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Equipe 126 Corte Interamericana de Direitos Humanos Comunidade Chupanky e Outra vs. O Estado de La Atlantis Memorial do Representante das Vítimas 2012 Equipe 126 i ÍNDICE 1. LISTA DE ABREVIATURAS .........................................................................................iii 2. ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS ......................................................................................iv 2.1 Documentos legais ........................................................................................................iv 2.2. Doutrinas .....................................................................................................................iv 2.3. Casos Legais................................................................................................................ v 2.3.1. Comissão Interamericana de Direitos Humanos.......................................................... v 2.3.2. Corte Interamericana de Direitos Humanos ................................................................vi 2.3.3. Corte Europeia de Direitos Humanos .........................................................................ix 3. DECLARAÇÃO DOS FATOS ........................................................................................ 1 4. DA ANÁLISE LEGAL ................................................................................................... 4 4.1. Da Admissibilidade ...................................................................................................... 4 a) Da competência ratione personae.................................................................................... 4 b) Da competência ratione loci ........................................................................................... 6 c) Da competência ratione materiae ................................................................................... 6 d) Da competência ratione temporis ................................................................................... 7 e) Do esgotamento dos recursos internos ............................................................................. 7 4.2. Do Mérito .................................................................................................................... 9 a) Considerações iniciais: A Comunidade La Loma— comunidade multiétnica, tribal, sujeita a medidas especiais ............................................................................................................ 9 b) O Estado violou o art. 21 (direito à propriedade privada) c/c o art. 1º.1 da CADH ...........11 c) O Estado violou o artigo 1º.1 (obrigação de respeitar os direitos) da CADH per se.......... 15 d) O Estado violou o art. 4º.1 (direito à vida) c/c o art. 1º.1 da CADH ................................ 18 e) O Estado violou o art. 5º.1 (direito à integridade pessoal) c/c o art. 1º.1 da CADH .......... 20 Equipe 126 ii f) O Estado violou os art. 6º.2 (proibição de escravidão e de servidão) c/c o art. 1º.1 da CADH ............................................................................................................................. 22 g) O Estado violou o art. 25 (proteção judicial) c/c o art. 8º (garantias judiciais) e o 1º.1 da CADH ............................................................................................................................. 24 h) O Estado violou o art. 7º. A, B e G (deveres do Estado) da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará)...... 27 5. SOLICITAÇÃO DE ASSISTÊNCIA ............................................................................. 28 Equipe 126 iii 1. LISTA DE ABREVIATURAS Art. Arts. Cap. CADH CED Comissão/CIDH Corte EDH Corte IDH CVM /Convenção de Belém do Pará c/c Ed. EIA Nº OC OIT ONG p. §/§§ TW UHE/ UHE Cisne Negro Artigo Artigos Capítulo Convenção Americana de Direito s Humanos Comissão de Energia e Desenvolvimento Comissão Interamericana de Direitos Humanos Corte Europeia de Direitos Humanos Corte Interamericana de Direitos Humanos Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher Combinado com Edição Estudo de Impactos Ambientais Número Opinião Consultiva Organização Internacional do Trabalho Organização Não Governamental Página/Páginas Parágrafo/Parágrafos Turbo Water Usina Hidrelétrica Cisne Negro Equipe 126 iv Vol. vs. Volume Versus 2. ÍNDICE DE JUSTIFICATIVAS 2.1 Documentos legais Convenção Americana de Direitos Humanos (p. 5, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 29) Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho (p. 22) Convenção nº169 da Organização Internacional do Trabalho sobre povos indígenas e tribais (p. 10, 12, 20, 21, 30) Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) (p.28) Declaração das Nações Unidas dos Direitos dos Povos Indígenas (p. 13) Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (p. 23) 2.2. Doutrinas Equipe 126 v CHIRIBOGA, O. C. O Direito à Identidade Cultural dos Povos Indígenas e das Minorias Nacionais: um olhar a partir do Sistema Interamericano. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos, número 5, ano 3, 2006, p. 42 -69. (p. 5, 11) FAJARDO, R. Y. De la tutela a los derechos de libre determinación del desarollo, participación, consulta y consentimiento: fundamentos, balance y retos para su implementación. Amazônica- Revista de Antropologia. vol. 1, nº 2, 2009. p. 368-405. (p. 13) LEDESMA, H. F. El Sistema Interamericano de Protección de los Derechos Humanos: aspectos institucionales y procesales. 3ª ed., rev. e atual. IIDH: São José, 1999. (p. 9) MELISH, T. La Protección de los Derechos Económicos, Sociales e Culturales en el Sistema Interamericano de Derechos Humanos: manual para la presentación de casos. Centro de Direitos Econômicos e Sociais: Equador, 2003. (p. 11) PASQUALUCCI, Jo M. The evolution of International Indigenous Rights in the Inter- American Human Rights System. Human Rights Law Review. vol. 6 (2). Oxford University Press: 2006, p. 281-322. (p. 13) 2.3. Casos Legais 2.3.1. Comissão Interamericana de Direitos Humanos Relatório “Acceso a la Justicia e Inclusión Social: El camino hacia el fortalecimiento de la Democracia en Bolivia”. Doc. OEA/Ser.L/V/II, Doc. 34, 28 de junho de 2007. (p. 9) Equipe 126 vi Relatório nº 43/96. Caso 11.430. José Francisco Gallardo, México, 15 de outubro de 1996. (p. 21) Relatório nº 49/99. Caso 11.610. Loren Laroye Riebe Star e Outros, México, 13 de abril de 1999. (p. 20) Relatório de mérito nº 40/04. Caso 12.053. Comunidades indígenas Maya no Distrito de Toledo, Belize, 12 de outubro de 2004. (p. 13) Relatório temático: The Road to Substantive Democracy: women’s political participation in the Americas. 2001. (p. 25, 27) 2.3.2. Corte Interamericana de Direitos Humanos Caso Baena Ricardo e outros vs. Panamá. Sentença de exceções preliminares, de 18 de novembro de 1999. Serie C, nº 61. (p. 25) Caso Cabrera García e Montiel Flores vs. México. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, de 26 de novembro de 2010. Serie C, nº 220. (p. 24) Caso Castillo Petruzzi e Outros vs. Peru. Sentença de exceções preliminares, de 4 de setembro de 1998. Série C, nº 41. (p. 6, 9) Caso Comunidade Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai. Sentença de mérito, reparações e custas, de 29 de março de 2006. Série C, nº 146. (p. 11, 13) Equipe 126 vii Caso Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai. Sentença de mérito, reparações e custas, de 24 de agosto de 2010. Série C, nº 214. (p. 10) Caso Comunidade IndígenaYakye Axa vs. Paraguai. Sentença de mérito, reparações e custas, de 17 de junho de 2005. Séria C, nº 125. (p. 5, 11, 12, 22, 25) Caso Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicarágua Sentença de exceções preliminares, de 1 de fevereiro de 2000. Série C, nº 66. (p. 9) Caso Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicarágua Sentença de mérito, reparações e custas, de 31 de agosto de 2001. Série C, nº 79. (p. 6, 11, 12, 17, 22, 25, 28) Caso Comunidade Moiwana vs. Suriname. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, de 15 de junho de 2005. Série C, nº 124. (p. 19, 25) Caso das Meninas Yean e Bosico vs. República Dominicana. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, de 8 de setembro de 2005. Série C, nº 130. (p. 15) Caso Godínez Cruz vs. Honduras. Sentença de mérito, de 20 janeiro de 1989. Série C, nº 5. (p. 15, 16) Caso González e outras (“Campo Algodonero”) vs. México. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações custas, de 16 de novembro de 2009. Serie C, nº 205. (p. 19, 27) Equipe 126 viii Caso Juan Humberto Sánchez vs. Honduras. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas. Sentença de 7 de junho de 2003. Serie C, nº 99. (p. 25) Caso Loayza Tamayo vs. Peru. Sentença de exceções preliminares, de 31 de janeiro de 1996. Serie C, nº 25. (p. 9) Caso Loayza Tamayo vs. Peru. Sentença de mérito, de 17 de setembro de 1997. Serie C, nº 33. (p. 20) Caso Loayza Tamayo vs. Peru. Sentença de reparações e custas, de 27 de novembro de 1998. Serie C, nº 42. (p. 19) Caso Maritza Urrutia vs. Guatemala. Sentença de mérito, reparações e custas, de 27 de novembro de 2003. Serie C, nº 103. (p. 25) Caso Povo Saramaka vs. Suriname. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, de 28 de novembro de 2007. Série C, nº 172. (p. 5, 10, 11, 13, 25) Caso Ricardo Canese vs. Paraguai. Sentença de mérito, reparações e custas, de 31 de agosto de 2004. Série C, nº 111. (p. 13) Caso Tibi vs. Equador. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, de 7 de setembro de 2004. Serie C, nº 114. (p. 25) Equipe 126 ix Caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras. Sentença de mérito, de 29 de julho de 1988. Série C, nº 4. (p. 15, 16, 21, 23) Caso Villagrán Morales e Outros vs. Guatemala. Sentença de mérito, de 19 de Novembro de 1999. Serie C, nº 63. (p. 18, 22) Caso Yatama vs. Nicarágua. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas de 23 de junho de 2005. Série C, nº 127. (p. 16, 25) Opinião Consultiva nº 6/86 de 9 de maio de 1986. Série A, nº 6. (p. 16) Opinião Consultiva nº 17/02 de 28 de agosto de 2002. Série A, nº 17. (p. 25) 2.3.3. Corte Europeia de Direitos Humanos Handyside Case, sentença de 7 de dezembro de 1976. Iversen vs. Noruega. Nº 1468/62, Sentença de 17 de dezembro de 1963. Equipe 126 1 3. DECLARAÇÃO DOS FATOS O Estado de La Atlantis constitui-se em uma democracia representativa insular no continente americano; possui como capital a cidade de Tripol e ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos (doravante “CADH”, “Convenção” ou “Convenção Americana”), bem como outros instrumentos internacionais relativos aos direitos humanos por meio de sua Constituição em 1994, submetendo-se à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante denominada “Corte IDH” ou “Corte”) em 1995. Desde tempos imemoriais, o território era habitado por povos indígenas, que viviam em harmonia com o meio ambiente. Entretanto, com a colonização europeia, estas populações passaram a ser escravizadas e sofreram perdas massivas, vítimas de uma prática de extermínio que atravessou o século XIX e continuou até metade do século XX. Nos anos 70, seguiu-se uma política de assimilação, que culminou em inúmeros conflitos para estas populações, haja vista que visava quebrar a linhagem indígena. Dentre os povos sobreviventes a essas arbitrariedades históricas, destacam-se os Rapstan, ascendentes das comunidades Chupanky e La Loma. A primeira segue as tradições de seus antepassados em sua organização social, política e cultural; e tem idioma oficial próprio, o rapstaní. Sociedade patriarcal, conta hoje com cerca de 215 famílias e 620 habitantes; mantendo organização político-social hierárquica, em cujo topo encontra-se o Conselho de Anciãos, composto por 21 membros, seguido pelos mordomos e pelos Xamãs, autoridades espirituais. Essa comunidade baseia o seu modo de vida na íntima relação com o Rio Montompalmo, denominado Xuxani em rapstaní e considerado sagrado por esse povo. O Rio serve, ainda, de transporte para o contato com outras comunidades Rapstan, sendo-lhes útil também para a venda dos seus produtos, derivados da pesca, da agricultura e do artesanato. Equipe 126 2 A comunidade La Loma, por sua vez, é matriarcal e surgiu nos anos 80 como conseqüência da política de assimilação mencionada, que tinha como meta a promoção de casamentos miscigenados para dissolver a cultura e identidade indígenas. As mulheres rapstan submetidas às uniões miscigenadas foram exiladas de suas comunidades, conforme os costumes, sem possibilidade de retorno. Esses casais miscigenados se assentaram ao lado oeste do Rio Motompalmo originando a comunidade “La Loma”, que preservou muitas das tradições culturais, tais como o uso parcial do idioma rapstaní e o ritual de cremar seus mortos à beira do Rio. Por meio de decretos em 1985, La Loma foi considerada uma comunidade camponesa pelo governo. A forte ligação com o território em que vivem é característica marcante dos povos indígenas e tribais. Tanto a comunidade Chupanky quanto a La Loma mantêm íntima relação com o Rio Xuxani. Na cultura rapstan, a mulher é a guardiã da tradição da água, como elemento de transformação e comunicação com seus mortos, sendo ela a responsável pelo ritual dos dois sóis e das três luas, onde os mortos são cremados a beira do Rio e suas cinzas lançadas no sagrado Xuxani. Os La Loma conservaram essa tradição e ainda mantêm relação diferenciada com o território, o Rio e a natureza à sua volta. Em 2003, houve a divulgação do Plano Nacional de Desenvolvimento, tendo como um dos principais empreendimentos a Usina Hidroelétrica do Cisne Negro (doravante “UHE” ou “UHE Cisne Negro”) no Rio Motompalmo. A construção da obra seria na zona média da região de Chupuncué e, em fevereiro de 2004, a Comissão de Energia e Desenvolvimento (doravante “CED”), entidade responsável pela licitação da obra, emitiu um relatório determinando que a construção da obra afetaria o território dos povos La Loma e Chupanky. A despeito disso, foi outorgado em janeiro de 2005, pela CED, concessão para a construção da UHE à empresa Turbo Water (doravante “TW”), sem qualquer diálogo prévio com as populações envolvidas. Em abril, o governo arbitrariamente decretou a utilidade Equipe 126 3 pública das áreas afetadas pelo projeto. Em junho, ofereceu aos integrantes da comunidade La Loma terras alternativas localizadas na zona oeste, à 25 km do Rio, o que foi repudiado majoritariamente, com base na profunda relação cultural desenvolvida por esse povo com o Rio Xuxani. Em fevereiro de 2006, houve o despejo da comunidade, a qual solicitou ao 7º Juízo Civil de Chupuncué (doravante “juiz civil”) o reconhecimento do padrão internacional de consulta prévia ao processo de construção da UHE, o qual foi indeferido sob a justificativa de serem padrões somente aplicáveis às comunidades indígenas e tribais. As negociações com o povo Chupanky ocorreram de forma distinta, graças à pressão de organismos nacionais e internacionais favoráveis a proteção dos direitos indígenas. Desse modo, houve uma consulta inicial, que envolveu, no entanto, apenas os homens. Foram oferecidas oportunidades de trabalho na construção da UHE, sendo que às mulheres foi pago uma diária inferior a masculina, o que revela uma clara discriminação de gênero. Mina Chak Luna, membro dos Chupanky, organizou o grupo “Guerreiras do Arco- Íris”, visando protestar contra a não participação das mulheres na fase de consulta, alegando que o processo era discriminatório, logo, estaria viciado. O grupo tentou se fazer ouvir tanto pela empresa TW, quanto pelo Comitê Inter-Setorial. No entanto ambos negaram-lhe reunião. A empresa começou a obra no território Chupanky em 20 de junho de 2008, sendo a carga horária inicial de 9 horas de trabalho diárias. A partir do terceiro mês, os homens tiveram sua jornada de trabalho elevada para 15 horas diárias, sem pagamento de hora extra. Essa e outras condições de trabalho impostas afetaram o modo de vida tradicional dos trabalhadores indígenas. Membros da comunidade La Loma se uniram às Guerreiras do Arco-Íris e se deslocaram até Tripol, percorrendo o difícil acesso que as autoridades se recusaram a fazer, para denunciar as irregularidades cometidas pela TW, bem como danos sócio-ambientais decorrentes do projeto, junto à CED e ao Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais Equipe 126 4 (doravante “MARN”), porém nada foi feito. A comunidade Chupanky, à luz das evidências recolhidas por Mina Chak Luna, convocou uma assembléia comunitária geral, a qual decidiu vetar a continuação da obra. A empresa, informada dessa decisão em 25 de dezembro de 2008, reagiu energicamente, ao ponto de ameaçar os funcionários indígenas, e tomou providências visando remover os Chupanky de sua propriedade o mais cedo possível. Representados pela Organização Não Governamental “Morpho Azul” (doravante “ONG Morpho Azul”), os Chupanky pleitearam diversos recursos tanto administrativa quanto judicialmente. Todavia, sua pretensão foi indeferida em todas as instâncias. Finalmente, em 15 de dezembro de 2009, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o recurso de amparo interposto pela ONG “Morpho Azul”, em favor das comunidades Chupanky e La Loma, requerendo a suspensão da obra, haja vista os efeitos negativos à integridade física e cultural de ambas as comunidades. O caso foi então encaminhado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante “Comissão” ou “CIDH”), a qual, após ouvir o Estado, em 9 de março de 2011, emitiu seu relatório de admissibilidade e mérito (relatório 969/2011), e reconheceu a violação dos artigos 1º.1, 4º.1, 5º.1, 6º.2, 21 e 25 face à comunidade Chupanky, e dos artigos 5º.1, 21 e 25 em prejuízo dos membros da comunidade La Loma. Vencido o prazo para o cumprimento das recomendações da Comissão, encaminhou- se o caso “Comunidade Chupanky e outra vs. o Estado de La Atlantis” à Corte em 4 de outubro de 2011, admitido em 11 de novembro de 2011. 4. DA ANÁLISE LEGAL 4.1 Da admissibilidade a) Da competência ratione personae Equipe 126 5 A Organização Não-Governamental “Morpho Azul” apresenta-se, com base nos artigos 44 da CADH e 25.1 do Regulamento da CorteIDH, como representante legal das vítimas no caso “Comunidade Chupanky e outra vs. O Estado de La Atlantis”. O caso foi submetido à Corte pela Comissão Interamericana em 4 de outubro de 2011. Com relação à individualização das vítimas, a CorteIDH, no caso Saramaka, dispensou a necessidade de especificar cada um dos membros da comunidade para reconhecê-los como parte lesionada 1, além de já ter reconhecido que as comunidades indígenas são sujeitos de certos direitos, como o direito à personalidade jurídica e à organização social2 O objetivo do art. 1º.2 da CADH nunca foi evitar petições em nome de grupos, mas sim impedir que indivíduos sejam excluídos da proteção deste instrumento, sob a justificativa que não ostentam caráter de pessoa . Ora, se são detentoras de direitos, é mister que sejam também aceitas como sujeitos processuais ativos, estendendo-se o mesmo raciocínio a outros grupos étnicos, possuidores de características similares aos povos indígenas, sobretudo no que diz respeito à ligação cultural com o território. 3. A interpretação restritiva do art. 1º.2 da Convenção leva a problemas práticos, em virtude da dificuldade de identificar cada membro de certas comunidades étnico-culturais, recaindo tal ônus sobre as vítimas. Ademais, o requisito da individualização, em alguns casos, pode ir contra a própria cultura de um povo4 Nesse sentido, o antropólogo perito ouvido pela Corte IDH Rodolfo Stavenhagen Gruenbaum afirma:“(e)n ciertos contextos históricos los derechos de la persona humana se , ofendendo sua identidade, bem como deixar outras vítimas de fora e se mostrar inútil quanto às reparações pretendidas. 1 Caso Povo Saramaka vs. Suriname. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, § 188. 2 Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, § 82. 3CHIRIBOGA, O. C. O Direito à Identidade Cultural dos Povos Indígenas e das Minorias Nacionais: um olhar a partir do Sistema Interamericano. SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos. nº 5, ano 3, 2006, p.47. 4Idem, p.47. Equipe 126 6 garantizan y se pueden ejercer plenamente solo si se reconocen los derechos de la colectividad y de la comunidad a la que pertenece esta persona desde su nacimiento y de la que forma parte y la cual le da los elementos necesarios para poder sentirse plenamente realizado como ser humano, que significa también ser social y cultural5 À luz do precedente citado, das razões apresentadas, e do fato de que a não individualização das vítimas no presente contexto não viola o direito de defesa do Estado, solicitamos à honorável CorteIDH que reconheça como vítimas as comunidades La Loma e Chupanky per se. ”. b) Da competência ratione loci Nos termos do art. 1º.1 da CADH, este instrumento normativo é aplicável a qualquer pessoa que esteja sob a jurisdição de um Estado-parte na Convenção, o que se apresenta faticamente. O Estado La Atlantis é Estado signatário da CADH e foi o local onde se desenvolveram as violações, bem como é o Estado de origem das comunidades atingidas. c) Da competência ratione materiae A Corte tem competência para apreciar qualquer caso que lhe seja submetido e que trate da interpretação e aplicação das normas da Convenção Americana conforme artigo 62.3. Constituído como Estado-parte da CADH em 1994, o Estado de La Atlantis admitiu a competência dos órgãos do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos (doravante “SIDH”), obrigando-se, no exercício de sua soberania, a participar, quando solicitado, de procedimentos ante a Comissão e a Corte (1995), e a assumir as obrigações que derivam da CADH6 5Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicarágua. Sentença de mérito, reparações e custas. Voto arrazoado concorrente do juiz Sergio García Ramírez, § 15. , sem prejuízo das obrigações contidas em outros tratados internacionais de direitos humanos, como a Convenção de Belém do Pará, ratificada em 1994 por via 6 Caso Castillo Petruzzi e outros vs. Peru. Sentença de exceções preliminares. §§ 101 e 102. Equipe 126 7 constitucional – a qual, por sua vez, prevê o sistema de peticionamento ante o SIDH em seu artigo 12. d) Da competência ratione temporis Tendo, portanto, havido ratificação dos instrumentos normativos supracitados em 1994 e a aderência à competência contenciosa da CorteIDH em 1º de janeiro de 1995, evidenciado está a competência em razão do tempo da Corte para apreciar as violações deste caso, todas ocorridas posteriormente a essas datas. e) Do esgotamento dos recursos internos Para que uma petição seja admitida pela Comissão, todos os recursos de jurisdição interna devem ter sido interpostos e esgotados (art. 46.1.A da CADH). Assim, todos os meios de acesso à justiça disponibilizados pelo Estado em seu ordenamento interno, devem ter sido devidamente exauridos pelas vítimas. No presente caso, identificam-se dois grupos de vítimas, as comunidades La Loma e Chupanky. Esses grupos, embora tenham utilizado procedimentos distintos em um primeiro momento, eventualmente acionaram a jurisdição de La Atlantis em conjunto, esgotando todos os recursos internos disponíveis. A comunidade La Loma solicitou em março de 2006, ao Sétimo Juízo Civil de Chupuncué, o reconhecimento dos padrões internacionais para a realização de um processo de consulta prévia, divisão de benefícios e Estudo de Impactos Ambientais com relação à obra da UHE. Esta solicitação foi, porém, negada em maio, pela ordem 1228/2006, que alegava serem tais padrões aplicáveis apenas a comunidades tribais ou indígenas, e não à comunidade La Loma, reconhecida como camponesa pelos decretos de 1985, embora preserve traços de sua ancestralidade indígena. La Loma também interpôs, em 30 de outubro de 2006, objeções ao relatório feito por um perito nomeado pelo juiz civil, que almejava definir o valor da indenização de suas terras, Equipe 126 8 alegando que não têm interesse em vender sua propriedade. O Juízo ignorou as objeções de La Loma e 5 anos depois, o processo encontra-se pendente, à espera de fixação da indenização das terras da comunidade. Diante da exploração sofrida pelos trabalhadores indígenas durante a obra e da ausência de consulta às mulheres Chupanky, Mina Chak Luna e as Guerreiras do Arco-Íris solicitaram uma audiência com o diretor do projeto e com o Comitê Inter-Setorial. As tentativas, no entanto, restaram infrutíferas. Posteriormente, em 13 de dezembro de 2008, as Guerreiras do Arco-Íris, juntamente com membros da comunidade La Loma, obtiveram uma reunião com o subdiretor da CED e um funcionário do MARN, onde expuseram suas reivindicações. Essas autoridades se comprometeram a analisar o caso e, se julgassem caso necessário, enviá-lo às autoridades competentes, o que nunca aconteceu. Devido à pertinência das reivindicações de Mina Chak Luna e das demais mulheres perante a CED e o MARN, o Conselho de Anciãos convocou uma assembleia comunitária e foi resolvido o veto às fases 2 e 3 do projeto. A empresa TW reagiu altivamente, recusando-se a acatar a decisão. Diante disso, o Conselho de Anciãos, representado pela ONG Morpho Azul, em 9 de janeiro de 2009, interpôs recurso administrativo perante à CED, requerendo a anulação do projeto. Rejeitado em 12 de abril, em 28 de abril, recorreu-se da decisão da CED ante o Tribunal Contencioso Administrativo, porém foi mantido indeferimento. Em 26 de setembro, a ONG Morpho Azul, agindo agora em nome de ambas as comunidades, interpôs um recurso de amparo perante o Supremo Tribunal de Justiça solicitando a suspensão das obras em razão dos efeitos negativos à integridade física e cultural dessas pessoas, sendo o mesmo novamente rejeitado. Diante desse quadro e da resposta do Supremo Tribunal de Justiça, instância jurídica máxima do Estado La Atlantis, conclui-se que todos os recursos da jurisdição interna foram Equipe 126 9 esgotados por parte de ambas as comunidades. É preenchido, assim, o pré-requisito de admissibilidade 7 A Comissão emitiu o relatório sobre a admissibilidade e mérito do caso (relatório 969/2011) em 9 de março de 2011. O Estado não apresentou exceções preliminares durante o procedimento perante a Comissão e não pode, portanto, alegá-las no atual estágio do processo, pois conforme a jurisprudência da Corte, houve renúncia tácita de tal direito, provocando o efeito stoppel previsto no art. 46.1.A da CADH, pois em que pese a ação judicial acerca do despejo e do quantum indenizatório sobre as terras da comunidade La Loma não ter sido concluída, ambas as comunidades, vítimas no presente caso, interpuseram recurso em órgão judicial da mais alta instância. 8 4.2 Do Mérito . a) Considerações iniciais: Comunidade La Loma— comunidade multiétnica, tribal, sujeita a medidas especiais A Comunidade La Loma originou-se da miscigenação provocada pela política de assimilação realizada pelo Estado de La Atlantis entre mulheres indígenas descendentes dos Rapstan e homens de outras etnias. Em 1985, La Atlantis decretou La Loma como comunidade camponesa, todavia, tal caracterização não exclui a possibilidade, conforme os parâmetros internacionais 9 7 LEDESMA, H. F. El Sistema Interamericano de Protección de los Derechos Humanos: aspectos institucionales y procesales. 3ª ed., rev. y puesta al día. 3ª ed., rev. y puesta al día. IIDH: São José, 1999, p. 629. , de essa comunidade ser também reconhecida como tribal, posto a caracterização camponesa tratar do aspecto laboral, enquanto a tribal refere-se à consideração étnico-cultural. 8Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs.Nicarágua. Sentença de exceções preliminares; Caso Castillo Petruzzi e Outros vs. Peru. Sentença de exceções preliminares, § 53; Caso Loayza Tamayo vs. Peru. Sentença de exceções preliminares, § 40. 9CIDH. Acceso a la Justicia e Inclusión Social: El camino hacia el fortalecimiento de la Democracia en Bolivia. Doc. OEA/Ser.L/V/II, Doc. 34, 28 de junio de 2007, § 216 em diante. Equipe 126 10 Nas linhas da Convenção 169 da OIT, os povos são considerados tribais por ostentarem “condições sociais, culturais e econômicas [que] os distingam de outros setores da coletividade nacional, e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus próprios costumes ou tradições ou por legislação especial” 10. Além disso, esse mesmo instrumento estabelece que a auto-identificação é critério fundamental para a determinação desses grupos11 A comunidade La Loma conservou fortes traços culturais indígenas, como o uso parcial do idioma rapstaní e o ritual específico de cremação de seus falecidos, possuindo uma íntima relação com o território que tradicionalmente ocupa, do qual dependem as suas práticas de subsistência, culturais e religiosas. Ademais, La Loma possui uma organização própria, sendo matriarcal e se auto-identificou como uma comunidade diferenciada, ao menos tacitamente, quando alegou sua íntima relação com seu território como justificativa de sua recusa em abandoná-lo e requisitou que lhe fosse reconhecido os padrões internacionais de consulta ante o Juiz Civil, em março de 2006. . À luz disso, conclui-se, portanto, que a comunidade multiétinica, La Loma, caracteriza-se como tribal, posto apresentar tradições sociais, culturais e econômicas diferentes de outras seções da comunidade nacional, identificar-se com seus territórios ancestrais e estarem reguladas, ao menos de forma parcial, por seus próprios costumes e tradições12 10Organização Internacional do Trabalho, Convenção 169. Art. 1º.1.A. , além de se auto-identificar tacitamente como uma comunidade diferenciada do restante da sociedade de La Atlantis. Desse modo, a população La Loma é sujeito, conforme tem sustentado a CorteIDH com base no art. 1º.1 da CADH, de medidas especiais que devem 11Organização Internacional do Trabalho, Convenção 169. Artigo 2º; Caso Comunidade Indígena Xákmok Kásek vs. Paraguai. Sentença de Mérito, § 37. 12Caso Saramaka vs Suriname. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, §79. Equipe 126 11 ser adotadas pelo Estado para garantir o exercício pleno de seus direitos, sobretudo no que tange ao direito à propriedade, a fim de preservar sua sobrevivência física e cultural13 b) O Estado violou o art. 21(direito à propriedade privada) c/c o art. 1º.1 da CADH . A CorteIDH considera os tratados de direitos humanos instrumentos vivos, cuja interpretação deve ser evolutiva, levando em consideração o tempo e o contexto no qual eles se inserem14, bem como, de acordo com o art. 31 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, a prática hermenêutica deve observar o sistema jurídico dentro do qual um tratado está inserido. Outrossim, o art. 29 da CADH aponta que nenhuma norma da Convenção deve ser interpretada no sentido de restringir os direitos humanos, mas sempre no intuito de maximizá-los15. Com base no exposto, a Corte tem reconhecido que o direito à propriedade, previsto no art. 21 da CADH, engloba não somente o direito à propriedade privada, mas também o direito a possuir a terra coletivamente16 13Caso Sawhoyamaxa vs Paraguai. Sentença de mérito reparações e custas, §§118-121 e 131; Caso Saramaka vs Suriname. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, §85; Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de mérito, reparações e custas, § , o que se aplica especialmente às comunidades que se relacionam com a terra de modo diferenciado, caso dos povos Chupanky e La Loma. 14CHIRIBOGA, O. C. O Direito à Identidade Cultural dos Povos Indígenas e das Minorias Nacionais: um olhar a partir do Sistema Interamericano. SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos. nº 5, ano 3, 2006, p. 285; Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicarágua. Sentença de mérito, reparações e custas, § 125; Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de mérito, reparações e custas, §§ 125 a 128. 15Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, §§ 129; Caso Saramaka vs. Suriname. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, § 92; MELISH, T. La Protección de los Derechos Económicos, Sociales e Culturales en el Sistema Interamericano de Derechos Humanos: manual para la presentación de casos. Centro de Derechos Económicos y Sociales: Ecuador, 2003, p.147 a 164. 16Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicarágua. Sentença de mérito, reparações e custas, § 148; Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, § 143; CHIRIBOGA, O. C. O Direito à Identidade Cultural dos Povos Indígenas e das Minorias Nacionais: um olhar a partir do Sistema Interamericano. SUR – Revista Internacional de Direitos Humanos. nº 5, ano 3, 2006, p. 296; Caso Saramaka vs. Suriname. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, § 92. Equipe 126 12 Para as populações indígenas e tribais, a terra em que habitam constitui a base fundamental de sua cosmovisão, religiosidade e identidade cultural17. Com base nisso, a Corte tem manifestado que os Estados devem levar em conta que os direitos territoriais indígenas abrangem um conceito mais amplo e está relacionado com o direito coletivo à sobrevivência como povo organizado, com o controle de seu habitat como uma condição necessária para a reprodução de sua cultura, para seu próprio desenvolvimento e para levar adiante seus planos de vida18 Por isso, quando o direito à propriedade coletiva é transgredido, provavelmente haverá a violação de diversos outros direitos, tais como à participação cultural. Desse modo, o conceito de bens previsto no art. 21 da Convenção abarca, não somente o direito das comunidades sobre o seu território e os recursos naturais nele contidos, mas também sobre os bens imateriais que advêm dessa relação diferenciada, sobretudo no âmbito cultural, conforme tem estabelecido a Corte . 19. Assim, tanto a propriedade, quanto os bens incorpóreos, sociais e culturais, ligados à terra estão protegidos pelo art. 21 da CADH20 À luz das evidências apontando danos ambientais e sociais levantadas por Mina Chak Luna, a comunidade Chupanky decidiu vetar a construção da UHE em seu território. Uma vez que os trabalhos tenham continuado nos territórios Chupanky e o Estado tenha se omitido em fazer valer o direito à propriedade desta comunidade, La Atlantis violou o art. 21 da Convenção, não só do ponto de vista material, mas também do ponto de vista da proteção aos bens incorpóreos, já que danos ocasionados ao território desta comunidade podem pôr em . 17Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, § 135. 18Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, § 131; Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicarágua. Sentença de mérito, reparações e custas, § 149; Organização Internacional do Trabalho, Convenção 169, art. 13. 19Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicarágua. Sentença de mérito, reparações e custas, § 144; Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, § 137. 20Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicarágua. Sentença de mérito, reparações e custas, § 144; Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, § 137. Equipe 126 13 risco a transmissão de sua cultura para as gerações futuras, bem como outros bens imateriais desses povos. Por fim, para que ocorra o processo expropriatório, a Corte tem imposto que, além de se observar os critérios de 1) previsão legal, 2) necessidade, 3) proporcionalidade e 4) fim legítimo em uma sociedade democrática, ao lidar com povos indígenas ou tribais, o Estado deve considerar se a restrição implica em destruição das tradições de modo a por em risco a própria subsistência do grupo e de seus integrantes, efetuando um processo de consulta21 (buscando obter o consentimento livre, prévio e informado), um Estudo de Impactos Ambientais e observando uma divisão de benefícios com a comunidade afetada22 No que concerne ao processo de consulta, a Comissão Interamericana se pronunciou afirmando que um procedimento de conhecimento pleno e informado, requer que todos os membros da comunidade estejam a par das circunstâncias ligadas ao processo e que disponham da oportunidade efetiva de participar, individual ou coletivamente , nesse sentido também dispõe o art. 32 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (doravante “DNUDPI”). 23; além disso, a consulta deve ocorrer no primeiros estágios da elaboração do projeto, e não apenas quando seja necessário obter o consentimento das comunidades afetadas24 La Atlantis não agiu de boa-fé para com as populações Chupanky e La Loma, haja vista não tê-las consultado nas primeiras etapas do plano de desenvolvimento. De fato, em . 21 FAJARDO, R. Y. De la tutela a los derechos de libre determinación del desarollo, participación, consulta y consentimiento: fundamentos, balance y retos para su implementación. Amazônica- Revista de Antropologia. vol. 1, nº 2, 2009, p.368-405; PASQUALUCCI, Jo M. The evolution of International Indigenous Rights in the Inter-American Human Rights System. Human Rights Law Review. vol. 6 (2). Oxford University Press: 2006, p.287-288 22 Caso Saramaka vs. Suriname. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, §127-129; Caso Ricardo Canese vs. Paraguai. Sentença de mérito, reparações e custas, de 31 de agosto de 2004, §96; Caso Sawhoyamaxa vs. Paraguai. Sentença de mérito, reparações e custas, §137. 23 CIDH, relatório de mérito nº 40/04. Caso 12.053. Comunidades indígenas Maya no Distrito de Toledo, Belize, § 142. 24Caso Saramaka vs. Suriname. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, § 133. Equipe 126 14 janeiro de 2005 o Estado já havia outorgado a concessão para a construção da UHE à empresa TW, no total desconhecimento das comunidades. Observa-se nisso uma clara predisposição arbitrária por parte de La Atlantis, visando construir o projeto de qualquer maneira. O Estado também falhou quanto a garantir informação plena, uma vez que enviou o Estudo de Impactos Ambientais à comunidade Chupanky sem nenhuma modificação quanto à linguagem técnica utilizada. Ainda com relação ao EIA, tem-se que este não foi produzido com seriedade, haja vista não contemplar danos ambientais comuns na construção de uma UHE, conforme as evidências levantadas por Mina Chak Luna. Isso permite afirmar que La Atlantis não encarou com seriedade a sua obrigação de garantir os direitos territoriais dessa comunidade, violando também o art. 1º.1 da CADH, no que tange ao dever de prevenir. Ademais, foi negado às mulheres Chupanky, a despeito de suas reclamações, a oportunidade de se manifestar quanto ao projeto ante ao CED e à empresa TW, e quando conseguiram uma reunião com o MARN e o Comitê Intersetorial, suas queixas não foram analisadas com seriedade. Estatisticamente, a comunidade Chupanky é composta em 58% por mulheres, não ouvi-las significa dizer que a maior parte da comunidade não participou do processo de consulta. Revela-se nisso uma postura discriminatória por parte do Estado, haja vista não considerar os interesses desse setor social, sobretudo pelo fato de serem as mulheres as pessoas mais afetadas com a construção do projeto, posto ser ela a guardiã da tradição da água na cultura rapstan. Quanto à comunidade La Loma, esta alegou sua relação cultural com o Rio como justificativa de sua recusa em abandonar o território e requisitou que lhe fosse observado o padrão internacional de consulta. Diante da primeira alegação e da multietnicidade da comunidade, o Estado deveria no mínimo ter realizado um estudo antropológico, visando de boa-fé salvaguardar o direito à cultura e identidade deste povo. No entanto, a única resposta Equipe 126 15 de La Atlantis foi a expropriação arbitrária, sem consulta e muito menos consentimento dos La Loma, um acinte ao compromisso firmado na CADH, constituindo clara violação do art. 1º.1 no que concerne ao dever de respeitar e prevenir. Não cabe a declaração unilateral estatal da terra como de utilidade pública com relação a La Loma, posto ela ser uma comunidade multiétinica, tribal e em situação de vulnerabilidade. A propriedade é um bem inalienável e os Estados devem evitar desenvolver atividades tendentes à supressão deste, sobretudo quando se trata de grupos vulneráveis e que possuem uma relação diferenciada com o seu território. Ademais, é útil ressaltar que proteger o direito das comunidades indígenas ou tribais também é importante para a sobrevivência de diversidade cultural em uma sociedade democrática. O Estado de La Atlantis, portanto, violou o art. 21, com relação a ambas as comunidade, bem como o art. 1º.1 da CADH, no que tange aos deveres de respeito, prevenção e reparo, posto ter-se negado a restabelecer os La Loma ao seu território e não respeitar a decisão Chupanky de paralisar as obras da UHE em seu território. c) O Estado violou o artigo 1º.1 (obrigação de respeitar os direitos) da CADH per se O art. 1º.1 estipula a obrigação genérica que vincula o Estado com relação aos direitos estabelecidos na CADH, constituindo condição sine qua non para a responsabilização internacional25. Assim, toda vez que um direito protegido pela Convenção for violado, estar- se-á diante da violação do art. 1º.126. O dever geral apontado no artigo em questão desdobra- se em duas obrigações fundamentais: a de respeitar e a de garantir 27 25Dada a relevância do art. 1º.1, nos primeiros casos julgados pela Corte, embora este artigo não tivesse sido apontado pelas partes, uma das primeiras iniciativas da Corte foi estabelecê-lo como base da possível responsabilização e explicar a sua importância, fazendo uso do princípio iura novit curia—. Caso Godínez Cruz vs. Honduras. Sentença de mérito, § 172; Caso Velásquez Rodríguez e outros vs. Honduras. Sentença de mérito, § 163; Corte Européia de Direitos Humanos. Handyside Case, sentença de 7 de dezembro de 1976, § 41. . 26Caso Godínez Cruz vs. Honduras. Sentença de mérito, § 171; Caso Velásquez Rodríguez e outros vs. Honduras. Sentença de Mérito, §§ 162 e 164. 27Caso Yean e Bosico vs. República Dominicana. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, § 173. Equipe 126 16 No que concerne ao dever de “respeitar”, o Estado não deve apresentar conduta, comissiva ou omissiva, violadora dos direitos inerentes à pessoa humana protegidos pela CADH28. O sistema internacional dos direitos humanos existe com a finalidade de proteger o indivíduo contra a arbitrariedade estatal, sendo o princípio da dignidade humana o precípuo fator limitativo dos poderes desta sociedade política29 Convém ressaltar que o Estado atua na sociedade por meio dos seus agentes públicos. Logo, haverá inobservância do dever de respeito quando órgão ou agente oficial ofender um daqueles direitos, cabendo responsabilização, já que é um princípio do Direito Internacional que o Estado é responsável pelas ações, bem como pelas omissões de seus agentes atuando em condição oficial, ou até mesmo quando estes ultrapassam a esfera de sua competência ou violam o direito interno . 30 Com relação ao dever de garantir, a Corte tem enfatizado em sua jurisprudência que cabe ao Estado organizar o aparato governamental e toda a estrutura por meio da qual o poder público é exercido, tomando medidas administrativas, legislativas e judiciais voltadas a assegurar com efetividade o exercício livre e pleno dos direitos protegidos pela CADH. Isso implica no dever de prevenir, investigar e punir qualquer violação àqueles direitos, sendo que tais deveres não podem ser meramente formais, devendo ser levados adiante com seriedade e compromisso. Assim, uma situação onde um particular violou um direito amparado pela CADH pode chegar a ser imputado ao Estado, caso esse atue de modo leviano quanto aos deveres de prevenir, investigar e punir . 31 28Caso Godínez Cruz vs. Honduras. Sentença de mérito, § 174; Caso Velásquez Rodrigues vs. Honduras, sentença de mérito, § 165. . É necessário também restaurar a situação ao estado 29Caso Velásquez Rodríguez e outros vs. Honduras. Sentença de mérito de 29 de julho de 1988, § 167 ; CorteIDH, Opinião Consultiva OC-6/86 de 9 de maio de 1986, § 21; Caso Yatama vs. Nicarágua, Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, §167. 30Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de Mérito, § 169; Caso Godínez Cruz vs. Honduras. Sentença de mérito, §§ 178 a 179 31Caso Godínez Cruz vs. Honduras, Sentença de Mérito, § 175; Caso Velásquez Rodrigues vs. Honduras, § 167. Equipe 126 17 anterior à violação do direito, observando o princípio do restitutio in integrum, providenciando indenização pelos danos resultantes. É óbvio que a construção de uma UHE em território habitado por povos que mantêm uma relação diferenciada com o território32 Em nenhum momento do planejamento ou negociações para a construção do projeto foi realizado estudo ou ouvido órgão especializado em questões indígenas ou multiétnicas, nem considerou-se o desenvolvimento dessas comunidades. Um Estado cujo histórico revela grandes conflitos com povos indígenas, que possui, atualmente, pelo menos 11% de sua população “oficialmente” indígena, e com grandes controvérsias com relação a miscigenação promovida na política de assimilação, tinha a obrigação de contemplar esses grupos em seu aparato governamental – como fazem os demais países nas Américas, como por exemplo, o Brasil, por meio da Fundação Nacional do Índio (FUNAI); a Argentina, através do Instituto Nacional do Índio e o Peru, por meio do Instituto Nacional de Desenvolvimento dos povos Andinos, Amazônicos e Afro-peruanos (INDEPA). trará violações aos seus direitos. Assim, para prevenir a violação dos direitos desses grupos, é inviável que um Estado planeje arbitrariamente seu desenvolvimento a partir da invasão e destruição do território dessas comunidades. Ao agir desse modo, La Atlantis atuou de forma arbitrária, falhando em prevenir a violação dos direitos das comunidades Chupanky e La Loma. O Estado La Atlantis falhou em cumprir o art. 1º.1 da CADH, ao transgredir os demais artigos alegados previstos nesta Convenção, e de per se, ao não prevenir as violações que tomaram lugar e não organizar o aparato governamental em favor da garantia dos direitos previstos na CADH, sem discriminação, com relação às comunidades Chupanky e La Loma. 32Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicarágua. Sentença de mérito, reparações e custas. Voto arrazoado conjunto dos Juízes A. A. Cançado Trindade, M. Pacheco Gómez e A. Abreu Burelli, § 6. Equipe 126 18 d) O Estado violou o art. 4º.1 (direito à vida) c/c o art. 1º.1 da CADH Segundo entendimento da Corte, o direito à vida deve ser interpretado da forma mais ampla possível em função de seu caráter fundamental e não admite enfoques restritivos, não se limitando a proteger a dimensão biológica da vida, mas também alcançando a dignidade humana. Daí a Corte alegar que o direito à vida abrange também o direito de não ser impedido do acesso a condições que garantam uma existência digna33 Como obrigações negativas do Estado, tem-se a ausência de interferência na criação e desenvolvimento de um projeto de vida por parte dos indivíduos, que deve conferir sentido à sua existência. Obrigações positivas referem-se ao dever de adotar medidas que garantam condições dignas de existência, investigar, punir e reparar danos. Logo, conforme é afirmado pela jurisprudência da própria Corte , o que implica em obrigações estatais negativas e positivas, as quais devem considerar a situação de especial vulnerabilidade de determinados grupos de pessoas. 34 e pela doutrina, o direito à vida não se refere somente à proibição da privação arbitrária da vida, mas também à proibição da privação da criação e desenvolvimento de um projeto de vida, que consiste no próprio pleno e harmonioso desenvolvimento da personalidade do indivíduo, que originará um sentido para a sua própria existência e deve ser “[...] cuidado e fomentado pelos poderes públicos” 35 Inclui-se nesta proteção a garantia dos direitos econômicos, sociais e culturais (doravante “DESC’s”), ilustrando a interdependência e indivisibilidade dos Direitos Humanos. Sem esses direitos, o indivíduo experimenta um estado de padecimento equivalente à morte espiritual . 36 33Caso Villagrán Morales e Outros vs. Guatemala. Sentença de mérito, § 144. . Compreendido sob essa perspectiva, o direito à vida, entendido a partir de uma interpretação ampla ou social, reflete o propósito da Declaração 34Caso Villagrán Morales e outros versus Guatemala, Sentença de Mérito. Voto arrazoado conjunto dos Juízes A.A. Cançado Trindade e A. Abreu Burelli. 35Caso Villagrán Morales e outros vs. Guatemala. Sentença de mérito, § 191. 36Caso Villagrán Morales e outros vs. Guatemala. Sentença de mérito. Voto arrazoado conjunto dos juízes Cançado Trindade e Abreu Burelli, § 9. Equipe 126 19 Americana dos Direitos e Deveres do Homem de exaltar o espírito como finalidade suprema e categoria máxima da existência humana37 A responsabilidade estatal acentua-se quando se trata da vida de pessoas ou grupos vulneráveis e indefesos, cujas condições dignas de existência são mais frágeis e sujeitas a violação. As vítimas do caso foram levadas a uma situação especial de vulnerabilidade, afetando seu modo de vida, por ser esse baseado na íntima relação mantida com a terra. . Os povos vítimas têm sua vida digna seriamente ameaçada pela intenção do Estado de inundar o território em que vivem e desviar o curso do Rio, com o qual cultivam profunda relação cultural, para construção de Usina Hidroelétrica que, supostamente, traria desenvolvimento, a despeito de impactos ambientais ainda não mensurados. Constitui-se isso violação patente do art. 4° combinado com o art. 1° da CADH. A relação com o Rio Xuxani é a base do modo de vida das comunidades em questão. Sem a relação com o Rio, considerado sagrado nas cosmovisões de ambas as populações, elas certamente padeceriam de uma morte espiritual, pois o projeto de vida que escolheram não teria se concretizado e suas vidas careceriam de qualquer sentido. O território específico em que vivem e a relação com o Rio Xuxani constituem, para as comunidades vítimas, condições mínimas de uma vida digna e de desenvolvimento de um projeto de vida, cuja alegação procede pelo fato de as vítimas estarem vivas38, necessário para a aplicação da teoria. Nota-se, ademais, a violação de um projeto de pós-vida, que envolve os vivos em suas relações com os mortos, em conjunto39 37 Caso Loayza Tamayo versus Peru, Sentença de reparações e custas. Voto arrazoado conjunto dos Juízes A.A. Cançado Trindade e A. Abreu Burelli, § 15 e 16. . A relação deve ser harmoniosa e implicar dignidade para as comunidades e não causar dano espiritual pelo impedimento de realização de rituais ou subsistir, como acontece no presente caso. 38Caso González e Outras vs. México. Sentença de Mérito, § 589. 39Caso Moiwana vs. Suriname. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas §§ 67 e 70. Equipe 126 20 Os membros da comunidade La Loma sofreram sérios danos espirituais, por terem sido remanejados para uma área distante do Rio Motompalmo, o que lhes trouxe dificuldades para realizar seus rituais religiosos. Os membros da Chupanky, por sua vez, tiveram seus horários de práticas religiosas e modo de vida afetados pela exploração que sofreram durante o trabalho nas obras da UHE. Esse “assassinato espiritual” impingido por La Atlantis e a violação dos DESC s´ das comunidades ocorrem alçados na justificativa de que as vítimas seriam remanejadas para terras alternativas. Porém, tais áreas não são as escolhidas por elas próprias para composição de seu projeto de vida e de pós-vida, tampouco as que satisfariam suas necessidades culturais. La Atlantis, tendo privado as comunidades La Loma e Chupanky de seus projetos de vida e de pós-vida violou o art. 4º da CADH, combinado com o art. 1º.1. e) O Estado violou o art. 5º.1 (direito à integridade pessoal) c/c o art 1º.1 da CADH A CIDH já expressou que o direito à integridade pessoal protegido pela CADH e por outros instrumentos internacionais de direitos humanos é muito mais amplo que a ausência de golpes, torturas físicas ou outros tratamentos que deixam marcas visíveis na vítima40 Segundo a CorteIDH, para configurar violação do artigo 5º deve-se avaliar também fatores endógenos e exógenos que influenciam no modo como a vítima experimenta o tratamento que ataca sua integridade pessoal . 41 Com relação aos fatores exógenos, as vítimas em questão tiveram sua integridade física violada ao serem submetidas ao trabalho em condições inapropriadas. Prova disto é o relatório médico solicitado pelo grupo das “Guerreiras do Arco-Íris”, publicado na imprensa local em 16 de novembro de 2008, denunciando o fato de que quatro mergulhadores apresentaram complicações derivadas da Síndrome da Descompressão, pela falta de . 40CIDH. Relatório nº 49/99. Caso 11.610. Loren Laroye Riebe Star e Outros, México, § 91. 41Caso Loayza Tamayo vs. Peru. Sentença de mérito, § 57. Equipe 126 21 equipamento adequado para a realização do trabalho, incapacitando-lhes parcialmente. Nas linhas da Convenção 169 da OIT, o Estado deveria ter adotado medidas para que esses povos vulneráveis não se submetessem a condições de trabalho danosas para sua saúde, cabendo-lhe respeitar e garantir os direitos reconhecidos na CADH a toda pessoa sujeita à sua jurisdição42 O Comitê Inter-Setorial foi o responsável pela oferta dos empregos. Como é composto por autoridades estatais e membros da companhia TW, imputa-se ao Estado a violação da integridade física dos trabalhadores em questão. , como rege o art. 1º.1 desta norma. Tomando conhecimento da situação pela divulgação na imprensa, o Estado deveria ter adotar medidas, de ofício, para investigar a situação e punir os responsáveis. No que tange a fatores endógenos, a CIDH sustenta que também constitui grave lesão à integridade psíquica e moral violações que afetem o normal desenvolvimento da vida das vítimas, provocando uma constante incerteza sobre seu futuro43 As condições de trabalho às quais foram submetidos os Chupanky constituem fator endógeno de violação, pois eram exploratórias, o que gerou severas repercussões na dinâmica familiar e cultural da sociedade. Ademais, a permissão concedida pelo Estado para que se concretizasse nos territórios das comunidades Chupanky e La Loma a obra da UHE, por si só, . Com efeito, os integrantes da comunidade La Loma experimentaram internamente essa sensação ao serem forçadamente deslocados de seu território original para terras provisórias, em situação de pobreza e vulnerabilidade, cujas características não correspondem às condições de vida que esse povo necessita para se desenvolver normalmente. Sob a concepção da comunidade La Loma, a única terra que condiz com essas condições são suas terras ancestrais, que abrigam sua cultura e seu modo de vida. 42Caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras. Sentença de Mérito, § 165. 43CIDH. Relatório nº 43/96. Caso 11.430. José Francisco Gallardo, México, 15 de outubro de 1996, § 79. Equipe 126 22 já constitui um fator endógeno de lesão à integridade psíquica e moral das vítimas, pois, nas linhas da Convenção 169 da OIT, os Estados devem garantir a proteção efetiva dos direitos de propriedade e posse dos povos indígenas, assim como dos grupos multiétinicos que se relacione à maneira indígena com seu território, pela interpretação evolutiva que deve ser feita aos tratados internacionais de direitos humanos 44 O deslocamento forçado e o reassentamento dos La Loma em terras provisórias não desejadas por eles retira das vítimas o que elas tinham de mais valioso, o desenvolvimento normal de sua cultura, de sua subsistência e, principalmente, do seu projeto de vida . 45 La Atlantis implicou em violação do art. 5º, bem como do art. 1º 1, ambos da CADH, por ter permitido a construção da UHE no Rio Motompalmo, ainda que ciente da afetação dos territórios ancestrais dos La Loma e Chupanky. . A ausência disso implica em grave violação dos direitos de integridade psíquica e moral, pois conforme já mencionado, a vida dessas pessoas perde o sentido, o que, obviamente, afeta negativamente sua integridade, constituindo fatores endógenos de violação experimentados internamente pelas vítimas. f) O Estado violou o artigo 6º.2 (proibição de escravidão e de servidão) c/c o art. 1º.1 da CADH O art. 6º2 protege o direito humano dos trabalhadores à liberdade e a condições apropriadas de trabalho. A Corte Europeia de Direitos Humanos, bem como a convenção 29 da OIT46 44 Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicarágua. Sentença de mérito, reparações e custas, § 125; Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de mérito, reparações e custas, §§ 125 a 128. , define trabalho forçado como um labor executado pelo trabalhador contra a sua 45 Caso Villagrán Morales e Outros vs. Guatemala. Sentença de Mérito. Voto arrazoado conjunto dos juízes A. A. Cançado Trindade e Abreu Burelli, § 8. 46 Convenção 29 da OIT, art. 2º. Equipe 126 23 vontade, que é injusto ou opressivo em si ou que implica uma obrigação injusta ou opressiva47 O povo indígena Chupanky trabalhou forçadamente, exposto a carga horária laboral de quinze horas por dia, sem pagamento de horas extras, com baixa remuneração, e com horários de almoço e expediente irregulares, o que afetou seu modo de vida tradicional e sua dinâmica familiar. Isso tudo em virtude da falta de poder econômico e por acordo opressivo e enganoso, firmado com a empresa TW e com o Comitê Inter-Setorial. . A remuneração proposta pelo Comitê Inter-Setorial e conferida pela TW, além de injusta por ser muito inferior ao valor merecido e de não incluir horas extras, era desigual. As mulheres trabalhavam tanto quanto os homens e tinham uma função igualmente exaustiva, mas recebiam menos da metade, contrariando a orientação do disposto no artigo 7º.2 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais referente ao direito feminino de perceber a mesma remuneração que os homens por trabalho igual, o qual auxilia em dotar de conteúdo o art. 6º.2 da CADH. Aquele dispositivo abrange o direito dos empregados de ter condições seguras e higiênicas de trabalho, descanso, lazer, limitação razoável das horas de trabalho e uma existência decente para eles e suas famílias. Nenhum desses direitos foi observado pelo Estado durante os trabalhos na construção da UHE Cisne Negro. O trabalho ofertado, portanto, foi injusto. Ademais, o exercício de quaisquer dos direitos protegidos na CADH nunca pode justificar ataques ou represálias por parte de agentes do Estado48 47Corte Européia de Direitos Humanos. Iversen vs. Noruega. nº. 1468/62, Sentença de 17 de dezembro de 1963. , que deve proceder no sentido de respeitar e garantir os direitos dos indivíduos a um trabalho digno, investigando o fato, adotando medidas razoáveis que proporcionem condições apropriadas de trabalho e punindo os responsáveis, o que La Atlantis teve oportunidade de fazer, ao tomar conhecimento dos fatos quando da divulgação na 48Caso Velásquez Rodríguez, Sentença de Mérito, § 144. Equipe 126 24 imprensa, mas não fez, mantendo-se, providenciando apenas um auxílio saúde ínfimo, que na verdade não constitui reparação satisfatória, e manteve-se quanto a investigar e punis a notória situação de violação. Imputa-se ao Estado de La Atlantis a violação do artigo 6º.2 c/c o art. 1º.1 da CADH, contra a comunidade indígena Chupanky (indígenas em situação de vulnerabilidade), por tê- los submetido a exploração laboral e a condições de trabalho inapropriadas sob baixa remuneração, bem como por haver tomado conhecimento da violação dos direitos humanos dos trabalhadores na construção da UHE e não ter tomado nenhuma providência para investigar, punir e cessar as violações. g) O Estado violou o art. 25 (proteção judicial) c/c o art. 8º (garantias judiciais) e o 1º.1 da CADH O art. 25 da Convenção Americana dispõe sobre o direito que toda pessoa tem a um recurso rápido, simples e efetivo ante juízes e tribunais, que a proteja contra atos que violem os seus direitos fundamentais, enquanto o art. 8º resguarda o direito ao devido processo legal49 Quando os recursos internos são esgotados e um caso é apreciado pela CorteIDH, esta não está atuando como uma quarta instância, mas atua para analisar se o procedimento adotado pelo Estado na avaliação do caso respeitou ou não os tratados internacionais ratificados por ele, sobretudo a Convenção Americana , incluindo o princípio da imparcialidade do juiz. 50 Para que o art. 25 da CADH seja respeitado, não basta que o Estado preveja formalmente os ditos recursos, senão também que estes tenham efetividade para estabelecer se houve ou não a violação de direitos humanos e prover reparação devida às possíveis . 49Caso dos massacres de Ituango vs. Colômbia. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, § 287. 50 Caso Cabrera García e Montiel Flores vs México. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, § 19. Equipe 126 25 vítimas51. Assim, o Estado deve assegurar a aplicação dos recursos por parte de suas autoridades judiciais, bem como adotar medidas que sejam necessárias para que o estabelecido na CADH seja cumprido52 Esses recursos devem ser idôneos e atender as garantias processuais contidas no art. 8º da CADH. Estas regras também devem ser observadas quando se tratar de um processo administrativo ou qualquer outro tipo de processo cuja decisão possa afetar os direitos das pessoas . 53. A responsabilidade internacional que o Estado assume no art. 1º.1 da CADH de respeitar aquela norma, requer desse ações especiais com relação a grupos que estejam em condição de vulnerabilidade. Neste contexto, é crucial que o Estado tome medidas para garantir que os grupos vulneráveis tenham acesso a recursos que os amparem efetivamente contra atos violadores de seus direitos fundamentais54 No caso em questão, as comunidades La Loma e Chupanky interpuseram diversos recursos visando a proteção de seus direitos, tanto no âmbito administrativo, com solicitações dirigidas ao Comitê Inter-Setorial (janeiro de 2008), à diretoria da empresa (janeiro de 2008), ao MARN (dezembro de 2008), ao CED (dezembro de 2008) e ao Tribunal Contencioso Administrativo (abril de 2009), quanto no judiciário, ao recorrer ao juiz civil (março de 2006) e ao Supremo Tribunal de Justiça (setembro de 2009). . 51Caso Comunidade Moiwana vs. Suriname. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, §142; Caso Comunidade indígena Yatama vs. Nicarágua, Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, §169; Caso Tibi vs. Equador. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, § 131; Caso Maritza Urrutia vs. Guatemala. Sentença de mérito, reparações e custas, § 117; Caso Juan Humberto Sánchez vs. Honduras. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, § 121; Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicarágua. Sentença de mérito, reparações e custas, § 111; Caso do Povo Saramaka vs. Suriname. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, § 177. 52Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, § 52; Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicarágua. Sentença de mérito, reparações e custas, §§ 135 e 136. 53Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, § 62; Caso Baena Ricardo e outros vs. Panamá. Sentença de mérito, §127. 54Caso da Comunidade Indígena Yakye Axa vs. Paraguai. Sentença de exceções preliminares, mérito, reparações e custas, §51; CorteIDH, Opinião Consultiva OC-17/2002, de 28 de agosto de 2002, § 55; CIDH. Relatório temático: The Road to Substantive Democracy: women’s political participation in the Americas. 2001, § 97 Equipe 126 26 Em todas essas ocasiões, as comunidades tiveram suas pretensões declinadas, e a despeito das evidências demonstradas nos recursos acionados, esses não se mostraram efetivos para amparar os direitos destes povos, os quais, em virtude de sua vulnerabilidade, necessitavam ainda mais da atuação estatal para o gozo de seus direitos. Ao falhar em garantir que os recursos existentes atingissem o propósito para o qual foram criados, o Estado violou o art. 25 da CADH. Também não houve idoneidade na apreciação das alegações apresentadas, havendo clara parcialidade na apreciação das denúncias e pedidos. Desde o início do projeto, o Estado tem sempre demonstrado que visa construir a UHE a qualquer custo, conforme observa-se do fato de que, antes de consultar as comunidades afetadas, a concessão já havia sido outorgada à TW. Essa concessão, sem o consentimento prévio das comunidades é uma séria evidência da inexorável vontade política do Estado em implementar esse projeto. As autoridades que analisaram os recursos claramente não levaram em consideração as denúncias com relação ao trabalho forçado, às condições de emprego, à discriminação e à destruição socioambiental, posto não tê-las investigado com seriedade. Da mesma forma com relação ao controle de convencionalidade, cuja própria existência no ordenamento do país esvaiu-se de sentido, já que foi utilizado de modo contrário ao propósito ao qual fora criado. A verdade é que desde o início, o caso já havia sido decidido. Em virtude da grande pressão governamental e dos interesses nacionais e estrangeiros envolvidos na construção da UHE Cisne Negro, não importaria a que recursos a comunidade fosse recorrer, seriam vias meramente burovráticas, pois já estava firmada a decisão. O Estado, portanto, violou o art. 8º da CADH, no que tange a imparcialidade e independência dos órgãos que analisaram os requerimentos de La Loma e Chupanky, bem como o art. 1º.1, vez que suas autoridades desrespeitaram o direito a um recurso efetivo e imparcial, bem como falharam no que tange aos deveres de investigar, punir e reparar. Equipe 126 27 h) O Estado violou o art. 7º. A, B e G (deveres do Estado) da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) O Estado de La Atlantis ratificou a Convenção de Belém do Pará (doravante “CVM”) em sua Constituição de 1994. A CorteIDH é competente para julgar a violação alegada, posto o art. 12 deste instrumento prever a possibilidade de peticionamento ante o Sistema Interamericano com relação às violações dos deveres contidos no art. 7º da CVM55 A Comissão, em seu relatório sobre a participação política das mulheres nas Américas , observando-se o procedimento previsto na CADH. 56, apontou a necessidade dos Estados em adotar medidas para garantir a verdadeira igualdade de gênero na esfera política57 e o dever de institucionalizar canais de participação por meio dos quais as mulheres possam contribuir substancialmente no desenvolvimento de políticas públicas58 e promover seus interesses específicos59, sobretudo quando se tratar de mulheres indígenas ou afrodescendentes, haja vista sua situação de marginalidade e vulnerabilidade60 A despeito de constituírem a maior parte desta população, de serem as mais afetadas com a construção do projeto e de se classificarem como grupo vulnerável, as mulheres Chupanky não tiveram a oportunidade de participar do processo de consulta com relação à construção da UHE Cisne Negro, embora tenham se mobilizado de diversas maneiras, organizando protestos, realizando denúncias e requisitando reuniões com órgãos administrativos do Estado e da empresa TW. Houve discriminação também no processo de . 55Caso González e outras (“Campo Algodonero”) vs. México. Sentença de exceções preliminares, mérito, rearações e custas, § 79. 56CIDH. Relatório temático: The Road to Substantive Democracy: women’s political participation in the Americas. 2001. 57Idem, § 17. 58Ibidem, § 18. 59Ibidem, § 97. 60Ibidem, §§ 94 e 96. Equipe 126 28 construção da UHE, haja vista que às mulheres foi designado um salário inferior ($2,00 por dia), equivalente a menos da metade da remuneração dos homens ($4,50 por dia), embora todos, inicialmente, cumprissem a mesma carga horária. Por não só deixar de consultar as mulheres quanto ao projeto, mas também por recusar-se a ouvi-las, o Estado de La Atlantis violou o art. 7º.A, por seus órgãos administrativos terem desrespeitado o direito previsto no art. 4º. J (direito de participar na tomada de decisões na vida pública); 7º.B, porque falhou em prevenir essa violação e em repará-la quando teve a oportunidade; e 7º.G tendo em vista que seus mecanismos administrativos não asseguraram que essas mulheres tivessem acesso à justa reparação quanto à violência sofrida61 Ademais, ao permitir a situação de exploração e discriminação laboral contra a mulher, La Atlantis novamente violou o art. 7º.B, por não ter prevenido, investigado e muito menos punido os agressores; bem como o 7º.G, pelas mesmas razões supra. . Não cabe a alegação de que o Estado observou os costumes da comunidade no processo de consulta, pois a observância de peculiaridades culturais não pode servir de justificativa para a violação de direitos humanos62 5. SOLICITAÇÃO DE ASSISTÊNCIA , sobretudo quando se trata de grupos vulneráveis. Assim, La Atlantis violou o art.7. A, B e G da CVM, com relação às mulheres da comunidade Chupanky. Ante as considerações de fato e de direito expostas, torna-se imperativo resguardar a integridade física e cultural das vítimas, já que qualquer dano causado agora pode ser irreparável, segundo as cosmovisões de ambas as comunidades. Portanto, diante do fato de 61Neste sentido, a Convenção de Belém do Pará dispõe em seu art. 1º que: “Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”. (grifo nosso). 62Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicarágua. Voto arrazoado conjunto dos Juízes A. A. Cançado Trindade, M. Pacheco Gòmez e A. Abreu Burelli, § 14. Equipe 126 29 que esses povos, por diversas vezes, dirigiram-se às autoridades competentes para apresentar suas reivindicações, por meio de solicitações de reunião com órgãos ministeriais e de recurso perante a instância máxima do país, e de que estes órgãos agiram com leniência e desinteresse perante à situação das vítimas, urge-se que esta Corte conceda medidas provisórias para impedir que os direitos humanos em questão sejam afetados. Diante de tais alegações, a ONG Morpho Azul, representante das vítimas, solicita à Cort IDH, em observância ao artigo 25.3 do seu Regulamento e ao artigo 63.2 da CADH, Medidas Provisórias em favor da proteção dos direitos das comunidades Chupanky e La Loma, especificamente: (a) a interrupção de qualquer intervenção, atividade ou procedimento por parte do Estado ou de outras entidades orientados no sentido da construção da UHE Cisne Negro; (b) o reassentamento da comunidade La Loma no seu território ancestral; (c) a restituição do estado anterior da comunidade Chupanky. Além disso, a ONG Morpho Azul, na qualidade de representante das vítimas no presente caso, solicita também à Corte IDH a declaração da responsabilidade internacional do Estado de La Atlantis pela violação dos artigos 1º.1, 4º.1, 5º.1, 6º.2, 8º, 25 e 21 da CADH em prejuízo dos membros da comunidade Chupanky e dos artigos 1º.1, 4º.1, 5º.1, 8º, 25 e 21 desse mesmo documento além das obrigações contraídas pelo art. 7º.A, B e G da Convenção de Belém do Pará em prejuízo dos membros da comunidade Chupanky. Ademais, visando à reparação integral e a garantia de não repetição das violações, solicita-se: (1) medidas de restituição de direitos no sentido de reassentar a comunidade La Loma em seu território ancestral e garantir às comunidades La Loma e Chupanky o direito de propriedade sobre o território que tradicionalmente ocupam; (2) medidas estatais orientadas a investigar e sancionar as violações de direitos humanos econômicos e sociais sofridas pelos indígenas Chupanky durante o labor executado nas obras da UHE; (3) como medida de prevenção, a obrigatoriedade e vinculação do Estado à consulta prévia para populações Equipe 126 30 multiétnicas, a criação de uma instituição pública voltada para causas relacionadas a povos indígenas e tradicionais, uma reforma legal trabalhista no Estado de La Atlantis que impeça a remuneração desigual entre homens e mulheres e interrompa a concessão de cédulas de identidade a povos indígenas, em cumprimento da previsão normativa da Convenção 169 da OIT; (4) a título de reparação simbólica, um pedido público de desculpas por parte do Estado veiculado no jornal “El Oscurín Pegri”, onde é assumida a responsabilidade pelas violações anteriormente descritas. Finalmente, solicitamos à Corte IDH que determine ao Estado ressarcir a ONG Morpho Azul em razão das despesas efetuadas relativas ao processo.
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