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Anemia hemolítica

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Via pentoses fosfato e anemia hemolítica
O ciclo das pentoses fosfato ou das hexoses monofosfato é uma rota reguladora de glicemia alternativa da glicólise que ocorre no citossol para a oxidação da glicose-6-fosfato, sem gerar ATP, mas gerando NADHP. É uma via muito ativa em tecidos envolvidos na biossíntese (formação) de colesterol e de ácidos graxos, como fígado, tecido adiposo, córtex adrenal, glândulas mamárias, tireoide e hemácias. Tal via também é evidente em células que precisam de produção constante de DNA, como as células da medula óssea, de tumores e da mucosa intestinal, que usam a ribose-5-fosfato produzida na via para compor os nucleotídeos. Dentre as funções dessa via podemos citar: 
· Permite a combustão total da glicose utilizando reações independentes do ciclo de Krebs;
· Fonte de pentoses para a síntese dos ácidos nucleicos;
· Forma o NADPH extramitocondrial, agente redutor utilizado na biossíntese de ácidos graxos e esteróides (colesterol e seus derivados), bem como na manutenção da integridade das membranas dos eritrócitos. 
· Converte hexoses em pentoses;
· Degradação não oxidativa de pentoses  pela conversão a hexoses, que podem entrar para a via glicolítica.
É dividida em duas fases, uma oxidativa e uma não oxidativa. Na fase oxidativa a glicose-6-fosfato desidrogenase é a enzima marca passo para transformar a glicose-6-fosfato em 6-fosfogluconato, produzindo um NADPH a partir do NADP+. Essa enzima é inibida quando tiver muito NADPH em relação ao NADP+ e ativada quando nessa relação predominar a concentração de NADP+. A 6-fosfogluconato então será transformada em ribulose-5-fosfato por uma reação de desidrogenação, também liberando NADPH a partir do NADP+. 
Enquanto isso, a fase não oxidativa trabalha em constante afinidade com a glicólise, já que ambas ocorrem no ambiente citossólico e compartilham o gliceraldeído-3-fosfato e a glicose-6-fosfato como precursores comuns. Desse modo, a ribulose-5-fosfato anteriormente produzida será transformada, por uma isomerase, em ribose-5-fosfato. Essa molécula pode ser utilizada, como também ser reciclada por enzimas como a transaldolase e a transcetolase, essas que trabalham para regenerar a ribulose-5-fosfato em glicose-6-fosfato, permitindo a formação contínua de NADPH (retroalimentação do ciclo das pentoses fosfato e da glicólise). 
Além de a ribose compor os nucleotídeos, ela também é extremamente importante como precursora de biomoléculas essenciais como NAD+, NADP+, FAD, FMN, CoA, ATP, GTP, entre outras. 
O saldo de NADPH produzido por tal via é utilizado na produção de ácidos graxos, hormônios esteroides e colesterol, em que ele atua como agente redutor. Como exemplo, ele é cofator da enzima HMG-CoA redutase, importante na via metabólica que produz o colesterol e molécula alvo das estatinas (medicamento para redução dos níveis de colesterol). Além disso, ele será usado para combater os efeitos deletérios do estresse oxidativo causado pelas espécies reativas de oxigênio (EROs). 
As hemácias realizam este desvio metabólico de maneira exclusiva, de modo que não realiza a síntese de glicogênio, colesterol ou corpos cetônicos. A glicose-6-fosfato desidrogenase está associada ao GLUT1, estimulando a via das pentoses, em que o NADPH mantém a enzima glutationa redutase ativa e, em consequência, o ferro do grupamento heme reduzido, permitindo que a hemoglobina transporte o oxigênio de maneira reversível (atração eletrostática) e não por ligação covalente, que aconteceria na ausência da glutationa redutase. 
Na deficiência dessa enzima, a pessoa terá um tipo de anemia hemolítica, pois o NADPH, produzido na reação catalisada pela G6PD, é necessário para a regeneração da glutationa reduzida. Dentro dos eritrócitos, a glutationa reduzida é utilizada para a destoxificação de agentes oxidantes produzidos pela interação da hemoglobina com o oxigênio e por fatores exógenos como drogas, infecções e acidose metabólica.
A maioria das deficiências de G6PD surge porque as mutações no gene G6PD ligado ao cromossomo X (predominante em homens e pessoas com ancestralidade africana) diminuem a atividade catalítica e/ou a estabilidade da G6PD. Quando a atividade da G6PD é reduzida, apenas uma quantidade insuficiente de NADPH fica disponível para regenerar a glutationa reduzida durante os episódios de estresse oxidativo. Isto resulta na oxidação e na agregação de proteínas intracelulares (corpos de Heinz) e na formação de eritrócitos rígidos que são prontamente hemolisados.
Infecções virais e bacterianas são os gatilhos mais comuns, pois há a presença de ERO`s produzidos por leucócitos ativos, porém muitas drogas e toxinas também podem propiciar a hemólise, de modo especial os antimaláricos (primaquina e cloroquina). O distúrbio favismo é o resultado da hemólise secundária à ingestão de feijões-fava por pacientes com as formas mais graves da deficiência de G6PD, já que feijões-fava contêm β-glicosídeos, oxidantes de ocorrência natural.
Os principais sintomas da anemia hemolítica são icterícia, palidez, urina escura, dor abdominal, dor nas costas, diminuição da contagem de células vermelhas do sangue, cansaço, batimentos cardíacos acelerados e bilirrubina elevada. 
Os radicais livres podem ser formados na cadeia respiratória, já que ocorre cerca de 1-5% de escape de elétrons, produzindo espécies reativas intermediárias no meio do caminho. Também podem ser gerados, nas hemácias, durante o transporte de oxigênio pela hemoglobina. O estresse oxidativo pode acontecer por acúmulo de H2O2, que gera radical hidroxila e o oxigênio parcialmente reduzido com valência livre produz o ânion superóxido (O2-). Tais radicais geram peroxidação lipídica, inativação de proteínas celulares, como a hemoglobina e inativação de enzimas, além de danificar o material genético por inativar o DNA, comprometendo os mecanismos de divisão celular e renovação. 
Neste contexto, os dois principais meios de defesa antioxidantes no organismo podem ser divididos em dois grupos, enzimáticos e não enzimáticos. Os sistemas enzimáticos envolvem as enzimas do ciclo redox da glutationa, particularmente a glutationa peroxidase, como também a glutationa redutase e a glicose-6-fosfato-desidrogenase, que apresentaram propriedades protetoras similares à glutationa peroxidase. O selênio (Se) é um cofator essencial para a glutationa peroxidase, sendo incorporado na enzima assim que ela é formada, consequentemente, a deficiência de Se pode resultar na deficiência de GPx, o que pode levar a um aumento da sensibilidade do eritrócito a danos causados por certos oxidantes. 
Outros sistemas enzimáticos de defesa incluem a superóxido dismutase (SOD), dependente de Cu2+e Zn2+ como cofatores, onde ocorre a dismutação do radical superóxido em peróxido de hidrogênio e oxigênio, bem como a catalase, que converte peróxido de hidrogênio em água e oxigênio molecular nas hemácias. 
Além disso, temos como estratégias não-enzimáticas as vitaminas A, E, C e agentes antioxidantes de defesa contra ERO´s. Especificamente, o β-caroteno (vitamina A) exibe uma boa capacidade de captura de radicais livres na maior parte dos tecidos biológicos sob condições fisiológicas.
A resistência à malária em indivíduos com deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase se dá pelo fato de que o crescimento do parasito é inibido na presença de hemácias deficientes de G6PD tanto de indivíduos heterozigotos quanto em hemizigotos. Esta resistência ocorre, pois, nas hemácias deficientes da G6PD, um metabolismo essencial para a sobrevivência do parasito encontra-se em déficit. Isto se deve à atividade diminuída da G6PD dentro das hemácias, o que conduz à morte do parasito. Todavia, devido à ineficiência do mecanismo antioxidante em células deficientes da G6PD, podem ocorrer ainda danos à membrana celular seguida de fagocitose das hemácias parasitadas.

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