Psicomotricidade; a Observação Psicomotora, sua comparação com a observação neurológica tradicional e com a observação psicométrica clássica; análise dos perfis psicomotores – apraxia, dispraxia, eupraxia e hiperpraxia; a bateria psicomotora, sua definição e protocolo de observação dos fatores psicomotores – tonicidade, equilibração, lateralização, noção do corpo, estruturação espaço-temporal, praxia global e praxia fina; o estudo das síndromes da criança dispráxica, os tipos de dispraxia – ideacional, ideomotora, construtiva, oro-facial, oculomotora e evolutiva (FONSECA, 2004). 17 A área centrada na Psiconeurologia dos Fatores Psicomotores e na sua Organização Funcional Cerebral enfoca especialmente Luria, bem como, procura aprofundar as suas implicações na aprendizagem e no desenvolvimento global da personalidade. Os conteúdos seriam a tonicidade, equilibração, lateralização, noção do corpo, estrutura espaço-temporal, espacial, coordenação global, fina e o sistema psicomotor humano (FONSECA, 2004). 18 UNIDADE 4 – PARTICIPAÇÃO DA ESCOLA, FAMÍLIA E PSICOMOTRICISTA Evidentemente que promover educação ou reeducação psicomotora nos leva a falar em prática, portanto, precisamos necessariamente voltar nossos olhos para a escola, o próprio sujeito da intervenção, a família, o professor e, claro, o psicomotricista. A prática psicomotora auxilia oindivíduo em vários aspectos como: afetividade, conhecimento, motricidade e a própria reflexão (SANTOS et al, 2007). A psicomotricidade trabalha respeitando o potencial de cada ser dando a ele o direito de ter um lugar na sociedade, lembrando sempre que o corpo e a mente têm limites que devem ser respeitados e trabalhados de acordo com as potencialidades de cada indivíduo. A criança quando tem a oportunidade de desenvolver suas habilidades psicomotoras tem uma personalidade própria e é capaz de se organizar física e mentalmente com mais facilidade, sabe diferenciar diversos conceitos como o correto do errado; o quente do frio e outros tantos. Para Santos et al (2007) existem várias maneiras de trabalhar com o psicomotor da criança, um exemplo bem prático e fácil de ser entendido é usar um espelho onde coloca-se a criança de frente para ele e lhe mostra quando levanta um braço, mexe a cabeça, dança, rola no chão, faz mímicas faciais, com isso a criança vai entender que seu corpo tem habilidades exatas e outras que podem ser aprimoradas. Nesse sentido, Le Boulch (1983, p. 70) afirma que progressivamente, a criança poderá comparar seu corpo sinestésico com as reações posturais e gestuais que ela vê no espelho e que ainda lhe são estranhas. Pouco a pouco, a criança chegará à convicção de que o corpo que ela sente é o mesmo daquele que observa no espelho. A criança com o passar do tempo e conforme for sendo trabalhada, começa a ter a noção de espaço, passando a perceber que é um ser com capacidades e habilidades que tem seu próprio lugar no mundo. A partir desse momento, ela consegue entender com mais facilidade as direções como: esquerda, direita, frente, atrás, em cima, em baixo. 4.1 A escola A escola, enquanto mediadora do conhecimento, deve trabalhar com a psicomotricidade de forma que passe à criança tranquilidade, otimismo e segurança, pois 19 assim a criança irá se sentir à vontade para trabalhar com o corpo e a mente de forma prazerosa e significativa. Esse trabalho não só pode como deve ser feito de forma interdisciplinar na escola e, evidentemente na sala de aula, sem fragmentar conteúdos, identificando o estudado e o vivido, sendo este último a partir das variadas experiências dos alunos. Enfim, a interdisciplinaridade ajuda na formação de um cidadão responsável, crítico e consciente de suas ações e o professor, sendo humilde, percebendo e respeitando a individualidade de cada um, poderá fazer da psicomotricidade uma grande prática que levará ao resgate pessoal de cada aluno com dificuldades. A educação psicomotora deve ser considerada como uma educação de base na escola primária. Ela condiciona todos os aprendizados escolares; leva a criança a tomar a consciência de seu corpo, da lateralidade, a situar-se no espaço, a dominar seu tempo, a adquirir a coordenação de seus movimentos (LE BOULCH, 1983, p. 24). Nesse contexto vemos que a função clássica da escola é garantir o processo de transmissão, sistematização e assimilação de conhecimentos e habilidades produzidos historicamente pela humanidade, de modo a permitir que os seres humanos venham a interagir e intervir na sociedade (RESENDE e SOARES, 1997). Esses conhecimentos e habilidades, quer sejam técnicos, científicos, estéticos, artísticos ou culturais, são entendidos como patrimônio sociocultural da humanidade, ou seja, de dimensões universais, quando têm uma representação que independe de lugar geográfico, político e social e, têm dimensões particulares quando representam determinadas sociedades ou comunidades. Isto quer dizer que precisam ser socializados. Dessa maneira, à escola cabe a função político-social de possibilitar a conservação e a renovação dos conhecimentos produzidos e acumulados, para que as novas gerações assumam a responsabilidade de continuarem a construção de uma sociedade, que no nosso caso, se identifica com valores humanistas e democráticos. Essa condição da escola leva a inferir que a mesma deve selecionar os conteúdos necessários à formação do cidadão autônomo, crítico e criativo, para que este possa participar, intervir e comprometer-se com os rumos da sociedade possível, portanto, é função da escola desenvolver a personalidade e as potencialidades dos indivíduos, pautar- se em valores nobres de justiça, de tolerância às diferenças, de pluralidade, de liberdade, de igualdade de condições e oportunidades (RESENDE e SOARES, 1997). 20 Enfim, a escola deve instrumentalizar seus alunos para participar plenamente na vida pública, ou seja, ela deve promover uma prática sociocultural que é importante para o processo de construção da cidadania dos indivíduos. A escola reúne um rico patrimônio cultural tanto de dimensões universais (esportes e ginásticas institucionalizadas, etc.), quanto particulares (jogos e brincadeiras populares, esportes locais, etc.). Se pensarmos em termos de educação física, além de possibilitar o aumento do repertório de conhecimentos e habilidades, bem como a compreensão e a reflexão sobre a cultura corporal, ela pode ser entendida como uma das formas de linguagem e expressão comunicativa que, como qualquer prática social, é eivada de significados, sentidos, códigos e valores, que influenciam a formação do ser humano. 4.2 Os pais Ser pai, mãe ou responsável por uma criança significa fundamentalmente entender a psicomotricidade. A eterna necessidade do ser humano de vencer a morte pode ser vivida simbolicamente num filho. Deixar marca no mundo, mesmo após a morte, é possível graças à capacidade de criação. Segundo Cabral (2001), a criatividade pode se exprimir em obras diversas, inclusive em um filho. Entretanto, o filho é uma “criação”, uma “obra” especial, pois o produto final ultrapassa o criador. O filho existe no desejo dos pais mesmo antes de nascer. Esse desejo é algo mais profundo que a simples vontade de gerar uma criança. O desejo é algo do inconsciente, algo que cria um “espaço interno de espera” nos pais, o que vai ter influências sobre as futuras relações pais-filhos. Com a evolução, aos poucos a criança vai descobrindo sue próprio desejo e se separa dos pais. O filho torna-se sujeito de seu próprio desejo. Esse novo ser, que deseja, muitas vezes não corresponde ao desejo idealizado dos pais. Surgem aí conflitos intrafamiliares. Muitos pais não conseguem deixar o filho ser o que é e tentam moldá-lo à “sua imagem e semelhança”. Outros se sentem decepcionados e rejeitam seus “pequenos patinhos feios”, quando não correspondem a seu ideal. Poderão ser pais sem capacidade de discernir seus próprios desejos e idealizações projetados nos filhos. Muitos pais tentam compensar, através de seus filhos, frustrações próprias e dizem: “Meu filho vai ser o que eu não 21 consegui ser...” “Outros querem repetir sua receita de vida sem ver nem dar espaço para acolher os novos tempos e nem a personalidade do filho”. O que os pais esperam da escola de seu filho pode estar marcado pelas fantasias e pelo ideal que eles projetam nos filhos, sendo isto um fator facilitador ou, ao contrário, gerador de conflito com os educadores que vão prosseguir, fora do seio da família, com o trabalho de humanização das crianças. O significado da escola para os pais é outro fator relevante. A instituição social escola não cuida apenas do ensino. Além do seu significado já tradicionalmente estabelecido de “abrir as portas do conhecimento”, é também espaço da educação e socialização e, neste sentido, um prolongamento do núcleo familiar. A escola atua em conjunto com a instituição família no processo de formação da pessoa. Transmite valores e normas comuns à sociedade como um todo. As mudanças sociais dos dias atuais têm modificado as duas instituições: família e escola. A repercussão na escola foi, sobretudo, tomá-la um espaço de convivência socialprivilegiado para a criança, já que as famílias são menores e os pais não têm muito tempo disponível para os filhos. A verdade é que há muitas crianças que só convivem com seu grupo de iguais na escola. Cada vez mais cedo os pais buscam a escola para que seus filhos tenham mais oportunidades de laços interpessoais e, sobretudo, relacionamento com outras crianças. Oportunidade também de vivenciar espaços mais amplos e de certo modo protegidos (CABRAL, 2001). É na escola que a maior parte das crianças de hoje tem descoberto os companheiros, os amigos, os colegas e adultos significativos. A própria escolha da escola já implica numa certa ideologia familiar. A demanda da família pode ser de uma escola que prolongue sua posição ou, ao contrário, que supra as “falhas” de sua dinâmica. Pode-se buscar uma escola livre como continuação da liberdade e criatividade e, ainda, é possível optar por uma escola mais autoritária para dar mais organização e normas mais severas. A busca pode ser por uma estrutura com valores mais intelectualizados. Pode ser também de um lugar com oportunidade para a prática de esportes e desenvolvimento físico paralelo ao cognitivo. Vários podem ser os motivos e desejos implícitos na demanda dos pais. Acredita- se que os pais deveriam estar conscientes das razões de suas escolhas. Conhecer se existe um espaço na instituição escolar para checar. 22 É difícil para os pais deixarem de ser as únicas pessoas significativas para seus filhos, e a escola pode significar perda e separação. Um modo de colaborar com os pais e a criança nesta possível crise é abrir as portas da escola para dar espaço a seu sentimento. As reuniões de pais são primordiais. As novas relações pais e a escola são essenciais para o desenvolvimento da criança, principalmente durante a educação infantil. Já que a escola é vista numa nova dimensão, também deveria mudar e permitir a entrada dos pais, para que estes expressem e compreendam o que está ocorrendo consigo mesmos, com seu filho e com a escola. Ultrapassado um primeiro momento de adaptação à escola, os pais costumam voltar-se para expectativas mais acadêmicas, isto porque a escola mesmo colocou por muito tempo estes objetivos bem exclusivos a ser alcançado. Eles começam a ver a escola só como o lugar do ensino e às vezes até esquecem que o espaço da socialização, da descoberta e criatividade continua a existir junto ao aprendizado de conteúdos. Interessa-lhes que seu filho tenha sucesso acadêmico. Começam as cobranças que, no fundo, têm certa razão. Foi a própria escola que, no seu afã de produção, insistiu nas notas e na competição entre seus alunos, valorizando mais o ter conhecimento do que construir a aprendizagem. Adquirir conteúdos curriculares é importante, mas não desenvolve, por si mesmo, a inteligência e a capacidade da criança. Ao contrário, ser inteligente é agir de modo criativo, solucionando problemas novos. E pensar e criticar (LE BOUCH, 1982). É interessante ressaltar que, para muitos pais, o importante é escrever sem erros de ortografia e sintaxe maquinalmente, ser capaz de representar na escrita um pensamento vivo e criativo fica em segundo plano. Aí estão questões que devem ser definidas pelos pais e pela escola. Educadores e pais também podem se exercitar no pensar e criticar! Trata-se de colocar a filosofia da escola em questão. Pais e educadores que comungam as mesmas ideias são capazes de uma interlocução produtiva, reconhecendo pontos de vista diferentes, agindo no sentido da promoção humanizante dos alunos. Outro ponto importante nesta reflexão com os pais em relação a seu filho na escola é o da “turma”, das amizades. Estas começam a ter um papel na vida das crianças por volta dos sete anos e aumentam de importância na adolescência. Na turma, a criança pode se afirmar em pé de igualdade com os companheiros. Pode também se afiliar aos amigos para enfrentar os adultos, o que é necessário para a 23 afirmação pessoal, mesmo que muitas vezes os adultos não compreendem isto. Surgem vários questionamentos: Como os pais veem mais esta mostra de independência e autonomia dos filhos? E os educadores, diante de seus alunos que ganham autonomia, o que fazem? Como colaboram para que o filho e/ou aluno tenha mais esta oportunidade para crescer? Como adultos, sentem-se pressionados e temerosos? Será que vão perder sua autoridade e poder? Como, por sua vez, a instituição escolar e os professores lidam com os grupos na escola? Estes pontos são mais uma faceta do que significa educar e devem ser mais discutidos. Também temas atuais como a agressividade e a violência, além dos sempre presentes impulsos e manifestações da sexualidade, devem ser abordados em reuniões na escola, para que haja uma linguagem promotora da responsabilidade, sem criar repressões provocadoras de inibição. Quando a escola e os pais se auxiliam mutuamente para transformar o espaço educativo, surge uma nova relação de confiança que dá lugar ao aluno, preservando a palavra dos pais e dos educadores no que se refere às regras do social, criando espaços para se expressar e poder construir novas relações de cidadania e participação social. É através de novas formas de relacionar-se que se criam vínculos entre a criança e o adulto, quando este sai de sua posição autoritária e permite ao aluno descobrir seu próprio poder e afirmar-se, seja no confronto responsável, seja compartilhando seu espaço com o outro. Esta postura permite ao aluno se desenvolver integralmente e ao professor, um trabalho mais eficiente e satisfatório. A pulsão, que é essa energia de vida, que constitui o desejo do ser humano, deve ser dirigida para objetivos socialmente aceitáveis e isso é papel da educação. É através do que transmitem os pais e dos cortes e interdições, que eles veiculam, que a criança descobre que não pode apenas viver de acordo com seus desejos e seus impulsos, que deve também submeter-se à realidade e escolher quais desejos pode realizar de modo simbólico ou através de sublimações. Transmitir aos filhos o que é próprio da sociedade depende da ética parental, mas também dos mitos e das fantasias inconsciente dos pais. Semelhantemente aos pais, os educadores, além das propostas conscientes de educar, têm também fantasias e mitos pessoais e institucionais que influenciam em suas atitudes educativas. Além das atitudes educativas, a personalidade do pai ou do educador desempenha um papel infinitamente importante no desenvolvimento das crianças. Mães diferentes, ou a 24 mesma mãe, em fases diversas de sua vida, usam modelos educativos de modo particular, coloridos por seus fantasmas. Além disso, com filhos diferentes, um preceito educativo “aparentemente o mesmo” pode estar sendo causa de modos de agir diferentes. Para compreender as relações pais/filhos e poder colaborar com os pais, a escola, que se propõe a coparticipação com a comunidade, vai buscar entender o que significa ser pais. 4.3 Professor-aluno As relações interpessoais não podem ser postas de lado na escola. Não é mais possível dizer ao aluno: esqueça de seus conflitos e desejos e venha aprender. Só aprende quem se situa como sujeito desejante. Quem tem identidade própria reconhece os limites do possível e deseja. O professor e demais profissionais da escola têm que compreender o sujeito com que lidam, frente à tarefa de aprendizagem. Ao mesmo tempo, devem se questionar e avaliar o lugar e função que ocupam, como pessoas adultas, diante do processo de transmissão de conhecimento. A repetição tem um valor tranquilizador. O que é criativo é incomparável, faz correr riscos. O que não é repetitivo não pode ser julgado, não está codificado (DOLTO; 1988). É necessário assumir a insegurança da liberdade. A escola deve ser imaginativa e criativa, sair da pura repetição.Aí ela torna-se um lugar vivo, onde cada faixa etária, cada um, contribui, pela sua expressão verbal, gráfica, manufaturada, caracterial, para criar a vida (DOLTO; 1988). A relação professor e aluno não deve estabelecer segundo o modelo dual, pura repetição da relação mãe e filho. O adulto deve ser o representante do mundo de responsabilidades, deveres e direitos, ou seja, da cultura e da sociedade. Deve reconhecer o aluno como sujeito, com deveres e direitos. A reprodução das relações familiares na escola impede que ela seja viva e criativa. Há apenas repetição dos pedidos de afeto, ciúmes e rivalidades entre alunos ou profissionais da equipe escolar. Dá-se oposição às ordens do “pai autoritário” e busca-se seduzir a “mãe e tia” que não assume seu lugar de autoridade (COSTALLAT; 1983). Por outro lado, transbordam as demandas dos alunos e filhos e as cobranças afetivas dos adultos “pai e mãe”, pouco capazes de ocupar o lugar e função que lhes cabe como representantes da ordem social. 25 O aluno tem dificuldade em sair da relação dual face ao professor e estabelecer múltiplas relações com várias facetas e papéis diferenciados diante dos vários professores que lhe transmitem os conhecimentos específicos de cada matéria curricular. Se o mundo mudou e está mudando, a escola não pode ficar presa ao “antigo mundo” e se lamentar de que hoje os alunos não são como os de tempos atrás, pois nem o mundo nem os alunos são os mesmos. O homem e o mundo sociocultural estão em constante mudança. E a maioria da população mundial não consegue acompanhar e usufruir dos avanços técnico-científicos. Nessa acepção, a escola deve se tomar uma aliada na democratização do conhecimento, e não virar as costas para tais mudanças (SILVA, 2006, p. 23). Isso é crescer, vale para alunos, professores, escola, psicomotricista. Isso é assumir participar de um jogo de quem perde/ganha. Perdem-se prazeres de fases ultrapassadas para se ganhar novos prazeres desafiantes, instigantes e às vezes até surpreendentes. Aprender situa-se neste registro. O aluno que aceita perder, pelo menos momentaneamente, o prazer que lhe dá o brincar, jogar, conservar sobre preferências e desejos, está pronto para concentrar-se e cuidar dos deveres escolares, para desejar um novo prazer que é o da descoberta e conhecimento sobre o mundo e as produções do ser humano (COSTALLAT; 1983). O professor deve propiciar um clima de criatividade em suas aulas para que haja prazer no ensino/aprendizagem. Sua atitude de prazer frente ao conhecimento da matéria será estímulo. Seu modo de apresentar os conteúdos deve ser desafiador, para que o aluno se motive com o seu modelo. O professor tem a palavra como poder e a autoridade como reforço condutor do conhecimento. Saber e poder juntam-se para dar-lhe segurança. Não obstante, o brincar precisa ganhar espaço na sala de aula criada pela criatividade, espontaneidade e desafio do pensamento da criança. Nessas aulas busca-se criar um ambiente interessante e estimulador, envolto num clima de respeito mútuo, no qual o professor procura ajudar o seu aluno a estruturar sua personalidade, autonomia, autoestima, iniciativa própria e conhecimentos. É necessário lembrar que os meios de comunicação e informatização da sociedade fornecem estímulos muito atrativos para as novas gerações. Os alunos têm acesso às informações dos meios de comunicação de massa e dos meios informatizados e 26 podem depreciar o que o professor lhes transmite, se a escola estiver inclinada para repetição de conteúdos, sem uma atitude prazerosa e criativa frente aos conhecimentos. A velocidade das notícias sobre os últimos acontecimentos no mundo e sobre as últimas descobertas científicas, através da mídia, é um desafio para a reciclagem do professor e para a sede de conhecimentos do aluno quando este já descobriu o prazer epistemológico. Outro fator a ser levado em consideração é a reprodução, no ambiente escolar, do clima violento de nossa sociedade atual. Os modelos da mídia, dos artistas, ou, no outro oposto, dos bandidos e aproveitadores, podem ser mais atrativos para os pré-adolescentes que vivem sua crise de identidade, a busca de modelos de identificação. Um professor rígido ou, ao contrário, excessivamente permissivo perde prestígio frente a estes outros modelos, o que provoca dificuldades de relacionamento professor- aluno. Vocês devem estar se perguntando o que as reflexões acima têm a ver com a atuação do psicomotricista: pois bem, falta de estímulo, de perspectiva levam o sujeito a ficar cabisbaixo, desanimado e isso vai se refletir no seu corpo, no seu emocional, portanto, esse profissional deve ter conhecimento e argumento para ajudar a escola a ser criativa na sua missão. É colocado por Piaget (1984) que aprender realmente é um processo de investigação pessoal em que se formulam hipóteses como faz um pesquisador, o qual tem inspirações, se engana, avança e recua, sofre e se alegra sucessivamente. As verdadeiras aprendizagens não se fazem copiando do quadro ou prestando atenção ao professor. A audácia de abandonar as cartilhas e confrontar os alunos com a riqueza do contato simultâneo com todas as letras, qualquer palavra, frases e textos, é que de forma significativa tem revertido os insucessos em muitas salas de aulas. E aqui, mais uma vez, o brincar, o usar corpo e mente simultaneamente revela-se como um mediador na construção constante do conhecimento que vai desde o nascimento ate a morte, como bem expressa a sabedoria popular ‘vivendo e aprendendo’ e ‘morrendo e aprendendo’. O educador, além de questionar suas próprias atitudes educativas, reconhecendo o seu papel de ajuda para a criança em seu desenvolvimento, questiona o que compreende do modo de ser dos pais para colaborar com eles, abrindo a discussão do que se refere aos fatores de inter-relação que têm repercussão clara na escola, provocando, inclusive, inibições e problemas escolares, ou as dificuldades de aprendizagem. 27 UNIDADE 5 – OS ELEMENTOS ESTRUTURANTES DA PRÁTICA PSICOMOTORA Até os anos 80, a preocupação da psicomotricidade estava situada nas suas bases, ou seja, andar, saltar, correr, equilíbrio, lateralidade, noção espaço-temporal, etc. Atualmente, há uma demanda aos profissionais de substituir a exclusão pela inclusão; a incapacidade pelas possibilidades; buscando transformar o conceito de ensino para educação num sentido mais amplo, possibilitando ações centradas não somente na saúde física, mas na saúde sócio-emocional. A primeira necessidade seria, portanto: [...] alfabetizar a linguagem do corpo e só então caminhar para as aprendizagens triviais que nada mais são do que investimentos perceptivo-motores ligados por coordenadas espaço-temporais e correlacionados por melodias rítmicas de integração e resposta. É através, então, do movimento (ação) que a criança integra os dados sensitivo-sensoriais que lhe permite adquirir a noção do seu corpo e a determinação de sua lateralidade [...] (FONSECA, 1996, p. 142). Le Boulch (1982 apud Almeida, 2007, p.27) defende que a educação psicomotora deve ser considerada como uma educação de base da escola primária. Ela condiciona todos os aprendizados pré-escolares e escolares; leva a criança a tomar consciência de seu corpo, da lateralidade, a situar-se no espaço, a dominar o tempo, a adquirir habilmente a coordenação de seus gestos e movimentos. A educação Psicomotora deve ser praticada desde a mais tenra idade; conduzida com perseverança, permite prevenir inadaptações, difíceis de corrigir quando já estruturadas. Os diversos estudiosos e autores não procedem a uma classificação homogênea quanto às estruturas de base da Psicomotricidade, sendo chamadas também de funções ou elementos, porém estas possuem poucas diferenças em sua essencialidade (CHAVES,2007). Optamos por mesclar as classificações existentes como poderão ver abaixo. 28 5.1 O equilíbrio O equilíbrio é a base de toda a coordenação dinâmica global. É a noção de distribuição do peso em relação a um espaço e a um tempo e em relação ao eixo de gravidade. O equilíbrio depende essencialmente de sistema labiríntico e do sistema plantar (MENDES, 2001). Os aspectos neurofisiológicos relacionados ao controle do equilíbrio incluem o processamento sensorial das informações visuais, vestibulares e somato-sensoriais, o planejamento e programação motores e as respostas motoras que exigem força e endurance musculares. Gontijo (1997, p. 2) define equilíbrio humano como: um termo que se refere à habilidade de manter o centro de gravidade corporal sobre a base de suporte através da interrelação das várias forças que agem sobre o corpo, incluindo a força da gravidade, dos músculos e forças inerciais. Em mecânica, de forma mais abrangente, equilíbrio significa que o corpo pode estar tanto em repouso (equilíbrio estático) quanto em movimento (equilíbrio dinâmico). Resumindo, pode-se dizer que a tarefa básica do equilíbrio é manter a estabilidade do corpo humano. Na estabilidade estática, o centro de gravidade estaria sobre a base de suporte e não haveria acelerações significativas sobre o corpo, ou seja, a força da gravidade estaria equilibrada com a força de reação do solo. Já a estabilidade dinâmica pode ser descrita pela capacidade do indivíduo de retornar ao seu ponto inicial de equilíbrio depois de uma perturbação (MENDES, 2001). Tanto a estabilidade estática como a dinâmica podem ser quantificadas pela mensuração das forças gravitacionais do corpo (projeção vertical do centro de massa), vetores de força inerciais e vetor da força de reação do solo. A orientação do indivíduo em relação à gravidade, à superfície de suporte e aos objetos externos requer uma combinação entre aferências visuais, vestibulares e somato- sensoriais. Herdman citado por Gontijo (1997, p. 3) diz que o cérebro não pode simplesmente utilizar uma combinação fixa destas três aferências, como também nenhuma aferência isolada é capaz de determinar de forma precisa a localização do centro de gravidade. A visão possibilita a orientação dos olhos e da cabeça em relação aos objetos externos, e o 29 sistema somato-sensorial provê informações sobre a orientação das partes do corpo entre si e em relação à superfície de suporte. Em contraste, o sistema vestibular não está relacionado aos objetos externos, mas é uma referência interna inercial-gravitacional que determina a orientação da cabeça no espaço (MENDES, 2001). 5.2 O esquema corporal O esquema corporal é um elemento básico indispensável para a formação da personalidade da criança, pois reflete o equilíbrio entre as funções psicomotoras e sua maturidade. Coste (1978) afirma que o esquema corporal é resultado da consciência que o indivíduo toma pouco a pouco da experiência do corpo e da maneira como ele se põe em relação ao meio. Para a estruturação do esquema corporal deve-se associar os dados sensoriais que o indivíduo capta, procedentes de seu próprio corpo e do mundo exterior. Do conjunto desta informação deriva-se uma série de respostas motoras a nível reflexo, automático e voluntário, que geram reações e processos característicos da conduta. Várias condutas psicomotoras dependem do esquema corporal: o equilíbrio, a coordenação viso-motora, a percepção de movimentos e de posição no espaço, a linguagem. 5.3 A imagem corporal Segundo Maturana (2004), a Imagem corporal é a figuração do próprio corpo formada e estruturada na mente do mesmo indivíduo, ou seja, a maneira pela qual o corpo se apresenta para si próprio. É o conjunto de sensações sinestésicas construídas pelos sentidos (audição, visão, tato, paladar), oriundos de experiências vivenciadas pelo indivíduo, onde o referido cria um referencial do seu corpo, para o seu corpo e para o outro, sobre o objeto elaborado. O termo Imagem Corporal vem sendo usado frequentemente de maneira permutável com a terminologia Esquema do Corpo, em estudos neurológicos e psicológicos, onde ocorrem também resistências a determinadas definições e muitas confusões metodológicas e conceituais (PAILLARD, 2001). 30 O esquema corporal é tido como a experiência imediata de uma unidade do corpo, (....) percebida, porém é mais do que uma percepção, (...) chamamos de esquema de nosso corpo, ou mesmo como modelo postural do corpo (SCHILDER, 1999). O aludido é a imagem tridimensional que todo sujeito tem do seu próprio corpo, não abordando sob a ótica de uma mera sensação ou imaginação, mas da apercepção corporal, mesmo que a informação tenha chegado através dos sentidos. A imagem que pode ser visual, motora, auditiva, tátil, entre outras, não pode ter os itens analisados separadamente ou adotar para cada estrutura um padrão único para a avaliação de alteração em todas as estruturas (MATURAMA, 2004). Toda mudança reconhecível entra na consciência comparando-se com situações já vivenciadas, realizando assim uma avaliação da nova situação que gera uma mudança na Imagem Corporal. Mas como se desenvolvem os processos do esquema e da imagem corporal? A imagem corporal se desenvolve desde o nascimento até a morte, dentro de uma estrutura complexa e subjetiva, sofrendo modificações que implicam na construção contínua, e reconstrução incessante, resultante do processamento de estímulos. Durante os anos pré-escolares a criança desenvolve de forma acentuada o seu conceito a respeito da imagem corporal. Com um pensamento e uma linguagem mais abrangente, começa a reconhecer que a aparência das pessoas pode ser mais ou menos desejável e até mesmo as diferenças de cor ou raça. Ela conhece o significado das palavras “bonito” e “feio” e reflete a opinião que os outros têm a respeito de sua aparência (MATURAMA, 2004). Aos cinco anos, por exemplo, a criança já compara sua altura com a de seus pares e pode dar-se conta de ser alta ou baixa, especialmente quando as pessoas se referem a ela, chamando-a de “alta ou baixa para a idade”. Apesar de seus progressos no desenvolvimento da imagem corporal, o pré-escolar ainda tem uma noção pouco definida a respeito dos limites do seu corpo, além de possuir escassos conhecimentos de sua anatomia interna. Em virtude disto, qualquer experiência invasiva o atemoriza, especialmente quando há solução de continuidade da pele, tais como pequenos cortes ou escoriações. Em seu pensamento, em consequência de uma pele rompida pode escapar todo o seu sangue e interiores. Por isto os curativos são tão importantes para segurar tudo dentro, e qualquer arranhão precisa de mercúrio ou esparadrapo, para que a interpretação da imagem corporal da criança seja atendida evitando distúrbios que possam surgir posteriormente (MONTARDO, 2002). 31 A criança percebe seu próprio corpo por meio de todos os sentidos, estando o seu corpo ocupando um espaço no ambiente em função do tempo, captando assim imagens, recebendo sons, sentindo cheiros e sabores, dor e calor, movimentando-se. O corpo é o seu centro, o seu referencial, para si mesma, para o espaço que ocupa e na relação com o outro. A noção do corpo está no centro do sentimento de mais ou menos disponibilidade e adaptação que temos de nosso corpo e está no centro da relação entre o vivido e o universo. É nosso espelho afetivo-somático ante uma imagem de nós mesmos, do outro e dos objetos (RAMOS, 2002). O esquema corporal, da maneira como se constrói e se elabora no decorrer da evolução da criança, não tem nada a ver com uma tomada de consciência sucessiva de elementos distintos, os quais, como num quebra-cabeça, iriam pouco a pouco se encaixar uns aos outros para compor um corpo completoa partir de um corpo desmembrado. O esquema corporal revela-se gradativamente à criança da mesma forma que uma fotografia revelada na câmara escura mostra-se pouco a pouco para o observador, tomando contorno, forma e coloração cada vez mais nítidos. A elaboração e o estabelecimento deste esquema parecem ocorrer relativamente cedo, uma vez que a evolução está praticamente terminada por volta dos quatro ou cinco anos. Isto é, ao lado da construção de um corpo 'objetivo', estruturado e representado como um objeto físico, cujos limites podem ser traçados a qualquer momento, existe uma experiência precoce, global e inconsciente do esquema corporal, que vai pesar muito no desenvolvimento ulterior da imagem e da representação de si mesmo (MATURAMA, 2004). A imagem corporal é continua e representativa do esquema postural e acompanha o indivíduo desde o seu nascimento até o último suspiro, sofrendo adaptações e transformações globais de acordo com o momento vivido. Quanto maior forem os estímulos e as possibilidades de novas experiências do recém-nascido durante toda sua trajetória de vida, mais completa será a sua formação do esquema corporal, principalmente sob o ponto de vista psicomotor. As experiências corporais que determinam a imagem corporal corroboram para a modelação de um esquema que refletirá na adolescência e na vida adulta. Sua forma poderá ser lapidada, porém terá seus elementos da construção inicial preservados, apesar das transformações ocorridas ao longo da vida. 32 Segundo Barreto (2002), o esquema corporal é uma aquisição lenta e paulatina. Desenvolve-se desde antes do nascimento, se incrementa em forma notável desde este até o terceiro ano de vida e, logo, continua em permanente evolução adaptativa pelo resto da existência do indivíduo. Se estrutura sobre a base dos componentes neurológicos em desenvolvimento e maturação onde se liga fundamentalmente, as percepções exteroceptivas, proprioceptivas e interoceptivas que permitem estabelecer, em um momento inicial a consciência sobre localização espacial total, a capacidade e o funcionamento de uma determinada parte do corpo, a consciência inicial sobre a magnitude do esforço necessário para realizar uma determinada ação, e a consciência sobre a posição do corpo e suas partes no espaço durante esta ação. Estas noções que se desenvolvem prioritariamente durante os primeiros meses de vida extrauterina, mas que se inicia durante a vida intrauterina, como já se abordou, vão ocorrendo cada vez mas fáceis e inconscientes pela repetição contínua e eficaz de cada ato em questão, até chegar a automatização da resposta frente ao estímulo específico (MATURAMA, 2004). Liga-se sem associações ao estabelecimento dos reflexos em que as percepções sensoriais, sensitivas e proprioceptivas se conjugam para gerar a excitação neuronal que, em nível central ou em nível da medula espinhal, desencadeia a motricidade requerida como resposta ao estímulo percebido ou a uma ação gerada conscientemente. Ainda que pareça evidente, é necessário esclarecer que o esquema corporal se implanta e evolui, especial e especificamente, sobre a maturação do conjunto neuromúsculo-esquelético e que se liga ao processo de ereção que leva o neonato através das etapas de rastejar, engatinhar e primeiros passos, até ao total domínio da marcha e orientação, as quais são suportadas pelo eixo axial que está localizado na coluna vertebral (MATURAMA, 2004). A imagem corporal do bebê amadurece aos poucos na medida em que ele experimenta o toque, a exploração do espaço, a manipulação e contato com objetos. A ideia de separação de seu corpo de outros corpos e objetos se dá gradativamente (LE BOULCH,1987). Krueger (1968) e Piaget (1945) concordam que a percepção da existência do corpo próprio, individual, se dá por volta dos 18 meses. Le Boulch aponta que Lacan, após Wallon, enfatiza a grande importância da “fase do espelho”, quando a criança vê sua imagem projetada no espelho, olha por trás do mesmo... Até então, a imagem de seu corpo encontra-se incompleta, fragmentada. A imagem do todo acontece quando ela se vê 33 no espelho. Ela passa então da “imagem do corpo fragmentado à compreensão da unidade de seu corpo como um todo organizado” (MATARUNA, 2002; AJURIAGUERRA, 1986, 1987; LE BOULCH, 1987, p. 215). Krueger (1990) ressalva a importância da imagem corporal não ser limitada a imagens visuais, mas como fruto da absorção de experiências vividas. A imagem corporal nunca é estática. Ela muda de ação para ação (FELDENKRAIS, 1977; SCHILDER, 1999). Para Feldenkrais: De início, quando a imagem está sendo estabelecida, sua taxa de mudança é alta; novas formas de ação que, apenas um dia antes, estavam além da capacidade da criança, são rapidamente conseguidas (FELDENKRAIS, 1977, p. 28). Em resumo: Imagem Corporal (IC) está relacionada com a consciência que o indivíduo tem do seu próprio corpo em termos de julgamento. Como esse indivíduo vê, pensa, sente e age em relação a ele em consideração às normas sociais, valores e atitudes. Possui base afetiva, e é construída e alterada gradativa e permanentemente ao longo da vida. O termo Esquema Corporal (EC), em contraste, refere-se à representação abstrata em tempo real na linha do próprio corpo no espaço que é derivado do input sensorial. Um sistema neuronal que recebe constantemente informações multissensoriais que incluem a exteriocepção (sensibilidade superficial: tátil, dolorosa e térmica), os sistemas proprioceptivos, vestibulares, somatossensoriais e visuais acerca da cinestesia e da posição do corpo no espaço, de maneira a interagir com o sistema motor (FERREIRA, 2011). A alteração em uma parte do corpo, seja por uma doença ou comprometimento físico, resultará em modificações na imagem e no esquema corporal, não apenas referente a essa parte doente, mas sim ao corpo todo, além de estabelecer novas relações consigo mesmo e com os outros (PERES, 2002). 5.4 Coordenação motora ampla A Coordenação motora ampla é o trabalho que vai apurar os movimentos dos membros superiores (braços, ombros, pescoço e cabeça) e inferiores (pernas, pés, quadris, etc.). As atividades envolvidas nesta prática dizem respeito à organização geral do ritmo, ao desenvolvimento e às percepções gerais da criança. 34 Também denominada como coordenação dinâmica global ou geral, é considerada como a possibilidade de controle dos movimentos amplos de nosso corpo. Possibilita contrair grupos musculares diferentes de uma forma independente, promovendo a dissociação de movimentos, ou seja, realiza múltiplos movimentos ao mesmo tempo, mesmo assim conservando a unidade do gesto. Compreende movimentos com membros inferiores e superiores simultaneamente como: correr, saltar, arremessar bolas, lançar, levar objetos, marchar, andar, suspender-se. A coordenação geral apresenta-se sob dois aspectos: a coordenação estática, a qual se realiza em repouso e que resulta do equilíbrio entre a ação dos grupos musculares antagonistas, estabelecendo-se em função do tônus e permite a conservação voluntária de atitudes; e a coordenação dinâmica, que é a colocação em ação simultânea de grupos musculares diferentes, com vista à execução de movimentos voluntários mais ou menos complexos. 35 5.5 Coordenação motora fina A Coordenação motora fina diz respeito aos trabalhos mais finos, aqueles que podem ser executados com o auxílio das mãos e dedos, especificamente aqueles com grande importância entre mãos e olhos. O bom desenvolvimento da coordenação fina garantirá um bom traço de letra e será observado quando, por exemplo, a criança apanhe água em um copo plástico sem derramar ou equilibrando a força necessária para colorir desenhos nas mais diferentes texturas e superfícies. A coordenação motorafina é a capacidade de controlar os pequenos músculos para exercícios refinados como: recorte, perfuração, colagem, encaixes, e envolve a coordenação óculo ou viso-motora, viso-manual e músculo facial. A coordenação viso-motora é definida por Bueno (1998, p. 53) como “a capacidade de coordenar os movimentos em relação ao alvo-visual”. Já a coordenação viso-manual é “a coordenação entre a visão e o tato, os segmentos da cabeça e das mãos, que juntamente permitem à criança poder segurar e controlar o movimento para o objetivo, por meio do instrumento de apoio ou não, do que os olhos veem. A coordenação músculo- facial refere-se aos movimentos refinados da face propriamente ditos e é fundamental na aquisição da fala, da mastigação e da deglutição. 5.6 Lateralidade A Lateralidade é a condição de trabalho ou a capacidade de a criança poder olhar e agir para todas as direções, com equilíbrio, com coordenação mínima corporal e com noções de espaço. Contudo, é preciso respeitar o tempo das crianças. Um bom exemplo é a condição de ser destra ou sinistra da criança. Ela necessariamente não tem que ser um ou outro, pode ser os dois, dependendo da situação, lembrando que ao mudar de posição a criança está testando suas próprias condições internas. O tema lateralidade tem sido estudado desde a abordagem sobre a dominância cerebral feita por Paul Broca, em 1965. A partir da referida abordagem foram obtidas importantes informações que contribuíram para o desenvolvimento dos estudos neurológicos. A lateralidade constitui um processo essencial às relações entre a motricidade e a organização psíquica intersensorial. Representa a conscientização integrada e simbolicamente interiorizada dos dois lados do corpo, lado esquerdo e lado direito, o que pressupõe a noção da linha média do corpo. Desse radar vão decorrer, então, as relações 36 de orientação face aos objetos, às imagens e aos símbolos, razão pela qual a lateralização vai interferir nas aprendizagens escolares de uma maneira decisiva (FONSECA, 1989). A lateralização, além de ser uma característica da espécie humana em si, põe em jogo a especialização hemisférica do cérebro, reflete a organização funcional do sistema nervoso central. A conscientização do corpo pressupõe a noção de esquerda e direita, sendo que a lateralidade com mais força, precisão, preferência, velocidade e coordenação participa no processo de maturação psicomotor da criança. A capacidade de a criança ascender à simbolização passa pela dominância cerebral, pois, caso contrário, resulta em distúrbios quer na linguagem falada, quer na linguagem escrita. Sabe-se que a metade esquerda do corpo é controlada pelo hemisfério direito, ao passo que a outra metade é controlada pelo hemisfério esquerdo. Quando há dominância do hemisfério esquerdo, tem-se o indivíduo destro; quando ocorre a dominância do hemisfério direito, tem-se o indivíduo canhoto. É possível admitir que haja colaboração dos dois hemisférios na elaboração da inteligência. A literatura conta que o sinistro é o inverso do destro, que isso implica uma organização cerebral diferente, e que o desenvolvimento neurológico é diferente tanto nos dois hemisférios cerebrais quanto nos seus territórios neurossensomotores. De acordo com Romero (1988), o predomínio lateral é funcional e relativo, não significando a existência da mesma proporção de destros e canhotos. Além disso, a lateralidade complementa uma função coordenada com a dominante: trata- se de uma direção assegurada por um dos membros ao realizar uma série de movimentos ou ao entrar em jogo um conjunto neuromuscular. Segundo o que a literatura científica tem mostrado, o destro não é aquele que utiliza somente a mão direita, pois, em vários atos motores, serve-se das duas mãos normalmente. Entretanto, a esquerda tem nos movimentos habitualmente coordenados uma função de apoio no jogo complementar de ambas. Segundo Faria (2001), o predomínio motor pode mudar de acordo com a atividade a ser desempenhada. O destro bem lateralizado apresenta dominância do hemisfério esquerdo, o que parece não ser totalmente aceito para o caso oposto. Pesquisas apontam que, aproximadamente 98% da população, incluindo nessa percentagem pelo menos a metade dos sinistros, têm dominância do hemisfério esquerdo. Como consequência, são poucos os casos de sinistros ou de dominância cerebral direita. 37 Para Le Bouch (1986, p.118), a lateralização “é uma tradução de um predomínio motor referido ao segmento direito ou esquerdo do corpo”. Pode-se dizer ainda que lateralidade é, por um lado, uma bagagem inata e, por outro, uma dominância espacial adquirida”. Negrine (1986) diz que o termo lateralidade se refere a “prevalências motoras de um lado do corpo”. Essa lateralização motora coincide com a predominância sensorial do mesmo lado e com as possibilidades simbólicas do hemisfério cerebral oposto. Dessa maneira, é possível aceitar a ideia de que a lateralização não se manifesta somente por meio de aferências sensoriais e sensitivas e por meio da diferenciação funcional de ambas as metades do cérebro. Romero (1988) define a lateralidade “como apreensão da ideia de direita - esquerda”. O autor enfatiza que a automatização da lateralização tanto é necessária quanto indispensável e afirma que esse conhecimento deve ser automatizado o mais cedo possível e que a detecção deve ser feita o quanto antes, se possível quando a criança ainda estiver no jardim de infância. Pode-se dizer que a lateralidade está relacionada ao conhecimento corporal, o qual é de grande importância nas relações entre o “eu” e o mundo exterior, o que, segundo Wallon, é um elemento indispensável na constituição da personalidade do ser humano. O conhecimento do corpo não depende unicamente do desenvolvimento cognitivo. Depende, também, da percepção formada tanto de sensações visuais, táteis, sinestésicas quanto, em parte, da contribuição da linguagem. Lateralidade é a consciência interna que a criança tem dos lados direito e esquerdo de seu corpo, não se tratando de um conceito adquirido, mas de programas de atividades cuja finalidade é o desenvolvimento de acuidades sensoriais e habilidades motoras, já que a criança é exposta a uma grande quantidade de estímulos que aumentam esta consciência (FARIA, 2001). Em relação à lateralidade, Faria (2001, p. 84) classifica os sujeitos da seguinte forma: Destros – são aqueles nos quais existe um predomínio claro estabelecido do lado direito na utilização dos membros e órgãos; Sinistros ou canhotos – são aqueles nos quais não existe um predomínio claro estabelecido do lado direito na utilização dos membros e órgãos; e, 38 Ambidestros - são aqueles nos quais não existe predomínio claro estabelecido, ocorrendo o uso indiscriminado dos dois lados. Coste (1992, p.63) define quatro tipos de lateralidade: Destralidade verdadeira – a dominância cerebral está à direita; Sinistralidade verdadeira – a dominância cerebral está à direita; Falsa sinistralidade – caso em que o indivíduo adota a sinistralidade em consequência de uma paralisia ou de uma amputação, que impossibilitou a utilização do braço direito; e, Falsa destralidade – caso em que a organização é inversa da observada na falsa sinistralidade. Existem grandes variações dentro da lateralidade. Estão inclusos nessa categoria os sinistros contrariados, ou seja, aqueles que têm sua dominância discordante entre um membro e outro (lateralidade cruzada). Segundo Negrine (1983), a lateralidade cruzada se refere ao indivíduo que nasce com potencial para ser sinistro, mas que, em virtude da pressão exercida sobre ele, acaba utilizando a mão direita. Assim, esse indivíduo sinistro contrariado acaba tendo sua lateralidade cruzada. A predominância cerebral pode ser patológica.
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