Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Na era digital, as fontes deixaram de ser uma questão exclusiva de tipógrafos e designers para habitar os menus dos nossos computadores. Qual o seu tipo favorito? Saiba que essa resposta vai revelar muito sobre você. Simon GarAield nos leva a um interessante passeio pelo mundo da tipograAia, da invenção da prensa por Gutenberg aos dias de hoje. Durante esse percurso, reAlete sobre a razão de alguns tipos terem se tornado grandes clássicos, como Bodoni e Garamond, enquanto outros viraram moda passageira ou acabaram rejeitados; comenta a ditadura da Comic Sans e da Helvetica mundo afora; revela o papel da Gotham na campanha de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos; analisa os logotipos de lojas e capas de discos (por que, por exemplo, o "T" na logo dos Beatles é maior que as outras letras?), entre outras curiosidades. O autor transita por um universo de 560 anos de existência e mais de 100 mil variações, que inclui nomes familiares como Times New Roman, Futura e Calibri, e com o qual convivemos todos os dias nas esquinas de nossas ruas, prateleiras de livros e telas de computador. Em Budapeste, cirurgiões operaram o aprendiz de gráfico Gyoergyi Szabo, 17, que, melancólico com a perda de uma namorada, havia composto e engolido os tipos com o nome dela. Revista Time, 28 de dezembro de 1936 N Introdução Letras de amor o dia 12 de junho de 2005, um homem de cinquenta anos se apresentou diante de uma multidão de alunos na Universidade Stanford e falou de seus dias de universitário em uma instituição menor, o Reed College, em Portland, Oregon. “Por todo o campus”, lembrava-se ele, “cada cartaz, cada rótulo em cada gaveta era escrito em uma caligrafia maravilhosa. Como eu havia abandonado a faculdade e não tinha de assistir às aulas normais, decidi fazer um curso de caligrafia para aprender a fazer aquilo. Aprendi sobre tipos com e sem serifa, sobre a variação do tamanho do espaço entre diferentes combinações de letras, sobre o que torna uma tipografia excelente. Foi maravilhoso, uma aula de história artisticamente sutil em um sentido que a ciência não consegue capturar, e achei aquilo fascinante.” Na época, o estudante desertor acreditava que nada do que ele aprendera teria aplicação prática em sua vida. Mas as coisas mudaram. Dez anos depois da faculdade, aquele homem, que se chamava Steve Jobs, projetou seu primeiro computador Macintosh, uma máquina que vinha com uma coisa inédita – um amplo leque de fontes. Além de incluir tipos conhecidos como Times New Roman e Helvetica, Jobs acrescentou diversos designs novos, evidentemente tomando certo cuidado com a aparência e os nomes. Eram batizados em homenagem a cidades que ele amava, como Chicago e Toronto. Jobs desejava que cada um deles fosse tão distinto e bonito quanto a caligrafia que conhecera uma década antes, e pelo menos duas das fontes, Venice e Los Angeles, tinham um ar caligráfico. Era o início de algo importante – um abalo sísmico em nossa relação cotidiana com as letras e os tipos. Uma inovação que, em uma ou duas décadas, introduziria a palavra “fonte” – antes, um componente da linguagem técnica limitado ao design e ao ofício gráfico – no vocabulário de todos os usuários de computador. Hoje não é fácil encontrar as fontes originais de Jobs, o que também se justifica: elas são grosseiramente pixelizadas e de incômoda manipulação. Mas a simples possibilidade de alterar fontes parecia tecnologia de outro planeta. Antes do Macintosh de 1984, os primeiros computadores ofereciam apenas um tipo insípido, e boa sorte para você se quisesse usá-lo em itálico. Mas a partir de então passou a existir uma seleção de alfabetos que faziam o máximo para recriar algo a que estávamos acostumados no mundo real. O principal deles era o que a Apple usou para todos os seus menus e caixas de diálogos até a primeira geração de iPods. Mas era possível optar também por letras góticas antigas que lembravam o trabalho de escribas chaucerianos letras suíças limpas que refletiam o modernismo empresarial letras altas e arejadas que poderiam ter adornado cardápios de transatlânticos Havia até uma fonte que parecia ter sido feita de recortes de jornal – útil para trabalhos de colégio tediosos e anotações aleatórias. A IBM e a Microsoft logo fariam o máximo para copiar o exemplo da Apple, enquanto as impressoras domésticas (um conceito novo na época) começavam a ser comercializadas não só pela velocidade, mas pela diversidade de suas fontes. Atualmente o conceito de “desktop publishing” ou “editoração eletrônica” evoca um universo de convites de festas de layout duvidoso e revistas comunitárias poluídas, mas ele simbolizou uma libertação gloriosa da tirania dos compositores profissionais e das frustrações de ter que raspar uma cartela de transferência de caracteres da Letraset. Uma mudança pessoal de fonte realmente dizia algo: um passo criativo rumo à expressividade, uma experiência libertadora de brincar com palavras. A Chicago num dos primeiros iPods E hoje nem sequer podemos imaginar uma liberdade artística cotidiana mais simples do que abrir o menu de fontes. Nele se encontra o derrame da história, o eco de Johannes Gutenberg a cada toque de tecla. Nele estão nomes que reconhecemos: Helvetica, Times New Roman, Palatino e Gill Sans. Nomes de fólios e de velhos manuscritos: Bembo, Baskerville e Caslon. Possibilidades de elegância: Bodoni, Didot e Book Antiqua. E os riscos do ridículo: Brush Script, Herculanum e Braggadocio. Vinte anos atrás mal os conhecíamos, mas todos temos os nossos favoritos. Os computadores nos deram todos os deuses do tipo, um privilégio que não poderíamos jamais prever na era da máquina de escrever. No entanto, quando optamos por Calibri, e não Century, ou quando o designer de um anúncio prefere Centaur a Franklin Gothic, o que está por trás dessa escolha e qual impressão esperamos criar? Quando escolhemos uma fonte, o que estamos realmente dizendo? Quem faz essas fontes e como eles trabalham? E exatamente por que precisamos de tantas? O que devemos fazer com Alligators, Accolade, Amigo, Alpha Charlie, Acid Queen, Arbuckle, Art Gallery, Ashley Crawford, Arnold Böcklin, Andreena, Amorpheus, Angry e Anytime Now? Ou Banjoman, Bannikova, Baylac, Binner, Bingo, Blacklight, Blippo ou Bubble Bath? (E como é delicioso o som de Bubble Bath, com seus finos círculos flutuantes e interligados, prontos para explodir e molhar a página?) Existem mais de 100 mil fontes no mundo. Mas por que não podemos nos ater a uma meia dúzia – talvez fontes familiares como Times New Roman, Helvetica, Calibri, Gill Sans, Frutiger ou Palatino? Ou a clássica Garamond, batizada com o nome do designer de tipos Claude Garamond, que trabalhava em Paris na primeira metade do século XVI e cujo tipo romano altamente legível liquidou o ranço pesado de seus predecessores alemães e, mais tarde, adaptado por William Caslon na Inglaterra, forneceria as letras para a Declaração de Independência americana. Bubble Bath – light,regular e negrito As fontes têm hoje 560 anos de idade. Assim, quando um inglês chamado Matthew Carter desenhou Verdana e Georgia em seu computador nos anos 1990, o que podia ele estar fazendo a um A e um B que não havia sido feito antes? E como um amigo seu desenvolveu a fonte Gotham, que facilitou a chegada de Barack Obama à Presidência? E o que exatamente torna uma fonte presidencial ou norte-americana, inglesa, francesa, alemã, suíça ou judia? São mistérios obscuros, e a tarefa deste livro é chegar ao cerne deles. Mas começaremos por um caso de cautela, uma história do que acontece quando se perde o controle sobre uma fonte. Q Um pato entra em um bar e diz: “Pode me servir uma cerveja, por favor?” E o barman responde: “Será que isso é pro seu bico?” uanto isso é engraçado? Bastante. Na primeira vez em que você ouve. É o tipo de piada da qual você consegue se lembrar – uma piada que mostra às pessoas que você não é totalmente incapaz de contar uma piada. Uma criança pode contá-la, ou um tio. É o tipo de piada que, se você a viu em um cartão numa papelaria, ela estaria – como aconteceu acima – escrita em Comic Sans. Mesmo que você não saiba como a fonte se chama, já deve estar familiarizado com a Comic Sans. É como se ela tivesse sido desenhada com todo o cuidado por um menino de onze anos: letras uniformes e arredondadas, nada inesperado, o tipo de formato que poderia figurar em uma sopa de letrinhas, em ímãs de geladeira ou no diário de Adrian Mole. Se você vir uma palavra em algum lugar com cada letra numa cor diferente, essa palavra geralmente estará em Comic Sans. Comic Sans é uma fonte que deu errado. Foi desenvolvida com um propósito específico por um profissional com um sólido embasamento filosófico em artes gráficas, e foi liberada para o mundo com um coração generoso. A intenção nunca foi provocar repulsa ou repugnância, muito menos que a fonte terminasse (como terminou) na lateral de uma ambulância ou em uma lápide num cemitério. A ideia era que fosse engraçada. E, curiosamente, nunca foi projetada para ser uma fonte. A culpa – embora você não seja o primeiro a acusá-lo disso, e ele aceita todas as críticas com um genial dar de ombros – é de Vincent Connare. Em 1994, Connare sentou-se diante do computador e começou a pensar que poderia melhorar a condição humana. A maioria das boas fontes começa dessa forma. No caso de Connare, ele queria resolver um problema em que seus empregadores haviam tropeçado sem pensar. Connare trabalhava na Microsoft. Ele entrou para a empresa não muito depois de esta começar a dominar o mundo digital, mas antes de passar a ser conhecida como o Império do Mal. O cargo de Connare não era “designer de fontes”, pois isso poderia ter sugerido algum tipo de artesão medieval entalhador de cadeiras, mas “engenheiro tipográfico”. Ele havia chegado da Agfa/Compugraphic, onde trabalhara no design de diversas fontes, algumas delas registradas para a rival da Microsoft, a Apple, e sua formação inicial era de fotógrafo e pintor. Certo dia, no início de 1994, Connare olhou para a tela de seu computador e viu uma coisa estranha. Ele estava navegando por uma versão experimental do Microsoft Bob, um pacote de programas projetado para ser de fácil utilização. O pacote incluía um gerenciador financeiro e um editor de textos, e por algum tempo foi de responsabilidade de Melinda French, que mais tarde se tornou a sra. Bill Gates. Connare descobriu que havia algo especialmente errado com Bob: sua fonte. As instruções, redigidas em linguagem acessível e com ilustrações atraentes (na verdade, destinadas a pessoas que de outro modo poderiam se assustar com computadores), estavam compostas em Times New Roman. O aspecto era horrível, pois o software era caloroso e acolhedor e segurava a mão do usuário, ao passo que a Times New Roman era tradicional e fria. Parecia uma escolha ainda mais estranha quando colocada junto às ilustrações infantis que o acompanhavam, principalmente o próprio Bob – um cãozinho brincalhão e de fala mansa. Connare sugeriu aos designers do Microsoft Bob que a experiência que ele tinha com o software educacional e infantil da companhia poderia qualificá-lo para renovar a aparência de seu mais novo produto. É provável que nem tenha sido preciso listar os motivos pelos quais a Times New Roman era inadequada, mas o primeiro deles era a onipresença da fonte e o segundo, seu caráter tedioso. A fonte fora concebida no início dos anos 1930 por Stanley Morison, um tipógrafo brilhante cuja influência na editoração moderna foi imensa, para modernizar o jornal The Times. Esse trabalho não teve nenhum traço em comum com o modo como os jornais são modernizados hoje em dia – reformulações destinadas basicamente a aumentar a sensação de juventude e recuperar a publicação do declínio nas vendas. Sua intenção primordial era a clareza; Morison sustentava que “um tipo que quer ser atual e, principalmente, ter um futuro, não será nem muito ‘diferente’ nem muito ‘jovial’”. Microsoft Bob, um cãozinho em busca de uma fonte Mas as fontes têm o seu tempo e, na metade dos anos 1990, no que ainda era o alvorecer da era digital, Vincent Connare se pôs a mostrar que Morison estava enganado. Em diversos sentidos, a Comic Sans já existia antes de Connare legitimá-la ao lhe dar um nome. Ela existia, é claro, nos cartuns e nas histórias em quadrinhos (de fato, a fonte era chamada originalmente de Comic Book). Um dos quadrinhos que Connare tinha ao lado de sua mesa na Microsoft era Batman: O cavaleiro das trevas, de Frank Miller com Klaus Janson e Lynn Varley. A revista contava a história do justiceiro, mais velho, retornando de sua angustiada aposentadoria para enfrentar inimigos terríveis, apenas para descobrir que estava mais impopular do que nunca entre as autoridades de Gotham. Foi um sucesso de proporções enormes, pois atingiu um público que anteriormente se constrangia ao ser visto com o que estava então se tornando uma forma de arte aceitável, a graphic novel. Juntamente com Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons, outra influência de Connare, a revista marcou o ponto em que os quadrinhos asseguraram seu lugar tanto na literatura como na arte. Watchmen – uma inspiração sombria para a Comic Sans Embora fosse mais sinistro e tivesse personagens assombrados por terríveis demônios interiores, Batman: O cavaleiro das trevas não era tão diferente assim dos antigos quadrinhos da DC e da Marvel. Seu valor para o tipógrafo era que alcançava aquela fusão quase sublime de imagem e texto, na qual um não afogava o outro, e ambos podiam ser simultaneamente absorvidos. Era como assistir a um filme com uma legenda perfeita. Quando o Coringa, aparentemente moribundo, cospe as palavras “VEREI… VOCÊ… NO INFERNO”, o leitor salta de um quadro para outro ofegante. É a fonte perfeita, ou pelo menos a fonte perfeitamente adequada ao meio; talvez ficasse estranha numa Bíblia. Essa também era a meta de Connare, mas ele tinha consciência de que o texto dos quadrinhos nem sempre era usado de forma tão linear. Aqueles que não estavam expostos aos quadrinhos durante anos talvez estivessem mais familiarizados com a fonte da pop art de Roy Lichtenstein, inspirada tanto pelos quadrinhos dos anos 1950 quanto pela poesia dos discos de Phil Spector. Havia uma ironia primitiva no uso de Lichtenstein das palavras “WHAAM!” e “AAARRRGGGHHH!!!”, e um humor consciente em suas donzelas louras que soluçavam: “Era assim que devia ter começado! Mas não há esperança!” Mas estes eram tipos chamativos, tipos com uma mensagem envolvente.Claro que Connare sabia que tanto Lichtenstein como o Batman de Frank Miller não usavam fontes, mas letras que tinham sido manuscritas para cada quadrinho. Isso conferia a elas grande flexibilidade e variedade – o fato de não existirem duas letras que fossem exatamente iguais entre si, a possibilidade de enfatizar uma sílaba graças a um leve aumento da pressão na pena –, mas o apreço de Connare pela arte manual nada poderia fazer para solucionar o problema do Microsoft Bob. Esse novo software exigia uma interface com uma fonte nova que tivesse o aspecto de ter sido desenhada por uma mão criativa e amigável (mão esta que seguraria a sua à medida que você navegasse pelo programa). As letras de Connare seriam as mesmas cada vez que fossem usadas, mas ainda pareceriam humanas. Connare utilizou a ferramenta padrão na época para projetar tipos em um computador – o Macromedia Fontographer –, desenhando cada letra repetidas vezes dentro de um grid até obter o traçado desejado. Ele optou por um estilo que seria o equivalente de uma tesoura cega de criança – letras leves, redondas e sem pontas, para não machucar você. Desenhou tanto maiúsculas como minúsculas e as imprimiu para examinar suas dimensões quando colocadas umas ao lado das outras. Como a maioria dos designers, ele tinha um modo de relaxar os olhos a fim de conseguir se concentrar no papel branco por trás das letras, medindo o espaço entre os caracteres, o espaço entre as linhas do texto e seu “peso” – se os traços da letra eram finos ou largos, quanta tinta usavam em uma página, quantos pixels ocupavam na tela. A Comic Sans em toda a sua glória infantil Em seguida, enviou o que havia feito para o pessoal que trabalhava no Microsoft Bob, e eles responderam com más notícias. Tudo no pacote de programas havia sido configurado com as medidas da Times New Roman – não só a escolha e o tamanho da fonte, mas também o tamanho dos balões de fala que a continham. A Comic Sans era ligeiramente mais larga que a Times New Roman, e, assim, não poderia ser simplesmente encaixada em seu lugar. O Microsoft Bob foi devidamente lançado em seu estado formal, e não fez sucesso. Ninguém culpou oficialmente a fonte inadequada. Mas não muito depois o trabalho de Connare foi adotado para o Microsoft Movie Maker, um sucesso evidente. E assim, a fonte, que pretendia ser apenas solução para um problema, decolou. A Comic Sans se tornou global após ser incluída como fonte complementar no Windows 95. Agora o mundo inteiro não só poderia vê-la, como também usá-la. Como era irreverente e ingênua, pode ter parecido mais adequada ao cabeçalho de um trabalho de colégio do que algo com uma formalidade mais pesada de uma Clarendon (que remonta a 1845). As pessoas também passaram a usá-la em cardápios de restaurante, cartões de felicitações, convites de aniversário e cartazes impressos em casa e grampeados em árvores. Foi como uma propaganda viral antes de esse conceito existir, e, como uma boa piada, a princípio foi engraçada. Connare explicou por que ela funcionava tão bem. “Porque às vezes ela é melhor do que a Times New Roman, só por isso.” Depois a Comic Sans começou a aparecer em outros lugares: na lateral das ambulâncias, em sites pornográficos, nas costas do uniforme da seleção portuguesa de basquete, na BBC e na revista Time, em anúncios de tênis Adidas. Ela se tornou corporativa, e subitamente a Times New Roman não parecia mais tão ruim. Toda vez que você usar a Comic Sans, a Faye vai espancar esse lindo coelhinho. “Mas eu não quero espancar o coelhinho!” – propaganda agressiva do site Ban Comic Sans Na virada do século, as pessoas começaram a ficar irritadas com a Comic Sans, a princípio de um jeito cômico e depois de um modo mais agressivo. Blogueiros se voltaram contra ela, uma coisa perigosa, e Vincent Connare se viu no centro de uma campanha de ódio na internet. Em torno dela, o casal Holly e David Combs montou um negócio caseiro em que vendiam canecas, bonés e camisetas por reembolso postal com os dizeres “Ban Comic Sans” [“Fora, Comic Sans”], ao lado de seu próprio manifesto: Entendemos que a escolha de fontes é uma questão de preferência pessoal e que muita gente pode discordar de nós. Acreditamos na santidade da tipografia e que as tradições e as normas estabelecidas desse ofício devem ser defendidas o tempo inteiro … As próprias qualidades e características das fontes comunicam aos leitores um significado que ultrapassa a mera sintaxe. Os Combs, coautores de um livro chamado Peel, que documenta a história social do adesivo, conheceram-se em um sábado numa sinagoga em Indianápolis; Holly conta que se apaixonou assim que eles começaram a conversar sobre fontes. Ambos eram claramente fãs de tipos com autenticidade e propósito, como o manifesto evidencia: Ao desenhar uma placa de “Não Entre”, o mais adequado é usar uma fonte de traços pesados, chamativa, como ou Arial Black. Compor uma mensagem como essa em Comic Sans seria ridículo … tal como comparecer a um evento de gala fantasiado de palhaço. O manifesto dos Combs começou então a soar como algo que os futuristas escreveriam após muito absinto, conclamando o proletariado a um levante contra o mal da Comic Sans e a endossar um abaixo-assinado por sua proibição. O site deles atraiu reação internacional, destacando o grande alcance e a rápida disseminação de uma fonte no mundo digital. Um comentário da África do Sul lamentava: “Sou obrigado a estudar uma língua nacional chamada afrikaans, que é parecida com o flamengo. Quase todos os livros são impressos INTEIRAMENTE em Comic Sans.” A campanha também demonstrou muito bem que o público, fora do mundo do design de tipos, tem consciência e opinião acerca da aparência cotidiana das palavras. O Wall Street Journal publicou uma coluna sobre a Comic Sans e o movimento para bani-la em sua primeira página (em sua rígida fonte Dow Text e um cabeçalho frio em Retina), explicando que a fonte estava tão fora de moda que estava se tornando retrô chic, como as lava lamps. A Design Week chegou até a usar a Comic Sans na capa, com um provocador balão de fala em estilo Lichtenstein perguntando: “A fonte favorita do mundo!?” Os Combs, na verdade, não acreditam que a fonte seja a praga de nosso tempo. Nas entrevistas eles parecem razoáveis: “A Comic Sans fica excelente em uma embalagem de bala”, diz Dave Combs. “Um lugar onde não fica bem, em minha opinião, é numa sepultura.” Você já viu mesmo isso? “Sim, realmente vi.” Onde mais vocês acham que não ficou bom? “Eu estava no consultório de um médico”, lembra-se Holly Combs, “e havia um folheto inteiro descrevendo a síndrome do cólon irritável…”. Connare poderia ter encarado isso de duas maneiras, mas ele foi inteligente e agradeceu a atenção. Saiu em defesa da Comic Sans, mas também admitiu suas limitações estritas. Como os lexicógrafos do dicionário Johnson, designers de tipo raramente podem esperar aclamação, mas fazem bem em evitar recriminações. E raramente recebem fama ignominiosa, ao contrário de Connare, que por um momento se tornou o mais famoso designer de tipos do mundo. Nos mais de quinze anos após ter desenvolvido a Comic Sans, Connare desenhou várias outras fontes que merecem atenção, sendo a mais notável a Trebuchet, que é uma fonte humanista semiformal e delicadamente arredondada, ideal para web design.* Mas a fama de Connare reside em sua criação original. “A maioria das pessoas do dia a dia que não estão em meu ramo conhece a fonte”, diz ele. “Sou apresentado como o cara da Comic Sans. ‘O que você faz?’, eles me perguntam. ‘Sou designer de tipos.’ ‘Designer de quê?’ ‘Você jádeve ter ouvido falar da Comic Sans.’ E todo mundo diz que sim.” Um motivo para isso podem ser os atributos emocionais da Comic Sans, principalmente sua afabilidade. Connare escreveu uma monografia sobre seu próprio herói dos tipos, William Addison Dwiggins, que em 1935 projetou a Electra, uma fonte robusta para livros, que ele concebeu para refletir a ruidosa era da máquina, as arestas como centelhas e fagulhas de uma fornalha. Essa também era uma fonte emocional, e Dwiggins vislumbrou uma conversa na qual ele justificaria suas ambições. “Se você não consegue tornar sua fonte cálida, ela não terá utilidade alguma para compor ideias humanas cálidas – vai ser só uma caixa cheia de rebites … Minha nossa, eu queria fazer uma fonte que fosse a cara de 1935, mas queria que ela fosse cálida – tão cheia de sangue e personalidade que saltasse em você.” (Dwiggins gostava de cunhar expressões: credita-se a ele a invenção do termo “design gráfico”.) Connare às vezes é muito parcimonioso acerca de sua fama. “Se você ama a Comic Sans, você não sabe muito sobre tipografia. Se você a odeia, você tampouco sabe muito sobre tipografia, e deveria procurar outro passatempo.” E outras vezes, em lugar de regalar novos conhecidos com toda a epopeia ingênua, ele é capaz de lhes enviar uma apresentação de slides em pdf. Esta contém não apenas os usos bizarros de sua fonte, mas também uma carta que recebeu dos organizadores da campanha para banir a Comic Sans agradecendo-o por ser “boa gente” e, alguns slides depois, uma carta de agradecimento da Disney após esta ter usado a Comic Sans em seus parques temáticos (assinada por Mickey Mouse). Sua conclusão quanto ao motivo pelo qual a Comic Sans se tornou uma das fontes de uso mais amplo no mundo é fascinante: as pessoas gostam dela, diz ele, “porque ela não parece uma fonte”. Minha nossa, é verdade. Isso sugere que, mesmo na era digital, não sabemos muito sobre tipos, e podemos realmente nos assustar com eles. Eis aqui algo que sempre foi central em nossa vida, mas quando o menu nos oferece a oportunidade de escolher tipos para nossos próprios fins, parece que optamos por aquele que mais nos lembra a sala de aula. A cada oportunidade nosso computador pergunta se gostaríamos de passar o dia com Baskerville, Calibri, Century, Georgia, Gill Sans, Lucida, Palatino ou Tahoma. Mas escolhemos a velha Comic Sans. Talvez isso seja exatamente como deve ser. Em sua tentativa de se parecer com uma caligrafia, a Comic Sans tem suas raízes em tipos da Idade Média. É a conclusão lógica para uma inovação tecnológica que transformou tudo. Claro que se Johannes Gutenberg tivesse imaginado que seu maior esforço terminaria como uma placa engraçada acima de uma sala de velório ele bem poderia ter agarrado toda a tinta de imprimir da Europa com os próprios dedos gordos e manchados e lançado ao mar. Mas ora, Johannes, relaxe! Conte uma piada! Como observou o Wall Street Journal, pelo menos a Comic Sans evoluiu da barra de ferramentas do computador para se tornar uma bela tirada: Comic Sans entra num bar e o bartender diz: – Não servimos gente do seu tipo. * Tanto a Trebuchet como a Comic Sans são altamente consideradas por aqueles que trabalham com crianças disléxicas, pois por sua nitidez simples e inofensiva elas se provam muito mais acessíveis do que fontes mais duras e tradicionais. No dia 25 de setembro de 2007, uma mulher chamada Vicki Walkercometeu um crime tipográfico tão calamitoso que lhe custou não somente o emprego, mas quase a sua sanidade. Walker estava trabalhando como contadora em uma seguradora de saúde da Nova Zelândia e precisava enviar um e-mail. Lamentavelmente, ela ignorava a única regra conhecida por todos os que já enviaram e-mails na vida: LETRAS MAIÚSCULAS DÃO A IMPRESSÃO DE QUE VOCÊ ODEIA ALGUÉM E DE QUE ESTÁ GRITANDO COM A PESSOA. Era uma tarde de terça-feira. Walker digitou esta orientação e clicou em “Enviar”: PARA GARANTIR QUE O PEDIDO DE SEU PESSOAL SEJA PROCESSADO E PAGO, SIGA, POR FAVOR, A LISTA DE CHECAGEM ABAIXO. Em muitos sentidos não se tratava da palavra escrita em sua melhor forma, mas não chegava a ser um delito para demissão. As letras estavam em azul e o e-mail também continha trechos em negrito em preto e em vermelho. Ela trabalhava para a ProCare, em Auckland, uma empresa que visivelmente se orgulhava muito de saber quando usar ou não a tecla das maiúsculas, embora não houvesse um guia de etiqueta para redação de e- mails na época em que Vicki Walker carregou ostensivamente na caixa alta. Caixa alta e baixa? O termo deriva da posição dos tipos de metal ou de madeira dispostos diante do tipógrafo tradicional antes de serem usados para formar uma palavra – os mais frequentes em um nível mais baixo e mais acessível, as letras maiúsculas acima deles, esperando a vez. Mesmo com essa distinção, o compositor ainda tinha que “cuidar de seus Ps e Qs”,* de tanto que essas duas letras se pareciam, quando um bloco de tipos era desmontado e cada letra jogada de volta em seu compartimento na bandeja. O uso considerado correto dos tipos varia ao longo do tempo. Atualmente, decretos empresariais são comuns e os memorandos chegam de cima como tabuletas de pedra: não deveis usar outra fonte que não Arial tanto para comunicados internos quanto para comunicados externos. Mas quem pode dizer que a caixa baixa da Arial de 1982 é preferível às CAPITULARES DE TRAJANO usadas nos frontões dos prédios públicos da Roma antiga? E como nossos olhos deixaram de aceitar uma em favor da outra, até o ponto em que uma escolha impensada de todas em maiúscula se tornasse motivo para dores de cabeça e demissões? A caixa alta e a caixa baixa Vicki Walker foi demitida três meses depois que seu e-mail foi acusado de ter provocado “desarmonia no local de trabalho”, o que teria sido motivo de riso se não lhe tivesse causado tanto dissabor. Vinte meses depois, após ter que hipotecar a casa de novo e pegar dinheiro emprestado com a irmã para defender sua causa, Vicki apelou com sucesso por demissão injusta e recebeu 17 mil dólares de indenização. Sempre houve regras e etiqueta para o uso de tipos. Digamos que você esteja projetando uma capa para uma nova edição de Orgulho e preconceito, de Jane Austen. O livro está em domínio público e por isso não lhe custa nada, a bela ilustração de capa de um jardim secreto foi feita por um amigo e agora tudo o que você tem a fazer é escolher uma fonte adequada para o título e o nome da autora e, em seguida, para o texto do miolo. Para os tipos da capa, a sabedoria convencional seria escolher algo como Didot, que surgiu por volta da época em que Austen estava escrevendo e parece muito elegante com sua grande amplitude de contraste entre linhas finas e linhas mais fortes, principalmente em itálico (Orgulho e preconceito). Essa fonte será muito adequada e venderá livros para pessoas que gostam de edições clássicas. Mas se você quisesse alcançar um público diferente, do tipo que poderia ler Kate Atkinson ou Sebastian Faulks, você poderia optar por algo menos rançoso, talvez a Ambroise Light, que, como a Didot, possui um pedigree francês elegante. Para o miolo do livro, você poderia considerar uma atualização digital da Bembo – quem sabe a Bembo Book? Originalmente aberta em metal nos anos 1490, essa fonte romana clássica retém uma leiturabilidade duradoura. E se encaixa no princípio primordial de que as fontes devem, em geral, passar despercebidas na vida cotidiana; de que elas devem informar, não alarmar. Uma fonte de capa de um livro deve meramente convidar o leitor a entrar; uma vez que tenha criado a atmosfera desejada, o melhor é que ela saiade mansinho, como a anfitriã de uma festa. Claro que existem exceções, e uma das mais brilhantes é a edição original do best-seller de John Gray, Homens são de Marte, mulheres são de Vênus, no qual o designer Andrew Newman escolheu Arquitectura para as linhas relativas aos homens e Centaur para as relativas às mulheres. Arquitectura parece uma fonte máscula porque é alta, sólida, tem um leve toque de era espacial, é arraigada e implacável. A Centaur, apesar de seu nome macho, parece ter sido escrita à mão, possui traços fluidos e é atraente e elegante (é óbvio que isso é um estereótipo sexual grosseiro, mas Homens são de Marte, mulheres são de Vênus é psicologia popular). As fontes também têm estereótipo sexual Portanto, esta é outra regra: fontes podem ter gênero. O entendimento é que fontes grossas, pesadas e com arestas pontiagudas são principalmente masculinas (experimente ), e fontes fantasiosas, mais leves e curvilíneas são principalmente femininas (talvez a , da Adobe Wedding Collection). É possível subverter essa regra, mas nunca as associações automáticas insinuadas pelos tipos. O mesmo ocorre com a cor: se você vê um bebê vestido de cor-de-rosa, é uma menina. Os tipos nos condicionam desde o nascimento, e foram necessários mais de quinhentos anos para começarmos a nos libertar deles. Johannes Gutenberg não prestou muita atenção ao gênero da fonte quando fez suas primeiras letras, nos anos 1440. E não se importou muito em encontrar uma fonte adequada para cada novo projeto ou mesmo em mudar o curso da história ocidental. O que importava para ele era ganhar dinheiro. Gutenberg nasceu em Mainz, perto de Frankfurt, e era filho de um rico comerciante ligado à casa da moeda local. Sua família se mudou para Estrasburgo quando ele ainda era novo, mas os detalhes do início de sua vida ativa são nebulosos. Existem registros de seu envolvimento com pedras preciosas, metalurgia e espelhos, mas sabe-se que no final dos anos 1440 ele estava de volta a Mainz tomando dinheiro emprestado para fabricar tinta e equipamento de impressão. A visão de Gutenberg envolvia automação, constância e reciclagem. Não é provável que ele tenha conhecido os antiquíssimos métodos de impressão da China e da Coreia, a maioria dos quais envolvia a produção de livros de uma só vez com blocos de madeira e tipos fundidos em bronze. Certamente ele foi o primeiro a ter dominado os princípios da produção em massa na Europa, e suas inovações com a moldagem de letras reutilizáveis definiu o padrão de impressão para os quinhentos anos seguintes. O livro se tornou mais barato e mais disponível, e o que outrora era da esfera exclusiva da Igreja e dos ricos com o tempo se tornou fonte de prazer e esclarecimento para todas as classes educadas. Que ferramenta perigosa ele liberou. Como isso foi alcançado? Com destreza, paciência e alguma criatividade. A experiência de Gutenberg com ferraria lhe havia ensinado os princípios dos metais rígidos e macios, e da forja de selos e outros símbolos em prata e ouro. Ele estava igualmente familiarizado com ligas líquidas e, em algum momento no final dos anos 1440, é provável que uma ideia tenha se forjado em sua mente: e se todas essas técnicas combinadas pudessem ser aplicadas à impressão? Todos os livros que Gutenberg havia visto até aquele momento teriam sido escritos à mão. Aos olhos modernos, aquela escrita pode muitas vezes parecer quase mecânica, embora seja resultado de penoso trabalho realizado por um escriba profissional debruçado durante meses sobre um único volume. Palavras completas poderiam ser gravadas em blocos individuais de metal ou madeira e depois entintadas, mas isso aumentaria ainda mais o tempo de produção de um livro. Mas e se fosse possível transformar esse processo pela moldagem de um alfabeto em pequenas peças de tipos móveis que pudessem ser reutilizadas e reconfiguradas toda vez que fosse preciso redigir uma nova página de um documento ou livro? Gravura de 1568 registrando os primeiros impressores trabalhando. Ao fundo, os compositores organizam os tipos fundidos Não se conhece o método preciso de fundição de tipos de Gutenberg, mas a sabedoria popular sugere que fosse pelo menos parecido com o primeiro processo documentado de duas décadas depois (e o método que dominou a impressão até 1900). Este começa pelo entalhe das punções – esculpir uma letra ao contrário na ponta de uma punção, uma barra de aço de alguns centímetros de comprimento. A punção é então martelada em um metal mais mole, geralmente cobre, formando uma “matriz” entalhada a ser encaixada, com a ajuda de uma mola, em um molde de madeira seguro pela mão. Metal quente – uma mistura de chumbo, estanho e antimônio – é vertido dentro do molde com uma concha e rapidamente endurece em uma letra individual em umas das faces do bloco do tipo, pronto para ser alinhado em palavras. Resumindo, é assim que nasce uma fonte, embora o processo de espacejamento, moldagem e acabamento seja muito mais sofisticado do que o sugerido aqui. Cada alfabeto regular seria ampliado por muitas letras duplicadas, bem como por pontuação e espaços; acredita- se que Gutenberg tenha moldado quase trezentos caracteres diferentes para sua Bíblia de dois volumes e 1.282 páginas, publicada em 1454-55. Uma vez pronta a fonte, uma página espelhada seria cuidadosamente montada em uma moldura ou “caixilho” de madeira, e uma vez impressas cópias suficientes, o bloco era desmontado e os tipos, reutilizados. A impressão acelerou o processo, ao passo que os tipos o baratearam; assim, testemunhamos o nascimento da produção em massa. A amplitude dos feitos de Gutenberg é inestimável. Ele não só desenvolveu a prensa de impressão, mas também novas tintas a óleo (as tintas à base de água não aderiam ao metal), além do que pode ser considerado o primeiro exemplo de marketing de livros. Ele empregou vinte assistentes, alguns dos quais na função de vendas; em uma versão inicial da Feira do Livro de Frankfurt em 1454, todos os 180 exemplares impressos de sua Bíblia foram vendidos antes da publicação. O papel de Gutenberg na disseminação do debate, da ciência e da dissidência – a impressão como porta-voz dual da razão e da loucura humanas – já se fazia sentir no momento de sua morte, em 1468. (Ele não morreu rico, tendo entregado seu equipamento de impressão após uma infrutífera batalha legal com seu principal benfeitor, Johannes Fust.) Mas sua contribuição na criação de tipos é menos clara e certamente outro nome merece igual reconhecimento. Acredita-se que Peter Schoeffer, que se juntou a Gutenberg em Mainz após estudar caligrafia na Sorbonne, tenha desempenhado um papel fundamental nas primeiras experiências de abertura de punções, embora sua importância tenha sido, em grande parte, esquecida. Os primeiros textos de Gutenberg e Schoeffer se pareciam com – na verdade imitavam – letras escritas à mão, em parte porque era a isso que as pessoas estavam habituadas, e em parte porque ele acreditava que essa seria a única maneira de seus livros alcançarem o mesmo preço de mercado daqueles que estavam substituindo. Os tipos usados para sua famosa Bíblia passaram a ser conhecidos como Textura – que deve seu nome a uma das “mãos escritoras” da época, parte de um grupo conhecido como escrita Schwabacher (letra negra), preferida pelos monges escribas. Mas em outros trabalhos, entre eles as Indulgências de Mainz (documentos da Igreja comprados por um “pecador” e que determinavam um período adequado de penitência), a fonte tinha um toque mais aberto e humano e passou a ser conhecida como Bastarda. A primeira fonte do mundo– Textura, de Gutenberg Na British Library, em Londres, há um exemplar da Bíblia de Gutenberg sob um vidro espesso em uma sala fracamente iluminada no primeiro andar, onde ela divide espaço silencioso com outros tesouros – como a Magna Carta, os Evangelhos de Lindisfarne e o Missal de Sherborne, além do diário do Capitão Scott, um manuscrito de Harold Pinter e letras de música escritas à mão pelos Beatles. A Bíblia é impressa em papel (a biblioteca possui outra impressa em velino), sua origem é cercada de intriga e ela tem rasuras nas páginas de abertura. É uma das 48 cópias sobreviventes das quais se tem conhecimento (a maioria delas está incompleta – existem apenas doze cópias intactas em papel e quatro em velino), e cada uma tem variações no texto, número de linhas, espacejamento e iluminuras. Por meio de espectroscopia foi possível descobrir os pigmentos exatos empregados nas capitulares iluminadas e nas linhas de abertura, uma combinação de amarelo-ocre, vermelhão, verdete, giz, gesso-de-paris, branco-chumbo e preto-carbono. Atualmente a digitalização nos permite visualizar as cópias on-line sem que seja preciso uma viagem até a Euston Road, embora fazer isso seria nos furtar a um dos grandes prazeres da vida. O primeiro livro impresso na Europa – pesado, luxuoso, pungente e frágil – não é muito bom de ler em um iPhone. As fontes eram conhecidas na Inglaterra com a grafia founts. Fontes ou founts não eram o mesmo que tipografia, e tipografia não era o mesmo que tipo. Na Europa, a transição de fount para font se concluiu basicamente por volta da década de 1970, uma reticente aceitação da americanização da palavra. As duas eram usadas de modo intercambiável já na década de 1920, embora alguns bigodudos tradicionalistas ingleses ainda insistissem em fount de uma maneira elitista, na esperança de que isso estendesse sua autenticidade ao passado até remontar a Caxton, o grande impressor britânico de Chaucer. Mas a maioria das pessoas deixou de se importar. Existem coisas mais importantes com que se preocupar, tais como o que de fato significa a palavra. No tempo em que os tipos eram compostos à mão, uma fonte era um conjunto completo de letras de um tipo em um tamanho e estilo específicos, cada a, b e c diferente em caixa alta e baixa, cada sinal de libra ou dólar e marca de pontuação. Haveria muitas duplicatas, a quantidade exata dependendo de seu uso comum, mas sempre mais Es do que Js. A palavra é derivada de “fundo” [fund], ou seja, o estoque (ou quantidade) de tipos do qual as letras são selecionadas. Em nossos dias, fonte refere-se simplesmente a uma determinada tipografia, que pode ter dez ou vinte fontes, cada uma com peso e estilo diferentes. Mas em linguagem corrente usamos fonte e tipografia de modo intercambiável, e há pecados piores. As definições não devem turvar nossa apreciação dos tipos, mas algumas classificações podem ser úteis no entendimento da história e no tratamento do assunto. Assim como é inteiramente possível passar uma tarde agradável em uma galeria sem nenhum conhecimento de teoria da arte ou do lugar de um artista no firmamento, pode-se vagar pelas ruas admirando os tipos nas placas e lojas sem sequer atentar para a sua história. Mas nosso amor por eles pode aumentar se soubermos quem os fez e com que objetivo. Para isso, precisamos definir algumas palavras na linguagem tipográfica. Em 1977, o jornal Guardian deu um elaborado e agora famoso trote de Primeiro de Abril marcando o décimo aniversário da independência de San Serriffe: uma república cujo próprio nome foi tirado do universo das fontes. Flutuando livremente no oceano Índico, o Estado havia passado por um período de rápida prosperidade (devido em grande parte a suas reservas de fosfato), e o suplemento de sete páginas estava cheio de informações intrigantes sobre as medidas benignas do general Che Paica para reprimir o sindicalismo, sobre o porto de Clarendon, a língua Caslon e os hábitos dos nativos Flong de frequentar o teatro. Arquipélago de San Serriffe: as ilhas de Caissa Superiore e Inferiore. Atenção para a sedutora praia de Gill Sands na enseada da ilha de baixo O trote era um cruzamento entre Bananas, de Woody Allen, e o programa de rádio da BBC Mornington Crescent – um universo paralelo onde somente os de coração mais duro poderiam emporcalhar suas praias (Gill Sands) de cinismo. Alguns leitores, segundo se diz, tentaram marcar férias no arquipélago, mas os agentes de viagem não conseguiram localizar o Aeroporto Internacional de Bodoni, a pitoresca enseada de Garamondo ou o vasto cinturão da inóspita Perpetua. Tiveram dificuldade até para localizar as próprias ilhas, tanto a redonda Caissa Superiore como a curvilínea Caissa Inferiore, que, juntas, adquiriam a forma de um ponto e vírgula. San Serriffe caiu no esquecimento, e talvez por causa disso os leitores não familiarizados com o saber popular sobre tipografia tenham precisado desencavar um dicionário. Tanto Bodoni como Baskerville são fontes com serifa, enquanto Gill Sans é uma sem serifa, ou sans serif. A diferença reside nas extremidades das letras, com uma fonte com serifa portando um traço de acabamento que em geral parece apoiar a letra na página. Este traço poderia ser a base de um E, M, N ou P, mas também poderia ser a espora de um r ou a ascendente de um k. Isso faz as letras parecerem tradicionais, conservadoras, honestas e esculpidas – e sua linhagem remonta ao imperador romano Trajano, cuja Coluna em Roma, concluída no ano 113, porta uma inscrição em sua homenagem e serve como a mais influente obra anônima de gravação em pedra dos últimos 2 mil anos. Está tudo nos pés e pontas: remova as áreas escuras (as serifas) e você terá uma sem serifa Coluna de Trajano – a fonte clássica (com serifa) do mundo clássico Letras sem serifa podem parecer menos formais e mais contemporâneas, mas são capazes de recender tanto a tradição quanto uma banda de metais. Várias delas possuem uma forma muito clássica e romana – de fato, já havia escrita sem serifa na Antiguidade –, e quando elas apareceram em prédios na Itália fascista do entreguerras se encaixaram com perfeição, como se ali estivessem havia séculos. São duráveis e podem ser monumentais, e, embora Futura, Helvetica e Gill Sans sejam as mais conhecidas, existem inúmeras outras em nosso cotidiano. O tipo sem serifa mais antigo provavelmente é o de 1816, que se tornou popular ao longo do século XIX principalmente como fonte de letreiros, para uso em cartazes. Entretanto, no século seguinte os tipos sem serifa assumiram um caráter muito diferente, à medida que uma nova geração de designers fundia a tradição romana e a produção de letreiros com o estilo moderno. Nada parecia tão bom pregado na lateral de uma nova máquina, ou, como aconteceu com os tipos de Edward Johnston, no metrô de Londres. As raízes desse estilo novo de sem serifa encontram-se na Alemanha, em uma fonte conhecida como Akzidenz Grotesk, lançada em 1898. Mas ele recebeu uma segunda vida na Inglaterra a partir da fonte de Johnston e da Gill Sans, de Eric Gill, e de outras na Alemanha, na Holanda e – mais notadamente – na Suíça do pós-guerra, onde Univers e Helvetica surgiram para comandar a disseminação do modernismo pelo mundo. Assim, faríamos melhor se pensássemos o tipo agora como europeu. Como existem muitos tipos diferentes, foram feitas diversas tentativas de classificá-los em grupos definidos. Mas um tipo é um elemento vivo e resistirá a uma classificação absolutaaté que tenha se desgastado; uma boa letra isolada em uma fonte vívida tem em si energia suficiente para saltar de qualquer caixa. No entanto, algumas categorias flexíveis podem pelo menos tornar visível o arsenal de variações e nos ajudar a lidar com a possibilidade de explicar uma fonte para alguém que não pode vê-la (o que, antes dos anexos dos e-mails, era uma bela vantagem). O sistema-chave de classificação de tipos é chamado Vox, em função do nome de seu criador francês, Maximilien Vox. O sistema surgiu nos anos 1950 e foi a base para as Normas Britânicas de Classificação de Fontes de 1967. Vox delineava nove formas básicas, desde humanista, didone e mecânicas até lineares e manuais (linear era outra palavra para dizer sem serifa). Tentava ser estrito em suas definições, mas frequentemente revertia para a imprecisão: “O R normalmente tem uma perna curva”, observava em relação às lineares grotescas. “As extremidades dos traços curvos normalmente são oblíquas”, dizia das neogrotescas. Mais recentemente, os grandes fornecedores de tipos digitais, como Adobe e ITC, tentaram estabelecer seus próprios sistemas de classificação. Eles se destinam a ajudar nas buscas e nas vendas em seus sites, mas geralmente mostram a quase impossibilidade (e talvez futilidade) da precisão na classificação. Dentro de cada fonte, cada letra isolada tem sua própria geografia. Isso exige uma linguagem exata que é encantadora e implacável, jargão que começou com o puncionista do século XV e resistiu a todas as tentativas de corrupção digital. Já nos deparamos com alguns desses termos – sendo olhos as áreas fechadas ou semifechadas de uma letra, dentro de um o, b ou n, por exemplo; ao passo que o bojo é a curva de um g, b etc.; e hastes, os principais elementos construtivos, podendo ser espessas ou finas, de acordo com o design. Lição de anatomia dos tipos nº 1: ascendentes e descendentes (no alto), ligatura e altura-x Uma serifa adnata é curvilínea como um tronco de árvore, uma abrupta é uma linha reta, e uma serifa triangular cai em um ângulo geométrico. A altura-x de uma letra é a distância entre a linha de base (a linha de um livro de exercícios) e a linha mediana (o topo de uma letra em caixa baixa); uma ascendente se eleva acima da linha mediana, uma descendente, abaixo da linha de base. Parte do vocabulário tipográfico possui uma beleza interna própria (ou possuía, quando todos os tipos eram de metal). Em geral, ele é antropomórfico, tratando as letras como formas biológicas vivas: a altura do caractere como um todo é conhecida como corpo, o espaço vazio dentro de uma letra elevada é o rebaixo do olho, a parte lisa do tipo de metal é o ombro, enquanto a forma toda em relevo é a face. No hospital de San Serriffe você poderia ter uma ligatura e o resultado frequentemente seria grotesco. Tradicionalmente, uma ligatura era um leve floreio de ligação entre duas letras que são unidas (tais como fl ou æ, o que exige menos espaço em branco entre elas do que se as letras fossem usadas em seu próprio espaço). Atualmente, em geral uma ligatura (um aspecto tanto das fontes serifadas como das sem serifa) refere-se às duas letras em si, usadas como se fossem uma só. Um tipo grotesco não é necessariamente um tipo feio: grotesco é a nomenclatura aplicada a uma certa modalidade de tipo sem serifa, usualmente do século XIX, com alguma variação na espessura dos traços da letra. Um tipo neogrotesco é mais uniforme, tem um aspecto menos quadrado em relação às letras curvas e funciona muito bem em caixa baixa em tamanhos pequenos. E então entra a matemática. O ponto pode ser usado tanto como unidade de medida dos tipos quanto do espaço entre eles. Para um texto regular de jornal ou de livro, em geral uma fonte de 8 a 12 pontos é satisfatória. Existem 72 pontos numa polegada. Um ponto equivale a 0,013833 polegada. Os tipógrafos os agrupam em paicas: 12 pontos para uma paica e 6 paicas para uma polegada. Ocorreram muitas variações históricas e nacionais, e as medidas do metal e do digital diferem ligeiramente, mas hoje quase dispomos de um padrão internacional: nos Estados Unidos, 1 ponto equivale a 0,351mm; na Europa, 1 ponto equivale a 0,376mm. O tipômetro já foi instrumento fundamental do tipógrafo Mas a matemática, a geografia e o vocabulário dos tipos jamais devem obscurecer o fato mais básico de todos: regular ou itálico, claro ou negrito, caixa alta ou caixa baixa – as fontes que funcionam melhor são as que nos permitem ler sem estragar a vista. * No original, “mind your Ps and Qs”. Há aqui um trocadilho que se perde, pois em inglês a expressão significa também algo como “olhe essa boca suja”. (N.T.) Pausa para fonte Gill Sans Eric Gill é lembrado por muitas coisas: suas gravuras em madeira e pedra, sua eterna paixão pela letragem, sua dedicação às artes manuais inglesas – e seus tipos, notadamente o Gill Sans, uma das mais antigas e clássicas fontes sem serifa do século XX. Mas há também sua outra faceta: a escandalosa e incessante experimentação sexual de Gill. Em 1989, Fiona MacCarthy publicou uma biografia do artista que apresentava detalhes repugnantes de seus descaminhos extremamente insólitos com suas filhas, irmã e cachorro, conforme registrados em seus diários. As fotos de Gill vestido em seu longo guarda-pó já eram bem desconcertantes, mas a seguir vinham as descrições de suas excitações incestuosas e caninas (“Experimentações sucessivas com o cachorro … e a descoberta de que um cachorro pode se unir com um homem”). MacCarthy afirma que o priapismo de Eric Gill era fruto de uma mente inquisitiva e ao mesmo tempo de sua intensa destreza manual, que “o ímpeto de experimentar, de levar a experiência aos extremos, era parte de seu caráter e parte de sua importância como comentarista social e religioso e como artista”. Talvez seja verdade, embora alguns ainda se arrepiem de repugnância à menção de seu nome – um fórum recente do site Typophile debatia um boicote à Gill Sans por conta do passado de seu criador. A maioria assume uma visão de perplexidade. De fato, o designer americano Barry Deck, que adquiriu fama com a Template Gothic, uma fonte sem serifa caprichosamente fluida, em 1990 projetou um descontraído tributo a Gill chamado Canicopulus. Por incrível que pareça, a Gill Sans em si é uma fonte curiosamente assexuada. Ela começou a tomar forma quando Gill estava morando nas montanhas galesas, em meados dos anos 1920. Ali ele experimentou desenhos sem serifa em seus cadernos e em placas para orientar turistas ao redor do mosteiro de Capel-y-ffin. Em sua autobiografia, Gill explicou que a sem serifa era a escolha óbvia quando “um livreiro progressista de Bristol me pediu que pintasse a fachada de sua loja”. A longa placa de madeira em questão, feita para Douglas Cleverdon, resultou em outra coisa – pois, após ver um esboço dessas letras, o velho amigo de Gill, Stanley Morison, o encarregou de projetar uma fonte original sem serifa para a Monotype. Seu impacto foi imediato e tem efeitos até hoje. A Gill Sans surgiu em 1928, quando seu criador estava com 44 anos. Era o mais britânico dos tipos, não somente em sua aparência (sóbria, correta e reservadamente orgulhosa), mas também em seu uso – foi adotado pela Igreja anglicana, pela BBC, nas primeiras capas de livro da Penguin e pela British Railways (onde foi usada em tudo, desde as tabelas de horários de trens até os cardápios de restaurante). Cada uso evidenciou que a Gill Sans era uma fonte de extrema viabilidade para texto, cuidadosamente estruturada para reprodução em massa. Não era a mais encantadora ou radiante das fontes, e talvez nem a escolha mais atraente para ficção literária, mas era ideal paracatálogos e para o mundo acadêmico. Era uma fonte inerentemente confiável, sem frescuras e de praticidade consistente. A Gill Sans começa a tomar forma em uma fachada de loja de Bristol O primeiro livro da Penguin, impresso em 1935, com título e autor compostos no suprassumo da fonte britânica, a Gill Sans. O logotipo da Penguin aqui está em Bodoni Ultra Bold, mas ele mais tarde também passaria a usar a Gill Sans Eric Gill em seu guarda-pó, c.1908 Apesar de seu grande sucesso, Gill nunca pensava muito em si mesmo como um designer de fontes. Seu túmulo, que implora ao visitante “Ore Por Mim”, descreve-o meramente como um entalhador de pedras, uma das mais raras representações de modéstia no mundo do design gráfico. De fato, Gill projetou outras doze fontes, entre as quais as populares e clássicas serifadas Perpetua e Joanna, além de Felicity, Solus, Golden Cockerel, Aries, Jubilee e Bunyan. Joanna recebeu o nome de sua filha caçula, com quem, sugere MacCarthy, ele tinha um relacionamento menos dúbio que com as outras duas. A fonte foi utilizada com mestria em seu Essay on Typography, que era na verdade um tratado sobre os efeitos da mecanização na pureza da alma. O ensaio revela um caráter abertamente exato (“A folha de rosto deve ser composta no mesmo estilo de tipologia que o miolo e preferivelmente no mesmo tamanho”), e seus pronunciamentos em outros trechos sugerem um caráter absolutamente não romântico. “A beleza do formato das letras não deriva de nenhuma reminiscência sensual ou sentimental”, escreve ele. “Ninguém pode dizer que a rotundidade do O nos atrai somente porque é como a de uma maçã ou a de um seio de mulher ou como a da lua cheia. As letras são coisas, não imagens de coisas.” Gill morreu em 1940, exatamente quando sua fonte mais famosa começou a aparecer durante a guerra nos avisos do Ministério das Informações sobre blecautes, conversas descuidadas e o recrutamento da Guarda Nacional. E Em um bosque, em algum lugar na Inglaterra, rifles na mão, vocês assistiram a Arthur Lowe (andar altivo, pomposo) John Le Mesurier (capacete camuflado com folhas, parecendo nervoso) Clive Dunn (olhar valente, arma branca) John Laurie (ansioso, pessimista) James Beck (tragando, matreiro, um cigarrinho insolente) Arnold Ridley (talvez precise de uma licença) Ian Lavender (estola azul, mãe mandona) ssa é a sequência de encerramento de Dad’s Army, a queridíssima comédia da TV inglesa sobre a Segunda Guerra Mundial, produzida do final dos anos 1960 até o início dos anos 1970 e desde então sempre reprisada. Os créditos dos atores estão em Cooper Black, que não só vende coisas que hoje consideramos retrô e clássicas, como Kickers ou Spacehoppers, mas também qualquer coisa destinada a ser cálida, fofinha, caseira, confiável e tranquilizadora, como a easyJet. A tipografia da lateral de aviões raramente havia sugerido qualquer ideia de diversão (“Somos um de vocês! Subam a bordo!”) antes de a easyJet experimentar esse conceito, e o logotipo da empresa se tornou tão forte que ninguém conseguiu imitá-lo com sucesso. (Embora a principal concorrente da companhia aérea de baixo custo, a Ryanair, já tenha usado Arial Extra Bold antes de mudar para uma fonte própria.) A fonte da marca da easyJet logo se estendeu a outros produtos do easyGroup e foi mencionada na declaração de missão da empresa: Nossa identidade visual, conhecida como “Getup”, é parte essencial da Licença de Marca da easyJet e é lavrada em pedra! Ela é definida como: a) letras brancas sobre fundo laranja (Pantone 021c em material de impressão com brilho; em outras superfícies o equivalente viável mais próximo), e b) em fonte Cooper Black (não negrito, não itálico, sem contorno nem sublinhado), a palavra “easy” em caixa baixa, seguida (sem espaços) por qualquer outra palavra … A Cooper Black foi um bom achado. É raro que uma companhia nova tire da prateleira uma fonte clássica pré-digital não modernizada e não a restaure ou melhore em algum sentido, mas essa foi uma exceção. Como tantas fontes que vingaram, ela foi projetada nos anos 1920, e se tornou instantaneamente popular. Oswald Bruce Cooper, um ex-publicitário de Chicago, foi encarregado pela fundição Barnhart Brothers & Spindler para desenvolver uma fonte que pudesse ser vendida a anunciantes (e que fizesse lembrar bastante a Pabst Extra Bold, projetada vários anos antes por Frederic W. Goudy para a cervejaria americana Pabst). Seu sucesso logo aplacaria o receio de Cooper de que ele apenas alcançaria “um efeito enfadonho com a repetição demasiado frequente da mesma forma e curva”. Na realidade ele conseguiu algo espetacular – uma fonte com serifa que parecia sem serifa. A Cooper Black é o tipo de fonte que os óleos de uma lava lamp formariam se esta se despedaçasse no chão. Seu criador a achava ideal “para impressores de visão de futuro com clientes de visão imediatista”. O topo e a base das letras apresentam pequenos arranhões que transmitem à fonte robustez e estabilidade no papel; sem eles o tipo pareceria estar sempre escorregando. Para uma fonte com tal aparência corpulenta, ela tem um comportamento espantosamente inofensivo. Isso se deve em parte às descendentes corpulentas e rechonchudas, às minúsculas largas em relação às maiúsculas e à quantidade reduzida de branco que se pode ver através dos olhos do a, b, d, e e g. Normalmente ela é empregada de modo bastante comprimido, pois o espacejamento excessivo entre as letras aumentaria o número de quebras, atrapalhando a visão.* A Cooper Black tem um aspecto melhor quando vista de longe, como a easyJet bem identificou. Antes disso, seu uso mais famoso talvez tenha sido no clássico álbum dos Beach Boys Pet Sounds. Como muitos discos da época, ele trazia o título de cada faixa impresso na capa – em cima da foto da banda alimentando cabras no zoológico. O nome da banda e o título do álbum em Cooper Black são um ícone, principalmente porque as letras se tocam e lembram o logotipo “Love” de Robert Indiana, muito em voga na época. Mas sua fraqueza como fonte textual é logo evidente. “Wouldn’t It Be Nice/You Still Believe In Me”, diz a primeira linha, e o nosso cérebro mal tem tempo de decifrar o restante, “God Only Knows”, “Sloop John B” e as outras faixas. A capa de trinta centímetros até que dá conta do recado; já o CD é outra história. Os imodestos olhos da Cooper Black (o d e o g são Cooper Hilite) A equipe de arte responsável pelos créditos de Dad’s Army sabia que teria problemas assim que os nomes dos grandes astros em grandes letras saíssem da tela; os créditos dos personagens menores do programa aparecem por menos tempo e sem imagens: “Estrelando Philip Madoc, como o capitão do submarino … Bill Pertwee, como o chefe Warden Hodges …” Antes das telas de 42 polegadas, os espectadores não tinham como dar conta de tudo isso em Cooper Black em tamanho pequeno, por isso apenas os nomes dos atores aparecem na fonte, e seus papéis ficaram em algo parecido com Helvetica. Essa é uma diferença entre legibilidade e leiturabilidade: em corpos pequenos, a Cooper Black é legível, mas não tem boa leiturabilidade. Só que alguns tipos se destinam a ser vistos e não lidos (um designer de tipos certa vez comparou esse atributo a um vestido desenhado para parecer sensacional na passarela, mas que não garante qualquer proteção contra as intempéries do tempo). A fonte como alta-costura é uma analogia comum. Adrian Frutiger, designer de uma das fontes modernas mais populares, a Univers, tem outra: “O trabalho de um designer de tipos é exatamente como o de um estilista”, observou ele.“Vestir a constante forma humana.” Ou, como disse o designer de livros Alan Fletcher, “uma fonte é um alfabeto em uma camisa de força”. A Cooper Black fica ótima de longe, e quanto maior o corpo, melhor Como acontece com a moda, o design de tipos é uma forma de arte assustadoramente vibrante. Ele rejeita a calcificação. Como os gêneros mais desenfreados de arte moderna, são as coisas mais novas que abalam os tradicionalistas (embora estes raramente o admitam, preferindo criticar seus maneirismos ou sua falta de instrução adequada). O tradicionalista argumentará que ninguém compra uma fonte para pendurar na parede, ao passo que uma pessoa mais tradicional ainda pode argumentar que somente quando uma fonte é bonita o bastante para ser exibida em uma galeria ela pode ser também considerada adequada para impressão. Mas beleza exige disciplina. É possível que o amador com sua criatividade despertada pelo computador possa produzir algo belo, mas sua criação vai funcionar na página como uma tipologia prática? Será que todas as letras parecerão igualmente boas quando colocadas lado a lado, ou o espacejamento entre elas vai gerar uma enxaqueca textual? (A ciência do espacejamento proporcional entre pares de letras é conhecida como kerning – garantir, por exemplo, que letras inclinadas como A ou V cutuquem ligeiramente as letras adjacentes, tornando o conjunto mais consistente e agradável ao olhar; o “kern” é a parte de um caractere que se projeta acima ou abaixo, invadindo o espaço da letra ao lado.) Os gostos mudam, graças a Deus. Uma fonte que um dia teria sido considerada apertada demais, as letras se aninhando umas nas outras e as palavras colidindo, pode agora, pelo poder da propaganda e da familiaridade, aparentar o auge da modernidade e da legibilidade. Ela pode manter essa posição elevada durante cerca de uma década, antes que algo perigosa e excessivamente espacejado a torne antiquada. Uma placa ou um slogan compostos inteiramente em caixa baixa (talvez o i’m lovin’ it do MacDonald’s) já foi considerado uma blasfêmia; agora é apenas insípido. E o velho princípio da legibilidade, outrora fator nobre em qualquer consideração a respeito de um bom tipo e definido com extrema severidade pelo oftalmologista francês dr. Louis Émile Javal no início do século passado (e depois servilmente seguido por muitos designers), parece muito ultrapassado; nossos olhos e cérebros entendem muito mais do que os primeiros cientistas do tipo achavam possível. Uma das teorias do dr. Javal parece hoje particularmente absurda – a de que o tipo mais legível seria também o mais belo. Na década de 1940, a prova mais generalizada da legibilidade de uma fonte era o “teste da piscadela”. Ao piscar, nós aliviamos os olhos cansados da mesma forma que ao colocar sacolas pesadas no chão aliviamos a pressão na palma de nossas mãos; nossos olhos piscam mais quando cansados ou sob tensão, e uma fonte conhecida provoca menos fadiga. Em condições de laboratório – em que se regula a luz e o tamanho dos tipos, e se apresenta ao “paciente” (o leitor) o mesmo texto em diversas fontes diferentes (com os testes do oftalmologista se prestando tanto à busca da arte quanto da clareza universal) –, o número de piscadelas involuntárias era monitorado em um contador manual. Segundo uma série de conferências proferidas por John Biggs no London College of Printing, os tipos que pontuavam melhor nos testes da piscadela eram os que haviam sobrevivido durante séculos e que estavam sempre sendo retomados e ligeiramente modificados: Bembo, Bodoni, Garamond. Talvez fosse mais fácil perguntar aos pacientes qual texto eles compreenderam melhor, ou qual lhes provocou menos tensão ocular, mas tais métodos seriam subjetivos e não científicos. Felizmente dispomos de investigações mais recentes. Muitas delas ocorreram nos anos 1970 na Unidade de Pesquisas de Legibilidade Tipográfica do Royal College of Art (na era da informática, a unidade se tornou a ligeiramente menos canhestra Unidade de Pesquisa de Informações Gráficas). Entre suas conclusões: as pessoas achavam os tipos com fortes traços distintivos mais fáceis de ler que os de estilo uniforme; e uma distinção maior entre as letras levava a uma assimilação mais clara (e mais rápida) das informações. A pesquisa confirmou que as áreas-chave que tornam uma letra mais distinta são sua metade superior e seu lado direito, e o olho busca esses marcos para confirmar o que ele previu que estaria ali. As velhas fiéis – cientificamente aprovadas nos anos 1940 Outras pesquisas sugeriram que a maioria dos leitores prefere os tipos em negrito aos regulares, embora sua legibilidade seja quase a mesma. Tipos com serifa e sem serifa também são igualmente legíveis, desde que as serifas não sejam demasiado pesadas e espessas. Fontes com olhos maiores – o oposto exato da Cooper Black – também são consideradas mais legíveis, particularmente em tamanhos menores, em que os olhos poderiam se entupir de tinta. A legibilidade também é definida por uma característica menos formal: o gosto. Isso não é o mesmo que moda; é, antes, a popularidade demonstrada pelo consumo de massa. Gostamos de pensar que nossos gostos culturais melhoram e amadurecem com a idade, mas no caso do design de tipos algo mais também acontece: somos simplesmente desgastados pelo excesso de exposição. A radical designer de tipos californiana Zuzana Licko tem uma teoria bastante aceita de que “você lê melhor aquilo que você lê mais”. Tipos góticos pesados eram considerados mais fáceis de ler que uma cursiva mais suave, menos formal, mas simplesmente por causa da constante exposição a eles. “Você precisa usar algo que não é necessariamente mais legível em si mesmo, mas que as pessoas estão acostumadas a ver”, observa Licko, fazendo coro às conclusões dos anos 1940. “Preferências por fontes como Times Roman existem por hábito, porque essas fontes estão por aí há mais tempo. Quando elas surgiram, tampouco eram algo a que as pessoas estavam habituadas. Mas como foram usadas, tornaram-se extremamente legíveis.” Zuzana Licko e Rudy VanderLans Eric Gill havia sido quase da mesma opinião (“A legibilidade, na prática, quer dizer simplesmente aquilo a que se está acostumado”). Mas o fato de que essa teoria tenha conquistado o aval de Licko é significativo, já que ela e seu sócio, Rudy VanderLans, estão entre os mais respeitados designers contemporâneos de tipos nos Estados Unidos. A dupla publicou uma revista, Emigre, que inspirou uma geração inteira de estudantes de design gráfico. Licko acredita que ao projetar uma fonte deve-se – nas palavras de Matthew Carter – considerar “o fascínio maior que a frustração”. No começo, diz ela, à medida que o conceito de uma fonte é desenvolvido, “cada detalhe é questionado. Esse processo é fascinante porque faz você perceber como cada detalhe afeta o trabalho final, já que muitos se repetem entre os caracteres, o que multiplica o efeito. Mas isso pode acabar se tornando uma frustração porque parece que o processo nunca termina…” Uma conversa por e-mail com Licko suscitará respostas como a citada anteriormente, mas a grande questão com a qual ela não pode nos ajudar é por que existem relativamente poucas mulheres designers de tipos. “Lamento”, digitou ela. “Não faço a menor ideia.” Licko e seus amigos designers reconhecem que a leiturabilidade de uma fonte para texto é mais bem conferida por uma série de características, de preferência ocorrendo simultaneamente (se elas parecem óbvias, é somente porque as tomamos como dadas). Cada letra do alfabeto deve ser distinta das outraspara evitar confusão. O efeito das letras sobre um leitor deve ser mais bem avaliado no contexto – como sentenças e parágrafos –, já que é apenas a forma geral das letras combinadas que pode ser julgada de boa leiturabilidade ou não. Essa leiturabilidade será auxiliada por parágrafos regulares e margens suficientes, e por um comprimento aceitável de linha (naturalmente isso depende do tamanho do texto, mas considera-se que o ideal esteja entre dez e doze palavras). O espaço entre as letras e a relação entre elas são tão importantes quanto o espaço entre as linhas (entrelinhamento). Deve haver um contraste entre traços grossos e finos, e as letras devem estar numa proporção regular umas com as outras. A variedade na largura é particularmente importante, sendo que a metade superior das letras tem mais leiturabilidade que a metade inferior. O peso das letras em um bloco de texto geralmente deve ser médio – um tipo claro demais tornará as letras cinza e indistintas, ao passo que um escuro demais fará com que as letras pareçam excessivamente espessas, arruinando a distinção de detalhes e bloqueando o fundo. A simplicidade dessas observações não se reflete na simplicidade de sua execução. Mais difícil ainda de entender é a percepção com que todo novato se defronta ao projetar uma fonte de texto pela primeira vez: apesar de todas as aparências, letras que dão a impressão de ter a mesma altura podem de fato ter diferenças sutis. A Totally Gothic, de Zuzana Licko, no catálogo de fontes da Emigre de 1996 Ao ler um livro ou uma tela de computador a cerca de trinta centímetros dos olhos, esse é um elemento difícil de perceber, mas quando as letras são ampliadas para duas polegadas (cinco centímetros) ou mais e compostas em linhas paralelas, o comprimento ligeiramente maior das letras arredondadas como O, S e B se torna mais aparente. Nosso cérebro exige regularidade e certeza, mas nossos olhos nos pregam peças. Se todas as letras tivessem exatamente a mesma altura, não pareceriam assim: letras redondas e pontudas pareceriam mais baixas. É um curioso jogo de salão: o pingo de um i em uma fonte tradicional com serifa não está diretamente no topo da haste, mas um pouco para a esquerda. E a haste de um t em caixa baixa será ligeiramente mais espessa na base para evitar a aparência de fragilidade e o risco de cair para trás. No tipo, a aparência de beleza e elegância depende de fraude e destreza – talvez o encontro mais frutífero e duradouro de ciência e arte. Da esquerda para a direita, Baskerville, Goudy Old Style, Sabon e Times New Roman passam pelo teste da haste e pelo teste do pingo do i O mais famoso pronunciamento isolado sobre o tipo foi escrito em 1932 por uma mulher chamada Beatrice Warde, amiga (e ocasional amante) de Eric Gill, que foi a cara e a voz da Monotype Corporation nos anos 1920 e 1930. Há uma foto reveladora de Warde feita durante uma festa em 1923. Ela está rodeada por mais de trinta homens da área dos tipos em ternos sombrios, todos parecendo um tanto orgulhosos de si mesmos, e com razão: administravam a nata das fundições de tipo dos Estados Unidos e, em conjunto, eram responsáveis pela aparência das letras norte- americanas. Mas nenhum deles parece tão confiante quanto Warde, a única pessoa de vestido, sentada com um sorriso irônico e as mãos no colo, positivamente segura de que, na verdade, era ela quem estava no comando. Com pouco mais de vinte anos, ela já era uma mulher extremamente ocupada, não só escrevendo muito sobre tipografia no principal periódico de design gráfico, The Fleuron, mas também produzindo manifestos desafiadores (originalmente sob o pseudônimo de Paul Beaujon, por recear que a comunidade tipográfica dedicasse pouca atenção a uma mulher). No dia 7 de outubro de 1930, Beatrice Warde discursou diante da British Typographers Guild no St. Bride Institute, logo atrás da Fleet Street, em Londres. Warde era americana e sua habilidade era a comunicação. Encontrou o trabalho perfeito como gerente publicitária para a Monotype Corporation em Surrey, uma das principais companhias que produziam maquinário de composição e tipos. Sua maior proeza pode ter sido de ordem inspiradora, elevando o ânimo de seus clientes – impressores e designers – ao enfatizar a grandeza e a responsabilidade de sua vocação. “Aquilo em que sou realmente boa”, considerou ela, não muito antes de morrer, em 1969, “é ficar em pé diante de uma plateia, sem preparo algum e, então, durante cinquenta minutos evitar que eles mexam um tornozelo sequer.” Por que ela era tão rigorosa? Porque tinha uma convicção inabalável em sua didática, que em si mesma ostentava um elemento da camisa de força. Apesar do que alardeava, seu discurso aos tipógrafos britânicos havia claramente passado por muito preparo, a começar pelo título: “O cálice de cristal, ou a impressão, deve ser invisível.” Sua teoria simples e sensata era que o melhor tipo existia meramente para comunicar uma ideia. Não estava ali para ser notado e muito menos admirado. Quanto mais o leitor percebe uma fonte ou um layout numa página, pior é a tipografia. A analogia com o vinho era tranquila e madura, e talvez agora pareça um pouco gasta: quanto mais claro o copo, mais seu conteúdo pode ser apreciado; o luxuoso cálice dourado e opaco simbolizado pela velha escrita gótica na qual o E com barras pesadas se assemelha a uma ponte levadiça não era a sua praia. Ela também fez uma consideração importante ao distinguir legibilidade de leiturabilidade. Um tipo em tamanho maior não é necessariamente de melhor leiturabilidade, embora considerado isoladamente da cadeira de um oftalmologista possa ser mais legível. Um falante que berra pode ser mais audível: “Mas uma boa voz falante é uma voz que é inaudível enquanto tal. Não preciso alertá-lo de que, se você estiver num palanque e começar a atentar para as inflexões e os ritmos de fala de uma voz, você cairá no sono.” Palavras fortes de uma mulher determinada (em Albertus). Praticamente todos os impressores do país exibiam uma cópia do panfleto de Warde O mesmo acontece com a impressão. “A coisa mais importante”, dizia Warde, “é que ela transmite pensamento, ideias, imagens de uma mente para outras. Essa declaração é o que se pode chamar de porta da frente da ciência da tipografia.” Ela explicava que a tarefa do tipógrafo de livros era construir uma janela entre o leitor dentro de uma sala e “a paisagem que são as palavras do autor. Ele pode instalar um vitral de beleza esplêndida, mas que é um fracasso como janela; ou seja, ele pode usar alguns tipos estupendos como o gótico, que é algo para o qual se deve olhar, e não através do qual se deve olhar. Ou pode operar no que chamo de tipografia transparente ou invisível. Tenho um livro em casa, do qual não tenho nenhuma recordação visual no que diz respeito a sua tipografia; quando penso nele, tudo o que vejo são os três mosqueteiros e seus companheiros se pavoneando pelas ruas de Paris”. É fácil concordar com Warde à medida que ela se senta para o grande aplauso. Ninguém quer um livro que seja difícil de ler ou que ofenda os olhos. Mas seu ponto de vista de oitenta anos de idade agora parece restritivo, e embora suas teorias repreendam o ostentoso, não premiam o curioso ou o experimental. Warde pode ter receado os efeitos dos novos movimentos artísticos sobre os valores tipográficos tradicionais; se for assim, era uma forma de xenofobia. Negar a ideia de que os tipos possam em si mesmos ser a mensagem (negar que basta que eles sejam empolgantes
Compartilhar