Buscar

Esse é meu Tipo - Um Livro sobre Fontes - Simon Garfield

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 263 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 263 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 263 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Na	
   era	
   digital,	
   as	
   fontes	
   deixaram	
   de	
   ser	
   uma	
   questão	
   exclusiva	
   de	
  
tipógrafos	
   e	
   designers	
   para	
   habitar	
   os	
   menus	
   dos	
   nossos	
   computadores.	
  
Qual	
   o	
   seu	
   tipo	
   favorito?	
   Saiba	
   que	
   essa	
   resposta	
   vai	
   revelar	
  muito	
   sobre	
  
você.	
   Simon	
   GarAield	
   nos	
   leva	
   a	
   um	
   interessante	
   passeio	
   pelo	
   mundo	
   da	
  
tipograAia,	
  da	
  invenção	
  da	
  prensa	
  por	
  Gutenberg	
  aos	
  dias	
  de	
  hoje.	
  Durante	
  
esse	
   percurso,	
   reAlete	
   sobre	
   a	
   razão	
   de	
   alguns	
   tipos	
   terem	
   se	
   tornado	
  
grandes	
   clássicos,	
   como	
   Bodoni	
   e	
   Garamond,	
   enquanto	
   outros	
   viraram	
  
moda	
   passageira	
   ou	
   acabaram	
   rejeitados;	
   comenta	
   a	
   ditadura	
   da	
   Comic	
  
Sans	
  e	
  da	
  Helvetica	
  mundo	
  afora;	
  revela	
  o	
  papel	
  da	
  Gotham	
  na	
  campanha	
  de	
  
Barack	
   Obama	
   à	
   presidência	
   dos	
   Estados	
   Unidos;	
   analisa	
   os	
   logotipos	
   de	
  
lojas	
  e	
  capas	
  de	
  discos	
  (por	
  que,	
  por	
  exemplo,	
  o	
  "T"	
  na	
   logo	
  dos	
  Beatles	
  é	
  
maior	
  que	
  as	
  outras	
  letras?),	
  entre	
  outras	
  curiosidades.	
  O	
  autor	
  transita	
  por	
  
um	
   universo	
   de	
   560	
   anos	
   de	
   existência	
   e	
  mais	
   de	
   100	
  mil	
   variações,	
   que	
  
inclui	
  nomes	
  familiares	
  como	
  Times	
  New	
  Roman,	
  Futura	
  e	
  Calibri,	
  e	
  com	
  o	
  
qual	
  convivemos	
  todos	
  os	
  dias	
  nas	
  esquinas	
  de	
  nossas	
  ruas,	
  prateleiras	
  de	
  
livros	
  e	
  telas	
  de	
  computador.
Em	Budapeste,	cirurgiões	operaram	o	aprendiz	de	gráfico	Gyoergyi	Szabo,
17,	 que,	 melancólico	 com	 a	 perda	 de	 uma	 namorada,	 havia	 composto	 e
engolido	os	tipos	com	o	nome	dela.
Revista	Time,	28	de	dezembro	de	1936
N
Introdução
Letras	de	amor
o	dia	12	de	junho	de	2005,	um	homem	de	cinquenta	anos	se	apresentou
diante	de	uma	multidão	de	alunos	na	Universidade	Stanford	e	falou	de
seus	 dias	 de	 universitário	 em	uma	 instituição	menor,	 o	Reed	College,	 em
Portland,	Oregon.	“Por	todo	o	campus”,	lembrava-se	ele,	“cada	cartaz,	cada
rótulo	em	cada	gaveta	era	escrito	em	uma	caligrafia	maravilhosa.	Como	eu
havia	 abandonado	 a	 faculdade	 e	 não	 tinha	 de	 assistir	 às	 aulas	 normais,
decidi	 fazer	um	curso	de	 caligrafia	para	 aprender	 a	 fazer	 aquilo.	Aprendi
sobre	tipos	com	e	sem	serifa,	sobre	a	variação	do	tamanho	do	espaço	entre
diferentes	 combinações	 de	 letras,	 sobre	 o	 que	 torna	 uma	 tipografia
excelente.	Foi	maravilhoso,	uma	aula	de	história	artisticamente	sutil	em	um
sentido	que	a	ciência	não	consegue	capturar,	e	achei	aquilo	fascinante.”
Na	 época,	 o	 estudante	 desertor	 acreditava	 que	 nada	 do	 que	 ele
aprendera	teria	aplicação	prática	em	sua	vida.	Mas	as	coisas	mudaram.	Dez
anos	 depois	 da	 faculdade,	 aquele	 homem,	 que	 se	 chamava	 Steve	 Jobs,
projetou	seu	primeiro	computador	Macintosh,	uma	máquina	que	vinha	com
uma	 coisa	 inédita	 –	 um	 amplo	 leque	 de	 fontes.	 Além	 de	 incluir	 tipos
conhecidos	como	Times	New	Roman	e	Helvetica,	Jobs	acrescentou	diversos
designs	novos,	evidentemente	tomando	certo	cuidado	com	a	aparência	e	os
nomes.	 Eram	 batizados	 em	 homenagem	 a	 cidades	 que	 ele	 amava,	 como
Chicago	 e	 Toronto.	 Jobs	 desejava	 que	 cada	 um	 deles	 fosse	 tão	 distinto	 e
bonito	quanto	a	caligrafia	que	conhecera	uma	década	antes,	e	pelo	menos
duas	das	fontes,	Venice	e	Los	Angeles,	tinham	um	ar	caligráfico.
Era	 o	 início	 de	 algo	 importante	 –	 um	 abalo	 sísmico	 em	 nossa	 relação
cotidiana	 com	 as	 letras	 e	 os	 tipos.	 Uma	 inovação	 que,	 em	 uma	 ou	 duas
décadas,	 introduziria	 a	 palavra	 “fonte”	 –	 antes,	 um	 componente	 da
linguagem	técnica	limitado	ao	design	e	ao	ofício	gráfico	–	no	vocabulário	de
todos	os	usuários	de	computador.
Hoje	não	é	fácil	encontrar	as	fontes	originais	de	Jobs,	o	que	também	se
justifica:	elas	são	grosseiramente	pixelizadas	e	de	 incômoda	manipulação.
Mas	a	 simples	possibilidade	de	alterar	 fontes	parecia	 tecnologia	de	outro
planeta.	 Antes	 do	 Macintosh	 de	 1984,	 os	 primeiros	 computadores
ofereciam	apenas	um	tipo	insípido,	e	boa	sorte	para	você	se	quisesse	usá-lo
em	itálico.	Mas	a	partir	de	então	passou	a	existir	uma	seleção	de	alfabetos
que	 faziam	o	máximo	para	 recriar	 algo	a	que	estávamos	acostumados	no
mundo	real.	O	principal	deles	era	o	 	que	a	Apple	usou	para	todos	os
seus	menus	e	caixas	de	diálogos	até	a	primeira	geração	de	iPods.	Mas	era
possível	optar	também	por	letras	góticas	antigas	que	lembravam	o	trabalho
de	 escribas	 chaucerianos	 	 letras	 suíças	 limpas	 que	 refletiam	 o
modernismo	empresarial	 	letras	altas	e	arejadas	que	poderiam	ter
adornado	cardápios	de	 transatlânticos	 	Havia	até	
uma	 fonte	 que	 parecia	 ter	 sido	 feita	 de	 recortes	 de	 jornal	 –	 útil	 para
trabalhos	de	colégio	tediosos	e	anotações	aleatórias.
A	 IBM	 e	 a	Microsoft	 logo	 fariam	 o	máximo	 para	 copiar	 o	 exemplo	 da
Apple,	enquanto	as	 impressoras	domésticas	 (um	conceito	novo	na	época)
começavam	 a	 ser	 comercializadas	 não	 só	 pela	 velocidade,	 mas	 pela
diversidade	de	suas	fontes.	Atualmente	o	conceito	de	“desktop	publishing”
ou	 “editoração	 eletrônica”	 evoca	 um	 universo	 de	 convites	 de	 festas	 de
layout	duvidoso	e	revistas	comunitárias	poluídas,	mas	ele	simbolizou	uma
libertação	 gloriosa	 da	 tirania	 dos	 compositores	 profissionais	 e	 das
frustrações	de	ter	que	raspar	uma	cartela	de	transferência	de	caracteres	da
Letraset.	 Uma	mudança	 pessoal	 de	 fonte	 realmente	 dizia	 algo:	 um	 passo
criativo	 rumo	 à	 expressividade,	 uma	 experiência	 libertadora	 de	 brincar
com	palavras.
A	Chicago	num	dos	primeiros	iPods
E	hoje	nem	sequer	podemos	imaginar	uma	liberdade	artística	cotidiana
mais	simples	do	que	abrir	o	menu	de	fontes.	Nele	se	encontra	o	derrame	da
história,	 o	 eco	 de	 Johannes	 Gutenberg	 a	 cada	 toque	 de	 tecla.	 Nele	 estão
nomes	 que	 reconhecemos:	 Helvetica,	 Times	 New	 Roman,	 Palatino	 e	 Gill
Sans.	 Nomes	 de	 fólios	 e	 de	 velhos	 manuscritos:	 Bembo,	 Baskerville	 e
Caslon.	 Possibilidades	 de	 elegância:	 Bodoni,	 Didot	 e	 Book	 Antiqua.	 E	 os
riscos	 do	 ridículo:	 Brush	 Script,	 Herculanum	 e	 Braggadocio.	 Vinte	 anos
atrás	 mal	 os	 conhecíamos,	 mas	 todos	 temos	 os	 nossos	 favoritos.	 Os
computadores	nos	deram	 todos	os	deuses	do	 tipo,	um	privilégio	que	não
poderíamos	jamais	prever	na	era	da	máquina	de	escrever.
No	 entanto,	 quando	 optamos	 por	 Calibri,	 e	 não	 Century,	 ou	 quando	 o
designer	de	um	anúncio	prefere	Centaur	a	Franklin	Gothic,	o	que	está	por	trás
dessa	escolha	e	qual	impressão	esperamos	criar?	Quando	escolhemos	uma
fonte,	o	que	estamos	realmente	dizendo?	Quem	faz	essas	fontes	e	como	eles
trabalham?	 E	 exatamente	 por	 que	 precisamos	 de	 tantas?	O	 que	 devemos
fazer	com	Alligators,	Accolade,	Amigo,	Alpha	Charlie,	Acid	Queen,	Arbuckle,
Art	Gallery,	Ashley	Crawford,	Arnold	Böcklin,	Andreena,	Amorpheus,	Angry
e	 Anytime	 Now?	 Ou	 Banjoman,	 Bannikova,	 Baylac,	 Binner,	 Bingo,
Blacklight,	 Blippo	 ou	 Bubble	 Bath?	 (E	 como	 é	 delicioso	 o	 som	de	 Bubble
Bath,	 com	 seus	 finos	 círculos	 flutuantes	 e	 interligados,	 prontos	 para
explodir	e	molhar	a	página?)
Existem	mais	de	100	mil	 fontes	no	mundo.	Mas	por	que	não	podemos
nos	ater	a	uma	meia	dúzia	–	talvez	fontes	familiares	como	Times	New	Roman,
Helvetica,	 Calibri,	Gill	 Sans,	 Frutiger	 ou	 Palatino?	 Ou	 a	 clássica	 Garamond,	 batizada
com	 o	 nome	 do	 designer	 de	 tipos	 Claude	 Garamond,	 que	 trabalhava	 em
Paris	 na	 primeira	 metade	 do	 século	 XVI	 e	 cujo	 tipo	 romano	 altamente
legível	 liquidou	 o	 ranço	 pesado	 de	 seus	 predecessores	 alemães	 e,	 mais
tarde,	adaptado	por	William	Caslon	na	Inglaterra,	forneceria	as	letras	para
a	Declaração	de	Independência	americana.
Bubble	Bath	–	light,regular	e	negrito
As	 fontes	 têm	 hoje	 560	 anos	 de	 idade.	 Assim,	 quando	 um	 inglês
chamado	Matthew	Carter	desenhou	Verdana	e	Georgia	em	seu	computador	nos
anos	1990,	o	que	podia	ele	estar	fazendo	a	um	A	e	um	B	que	não	havia	sido
feito	antes?	E	como	um	amigo	seu	desenvolveu	a	fonte	Gotham,	que	facilitou
a	chegada	de	Barack	Obama	à	Presidência?	E	o	que	exatamente	torna	uma
fonte	 presidencial	 ou	 norte-americana,	 inglesa,	 francesa,	 alemã,	 suíça	 ou
judia?
São	mistérios	 obscuros,	 e	 a	 tarefa	 deste	 livro	 é	 chegar	 ao	 cerne	deles.
Mas	 começaremos	por	um	caso	de	 cautela,	 uma	história	do	que	acontece
quando	se	perde	o	controle	sobre	uma	fonte.
Q
Um	pato	 entra	 em	 um	 bar	 e	 diz:	 “Pode	me	 servir	 uma	 cerveja,	 por
favor?”	E	o	barman	responde:	“Será	que	isso	é	pro	seu	bico?”
uanto	isso	é	engraçado?	Bastante.	Na	primeira	vez	em	que	você	ouve.	É
o	 tipo	 de	 piada	 da	 qual	 você	 consegue	 se	 lembrar	 –	 uma	 piada	 que
mostra	às	pessoas	que	você	não	é	totalmente	incapaz	de	contar	uma	piada.
Uma	criança	pode	contá-la,	ou	um	tio.	É	o	tipo	de	piada	que,	se	você	a	viu
em	um	cartão	numa	papelaria,	ela	estaria	–	como	aconteceu	acima	–	escrita
em	Comic	Sans.
Mesmo	 que	 você	 não	 saiba	 como	 a	 fonte	 se	 chama,	 já	 deve	 estar
familiarizado	com	a	Comic	Sans.	É	como	se	ela	tivesse	sido	desenhada	com
todo	 o	 cuidado	 por	 um	 menino	 de	 onze	 anos:	 letras	 uniformes	 e
arredondadas,	nada	inesperado,	o	tipo	de	formato	que	poderia	figurar	em
uma	sopa	de	letrinhas,	em	ímãs	de	geladeira	ou	no	diário	de	Adrian	Mole.
Se	você	vir	uma	palavra	em	algum	lugar	com	cada	letra	numa	cor	diferente,
essa	palavra	geralmente	estará	em	Comic	Sans.
Comic	 Sans	 é	 uma	 fonte	 que	 deu	 errado.	 Foi	 desenvolvida	 com	 um
propósito	 específico	 por	 um	 profissional	 com	 um	 sólido	 embasamento
filosófico	em	artes	gráficas,	 e	 foi	 liberada	para	o	mundo	com	um	coração
generoso.	 A	 intenção	 nunca	 foi	 provocar	 repulsa	 ou	 repugnância,	 muito
menos	 que	 a	 fonte	 terminasse	 (como	 terminou)	 na	 lateral	 de	 uma
ambulância	 ou	 em	 uma	 lápide	 num	 cemitério.	 A	 ideia	 era	 que	 fosse
engraçada.	E,	curiosamente,	nunca	foi	projetada	para	ser	uma	fonte.
A	culpa	–	embora	você	não	seja	o	primeiro	a	acusá-lo	disso,	e	ele	aceita
todas	as	críticas	com	um	genial	dar	de	ombros	–	é	de	Vincent	Connare.	Em
1994,	 Connare	 sentou-se	 diante	 do	 computador	 e	 começou	 a	 pensar	 que
poderia	melhorar	 a	 condição	 humana.	 A	maioria	 das	 boas	 fontes	 começa
dessa	forma.	No	caso	de	Connare,	ele	queria	resolver	um	problema	em	que
seus	empregadores	haviam	tropeçado	sem	pensar.
Connare	trabalhava	na	Microsoft.	Ele	entrou	para	a	empresa	não	muito
depois	de	esta	começar	a	dominar	o	mundo	digital,	mas	antes	de	passar	a
ser	 conhecida	 como	 o	 Império	 do	 Mal.	 O	 cargo	 de	 Connare	 não	 era
“designer	de	 fontes”,	pois	 isso	poderia	 ter	sugerido	algum	tipo	de	artesão
medieval	 entalhador	 de	 cadeiras,	mas	 “engenheiro	 tipográfico”.	 Ele	 havia
chegado	 da	 Agfa/Compugraphic,	 onde	 trabalhara	 no	 design	 de	 diversas
fontes,	algumas	delas	registradas	para	a	rival	da	Microsoft,	a	Apple,	e	sua
formação	inicial	era	de	fotógrafo	e	pintor.
Certo	 dia,	 no	 início	 de	 1994,	 Connare	 olhou	 para	 a	 tela	 de	 seu
computador	 e	 viu	 uma	 coisa	 estranha.	 Ele	 estava	 navegando	 por	 uma
versão	experimental	do	Microsoft	Bob,	um	pacote	de	programas	projetado
para	ser	de	fácil	utilização.	O	pacote	incluía	um	gerenciador	financeiro	e	um
editor	 de	 textos,	 e	 por	 algum	 tempo	 foi	 de	 responsabilidade	 de	 Melinda
French,	que	mais	tarde	se	tornou	a	sra.	Bill	Gates.
Connare	descobriu	que	havia	 algo	especialmente	 errado	 com	Bob:	 sua
fonte.	 As	 instruções,	 redigidas	 em	 linguagem	 acessível	 e	 com	 ilustrações
atraentes	(na	verdade,	destinadas	a	pessoas	que	de	outro	modo	poderiam
se	assustar	com	computadores),	estavam	compostas	em	Times	 New	 Roman.	O
aspecto	era	horrível,	pois	o	software	era	caloroso	e	acolhedor	e	segurava	a
mão	do	usuário,	 ao	passo	que	a	Times	New	Roman	era	 tradicional	 e	 fria.
Parecia	 uma	 escolha	 ainda	 mais	 estranha	 quando	 colocada	 junto	 às
ilustrações	infantis	que	o	acompanhavam,	principalmente	o	próprio	Bob	–
um	cãozinho	brincalhão	e	de	fala	mansa.
Connare	sugeriu	aos	designers	do	Microsoft	Bob	que	a	experiência	que
ele	 tinha	 com	 o	 software	 educacional	 e	 infantil	 da	 companhia	 poderia
qualificá-lo	para	renovar	a	aparência	de	seu	mais	novo	produto.	É	provável
que	 nem	 tenha	 sido	 preciso	 listar	 os	 motivos	 pelos	 quais	 a	 Times	 New
Roman	era	inadequada,	mas	o	primeiro	deles	era	a	onipresença	da	fonte	e	o
segundo,	 seu	 caráter	 tedioso.	 A	 fonte	 fora	 concebida	 no	 início	 dos	 anos
1930	 por	 Stanley	 Morison,	 um	 tipógrafo	 brilhante	 cuja	 influência	 na
editoração	moderna	foi	 imensa,	para	modernizar	o	 jornal	The	Times.	 Esse
trabalho	não	teve	nenhum	traço	em	comum	com	o	modo	como	os	 jornais
são	modernizados	hoje	em	dia	–	 reformulações	destinadas	basicamente	a
aumentar	a	sensação	de	juventude	e	recuperar	a	publicação	do	declínio	nas
vendas.	Sua	intenção	primordial	era	a	clareza;	Morison	sustentava	que	“um
tipo	 que	 quer	 ser	 atual	 e,	 principalmente,	 ter	 um	 futuro,	 não	 será	 nem
muito	‘diferente’	nem	muito	‘jovial’”.
Microsoft	Bob,	um	cãozinho	em	busca	de	uma	fonte
Mas	 as	 fontes	 têm	 o	 seu	 tempo	 e,	 na	 metade	 dos	 anos	 1990,	 no	 que
ainda	era	o	alvorecer	da	era	digital,	Vincent	Connare	se	pôs	a	mostrar	que
Morison	estava	enganado.
Em	diversos	sentidos,	a	Comic	Sans	já	existia	antes	de	Connare	legitimá-la
ao	 lhe	 dar	 um	 nome.	 Ela	 existia,	 é	 claro,	 nos	 cartuns	 e	 nas	 histórias	 em
quadrinhos	 (de	 fato,	 a	 fonte	 era	 chamada	 originalmente	 de	 Comic	Book).
Um	dos	quadrinhos	que	Connare	 tinha	ao	 lado	de	 sua	mesa	na	Microsoft
era	 Batman:	 O	 cavaleiro	 das	 trevas,	 de	 Frank	 Miller	 com	 Klaus	 Janson	 e
Lynn	 Varley.	 A	 revista	 contava	 a	 história	 do	 justiceiro,	 mais	 velho,
retornando	 de	 sua	 angustiada	 aposentadoria	 para	 enfrentar	 inimigos
terríveis,	apenas	para	descobrir	que	estava	mais	 impopular	do	que	nunca
entre	as	autoridades	de	Gotham.	Foi	um	sucesso	de	proporções	enormes,
pois	atingiu	um	público	que	anteriormente	se	constrangia	ao	ser	visto	com
o	 que	 estava	 então	 se	 tornando	 uma	 forma	 de	 arte	 aceitável,	 a	 graphic
novel.	 Juntamente	 com	Watchmen,	 de	 Alan	Moore	 e	 Dave	 Gibbons,	 outra
influência	 de	 Connare,	 a	 revista	 marcou	 o	 ponto	 em	 que	 os	 quadrinhos
asseguraram	seu	lugar	tanto	na	literatura	como	na	arte.
Watchmen	–	uma	inspiração	sombria	para	a	Comic	Sans
Embora	 fosse	 mais	 sinistro	 e	 tivesse	 personagens	 assombrados	 por
terríveis	demônios	 interiores,	Batman:	 O	 cavaleiro	 das	 trevas	 não	era	 tão
diferente	assim	dos	antigos	quadrinhos	da	DC	e	da	Marvel.	Seu	valor	para	o
tipógrafo	era	que	alcançava	aquela	fusão	quase	sublime	de	imagem	e	texto,
na	 qual	 um	 não	 afogava	 o	 outro,	 e	 ambos	 podiam	 ser	 simultaneamente
absorvidos.	Era	como	assistir	a	um	filme	com	uma	legenda	perfeita.	Quando
o	 Coringa,	 aparentemente	moribundo,	 cospe	 as	 palavras	 “VEREI…	 VOCÊ…	 NO
INFERNO”,	o	leitor	salta	de	um	quadro	para	outro	ofegante.	É	a	fonte	perfeita,
ou	 pelo	 menos	 a	 fonte	 perfeitamente	 adequada	 ao	 meio;	 talvez	 ficasse
estranha	numa	Bíblia.
Essa	também	era	a	meta	de	Connare,	mas	ele	tinha	consciência	de	que	o
texto	dos	quadrinhos	nem	sempre	era	usado	de	forma	tão	 linear.	Aqueles
que	não	estavam	expostos	aos	quadrinhos	durante	anos	talvez	estivessem
mais	familiarizados	com	a	fonte	da	pop	art	de	Roy	Lichtenstein,	 inspirada
tanto	 pelos	 quadrinhos	 dos	 anos	 1950	 quanto	 pela	 poesia	 dos	 discos	 de
Phil	 Spector.	 Havia	 uma	 ironia	 primitiva	 no	 uso	 de	 Lichtenstein	 das
palavras	 “WHAAM!”	 e	 “AAARRRGGGHHH!!!”,	 e	 um	 humor	 consciente	 em
suas	donzelas	 louras	que	 soluçavam:	 “Era	assim	que	devia	 ter	 começado!
Mas	não	há	esperança!”	Mas	estes	eram	tipos	chamativos,	 tipos	com	uma
mensagem	envolvente.Claro	 que	 Connare	 sabia	 que	 tanto	 Lichtenstein	 como	 o	 Batman	 de
Frank	Miller	não	usavam	 fontes,	mas	 letras	que	 tinham	sido	manuscritas
para	cada	quadrinho.	Isso	conferia	a	elas	grande	flexibilidade	e	variedade	–
o	fato	de	não	existirem	duas	letras	que	fossem	exatamente	iguais	entre	si,	a
possibilidade	de	enfatizar	uma	sílaba	graças	a	um	leve	aumento	da	pressão
na	pena	–,	mas	o	apreço	de	Connare	pela	arte	manual	nada	poderia	 fazer
para	 solucionar	 o	 problema	 do	Microsoft	 Bob.	 Esse	 novo	 software	 exigia
uma	 interface	 com	 uma	 fonte	 nova	 que	 tivesse	 o	 aspecto	 de	 ter	 sido
desenhada	por	uma	mão	criativa	e	amigável	(mão	esta	que	seguraria	a	sua
à	medida	que	você	navegasse	pelo	programa).	As	letras	de	Connare	seriam
as	mesmas	cada	vez	que	fossem	usadas,	mas	ainda	pareceriam	humanas.
Connare	utilizou	a	 ferramenta	padrão	na	época	para	projetar	 tipos	em
um	 computador	 –	 o	Macromedia	 Fontographer	 –,	 desenhando	 cada	 letra
repetidas	vezes	dentro	de	um	grid	até	obter	o	traçado	desejado.	Ele	optou
por	 um	 estilo	 que	 seria	 o	 equivalente	 de	 uma	 tesoura	 cega	 de	 criança	 –
letras	 leves,	 redondas	 e	 sem	 pontas,	 para	 não	machucar	 você.	 Desenhou
tanto	 maiúsculas	 como	 minúsculas	 e	 as	 imprimiu	 para	 examinar	 suas
dimensões	quando	colocadas	umas	ao	lado	das	outras.	Como	a	maioria	dos
designers,	 ele	 tinha	 um	modo	 de	 relaxar	 os	 olhos	 a	 fim	 de	 conseguir	 se
concentrar	no	papel	branco	por	trás	das	letras,	medindo	o	espaço	entre	os
caracteres,	o	espaço	entre	as	linhas	do	texto	e	seu	“peso”	–	se	os	traços	da
letra	 eram	 finos	 ou	 largos,	 quanta	 tinta	 usavam	 em	uma	página,	 quantos
pixels	ocupavam	na	tela.
A	Comic	Sans	em	toda	a	sua	glória	infantil
Em	seguida,	enviou	o	que	havia	feito	para	o	pessoal	que	trabalhava	no
Microsoft	 Bob,	 e	 eles	 responderam	 com	más	 notícias.	 Tudo	 no	 pacote	 de
programas	havia	sido	configurado	com	as	medidas	da	Times	New	Roman	–
não	só	a	escolha	e	o	tamanho	da	fonte,	mas	também	o	tamanho	dos	balões
de	 fala	que	a	 continham.	A	Comic	Sans	era	 ligeiramente	mais	 larga	que	a
Times	New	Roman,	e,	assim,	não	poderia	ser	simplesmente	encaixada	em
seu	lugar.
O	Microsoft	Bob	 foi	devidamente	 lançado	em	seu	estado	 formal,	 e	não
fez	 sucesso.	 Ninguém	 culpou	 oficialmente	 a	 fonte	 inadequada.	 Mas	 não
muito	 depois	 o	 trabalho	 de	 Connare	 foi	 adotado	 para	 o	Microsoft	Movie
Maker,	 um	 sucesso	 evidente.	 E	 assim,	 a	 fonte,	 que	 pretendia	 ser	 apenas
solução	para	um	problema,	decolou.
A	Comic	Sans	se	tornou	global	após	ser	incluída	como	fonte	complementar
no	Windows	95.	Agora	o	mundo	inteiro	não	só	poderia	vê-la,	como	também
usá-la.	Como	era	 irreverente	e	 ingênua,	pode	 ter	parecido	mais	adequada
ao	cabeçalho	de	um	trabalho	de	colégio	do	que	algo	com	uma	formalidade
mais	pesada	de	uma	Clarendon	(que	remonta	a	1845).	As	pessoas	também
passaram	 a	 usá-la	 em	 cardápios	 de	 restaurante,	 cartões	 de	 felicitações,
convites	 de	 aniversário	 e	 cartazes	 impressos	 em	 casa	 e	 grampeados	 em
árvores.	Foi	 como	uma	propaganda	viral	antes	de	esse	conceito	existir,	 e,
como	uma	boa	piada,	a	princípio	foi	engraçada.	Connare	explicou	por	que
ela	funcionava	tão	bem.	“Porque	às	vezes	ela	é	melhor	do	que	a	Times	New
Roman,	só	por	isso.”
Depois	a	Comic	Sans	começou	a	aparecer	em	outros	lugares:	na	 lateral
das	ambulâncias,	em	sites	pornográficos,	nas	costas	do	uniforme	da	seleção
portuguesa	 de	 basquete,	 na	BBC	 e	 na	 revista	Time,	 em	 anúncios	 de	 tênis
Adidas.	Ela	se	tornou	corporativa,	e	subitamente	a	Times	New	Roman	não
parecia	mais	tão	ruim.
Toda	vez	que	você	usar	a	Comic	Sans,	a	Faye	vai	espancar	esse	lindo	coelhinho.	“Mas	eu	não	quero
espancar	o	coelhinho!”	–	propaganda	agressiva	do	site	Ban	Comic	Sans
Na	virada	do	século,	as	pessoas	começaram	a	ficar	irritadas	com	a	Comic
Sans,	a	princípio	de	um	jeito	cômico	e	depois	de	um	modo	mais	agressivo.
Blogueiros	se	voltaram	contra	ela,	uma	coisa	perigosa,	e	Vincent	Connare
se	viu	no	 centro	de	uma	campanha	de	ódio	na	 internet.	Em	 torno	dela,	o
casal	 Holly	 e	 David	 Combs	montou	 um	 negócio	 caseiro	 em	 que	 vendiam
canecas,	 bonés	 e	 camisetas	 por	 reembolso	 postal	 com	 os	 dizeres	 “Ban
Comic	Sans”	[“Fora,	Comic	Sans”],	ao	lado	de	seu	próprio	manifesto:
Entendemos	 que	 a	 escolha	 de	 fontes	 é	 uma	 questão	 de	 preferência
pessoal	 e	 que	 muita	 gente	 pode	 discordar	 de	 nós.	 Acreditamos	 na
santidade	da	tipografia	e	que	as	tradições	e	as	normas	estabelecidas
desse	 ofício	 devem	 ser	 defendidas	 o	 tempo	 inteiro	 …	 As	 próprias
qualidades	 e	 características	 das	 fontes	 comunicam	 aos	 leitores	 um
significado	que	ultrapassa	a	mera	sintaxe.
Os	Combs,	coautores	de	um	livro	chamado	Peel,	que	documenta	a	história
social	 do	 adesivo,	 conheceram-se	 em	 um	 sábado	 numa	 sinagoga	 em
Indianápolis;	 Holly	 conta	 que	 se	 apaixonou	 assim	 que	 eles	 começaram	 a
conversar	 sobre	 fontes.	 Ambos	 eram	 claramente	 fãs	 de	 tipos	 com
autenticidade	e	propósito,	como	o	manifesto	evidencia:
Ao	desenhar	uma	placa	de	“Não	Entre”,	o	mais	adequado	é	usar	uma
fonte	 de	 traços	 pesados,	 chamativa,	 como	 	 ou	 Arial	 Black.
Compor	uma	mensagem	como	essa	em	Comic	Sans	 seria	 ridículo	…	 tal
como	comparecer	a	um	evento	de	gala	fantasiado	de	palhaço.
O	manifesto	dos	Combs	começou	então	a	soar	como	algo	que	os	futuristas
escreveriam	após	muito	absinto,	conclamando	o	proletariado	a	um	levante
contra	 o	 mal	 da	 Comic	 Sans	 e	 a	 endossar	 um	 abaixo-assinado	 por	 sua
proibição.
O	site	deles	atraiu	reação	internacional,	destacando	o	grande	alcance	e	a
rápida	 disseminação	 de	 uma	 fonte	 no	 mundo	 digital.	 Um	 comentário	 da
África	 do	 Sul	 lamentava:	 “Sou	 obrigado	 a	 estudar	 uma	 língua	 nacional
chamada	afrikaans,	que	é	parecida	com	o	flamengo.	Quase	todos	os	 livros
são	impressos	INTEIRAMENTE	em	Comic	Sans.”
A	 campanha	 também	 demonstrou	 muito	 bem	 que	 o	 público,	 fora	 do
mundo	do	design	de	 tipos,	 tem	consciência	e	opinião	acerca	da	aparência
cotidiana	das	palavras.	O	Wall	Street	 Journal	publicou	uma	coluna	sobre	a
Comic	Sans	e	o	movimento	para	bani-la	 em	sua	primeira	página	 (em	sua
rígida	 fonte	 Dow	 Text	 e	 um	 cabeçalho	 frio	 em	Retina),	 explicando	 que	 a
fonte	estava	tão	fora	de	moda	que	estava	se	tornando	retrô	chic,	como	as
lava	lamps.	A	Design	Week	chegou	até	a	usar	a	Comic	Sans	na	capa,	com	um
provocador	 balão	 de	 fala	 em	 estilo	 Lichtenstein	 perguntando:	 “A	 fonte
favorita	do	mundo!?”
Os	Combs,	na	verdade,	não	acreditam	que	a	fonte	seja	a	praga	de	nosso
tempo.	 Nas	 entrevistas	 eles	 parecem	 razoáveis:	 “A	 Comic	 Sans	 fica
excelente	 em	uma	embalagem	de	bala”,	 diz	Dave	Combs.	 “Um	 lugar	 onde
não	 fica	 bem,	 em	minha	 opinião,	 é	 numa	 sepultura.”	 Você	 já	 viu	mesmo
isso?	“Sim,	realmente	vi.”	Onde	mais	vocês	acham	que	não	ficou	bom?	“Eu
estava	no	consultório	de	um	médico”,	lembra-se	Holly	Combs,	“e	havia	um
folheto	inteiro	descrevendo	a	síndrome	do	cólon	irritável…”.
Connare	poderia	ter	encarado	isso	de	duas	maneiras,	mas	ele	foi	inteligente
e	agradeceu	a	atenção.	Saiu	em	defesa	da	Comic	Sans,	mas	também	admitiu
suas	 limitações	 estritas.	 Como	 os	 lexicógrafos	 do	 dicionário	 Johnson,
designers	de	tipo	raramente	podem	esperar	aclamação,	mas	fazem	bem	em
evitar	recriminações.	E	raramente	recebem	fama	ignominiosa,	ao	contrário
de	 Connare,	 que	 por	 um	momento	 se	 tornou	 o	mais	 famoso	 designer	 de
tipos	do	mundo.
Nos	mais	de	quinze	anos	após	ter	desenvolvido	a	Comic	Sans,	Connare
desenhou	várias	outras	fontes	que	merecem	atenção,	sendo	a	mais	notável
a	 Trebuchet,	 que	 é	 uma	 fonte	 humanista	 semiformal	 e	 delicadamente
arredondada,	ideal	para	web	design.*	Mas	a	fama	de	Connare	reside	em	sua
criação	original.	“A	maioria	das	pessoas	do	dia	a	dia	que	não	estão	em	meu
ramo	 conhece	 a	 fonte”,	 diz	 ele.	 “Sou	 apresentado	 como	 o	 cara	 da	 Comic
Sans.	 ‘O	 que	 você	 faz?’,	 eles	 me	 perguntam.	 ‘Sou	 designer	 de	 tipos.’
‘Designer	 de	 quê?’	 ‘Você	 jádeve	 ter	 ouvido	 falar	 da	 Comic	 Sans.’	 E	 todo
mundo	diz	que	sim.”
Um	motivo	para	isso	podem	ser	os	atributos	emocionais	da	Comic	Sans,
principalmente	 sua	 afabilidade.	 Connare	 escreveu	 uma	monografia	 sobre
seu	 próprio	 herói	 dos	 tipos,	 William	 Addison	 Dwiggins,	 que	 em	 1935
projetou	 a	 Electra,	 uma	 fonte	 robusta	 para	 livros,	 que	 ele	 concebeu	 para
refletir	a	ruidosa	era	da	máquina,	as	arestas	como	centelhas	e	fagulhas	de
uma	 fornalha.	 Essa	 também	 era	 uma	 fonte	 emocional,	 e	 Dwiggins
vislumbrou	uma	conversa	na	qual	ele	 justificaria	 suas	ambições.	 “Se	você
não	 consegue	 tornar	 sua	 fonte	 cálida,	 ela	 não	 terá	 utilidade	 alguma	 para
compor	 ideias	humanas	cálidas	 –	vai	 ser	 só	uma	caixa	 cheia	de	 rebites	…
Minha	 nossa,	 eu	 queria	 fazer	 uma	 fonte	 que	 fosse	 a	 cara	 de	 1935,	 mas
queria	 que	 ela	 fosse	 cálida	 –	 tão	 cheia	 de	 sangue	 e	 personalidade	 que
saltasse	em	você.”	(Dwiggins	gostava	de	cunhar	expressões:	credita-se	a	ele
a	invenção	do	termo	“design	gráfico”.)
Connare	 às	 vezes	 é	muito	 parcimonioso	 acerca	 de	 sua	 fama.	 “Se	 você
ama	a	Comic	Sans,	você	não	sabe	muito	sobre	 tipografia.	Se	você	a	odeia,
você	 tampouco	 sabe	 muito	 sobre	 tipografia,	 e	 deveria	 procurar	 outro
passatempo.”	 E	 outras	 vezes,	 em	 lugar	 de	 regalar	 novos	 conhecidos	 com
toda	 a	 epopeia	 ingênua,	 ele	 é	 capaz	 de	 lhes	 enviar	 uma	 apresentação	 de
slides	em	pdf.	Esta	contém	não	apenas	os	usos	bizarros	de	sua	fonte,	mas
também	uma	carta	que	recebeu	dos	organizadores	da	campanha	para	banir
a	 Comic	 Sans	 agradecendo-o	 por	 ser	 “boa	 gente”	 e,	 alguns	 slides	 depois,
uma	carta	de	agradecimento	da	Disney	após	esta	 ter	usado	a	Comic	Sans
em	 seus	 parques	 temáticos	 (assinada	 por	Mickey	Mouse).	 Sua	 conclusão
quanto	ao	motivo	pelo	qual	a	Comic	Sans	se	tornou	uma	das	fontes	de	uso
mais	amplo	no	mundo	é	fascinante:	as	pessoas	gostam	dela,	diz	ele,	“porque
ela	não	parece	uma	fonte”.
Minha	 nossa,	 é	 verdade.	 Isso	 sugere	 que,	 mesmo	 na	 era	 digital,	 não
sabemos	muito	 sobre	 tipos,	 e	 podemos	 realmente	 nos	 assustar	 com	eles.
Eis	aqui	algo	que	sempre	foi	central	em	nossa	vida,	mas	quando	o	menu	nos
oferece	a	oportunidade	de	escolher	tipos	para	nossos	próprios	fins,	parece
que	 optamos	 por	 aquele	 que	 mais	 nos	 lembra	 a	 sala	 de	 aula.	 A	 cada
oportunidade	nosso	computador	pergunta	se	gostaríamos	de	passar	o	dia
com	Baskerville,	Calibri,	Century,	Georgia,	Gill	 Sans,	 Lucida,	Palatino	 ou	Tahoma.	Mas
escolhemos	a	velha	Comic	Sans.
Talvez	 isso	 seja	 exatamente	 como	 deve	 ser.	 Em	 sua	 tentativa	 de	 se
parecer	com	uma	caligrafia,	a	Comic	Sans	tem	suas	raízes	em	tipos	da	Idade
Média.	 É	 a	 conclusão	 lógica	 para	 uma	 inovação	 tecnológica	 que
transformou	tudo.	Claro	que	se	Johannes	Gutenberg	tivesse	imaginado	que
seu	maior	esforço	terminaria	como	uma	placa	engraçada	acima	de	uma	sala
de	velório	ele	bem	poderia	ter	agarrado	toda	a	tinta	de	imprimir	da	Europa
com	os	próprios	dedos	gordos	e	manchados	e	lançado	ao	mar.
Mas	 ora,	 Johannes,	 relaxe!	 Conte	 uma	 piada!	 Como	 observou	 o	Wall
Street	Journal,	pelo	menos	a	Comic	Sans	evoluiu	da	barra	de	ferramentas	do
computador	para	se	tornar	uma	bela	tirada:
Comic	Sans	entra	num	bar	e	o	bartender	diz:
–	Não	servimos	gente	do	seu	tipo.
*	Tanto	a	Trebuchet	como	a	Comic	Sans	são	altamente	consideradas	por	aqueles	que	trabalham	com
crianças	disléxicas,	pois	por	sua	nitidez	simples	e	inofensiva	elas	se	provam	muito	mais	acessíveis	do
que	fontes	mais	duras	e	tradicionais.
No	 dia	 25	 de	 setembro	 de	 2007,	 uma	 mulher	 chamada	 Vicki	 Walkercometeu	 um	 crime	 tipográfico	 tão	 calamitoso	 que	 lhe	 custou	 não
somente	o	emprego,	mas	quase	a	sua	sanidade.	Walker	estava	trabalhando
como	contadora	em	uma	seguradora	de	saúde	da	Nova	Zelândia	e	precisava
enviar	um	e-mail.	Lamentavelmente,	ela	 ignorava	a	única	regra	conhecida
por	todos	os	que	já	enviaram	e-mails	na	vida:	LETRAS	MAIÚSCULAS	DÃO	A
IMPRESSÃO	 DE	 QUE	 VOCÊ	 ODEIA	 ALGUÉM	 E	 DE	 QUE	 ESTÁ	 GRITANDO
COM	A	PESSOA.
Era	uma	tarde	de	terça-feira.	Walker	digitou	esta	orientação	e	clicou	em
“Enviar”:
PARA	GARANTIR	QUE	O	PEDIDO	DE	SEU	PESSOAL	SEJA	PROCESSADO	E	PAGO,	SIGA,	POR
FAVOR,	A	LISTA	DE	CHECAGEM	ABAIXO.
Em	muitos	 sentidos	 não	 se	 tratava	 da	 palavra	 escrita	 em	 sua	melhor
forma,	mas	não	chegava	a	ser	um	delito	para	demissão.	As	letras	estavam
em	 azul	 e	 o	 e-mail	 também	 continha	 trechos	 em	 negrito	 em	 preto	 e	 em
vermelho.	Ela	 trabalhava	para	a	ProCare,	em	Auckland,	uma	empresa	que
visivelmente	se	orgulhava	muito	de	saber	quando	usar	ou	não	a	tecla	das
maiúsculas,	embora	não	houvesse	um	guia	de	etiqueta	para	redação	de	e-
mails	na	época	em	que	Vicki	Walker	carregou	ostensivamente	na	caixa	alta.
Caixa	alta	e	baixa?	O	termo	deriva	da	posição	dos	tipos	de	metal	ou	de
madeira	 dispostos	 diante	 do	 tipógrafo	 tradicional	 antes	 de	 serem	usados
para	 formar	uma	palavra	–	os	mais	 frequentes	em	um	nível	mais	baixo	e
mais	acessível,	 as	 letras	maiúsculas	acima	deles,	esperando	a	vez.	Mesmo
com	essa	distinção,	o	compositor	ainda	tinha	que	“cuidar	de	seus	Ps	e	Qs”,*
de	tanto	que	essas	duas	letras	se	pareciam,	quando	um	bloco	de	tipos	era
desmontado	 e	 cada	 letra	 jogada	 de	 volta	 em	 seu	 compartimento	 na
bandeja.
O	 uso	 considerado	 correto	 dos	 tipos	 varia	 ao	 longo	 do	 tempo.
Atualmente,	decretos	empresariais	são	comuns	e	os	memorandos	chegam
de	cima	como	tabuletas	de	pedra:	não	deveis	usar	outra	fonte	que	não	Arial
tanto	para	comunicados	internos	quanto	para	comunicados	externos.	Mas
quem	pode	dizer	que	a	caixa	baixa	da	Arial	de	1982	é	preferível	às	CAPITULARES	DE
TRAJANO	usadas	nos	frontões	dos	prédios	públicos	da	Roma	antiga?	E	como
nossos	olhos	deixaram	de	aceitar	uma	em	 favor	da	outra,	até	o	ponto	em
que	 uma	 escolha	 impensada	 de	 todas	 em	 maiúscula	 se	 tornasse	 motivo
para	dores	de	cabeça	e	demissões?
A	caixa	alta	e	a	caixa	baixa
Vicki	Walker	foi	demitida	três	meses	depois	que	seu	e-mail	foi	acusado
de	ter	provocado	“desarmonia	no	local	de	trabalho”,	o	que	teria	sido	motivo
de	riso	se	não	lhe	tivesse	causado	tanto	dissabor.	Vinte	meses	depois,	após
ter	que	hipotecar	a	casa	de	novo	e	pegar	dinheiro	emprestado	com	a	irmã
para	defender	sua	causa,	Vicki	apelou	com	sucesso	por	demissão	injusta	e
recebeu	17	mil	dólares	de	indenização.
Sempre	 houve	 regras	 e	 etiqueta	 para	 o	 uso	 de	 tipos.	 Digamos	 que	 você
esteja	projetando	uma	capa	para	uma	nova	edição	de	Orgulho	e	preconceito,
de	 Jane	Austen.	O	 livro	está	 em	domínio	público	 e	por	 isso	não	 lhe	 custa
nada,	a	bela	ilustração	de	capa	de	um	jardim	secreto	foi	feita	por	um	amigo
e	agora	tudo	o	que	você	tem	a	fazer	é	escolher	uma	fonte	adequada	para	o
título	e	o	nome	da	autora	e,	em	seguida,	para	o	texto	do	miolo.	Para	os	tipos
da	 capa,	 a	 sabedoria	 convencional	 seria	 escolher	 algo	 como	 Didot,	 que
surgiu	por	volta	da	época	em	que	Austen	estava	escrevendo	e	parece	muito
elegante	com	sua	grande	amplitude	de	contraste	entre	linhas	finas	e	linhas
mais	 fortes,	 principalmente	 em	 itálico	 (Orgulho	 e	preconceito).	Essa	 fonte
será	muito	adequada	e	venderá	livros	para	pessoas	que	gostam	de	edições
clássicas.	Mas	se	você	quisesse	alcançar	um	público	diferente,	do	tipo	que
poderia	ler	Kate	Atkinson	ou	Sebastian	Faulks,	você	poderia	optar	por	algo
menos	 rançoso,	 talvez	 a	 Ambroise	 Light,	 que,	 como	 a	 Didot,	 possui	 um
pedigree	francês	elegante.
Para	o	miolo	do	 livro,	 você	poderia	 considerar	uma	atualização	digital
da	Bembo	–	quem	sabe	a	Bembo	Book?	Originalmente	aberta	em	metal	nos
anos	 1490,	 essa	 fonte	 romana	 clássica	 retém	 uma	 leiturabilidade
duradoura.	 E	 se	 encaixa	no	princípio	primordial	 de	que	 as	 fontes	devem,
em	 geral,	 passar	 despercebidas	 na	 vida	 cotidiana;	 de	 que	 elas	 devem
informar,	 não	 alarmar.	 Uma	 fonte	 de	 capa	 de	 um	 livro	 deve	meramente
convidar	o	leitor	a	entrar;	uma	vez	que	tenha	criado	a	atmosfera	desejada,
o	melhor	é	que	ela	saiade	mansinho,	como	a	anfitriã	de	uma	festa.
Claro	 que	 existem	 exceções,	 e	 uma	 das	 mais	 brilhantes	 é	 a	 edição
original	do	best-seller	de	John	Gray,	Homens	são	de	Marte,	mulheres	são	de
Vênus,	no	qual	o	designer	Andrew	Newman	escolheu	Arquitectura	para	as
linhas	 relativas	 aos	 homens	 e	 Centaur	 para	 as	 relativas	 às	 mulheres.
Arquitectura	parece	uma	fonte	máscula	porque	é	alta,	sólida,	tem	um	leve
toque	de	era	 espacial,	 é	 arraigada	e	 implacável.	A	Centaur,	 apesar	de	 seu
nome	 macho,	 parece	 ter	 sido	 escrita	 à	 mão,	 possui	 traços	 fluidos	 e	 é
atraente	 e	 elegante	 (é	 óbvio	 que	 isso	 é	 um	 estereótipo	 sexual	 grosseiro,
mas	Homens	são	de	Marte,	mulheres	são	de	Vênus	é	psicologia	popular).
As	fontes	também	têm	estereótipo	sexual
Portanto,	esta	é	outra	regra:	fontes	podem	ter	gênero.	O	entendimento	é
que	fontes	grossas,	pesadas	e	com	arestas	pontiagudas	são	principalmente
masculinas	 (experimente	 ),	 e	 fontes	 fantasiosas,	 mais	 leves	 e
curvilíneas	são	principalmente	femininas	(talvez	a	 ,
da	Adobe	Wedding	Collection).	É	possível	subverter	essa	regra,	mas	nunca
as	associações	automáticas	insinuadas	pelos	tipos.	O	mesmo	ocorre	com	a
cor:	se	você	vê	um	bebê	vestido	de	cor-de-rosa,	é	uma	menina.	Os	tipos	nos
condicionam	desde	o	nascimento,	e	foram	necessários	mais	de	quinhentos
anos	para	começarmos	a	nos	libertar	deles.
Johannes	Gutenberg	não	prestou	muita	atenção	ao	gênero	da	fonte	quando
fez	 suas	 primeiras	 letras,	 nos	 anos	 1440.	 E	 não	 se	 importou	 muito	 em
encontrar	 uma	 fonte	 adequada	 para	 cada	 novo	 projeto	 ou	 mesmo	 em
mudar	o	curso	da	história	ocidental.	O	que	importava	para	ele	era	ganhar
dinheiro.
Gutenberg	nasceu	em	Mainz,	perto	de	Frankfurt,	e	era	filho	de	um	rico
comerciante	 ligado	 à	 casa	 da	 moeda	 local.	 Sua	 família	 se	 mudou	 para
Estrasburgo	quando	ele	 ainda	era	novo,	mas	os	detalhes	do	 início	de	 sua
vida	 ativa	 são	 nebulosos.	 Existem	 registros	 de	 seu	 envolvimento	 com
pedras	preciosas,	metalurgia	e	espelhos,	mas	sabe-se	que	no	final	dos	anos
1440	 ele	 estava	 de	 volta	 a	 Mainz	 tomando	 dinheiro	 emprestado	 para
fabricar	tinta	e	equipamento	de	impressão.
A	visão	de	Gutenberg	envolvia	automação,	constância	e	reciclagem.	Não
é	provável	que	ele	tenha	conhecido	os	antiquíssimos	métodos	de	impressão
da	China	e	da	Coreia,	a	maioria	dos	quais	envolvia	a	produção	de	livros	de
uma	só	vez	com	blocos	de	madeira	e	tipos	fundidos	em	bronze.	Certamente
ele	foi	o	primeiro	a	ter	dominado	os	princípios	da	produção	em	massa	na
Europa,	e	suas	inovações	com	a	moldagem	de	letras	reutilizáveis	definiu	o
padrão	de	impressão	para	os	quinhentos	anos	seguintes.	O	livro	se	tornou
mais	barato	e	mais	disponível,	e	o	que	outrora	era	da	esfera	exclusiva	da
Igreja	e	dos	ricos	com	o	tempo	se	tornou	fonte	de	prazer	e	esclarecimento
para	todas	as	classes	educadas.	Que	ferramenta	perigosa	ele	liberou.
Como	isso	foi	alcançado?	Com	destreza,	paciência	e	alguma	criatividade.
A	experiência	de	Gutenberg	com	ferraria	 lhe	havia	ensinado	os	princípios
dos	metais	rígidos	e	macios,	e	da	forja	de	selos	e	outros	símbolos	em	prata
e	ouro.	Ele	estava	igualmente	familiarizado	com	ligas	líquidas	e,	em	algum
momento	no	final	dos	anos	1440,	é	provável	que	uma	ideia	tenha	se	forjado
em	 sua	 mente:	 e	 se	 todas	 essas	 técnicas	 combinadas	 pudessem	 ser
aplicadas	à	impressão?
Todos	os	 livros	que	Gutenberg	havia	visto	até	aquele	momento	 teriam
sido	escritos	à	mão.	Aos	olhos	modernos,	aquela	escrita	pode	muitas	vezes
parecer	 quase	 mecânica,	 embora	 seja	 resultado	 de	 penoso	 trabalho
realizado	por	um	escriba	profissional	debruçado	durante	meses	sobre	um
único	 volume.	 Palavras	 completas	 poderiam	 ser	 gravadas	 em	 blocos
individuais	de	metal	ou	madeira	e	depois	entintadas,	mas	isso	aumentaria
ainda	 mais	 o	 tempo	 de	 produção	 de	 um	 livro.	 Mas	 e	 se	 fosse	 possível
transformar	 esse	 processo	 pela	 moldagem	 de	 um	 alfabeto	 em	 pequenas
peças	de	tipos	móveis	que	pudessem	ser	reutilizadas	e	reconfiguradas	toda
vez	que	fosse	preciso	redigir	uma	nova	página	de	um	documento	ou	livro?
Gravura	de	1568	registrando	os	primeiros	impressores	trabalhando.	Ao	fundo,	os	compositores
organizam	os	tipos	fundidos
Não	 se	 conhece	 o	método	 preciso	 de	 fundição	 de	 tipos	 de	 Gutenberg,
mas	 a	 sabedoria	 popular	 sugere	 que	 fosse	 pelo	 menos	 parecido	 com	 o
primeiro	processo	documentado	de	duas	décadas	depois	(e	o	método	que
dominou	a	 impressão	até	1900).	Este	começa	pelo	entalhe	das	punções	–
esculpir	uma	letra	ao	contrário	na	ponta	de	uma	punção,	uma	barra	de	aço
de	alguns	centímetros	de	comprimento.	A	punção	é	então	martelada	em	um
metal	mais	mole,	geralmente	cobre,	formando	uma	“matriz”	entalhada	a	ser
encaixada,	com	a	ajuda	de	uma	mola,	em	um	molde	de	madeira	seguro	pela
mão.	 Metal	 quente	 –	 uma	 mistura	 de	 chumbo,	 estanho	 e	 antimônio	 –	 é
vertido	dentro	do	molde	com	uma	concha	e	rapidamente	endurece	em	uma
letra	 individual	 em	 umas	 das	 faces	 do	 bloco	 do	 tipo,	 pronto	 para	 ser
alinhado	em	palavras.	Resumindo,	é	assim	que	nasce	uma	fonte,	embora	o
processo	 de	 espacejamento,	 moldagem	 e	 acabamento	 seja	 muito	 mais
sofisticado	 do	 que	 o	 sugerido	 aqui.	 Cada	 alfabeto	 regular	 seria	 ampliado
por	muitas	letras	duplicadas,	bem	como	por	pontuação	e	espaços;	acredita-
se	 que	 Gutenberg	 tenha	 moldado	 quase	 trezentos	 caracteres	 diferentes
para	sua	Bíblia	de	dois	volumes	e	1.282	páginas,	publicada	em	1454-55.
Uma	 vez	 pronta	 a	 fonte,	 uma	 página	 espelhada	 seria	 cuidadosamente
montada	em	uma	moldura	ou	“caixilho”	de	madeira,	e	uma	vez	impressas
cópias	 suficientes,	 o	 bloco	 era	 desmontado	 e	 os	 tipos,	 reutilizados.	 A
impressão	acelerou	o	processo,	ao	passo	que	os	tipos	o	baratearam;	assim,
testemunhamos	o	nascimento	da	produção	em	massa.
A	 amplitude	 dos	 feitos	 de	 Gutenberg	 é	 inestimável.	 Ele	 não	 só
desenvolveu	 a	prensa	de	 impressão,	mas	 também	novas	 tintas	 a	 óleo	 (as
tintas	 à	 base	 de	 água	 não	 aderiam	 ao	 metal),	 além	 do	 que	 pode	 ser
considerado	 o	 primeiro	 exemplo	 de	 marketing	 de	 livros.	 Ele	 empregou
vinte	 assistentes,	 alguns	 dos	 quais	 na	 função	 de	 vendas;	 em	 uma	 versão
inicial	da	Feira	do	Livro	de	Frankfurt	 em	1454,	 todos	os	180	exemplares
impressos	de	sua	Bíblia	foram	vendidos	antes	da	publicação.
O	 papel	 de	 Gutenberg	 na	 disseminação	 do	 debate,	 da	 ciência	 e	 da
dissidência	 –	 a	 impressão	 como	 porta-voz	 dual	 da	 razão	 e	 da	 loucura
humanas	–	já	se	fazia	sentir	no	momento	de	sua	morte,	em	1468.	(Ele	não
morreu	 rico,	 tendo	 entregado	 seu	 equipamento	 de	 impressão	 após	 uma
infrutífera	 batalha	 legal	 com	 seu	 principal	 benfeitor,	 Johannes	 Fust.)	Mas
sua	 contribuição	 na	 criação	 de	 tipos	 é	 menos	 clara	 e	 certamente	 outro
nome	merece	 igual	 reconhecimento.	Acredita-se	 que	Peter	 Schoeffer,	 que
se	juntou	a	Gutenberg	em	Mainz	após	estudar	caligrafia	na	Sorbonne,	tenha
desempenhado	 um	 papel	 fundamental	 nas	 primeiras	 experiências	 de
abertura	de	punções,	embora	sua	importância	tenha	sido,	em	grande	parte,
esquecida.
Os	 primeiros	 textos	 de	 Gutenberg	 e	 Schoeffer	 se	 pareciam	 com	 –	 na
verdade	imitavam	–	letras	escritas	à	mão,	em	parte	porque	era	a	isso	que	as
pessoas	 estavam	 habituadas,	 e	 em	 parte	 porque	 ele	 acreditava	 que	 essa
seria	 a	 única	 maneira	 de	 seus	 livros	 alcançarem	 o	 mesmo	 preço	 de
mercado	 daqueles	 que	 estavam	 substituindo.	 Os	 tipos	 usados	 para	 sua
famosa	 Bíblia	 passaram	 a	 ser	 conhecidos	 como	 Textura	 –	 que	 deve	 seu
nome	a	uma	das	“mãos	escritoras”	da	época,	parte	de	um	grupo	conhecido
como	escrita	Schwabacher	(letra	negra),	preferida	pelos	monges	escribas.
Mas	em	outros	trabalhos,	entre	eles	as	Indulgências	de	Mainz	(documentos
da	 Igreja	 comprados	 por	 um	 “pecador”	 e	 que	 determinavam	 um	período
adequado	de	penitência),	a	 fonte	tinha	um	toque	mais	aberto	e	humano	e
passou	a	ser	conhecida	como	Bastarda.
A	primeira	fonte	do	mundo–	Textura,	de	Gutenberg
Na	British	Library,	em	Londres,	há	um	exemplar	da	Bíblia	de	Gutenberg
sob	 um	 vidro	 espesso	 em	 uma	 sala	 fracamente	 iluminada	 no	 primeiro
andar,	 onde	 ela	 divide	 espaço	 silencioso	 com	 outros	 tesouros	 –	 como	 a
Magna	Carta,	os	Evangelhos	de	Lindisfarne	e	o	Missal	de	Sherborne,	além
do	 diário	 do	 Capitão	 Scott,	 um	 manuscrito	 de	 Harold	 Pinter	 e	 letras	 de
música	 escritas	 à	 mão	 pelos	 Beatles.	 A	 Bíblia	 é	 impressa	 em	 papel	 (a
biblioteca	 possui	 outra	 impressa	 em	 velino),	 sua	 origem	 é	 cercada	 de
intriga	 e	 ela	 tem	 rasuras	 nas	 páginas	 de	 abertura.	 É	 uma	 das	 48	 cópias
sobreviventes	 das	 quais	 se	 tem	 conhecimento	 (a	 maioria	 delas	 está
incompleta	 –	 existem	 apenas	 doze	 cópias	 intactas	 em	 papel	 e	 quatro	 em
velino),	 e	 cada	 uma	 tem	 variações	 no	 texto,	 número	 de	 linhas,
espacejamento	 e	 iluminuras.	 Por	 meio	 de	 espectroscopia	 foi	 possível
descobrir	 os	 pigmentos	 exatos	 empregados	 nas	 capitulares	 iluminadas	 e
nas	 linhas	 de	 abertura,	 uma	 combinação	 de	 amarelo-ocre,	 vermelhão,
verdete,	giz,	gesso-de-paris,	branco-chumbo	e	preto-carbono.
Atualmente	a	digitalização	nos	permite	visualizar	as	cópias	on-line	sem
que	seja	preciso	uma	viagem	até	a	Euston	Road,	embora	fazer	isso	seria	nos
furtar	 a	 um	 dos	 grandes	 prazeres	 da	 vida.	 O	 primeiro	 livro	 impresso	 na
Europa	–	pesado,	 luxuoso,	pungente	e	 frágil	–	não	é	muito	bom	de	 ler	em
um	iPhone.
As	 fontes	 eram	 conhecidas	 na	 Inglaterra	 com	 a	 grafia	 founts.	 Fontes	 ou
founts	não	eram	o	mesmo	que	tipografia,	e	tipografia	não	era	o	mesmo	que
tipo.	Na	Europa,	a	transição	de	fount	para	font	se	concluiu	basicamente	por
volta	 da	 década	 de	 1970,	 uma	 reticente	 aceitação	 da	 americanização	 da
palavra.	 As	 duas	 eram	 usadas	 de	 modo	 intercambiável	 já	 na	 década	 de
1920,	embora	alguns	bigodudos	tradicionalistas	ingleses	ainda	insistissem
em	fount	de	uma	maneira	elitista,	na	esperança	de	que	isso	estendesse	sua
autenticidade	 ao	 passado	 até	 remontar	 a	 Caxton,	 o	 grande	 impressor
britânico	 de	 Chaucer.	 Mas	 a	maioria	 das	 pessoas	 deixou	 de	 se	 importar.
Existem	coisas	mais	importantes	com	que	se	preocupar,	tais	como	o	que	de
fato	significa	a	palavra.
No	 tempo	 em	que	 os	 tipos	 eram	 compostos	 à	mão,	 uma	 fonte	 era	 um
conjunto	completo	de	letras	de	um	tipo	em	um	tamanho	e	estilo	específicos,
cada	a,	b	e	c	diferente	em	caixa	alta	e	baixa,	cada	sinal	de	libra	ou	dólar	e
marca	 de	 pontuação.	 Haveria	 muitas	 duplicatas,	 a	 quantidade	 exata
dependendo	de	seu	uso	comum,	mas	sempre	mais	Es	do	que	Js.	A	palavra	é
derivada	de	“fundo”	[fund],	ou	seja,	o	estoque	(ou	quantidade)	de	tipos	do
qual	 as	 letras	 são	 selecionadas.	 Em	 nossos	 dias,	 fonte	 refere-se
simplesmente	 a	 uma	 determinada	 tipografia,	 que	 pode	 ter	 dez	 ou	 vinte
fontes,	cada	uma	com	peso	e	estilo	diferentes.	Mas	em	linguagem	corrente
usamos	fonte	e	tipografia	de	modo	intercambiável,	e	há	pecados	piores.
As	 definições	 não	 devem	 turvar	 nossa	 apreciação	 dos	 tipos,	 mas
algumas	 classificações	podem	ser	úteis	no	entendimento	da	história	 e	no
tratamento	 do	 assunto.	 Assim	 como	 é	 inteiramente	 possível	 passar	 uma
tarde	 agradável	 em	uma	 galeria	 sem	nenhum	 conhecimento	 de	 teoria	 da
arte	 ou	 do	 lugar	 de	 um	 artista	 no	 firmamento,	 pode-se	 vagar	 pelas	 ruas
admirando	 os	 tipos	 nas	 placas	 e	 lojas	 sem	 sequer	 atentar	 para	 a	 sua
história.	Mas	nosso	amor	por	eles	pode	aumentar	se	 soubermos	quem	os
fez	e	com	que	objetivo.	Para	 isso,	precisamos	definir	algumas	palavras	na
linguagem	tipográfica.
Em	 1977,	 o	 jornal	 Guardian	 deu	 um	 elaborado	 e	 agora	 famoso	 trote	 de
Primeiro	de	Abril	marcando	o	décimo	aniversário	da	independência	de	San
Serriffe:	uma	república	cujo	próprio	nome	foi	tirado	do	universo	das	fontes.
Flutuando	 livremente	 no	 oceano	 Índico,	 o	 Estado	 havia	 passado	 por	 um
período	de	rápida	prosperidade	 (devido	em	grande	parte	a	 suas	reservas
de	 fosfato),	 e	 o	 suplemento	 de	 sete	 páginas	 estava	 cheio	 de	 informações
intrigantes	sobre	as	medidas	benignas	do	general	Che	Paica	para	reprimir	o
sindicalismo,	sobre	o	porto	de	Clarendon,	a	língua	Caslon	e	os	hábitos	dos
nativos	Flong	de	frequentar	o	teatro.
Arquipélago	de	San	Serriffe:	as	ilhas	de	Caissa	Superiore	e	Inferiore.	Atenção	para	a	sedutora	praia
de	Gill	Sands	na	enseada	da	ilha	de	baixo
O	 trote	 era	 um	 cruzamento	 entre	 Bananas,	 de	 Woody	 Allen,	 e	 o
programa	 de	 rádio	 da	 BBC	Mornington	 Crescent	 –	 um	 universo	 paralelo
onde	somente	os	de	coração	mais	duro	poderiam	emporcalhar	suas	praias
(Gill	 Sands)	de	 cinismo.	Alguns	 leitores,	 segundo	 se	diz,	 tentaram	marcar
férias	no	arquipélago,	mas	os	agentes	de	viagem	não	conseguiram	localizar
o	Aeroporto	 Internacional	 de	Bodoni,	 a	 pitoresca	 enseada	de	Garamondo
ou	 o	 vasto	 cinturão	 da	 inóspita	 Perpetua.	 Tiveram	 dificuldade	 até	 para
localizar	 as	 próprias	 ilhas,	 tanto	 a	 redonda	 Caissa	 Superiore	 como	 a
curvilínea	Caissa	 Inferiore,	que,	 juntas,	adquiriam	a	 forma	de	um	ponto	e
vírgula.	 San	 Serriffe	 caiu	 no	 esquecimento,	 e	 talvez	 por	 causa	 disso	 os
leitores	 não	 familiarizados	 com	 o	 saber	 popular	 sobre	 tipografia	 tenham
precisado	desencavar	um	dicionário.
Tanto	Bodoni	como	Baskerville	são	fontes	com	serifa,	enquanto	Gill	Sans	é
uma	 sem	 serifa,	 ou	 sans	 serif.	 A	 diferença	 reside	 nas	 extremidades	 das
letras,	com	uma	fonte	com	serifa	portando	um	traço	de	acabamento	que	em
geral	parece	apoiar	a	letra	na	página.	Este	traço	poderia	ser	a	base	de	um	E,
M,	N	ou	P,	mas	também	poderia	ser	a	espora	de	um	r	ou	a	ascendente	de
um	k.	Isso	faz	as	letras	parecerem	tradicionais,	conservadoras,	honestas	e
esculpidas	–	e	 sua	 linhagem	remonta	ao	 imperador	 romano	Trajano,	 cuja
Coluna	 em	 Roma,	 concluída	 no	 ano	 113,	 porta	 uma	 inscrição	 em	 sua
homenagem	e	serve	como	a	mais	 influente	obra	anônima	de	gravação	em
pedra	dos	últimos	2	mil	anos.
Está	tudo	nos	pés	e	pontas:	remova	as	áreas	escuras	(as	serifas)	e	você	terá	uma	sem	serifa
Coluna	de	Trajano	–	a	fonte	clássica	(com	serifa)	do	mundo	clássico
Letras	 sem	 serifa	 podem	 parecer	 menos	 formais	 e	 mais
contemporâneas,	mas	são	capazes	de	recender	tanto	a	tradição	quanto	uma
banda	de	metais.	Várias	delas	possuem	uma	forma	muito	clássica	e	romana
–	 de	 fato,	 já	 havia	 escrita	 sem	 serifa	 na	 Antiguidade	 –,	 e	 quando	 elas
apareceram	 em	 prédios	 na	 Itália	 fascista	 do	 entreguerras	 se	 encaixaram
com	perfeição,	como	se	ali	estivessem	havia	séculos.	São	duráveis	e	podem
ser	 monumentais,	 e,	 embora	 Futura,	 Helvetica	 e	 Gill	 Sans	 sejam	 as	 mais
conhecidas,	existem	inúmeras	outras	em	nosso	cotidiano.	O	tipo	sem	serifa
mais	 antigo	provavelmente	 é	o	 	 de	1816,	que	 se
tornou	 popular	 ao	 longo	 do	 século	 XIX	 principalmente	 como	 fonte	 de
letreiros,	para	uso	em	cartazes.
Entretanto,	no	século	seguinte	os	tipos	sem	serifa	assumiram	um	caráter
muito	 diferente,	 à	 medida	 que	 uma	 nova	 geração	 de	 designers	 fundia	 a
tradição	 romana	 e	 a	 produção	 de	 letreiros	 com	 o	 estilo	 moderno.	 Nada
parecia	 tão	 bom	 pregado	 na	 lateral	 de	 uma	 nova	 máquina,	 ou,	 como
aconteceu	 com	 os	 tipos	 de	 Edward	 Johnston,	 no	 metrô	 de	 Londres.	 As
raízes	desse	estilo	novo	de	sem	serifa	encontram-se	na	Alemanha,	em	uma
fonte	conhecida	como	Akzidenz	Grotesk,	lançada	em	1898.	Mas	ele	recebeu	uma
segunda	vida	na	Inglaterra	a	partir	da	fonte	de	Johnston	e	da	Gill	Sans,	de	Eric
Gill,	e	de	outras	na	Alemanha,	na	Holanda	e	–	mais	notadamente	–	na	Suíça
do	 pós-guerra,	 onde	 Univers	 e	 Helvetica	 surgiram	 para	 comandar	 a
disseminação	 do	 modernismo	 pelo	 mundo.	 Assim,	 faríamos	 melhor	 se
pensássemos	o	tipo	agora	como	europeu.
Como	existem	muitos	 tipos	diferentes,	 foram	 feitas	diversas	 tentativas	de
classificá-los	 em	 grupos	 definidos.	 Mas	 um	 tipo	 é	 um	 elemento	 vivo	 e
resistirá	a	uma	classificação	absolutaaté	que	tenha	se	desgastado;	uma	boa
letra	isolada	em	uma	fonte	vívida	tem	em	si	energia	suficiente	para	saltar
de	 qualquer	 caixa.	 No	 entanto,	 algumas	 categorias	 flexíveis	 podem	 pelo
menos	 tornar	 visível	 o	 arsenal	 de	 variações	 e	 nos	 ajudar	 a	 lidar	 com	 a
possibilidade	de	explicar	uma	fonte	para	alguém	que	não	pode	vê-la	(o	que,
antes	dos	anexos	dos	e-mails,	era	uma	bela	vantagem).
O	sistema-chave	de	classificação	de	tipos	é	chamado	Vox,	em	função	do
nome	 de	 seu	 criador	 francês,	Maximilien	 Vox.	 O	 sistema	 surgiu	 nos	 anos
1950	e	foi	a	base	para	as	Normas	Britânicas	de	Classificação	de	Fontes	de
1967.	 Vox	 delineava	 nove	 formas	 básicas,	 desde	 humanista,	 didone	 e
mecânicas	até	 lineares	e	manuais	(linear	era	outra	palavra	para	dizer	sem
serifa).	 Tentava	 ser	 estrito	 em	 suas	 definições,	 mas	 frequentemente
revertia	 para	 a	 imprecisão:	 “O	 R	 normalmente	 tem	 uma	 perna	 curva”,
observava	 em	 relação	 às	 lineares	 grotescas.	 “As	 extremidades	 dos	 traços
curvos	normalmente	são	oblíquas”,	dizia	das	neogrotescas.
Mais	 recentemente,	 os	 grandes	 fornecedores	 de	 tipos	 digitais,	 como
Adobe	e	ITC,	tentaram	estabelecer	seus	próprios	sistemas	de	classificação.
Eles	 se	 destinam	 a	 ajudar	 nas	 buscas	 e	 nas	 vendas	 em	 seus	 sites,	 mas
geralmente	 mostram	 a	 quase	 impossibilidade	 (e	 talvez	 futilidade)	 da
precisão	na	classificação.
Dentro	de	cada	fonte,	cada	letra	isolada	tem	sua	própria	geografia.	Isso
exige	 uma	 linguagem	 exata	 que	 é	 encantadora	 e	 implacável,	 jargão	 que
começou	com	o	puncionista	do	século	XV	e	resistiu	a	todas	as	tentativas	de
corrupção	 digital.	 Já	 nos	 deparamos	 com	 alguns	 desses	 termos	 –	 sendo
olhos	as	áreas	fechadas	ou	semifechadas	de	uma	letra,	dentro	de	um	o,	b	ou
n,	por	exemplo;	ao	passo	que	o	bojo	é	a	curva	de	um	g,	b	etc.;	e	hastes,	 os
principais	 elementos	 construtivos,	 podendo	 ser	 espessas	 ou	 finas,	 de
acordo	com	o	design.
Lição	de	anatomia	dos	tipos	nº	1:	ascendentes	e	descendentes	(no	alto),	ligatura	e	altura-x
Uma	serifa	adnata	é	curvilínea	como	um	tronco	de	árvore,	uma	abrupta
é	uma	linha	reta,	e	uma	serifa	triangular	 cai	em	um	ângulo	geométrico.	A
altura-x	de	uma	letra	é	a	distância	entre	a	linha	de	base	(a	linha	de	um	livro
de	exercícios)	e	a	linha	mediana	(o	topo	de	uma	letra	em	caixa	baixa);	uma
ascendente	 se	 eleva	 acima	 da	 linha	mediana,	 uma	descendente,	 abaixo	 da
linha	de	base.
Parte	do	vocabulário	tipográfico	possui	uma	beleza	interna	própria	(ou
possuía,	 quando	 todos	 os	 tipos	 eram	 de	 metal).	 Em	 geral,	 ele	 é
antropomórfico,	 tratando	as	 letras	 como	 formas	biológicas	vivas:	 a	altura
do	caractere	como	um	todo	é	conhecida	como	corpo,	o	espaço	vazio	dentro
de	uma	letra	elevada	é	o	rebaixo	do	olho,	a	parte	 lisa	do	tipo	de	metal	é	o
ombro,	 enquanto	 a	 forma	 toda	 em	 relevo	 é	 a	 face.	 No	 hospital	 de	 San
Serriffe	você	poderia	ter	uma	 ligatura	e	o	resultado	frequentemente	seria
grotesco.	 Tradicionalmente,	 uma	 ligatura	 era	 um	 leve	 floreio	 de	 ligação
entre	 duas	 letras	 que	 são	 unidas	 (tais	 como	 fl	 ou	 æ,	 o	 que	 exige	menos
espaço	 em	 branco	 entre	 elas	 do	 que	 se	 as	 letras	 fossem	 usadas	 em	 seu
próprio	espaço).	Atualmente,	em	geral	uma	ligatura	(um	aspecto	tanto	das
fontes	serifadas	como	das	sem	serifa)	refere-se	às	duas	letras	em	si,	usadas
como	se	fossem	uma	só.
Um	 tipo	 grotesco	 não	 é	 necessariamente	 um	 tipo	 feio:	 grotesco	 é	 a
nomenclatura	 aplicada	 a	 uma	 certa	 modalidade	 de	 tipo	 sem	 serifa,
usualmente	do	século	XIX,	com	alguma	variação	na	espessura	dos	traços	da
letra.	 Um	 tipo	 neogrotesco	 é	 mais	 uniforme,	 tem	 um	 aspecto	 menos
quadrado	em	relação	às	letras	curvas	e	funciona	muito	bem	em	caixa	baixa
em	tamanhos	pequenos.
E	então	entra	a	matemática.	O	ponto	pode	ser	usado	tanto	como	unidade
de	medida	dos	tipos	quanto	do	espaço	entre	eles.	Para	um	texto	regular	de
jornal	 ou	 de	 livro,	 em	 geral	 uma	 fonte	 de	 8	 a	 12	 pontos	 é	 satisfatória.
Existem	 72	 pontos	 numa	 polegada.	 Um	 ponto	 equivale	 a	 0,013833
polegada.	Os	tipógrafos	os	agrupam	em	paicas:	12	pontos	para	uma	paica	e
6	 paicas	 para	 uma	 polegada.	 Ocorreram	 muitas	 variações	 históricas	 e
nacionais,	 e	 as	 medidas	 do	metal	 e	 do	 digital	 diferem	 ligeiramente,	 mas
hoje	 quase	 dispomos	 de	 um	padrão	 internacional:	 nos	 Estados	Unidos,	 1
ponto	equivale	a	0,351mm;	na	Europa,	1	ponto	equivale	a	0,376mm.
O	tipômetro	já	foi	instrumento	fundamental	do	tipógrafo
Mas	a	matemática,	a	geografia	e	o	vocabulário	dos	 tipos	 jamais	devem
obscurecer	o	fato	mais	básico	de	todos:	regular	ou	itálico,	claro	ou	negrito,
caixa	alta	ou	caixa	baixa	–	as	fontes	que	funcionam	melhor	são	as	que	nos
permitem	ler	sem	estragar	a	vista.
*	No	original,	“mind	your	Ps	and	Qs”.	Há	aqui	um	trocadilho	que	se	perde,	pois	em	inglês	a	expressão
significa	também	algo	como	“olhe	essa	boca	suja”.	(N.T.)
	
Pausa	para	fonte
Gill	Sans
Eric	Gill	é	 lembrado	por	muitas	coisas:	 suas	gravuras	em	madeira	e	pedra,	 sua	eterna	paixão	pela
letragem,	sua	dedicação	às	artes	manuais	inglesas	–	e	seus	tipos,	notadamente	o	Gill	Sans,	uma	das
mais	antigas	e	clássicas	fontes	sem	serifa	do	século	XX.
Mas	há	também	sua	outra	faceta:	a	escandalosa	e	 incessante	experimentação	sexual	de	Gill.	Em
1989,	Fiona	MacCarthy	publicou	uma	biografia	do	artista	que	apresentava	detalhes	repugnantes	de
seus	descaminhos	 extremamente	 insólitos	 com	suas	 filhas,	 irmã	e	 cachorro,	 conforme	 registrados
em	seus	diários.	As	fotos	de	Gill	vestido	em	seu	longo	guarda-pó	já	eram	bem	desconcertantes,	mas	a
seguir	vinham	as	descrições	de	suas	excitações	incestuosas	e	caninas	(“Experimentações	sucessivas
com	o	cachorro	…	e	a	descoberta	de	que	um	cachorro	pode	se	unir	com	um	homem”).
MacCarthy	afirma	que	o	priapismo	de	Eric	Gill	era	 fruto	de	uma	mente	 inquisitiva	e	ao	mesmo
tempo	de	sua	 intensa	destreza	manual,	que	“o	 ímpeto	de	experimentar,	de	 levar	a	experiência	aos
extremos,	era	parte	de	seu	caráter	e	parte	de	sua	importância	como	comentarista	social	e	religioso	e
como	artista”.	Talvez	seja	verdade,	embora	alguns	ainda	se	arrepiem	de	repugnância	à	menção	de
seu	nome	–	um	fórum	recente	do	site	Typophile	debatia	um	boicote	à	Gill	Sans	por	conta	do	passado
de	seu	criador.	A	maioria	assume	uma	visão	de	perplexidade.	De	fato,	o	designer	americano	Barry
Deck,	que	adquiriu	 fama	com	a	Template	Gothic,	uma	fonte	sem	serifa	caprichosamente	fluida,	em
1990	projetou	um	descontraído	tributo	a	Gill	chamado	Canicopulus.
Por	 incrível	 que	pareça,	 a	Gill	 Sans	 em	 si	 é	 uma	 fonte	 curiosamente	 assexuada.	 Ela	 começou	 a
tomar	forma	quando	Gill	estava	morando	nas	montanhas	galesas,	em	meados	dos	anos	1920.	Ali	ele
experimentou	desenhos	sem	serifa	em	seus	cadernos	e	em	placas	para	orientar	turistas	ao	redor	do
mosteiro	 de	 Capel-y-ffin.	 Em	 sua	 autobiografia,	 Gill	 explicou	 que	 a	 sem	 serifa	 era	 a	 escolha	 óbvia
quando	“um	livreiro	progressista	de	Bristol	me	pediu	que	pintasse	a	 fachada	de	sua	 loja”.	A	 longa
placa	de	madeira	em	questão,	feita	para	Douglas	Cleverdon,	resultou	em	outra	coisa	–	pois,	após	ver
um	esboço	dessas	letras,	o	velho	amigo	de	Gill,	Stanley	Morison,	o	encarregou	de	projetar	uma	fonte
original	sem	serifa	para	a	Monotype.
Seu	impacto	foi	imediato	e	tem	efeitos	até	hoje.	A	Gill	Sans	surgiu	em	1928,	quando	seu	criador
estava	com	44	anos.	Era	o	mais	britânico	dos	tipos,	não	somente	em	sua	aparência	(sóbria,	correta	e
reservadamente	orgulhosa),	mas	também	em	seu	uso	–	foi	adotado	pela	Igreja	anglicana,	pela	BBC,
nas	primeiras	capas	de	livro	da	Penguin	e	pela	British	Railways	(onde	foi	usada	em	tudo,	desde	as
tabelas	de	horários	de	trens	até	os	cardápios	de	restaurante).	Cada	uso	evidenciou	que	a	Gill	Sans
era	uma	fonte	de	extrema	viabilidade	para	texto,	cuidadosamente	estruturada	para	reprodução	em
massa.	Não	era	a	mais	encantadora	ou	radiante	das	fontes,	e	talvez	nem	a	escolha	mais	atraente	para
ficção	 literária,	 mas	 era	 ideal	 paracatálogos	 e	 para	 o	 mundo	 acadêmico.	 Era	 uma	 fonte
inerentemente	confiável,	sem	frescuras	e	de	praticidade	consistente.
A	Gill	Sans	começa	a	tomar	forma	em	uma	fachada	de	loja	de	Bristol
O	primeiro	livro	da	Penguin,	impresso	em	1935,	com	título	e	autor	compostos	no	suprassumo	da
fonte	britânica,	a	Gill	Sans.	O	logotipo	da	Penguin	aqui	está	em	Bodoni	Ultra	Bold,	mas	ele	mais	tarde
também	passaria	a	usar	a	Gill	Sans
Eric	Gill	em	seu	guarda-pó,	c.1908
Apesar	 de	 seu	 grande	 sucesso,	 Gill	 nunca	 pensava	muito	 em	 si	 mesmo	 como	 um	 designer	 de
fontes.	 Seu	 túmulo,	 que	 implora	 ao	 visitante	 “Ore	 Por	 Mim”,	 descreve-o	 meramente	 como	 um
entalhador	de	pedras,	uma	das	mais	raras	representações	de	modéstia	no	mundo	do	design	gráfico.
De	fato,	Gill	projetou	outras	doze	fontes,	entre	as	quais	as	populares	e	clássicas	serifadas	Perpetua	e
Joanna,	além	de	Felicity,	Solus,	Golden	Cockerel,	Aries,	Jubilee	e	Bunyan.
Joanna	 recebeu	 o	 nome	 de	 sua	 filha	 caçula,	 com	 quem,	 sugere	 MacCarthy,	 ele	 tinha	 um
relacionamento	menos	dúbio	que	com	as	outras	duas.	A	fonte	foi	utilizada	com	mestria	em	seu	Essay
on	Typography,	que	era	na	verdade	um	tratado	sobre	os	efeitos	da	mecanização	na	pureza	da	alma.	O
ensaio	revela	um	caráter	abertamente	exato	(“A	folha	de	rosto	deve	ser	composta	no	mesmo	estilo
de	tipologia	que	o	miolo	e	preferivelmente	no	mesmo	tamanho”),	e	seus	pronunciamentos	em	outros
trechos	 sugerem	 um	 caráter	 absolutamente	 não	 romântico.	 “A	 beleza	 do	 formato	 das	 letras	 não
deriva	de	nenhuma	reminiscência	sensual	ou	sentimental”,	escreve	ele.	“Ninguém	pode	dizer	que	a
rotundidade	do	O	nos	atrai	somente	porque	é	como	a	de	uma	maçã	ou	a	de	um	seio	de	mulher	ou
como	a	da	lua	cheia.	As	letras	são	coisas,	não	imagens	de	coisas.”
Gill	morreu	em	1940,	exatamente	quando	sua	fonte	mais	famosa	começou	a	aparecer	durante	a
guerra	 nos	 avisos	 do	 Ministério	 das	 Informações	 sobre	 blecautes,	 conversas	 descuidadas	 e	 o
recrutamento	da	Guarda	Nacional.
E
Em	um	bosque,	em	algum	lugar	na	Inglaterra,	rifles	na	mão,	vocês	assistiram	a
Arthur	Lowe	(andar	altivo,	pomposo)
John	Le	Mesurier	(capacete	camuflado	com	folhas,	parecendo	nervoso)
Clive	Dunn	(olhar	valente,	arma	branca)
John	Laurie	(ansioso,	pessimista)
James	Beck	(tragando,	matreiro,	um	cigarrinho	insolente)
Arnold	Ridley	(talvez	precise	de	uma	licença)
Ian	Lavender	(estola	azul,	mãe	mandona)
ssa	 é	 a	 sequência	 de	 encerramento	 de	 Dad’s	 Army,	 a	 queridíssima
comédia	da	TV	 inglesa	 sobre	 a	 Segunda	Guerra	Mundial,	 produzida	do
final	 dos	 anos	 1960	 até	 o	 início	 dos	 anos	 1970	 e	 desde	 então	 sempre
reprisada.	Os	 créditos	dos	 atores	 estão	em	Cooper	 Black,	 que	 não	 só	 vende
coisas	que	hoje	consideramos	retrô	e	clássicas,	como	Kickers	ou	Spacehoppers,
mas	 também	 qualquer	 coisa	 destinada	 a	 ser	 cálida,	 fofinha,	 caseira,
confiável	e	tranquilizadora,	como	a	easyJet.
A	 tipografia	 da	 lateral	 de	 aviões	 raramente	 havia	 sugerido	 qualquer
ideia	 de	 diversão	 (“Somos	 um	 de	 vocês!	 Subam	 a	 bordo!”)	 antes	 de	 a
easyJet	experimentar	esse	conceito,	e	o	logotipo	da	empresa	se	tornou	tão
forte	 que	 ninguém	 conseguiu	 imitá-lo	 com	 sucesso.	 (Embora	 a	 principal
concorrente	da	companhia	aérea	de	baixo	custo,	a	Ryanair,	já	tenha	usado
Arial	Extra	Bold	antes	de	mudar	para	uma	fonte	própria.)
A	 fonte	 da	 marca	 da	 easyJet	 logo	 se	 estendeu	 a	 outros	 produtos	 do
easyGroup	e	foi	mencionada	na	declaração	de	missão	da	empresa:
Nossa	identidade	visual,	conhecida	como	“Getup”,	é	parte	essencial	da
Licença	 de	 Marca	 da	 easyJet	 e	 é	 lavrada	 em	 pedra!	 Ela	 é	 definida
como:	 a)	 letras	 brancas	 sobre	 fundo	 laranja	 (Pantone	 021c	 em
material	 de	 impressão	 com	 brilho;	 em	 outras	 superfícies	 o
equivalente	 viável	mais	 próximo),	 e	 b)	 em	 fonte	 Cooper	 Black	 (não
negrito,	não	itálico,	sem	contorno	nem	sublinhado),	a	palavra	“easy”
em	caixa	baixa,	seguida	(sem	espaços)	por	qualquer	outra	palavra	…
A	Cooper	Black	foi	um	bom	achado.	É	raro	que	uma	companhia	nova	tire
da	 prateleira	 uma	 fonte	 clássica	 pré-digital	 não	 modernizada	 e	 não	 a
restaure	 ou	melhore	 em	 algum	 sentido,	mas	 essa	 foi	 uma	 exceção.	 Como
tantas	 fontes	 que	 vingaram,	 ela	 foi	 projetada	nos	 anos	1920,	 e	 se	 tornou
instantaneamente	 popular.	 Oswald	 Bruce	 Cooper,	 um	 ex-publicitário	 de
Chicago,	foi	encarregado	pela	fundição	Barnhart	Brothers	&	Spindler	para
desenvolver	 uma	 fonte	 que	 pudesse	 ser	 vendida	 a	 anunciantes	 (e	 que
fizesse	 lembrar	 bastante	 a	 Pabst	 Extra	 Bold,	 projetada	 vários	 anos	 antes
por	Frederic	W.	Goudy	para	a	cervejaria	americana	Pabst).
Seu	 sucesso	 logo	 aplacaria	 o	 receio	 de	 Cooper	 de	 que	 ele	 apenas
alcançaria	“um	efeito	enfadonho	com	a	repetição	demasiado	 frequente	da
mesma	forma	e	curva”.	Na	realidade	ele	conseguiu	algo	espetacular	–	uma
fonte	com	serifa	que	parecia	sem	serifa.	A	Cooper	Black	é	o	 tipo	de	 fonte
que	os	óleos	de	uma	lava	lamp	formariam	se	esta	se	despedaçasse	no	chão.
Seu	 criador	 a	 achava	 ideal	 “para	 impressores	 de	 visão	 de	 futuro	 com
clientes	 de	 visão	 imediatista”.	 O	 topo	 e	 a	 base	 das	 letras	 apresentam
pequenos	 arranhões	 que	 transmitem	 à	 fonte	 robustez	 e	 estabilidade	 no
papel;	sem	eles	o	tipo	pareceria	estar	sempre	escorregando.	Para	uma	fonte
com	tal	aparência	corpulenta,	ela	tem	um	comportamento	espantosamente
inofensivo.	 Isso	 se	 deve	 em	 parte	 às	 descendentes	 corpulentas	 e
rechonchudas,	 às	 minúsculas	 largas	 em	 relação	 às	 maiúsculas	 e	 à
quantidade	reduzida	de	branco	que	se	pode	ver	através	dos	olhos	do	a,	b,	d,
e	e	g.	Normalmente	ela	é	empregada	de	modo	bastante	comprimido,	pois	o
espacejamento	excessivo	entre	as	letras	aumentaria	o	número	de	quebras,
atrapalhando	a	visão.*
A	Cooper	Black	tem	um	aspecto	melhor	quando	vista	de	 longe,	como	a
easyJet	bem	identificou.	Antes	disso,	seu	uso	mais	famoso	talvez	tenha	sido
no	 clássico	 álbum	 dos	 Beach	 Boys	 Pet	 Sounds.	 Como	 muitos	 discos	 da
época,	ele	trazia	o	título	de	cada	faixa	impresso	na	capa	–	em	cima	da	foto
da	banda	alimentando	cabras	no	zoológico.	O	nome	da	banda	e	o	título	do
álbum	em	Cooper	Black	são	um	ícone,	principalmente	porque	as	 letras	se
tocam	e	 lembram	o	 logotipo	“Love”	de	Robert	 Indiana,	muito	em	voga	na
época.	Mas	sua	 fraqueza	como	fonte	 textual	é	 logo	evidente.	 “Wouldn’t	 It	 Be
Nice/You	 Still	 Believe	 In	 Me”,	 diz	 a	 primeira	 linha,	 e	 o	 nosso	 cérebro	mal	 tem
tempo	de	decifrar	o	restante,	“God	Only	Knows”,	“Sloop	John	B”	e	as	outras	faixas.
A	 capa	de	 trinta	 centímetros	até	que	dá	 conta	do	 recado;	 já	o	CD	é	outra
história.
Os	imodestos	olhos	da	Cooper	Black	(o	d	e	o	g	são	Cooper	Hilite)
A	 equipe	 de	 arte	 responsável	 pelos	 créditos	 de	Dad’s	Army	 sabia	 que
teria	problemas	assim	que	os	nomes	dos	grandes	astros	em	grandes	letras
saíssem	 da	 tela;	 os	 créditos	 dos	 personagens	 menores	 do	 programa
aparecem	 por	 menos	 tempo	 e	 sem	 imagens:	 “Estrelando	 Philip	 Madoc,
como	o	capitão	do	submarino	…	Bill	Pertwee,	como	o	chefe	Warden	Hodges
…”	Antes	das	telas	de	42	polegadas,	os	espectadores	não	tinham	como	dar
conta	de	tudo	isso	em	Cooper	Black	em	tamanho	pequeno,	por	isso	apenas
os	 nomes	 dos	 atores	 aparecem	 na	 fonte,	 e	 seus	 papéis	 ficaram	 em	 algo
parecido	com	Helvetica.
Essa	 é	 uma	 diferença	 entre	 legibilidade	 e	 leiturabilidade:	 em	 corpos
pequenos,	 a	 Cooper	 Black	 é	 legível,	 mas	 não	 tem	 boa	 leiturabilidade.	 Só	 que	 alguns	 tipos	 se
destinam	a	ser	vistos	e	não	lidos	(um	designer	de	tipos	certa	vez	comparou
esse	 atributo	 a	 um	 vestido	 desenhado	 para	 parecer	 sensacional	 na
passarela,	mas	que	não	garante	qualquer	proteção	contra	as	intempéries	do
tempo).	A	fonte	como	alta-costura	é	uma	analogia	comum.	Adrian	Frutiger,
designer	 de	 uma	 das	 fontes	 modernas	 mais	 populares,	 a	 Univers,	 tem
outra:	 “O	 trabalho	 de	 um	 designer	 de	 tipos	 é	 exatamente	 como	 o	 de	 um
estilista”,	observou	ele.“Vestir	a	constante	forma	humana.”	Ou,	como	disse
o	designer	de	livros	Alan	Fletcher,	“uma	fonte	é	um	alfabeto	em	uma	camisa
de	força”.
A	Cooper	Black	fica	ótima	de	longe,	e	quanto	maior	o	corpo,	melhor
Como	 acontece	 com	 a	 moda,	 o	 design	 de	 tipos	 é	 uma	 forma	 de	 arte
assustadoramente	vibrante.	Ele	rejeita	a	calcificação.	Como	os	gêneros	mais
desenfreados	 de	 arte	 moderna,	 são	 as	 coisas	 mais	 novas	 que	 abalam	 os
tradicionalistas	 (embora	 estes	 raramente	 o	 admitam,	 preferindo	 criticar
seus	 maneirismos	 ou	 sua	 falta	 de	 instrução	 adequada).	 O	 tradicionalista
argumentará	que	ninguém	compra	uma	fonte	para	pendurar	na	parede,	ao
passo	 que	 uma	 pessoa	 mais	 tradicional	 ainda	 pode	 argumentar	 que
somente	quando	uma	 fonte	 é	bonita	o	bastante	para	 ser	 exibida	em	uma
galeria	ela	pode	ser	também	considerada	adequada	para	impressão.
Mas	 beleza	 exige	 disciplina.	 É	 possível	 que	 o	 amador	 com	 sua
criatividade	despertada	pelo	computador	possa	produzir	algo	belo,	mas	sua
criação	vai	funcionar	na	página	como	uma	tipologia	prática?	Será	que	todas
as	 letras	 parecerão	 igualmente	 boas	 quando	 colocadas	 lado	 a	 lado,	 ou	 o
espacejamento	entre	elas	vai	 gerar	uma	enxaqueca	 textual?	 (A	ciência	do
espacejamento	 proporcional	 entre	 pares	 de	 letras	 é	 conhecida	 como
kerning	 –	 garantir,	 por	 exemplo,	 que	 letras	 inclinadas	 como	 A	 ou	 V
cutuquem	 ligeiramente	 as	 letras	 adjacentes,	 tornando	 o	 conjunto	 mais
consistente	e	agradável	ao	olhar;	o	“kern”	é	a	parte	de	um	caractere	que	se
projeta	acima	ou	abaixo,	invadindo	o	espaço	da	letra	ao	lado.)
Os	 gostos	 mudam,	 graças	 a	 Deus.	 Uma	 fonte	 que	 um	 dia	 teria	 sido
considerada	apertada	demais,	as	letras	se	aninhando	umas	nas	outras	e	as
palavras	 colidindo,	 pode	 agora,	 pelo	 poder	 da	 propaganda	 e	 da
familiaridade,	aparentar	o	auge	da	modernidade	e	da	legibilidade.	Ela	pode
manter	essa	posição	elevada	durante	cerca	de	uma	década,	antes	que	algo
perigosa	e	excessivamente	espacejado	a	torne	antiquada.	Uma	placa	ou	um
slogan	 compostos	 inteiramente	 em	 caixa	 baixa	 (talvez	 o	 i’m	 lovin’	 it	 do
MacDonald’s)	já	foi	considerado	uma	blasfêmia;	agora	é	apenas	insípido.	E
o	 velho	 princípio	 da	 legibilidade,	 outrora	 fator	 nobre	 em	 qualquer
consideração	a	respeito	de	um	bom	tipo	e	definido	com	extrema	severidade
pelo	 oftalmologista	 francês	 dr.	 Louis	 Émile	 Javal	 no	 início	 do	 século
passado	(e	depois	servilmente	seguido	por	muitos	designers),	parece	muito
ultrapassado;	 nossos	 olhos	 e	 cérebros	 entendem	 muito	 mais	 do	 que	 os
primeiros	cientistas	do	tipo	achavam	possível.
Uma	das	 teorias	 do	dr.	 Javal	 parece	hoje	 particularmente	 absurda	 –	 a	 de
que	o	tipo	mais	legível	seria	também	o	mais	belo.
Na	década	de	1940,	 a	prova	mais	 generalizada	da	 legibilidade	de	uma
fonte	era	o	“teste	da	piscadela”.	Ao	piscar,	nós	aliviamos	os	olhos	cansados
da	 mesma	 forma	 que	 ao	 colocar	 sacolas	 pesadas	 no	 chão	 aliviamos	 a
pressão	 na	 palma	 de	 nossas	 mãos;	 nossos	 olhos	 piscam	 mais	 quando
cansados	ou	sob	tensão,	e	uma	fonte	conhecida	provoca	menos	fadiga.	Em
condições	de	laboratório	–	em	que	se	regula	a	luz	e	o	tamanho	dos	tipos,	e
se	 apresenta	 ao	 “paciente”	 (o	 leitor)	 o	 mesmo	 texto	 em	 diversas	 fontes
diferentes	(com	os	testes	do	oftalmologista	se	prestando	tanto	à	busca	da
arte	quanto	da	clareza	universal)	–,	o	número	de	piscadelas	 involuntárias
era	monitorado	em	um	contador	manual.
Segundo	uma	série	de	conferências	proferidas	por	John	Biggs	no	London
College	of	Printing,	os	tipos	que	pontuavam	melhor	nos	testes	da	piscadela
eram	 os	 que	 haviam	 sobrevivido	 durante	 séculos	 e	 que	 estavam	 sempre
sendo	 retomados	 e	 ligeiramente	modificados:	Bembo,	Bodoni,	 Garamond.
Talvez	 fosse	 mais	 fácil	 perguntar	 aos	 pacientes	 qual	 texto	 eles
compreenderam	melhor,	ou	qual	lhes	provocou	menos	tensão	ocular,	mas
tais	métodos	seriam	subjetivos	e	não	científicos.
Felizmente	 dispomos	 de	 investigações	 mais	 recentes.	 Muitas	 delas
ocorreram	 nos	 anos	 1970	 na	 Unidade	 de	 Pesquisas	 de	 Legibilidade
Tipográfica	 do	 Royal	 College	 of	 Art	 (na	 era	 da	 informática,	 a	 unidade	 se
tornou	 a	 ligeiramente	 menos	 canhestra	 Unidade	 de	 Pesquisa	 de
Informações	Gráficas).	Entre	suas	conclusões:	as	pessoas	achavam	os	tipos
com	fortes	traços	distintivos	mais	fáceis	de	ler	que	os	de	estilo	uniforme;	e
uma	distinção	maior	entre	as	letras	levava	a	uma	assimilação	mais	clara	(e
mais	 rápida)	 das	 informações.	 A	 pesquisa	 confirmou	 que	 as	 áreas-chave
que	 tornam	 uma	 letra	 mais	 distinta	 são	 sua	metade	 superior	 e	 seu	 lado
direito,	 e	o	olho	busca	esses	marcos	para	confirmar	o	que	ele	previu	que
estaria	ali.
As	velhas	fiéis	–	cientificamente	aprovadas	nos	anos	1940
Outras	pesquisas	sugeriram	que	a	maioria	dos	leitores	prefere	os	tipos
em	 negrito	 aos	 regulares,	 embora	 sua	 legibilidade	 seja	 quase	 a	 mesma.
Tipos	com	serifa	e	sem	serifa	também	são	igualmente	legíveis,	desde	que	as
serifas	não	sejam	demasiado	pesadas	e	espessas.	Fontes	com	olhos	maiores
–	o	oposto	exato	da	Cooper	Black	–	também	são	consideradas	mais	legíveis,
particularmente	 em	 tamanhos	 menores,	 em	 que	 os	 olhos	 poderiam	 se
entupir	de	tinta.
A	 legibilidade	 também	é	definida	por	uma	característica	menos	 formal:	 o
gosto.	Isso	não	é	o	mesmo	que	moda;	é,	antes,	a	popularidade	demonstrada
pelo	 consumo	de	massa.	Gostamos	de	pensar	que	nossos	gostos	 culturais
melhoram	e	amadurecem	com	a	idade,	mas	no	caso	do	design	de	tipos	algo
mais	também	acontece:	somos	simplesmente	desgastados	pelo	excesso	de
exposição.
A	 radical	 designer	 de	 tipos	 californiana	 Zuzana	 Licko	 tem	 uma	 teoria
bastante	 aceita	 de	 que	 “você	 lê	 melhor	 aquilo	 que	 você	 lê	 mais”.	 Tipos
góticos	pesados	eram	considerados	mais	fáceis	de	ler	que	uma	cursiva	mais
suave,	menos	formal,	mas	simplesmente	por	causa	da	constante	exposição
a	eles.	“Você	precisa	usar	algo	que	não	é	necessariamente	mais	legível	em	si
mesmo,	 mas	 que	 as	 pessoas	 estão	 acostumadas	 a	 ver”,	 observa	 Licko,
fazendo	coro	às	conclusões	dos	anos	1940.	“Preferências	por	fontes	como
Times	Roman	existem	por	hábito,	porque	essas	fontes	estão	por	aí	há	mais
tempo.	 Quando	 elas	 surgiram,	 tampouco	 eram	 algo	 a	 que	 as	 pessoas
estavam	habituadas.	Mas	como	 foram	usadas,	 tornaram-se	extremamente
legíveis.”
Zuzana	Licko	e	Rudy	VanderLans
Eric	Gill	havia	sido	quase	da	mesma	opinião	(“A	legibilidade,	na	prática,
quer	dizer	simplesmente	aquilo	a	que	se	está	acostumado”).	Mas	o	fato	de
que	essa	teoria	tenha	conquistado	o	aval	de	Licko	é	significativo,	já	que	ela
e	 seu	 sócio,	 Rudy	VanderLans,	 estão	 entre	 os	mais	 respeitados	 designers
contemporâneos	 de	 tipos	 nos	 Estados	 Unidos.	 A	 dupla	 publicou	 uma
revista,	Emigre,	que	inspirou	uma	geração	inteira	de	estudantes	de	design
gráfico.	Licko	acredita	que	ao	projetar	uma	fonte	deve-se	–	nas	palavras	de
Matthew	 Carter	 –	 considerar	 “o	 fascínio	 maior	 que	 a	 frustração”.	 No
começo,	 diz	 ela,	 à	 medida	 que	 o	 conceito	 de	 uma	 fonte	 é	 desenvolvido,
“cada	 detalhe	 é	 questionado.	 Esse	 processo	 é	 fascinante	 porque	 faz	 você
perceber	como	cada	detalhe	afeta	o	trabalho	final,	já	que	muitos	se	repetem
entre	 os	 caracteres,	 o	 que	 multiplica	 o	 efeito.	 Mas	 isso	 pode	 acabar	 se
tornando	uma	frustração	porque	parece	que	o	processo	nunca	termina…”
Uma	conversa	por	e-mail	 com	Licko	 suscitará	 respostas	 como	a	 citada
anteriormente,	mas	a	grande	questão	com	a	qual	ela	não	pode	nos	ajudar	é
por	 que	 existem	 relativamente	 poucas	 mulheres	 designers	 de	 tipos.
“Lamento”,	digitou	ela.	“Não	faço	a	menor	ideia.”
Licko	e	seus	amigos	designers	reconhecem	que	a	leiturabilidade	de	uma
fonte	para	texto	é	mais	bem	conferida	por	uma	série	de	características,	de
preferência	 ocorrendo	 simultaneamente	 (se	 elas	 parecem	 óbvias,	 é
somente	porque	as	tomamos	como	dadas).	Cada	letra	do	alfabeto	deve	ser
distinta	das	outraspara	evitar	confusão.	O	efeito	das	letras	sobre	um	leitor
deve	ser	mais	bem	avaliado	no	contexto	–	como	sentenças	e	parágrafos	–,	já
que	é	apenas	a	forma	geral	das	letras	combinadas	que	pode	ser	julgada	de
boa	leiturabilidade	ou	não.
Essa	 leiturabilidade	será	auxiliada	por	parágrafos	regulares	e	margens
suficientes,	 e	 por	 um	 comprimento	 aceitável	 de	 linha	 (naturalmente	 isso
depende	 do	 tamanho	 do	 texto,	mas	 considera-se	 que	 o	 ideal	 esteja	 entre
dez	e	doze	palavras).	O	espaço	entre	as	letras	e	a	relação	entre	elas	são	tão
importantes	 quanto	 o	 espaço	 entre	 as	 linhas	 (entrelinhamento).	 Deve
haver	 um	 contraste	 entre	 traços	 grossos	 e	 finos,	 e	 as	 letras	 devem	 estar
numa	 proporção	 regular	 umas	 com	 as	 outras.	 A	 variedade	 na	 largura	 é
particularmente	 importante,	 sendo	que	 a	metade	 superior	das	 letras	 tem
mais	leiturabilidade	que	a	metade	inferior.	O	peso	das	letras	em	um	bloco
de	 texto	 geralmente	 deve	 ser	 médio	 –	 um	 tipo	 claro	 demais	 tornará	 as
letras	cinza	e	indistintas,	ao	passo	que	um	escuro	demais	fará	com	que	as
letras	 pareçam	 excessivamente	 espessas,	 arruinando	 a	 distinção	 de
detalhes	e	bloqueando	o	fundo.
A	simplicidade	dessas	observações	não	se	reflete	na	simplicidade	de	sua
execução.	Mais	difícil	ainda	de	entender	é	a	percepção	com	que	todo	novato
se	 defronta	 ao	 projetar	 uma	 fonte	 de	 texto	 pela	 primeira	 vez:	 apesar	 de
todas	 as	 aparências,	 letras	 que	 dão	 a	 impressão	 de	 ter	 a	 mesma	 altura
podem	de	fato	ter	diferenças	sutis.
A	Totally	Gothic,	de	Zuzana	Licko,	no	catálogo	de	fontes	da	Emigre	de	1996
Ao	ler	um	livro	ou	uma	tela	de	computador	a	cerca	de	trinta	centímetros
dos	olhos,	esse	é	um	elemento	difícil	de	perceber,	mas	quando	as	letras	são
ampliadas	para	duas	polegadas	 (cinco	 centímetros)	 ou	mais	 e	 compostas
em	 linhas	 paralelas,	 o	 comprimento	 ligeiramente	 maior	 das	 letras
arredondadas	como	O,	S	e	B	se	 torna	mais	aparente.	Nosso	cérebro	exige
regularidade	 e	 certeza,	 mas	 nossos	 olhos	 nos	 pregam	 peças.	 Se	 todas	 as
letras	 tivessem	exatamente	a	mesma	altura,	não	pareceriam	assim:	 letras
redondas	e	pontudas	pareceriam	mais	baixas.
É	um	curioso	 jogo	de	salão:	o	pingo	de	um	 i	em	uma	 fonte	 tradicional
com	 serifa	 não	 está	 diretamente	no	 topo	da	haste,	mas	um	pouco	para	 a
esquerda.	E	a	haste	de	um	t	em	caixa	baixa	será	ligeiramente	mais	espessa
na	base	para	evitar	a	aparência	de	fragilidade	e	o	risco	de	cair	para	trás.	No
tipo,	 a	 aparência	 de	 beleza	 e	 elegância	 depende	 de	 fraude	 e	 destreza	 –
talvez	o	encontro	mais	frutífero	e	duradouro	de	ciência	e	arte.
Da	esquerda	para	a	direita,	Baskerville,	Goudy	Old	Style,	Sabon	e	Times	New	Roman	passam	pelo
teste	da	haste	e	pelo	teste	do	pingo	do	i
O	mais	 famoso	 pronunciamento	 isolado	 sobre	 o	 tipo	 foi	 escrito	 em	1932
por	uma	mulher	chamada	Beatrice	Warde,	amiga	(e	ocasional	amante)	de
Eric	Gill,	que	foi	a	cara	e	a	voz	da	Monotype	Corporation	nos	anos	1920	e
1930.
Há	uma	foto	reveladora	de	Warde	feita	durante	uma	festa	em	1923.	Ela
está	 rodeada	 por	 mais	 de	 trinta	 homens	 da	 área	 dos	 tipos	 em	 ternos
sombrios,	 todos	 parecendo	 um	 tanto	 orgulhosos	 de	 si	 mesmos,	 e	 com
razão:	 administravam	a	nata	das	 fundições	de	 tipo	dos	Estados	Unidos	e,
em	 conjunto,	 eram	 responsáveis	 pela	 aparência	 das	 letras	 norte-
americanas.	Mas	nenhum	deles	parece	tão	confiante	quanto	Warde,	a	única
pessoa	 de	 vestido,	 sentada	 com	 um	 sorriso	 irônico	 e	 as	 mãos	 no	 colo,
positivamente	segura	de	que,	na	verdade,	era	ela	quem	estava	no	comando.
Com	 pouco	 mais	 de	 vinte	 anos,	 ela	 já	 era	 uma	 mulher	 extremamente
ocupada,	não	só	escrevendo	muito	sobre	tipografia	no	principal	periódico
de	 design	 gráfico,	 The	 Fleuron,	 mas	 também	 produzindo	 manifestos
desafiadores	(originalmente	sob	o	pseudônimo	de	Paul	Beaujon,	por	recear
que	a	comunidade	tipográfica	dedicasse	pouca	atenção	a	uma	mulher).
No	 dia	 7	 de	 outubro	 de	 1930,	 Beatrice	 Warde	 discursou	 diante	 da
British	Typographers	Guild	no	St.	Bride	Institute,	logo	atrás	da	Fleet	Street,
em	 Londres.	 Warde	 era	 americana	 e	 sua	 habilidade	 era	 a	 comunicação.
Encontrou	o	trabalho	perfeito	como	gerente	publicitária	para	a	Monotype
Corporation	 em	 Surrey,	 uma	 das	 principais	 companhias	 que	 produziam
maquinário	 de	 composição	 e	 tipos.	 Sua	 maior	 proeza	 pode	 ter	 sido	 de
ordem	 inspiradora,	 elevando	 o	 ânimo	 de	 seus	 clientes	 –	 impressores	 e
designers	 –	 ao	 enfatizar	 a	 grandeza	e	 a	 responsabilidade	de	 sua	vocação.
“Aquilo	 em	 que	 sou	 realmente	 boa”,	 considerou	 ela,	 não	muito	 antes	 de
morrer,	em	1969,	“é	ficar	em	pé	diante	de	uma	plateia,	sem	preparo	algum
e,	então,	durante	cinquenta	minutos	evitar	que	eles	mexam	um	tornozelo
sequer.”
Por	que	ela	era	tão	rigorosa?	Porque	tinha	uma	convicção	inabalável	em
sua	didática,	que	em	si	mesma	ostentava	um	elemento	da	camisa	de	força.
Apesar	 do	 que	 alardeava,	 seu	 discurso	 aos	 tipógrafos	 britânicos	 havia
claramente	passado	por	muito	preparo,	a	começar	pelo	título:	“O	cálice	de
cristal,	ou	a	impressão,	deve	ser	invisível.”
Sua	 teoria	 simples	 e	 sensata	 era	que	o	melhor	 tipo	existia	meramente
para	comunicar	uma	 ideia.	Não	estava	ali	para	ser	notado	e	muito	menos
admirado.	 Quanto	 mais	 o	 leitor	 percebe	 uma	 fonte	 ou	 um	 layout	 numa
página,	pior	é	a	tipografia.	A	analogia	com	o	vinho	era	tranquila	e	madura,	e
talvez	 agora	 pareça	 um	pouco	 gasta:	 quanto	mais	 claro	 o	 copo,	mais	 seu
conteúdo	 pode	 ser	 apreciado;	 o	 luxuoso	 cálice	 dourado	 e	 opaco
simbolizado	 pela	 velha	 escrita	 gótica	 na	 qual	 o	 E	 com	 barras	 pesadas	 se
assemelha	a	uma	ponte	levadiça	não	era	a	sua	praia.
Ela	também	fez	uma	consideração	importante	ao	distinguir	legibilidade
de	 leiturabilidade.	Um	 tipo	 em	 tamanho	maior	não	 é	necessariamente	de
melhor	 leiturabilidade,	 embora	 considerado	 isoladamente	 da	 cadeira	 de
um	 oftalmologista	 possa	 ser	mais	 legível.	 Um	 falante	 que	 berra	 pode	 ser
mais	 audível:	 “Mas	 uma	 boa	 voz	 falante	 é	 uma	 voz	 que	 é	 inaudível
enquanto	tal.	Não	preciso	alertá-lo	de	que,	se	você	estiver	num	palanque	e
começar	 a	 atentar	para	 as	 inflexões	 e	os	 ritmos	de	 fala	de	uma	voz,	 você
cairá	no	sono.”
Palavras	fortes	de	uma	mulher	determinada	(em	Albertus).	Praticamente	todos	os	impressores	do
país	exibiam	uma	cópia	do	panfleto	de	Warde
O	mesmo	 acontece	 com	 a	 impressão.	 “A	 coisa	mais	 importante”,	 dizia
Warde,	 “é	 que	 ela	 transmite	 pensamento,	 ideias,	 imagens	 de	 uma	mente
para	outras.	Essa	declaração	é	o	que	se	pode	chamar	de	porta	da	frente	da
ciência	da	tipografia.”
Ela	explicava	que	a	tarefa	do	tipógrafo	de	livros	era	construir	uma	janela
entre	 o	 leitor	 dentro	 de	 uma	 sala	 e	 “a	 paisagem	 que	 são	 as	 palavras	 do
autor.	 Ele	 pode	 instalar	 um	 vitral	 de	 beleza	 esplêndida,	 mas	 que	 é	 um
fracasso	como	janela;	ou	seja,	ele	pode	usar	alguns	tipos	estupendos	como
o	gótico,	que	é	algo	para	o	qual	se	deve	olhar,	e	não	através	do	qual	se	deve
olhar.	 Ou	 pode	 operar	 no	 que	 chamo	 de	 tipografia	 transparente	 ou
invisível.	Tenho	um	livro	em	casa,	do	qual	não	tenho	nenhuma	recordação
visual	no	que	diz	respeito	a	sua	tipografia;	quando	penso	nele,	tudo	o	que
vejo	 são	 os	 três	mosqueteiros	 e	 seus	 companheiros	 se	 pavoneando	pelas
ruas	de	Paris”.
É	 fácil	concordar	com	Warde	à	medida	que	ela	se	senta	para	o	grande
aplauso.	 Ninguém	 quer	 um	 livro	 que	 seja	 difícil	 de	 ler	 ou	 que	 ofenda	 os
olhos.	 Mas	 seu	 ponto	 de	 vista	 de	 oitenta	 anos	 de	 idade	 agora	 parece
restritivo,	e	embora	suas	teorias	repreendam	o	ostentoso,	não	premiam	o
curioso	 ou	 o	 experimental.	Warde	 pode	 ter	 receado	 os	 efeitos	 dos	 novos
movimentos	 artísticos	 sobre	 os	 valores	 tipográficos	 tradicionais;	 se	 for
assim,	era	uma	forma	de	xenofobia.	Negar	a	 ideia	de	que	os	tipos	possam
em	 si	 mesmos	 ser	 a	 mensagem	 (negar	 que	 basta	 que	 eles	 sejam
empolgantes

Outros materiais