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Genética e Imunologia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Aline Dal’Olio Gomes Revisão Textual: Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin Introdução à Genética • A Base Molecular da Informação Genética • Propriedades do Material Genético • Estrutura do DNA • Genes e Cromossomos • Replicação Semiconservativa • Reparo do DNA e Mutação Mecanismos de Reparo do DNA • Mutação • Transcrição e Tradução · Apresentar uma visão geral das bases moleculares sobre as quais a Genética se mantém, destacando a natureza e a função do material genético e a relação genótipo-fenótipo. OBJETIVO DE APRENDIZADO Introdução à Genética Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. UNIDADE Introdução à Genética Contextualização Você já deve ter ouvido falar em alimentos transgênicos, terapia gênica, vacinas recombinantes, sequenciamento do genoma, clones, células-tronco e outros temas que fazem parte do nosso cotidiano. Contudo, o surgimento de tudo isso, e muitas outras coisas, só se tornou possível devido ao desenvolvimento de diversas áreas da Ciência, incluindo a Genética. A Genética é uma ciência que estuda as leis da hereditariedade, ou seja, como as informações contidas nos genes são transmitidas de pais para filhos ao longo de gerações. Contudo, mesmo a herança biológica sendo palco da curiosidade de muitas pessoas desde a pré-história, a Genética desenvolveu-se de maneira expressiva apenas no século XX, sendo, portanto uma ciência relativamente jovem. Gregor Johann Mendel (1822-1884), um monge austríaco, é considerado hoje o pai da Genética por ter sido o primeiro a descobrir as bases fundamentais da herança, mesmo antes da descoberta dos genes. Mendel relatou, em 1865, seus resultados obtidos de experimentos de cruzamentos entre ervilhas de diferentes linhagens. Sua principal teoria era de que as características, como cor e formato das ervilhas, eram resultado de pares de “elementos” hereditários, e que cada par determinava uma característica específica. Essas abordagens iniciais compõem o cerne da Genética Clássica, sendo fundamentais para a Genética Molecular. Apesar das importantes observações de Mendel, suas descobertas não foram reconhecidas por 35 anos, principalmente devido à ausência de um melhor entendimento sobre a estrutura das células e os processos de divisão celular. Contudo, em 1900, com a descoberta desses fatos, os princípios de Mendel puderam ser aplicados e o seu trabalho passou a ser reconhecido por todo o mundo científico. Assim, o ano de 1900 se tornou um marco para o começo da era moderna da Genética. A partir disso, o crescimento da Genética se deu de forma acelerada, passamos dos incompreendidos “elementos” de Mendel para a identificação de biomoléculas relacionadas aos genes e, portanto, a transmissão das características herdáveis. Em 1920, as evidências existentes levaram à conclusão de que o DNA é o material genético, a base química da herança. A partir da descoberta do DNA, a Genética clássica entrou em uma nova fase com o surgimento da Genética Molecular. Hoje, sabemos que os “elementos” de Mendel são os genes que expressam sua informação codificada no DNA das células e graças à tecnologia molecular sabemos como os genes funcionam, como são regulados e como os defeitos genéticos podem ser detectados, modificados ou corrigidos. 8 9 Para saber mais sobre a descoberta da estrutura do DNA, acesse o link a seguir e leia o texto sobre esse tema: https://goo.gl/lWOhrK Ex pl or Apesar dos conceitos básicos da herança já terem sido elucidados, a genética permanece uma Disciplina em rápida expansão, proporcionando descobertas marcantes no campo da genética médica e da agricultura, que vão desde o surgimento dos testes de paternidade, a criação de clones, a compreensão da base metabólica de centenas de distúrbios hereditários, o melhoramento genético de muitas espécies de plantas e animais de interesse comercial, até a possibilidade de identificação do genoma completo das espécies e formulação de microrganismos capazes de sintetizar substâncias de interesse humano. 9 UNIDADE Introdução à Genética A Base Molecular da Informação Genética A capacidade das células de armazenar, obter e traduzir as instruções genéticas necessárias para manter o organismo vivo é essencial para a manutenção da vida. Essa informação hereditária é transmitida de uma célula à outra durante o processo de divisão celular, e de uma geração a outra por meio das células sexuais. As informações estão estocadas em genes e são convertidas em proteínas que se expressam no fenótipo que observamos em cada indivíduo. A informação presente nos genes é copiada e transmitida de uma célula para as células-filhas milhões de vezes durante a vida de um organismo multicelular, sobrevivendo a esse processo praticamente sem alterações. Que tipo de molécula pode ser capaz de uma replicação tão precisa e quase ilimitada? Como essa imensidão de informações, necessária ao desenvolvimento e manu- tenção dos organismos, está organizada dentro de uma célula? Como a informação contida nos genes é convertida em proteínas? • Fenótipo: características observáveis de um organismo; • Genes: elementos que contêm a informação que determina as características de uma espécie como um todo, bem como as de um indivíduo. Um segmento codificante do DNA; • Genótipo: a constituição genética de um organismo; • Proteínas: macromoléculas que realizam a maioria das funções celulares. Ex pl or Propriedades do Material Genético Mesmo antes da descoberta da estrutura do DNA, já era indicado pelas pesquisas que o material genético deveria exibir três principais propriedades: 1. Se cada célula de um organismo possui a mesma constituição genética, o material genético deve apresentar características na sua estrutura que permitam uma fiel replicação em cada divisão celular; 2. Se o material genético codifica uma imensidão de proteínas expressas pelo organismo, ele deve apresentar um conteúdo informacional; 3. Se as mutações atuam como base para a seleção evolutiva, o material genético deve ser capaz de mudar. Ao mesmo tempo, essa estrutura tem de ser estável para que os organismos possam se basear na informação codificada. 10 11 Estrutura do DNA Toda a informação genética da síntese das diversas proteínas relacionadasà estrutura dos organismos e seus processos fisiológicos está contida em grandes macromoléculas chamadas ácidos nucleicos. Os ácidos nucleicos podem ser de dois tipos: ácido desoxirribonucleico (DNA) que possui esse nome por conter um açúcar desoxirribose em sua estrutura e o ácido ribonucleico (RNA) que contém o açúcar ribose. Em todos os organismos, com exceção dos vírus, o DNA é o único material genético. A molécula de DNA consiste em duas longas cadeias, as fitas de DNA, unidas entre si por pontes de hidrogênio e compostas por quatro tipos diferentes de subunidades nucleotídicas (Figura 1). Cada nucleotídeo do DNA é composto por um açúcar contendo cinco carbonos, a desoxirribose, um grupo fosfato e uma base nitrogenada, que pode ser adenina (A), timina (T), citosina (C) ou guanina (G) (Figura 1). A adenina e a guanina são chamadas de bases purinas, pois apresentam um anel duplo, enquanto a timina e a citosina são pirimidinas, pois apresentam apenas um anel em sua estrutura. As duas longas fitas de DNA se mantêm unidas em uma forma helicoidal por meio de pontes de hidrogênio entre duas bases, assim todas as bases nitrogenadas estão voltadas para o interior da dupla-hélice e o açúcar e fosfato se encontram na porção externa da molécula, formando o esqueleto da estrutura (Figura 1). A ligação entre as bases, ou seja, o pareamento é específico: adenina se pareia sempre com a timina, enquanto a citosina sempre se pareia com a guanina (Figura 1). Assim, quando se conhece a sequência de nucleotídeos de uma fita de DNA, a sequência da outra fita também é conhecida devido ao pareamento específico das bases. Essa característica de complementariedade entre as fitas da dupla-hélice permite que o DNA seja a única molécula capaz de armazenar e transmitir a informação genética ao longo das gerações. A forma como os nucleotídeos estão ligados nas duas fitas complementares confere uma polaridade química inversa à molécula. Como o bom exemplo citado por Alberts et al. (2010), se imaginarmos cada açúcar como um bloco com uma protuberância em um lado (o fosfato ligado no carbono 5) e uma cavidade do outro lado (uma hidroxila ligada ao carbono 3), cada cadeia completa, formada por protuberâncias e cavidades entrelaçadas, terá todas as suas subunidades alinhadas na mesma orientação (Figura 4). Além disso, as duas extremidades da cadeia serão facilmente distinguíveis por apresentarem uma delas, uma cavidade (hidroxila 3’), e a outra, uma protuberância (o fosfato 5’). Essa polaridade oposta é comumente chamada de extremidade 3’ e 5’ e os componentes de cada par de bases só se encaixam na fita dupla-hélice se as duas fitas estiverem na posição antiparalela (5’-3’ e 3’-5’) (Figura 1). 11 UNIDADE Introdução à Genética Essa característica tem uma importante função nos processos de replicação, transcrição e recombinação do DNA. Figura 1 – Arranjo estrutural da dupla-hélice de DNA, destacando a composição dos nucleotídeos, o pareamento específico entre as bases nitrogenadas, a ligação das duas cadeias de DNA por pontes de hidrogênio e a polaridade química inversa das duas fitas de DNA (5’-3’, 3’-5’). Note que o fosfato está ligado no carbono 5 da desoxirribose e o fosfato do nucleotídeo seguinte se liga no carbono 3 do nucleotídeo que o antecede (ver quadrado em destaque) Fonte: aspiregenetics.org Figura 2 – Compactação da molécula de DNA em dupla hélice (topo da figura) até cromossomo Fonte: yourgenotype.com.br 12 13 Genes e Cromossomos O conjunto completo de toda a informação genética (DNA) é chamado de genoma. A maior parte do DNA de um genoma está armazenada no núcleo de cada célula e uma pequena porção na mitocôndria. Toda a molécula de DNA presente no núcleo está acondicionada em forma de vários cromossomos. A molécula de DNA é muito maior do que o cromossomo; desse modo, percebe-se claramente que o DNA é altamente compactado em um cromossomo. Para que isso aconteça, a enorme molécula linear de DNA é enrolada em proteínas associadas (histonas) que dobram e empacotam a fita de DNA em uma estrutura chamada nucleossomo. O nucleossomo dobra-se outras vezes até formar uma estrutura super-heleicoidizada, o cromossomo eucariótico (Figura 2). O DNA e as proteínas associadas formam a cromatina, o arcabouço dos cromossomos. O número de cromossomos no conjunto genômico básico é chamado de número haploide (n) e, normalmente dentro do núcleo de uma célula somática, cada cromossomo possui duas (organismos diploides – 2n) ou mais (poliploides) cópias. Por exemplo, o genoma humano, em seu conjunto básico, está contido em 23 cromossomos de tamanho e formas diferentes (n=23 e 2n=46). A maioria dos animais e plantas é diploide, ou seja, possui dois conjuntos completos de DNA, enquanto os fungos são haploides e procariontes são monoploides, ou seja, possuem uma única molécula de DNA, normalmente circular, acondicionada em um único cromossomo. O conjunto de cromossomos presentes no organismo da mesma espécie possui um número específico de cromossomos (Tabela 1). Tabela 1 – Número de pares de cromossomos (n) em diferentes espécies de plantas e animais Nome comum Espécie Número de pares de cromossomos (n) Mosquito Culex pipiens 3 Mosca doméstica Musca domestica 6 Cebola Allium cepa 8 Sapo Bufo americanos 11 Arroz Oryza sativa 12 Rã Rana pipiens 13 Crocodilo Alligator mississipiensis 16 Gato Felis domesticus 19 Rato Mus musculus 20 Macaco Macaca mulata 21 Trigo Triticum aestivum 21 Homem Homo sapiens 23 Batata Solanum tuberosum 24 Cavalo Equus caballus 32 Cachorro Canis familiaris 39 Galinha Gallus domesticus 39 Carpa Cyprinus carpio 52 13 UNIDADE Introdução à Genética Cada célula de um organismo diploide, com exceção das células sexuais e das hemácias que não possuem DNA, possui 2 cópias de cada cromossomo, uma herdada da mãe e outra do pai. Os membros de um par de cromossomos são chamados de cromossomos homólogos, porque são idênticos. No homem, o único par de cromossomos não homólogos é o cromossomo sexual do macho, no qual o cromossomo Y é herdado do pai e o cromossomo X é herdado da mãe. Assim, cada célula humana contém 22 pares de cromossomos comuns a ambos os sexos (são os cromossomos autossomos) e 1 par de cromosso- mos sexuais (XY no sexo masculino e XX no feminino). As sequências de DNA de um par de homólogos geralmente são iguais, assim elas possuem os mesmos genes (sequências específicas de DNA) nas mesmas posições relativas. A representação do conjunto completo de cromossomos é chamada de cariótipo (Figura 3). Anormalidades cromossômicas (perda ou alteração) podem ser detectadas no cariótipo por diferenças no padrão das bandas ou no padrão coloração dos cromossomos. Figura 3 – Cariótipo humano – cromossomos ordenados artificialmente de acordo com a sua numeração. Os cromossomos de um indivíduo do sexo masculino foram isolados de uma célula em divisão mitótica e por isso, estão altamente compactados. A coloração permite uma identificação precisa ao microscópio óptico Fonte: Carr, 2008 Em todos os organismos, os cromossomos carregam os genes, segmentos do DNA, que contém as instruções para produzir uma determinada proteína ou até mesmo moléculas de RNA. Entretanto, além dos genes, os cromossomos de eucariotos possuem um excesso enorme de DNA intercalante que parece não conter informação relevante. A quantidade de DNA intercalante entre os genes resulta nos variados tamanhos de genoma entre as diferentes espécies (o genoma humano é 200 vezes maior do que o da levedura Saccharomyces cerevisiae, mas é 30 vezes menor do que de algumas plantas e dos anfíbios), mesmo entre organismos similares que apresentam praticamente o mesmo número de genes, entre os peixes ósseos, por exemplo, o genoma pode variar centenas de vezes. Essa porção intercalante do DNA ainda não teve sua utilidade comprovada. 14 15 Outra fonte de variação do genoma entre as espécies é a presença de íntrons, regiõesnão codificantes do gene. O tamanho da região codificante (éxons) de um gene é geralmente constante entre as espécies, ao passo que o tamanho e a frequência dos íntrons é variável. Replicação Semiconservativa Antes de cada processo de divisão celular (apresentado no volume II), as células devem duplicar seu DNA com extrema precisão. A característica de complemen- tariedade das fitas de DNA, discutida anteriormente, é a base para o processo de replicação. Se as duas fitas de DNA forem separadas, rompendo as pontes de hidro- gênio entre os pares de base nitrogenadas, cada fita parental isolada servirá como molde para a síntese de uma nova fita filha de DNA complementar (Figura 4). Como cada uma das fitas complementares da dupla-hélice é conservada, esse mecanismo é chamado de replicação semiconservativa. Mas como isso ocorre (Figura 5)? Durante o processo de replicação, a molécula de DNA possui uma região no qual a dupla-hélice é desenrolada para produzir as duas fitas únicas que servirão como moldes para a cópia de DNA. Essa região recebeu o nome de forquilha de replicação devido à sua estrutura em forma de Y. Na forquilha de replicação, há a presença de enzimas, como helicase, topoisomerase e a DNA-polimerase III. A helicase é responsável por romper as pontes de hidrogênio abrindo a dupla-hélice, a topoisomerase impede a maior helicoidização da molécula de DNA, enquanto a DNA-polimerase III sintetiza o DNA das duas fitas novas. À medida que a DNA-polimerase avança, a dupla-hélice é continuamente desenrolada na frente da enzima para expor mais as fitas de DNA que atuarão como moldes. No entanto, é importante lembrar que as fitas de DNA estão orientadas em sentido antiparalelo, sendo assim, uma fita deve ser polimerizada na direção 5’-3’ e outra na direção 3’-5’. Para isso seria necessária a atuação de duas polimerases diferentes, mas todas as enzimas polimerases descobertas polimerizam a molécula de DNA apenas na direção 5’-3’. Desse modo, ambas as fitas são construídas no mesmo sentido. A síntese da fita que está sendo copiada no sentido 5’-3’ ocorre continuamente, sendo esta chamada de fita contínua. A fita que está sendo copiada no sentido 3’-5’, fita descontínua, aumenta pela síntese de pequenos fragmentos (sintetizados no sentido 5’-3’). Esses trechos curtos de DNA recém-sintetizados são chamados de fragmentos de Okazaki. Por fim, esses fragmentos são unidos pela enzima DNA-ligase produzindo uma nova fita completa de DNA. Outro importante ponto no processo de replicação é que a DNA-polimerase III apenas amplia uma cadeia, mas não começa o processo. 15 UNIDADE Introdução à Genética Figura 4 – A dupla-hélice de DNA atua como molde para a síntese de uma nova fita filha de DNA Fonte: Aberts et al. (2010) Desse modo, para que a polimerase atue é necessário um iniciador (primer), uma cadeia curta de nucleotídeos que se liga à fita molde. Na fita contínua, apenas um iniciador é necessário, já na fita descontínua, cada fragmento de Okazaki possui seu próprio iniciador. Os primers são produzidos pela enzima primase, um tipo de RNA polimerase, que sintetiza um pequeno trecho (8 a 12 nucleotídeos) de RNA complementar a uma região iniciadora. Essa cadeia de RNA é então ampliada pela DNA-polimerase III. Após a replicação, a DNA-polimerase retira os primers e preenche os espaços com DNA. O processo de replicação do DNA é bem mais conhecido em organismos procariontes do que em eucariontes; contudo, existem grandes indícios que permitem concluir que esse processo é basicamente o mesmo em ambos, com apenas alguns aspectos únicos em organismos eucariontes. Por exemplo, a síntese de DNA ocorre em um trecho pequeno e específico do ciclo celular, diferente dos procariontes, em que o processo ocorre continuamente. Além disso, os cromossomos eucarióticos possuem múltiplas origens de replicação e utilizam duas diferentes polimerases para síntese de cada uma das fitas de DNA, ao invés de usar dois complexos catalíticos de uma DNA polimerase como em procariontes. Ex pl or Figura 5 – Processo de replicação semiconservativa do DNA, ilustrando as proteínas que atuam na forquilha de replicação e a diferença do processo de síntese entre as fitas contínua (líder) e descontínua com os fragmentos de Okazaki Fonte: djalmasantos.wordpress.com 16 17 Reparo do DNA e Mutação Mecanismos de Reparo do DNA A replicação do DNA é altamente precisa e fiel, ocorrendo poucos erros ao longo de todo o processo; cerca de um erro a cada bilhão de pares de bases. Essa alta precisão é necessária para manter a carga de mutação em um nível tolerável, principalmente em genomas grandes como os de mamíferos e isso só é possível devido a uma variedade de mecanismos de reparo. O mecanismo de revisão e reparo mais importante é feito pela atividade de exonuclease da própria DNA polimerase, que examina as fitas crescentes de DNA durante a sua síntese, eliminando qualquer base mal pareada e corrigindo-a. Adicionalmente, existem duas outras vias comuns de reparo que reconhecem bases danificadas, como bases desaminadas, oxidadas etc. A primeira é chamada de reparo por excisão de base e envolve uma série de enzimas que são capazes de reconhecer um tipo específico de base anormal na molécula de DNA e retirá-la para que em seguida uma DNA polimerase preencha. A segunda via, a de reparo por excisão de nucleotídeo, remove lesões maiores. Nesse caso, um complexo multienzimático verifica o DNA à procura de distorções na dupla-hélice ao invés de uma alteração específica de base. Quando uma lesão volumosa é encontrada, uma enzima nuclease de excisão cliva os dois lados da distorção e retira os nucleotídeos contendo as bases danificadas. O espaço resultante na fita recém-sintetizada é, então, corrigido pela DNA-polimerase. Mutação Nem sempre o processo de revisão e reparo é eficiente, de modo que em uma baixa frequência, 1) alguns nucleotídeos podem ser incorporados e mantidos erroneamente nas cadeias crescentes de DNA e 2) trechos de nucleotídeos podem ser deletados, duplicados ou rearranjados na estrutura geral da molécula. Essas alterações tem potencial para interferir e modificar a informação codificada pelos genes e são chamadas de mutações. Assim, a mutação refere-se a qualquer mudança herdável no genótipo de um organismo e, portanto em seu fenótipo. A mutação é a principal responsável pela variação genética entre os organismos, atuando como a base para a evolução. Se não houvesse a mutação, todos os genes seriam de uma única forma, o que impossibilitaria a evolução dos organismos e sua adaptação às mudanças ambientais. Ao mesmo tempo, se as mutações ocorressem com frequência elas interfeririam na precisão da transferência da informação genética ao longo das gerações. 17 UNIDADE Introdução à Genética Além disso, a maioria das mutações com efeitos fenotípicos é deletéria aos orga- nismos, por isso a taxa de mutação está também sob controle genético e existem mecanismos que regulam o nível de mutações que ocorrem nas várias condições. As mutações podem ocorrer em todas as células e em todos os genes dos organismos durante qualquer estágio da vida. A capacidade de essa mutação resultar em efeitos imediatos e produzir uma alteração fenotípica depende da sua dominância, do tipo de célula em que ocorre e do estágio de vida do organismo. Se uma mutação ocorre em uma célula somática (qualquer célula responsável pela formação de tecidos e órgãos), a característica mutante resultante só ocorrerá nos descendentes dessa célula. Se uma mutação dominante ocorre em uma célula germinativa (célula sexual), seus efeitos serão expressos na prole. As mutações gênicas podem também surgir espontaneamente, quando ocorrem naturalmente sem causa conhecida, ou induzidas após a exposição a agentes físicos e químicos que causam alterações no DNA, como luz ultravioleta, radiação ionizante, agentes químicos tóxicos etc. As mutações espontâneas podem serreflexo do processo de replicação do DNA ou de lesões espontâneas e de ocorrência natural no DNA. Toda a informação genética codificada na molécula de DNA é traduzida em uma gama de proteínas com ação catalítica, estrutural ou reguladora que participam de vários processos metabólicos no organismo. Em uma célula eucariótica, o DNA está localizado no núcleo e as proteínas no citoplasma, de modo que a informação genética não é transferida diretamente do DNA para a proteína. Portanto, há a necessidade de uma molécula intermediária nesse processo. Quando a célula precisa de uma determinada proteína, uma sequência específica de nucleotídeos do DNA é copiada sob a forma de RNA, sendo esta a molécula responsável por direcionar a síntese proteica. Assim como o DNA, o RNA é um ácido nucleico, mas há algumas diferenças entre eles (Figura 6): 1. O RNA é uma cadeia unifilamentar de nucleotídeos e não uma dupla-hélice como o DNA; 2. O RNA possui o açúcar ribose na composição de seus nucleotídeos e não desoxirribose como no DNA; 3. O nucleotídeos do RNA podem ser compostos por 4 bases nitrogenadas diferentes, a adenina, citosina, guanina e a uracila (U) que está no lugar da timina presente na molécula de DNA. A uracila se pareia com a adenina do mesmo modo que a timina; 4. O RNA, diferentemente do DNA, pode atuar como enzima catalisando reações biológicas. 18 19 Figura 6 – Diferenças na estrutura do DNA e RNA Fonte: bio.miami.edu Existem três principais tipos de moléculas de RNA com importante papel na expres- são gênica: RNA mensageiro (RNAm), transportador (RNAt) e ribossômico (RNAr). Veremos a importância de cada um deles nos próximos tópicos. Transcrição e Tradução Duas etapas estão envolvidas com a expressão da informação genética (do DNA à proteína: 1) transcrição, transferência da informação genética do DNA ao RNA e 2) tradução, transferência da informação do RNA à proteína. O processo de transferência da informação genética: DNA RNA Proteína é conhecido como o Dogma Central da Genética Molecular. Transcrição Como vimos, o primeiro passo para a transferência da informação genética é sintetizar uma molécula de RNA que seja complementar à sequência de bases da molécula de DNA. Esse RNA é chamado de RNA mensageiro (RNAm). Consideremos a transcrição de um segmento cromossômico específico que constitui um gene. Inicialmente, as duas fitas de DNA são separadas e uma delas atua como molde para a síntese de RNAm. A sequência de nucleotídeos do RNAm é determinada pela complementariedade do pareamento de bases com a molécula de DNA, portanto, A pareia com T no DNA, C pareia com G, G pareia com C e U do RNAm pareia com A do DNA (Figura 7). Os nucleotídeos da cadeia de RNAm são unidos por ligação fosfodiéster pela enzima RNA-polimerase, que atua de modo semelhante a DNA-polimerase. 19 UNIDADE Introdução à Genética Em procariotos, uma única RNA-polimerase catalisa a transcrição, enquanto eucariotos possuem três: RNA-polimerase I, II e III. A fita de RNAm não permanece ligada por pontes de hidrogênio à fita molde de DNA assim, a sua liberação sob a forma de fita simples é quase imediata. Além disso, como esses RNAm são provenientes de uma região específica do DNA, sua cadeia é bem menor que a de uma molécula de DNA. Desse modo, muitas cópias de RNAm podem ser sintetizadas a partir do mesmo gene em um espaço curto de tempo. Figura 7 – Esquema geral da transcrição Fonte: knowgenetics.org De acordo com o que já foi mencionado, um gene é uma região específica da molécula de DNA que codifica a informação de uma determinada proteína. Portanto, para que a RNA-polimerase possa transcrever um gene é necessário que ela reconheça o seu início e término no genoma. Para isso, existe uma sequência específica no DNA, chamada de promotor, situada próxima ao início da região de transcrição, que é reconhecida pela RNA-polimerase. Essa sequência é sempre conservada. Em eucariontes, fatores de transcrição reconhecem e se ligam à região promotora no DNA, formando um complexo de iniciação que é então reconhecido pela RNA-polimerase (Figura 8). Os fatores de transcrição devem interagir com os promotores na sequência correta para iniciar efetivamente a transcrição. Do mesmo modo que há uma sequência específica sinalizando o início da transcrição, há também um sinal de término. Em geral, após a transcrição em procariontes ocorre a síntese de uma sequência auto complementar no RNAm; assim, a fita de RNAm se dobra sobre ela mesma nessa região, interrompendo a ação da RNA-polimerase e reestabelecendo a dupla fita de DNA. Em eucariotos, ocorre uma clivagem do transcrito primário (RNAm), proveniente da ação da RNA- polimerase II, em uma região 11 a 30 nucleotídeos à frente de uma sequência conservada de término. Em seguida, são adicionadas caudas poli (A) (cerca de 200 A) que aumentam a estabilidade da molécula de RNAm, além de auxiliarem no seu transporte do núcleo para o citoplasma. Por fim, as sequências não codificantes de proteína presentes nos genes, os íntrons, são removidos do transcrito e as 20 21 sequências codificantes, os éxons, são unidas. Desse modo, a molécula de RNAm madura se torna pronta para sair do núcleo por meio do poro nuclear, sendo direcionada ao citoplasma, no qual o processo de tradução ocorre. Figura 8 – Início do processo de transcrição em eucariotos Fonte: studyblue.com Traduç ão e o Código Genético O processo de tradução envolve a transferência da informação genética de RNA à proteína. Sendo o RNA constituído por uma combinação de 4 bases nitrogenadas e as proteínas por 20 aminoácidos, não é plausível que a tradução seja uma relação direta entre nucleotídeos e aminoácidos. Desse modo, um aminoácido é determinado por um ou mais códons e cada códon possui 3 nucleotídeos (trinca de bases) (Tabela 2). O conjunto desses códons é chamado de código genético e é utilizado universalmente para todos os organismos. O processo de tradução ocorre no citoplasma, mais especificamente nos ribossomos. Os ribossomos são organelas formadas pela associação de RNAs ribossomais (RNAr) que e se encontram divididos em uma subunidade grande e outra pequena. Durante a tradução, as duas subunidades se unem sobre uma molécula de RNAm. A subunidade menor do RNAr possui uma região com a qual o RNA transportador (RNAt) pode se parear ao RNAm, enquanto a subunidade maior catalisa as ligações peptídicas que irão unir os aminoácidos. O RNAt possui uma trinca de nucleotídeos, o anticódon, que é complementar e faz pares de base com a sequência códon do RNAm. Existem de 1 a 4 RNAt para cada um dos 20 aminoácidos. O RNAm é então conduzido através do ribossomo e assim que seus códons encontram os sítios ativos dos ribossomos, a sequência de nucleotídeos do RNAm é traduzida em aminoácidos com a utilização dos RNAt que atuam como adaptadores 21 UNIDADE Introdução à Genética nesse processo, adicionando cada aminoácido na sequência correta à extremidade da cadeia polipeptídica em construção. Assim que o ribossomo encontra um códon de término a proteína é liberada (Figura 9). Tabela 2 – O código genético 2a Base U C A G 1a B as e U UUU Fenilalanina (Fen)UUC UUA Leucina (Leu)UUG UCU Serina (Ser) UCC UCA UCG UAU Tirosina (Tir)UAC UAA Codão de finalização UAG Codão de finalização UGU Cisteína (Cis)UGC UGA Codão de finalização UGG Triptofano (Trp) U C A G 3 a Base C CUU Leucina (Leu) CUC CUA CUG CCU Prolina (Pro) CCC CCA CCG CAU Histidina (His)CAC CAA Glutamina (Glu)CAG CGU Arginina (Arg) CGC CGA CGG U C A G A AUU Isoleucina (Ile)AUC AUA AUG Metionina (Met)Codão de iniciação ACU Treonina (Tre) ACC ACA ACG AAU Asparagina (Asn)AAC AAA Lisina (Lis)AAG AGU Serina (Ser)AGC AGA Arginina (Arg)AGG U C A G G GUU Valina (Val) GUC GUA GUG GCU Alanina (Ala) GCC GCA GCG GAU Ácido aspártico (Asp)GAC GAA Ácido glutâmico (Glu)GAG GGU Glicina (Gli) GGC GGA GGG U C A G Fonte:Adaptado de brainly.com.br Figura 9 – Visão geral do processo de transcrição e tradução. Note que a sequência de RNAm atua tanto para a síntese de proteínas quanto de outras moléculas de RNA, como RNAr e RNAt Fonte: efp-ava.cursos.educacao.sp.gov.br 22 23 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Cromossomo X https://goo.gl/FTgMr7 Livros Ciência do DNA MICLOS, D. A.; FREYER, G. A.; CROTTY, D. A. A. Ciência do DNA. 2.ed. Porto Alegre: ArtMed, 2005. Vídeos A Descoberta do DNA https://youtu.be/zaSzjTkaM18 Estrutura do DNA e Replicação https://youtu.be/8kK2zwjRV0M Transcrição e Tradução https://youtu.be/oxBPO_xTFD4 Leitura O Código Genético Expandido https://goo.gl/Eb0zoQ Saiba mais sobre o DNA https://goo.gl/jZ94vJ 23 UNIDADE Introdução à Genética Referências ALBERTS, B., Johson, A., Lewis, J., Raff, M., Roberts, K., Walter, P. Biologia molecular da célula. 5ª edição. Porto Alegre: Artmed. GRIFFITHS, A. J. F. et al. Introdução à genética. 9.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. SNUSTAD, D. P.; MICHAEL, J.; SIMMONS, M. J. Fundamentos de genética. 6.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. WATSON, J. D.; BAKER, T. A.; BELL, S. P., GANN, A.; LEVINE, M., LOSICK, R. Molecular biology of the gene. 7.ed. Porto Alegre: ArtMed, 2015. 24 Genética e Imunologia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Aline Dal’Olio Gomes Revisão Textual: Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin Bases Cromossômicas da Herança • Contextualização • Bases Cromossômicas da Herança • Alterações Cromossômicas Numéricas e Estruturais • Cromossomos Sexuais e a Determinação do Sexo · Reconhecer os processos genéticos básicos envolvidos com a transmissão dos caracteres hereditários e, principalmente, entender o comportamento dos cromossomos durante a multiplicação celular, o que contribui para os fundamentos da herança descrita por Mendel. OBJETIVO DE APRENDIZADO Bases Cromossômicas da Herança Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Bases Cromossômicas da Herança Contextualização Para que as características hereditárias sejam passadas de pais para filhos é essencial que a reprodução aconteça. Contudo, nem sempre o sexo faz parte desse processo. Muitos organismos unicelulares reproduzem-se apenas por divisão mitótica e algumas plantas formam brotos multicelulares que mais tarde se separam das plantas que as originaram. No reino animal, a Hydra também se reproduz por brotamento, semelhante às plantas. Há também espécies de abelhas e lagartos nas quais as fêmeas reproduzem- se sozinhas, por um processo chamado partenogênese. Apesar de a reprodução assexuada ser simples e direta, ela resulta em descendentes idênticos aos organismos de origem. Ao contrário disso, a reprodução sexuada é mais complexa e permite a mistura de dois genomas distintos, produzindo descendentes geneticamente diferentes de seus pais. Desse modo, a reprodução sexuada apresenta grandes vantagens em relação à assexuada, pois garante maior variabilidade genética entre os organismos. A capacidade de uma célula para se reproduzir pode ser considerada uma das características mais importantes para a vida. Existem dois processos pelos quais as células se multiplicam, sendo responsáveis pela transferência do material genético, os quais veremos em detalhes nesta Unidade. Para saber mais sobre as vantagens e desvantagens da reprodução assexuada e sexuada leia a reportagem “Os reais motivos pelos quais fazemos sexo”, produzida pela BBC. https://goo.gl/saS0xk Ex pl or 8 9 Bases Cromossômicas da Herança Teoria Cromossômica da Herança Como vimos no início do primeiro capítulo, Mendel propôs a existência de “pares de fatores” hereditários que eram passados de forma estável ao longo das gerações. Além disso, segundo Mendel, esses fatores estavam localizados nas células sexuais e eram separados durante a formação de gametas. Na fecundação, ocorreria a junção desses gametas, reestabelecendo o par de fatores no novo indivíduo. Mais tarde, descobriu-se que os fatores propostos por Mendel eram os genes e Walter S. Sutton demonstrou que eles estavam localizados em cromossomos, surgindo, então, a teoria cromossômica da herança, que fornecia um importante fundamento para explicar a transmissão hereditária dos fatores de Mendel. Após inúmeros estudos, sabemos que todo o material genético está organizado em cromossomos e para que haja uma correta transmissão de toda essa informação de geração a geração, é necessário que haja uma adequada distribuição dos cromossomos nos eventos de multiplicação celular, como a mitose e a meiose, que veremos adiante. Para saber mais sobre os estudos que elucidaram o papel dos cromossomos na hereditariedade leia “2010: Um século de Drosophila na genética”. https://goo.gl/TrmEcD Ex pl or Assista ao vídeo “Organismo modelo de Drosophila no estudo da herança ligada ao sexo”. https://goo.gl/tBbifpEx pl or Multiplicação Celular Existem dois processos pelos quais as células podem se multiplicar: mitose e meiose. A multiplicação celular mitótica ocorre em praticamente todas as células do organismo. Nesse processo, uma célula multiplica-se originando duas novas células-filhas idênticas entre si e à célula parental. Essas células-filhas e a parental normalmente são diploides, ou seja, possuem duas cópias de cada tipo de cromos- somo (2n), contudo o processo de mitose pode também ocorre em células haploi- des, originado 2 novas células também haploides. Esse é o processo básico utiliza- do por organismos multicelulares para crescimento e renovação celular (Figura 1). 9 UNIDADE Bases Cromossômicas da Herança Já na multiplicação celular meiótica, a célula parental é 2n e origina 4 células- filhas com apenas uma cópia de cada cromossomo (n) e geneticamente distintas da parental. Esse processo é a base da reprodução sexual para a maioria das plantas e animais e ocorre durante o processo de produção de gametas (Figura 1). Importante! No processo de mitose, a célula-mãe (2n) multiplica o seu conteúdo genético e se divide em duas novas células-filhas idênticas (2n). Na meiose, a célula-mãe (2n) multiplica-se emquatro novas células-filhas, mas com o conteúdo genético reduzido à metade (n). Importante! Figura 1 – Papel da mitose e da meiose no ciclo de vida de organismos eucarióticos Fonte: Alberts et al., 2010 10 11 Mitose A única maneira de formar uma célula nova é duplicar uma célula já existente. Para que isso ocorra, a célula executa uma sequência de passos coordenados em que primeiro há a duplicação exata de todo o material genético (DNA) organizado em cromossomos e, em seguida, a célula se divide precisamente em duas cópias geneticamente idênticas. O primeiro evento é chamado de mitose e o segundo de citocinese e o conjunto dessas fases é o ciclo celular. A mitose é um processo contínuo e dividido em 5 fases: interfase (consiste em G1, S e G2), prófase, metáfase, anáfase e telófase (Figura 2). Interfase Crescimento e metabolismo Preparação para mitose Síntese de DNA e duplicação cromossômica G2 M 4h 4h 10h 1h Divisão G1 S Mitose Citon ese Teló fase Aná fase Me táf ase Pró fas e Figura 2 – Fases do ciclo celular. Os tempos marcados se referem à duração de cada fase em uma célula de mamífero Fonte: Snustad e Simmons, 2013 Na interfase, podemos observar no citoplasma as primeiras indicações do início da mitose, por meio do crescimento celular e da duplicação das organelas que já ocorrem na fase G1. 11 UNIDADE Bases Cromossômicas da Herança Na fase S, ocorre, então, a duplicação dos cromossomos (mas eles ainda não são visíveis ao microscópio óptico) e também dos centríolos, organelas importantíssimas na coordenação do movimento dos cromossomos. Em seguida, na fase G2 a célula cresce e se prepara para as próximas fases da mitose (Figura 2). A prófase é marcada pela condensação dos cromossomos e pela separação dos centríolos que migram para os polos opostos da célula. Com a desintegração da membrana nuclear e do nucléolo, os microtúbulos que partem dos centríolos invadem a região nuclear e se ligam a cada cromátide formando um fuso. Nessa fase, as cromátides-irmãs permanecem intimamente associadas pelos centrôme- ros (Figura 3). Importante! Cromátides-irmãs, tanto na mitose quanto na meiose, são os dois filamentos idênticos de um cromossomo que se duplicou. Os centríolos só estão presentes durante a mitose nas células animais, células vegetais não possuem essas organelas. Importante! Na metáfase, os cromossomos compostos pelas cromátides-irmãs estão alta- mente condensados e dispostos alinhadamente no centro da célula, na placa equa- torial. Os microtúbulos permanecem ligados às cromátides-irmãs em lados opostos do fuso (Figura 3). Na fase seguinte, anáfase, os centrômeros se separam, dissociando as cromátides- irmãs que são lentamente puxadas para os polos opostos da célula. Cada cromátide com seu próprio centrômero volta a ser considerada um cromossomo (Figura 3). Por fim, na telófase, os cromossomos organizados em dois conjuntos nos polos opostos da célula se descondensam e uma nova membrana nuclear é formada ao redor de cada conjunto de cromossomos. A mitose termina com uma célula-mãe maior, contendo dois conjuntos de cro- mossomos em dois núcleos (Figura 3). Na etapa seguinte, a citocinese, o citoplas- ma é dividido por constrição mediana, separando as duas células-filhas (Figura 3). Assista ao vídeo mostrando o processo real da mitose em microscópio eletrônico. https://youtu.be/CU0Al6FHYiUEx pl or 12 13 Intérfase Início de Metáfase Anáfase Prófase Centrossomo Centrossomo �lhos começam a se separar Cromossomos replicados condensando-se com duas comátides irmãs juntas no centrômero Núcleo disperso Centrômero com cinetócoros ligados Envoltório nuclear intacto Membrana plasmática Citoplasma Núcleo Nucléolo Cromossomos ainda não visíveis ao microscópio óptico Centrossomo duplica-se. Cromossomos começam a se condensar e tornam-se visíveis. ETAPA 1 Envoltório nuclear se desfaz ETAPA 2 Polo do fuso Cromossomo Vesículas do envoltório nuclear Microtúbulo do áster Membrana plasmática Microtúbulo polar Cinetócoros Microtúbulo de cinetóroco Metáfase Citocinese Cromossomos movem-se para placa metafásica ETAPA 3 Polo do fuso Vesículas do envoltório nuclear Cromossomos alinham-se na placa metafásica a meio caminho entre os pólos Microtúbulo do áster Microtúbulo polar Cinetócoros Microtúbulo de cinetóroco Microtúbulos de cinetócoros encurtam-se à medida que a cromátide (o crmossomo) é levada para o pólo Microtúbulo polar alonga-se Microtúbulo do àster Aumento de separação dos microtúbulos polares Telófase Descondensação de cromossomos sem microtúbulos de cinetócoro Reconstitui-se envoltório nuclearMicrotúbulos polares Envoltório nuclear completo circunda cromossomos descondensados Reaparece nucléolo Corpo médio: região de superposição de microtúbulos Par de centriolos marca local do centrossomo Reconstrução de arranjo interfásico de microtúbulos Restos de microtúbulos polares do fusoAnel contrátil criando sulco de clivagem Separação de cinetócoros irmãos inicia Anáfase ETAPA 4 Reconstitui-se envoltório nuclear ETAPA 5 Sulco de clivagem divide célula em duas ETAPA 6 Figura 3 – Mitose em células animais Fonte: Snustad e Simmons (2013) 13 UNIDADE Bases Cromossômicas da Herança Meiose O segundo tipo de multiplicação celular é especializado para produzir células com a metade do número de cromossomos da célula-mãe e geneticamente distintas. Essas células irão formar os gametas, espermatozoides e óvulos, envolvidos com o processo de reprodução sexual dos organismos. A maioria dos organismos eucarióticos se reproduz sexuadamente. Assim, os gametas masculinos e femininos se fecundam misturando os genomas para produzir um descendente diferente dos pais. Se em geral os organismos são diploides (2n), é necessário que os gametas sejam haploides (n) para que a fusão entre dois gametas (n + n) gere um descendente diploide. No núcleo de cada célula de um organismo diploide, há duas cópias de cada cromossomo autossômico mais um par de cromossomos sexuais, de acordo com o sexo do indivíduo. As duas cópias de cada cromossomo autossômico, uma herdada do pai e outra da mãe, são chamadas de cromossomos homólogos e na maioria das células eles se encontram separados, como cromossomos independentes. Entretanto, durante a meiose, cada cromossomo deve se comunicar com o seu homólogo por meio de pareamento e recombinação genética. A meiose envolve uma etapa de duplicação do material genético e dois eventos de divisão celular, o primeiro chamado de divisão reducional (Meiose I) porque reduz o número de cromossomos pela metade, e o segundo chamado de divisão equacional (Meiose II). Como na mitose, o ciclo meiótico também inclui as fases G1, S e G2. Durante a fase S, cada cromossomo se duplica e as cromátides-irmãs permanecem associadas pelos centrômeros. O primeiro estágio da meiose após a replicação é uma prófase I longa e complexa, envolvendo vários subestágios (leptóteno, zigóteno, paquíteno, diplóteno e diacinese). No geral, nessa fase os pares de cromátides-irmãs, os cromossomos homólogos paterno e materno, pareiam-se e vão se tornando cada vez mais próximos até formarem uma estrutura de quatro cromátides, chamada de bivalente (Figura 4). O pareamento próximo favorece a recombinação entre os homólogos por um processo conhecido como crossing over, ou seja, as cromátides não irmãs dentro de cada par de homólogos trocam segmentos de material genético umas com as outras (Figura 4). Esse processo resulta em diferentes combinações de cromossomos, contribuin- do para uma enorme quantidade de variação genética em populações de reprodu- ção sexual. 14 15 Cromossomo 1 paterno replicado Cromossomo 1 materno replicado Centrômero Cromátides irmãs Bivalente Quiasma (A) (B) Figura 4 – Pareamento dos cromossomos homólogos e recombinação entre as cromátides não irmãs dos cromossomos homólogos. Quiasma é o nome dado à conexão entre as cromátides não irmãs Fonte: Albertset al., 2010 Na prófase I, ocorre, ainda, a desintegração do núcleo e do nucléolo. Em seguida, na metáfase I, os pares de cromossomos homólogos estão altamente condensados e dispostos em lados opostos da placa equatorial. Os centríolos se ligam ao centrômero de cada cromossomo homólogo. Na anáfase I, cada cromossomo homólogo é puxado pelo centríolo em direção a polos opostos da célula; assim, cada cromossomo continua consistindo em duas cromátides. A separação dos cromossomos homólogos ocorre de modo independente. Quando os cromossomos atingem os polos da célula, ocorre a telófase I, a membrana nuclear se reconstitui ao redor de ambos os conjuntos de cromossomos, ocorre a citocinese e, num intervalo, a interfase; contudo, agora não há replicação do DNA. A meiose II é parecida com a mitose normal (contudo, há apenas um par de cada cromossomo no núcleo). 15 UNIDADE Bases Cromossômicas da Herança Na prófase II, os cromossomos se condensam e se movem para a região mediana da célula. Na metáfase II, os cromossomos se alinham na placa equatorial, ligados aos cen- trômeros, que puxam os cromossomos para os polos opostos da célula na anáfase II. Quando cada conjunto de cromossomo chega ao polo e o movimento cessa, as membranas nucleares se formam ao redor de cada conjunto de cromossomos haploides, telófase II e, por fim, a citocinese ocorre. O processo completo da meiose e sua comparação com a mitose é apresentado na figura 5. (A) (B) Figura 5 – Comparação entre meiose e mitose Fonte: Alberts et al., 2010 16 17 Importante! Durante a anáfase da mitose (e da meiose II), ocorre a segregação das cromátides- -irmãs de cada cromossomo; já na anáfase da meiose I são os cromossomos homólogos que se separam. Importante! Em geral, o resultado final das duas divisões meióticas é quatro células-filhas com número de cromossomos haploides. Essas células possuem destinos diferentes nos diferentes organismos. Nas plantas, em geral, as células haploides provenientes da meiose realizam várias divisões mitóticas originando um organismo haploide, o gametófito, que produz gametas, ovócitos ou espermatozoides. Os gametas se fundem durante a fertilização, originando o zigoto diploide que se divide mitoticamente em um esporófito. Esse ciclo de vida contendo organismos diploides e haploides na espécie é chamado de alternância de gerações. Nos animais, as células haploides resultantes da meiose se desenvolvem diretamente em gametas. Na fêmea, apenas uma das quatro células haploides se desenvolverá em um ovócito; as outras se degeneram; enquanto nos machos, todas as quatro células haploides se desenvolverão em espermatozoides. A produção de gametas, chamada de gametogênese, ocorre nas gônadas, ovários (ovocitogênese) e testículos (espermatogênese). Importante! Principais consequências genéticas da meiose: 1) Redução do número diploide de cromossomos para haploide, etapa essencial para a produção de gametas; 2) Troca de segmentos entre as cromátides homólogas, sendo esse mecanismo importantíssimo para aumentar a variação genética; 3) Segregação independente dos cromossomos homólogos (veremos isso com mais detalhes na próxima Unidade). Importante! Esquematize a meiose de uma célula de Drosophila que possui apenas 4 pares de cromos- somos (2n=8).Ex pl or 17 UNIDADE Bases Cromossômicas da Herança Alterações Cromossômicas Numéricas e Estruturais O processo de segregação dos cromossomos homólogos durante a meiose é uma matemática intracelular perfeita. Os humanos, por exemplo, possuem 46 cromossomos que se tornam 92 quando duplicados no início da meiose e 4 conjuntos completos, desses, 92 cromossomos precisam ser corretamente distribuídos entre as 4 novas células-filhas. Algumas vezes essa distribuição não é adequada e os cromossomos homólogos falham na sua separação, um fenômeno chamado de não disjunção e que pode acontecer tanto na meiose I quanto na II. Quando isso acontece, o resultado é que alguns gametas haploides apresentam um cromossomo a menos, e outros possuem mais de uma cópia do mesmo cromossomo, sendo chamados de aneuploides. A aneuploidia é comum e foi originalmente estudada em plantas. No geral, os organismos mutantes apresentam uma cópia extra de um determinado cromossomo; portanto, ao invés de um par, o organismo possui uma triplicata de um mesmo cromossomo, sendo chamado de trissomia. Os mutantes nessas plantas são geralmente causados por fatores transmitidos principalmente por fêmeas e em geral apresentam um efeito fenotípico viável não letal. Casos de aneuploidia já foram identificados em muitas espécies, incluindo no homem, mas diferente das plantas, os seres humanos não toleram muitos tipos de anomalias cromossômicas. O fenômeno de aneuploidia parece ocorrer em quase 5% dos espermatozoides produzidos por homens férteis, mas é mais comum em mulheres, principalmente com idade mais avançada, como visto em plantas. De 35 a 50% das crianças com número anormal de cromossomos são filhos de mães com mais de 35 anos. Isso ocorre porque a meiose dos ovócitos é interrompida na prófase I ainda durante o período fetal e só é completada no momento da ovulação. Desse modo, após 30 ou 40 anos com a meiose suspensa, provavelmente os ovócitos começam a se deteriorar. Tais erros de segregação são a causa de muitos abortos espontâneos e de retardo mental em humanos. Por exemplo, a síndrome de Down é causada por uma cópia extra do cromossomo 21 (trissomia do 21), totalizando 47 cromossomos ao invés de 46 (Figura 6). A síndrome de Patau (trissomia do 13) e de Edwards (trissomia do 18) são também exemplos de anomalias cromossômicas numéricas, contudo elas são raras e devido às anomalias fenotípicas serem muito graves as pessoas vivem pouco. 18 19 Figura 6 – Cariótipo de uma mulher portadora de Síndrome de Down (Trissomia do cromossomo 21) Fonte: iStock/Getty Images As trissomias podem ocorrer também nos cromossomos sexuais, originando cariótipos humanos com triplo X (47, XXX). Neste caso, as pessoas sobrevivem, pois dois cromossomos X estão inativos, de modo que fenotipicamente são mulheres, mas apresentam fertilidade reduzida e um leve retardo mental. O cariótipo 47 XXY também pode ocorrer e, nesse caso, os indivíduos são estéreis e do sexo masculino, mas podem apresentar características sexuais femininas. Essa anomalia é conhecida como Síndrome de Klinefelter. A origem do cariótipo XXY pode ser resultado da fertilização de um excepcional ovócito XX e um espermatozoide Y, ou de um ovócito X e um excepcional espermatozoide XY. Casos de monossomia, quando há a falta de um cromossomo, também existem em seres humanos. A única viável é a síndrome de Turner, em que o indivíduo apresenta um cariótipo 45, X, originado da fertilização de ovócitos ou espermatozoides com falta de um cromossomo sexual. Indivíduos com essa anomalia são fenotipicamente mulheres, mas com ovários rudimentares e na maioria das vezes estéreis. Além de anomalias numéricas, alterações cromossômicas estruturais também podem acontecer, como a deleção ou duplicação de segmentos cromossômicos, causando também aneuploidias. Ao contrário da aneuploidia, a poliploidia é a presença de um conjunto cromossômica inteiro a mais, isto é, organismos diploides podem ser triploides, quadriploides etc. (Figura 7). 19 UNIDADE Bases Cromossômicas da Herança A poliploidia é muito comum em plantas, metade de todos os gêneros de plantas são poliploides, sendo muito rara em animais; contudo, mesmo nas plantas os organismos poliploides tendem a ser estéreis. A principal característica fenotípica observável da poliploidia é o grande aumento celular, provavelmente relacionado ao maior número de cromossomos. Estas espécies tendem a produzir frutos e sementes também de maior tamanho, o que as tornam interessantes à agricultura, tais como trigo, morango, melancia, batata e berinjela, entre outras. Gâmeta Gâmeta Cariótipo das espécies parentais 2n = 6 4n = 12Tetraplóide Meiose anormal não-disjunção Auto fecundação Zigoto autopoliplóide Figura 7 – Esquema do surgimento da poliploidia Cromossomos Sexuais e a Determinação do Sexo No reino animal, muitas espécies apresentam grande distinção entre machos e fêmeas e, nesse caso, eles são sexualmente dimórficos. Em algumas espécies de crocodilos, tartarugas, lagartos, jacarés e até mesmo de peixes, o dimorfismo sexual é dependente de fatores ambientais, como a temperatura de incubação dos ovos, ou mesmo de fatores sociais. Para outras, o sexo da prole é determinado por fatores genéticos, em geral envolvendo um par de cromossomos sexuais. 20 21 Nas espécies em que há a presença de cromossomos sexuais, eles são também segregados durante a meiose. Pensando em humanos e outros mamíferos placentários, sabe-se que as fêmeas possuem dois cromossomos X e os machos um X e um Y; a produção de gametas resultante da meiose em fêmeas será sempre de células haploides com cromossomo X, enquanto nos machos teremos alguns gametas com cromossomo X e outros com Y (Figura 6a). De modo que, após a fusão dos gametas masculino e feminino na fecundação, a determinação sexual do organismo descendente será dada pela presença ou ausência do cromossomo Y, pois este apresenta um efeito dominante sobre X. Um fator determinante de testículo é produzido por um gene específico no cromossomo Y, responsável por induzir a medula das gônadas embrionárias a se desenvolver em testículos, esses então, passam a produzir testosterona, um hormônio que garante as características sexuais masculinas. Diferentemente disso, em Drosophila (mosca-da-fruta) a determinação do sexo se dá pela proporção de cromossomos X em relação aos cromossomos autossômicos. Assim como nos humanos, as moscas de frutas possuem um par de cromossomos sexuais, XX ou XY, e três pares de autossomos (AA). Quando a proporção entre X:A é maior do que 1, as moscas se desenvolvem como fêmeas e quando a proporção é menor, as moscas se desenvolvem como machos, de modo que o cromossomo Y não apresenta nenhum efeito no dimorfismo sexual. Isso ocorre porque as moscas possuem um gene no cromossomo X que é ativado ou desativado dependendo da proporção X:A. Em ambos os exemplos dados, os machos possuem dois tipos de gametas, os portadores de cromossomo X e os de Y, sendo chamados de sexo heteroga- mético. As fêmeas, por sua vez, são homogaméticas. Em alguns insetos, como gafanhotos, as fêmeas são também homogaméticas (XX), contudo o cromosso- mo Y é ausente, de modo que o sexo masculino é definido pela ausência de um cromossomo, sendo, portanto X0 (xis-zero). Nesse caso, durante a meiose, os machos produzem gametas portadores do cromossomo X e gametas ausentes de cromossomo sexual (Figura 6b). Em aves, algumas espécies de peixes, lagartos e insetos o sistema de determinação do sexo é do tipo ZW e ao contrário dos sistemas XY e X0, os machos possuem dois cromossomo iguais (ZZ) e as fêmeas são heterogaméticas (ZW) (Figura 6c); contudo, pouco se sabe sobre o mecanismo de determinação sexual desse sistema. Há aind a o sistema haploide-diploide (Figuras 6d e 7), comum em abelhas, em que os embriões haploides originarão machos e os embriões diploides se desenvolverão em fêmeas. 21 UNIDADE Bases Cromossômicas da Herança 22+ X 22+ Y 44+ XX 22+ X 44+ XY 44+ XX 44+ XY ÓvulosEsperma Parentes Zigotos (descendência) SISTEMA X-Y (a) 22+ XX 22+ X SISTEMA X-0 (b) 76+ ZW 76+ ZZ SISTEMA X-W (c) 22 23 16 Haplóide 32 Diplóide SISTEMA HAPLÓIDE-DIPLÓIDE (d) Figura 8 – Sistemas de determinação de sexo a) XY, comum em mamíferos incluindo o homem; b) X0, comum em insetos; c) ZW, comum em aves e d) haplo-diploide, comum em abelhas Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images Nesse caso, a rainha produz ovócitos por meiose, pois ela é diploide, enquanto o zangão produz espermatozoides por mitose, pois já são organismos haploides. Nesse tipo de sistema, a rainha pode controlar a proporção de machos e fêmeas regulando o número de ovócitos que serão ou não fertilizados. A produção de descendentes machos pela não fertilização de ovócitos é um mecanismo chamado de partenogênese. FÊMEA (2n) MACHO (n) Meiose Sem fertilização Partenogênese OvócitoGametas Ovócito Espermatozóide Mitose n n n Zigoto (n) Macho Fertilização Zigoto (2n) Fêmea Figura 9 – Sistema haplo-diploide em abelhas Fonte: Adaptado de iStock/Getty Images 23 UNIDADE Bases Cromossômicas da Herança Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Mitose e Meiose Teste seus conhecimentos sobre mitose e meiose com essa atividade interativa https://goo.gl/1URgJz Vídeos Reprodução Sexuada e Assexuada https://youtu.be/gRpEt61XM4M Mitose https://youtu.be/L0k-enzoeOM Meiose https://youtu.be/qCLmR9-YY7o 24 25 Referências ALBERTS, B. et al. P. Biologia molecular da célula. 5.ed. Porto Alegre: Artmed, ano. GRIFFITHS, A. J. F. et al. Introdução à genética. 9.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. SNUSTAD, D. P.; MICHAEL, J.; SIMMONS, M. J. Fundamentos de genética. 6.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. WATSON, J. D. et al. Molecular biology of the gene. 7.ed. Porto Alegre: ArtMed, 2015. 25 Genética e Imunologia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Aline Dal’Olio Gomes Revisão Textual: Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin Mecanismos da Herança • Mendelismo • Heredogramas • Codominância • Alelos Múltiplos • Interação Gênica · Identificar os mecanismos genéticos que causam ou predispõem alterações e atuam na herança de caracteres. OBJETIVO DE APRENDIZADO Mecanismos da Herança Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Mecanismos da Herança Contextualização Alguém já lhe disse que você tem os olhos da sua mãe ou o nariz do seu avô? Ou, ainda, como seu irmão possui olhos azuis se você e seus pais têm olhos castanhos? Essas e outras perguntas relacionadas ao “que torna um indivíduo do jeito que ele é” foram estudadas e respondidas pela Genética. Como vimos até aqui, a Genética trata da transferência de informação biológica de célula a célula, dos pais para os filhos e, desse modo,de geração a geração. Os pesquisadores se preocuparam com as razões e os mecanismos envolvidos com essas transferências, que são a base para as diferenças e as semelhanças vistas entre os grupos de organismos. Os experimentos de Gregor Mendel com ervilhas de jardim (Pisum sativum) foram fundamentais para o entendimento de como as características são herdadas, e é o que veremos nesse capítulo. 8 9 Mendelismo A redescoberta dos estudos de Mendel somada à teoria cromossômica da herança e ao conhecimento atual do século XXI permitiram concluir que os padrões hereditários são determinados por genes presentes aos pares nos organismos, mas que se segregam durante a produção de gametas, de modo que qualquer gameta recebe apenas um ou outro gene pareado. E esse par de genes é, então, reestabelecido na prole. Vamos entender com mais detalhes como os estudos de Mendel possibilitaram essas conclusões posteriores. Gregor Mendel nasceu em 1822; aos 21 anos ingressou em um Monastério católico na antiga cidade Brunn, Áustria, e aos 25 anos foi ordenado padre. Além de suas atividades religiosas, Mendel era um grande pesquisador. Estudou na Universidade de Viena, entre 1851 e 1853, e após retornar ao Monastério iniciou seus experimentos genéticos, que o tornaram famoso. Ele sempre viveu em meio aos agricultores e conhecia bem os estudos que tentavam desvendar os segredos que envolviam a herança de certas características expressas por diferentes espécies de plantas. Daí surgiu o seu interesse em realizar diversos cruzamentos entre plantas e observar a expressão dos caracteres. Durante oito anos, Mendel realizou vários experimentos com várias espécies diferentes de plantas; entretanto, seu maior sucesso foi com as ervilhas. O sucesso com as ervilhas não foi por acaso, mas sim por apresentarem características que facilitavam o seu manuseio nas pesquisas. A ervilha de jardim, Pisum sativum, cresce facilmente em canteiros ou em vasos em estufas, possui ciclo reprodutivo relativamente curto, é uma planta diploide (possuindo apenas dois conjuntos de cromossomos) e os órgãos reprodutivos apresentam flores que realizam autofertilização; portanto, é uma planta fácil de ser cultivada e cruzada. Para iniciar seus experimentos, Mendel escolheu linhagens puras de ervilha por meio da autofertilização e teve o cuidado de escolher indivíduos que apresentavam apenas uma característica observável diferente entre si no momento de realizar os cruzamentos. Como nem sempre isso era possível, Mendel procurava observar apenas uma característica de cada vez. A seguir são apresentadas as sete principais características estudadas por Mendel nas ervilhas. 9 UNIDADE Mecanismos da Herança Figura 1 – As sete características observadas por Mendel nas ervilhas Pisum sativum Alelo: membro de um par de um gene que ocorre em um determinado local (locus) no cromossomo. Os alelos são representados pelo mesmo símbolo básico (exemplo, “B” para planta alta e “b” para planta anã). Cromossomos Homólogos B b Alelos Lócus gênico Figura 2 – Cromossomos homólogos Caráter: Característica de um indivíduo relacionada à sua estrutura, forma, substância ou função. Dominância: Condição na qual um membro de um par de alelos predomina em manifestação ao outro (exemplo, B sobre b). Hereditariedade: Transmissão de características dos genitores à prole. Heterozigoto: Organismo com membros diferentes de um determinado par de alelos (exemplo Bb). Híbrido: Uma prole de genitores homozigotos que difere em um ou mais genes. Homozigoto: Um indivíduo no qual as duas cópias de um gene são do mesmo alelo (exemplo BB ou bb). Ex pl or 10 11 Figura 3 – Exemplos de alelos homozigotos e heterozigotos Linhagens puras: São plantas que apresentam sempre as mesmas características após a autofertilização, isto é, as características não mudam ao longo das gerações. Recessividade: Quando um membro de um par de alelos não tem a habilidade de se manifestar quando o membro dominante está presente. Segregação: Separação dos cromossomos paternos e maternos um dos outros na meiose. Segregação independente: Distribuição aleatória de alelos para os gametas. 1ª Lei de Mendel: Monoibridismo Em um dos seus experimentos, Mendel cruzou plantas altas com plantas anãs, ambas puras, e observou que todos os descendentes dessa primeira geração eram altos, desaparecendo a característica baixa. As plantas cruzadas inicialmente são denominadas de parental (P) e a primeira geração, de geração F1. Mendel, então, permitiu a autofertilização dos descendentes da F1 e quando analisou a prole, agora chamada de F2, observou a presença tanto de plantas altas quanto anãs em uma proporção de 3:1 (3 plantas altas para 1 planta baixa). Mendel observou que os híbridos (F1) produzidos do primeiro cruzamento tinham a capacidade de produzir uma geração anã, embora todos fossem altos, o que permitiu deduzir que estes híbridos apresentavam um fator genético para a característica alta que dominava a expressão do fator para anã. Assim, ele denominou o fator anão como recessivo e o fator alto foi expresso como dominante, e sugeriu, também, que os fatores recessivo e dominante se separavam um do outro quando as plantas híbridas se reproduziam. Mendel obteve o mesmo resultado estudando as outras seis características das ervilhas apresentadas na Figura 1, de modo que apenas uma das duas características analisadas era expressa nos híbridos em F1 e quando os híbridos eram autofecundados produziam dois tipos de prole, cada uma semelhante a uma das plantas parentais, sempre na proporção 3:1. 11 UNIDADE Mecanismos da Herança Um segundo exemplo dos cruzamentos de Mendel pode ser observado na Figura 4. P: (parental) F1: (1ª geração) F2: (2ª geração) X Cruzamento entre ervilha verde e ervilha amarela 100% de ervilhas amarelas (auto-cruzamento) 1 ervilha verde para cada 3 amarelas Figura 4 – Exemplo representativo dos cruzamentos realizados por Mendel entre ervilhas que produziam sementes verdes e ervilhas com sementes amarelas Em conclusão, cada característica analisada por Mendel nos cruzamentos monoíbridos (experimentos em que apenas uma característica é observada) parecia ser controlada por um fator hereditário em par, hoje chamado de gene, que se apresentava sob duas formas, dominante e recessivo, chamadas de alelos. Mendel ainda sugeriu que cada uma das plantas parentais utilizadas possuía duas cópias idênticas de um gene; portanto, denominadas homozigotas. Durante a produção de gametas, essas cópias seriam separadas e na fecundação o número diploide da espécie seria restaurado no zigoto. Nesse caso, sendo os parentais homozigotos para duas características diferentes (alta e baixa ou verde e amarela), o zigoto híbrido herdaria dois alelos diferentes, um da mãe e outro do pai. Portanto, essa prole é denominada de heterozigota. Mesmo um alelo sendo dominante, o recessivo não desaparece, de modo que quando os heterozigotos são cruzados entre si há a probabilidade de dois gametas com o alelo recessivo se unirem, resultando no reaparecimento da característica recessiva. Mendel e outros pesquisadores criaram uma linguagem de termos e símbolos para facilitar a análise matemática dos cruzamentos e também permitir previsões dos resultados. Os fatores hereditários, ou seja, os genes são representados por letras, sendo a letra maiúscula representativa de um gene dominante e a letra minúscula representativa de um gene recessivo, que serve também como base para a escolha da letra denotativa do genótipo. Considerando o cruzamento entre ervilhas que produzem sementes lisas com ervilhas que produzem sementes rugosas, as ervilhas parentais utilizadas no primeiro cruzamento são homozigotas para alelos diferentes que controlam a textura da semente. A característica rugosa é recessiva; portanto, seu alelo é simbolizado pela letra r minúscula e o alelo para lisa, dominante, é simbolizado pela letra R maiúscula (Figura 5). Aletra utilizada como símbolo é representativa da característica recessiva, neste caso r de rugosa. Portanto, as ervilhas com sementes rugosas e 12 13 lisas puras são representadas por rr e RR, respectivamente. A composição alélica é denominada genótipo, enquanto a característica (alta, baixa, verde, amarela, lisa, rugosa) constitui o fenótipo. No exemplo mostrado na Figura 5, as linhagens parentais puras lisa e rugosa, RR e rr, contribuem igualmente para a sua prole F1 que apresenta um genótipo Rr, ou seja, elas são heterozigotas para o alelo que controla textura da semente (possuem um gene dominante e outro recessivo). Contudo, a prole F1 possui o mesmo fenótipo que a geração parental RR, todas lisas, pois o alelo R é dominante em relação a r. Durante a meiose, os cromossomos homólogos se separam, segregando também os alelos, de modo que essas plantas de F1 produzem dois tipos de gametas em iguais proporções, R e r. A autofecundação de F1 permite que diferentes combinações ocorram entre os gametas R e r, gerando 3 tipos de genótipos: RR, rr e Rr (Figura 5 e Tabela 1). Contudo, devido à dominância, os 3 genótipos resultam em dois fenótipos apenas: lisa (RR e Rr) e rugosa (rr) (Tabela 1). Portanto, a geração F2 possui plantas com sementes lisas e rugosas em uma proporção de 3:1. rr RR r R RrRr Rr R R r r RR rrRr Rr Geração P X Gametas Geraçãpo F1 Geraçãpo F2 Quadrado de Punnet Figura 5 – Representação simbólica do cruzamento monoíbrido entre ervilhas que produzem sementes lisas e ervilhas que produzem sementes rugosas Tabela 1. Resumo dos resultados fenotípicos e genotípicos obtidos por Mendel com o cruzamento entre ervilhas que produzem sementes lisas e ervilhas que produzem sementes rugosas. Os resultados são baseados no cruzamento apresentado no quadrado de Punnet da Figura 5 Fenótipo Genótipo Proporção genotípica Proporção fenotípica Lisa RR 1 3 Rr 2 Rugosa rr 1 1 13 UNIDADE Mecanismos da Herança Importante! Para representar os cruzamentos, utiliza-se o diagrama do quadrado de Punnet, como mostrado a seguir: Importante! Em cada quadradinho na horizontal, estão os gametas masculinos. Nestes quadradinhos estão os possíveis resultados dos cruzamentos entre os diferentes gametas dos genitores. Em cada quadrinho na vertical, estão os gametas femininos. Figura 6 Mendel realizou ainda uma autofecundação da geração F2, produzindo a geração F3. Todas as plantas com sementes rugosas produziram uma prole apenas com sementes rugosas, demonstrando que esses alelos eram homozigotos (rr). Com relação às plantas com sementes lisas, 1/3 delas produziu uma prole com apenas plantas de sementes lisas, sendo também homozigotos (RR) e os outros 2/3 produziu uma prole com plantas de sementes lisas e rugosas, sendo, portanto, heterozigotos (Rr). Como podemos perceber, dois princípios básicos regem os cruzamentos monoíbridos: • O princípio da segregação: no qual, em um gene heterozigoto, os dois alelos diferentes segregam-se um do outro durante a produção de gametas, na meiose, assim como ocorre para um gene homozigoto; • O princípio da dominância: no qual, em um heterozigoto, um alelo pode suprimir a expressão do outro. 14 15 Desse modo, a primeira Lei de Mendel, também chamada de Lei da Segregação dos fatores, pode ser enunciada da seguinte forma: “Cada caráter é determinado por um par de fatores que se segregam durante a formação de gametas, assim pai e mãe transmitem apenas um gene para seus descendentes.” 2ª Lei de Mendel: Diibridismo Além do monoibridismo, Mendel analisou, também, a transmissão combinada de duas características, realizando experimentos de diibridismo. Para isso, mais uma vez Mendel iniciou os cruzamentos com linhagens puras, ou seja, homozigotas dominantes e recessivas. Ele cruzou plantas que produziam sementes amarelas e lisas com plantas que produziam sementes verdes e rugosas. O objetivo de Mendel era saber se as duas características seriam herdadas, independentemente uma da outra. Vimos nos experimentos de monoibridismo que as características amarela e lisa são dominantes em relação às características verde e rugosa, que são recessivas; portanto, o genótipo dos parentais era VVRR e vvrr, respectivamente. Após o cruzamento, a geração F1 apresentou todas as sementes amarelas e lisas, de modo que os alelos para essas características eram então dominantes, mas possuíam um genótipo heterozigoto (VvRr). Mendel realizou a autofecundação com a geração F1 e obteve uma geração F2 com todas as possíveis classes fenotípicas: sementes amarelas e lisas, amarelas e rugosas e sementes verdes e rugosas e verdes e lisas, em uma proporção de 9:3:3:1, respectivamente. Esses resultados permitiram concluir que cada característica era controlada por um gene diferente segregando dois alelos e os genes eram herdados independentemente. A Figura 7 mostra a representação simbólica do cruzamento feito por Mendel e as respectivas proporções fenotípicas e genotípicas. Sabemos que uma planta diploide produz gametas haploides, ou seja, com apenas uma cópia de cada gene. Sendo assim, as plantas VVRR produzem gametas com apenas uma cópia do gene para cor da semente (alelo V) e uma cópia do gene para textura da semente (alelo R). O mesmo ocorre para as plantas vvrr, que possuem uma cópia do gene v e r em seus gametas. Desse modo, a fecundação desses gametas entre as plantas (VR x vr) produzirá indivíduos 100% heterozigotos em F1 (VvRr) com um fenótipo amarelo e liso, pois os genes V e R são dominantes sobre v e r. As plantas heretozigotas, por sua vez, produzem gametas com diferentes combinações entre os alelos de cada característica (VR, vr, vR e Vr), sendo sempre V e R os genes dominantes. Portanto, a autofecundação da geração F1 produz todos os fenótipos possíveis. 15 UNIDADE Mecanismos da Herança Figura 7 – Representação simbólica do cruzamento diíbrido entre ervilhas que produzem sementes lisas e amarelas e ervilhas que produzem sementes rugosas e verdes Outras combinações entre plantas com características diferentes foram realizadas por Mendel e, em todos os casos, ele observou que os genes segregavam- se independentemente, o que o levou a postular o terceiro princípio básico da Genética Mendeliana: • O princípio da segregação independente: os alelos de diferentes genes (a cópia de cada gene) segregam-se durante a formação dos gametas, independentemente uns dos outros. 16 17 Tente fazer exercícios de cruzamentos monoíbridos (por exemplo: plantas altas x plantas anãs; cobaias de pelo preto x cobaias de pelo branco – sabendo-se que a característica anã das plantas e a pelagem branca dos cobaias é recessiva) e diíbridos (por exemplo: cobaias com pelos grossos e pretos x cobaias com pelos lisos e brancos) para treinar. Lembre-se de aplicar o uso dos símbolos adequadamente. Se quiser, realize esses testes com características da sua própria família (por exemplo, cor dos olhos, textura do cabelo, cor da pele etc.) Ex pl or Heredogramas Experiências com cruzamentos genéticos dirigidos não podem ser realizadas com a espécie humana; sendo assim, a determinação do padrão de herança das características depende de um levantamento histórico das famílias em que certas características aparecem. Isso permite que um geneticista entenda se uma determinada característica é ou não hereditária. Esses estudos são feitos utilizando heredogramas. Os heredogramas são diagramas utilizados para evidenciar o grau de parentesco entre membros de uma mesma família, por meio do uso de símbolos. Nesses esquemas, os homens são representados por um quadrado e as mulheres por um círculo. A reprodução entre homens e mulheres é representada por uma linha horizontal, a prole é evidenciada a seguir, na sequência da esquerda para a direita, por ordem de nascimento (Figura 8) e as gerações são representadas ao lado, por números romanos. Indivíduo do Sexo Masculino Indivíduo do Sexo Feminino Sexo Inde�nidonº de �lhos do sexo indicado Afetado Heterozigotos para um caráter autossômico Casamento Acasalamento Extramarital Divórcio Acasalamento Consanguíneo Gêmeos Monozigóticos Gêmeos Dizigóticos Figura 8 – Símbolos utilizados para representação em um heredograma 17 UNIDADE Mecanismos da Herança Analisando um heredograma, é possível identificar se o padrão de herança de certa característica (cor dos olhos, calvície, nanismo, albinismo, distrofia muscular, daltonismo etc.) é autossômico dominante ou recessivo. A primeira análise que fazemos ao observar um heredograma é se a característica é condicionada por um gene dominante ou recessivo. O fenótipo resultante de um distúrbio autossômico recessivo é herdado como um alelo recessivo e é apenas expresso na prole, tanto masculina quanto feminina, de modo que os progenitores não são afetados e, nesse caso, ambos os progenitores devem ser heterozigotos, ou seja, possuem um alelo dominante e outro recessivo (Figura 9). Aa Aa aa aa aa aa aa aa Aa Aa A_ A_ Aa Aa A) B) C) Homem Mulher Pessoas com a característica estudada Figura 9 – Exemplo de heredograma com o padrão de herança de uma característica recessiva (por exemplo: cor dos olhos, albinismo, distrofia muscular) 1. O primeiro passo é observar todos os casais e logo percebemos que a filha do primeiro casal é portadora da característica que iremos estudar (por exemplo: cor dos olhos azul), mas os genitores não; logo, descobrimos que essa é uma característica recessiva; 2. Se apenas indivíduos heterozigotos podem ter filhos com características diferentes das apresentadas por eles, assim ambos os genitores são Aa; 3. No segundo caso à direita do heredograma, sabemos que o genótipo do pai e do filho é aa, ou seja, eles possuem olhos azuis, mas a mãe não. Desse modo, o filho recebeu um a do pai e o outro da mãe, que é heterozigoto, sendo Aa. 18 19 Codominância Como vimos até agora, genes heterozigotos (Vv, Rr, Bb etc.) exibem o mesmo fenótipo (amarelo, liso, alto) de genes homozigotos (VV, RR, Bb), pois a presença de um gene dominante se sobressai sobre a expressão do gene recessivo. Contudo, em alguns casos, o gene heterozigoto expressa um fenótipo diferente do homozi- goto associado. Um exemplo disso ocorre para a cor da flor da planta boca-de-leão (Antirrhinum majus) que possui três fenótipos diferentes: flores brancas, verme- lhas e rosas. As cores branca e vermelha são homozigotas (bb e BB, respectiva- mente) e quando cruzadas possuem plantas heterozigotas, mas que possuem flores rosas, ao invés de vermelhas, que é a cor dominante. Desse modo, o alelo para cor vermelha (B) possui uma dominância incompleta em relação ao alelo para cor branca (b) (Figura 10). A pigmentação nessas flores depende da quantidade de produção de um produto determinado pelo gene da cor. Plantas homozigotos (BB) produzem o dobro da quantidade do pigmento do que plantas heterozigotos (Bb), que terão, por sua vez, cor menos intensa. Sendo assim, o alelo parcialmente dominante é chamado de gene codominante ou semidominante. Vermelha Branca Rosa 1/4 2/4 Rosa 1/4 Branca BB bb Bb BB Bb bb F1 F2 Figura 10 – Representação simbólica do cruzamento diíbrido entre plantas boca-de-leão com fl ores vermelhas e com fl ores brancas, mostrando o efeito de codominância do alelo B 19 UNIDADE Mecanismos da Herança Alelos Múltiplos Para a maioria das características expressas, os genes normalmente existem em dois estados alélicos (alto ou baixo, verde ou amarelo, liso ou rugoso etc.). Mas, há casos em que um mesmo gene pode possuir três, quatro ou mais alelos e esse é o caso da cor da pelagem de coelhos. A letra minúscula c representa o gene determinante da cor, que possui quatro alelos: c (albino), ch (himalaio), cch (chinchila) e c+ (selvagem). A condição homogizota desses alelos produz diferentes cores de pelagem dos coelhos: cc – presença de pelos brancos por todo o corpo (albinos); chch – presença de pelos pretos apenas na extremidades dos corpo; cchcch – presença de pelos brancos com as pontas pretas por todo o corpo; c+c+ - pelos coloridos por todo o corpo. Os tipos sanguíneos humanos é um outro exemplo de alelos múltiplos. Quando uma pessoa possui apenas o antígeno A em suas células, o tipo sanguíneo é A, quando possui apenas o B, o sangue é tipo B, quando ambos os antígenos estão presentes, o sangue é do tipo AB e quando não há nenhum antígeno, o sangue é do tipo O. O gene I é o determinante genotípico do tipo sanguíneo e tem três alelos: IA e IB, que são responsáveis pela produção do antígeno A e B, e o alelo i que não especifica nenhum antígeno. Com base nesses diferentes alelos, é possível obter 6 genótipos diferentes (IAIA, IAi, IBIB, IBi, IAIB, ii) que expressam 4 fenótipos, os tipos sanguíneos A, B, AB e O, respectivamente (Tabela 2). Nesse sistema, os alelos IA e IB são codominantes. Tabela 2. Possíveis genótipos para o sistema sanguíneo ABO humano Genótipo Fenótipo Antígeno presente IAIA, IAi Tipo sanguíneo A A IBIB, IBi Tipo sanguíneo B IAIB Tipo sanguíneo AB A e B Ii Tipo sanguíneo O nenhum Interação Gênica Durante o processo de segregação independente dos genes na meiose, algumas interações entre os genes de cromossomos não homólogos podem ocorrer, de modo que dois genes podem controlar a mesma característica. Diferentes combinações de alelos de dois genes resultam em fenótipos diferentes, provavelmente, devido ao resultado da interação dos seus produtos em nível bioquímico e/ou celular. A interação gênica foi descoberta por meio de experimentos realizados com galinhas. Galinhas domésticas apresentam diferentes formas de crista: noz, rosa, ervilha e simples (Figura 11). O cruzamento entre galinhas de crista rosa com galinhas de crista ervilha produz galinhas com outro tipo de crista, a chamada noz. Os pesquisadores descobriram que o tipo de crista era controlado por dois genes que se segregam independentemente, R e E, cada um com dois alelos. As galinhas com crista rosa 20 21 possuem o genótipo RRee e as galinhas com crista de ervilha possuem o genótipo rrEE. As galinhas originadas desse cruzamento são, portanto, RrEe, mas possuem crista do tipo noz, diferente dos parentais. Ao cruzar a F1 (RrEe) todos os tipos de crista aparecem na prole, inclusive as galinhas com crista simples, que devem ser, portanto, homozigoto para ambos os alelos (rree) (Figura 12). Figura 11 – Formas das cristas em galinhas domésticas diferentes Figura 12 – Experimento realizado sobre a forma da crista de galinhas. O intercruzamento de F1 produz quatro tipos de crista diferente em uma proporção 9:3:3:1 (noz, rosa, ervilha e simples) 21 UNIDADE Mecanismos da Herança Os principais tipos de interação entre os genes são: epistasia e pleiotropia. • Epitasia: quando dois ou mais genes influenciam uma característica, um alelo de um deles pode ter um efeito inibidor no fenótipo. Quando um alelo exibe esse efeito, ele é denominado epistático em relação aos outros genes envolvidos. • Pleiotropia: um único gene pode influenciar muitos fenótipos. Quando um gene afeta muitos aspectos do fenótipo, ele é chamado de pleiotrópico. 22 23 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Segunda Lei de Mendel (Jogo) https://goo.gl/kmY2WW Vídeos Mendel e a Ervilha https://youtu.be/tfjDJE4kWhM https://youtu.be/VVIr37xPkk0 https://youtu.be/hEdc96wxyZ8 Hereditariedade https://youtu.be/CBezq1fFUEA Leitura O papel de Mendel na história da Genética https://goo.gl/UQAB3Q Mendel e depois de Mendel https://goo.gl/etK6gS O Mendel que não era mendelista https://goo.gl/EAYpsM 23 UNIDADE Mecanismos da Herança Referências GRIFFITHS, A. J. F. et al. Introdução à genética. 9.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. SNUSTAD, D. P.; MICHAEL, J., SIMMONS, M. J. Fundamentos de genética. 6.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. WATSON, J. D. et al. Molecular biology of the gene.7.ed. Porto Alegre: ArtMed, 2015. 24 Genética e Imunologia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Aline Dal’Olio Gomes Revisão Textual: Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin Introdução ao Estudo de Imunologia • Princípios Básicos Da Imunologia • Funções do Sistema Imune • Celulares do Sistema Imune · Apresentar visão geral sobre a Imunologia, destacando os tipos de respostas imunes e os tipos celulares que a compõem. OBJETIVO DE APRENDIZADO Introdução ao Estudo de Imunologia Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Introdução ao Estudo de Imunologia Contextualização Você sabia que o corpo humano pode, por meio de um sistema de reações químicas e físicas, proteger-nos frente a agentes estranhos (patógenos) e até mesmo contra nossas próprias células quando (por mutação) elas e tornam malignas (cânceres) e, assim, podem evitar o surgimento de algumas doenças? Atualmente, diversas células especiais que podem retirar e destruir esses patógenos são conhecidas. O sistema capaz de fazer o que foi descrito acima é denominado Sistema Imunológico, que é composto por uma porção de células e órgãos cuja principal função é proteger o indivíduo frente a patógenos, por meio de diversos mecanismos de defesa. O Sistema Imunológico pode ser definido como o conjunto de moléculas, células, tecidos e órgãos presentes nos seres humanos e em outros seres vivos capaz de eliminar agentes ou moléculas estranhas ao corpo, inclusive o câncer, preservando a homeostase. Os mecanismos fisiológicos capazes de desempenhar essa função consistem em uma resposta coordenada (moléculas e células) que culmina em respostas que podem ser tanto específicas quanto seletivas, gerando até uma memória imunitária, que pode ocorrer naturalmente, como foi dito, mas também artificialmente, por meio das vacinas. Na ausência de um sistema imune, as infecções, que antes não eram percebidas, podem levar à morte do organismo. No entanto, mesmo com um sistema imune funcional, as doenças ocorrem, pois os patógenos também desenvolvem mecanismos para fugir da resposta imunológica. Portal PUC Minas Gerais – Portal Explorando o Sistema Imunológico. https://goo.gl/UIlOsX Fiocruz, Introdução à Imunologia https://goo.gl/QavQ4Y Ex pl or Como apresentado, a Imunologia torna-se de extrema importância para a Humanidade, já que é por meio de seu estudo que se entende como se dão as interações dos microrganismos com o corpo humano e por meio disso auxiliam- se diversas áreas do conhecimento como a Biologia, a Biomedicina, a Farmácia e a Medicina, haja vista que é por meio dela que se elaboram remédios, como é o caso da elaboração da vacina da dengue que, atualmente, passa por uma fase de teste. Isso demonstra que a Imunologia é uma importante ferramenta para a Humanidade frente aos diversos desafios que estão presentes e que podem surgir. 8 9 Princípios Básicos Da Imunologia A definição de Imunologia vem do latim immunitas, que se relaciona à proteção contra as demandas judiciais que os senadores romanos sofriam. Do ponto de vista histórico, o termo imunidade denotava a proteção contra doenças infecciosas. Desse modo, o Sistema Imunológico abrange as células e as moléculas que são responsáveis pela imunidade, que ocorre devido à resposta imunológica, que é coletiva e coordenada pelo Sistema Imunológico a substâncias estranhas. A função fisiológica do sistema imunológico, como mencionado no parágrafo anterior, é defender o organismo contra agentes infecciosos (microrganismo), além de moléculas que podem causar respostas imunológicas. Por outro lado, os mecanismos que protegem os indivíduos frente às infecções e às substâncias estranhas também são capazes de provocar danos ao próprio organismo em algumas situações, e quando isso ocorre chamamos de doenças autoimunes. Desse modo, a imunologia é o estudo de diversos componentes e de mecanismos em nível celular e molecular que ocorrem após o contato de um indivíduo com microrganismos e/ ou outras moléculas estranhas ao corpo. Edward Jenner (Figura 1) é o cientista ao qual é atribuído o início dos estudos de Imunologia. No final do Século XVIII, Edward observou que a varíola bovina ou vacínia desempenhava ação de imunidade contra a doença da varíola humana. Então, em 1796, ele conseguiu mostrar para a comunidade científica que a inoculação da varíola bovina em seres humanos protegia contra a varíola humana. Esse método foi chamado de vacinação, termo que é utilizado até hoje e que, atualmente, é usado para descrever a inoculação de amostras de agentes patológicos enfraquecidos ou atenuados em indivíduos sadios, com a finalidade de protegê-los contra doenças que antes os ameaçavam. Quando a vacinação foi introduzida, Jenner não tinha conhecimento dos agentes infecciosos. Apenas no século XIX, Robert Koch provou que as doenças infecciosas eram causadas por microrganismos patogênicos, cada um responsável por uma determinada enfermidade ou patologia. Atualmente, são reconhecidas quatro grandes ca- tegorias de microrganismos ou patógenos. São eles os vírus, as bactérias, os fungos patogênicos e outros organismos eucarióticos, chamados de parasitas. Após isso, em 1880, Louis Pasteur projetou uma vacina contra a cólera aviária e desenvolveu uma vacina antirrábica. No início da década de 1890, Emil von Behring e Shibasaburo Kitasato descobri- ram que o soro de animais imunes à difteria ou ao tétano continha “atividade antitóxica” específica que possibilitava proteção em curto prazo contra os efeitos das toxinas dessas duas doenças. Atu- almente, chamamos essa atividade de anticorpos. Figura 1 – Edward Jenner (Google, 2010) Fonte: Wikimedia Commons 9 UNIDADE Introdução ao Estudo de Imunologia Tipos de Resposta Imune A resposta imune apresenta duas respostas básicas, uma específica, que corres- ponde à síntese de anticorpos frente ao patógeno específico ou aos produtos por ele metabolizados. Essa resposta é conhecida como resposta imunológica adap- tativa, já que se desenvolve e pode prolongar-se durante a vida de um organismo, ou seja, assemelhando-se a uma resposta de adaptação à infecção causada pelo patógeno. Em muitos casos, aresposta imunológica adaptativa resulta, adicional- mente, em um processo denominado memória imunológica, que possui identidade imunológica protetora, por toda a vida do indivíduo, a novas infecções causadas pelo mesmo patógeno. Esse importante mecanismo de resposta não observada na outra resposta é a imunológica, que é chamada de resposta imunológica inata. Essa resposta é intimamente ligada a uma resposta imediata, auxiliando, assim, no combate a uma grande gama de patógenos em primeira instância. Entretanto, essa característica imediata não conduz a uma imunidade duradoura e nem específica para nenhum patógeno individual. Historicamente, a imunidade inata era muito estudada pelo imunologista russo Elie Metchnikoff, que descobriu que muitos patógenos podem ser engolidos e digeridos por células fagocíticas, as quais ele denominou de “macrófagos”. Os macrófagos estão sempre presentes e prontos para atuar e por isso são células importantíssimas na composição da linha de frente da resposta imunológica. Diante do que foi dito acima, fica claro definir que uma das principais diferenças entre as respostas imunológicas inata e adaptativa é que a resposta imunológica adaptativa necessita de tempo para se desenvolver, já que ela é específica para um determinado patógeno; a inata é inespecífica e, por isso, já está presente mesmo em organismos saudáveis. Com o prosseguimento dos trabalhos, ficou claro que os anticorpos poderiam ser induzidos contra um grande número de substâncias, que foram chamadas de antígenos, já que podem estimular a produção de anticorpos. Posteriormente, detectou-se que a produção de anticorpos não é a única função da resposta imunológica adaptativa e, assim, o termo antígeno é utilizado para mencionar qualquer substância que pode ser reconhecida e combatida pelo sistema imunológico adaptativo. Sistema imunológico: https://youtu.be/JzaQaFVNi3o Ex pl or 10 11 Funções do Sistema Imune A ação da resposta imunológica inata e a da adaptativa desempenha quatro funções básicas em um organismo, como demonstrado na Tabela 1. A primeira relaciona-se ao reconhecimento imunológico: que é a detecção de uma infecção, cuja função é atribuída às células sanguíneas brancas do sistema imune inato e também pelos linfócitos do sistema imune adaptativo. A segunda função é desempenhada pelas funções imunológicas efetoras, ou seja, pelo sistema do complemento composto por moléculas de proteínas sanguíneas como os anticorpos que, juntamente com os linfócitos, têm a capacidade de destruir os patógenos, e também por outras células sanguíneas brancas. O terceiro é chamado de regulação imunológica, ou a capacidade do sistema imunológica de se autorregular. Esse é um importante mecanismo da resposta imunológica, pois o Sistema Imunológico tem de se controlar para não causar dano ao próprio organismo. Quando o Sistema Imunológico não se autorregula, é possível que haja desenvolvimento de determinadas condições, como as alergias e as doenças autoimunes, como, por exemplo, o lupus. A quarta e última função é a proteção do indivíduo contra uma doença que já o atingiu. Nesse caso, a função específica do Sistema Imunológico Adaptativo é arma- zenar o reconhecimento de um patógeno por meio de uma memória imunológica. Atualmente, os imunologistas trabalham para tentar produzir de forma artificial imunidade de longa duração contra patógenos que ainda não provocam essa imunidade naturalmente. Tabela 1 – Imunidade Inata X Adaptativa Características Inata Adaptativa Especificidade Moléculas compartilhadas por grupos de microrganismos e Moléculas produzidas por células do hospedeiro lesionados antígenos microbianos e não microbianos Diversidade Limitada; Muito grande Memória Nenhuma Sim Não reatividade ao próprio Sim Sim Componentes Barreiras Celulares e Químicas Pele; epitélios das mucosas; moléculas antimicrobianas Linfócitos nos epitélio; anticorpos secretados nas superfície epiteliais Proteínas do sangue Complemento, outras Anticorpos Células Fagócitos (macrófagos, neutrófilos), células destruidoras naturais Linfócitos Fonte: Modificado de Murphy, 2010 11 UNIDADE Introdução ao Estudo de Imunologia Resposta Imune Inata Neste tópico, vamos abordar com mais detalhes a resposta imunológica inata, que também pode ser chamada de imunidade natural ou nativa. Ela consiste na linha de defesa inicial contra os microrganismos e também aos produtos das células lesionadas. Essa resposta é formada por: mecanismos bioquímicos e físicos de defesa celular existentes que anteriormente ao contato com o patógeno já estão prontos para responder rapidamente. Por sempre estar pronto para gerar a resposta, o mecanismo de combate aos patógenos sempre será igual, mesmo se as infecções forem repetidas. Existem quatro componentes do Sistema Imunológica Inato (Figura 2): • Barreias físicas e químicas: São os epitélios e as substâncias químicas antimicrobianas sintetizadas nas superfície dos epitélios; • Células fagocitárias: São os macrófagos e os neutrófilos; as células dendríticas e as células assassinas naturais (natural killer – NK); • Proteínas do sangue: Compostas por membros de sistema de compri- mento e também por outros mediadores da inflamação, que veremos em Unidade posterior; • Proteínas chamadas de citosina: Regulam e coordenam diversas atividades celulares imunes. Resposta Imune Adaptativa A forma de resposta imune adaptativa refere-se à especificidade de moléculas e à capacidade de lembrar e responder com mais intensidade em exposições repetidas frente a um mesmo microrganismo. Ela pode, também, diferenciar uma gama de substâncias microbianas, não microbianas e microrganismo e, devido à isso, é denominada imunidade específica ou imunidade adquirida, porque muitas das respostas apresentadas são “adquiridas” por experiência. Suas principais células são linfócitos e seus produtos secretados, como os anticorpos. As substâncias estranhas que induzem as respostas imunológicas específicas reconhecidas pelos linfócitos ou os anticorpos são os antígenos. Os mecanismos de defesa contra microrganismos estão de alguma maneira em todos os seres multicelulares. Essa resposta corresponde às respostas inatas. As respostas mais elaboradas como a imunológica adaptativa ocorrem apenas para os vertebrados. Dois modos de ação de resposta imune adaptativa, com características similares, foram selecionados durante a evolução. 12 13 .A primeira surgiu há 500 milhões de anos: o grupo de peixes sem maxilas (agnatha), como as lampreias e as feiticeiras, que desenvolveu resposta com diversas células semelhantes aos linfócitos de espécies mais derivadas de vertebrados, na qual atuavam como linfócitos e até respondiam à imunização. Os receptores de antígenos dessas células eram ricos em leucinas capazes de reconhecer uma elevada gama de antígenos, mas eram diferentes dos anticorpos e dos receptores de células T (segundo modo), que sugiram mais tarde no processo de evolução. A evolução dos linfócitos e os diversos receptores de antígenos altamente diversos, os anticorpos e os tecidos linfoides especializados, ocorreram em um espaço de tempo curto e, de certo modo, coordenado nos vertebrados não agnatha, como nos tubarões, há cerca de 360 milhões de anos. As respostas imunológicas dos hospedeiros, tanto a inata quanto a adquirida, têm seus mecanismos de ação integrados. No entanto, os microrganismos patogênicos evoluíram concomitantemente, tornando-se resistentes às respostas do hospedeiro, cada vez mais específicas e complexas. Diante disso, as relações das respostas inata e adaptativa estimulam uma à outra. A resposta adaptativa frequentemente atua intensificando os mecanismos protetores, tornando-os capazes de combater com maior eficiência os patógenos. A resposta imune adaptativa possui duas respostas distintas, a imunidade humoral e a imunidade celular (Figura 2). Essas respostas são mediadas por componentes distintos do Sistema Imunológico.A função delas consiste na eliminação de microrganismos patogênicos. Especificando uma pouco mais, a imunidade humoral é basicamente mediada por moléculas do sangue e pelas secreções das mucosas, que são denominadas anticorpos e são capazes de reconhecer os antígenos microbianos, de neutralizar sua capacidade de infecção e, por fim, eliminá-los. Os anticorpos, que são agentes vitais para a resposta imunológica adaptativa, é sintetizado nos linfócitos B (também podem ser chamados de células B). A imunidade humoral é o principal mecanismo de defesa contra microrganismos e suas toxinas, já que ela é capaz de ativar diversas vias de sinalização de defesa e, como diferentes tipos celulares de anticorpos, promovem a ingestão de microrganismo pelas células do hospedeiro (fagocitose). A outra imunidade mencionada no parágrafo anterior é a imunidade celular, que também é chamada de imunidade. Essa resposta é realizada por células, provindas dos linfócitos T (também denominadas células T). Ela é importante porque alguns vírus e bactérias sobrevivem e se proliferam no interior das células que a fagocitaram e em outras células do hospedeiro; então, a defesa é realizada dentro dela, promovendo a destruição de microrganismos que residem nos macrófagos e no nutrófilo ou em células infectadas. 13 UNIDADE Introdução ao Estudo de Imunologia Célula Função ativada Macrófago Célula dendrítica Neutró�lo Eosinó�lo Basó�lo Mastócito Fagocitose e ativação de mecanismos bactericidas Apresentação de antígeno Fagocitose e ativação de mecanismos bactericidas Matar anticorpos cobertos por parasitas Desconhecida Liberação de grânulos contendo histamina e agentes ativos Captura do antígeno na periferia Apresentação de antígeno Figura 2 – Célula mieloides da imunidade inata e adaptativa Fonte: Murphy, 2010 14 15 Figura 3 – Tipos de imunidade adaptativa Fonte: Abbs, 2012 Na imunidade humoral, os linfócitos B secretam anticorpos para impedir a proliferação de microrganismos extracelulares e os eliminam. Na imunidade celular, os linfócitos T auxiliares ativam os macrófagos para a destruição dos microrganismos fagocitados, ou os linfócitos T citotóxicos destroem diretamente as células infectadas. Nessa resposta da resposta, a imunidade frente ao microrganismo pode ser obtida pelo contato do hospedeiro com esse patógeno. Essa resposta à exposição a um antígeno é denominada imunidade ativa (Figura 3), já que o organismo infectado desempenha papel ativo na resposta ao antígeno. Dessa forma, os organismos e os linfócitos que nunca foram infectados são denominados virgens, ou seja, imunologicamente inexperientes, e os que já foram expostos a um microganismo e apresentam resposta a esse patógeno são considerados imunes. Outra forma de obter a imunidade pode ser pela transferência para um organismo por meio do soro ou de linfócitos de um organismo imunizado, tornando o receptor imune também. Essa forma de imunidade é denominada imunidade passiva (Figura 4). Um exemplo desse processo é a transferência de anticorpos maternos para o feto, que o protege contra infecções não adquiridas. Há, ainda, outra forma, que é a passagem de anticorpos de animais imunizados para pacientes letais, com tétano e com picadas de cobra, por exemplo. 15 UNIDADE Introdução ao Estudo de Imunologia Ao longo do tempo, a imunidade humoral foi definida como um tipo de imunidade que poderia ser transferida de indivíduos de organismos previamente imunizados para indivíduos não imunes ou virgens por meio da transfusão de sangue que não possui células, mas com anticorpos, ou seja, o plasma ou o soro. A diferença da imunidade celular e que nesta ocorre a passagem de células (linfócitos T) para organismos não imunes, mas não por meio de plasma ou sangue. Vacinação na maternidade: https://goo.gl/Oo2lAQ Ex pl or Figura 4 – Imunidade Ativa e Passiva Fonte: Abbs, 2012 Principais Características da Resposta Imune Adaptativa As características das respostas humorais e celulares refletem as propriedades dos linfócitos que mediam as respostas. São elas: • Especificidade e diversidade (Figura 5): As respostas imunológicas são específicas para cada antígeno. A porção do antígeno que é reconhecida na célula linfoide determina o antígeno ou epítopos. Os receptores dos linfócitos identificam diferenças sutis nas regiões dos epítopos, gerando uma gama de especificidade denominada repertório dos linfócitos, que chega entre 107 a 109. Essa capacidade de reconhecer um grande número de antígenos é chamada de diversidade; • Memória (Figura 5): Com a ocorrência de um contato com um antígeno, ocorre eficiência na sua resposta imunológica, caso o organismo seja futuramente exposto a esse mesmo antígeno novamente. De forma geral, as respostas que ocorrem pela segunda exposição são chamadas de respostas imunológicas secundárias. Elas são mais rápidas, possuem maior magnitude de resposta e qualitativamente são frequentemente melhores que a da primeira resposta ou resposta imunológica primária. A memória imunológica ocorre porque, depois da exposição (primeira) ao antígeno, as células que foram geradas possuem vida 16 17 longa e são mais numerosas que as células T virgens. Adicionalmente, essas células apresentam características que as tornam mais efetivas que as células virgens (o que gera resposta de maior eficiência que na resposta imunológica primária); por exemplo, as células B de memória se ligam com maior afinidade que as células envolvidas na resposta imunológica primária; Figura 5 – Especifi cação, memória e concentração das respostas imunes adaptativas Fonte: Abbs, 2012 • Expansão clonal: Após a exposição a um antígeno, os linfócitos sofrem profunda proliferação, o que caracteriza a expansão clonal, que se refere à proliferação das células com receptores idênticos para o mesmo antígeno, ou seja, clones. Isso permite que a resposta imunológica seja mais rápida; • Especialização: A diversa e específica característica de resposta do Sistema Imune gera maximização da eficiência das respostas. Devido à isso, a imunida- de humoral e a celular são decorrentes de diferentes microrganismos, ou pelo antígeno, mas com diferentes estágios de infecção (intracelular ou extracelular). Desse modo, os linfócitos T ou anticorpos gerados podem variar entre uma clas- se ou outra de microrganismo, dependendo da imunidade humoral ou celular; • Concentração e homeostasia (Figura 5): Todas as respostas imunes dimi- nuem com o passar do tempo após a exposição, chegando a um estado basal chamado de homeostasia. Isso ocorre porque a resposta desencadeada atua para eliminar o antígeno e, por isso, elimina o estímulo para a sobrevida e para a ativação dos linfócitos. Com exceção das células de memória, os linfó- citos são os primeiros a morrerem por apoptose; • Não reatividade ao próprio (Figura 6): Uma das características do sistema imune de um organismo saudável é a capacidade de reconhecer e eliminar um antígeno estranho e não o próprio. Essa capacidade é denominada tolerância. Esse mecanismo inclui a inativação dos linfócitos, que têm a expressão de um receptor específico para que os antígenos do próprio organismo sejam 17 UNIDADE Introdução ao Estudo de Imunologia eliminados. A deficiência desse mecanismo pode gerar respostas imunológicas dirigidas contra antígenos próprios, o que se denomina doenças autoimunes. Essas características geram a especificidade e a eficiência, gerando fases distintas na resposta imune adaptativa que vai do reconhecimento do antígeno até a memória. Doenças Autoimunes: https://goo.gl/GrPH3q HIV 20 anos depois: https://goo.gl/g6q1ai Lupus: https://goo.gl/I1tsOA Ex pl or Figura 6 – Fases da resposta imune adaptativa Fonte: Abbs, 2012 Celulares do Sistema Imune As células que compõem as duas respostas imunológicas, a inata e a adaptativa, são originárias na medula óssea, lá se desenvolvendo e se maturando (Figura 7). Posteriormente aoseu desenvolvimento e à maturação, as células vão realizar a proteção dos tecidos periféricos, sendo que algumas delas permanecem no interior dos tecidos e outras circulam na corrente sanguínea e também em um sistema de vasos especializados denominado sistema linfático. A função desse sistema é drenar os fluidos extracelulares e as células livres dos tecidos, transportando-as pelo corpo como linfa e assim devolvendo-as para a corrente sanguínea. 18 19 As células do tronco hematopoiéticas pluripotentes, nas quais são formadas as células do Sistema Imunológico Adaptativo, dividem-se em duas formas de células- tronco. Uma é a progenitora da célula linfoide comum, gerando diversas células como a linhagem linfoide de células sanguíneas brancas ou leucócitos, as células matadoras naturais (NK) e os linfócitos B e T. A outra é a progenitora mieloide, que dá origem aos demais leucócitos, os eritrócitos (hemácias) e os megacariócitos que produzem as plaquetas, importantes para a coagulação sanguínea (Figura 7). Durante o desenvolvimento e a maturação, os linfócitos T e B são diferen- tes dos macrófagos, medula óssea, sangue, linfonodos, tecidos, células efetoras, célula-tronco hematopoiética pluripotente, progenitor linfoide comum, progenitor mieloide comum, progenitor de macrófago/granulócito, progenitor de eritrócito/ megacariócito, megacariócito eritroblasto, granulócitos (ou leucócitos polimorfonu- cleares), célula B, célula T, célula NK, célula dendrítica imatura, neutrófilo, eosinófi- lo, basófilo, precursor desconhecido de mastócitos, monócito, plaquetas, eritrócito, célula B, célula T, célula NK, célula dendrítica madura, célula dendrítica imatura, mastócito, célula plasmática, célula T ativada, célula NK ativada e outros leucócitos, pela presença de um receptor antigênico. Além dos linfócitos T e B serem diferen- tes dessa gama de células acima descritas, eles se diferenciam no timo e nas demais na medula óssea (Figura 7). Após o contato com o antígeno, as células B vão se diferenciar em células plasmáti- cas secretoras de anticorpos; já as células T em efetoras, cujas atividades são variadas. Como já dito, as células NK não possuem atividade específica para antígeno. Os leucócitos que permanecem serão os monócitos, as células dendríticas e os neutrófi- los, os eosinófilos e os basófilos. As últimas três que irão ficar na corrente sanguínea serão os granulócitos, graças aos grânulos presentes no citoplasmático (Figura 7). As células dendríticas imaturas vão entrar nos tecidos, nos quais se maturam após entrar em contato com um patógeno. Uma subpopulação menor de células dendríticas será gerada pelo progenitor linfoide comum. As células mieloides progenitoras comuns estão em menor quantidade que os progenitores linfoides comuns e a maioria das células dendríticas do organismo se desenvolve a partir de progenitores mieloides comuns. Os monócitos maturam-se em macrófagos ao entrarem nos tecidos. A célula precursora que dá origem aos mastócitos ainda é desconhecida. Os mastócitos também entram nos tecidos nos quais completam sua maturação (Figura 7). 19 UNIDADE Introdução ao Estudo de Imunologia Macrófago Medula óssea Medula óssea Sangue Linfonodos Tecidos Células efetoras Célula-tronco hematopoiética pluripotente Progenitor linfoide comum Progenitor mieloide comum Progenitor de macrófago/ granulócito Progenitor de eritrócito/ megacariócito Megacariócito Eritroblasto Granulócitos (ou leucócitos polimorfonucleares) Célula B Célula T Célula NK Célula B Célula T Célula NK Célula dendrítica Imatura Neutrólo Eosinólo Basólo Precursor desconhecido de mastócitos Monócito Plaquetas Eritrócito Célula dendrítica madura Célula dendrítica imatura Mastócito Célula plasmática Célula T ativada Célula NK ativada Figura 7 - Todos os elementos celulares do sangue, incluindo as células do sistema imune, derivam das células tronco hematopoiéticas pluripotentes da medula óssea Fonte: Murphy, 2010 Percursor das Células de Imunidade Inata Como já dito, o progenitor mieloide comum é o precursor de muitas células da resposta imunológica inata, tais como os macrófagos, granulócitos, mastócitos e células dendríticas, e também de megacariócitos e células sanguíneas vermelhas. Os macrófagos e os monócitos compõem um dos três tipos de fagócitos; os outros dois tipos são os granulócitos (células sanguíneas que compõem a linhagem branca do sangue chamadas de neutrófilos, eosinófilos e basófilos). O terceiro tipo são as células dendríticas. A vida dos macrófagos é relativamente longa e, como já mencionado, uma de suas funções é a de fagocitar e matar microrganismos invasores, sendo a primeira linha na imunidade inata, mas essa célula também desempenha um papel 20 21 na resposta imune adaptativa, coordenando as respostas imunes, auxiliando na indução da inflamação e na secreção de proteínas sinalizadoras, que vão ativar e recrutar outras células para a resposta. Sendo assim, os macrófagos possuem atividade especializada dentro do sistema imunológico, assim como são células limpadoras do organismo, eliminando células mortas e restos celulares. Os granulócitos são assim chamados porque possuem grânulos densamente corados em seu citoplasma ou chamados de leucócitos polimorfonucleares. Existem três tipos de granulócitos: os neutrófilos, os eosinófilos e os basófilos, os quais é possível identificar pela diferente coloração dos grânulos (Figura 2). A vida deles é curta se comparada a dos macrófagos. No entanto, sua produção é em maior quantidade durante a resposta imunológica, na qual eles migraram para o local que está infectado. As células mais numerosas são os neutrófilos fagocíticos, capturando e destruindo uma gama de microrganismos em vesículas intracelulares, destruindo-os pelas enzimas de degradação e outras substâncias antimicrobianas armazenadas em seus grânulos. As funções de proteção dos eosinófilos e dos basófilos não são bem entendidas, mas se acredita que eles sejam importantes na defesa contra parasitas, devido ao seu tamanho, maior que o dos macrófagos ou neutrófilos. Os mastócitos, que não tem definido seu precursor sanguíneo, são diferenciados nos tecidos. Acredita-se que essas células têm ação na proteção das superfícies internas do organismo contra vermes parasíticos. Os grandes grânulos liberados durante a resposta auxiliam na indução do processo de inflamação. A terceira classe das células fagocíticas são as células dendríticas. Elas possuem longos prolongamentos semelhantes a dedos, semelhantes aos das células nervosas. As células dendríticas imaturas migram da medula óssea para a corrente sanguínea para entrar nos tecidos, nos quais vão amadurecer. Elas são capazes de fagocitar continuamente grandes quantidades de fluído extracelular e seu conteúdo, processo conhecido como macropinocitose. Essas células degradam os patógenos que capturaram, mas sua principal atividade consiste em ativar uma determinada classe de linfócitos, os linfócitos T, ao entrarem em contato com os microrganismos. Entretanto, só o reconhecimento das células dendríticas ao antígeno não é suficiente para ativar um linfócito T virgem. Assim, as células dendríticas maduras possuem propriedades adicionais que permitem apresentar antígenos e inativar e ativar os linfócitos T. Por isso são conhecidas como células apresentadoras de antígenos (APCs), tendo importantíssima ligação entre a resposta imune inata e a resposta imune adaptativa. Células da Imunidade Adaptativa Assim como as células da imunidade inata, na medula óssea, o progenitor linfoide comum é que dá origem aos linfócitos específicos (Figura 7) do Sistema Imune Adaptativo e, também, às células NKs, da resposta inata (Figura 7), que são capazes de reconhecer e matar algumas células anormais, como algumas células tumorais e células infectadas com o vírus herpes. 21 UNIDADE Introdução ao Estudo de Imunologia Os linfócitos permitem ao sistema imune produzirresposta contra uma grande variedade de patógenos graças às variedades dos receptores epítopos que reconhecem e se ligam aos antígenos. Na ausência de uma infecção, a maioria dos linfócitos circulantes é pequena e não tem sinais diferenciados; possuindo poucas organelas; sua cromatina nuclear em grande parte está inativa (são os linfócitos conhecidos como virgens). Esses linfócitos virgens não possuem atividade funcional até o momento em que entram em contato com seu antígeno-específico. Já os linfócitos que já encontraram seu antígeno específico anteriormente tornaram-se ativados, são funcionais e denominados linfócitos efetores. Para os linfócitos B (células B), após o contato com o seu antígeno-específico, eles se ligam a um receptor de antígeno de células B ou também chamado de receptor de células B, e aí se proliferam para se diferenciarem em células plasmáticas. A forma é a efetora dos linfócitos B e seus anticorpos produzidos. Dessa forma, o antígeno que ativa uma determinada célula B se torna o alvo dos anticorpos produzidos pela progênie dessa célula. A classe de moléculas de anticorpos, produzidas pelas células B, são conhecidas como imunoglobulinas (Ig); já os receptores de antígeno dos linfócitos B são chamadas de imunoglobulinas de membrana (mIg) ou imunoglobulina de superfície (sIg). O receptor de antígeno de células T ou receptor de células T (TCR), que é relacionado à imunoglobulina, torna-se efetor do mesmo modo que as células B, com a distinção na sua estrutura e na propriedade de reconhecimento. Com o primeiro contato com o antígeno, a célula T se transforma nos tipos funcionais de linfócitos T efetores e com três classes de função: morte, ativação e regulação. Para realizar essas três classes, as células T se dividem em células T citotóxicas, que matam as células infectadas com o patógeno intracelular e as células T auxiliares que produzem outros sinais adicionais essenciais na ativação das células B que, ao serem ativadas pelos antígenos, diferenciam-se em anticorpos. Por fim, outra função das células T é ativar os macrófagos que vão se tornar mais eficientes para matar os patógenos capturados. As células T reguladoras suprimem a atividade de outros linfócitos e ajudam a controlar as respostas imunes. 22 23 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Sistema imunológico https://youtu.be/JzaQaFVNi3o Leitura Vacinação na maternidade https://goo.gl/Oo2lAQ Doenças Autoimunes https://goo.gl/GrPH3q HIV 20 anos depois https://goo.gl/g6q1ai Lupus https://goo.gl/I1tsOA 23 UNIDADE Introdução ao Estudo de Imunologia Referências MURPHY, K.; TRAVERS, P., WALPORT, M. Imunologia de Janeway. 7.ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. ABBS, A. K.; LICHTMAN, A. H.; PILLAI, S. Imunologia Celular e Molecular. 7.ed. Elsevier. (Edição Digital). 2012. 24 Genética e Imunologia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Aline Dal’Olio Gomes Revisão Textual: Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin Imunidade Inata • Resposta Imune Inata • Reconhecimento da Resposta Imune Inata • Resposta Inflamatória · Apresentar um aprofundamento da resposta imune inata, desta- cando os receptores envolvidos no reconhecimento dos agentes in- fecciosos e os componentes envolvidos nessa resposta. Além disso, abordaremos a resposta inflamatória e o recrutamento padrão dessa resposta imune. OBJETIVO DE APRENDIZADO Imunidade Inata Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Imunidade Inata Contextualização Como vimos, o Sistema Imune apresenta duas respostas: a inata e a adaptativa. Agora, abordaremos a inata. Você sabia que a imunidade inata pode nos ajudar em doenças muito perigosas, como a AIDS? A resposta imunológica conhecida como inata é a linha de frente na defesa do organismo, inclusive quando se trata da infecção pelo HIV. Em fórum na 3ª Conferência da Sociedade Internacional de AIDS sobre Patogênese e Tratamento do HIV, Alan Landay, do Rush Medical College, e Marcus Altfeld, da Harvard Medical School, ambos nos Estados Unidos, falaram sobre dois tipos de células que compõem essa resposta inata: dendríticas e natural killer (NK). As NK constituem a primeira resposta a uma doença viral. Elas eliminam células infectadas e secretam citocinas para dar início ou modificar uma resposta imunológica adaptativa. Seu número e sua atividade aumentam no início da infecção pelo HIV, mas, quando a doença se torna crônica, essas células ativas e funcionais são perdidas. Logo no começo da epidemia de AIDS, nos Estados Unidos, Landay investigou um terço da população infectada naquele país e descobriu que a atividade das NK estava deprimida nesses pacientes. Segundo Altfeld, indivíduos com infecção não progressiva pelo HIV-1 têm níveis estáveis de NK. Ele constatou em suas pesquisas que essas células são capazes de inibir a replicação do HIV in vitro. Entre as células dendríticas estão as PDC (Plasmacytoid Dendritic Cells). Elas são encontradas no tecido linfoide, há poucas delas no sangue e quando expostas a agentes patógenos, secretam interferon. De acordo com Landay, as PDC impedem que as células T infectadas pelo HIV produzam partículas virais. Suas pesquisas sugerem que existe uma relação entre o número de PDC e o estado clínico do paciente. “Os sobreviventes à doença apresentam uma quantidade maior dessas células”, disse. Contudo, embora a terapia antirretroviral seja capaz de aumentar os níveis de células T, o tratamento nunca restitui o número normal de PDC. Landay também estudou a ação in vitro da molécula sintética CpG, que mimetiza o DNA de uma bactéria e estimula receptores de células imunológicas. Ele verificou que essa molécula ativava as PDC e, portanto, poderia ser útil no desenvolvimento de uma vacina terapêutica https://goo.gl/oEqZNU Ex pl or 8 9 Resposta Imune Inata Nesta Unidade, continuaremos a discutir sobre o Sistema Imunológico, mas agora aprofundando os principais tópicos mencionados anteriormente. Nesse contexto, começaremos com a resposta imune intata. A resposta imune inata é a linha de frente da defesa do hospedeiro. As invasões por microrganismos são inicialmentecontidas em minutos após o encontro com o agente infeccioso. Embora a imunidade inata seja muito efetiva para prevenir que o organismo seja infectado por microrganismos, os patógenos, por definição, são microrganismos que desenvolveram maneiras de burlar as defesas inatas do organismo mais eficientemente do que outros microrganismos. Uma vez que os patógenos dominem o Sistema Imunológico, vão requerer esforço conjunto das respostas imune inata e adaptativa para eliminá-los do organismo. Mesmo com essa dificuldade, o Sistema Imune inato normalmente mantém alguns patógenos sob controle, enquanto o Sistema Imune adaptativo acelera sua ação. Como mencionado na Unidade anterior, os agentes causadores de doenças são divididos em cinco grupos: os vírus, as bactérias, os fungos, os protozoários e os helmintos (vermes). Os protozoários e vermes são chamados aqui de parasitas. Há uma gama de doenças causadas por microrganismos (vírus, bactérias e fungos) e os parasitas, como pode ser observado na Tabela 1. Como também se observa na Tabela 1, há grande diferença no modo de ação e forma de vida e, entre elas, a resposta imunológica inata tem uma gama de processos e moléculas mais específicas para combatê-los. Os patógenos podem ser intracelulares obrigatórios, como os vírus que, para replicação, entram na célula e, assim, devem ser reconhecidos e impedidos de nela entrar, ou detectados e eliminados logo após a sua entrada. Outro tipo são os patógenos intracelulares facultativos, como a microbactéria, que podem replicar dentro ou fora da célula. Para os patógenos intracelulares, o Sistema Imune inato tem, em geral, dois meios de defesa: os fagócitos, que fagocitam o patógeno antes da entrada na célula, ou as células NK, que podem reconhecer e matar diretamente a célula infectada. As células NK são muito importantes, pois ajudam a manter infecções virais sob controle até que a resposta adaptativa tenha sido gerada. 9 UNIDADE Imunidade Inata Tabela 1 – Variedade de microrganismos que podem causar doenças. Os organismos patogênicos são divididos em cinco grupos: vírus, bactérias, fungos, protozoários e vermes. Alguns patógenos bem conhecidos em cada grupo estão citados no quadro a seguir. Vírus de DNA Vírus de RNA Adenovírus Orthomyxovírus Herpesvírus Paramyxovírus Poxvírus Coronavírus Flavivírus MicobactériaActinobactéria Ascomicetos Sangue, fígado EspiroquetasEspiroquetas Tecidual Nematódeos Platelmintos Intestinal Papovavírus Reovírus Rhabdovírus Clamídia Parvovírus Picornavírus Arenavírus Ricketsia Hepadnavírus Togavírus Esta�lococos Cocos Gram + Retrovírus Micoplasma Chlamydiae Protobactéria Mollicutes Herpes simples, varicela zoster, vírus Epstein-Barr, citomegalovírus, HHV8 Caxumba, sarampo, vírus sincicial respiratório Varíola, vírus da vacínia Pólio, coxsackie, hepatite A e rinovírus Papilomavírus Rotavírus, reovírus Raiva Bacilos Gram + Corynebacterium diphtheriae, Bacillus anthracis,Listeria monocytogenes Candida albicans, Cryptococcus neoformans, Aspergillus fumigatus, Histoplasma capsulatum, Coccidioides immitis, Pneumocystis carinii Trichuris trichuras, Trichinella spiralis, Enterobius vermucularis, Ascaris lumbricoides, Ancylostoma duodenale, Strongyloides stercoralis Entamoeba histolytica, Giardia intestinalis, Leishmania donovani, Plasmodium falciparum, Trypanosoma brucei, Toxoplasma gondii, Cryptosporidium parvum Vírus da hepatite B Vírus in�uenza Rubéola, vírus da encefalite transmitido por artrópodes Treponema pallidum, Borrelia burgdorferi, Leptospira interrogans Onchocerca volvulus, Loa loa, Dracuncula medinensis Schistosoma mansoni, Clonorchis sinensis Staphylococcus aureus Vírus transmitido por artrópodes (febre amarela e dengue) Mycobacterium tuberculosis, M. leprae, M. avium Estreptococos Streptococcus pneumoniae, Strep. pyogenes Coriomeningite linfocítica, febre Lassa NeisseriaCocos Gram – Neisseria gonorrhoeae, N. meningitidis Vírus da leucemia das células T, HIV Bacilos Gram – Salmonella typhi, Shigella �exneri, Campylobacter jejuni, Vibrio cholerae, Yersinia pestis, Pseudomonas aeruginosa, Brucella melitensis, Haemophilus in�uenzae, Legionella pneumophilus, Bordetella pertussis Clostrídio Clostridium tetani, C. botulinum, C. perfringensFirmicutes Vírus Bactérias Fungos Protozoários Vermes ALGUMAS CAUSAS COMUNS DE DOENÇAS EM HUMANOS Adenovírus humano (p. ex., tipos 3, 4 e 7) Parvovírus humano Vírus do resfriado, SARS Rickettsia prowazekii Chlamydia trachomatis Mycoplasma pneumoniae Fonte: Murphy, 2010 10 11 A evolução da resposta inata ocorreu juntamente com a dos microrganismos, protegendo os organismos pluricelulares. Uma importante evidência que sugere que essa resposta tem um ancestral comum a todos os pluricelulares é que a resposta imune inata de mamíferos é muito semelhante a encontrada em plantas e insetos. Um exemplo são os receptores semelhantes à Toll (Toll-like receptors), que são encontrados em todas as formas de vida pluricelulares. Os diferentes tipos da resposta inata agem nos distintos momentos da infecção. As barreiras epiteliais dificultam a entrada do microrganismo. Caso a barreira seja ultrapassada, os fagócitos entram em ação no tecido e esses mesmos fagócitos, juntamente com as proteínas plasmáticas, agem na corrente sanguínea. Duas importantes respostas da imunidade inata, que não foram abordadas na Unidade anterior, são as respostas inflamatória e antiviral, que serão abordadas com mais detalhes neste tópico. De forma geral, a inflamação é o processo em que os leucócitos e as proteínas plasmáticas são enviadas para o local da inflamação para eliminar e destruir o agente causador da infecção. A defesa antiviral é composta por modificações nas células a fim de não permitir a replicação viral e aumentar a suscetibilidade à morte pelos leucócitos. Reconhecimento da Resposta Imune Inata A capacidade de reconhecimento da resposta inata é válida para estruturas moleculares que possuem as características de patógenos microbianos, mas não células de mamíferos. As substâncias que estimulam o reconhecimento dessas respostas denominam- se Padrões Moleculares Associados aos Patógenos (PAMP). Os diferentes tipos de microrganimos-0, como bactérias, vírus e fungos, expressão de diferentes tipos de PAMP, tais como ácidos nucleicos e proteínas em microrganismos e carboidratos e lipídeos que não são sintetizados em mamíferos, como lipopolissacarideos de bactérias gram-positivas. A Tabela 2 mostra algumas dessas moléculas. Além das moléculas abordadas acima, a resposta imune inata reconhece também produtos microbianos essenciais para a sobrevivência desses organismos. Esse tipo de reconhecimento é importante, pois são componentes que não podem ser perdidos e assim não são escondidos pelos microrganismos na tentativa de evitar o reconhecimento do hospedeiro. Um exemplo é o RNA viral de fita dupla, que desempenha importante papel na replicação de certos vírus (Tabela 2). Outro importante reconhecimento dessa resposta são as moléculas endógenas que são produzidas ou liberadas por células danificadas ou mortas, denominadas Padrões Moleculares Associadas a Danos (DAMP). 11 UNIDADE Imunidade Inata O DAMP é o resultado dos danos celulares causados pela infecção ou na indicação de lesões celulares assépticas como toxinas químicas, queimaduras, traumas e redução do suprimento sanguíneo, mas não são liberados por células mortas por apopitose (Tabela 2). Tabela 2 – Exemplos de PAMP e DAMP Padrões Moleculares Associados aos Patógenos Tipo de Micro-organismo Ácidos nucleicos ssRNA dsRNA CpG Vírus Vírus Vírus, bactérias Proteínas PilinaFlagelina Bactéria Bactéria Lipídios de parede celular LPSÁcido lipoteicoico Bactérias gram-negativas Bactérias gram-positivas Carboidratos MananaGlucanas dectina Fungos, bactérias Fungos Padrões Moleculares Associados a Danos Proteínas induzidas por estresse HSP Cristais Urato monossódico Proteínasnucleares HMGB1 CpG, citidina-guanina dinucleotídeo; dsRNA, RNA de dupla fita; HMGB1, grupo box de alta mobilidade 1; HSP, proteínas de choque térmico; LPS, lipopolissacarídeo; ssRNA, RNA de fita simples. Fonte: Abbs, 2012. Para realizar o reconhecimento dos PAMP e dos DAMP, a resposta imune inata utiliza proteínas presentes no sangue e nos fluidos extracelulares, mas, principalmente, nos receptores dispostos em diferentes porções das células e moléculas solúveis no sangue e na secreção das mucosas. As células que expressam esses receptores são os fagócitos (macrófagos e neutrófilos), células dendríticas, algumas células epiteliais e muitas outras células que compõem tecidos e órgãos. Esses receptores são chamados de receptores de reconhecimento de padrões, expressos tanto na membrana plasmática quanto na endossômica, no citoplasma, o que possibilita que a resposta imune inata possa agir tanto em agentes presentes dentro, quanto fora das células (Tabela 3). O mecanismo de ação desses receptores envolve a sua ligação com os PAMP e os DAMP, ativando uma sinalização que gera funções antimicrobianas e pró-inflamatórias. 12 13 Tabela 3 – Moléculas de Reconhecimento de Padrões do Sistema Imune Inato Receptores de Reconhecimento de Padrões Associados às Células Local Exemplos Específi cos Ligantes PAMP/DAMP Receptores semelhantes a Toll (TLR) Membrana plasmática e membranas endossômicas das células dendríticas, fagócitos, linfócitos B, células endoteliais e muitos outros tipos celulares TLR 1-9 Diversas moléculas microbianas, incluindo LPS bacteriano e peptidoglicanos, ácidos nucleicos virais Receptores semelhantes a NOD (NLR) Citoplasma de fagócitos, células epiteliais e outras células NOD1/2 Família NALP (inflamassomos) Peptidoglicanos da parede celular bacteriana Flagelina, dipeptídeo muramil, LPS; cristias de urato; produtos de células danificadas Receptores semelhantes a RIG (RLF) Citoplasma de fagócitos e outras células RIG-1, MDA-5 RNA viral Receptores similares à lectina do tipo C Membranas plasmáticas de fagócitos Receptor de manose Dectina Carboidratos da superfície microbiana com manose e frutose terminais Glucanas presentes em paredes celulares fúngicas Receptores scavenger Membrana plasmática de fagócitos CD36 Diacilglicerídeos microbianos Receptores N-Formil met-leu-phe Membrana plasmática de fagócitos FPR e FPRL1 Peptídeos contendo resíduos N-formilmetionil 13 UNIDADE Imunidade Inata Moléculas Solúveis de Reconhecimento Local Exemplos Específicos Ligantes PAMP Pentraxinas Plasma Proteína C-reativa Fosforilcolina e tosfatidiletanollamina microbianas Colectinas Plasma Alvéolos Lectina ligante de manose Proteínas surfactantes SP-A e SP-D Carboidratos com manose e frutose terminais Diversas estruturas microbianas Ficolinas Plasma Ficolina N-Acetilglicosamina e ácido lipoteicoico componentes de paredes celulares de bactérias gram-positivas Complemento Plasma C3 Superfícies microbianas Anticorpos naturais Plasma IgM Fosforilcolina em membranas bacterianas e membranas de células apoptóticas Fonte: Abbs, 2012 Diante dessa introdução, é possível aprofundarmos sobre os receptores celulares de reconhecimento de padrões de PAMP e DAMP. As células que expressam as maiores quantidades desses receptores são os fagócitos e as células dendríticas, demonstrando seu papal crucial para a ingestão dos patógenos, como fazem os macrófagos e os neutrófilos (fagócitos), no estímulo a uma resposta inflamatória e, por subsequência, uma resposta adaptativa, como é o papel das células dendríticas. 14 15 Dentro desses diversos receptores, está um família de moléculas evolutivamente conservadas de receptores denominados receptores semelhantes às Toll (TRL), são glicoproteínas que reconhecem grande variedade de microrganismos. Existem 9 tipos desses receptores, os TRL1 a TRL9 (Figura 1). Figura 1 – Estrutura, localização e especifi cidade dos TRL de mamíferos Fonte: Abbs, 2012 Moléculas que as TRLs reconhecem são o LPS e o ácido lipoteicoico, constituintes de paredes celulares de bactérias gram-negativas e gram-positivas, respectivamente. Reconhecem, também, a flagelina, uma subunidade proteica presente nos flagelos das bactérias móveis. Para os vírus, sua ligação se dá no RNA de fita simples e dupla, e para fungos (mananas), ligam-se nas manosas. 15 UNIDADE Imunidade Inata Como dito anteriormente, a resposta inata se dá tanto em microrganismo como em moléculas endógenas que indicam dano celular. Para essas moléculas, o TRL participa ativamente no reconhecimento, incluindo as moléculas de choque térmico (HPS), as chaperonas, que estão relacionadas à resposta ao estresse, a proteína do grupo box de alta mobilidade 1 (HMGBI), que se liga ao DNA e está envolvida no reparo gênico. Se essas proteínas estiverem localizadas extracelular- mente, elas ativam os TLR2 e TRL4 em células dendríticas, macrófagos e outros tipos de células. Já foi demonstrada a grande diversidade de forma dos TLRs e as células em que são expressas. Adicionalmente, esses receptores podem ser encontrados tanto na membrana celular, quanto nas membranas intercelulares, sendo que os TRL 1, 2, 4, 5 e 6 são expressos nas membranas plasmáticas, reconhecendo os PAMP no ambiente extracelular, principalmente os LPS e o ácido lipopoteicoico das bactérias por meio dos TRL 2 e 4, respectivamente. Já no interior das células, são expressos os TRL 3, 7, 8 e 9, principalmente no retículo endoplasmático rugoso, detectando diversos ácidos nucleicos. O TRL 3 ainda pode detectar as fitas duplas de RNA de vírus, mas o RNA de fita simples é reconhecido pelo TRL8. Já o TRL9 pode se ligar a fitas de DNA simples e dupla, em que não são apenas expressos por microrganismos; no entanto, é específico destas moléculas a região endossômica, o que diferencia as moléculas do hospedeiro que não se relaciona ao endossoma dos microrganismos, mas o DNA e o RNA microbiano podem terminar no endossoma dos fagócitos ou das células dendríticas ao serem fagocitadas. Por fim, para as células danificadas, os TRL 3, 7, 8 e 9 podem iden- tificar componentes saudáveis de moléculas estranhas ou de células do próprio corpo, quando são danificadas. O ponto do mecanismo de resposta pelo TLR, resulta na ativação de várias vias de sinalização da qual esses receptores iniciam nos fatores de transcrição que, por sua vez, induzem a expressão gênica cujos produtos são importantes para a realização da resposta inflamatória (Figura 2). As principais vias de sinalização são as MyD88 independente de TRIF, que ativa NF-kB e IRF4. 16 17 Figura 2 – Funções de Sinalização do TRL. Os TRL1, 2, 5 e 6 usam proteína adaptadora MyD88 e ativam os fatores de transcrição NF-kB e AP-1. O TRL3 usa a proteína adaptadora TRIF e ativa os fatores de transcrição IRF3 e IRF7. O TLR4 pode ativar ambas as vias. Os TRL7 e 9 presentes no endossoma utilizam o MyD88 e ativam NF-kB e IRF7 (não mostrados) Fonte: Abbs, 2012 17 UNIDADE Imunidade Inata TRL – Animação: https://youtu.be/iVMIZy-Y3f8 Ex pl or Os receptores citosólicos de PAMP e DAMP auxiliam a resposta imune inata no citoplasma e, juntamente com os TRL, estão associados à resposta inflamatória. As principais classes desses receptores (citoosólicos) são os receptores semelhantes à NOD e os receptores semelhantes à RIG, que desempenham função importante em alguns tipos de bactérias e parasitas que apresentam mecanismos de escape para as vesículas fagocíticas, pois esses microrganismos apresentam toxinas que criam poros na membrana da célula hospedeira, o que inclui as membranas endossômicas, permitindo a esses patógenos chegar ao citoplasma. Diante disso, esses receptores são uma importante defesa. Os receptores semelhantes à NOD (NLR) pertencem a uma subfamília de mais de 20 proteínas citosólicas que reconhecem os PAMP e os DAMP citoplasmáticos. Além disso, são capazes de recrutar outras proteínas quefazem parte da via de sinalização da inflamação. Essa família de receptores apresenta ao menos 3 diferentes domínios que possuem estruturas e funções distintas. As diferentes estruturas são: um com domínio muito rico em leucinas (sua estrutura de reconhecimento é semelhante ao TRL); o domínio NACHT (proteína neuronal de inibição de apopitose conhecida como NAIP e outras proteínas como CITA, HET-E e TPI); o domínio efetor, que tem função de recrutar proteínas para o processo de sinalização (Figura 3). Os receptores NOD1 e NOD2 (subfamília dos NLR) (Figura 3) possuem o domínio CARD. Os receptores são expressos no citoplasma por diversas células como as epiteliais mucosas e os fagócitos e respondem à peptidoglicanas con- tidas nas paredes celulares das bactérias, mais especificamente, a NOD1, que conhece moléculas presentes em bactérias gram-negativas, e a NOD2, que é principalmente expressa em células intestinais de Paneth, que reconhece uma molécula chamada peptídeo muramil expressa tanto em bactérias gram-negativas quanto em gram-positivas. Outro grupo de receptores é o NLRP (subfamília NLR), que se liga aos PAMP e aos DAMP citoplasmáticos e vai realizar a resposta por meio dos inflamassomos, que geram formas ativas de citocina inflamatória denominada IL – 1 (Figuras 3 e 4). Atualmente, são conhecidos 14 tipos de NLRP, sendo muitos deles com o mesmo domínio efetor Pirina. Dos 14 tipos de NLRP, apenas 3 foram bem estudados: os IPAF/NRLC4, NRLP3 e NRLP1. De forma geral, com a ativação dos receptores IPAF/NRLC4, NRLP3 e NRLP1, por meio de um agente microbiano ou por alterações de ions ou moléculas endógenas, esses receptores se ligam a outras proteínas por interações homotípicas, 18 19 formando um complexo designado inflamossomo, que se liga a proteínas NLRP3, que se ligam a proteínas adaptadoras e essas, por sua vez, ligam-se a uma forma percussora de uma enzima inativa chamada caspase I e, com essa interação com as proteínas adaptadoras, são ativadas, ou seja, a caspase I só é ativada após o recrutamento do complexo inflamassomo. A principal função da caspase I é clivar formas percussoras de citoplasmáticas inativas de duas citosinas homólogas denominadas IL-1β e IL-18, gerando as formas ativas dessas citocinas. CARD ADCIITANLRA NAIPSNLRB NODI, NLRC4 NOD2NLRC NLRC3, NLRC5, NLRXI NLRPI NLRP2-9, 11-14NLRP NLRP10 NACHT BIR BIR BIR NACHT NACHTCARD NACHT NACHTCARDCARD X NACHT CARDPYD NACHTPYD NACHTPYD Figura 3 – Esquematização das subfamílias NLR e seus domínios – NLR Subfamiles do inglês Subfamílias NLR PC-pç/=A resposta RLRP-inflamassomo como, por exemplo, as ligações às proteínas RLRP3 explicadas acima, são induzidas por diversos fatores citoplasmáticos como produtos microbianos, cristais ambientais ou endógenos e redução da concentração plasmática de ions de potássio (K+), que geralmente estão associados a infecções e estresse celulares. Dentro dos produtos microbianos estão flagelina, dipeptídeo muramil, LPS, toxinas formadoras de poros e RNA bacteriano e viral. Já as substâncias cristalinas são derivadas do ambiente como o amianto ou a sílica, e podem ser também de origem endógena como o pirofosfato de cálcio, urato monossódico provindo de células mortas, que também pode liberar para o meio extracelular ATP e este gerar, também, a formação do inflamassomo. A grande quantidade de agentes sugere que a ligação desses compostos, não ocorre diretamente, como os RLPRs, e sim de forma indireta, como íon potássio, vinda de toxinas de bactérias formadoras de poros. Outras foram de ligação podem ser as espécies reativas de oxigênio (radicais livres) e também podem induzir o inflamossomo (Figura 4). 19 UNIDADE Imunidade Inata Figura 4 – Inflamassomo. A ativação RLRP3-inflamassomo que culmina na ativação do pró-IL-1β e a IL-1 ativa Fonte: Murphy, 2010 Os últimos receptores abordados nesta Unidade serão os receptores semelhantes ao RIG, que são sensores citolíticos de RNA viral, respondendo a ácidos nucleicos de vírus por meio de produção de interferons antivirais tipo I. Inflamossomo – texto: https://goo.gl/VhyxsZ Ex pl or Resposta Inflamatória A inflamação é uma resposta muito importante para o combate a infecções, sendo que para que ela ocorra, três papéis fundamentais devem acontecer. O primeiro é o oferecimento de células e moléculas efetoras adicionais para os sítios de infecção para aumentar a morte dos microrganismos invasores pe- los macrófagos. 20 21 O segundo é a barreira física, por meio de coagulação microvascular, para que haja a prevenção da dispersão da infecção. O terceiro e último é relacionado ao reparo dos tecidos lesados. No local da infecção, a resposta inflamatória é começada pelos macrófagos, dando início a uma caracterização das respostas inflamatórias: a dor, a vermelhidão, o calor e o edema naquele local da infecção. Essas quatro características descritas acima ocorrem devido a quatro tipos de mudanças nos vasos sanguíneos nos quais ocorreu a infecção, aumento do diâmetro vascular, o que gera elevação do fluxo sanguíneo (calor e vermelhidão). No entanto, ocorre a redução da velocidade desse fluxo, sobretudo nas superfícies internas dos pequenos vasos sanguíneos locais, mudança nas células endoteliais que revestem os vasos sanguíneos, que começam a expressar moléculas de adesão celular que ligam os leucócitos circulantes. Essa combinação da lentidão do fluxo sanguíneo com as moléculas de adesão, agora expressas, permite maior eficiência na adesão de leucócitos ao endotélio e sua migração para dentro do tecido. Esse processo é chamado de extravasamento. Todas essas mudanças são iniciadas por citocinas e quimiocinas produzidas por macrófagos ativados (Figura 5). Com o início da inflamação, as primeiras células brancas que chegam ao local são os neutrófilos, seguidos pelos monócitos, que lá se diferenciam em macrófagos teciduais. Além dos macrófagos, os monócitos são capazes de originar células dendríticas no tecido também. Essa diferenciação dependerá do sinal que recebem do ambiente, como, por exemplo, a citocina, fator estimulante de colônias de granulócitos e macrófagos (GM-CSF) e a interleucina-4 (IL-4), que vão induzir os monócitos na diferenciação em células dendríticas. Já outras citocinas e o fator estimulante de colônias de macrófagos (M-CSF) vão estimular a diferenciação para macrófagos (Figura 6). Observam-se durante o último estágio da inflamação outros leucócitos presentes, como eosinófilos e linfócitos. A terceira maior mudança nos vasos sanguíneos nos quais ocorre a infecção é o aumento da permeabilidade vascular. Isso acontece porque as células do endotélio que revestem as paredes dos vasos sanguíneos ficam mais separadas uma das outras, levando à saída do fluido e de proteínas do sangue para o lado do tecido, causando o inchaço ou edema e a dor, além do acúmulo de proteínas plasmáticas cuja função é auxiliar na defesa do hospedeiro. Essas mudanças no endotélio são conhecidas em geral como ativação endotelial. A quarta mudança é a coagulação em microvasos que auxilia na prevenção da difusão de patógeno para o tecido infectado (Figura 5). 21 UNIDADE Imunidade Inata Figura 5 – As quatro alterações nos vasos sanguíneos devido à infecção Fonte: Murphy, 2010 Essas mudanças são induzidas por uma variedade de mediadores inflamatórios liberados devido ao reconhecimento do patógeno pelos diversos receptores presentes nos macrófagos. Além deles, outros mediadores são importantes como mediadores lipídicos da inflamação: as prostaglandinas, leucotrienos e fator ativador de plaquetas (PAF), que são rapidamente produzidos pelos macrófagos por vias enzimáticas que degradam os fosfolipídeos de membrana. Suas ações são seguidas por aquelas das citocinas e as quimiocinas que são sintetizadas e secretadas pelos macrófagos em resposta aos patógenos. A citocina fator de necrose tumoral (TNF-α), por exemplo, é um potente ativa- dor do endotélio celular.Outra maneira pela qual o rápido reconhecimento dos pa- tógenos induz resposta inflamatória é por meio da ativação da cascata do comple- mento. Um dos produtos de clivagem da reação do complemento é um peptídeo chamado C5a, potente mediador da inflamação, com diferentes atividades. Além de aumentar a permeabilidade vascular e induzir a expressão de algumas moléculas de adesão, atua como potente quimioatraente de neutrófilos e monócitos. O peptídeo C5a também ativa fagócitos e mastócitos locais, os quais, por sua vez, são estimulados para liberar seus grânulos, que contêm as pequenas moléculas inflamatórias histamina e a citocina TNF-α. Em casos de ferimentos, o dano aos vasos sanguíneos induz imediatamente outras duas cascatas enzimáticas protetoras. O sistema quinina é uma cascata enzimática de pró-enzimas plasmáticas, que é induzida pelo dano aos tecidos, produzindo vários mediadores inflamatórios, incluindo o peptídeo vasoativo bradicinina. O sistema quinina é o exemplo de cascata de protease, também conhecido como cascata enzimática de ativação, no qual as enzimas são inicialmente inativas, ou na forma de pró-enzimática. Depois que o sistema é ativado, a protease ativada quebra e ativa a próxima protease da série, e assim por diante. A bradicinina causa aumento na permeabilidade vascular que promove influxo de proteínas plasmáticas para o local do tecido lesado. Isso também causa dor que, embora desagradável para a vítima, chama atenção ao problema e leva à imobili- zação da região afetada do corpo, ajudando a limitar a disseminação da infecção. 22 23 O sistema de coagulação é outra cascata de proteases que é iniciada no sangue depois do dano dos vasos sanguíneos. Essa ativação leva à formação de um grumo de fibrina, cujo papel normal é prevenir a perda de sangue. Em relação à imunidade inata, contudo, o coágulo barra a entrada de microrganismos infecciosos para a corrente sanguínea. A cascata de quinina e a cascata de coagulação sanguínea são igualmente iniciadas pelas células endoteliais ativadas e também têm importante papel na resposta inflamatória contra patógenos, mesmo que não ocorram ferimentos ou danos teciduais. Dessa forma, dentro de minutos após a penetração no tecido pelo patógeno, a resposta inflamatória causa um influxo de proteínas e células que podem controlar a infecção. Isso estabelece uma barreira física na forma de coágulo sanguíneo, limitando a dispersão da infecção e fazendo com que o hospedeiro fique alerta ao local da infecção. Figura 6 – Entrada e diferenciação dos monócitos circulantes no sangue Fonte: Murphy, 2010 Ação dos anti-infl amatórios: https://goo.gl/UyiMfg Ex pl or 23 UNIDADE Imunidade Inata Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos TRL – Animação https://youtu.be/iVMIZy-Y3f8 Leitura Inflamossomo https://goo.gl/uZb6BU Resposta inflamatória – Resumo https://goo.gl/QduKuP 24 25 Referências MURPHY, K.; TRAVERS, P.; WALPORT, M. Imunologia de Janeway. 7.ed. Porto Alegre: Artmed, 2010. ABBS, A. K.; LICHTMAN, A. H.; PILLAI, S. Imunologia Celular e Molecular. 7.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012 (Edição Digital) 25 Genética e Imunologia Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Aline Dal’Olio Gomes Revisão Textual: Prof. Dra. Selma Aparecida Cesarin Imunidade Adaptativa • Resposta Imunológica Adaptativa • Reconhecimento do Antígeno • Ativação dos Linfócitos • Resposta Imune Humoral • Memória Imunológica • Doenças do Sistema Imune · Apresentar um aprofundamento da resposta imune adaptativa, descrevendo os principais mecanismos com ela envolvidos, tais como anticorpos, reconhecimento do antígeno, resposta imune celular, ativação dos linfócitos, resposta imune humoral, memória imunológica e doenças do Sistema Imunológico. OBJETIVO DE APRENDIZADO Imunidade Adaptativa Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja uma maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como o seu “momento do estudo”. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo. No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas: artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados. Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discussão, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar, lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Imunidade Adaptativa Contextualização Como vimos, o Sistema Imune apresenta duas resposta: a inata e a adaptativa. Agora, abordaremos a resposta adaptativa, lembrando que ela é crucial para nos protegermos contra diversas infecções, influindo se elas nos infectarem novamente. Para que essa proteção ocorra, é necessário que essas células reconheçam especificamente os patógenos e é aí que surgem os linfócitos T e B e as imuno- globulinas, que desempenham papel importante nesse processo e também para que haja mecanismo de ativação dos linfócitos, para que possamos combater es- ses patógenos. Assim, estudaremos como as imunoglobulinas e os linfócitos são ativados e, também, como consequência dessa ativação, de que forma ocorre a resposta humoral. Outro tema importante e vital para que possamos ter vida saudável por muito tempo é a questão e a capacidade do Sistema Imunológico de produzir células com memória de patógenos específicos e ainda por cima gerar resposta eficiente contra elas. É graças a essa capacidade que não ficamos resfriados, por exemplo, todos os invernos! Por fim, vamos abordar rapidamente no texto os patógenos que conseguem derrotar o nosso Sistema Imunológico e como eles fazem isso. Esse tema é importante, já que nos remete a pensar sobre como os organismos evoluem e também como conduzimos nossas vidas em relação à prevenção de doenças. 8 9 Resposta Imunológica Adaptativa Para iniciarmos esta Unidade, vamos recapitular os principais pontos da resposta imunológica adaptativa, que estão ilustrados na Figura 1. A resposta imune adaptativa refere-se à especificidade de moléculas e à capacidade de lembrar e responder com mais intensidade em exposições repetidas frente a um mesmo microrganismo. Ela pode, também, diferenciar uma gama de substâncias microbianas, não microbianas e microrganismos e, devido a isso, é denominada imunidade específica ou imunidade adquirida, porque muitas das respostas apresentadas são “adquiridas” por experiência. Suas principais células são linfócitos e seus produtos secretados, como os anticorpos. As substâncias estranhas que induzem as respostas imunológicas específicas reconhecidas pelos linfócitos ou os anticorpos são os antígenos. A resposta imune adaptativa apresentaduas respostas distintas: a imunidade humoral e a imunidade celular. Essas respostas são mediadas por componentes distintos do Sistema Imunológico. A função delas consiste na eliminação de microrganismos patogênicos. Especificando uma pouco mais, a imunidade humoral é basicamente mediada por moléculas do sangue e pelas secreções das mucosas, que são denominadas anticorpos e são capazes de reconhecer os antígenos microbianos, neutralizar sua capacidade de infecção e por fim eliminá-los. Os anticorpos, que são agentes vitais para a resposta imunológica adaptativa, são sintetizados nos linfócitos B (também podem ser chamados de células B). A imunidade humoral é o principal mecanismo de defesa contra microrganismos e suas toxinas, já que ela é capaz de ativar diversas vias de sinalização de defesa, como os diferentes tipos celulares de anticorpos que promovem a ingestão de microrganismo pelas células do hospedeiro (fagocitose). A outra imunidade mencionada no parágrafo anterior é a imunidade célula, também chamada de imunidade adquirida. Essa resposta é realizada por células, provindas dos linfócitos T (também denominadas células T). Ela é importante porque alguns vírus e bactérias sobrevivem e se proliferam no interior das células que a fagocitam e outras células do hospedeiro; então, a defesa é realizada dentro da célula promovendo a destruição de microrganismos que residem nos macrófagos e neutrófilos ou em células infectadas. 9 UNIDADE Imunidade Adaptativa Figura 1 – Resumo da Resposta Imunológica Adaptativa Fonte: nano-macro.com Reconhecimento do Antígeno Para iniciarmos esse tópico, vamos relembrar o que são os anticorpos. São proteínas, presentes em todos os vertebrados, de enorme variedade e com alta especificidade no reconhecimento à exposição aos antígenos, que também são os mediadores primários da resposta humoral. Os anticorpos apresentam três tipos de ligação com os antígenos, sendo eles imunoglobulina, receptor de linfócitos T e molécula do complexo principal de histocompatibilidade (MHC). A diferenciação dessas três classes de moléculas está no sítio de ligação com o an- tígeno, natureza do sítio a que pode ser ligado, natureza dos determinados antígenos reconhecidos, afinidade de ligação ao antígeno e on-rate e off-rate (Tabela 1). Tabela 1 – Caracterização e diferenciação dos três tipos de anticorpos presentes nos vertebrados Característica Molécula de Ligação ao Antígeno Imunoglobulina (lg) Receptor de linfócitos T (TCR)* Moléculas de MHC* Sítio de ligação ao antígeno Formado por três CDR nos domínios VH e três CDR nos domínios VL Formado por três CDR nos domínios Va e três CDR nos domínios Vb Fenda de ligação peptídica formada por domínios a1 e a2 (classe I) e a1 e b1 (classeII) 10 11 Característica Molécula de Ligação ao Antígeno Natureza do antígeno que pode ser ligado Macromoléculas (proteínas, lipideos, polissacarídeos) e pequenas substâncias químicas Complexo peptídeo-MHC Peptídeos Natureza dos determinantes antigênicos reconhecidos Determinantes conformacio- nais e lineares de diversas macromoléculas e substâncias químicas Determinantes lineares de pep- tídeos; apenas 2 ou 3 resíduos de aminoácidos do peptídeo são ligados à molécula de MHC Determinantes lineares de pep- tídeos; apenas alguns resíduos de aminoácidos de um peptídeo Afinidade de ligação ao antígeno Kd 10 –7 – 10–11 M; a afinidade média das Ig aumenta durante a resposta imunológica Kd 10 –5 – 10–7 M Kd 10 –6 – 10–9 M; ligação extremamente estável On-rate e off-rate On-rate rápida, off-rate variável On-rate lenta, off-rate lenta On-rate lenta, off-rate muito lenta *As estruturas e funções das moléculas de MHC e TCR são discutidas, respectivamente, nos Capítulos 6 e 7. CDR, região determinante de complementariedade; Kd, constante de dissociação; MHC, complexo principal de histocompatibilidade (apenas a molécula de classe II é mostrada); VH, domínio cariável da cadeia pesada da Ig; VL, domínio variável da cadeia leve da Ig. Fonte: modificado de Abbs, 2012 Após essa breve apresentação, começaremos a discutir como esses anticorpos reconhecem os antígenos por meio da sua estrutura e das propriedades de ligação dos anticorpos aos antígenos. Os anticorpos podem existir de duas formas: ou ligados na membrana dos linfócitos B virgem (atuando como receptor de antígenos), ativam essas células e também iniciam a resposta humoral, ou como anticorpos secretados localizados nos tecidos, sangue ou mucosa. Para esses anticorpos secretados durante a fase efetora da resposta humoral, há a ligação dos anticorpos aos antígenos e a eliminação deles por meio de diversos mecanismos efetores, o que ocorre, geralmente, com a interação com outras células do Sistema Imunológico, como proteínas do complemento e células, incluindo fagócitos e eosinófilos. Outra importante função dos linfócitos B nesse contexto é que eles são as únicas células que produzem moléculas de anticorpos, já que são eles que expressam a forma de membrana dos anticorpos que atuam como receptores de antígenos, que são liberados da membrana do linfócito B após a exposição a um antígeno, indo para a corrente sanguínea. Após a coagulação, esses anticorpos permanecem em um fluido denominado soro que, por sua vez, contém todas as proteínas presentes no plasma, com exceção dos fatores de coagulação. Os anticorpos apresentam características gerais importantes para diferenciá-los. A maioria dos anticorpos são denominados gamglobulinas devido à sua semelhança com a letra do alfabeto grego gama e também de imunoglobulina (a partir de agora, os anticorpos serão chamados de imunoglobulina), que é a estrutura da molécula responsável pela imunização. 11 UNIDADE Imunidade Adaptativa Mesmo com essas semelhanças em relação à estrutura das moléculas, as imunoglobulinas apresentam diferenças quanto à sua estrutura, que está diretamente relacionada à ligação dela com o antígeno específico (acredita-se que existem mais de um milhão de moléculas). Atualmente, as imunoglobulinas são divididas em classes e subclasses de acordo com as características da região C da cadeia pesada, que apresenta funções específicas. As classes de cada imunoglobulina são chamadas de isótipos e são dividas em cinco, em suas regiões constantes: IgA, IgD, IgE, IgG e IgM, além dessa divisão, as IgA e IgG são subdividas em IgA1 e IgA2 e a IgG1,IgG2, IgG3 e IgG4. Os diferentes tipos se diferenciam por suas propriedades biológicas, localiza- ções funcionais e habilidade para lidar com diferentes antígenos, como se mostra na Quadro 1. Quadro 1 – Tipos de isótipos de humanos e suas funções Isótipo do Anticorpo Subtipos (Cadeia H) Concentração Sérica (mg/mL) Meia-vida Sérica (dias) Forma Secretada Funções IgA IgA 1,2 (a1 ou a2) 3,5 6 IgA (dímero) Monômero, dímero, trímero Imunidade de mucosa IgD Nenhum (d) Traço 3 Nenhuma Receptor de antígeno do linfócito B virgem Nenhum (e) 0,05 2 IgE Monômero Defesa contra parasitas helmintos, hipersensibilidade imediata IgG1-4 (g1, g2, g3 ou g4) 13,5 23 IgG1 Monômero Opsonização, ativação do sistema complemento, citotoxicidade mediada por células dependentes de anticorpo, imunidade neonatal, autoinibição do linfócito B Nenhum (m) 1,5 5 IgM Pentâmero Receptor de antígeno do linfócito B virgem, ativação do sistema complemento As funções efetoras dos anticorpos são discutidas em detalhes no Capítulo 12. Fonte: Adaptado de Abbs, 2012 12 13 A estrutura similar entre as imunoglobulinas refere-se à parte estrutural que não se liga aos antígenos, apresentando duas porções (leves e pesadas), sendo que cada porção é composta por duas cadeias idênticas (Figura 2). Essas duas porções são chamadas de Ig. As cadeias pesadas e leves são compostas por regiões denominadas aminoterminais variadas (V), que participam do reconhecimento dos antígenos, uma região carbaxiterminal constante (C), a qual, nas cadeias pesadas,media as funções efetoras da molécula. De forma geral, a imunoglobulina apresenta um sítio de ligação ao antígeno, que é formado pela justaposição dos domínios VL e VH. A cadeia pesada termina em caudas C e a ligação de proteína do sistema de complemento e do receptor de Fc nas regiões da cadeia pesada de aproximação na cadeia pesada, como pode ser observado na Figura 3. Nessa Figura, é possível, notar, ainda que a IgM apresente mais um domínio (CH) em relação a IgA secretada, uma visão um pouco mais detalhada de como são as estruturas dessas moléculas. Figura 2 – Esquematização da IgG e IGM (A e B) e estrutura cristalina de raios-X da IgG (C) Fonte: Adaptado de Abbs, 2012 13 UNIDADE Imunidade Adaptativa Diante do que foi abordado sobre a estrutura das imunoglobulinas, discutiremos com mais detalhes as regiões variáveis dos anticorpos, em que a maioria das diferenças é definida por três curtos segmentos localizados na região V da cadeia pesada e três da mesma região, mas da cadeia leve, que são conhecidos como hipervariáveis; é nesses locais que os antígenos se ligam nas moléculas das imunoglobulinas, nas regiões VH VL. Anticorpos: https://goo.gl/DgdDP5 Ex pl or Ativação dos Linfócitos Para que as imunoglobulinas sejam ativadas e para que elas possam desempe- nhar seu papel com eficiência, é necessário que os linfócitos sejam ativados, e é isso que abordaremos agora. Os linfócitos T são de extrema importância nesse processo, pois são eles que erradicam as infecções por microrganismos intracelulares e ativos e outras células como os macrófagos e linfócitos B. Para que a resposta seja eficiente, esses linfócitos devem superar alguns desafios, tais como os mencionados a seguir. Baixo número de células T imaturas – Para que o antígeno seja apresentado às células T rapidamente, existem células especializadas, denominadas células apresentadoras de antígenos (APC) e entre elas estão as células dendríticas. Os linfócitos devem identificar a presença de antígenos em todos os locais do corpo e por isso as células T circulam também em órgãos linfoides secundários. Para auxiliar nesse contexto, as células dendríticas, que são encontradas em todos os tecidos, capturam os anticorpos e levam para a região linfoide, na qual estão localizadas as células T circulantes. Por interagir com diversas células, como os linfócitos B, os macrófagos e as células dendríticas e, para que essas células somente interajam com as células do hospedeiro, os receptores dos linfócitos T reconhecem antígenos apresentados pelas células do hospedeiro. Os receptores que desempenham esse papel de reconhecimento são as moléculas do complexo principal de histocompatibilidade (MHC). Isso difere com os linfócitos B em que tanto os receptores de imunoglobulina quanto as imunoglobulinas secretadas reconhecem antígenos solúveis ou associados às células. 14 15 Os linfócitos T respondem a diferentes agentes infecciosos microbianos em dife- rentes compartimentos celulares. Isso ocorre porque os APC combatem de forma distinta, dependendo se o antígeno é intra ou extracelular e, assim, apresentam as diferentes classe de células T, assim com o MHC também captura os antígenos de diversos locais e apresenta às células T. Exemplo é a defesa contra vírus na cir- culação, que é mediada pelas imunoglobulinas e para que a produção das Ig seja efetiva, há participação dos linfócitos T CD4 auxiliares. Entretanto, se esse mesmo vírus afetar um tecido, a participação dos linfócitos T CD8 é muito importante. Entre esse reconhecimento, a maioria dos linfócitos T reconhece apenas peptídeos curtos e, por consequência, eles só reconhecem sequência de aminoácidos específicos, enquanto as células B podem reconhecer moléculas maiores como peptídeos, proteínas e ácidos nucleicos, entre outros e, diante disso, as células T, normalmente antígenos ou substâncias de origem proteica. O que decorre desse reconhecimento mais específico das células T é que os receptores das células T CD4 e CD8 são específicos para antígenos apresentados por moléculas do MHC e elas só se ligam à peptídeos (Figura 3). Figura 3 – Esquema do reconhecimento de um complexo de peptídeo como MHC pela célula T Fonte: Adaptado de Abbs, 2012 Os receptores MHC apresentam dois tipos: o MHC classe I e o MHC classe II, diferindo tanto na expressão nos tecidos quanto na sua composição espacial, mais especificamente na composição de suas subunidades. Ambas as moléculas se assemelham aos domínios das imunoglobulinas, mas a MHC classe I apresenta duas cadeias polipeptidias, a cadeia a, que atravessa a membrana, é associada a uma cadeia menor, a b2-microglobulina (Figura 4). Já o receptor MHC apresenta duas que atravessam a membrana e, além disso, a diferença entre os dois receptores, a fenda de ligação dos MHC, classe II, é formada por dois domínios: a1 e b1. 15 UNIDADE Imunidade Adaptativa α2 α3 β2m TM α1α2 α3 β2m TM TMTM α1 α1 β1 α2 β2 Ligação Peptídica Classe I Classe II Membrana CitoplasmáticaCauda Citoplasmática Cauda Citoplasmática Figura 4 – Diferenças entre os receptores MHC classe I e classe II Fonte: Acervo do Conteudista O reconhecimento dos antígenos pelas células que não são células T ocorre com células que atuam como células apresentadoras de antígenos (APC) para ativar as células T virgens e as células T efetoras previamente diferenciadas, como as células dendríticas, que são as mais importantes, mas os macrófagos e os linfócitos B também fazem esse trabalho, principalmente via células T CD4 auxiliares previamente ativadas (não virgens) (Figura 5), ativando os receptores MHC. Figura 5 – Principais APC e seus mecanismos de ativação das células T Fonte: Adaptado de Abbs, 2012 16 17 As APCs apresentam complexos peptídeos-MHC (Figura 3) para o reconheci- mento das células T, além de estímulos adicionais chamados segundos sinais, para a maturação das células T virgens. As APCs que maturam as células T virgens são chamadas de coestimuladores. Outro fator importante é a intensificação do sinal pelos APC devido à exposição dos produtos microbianos, como a ativação de receptores Toll pelos macrófagos e células dendríticas. Essa intensificação do sinal pelas APC que apresentam antígenos pode intensificar sua função de apresentação de antígenos, sobretudo as células T CD4 que, com a presença de antígenos, promovem a expressão de uma molécula denominada ligante do CD40, que se liga às células dendríticas e aos macrófagos. Ativação dos linfócitos B: https://youtu.be/r02YWYZRsuk Ex pl or Resposta Imune Humoral Antes de iniciarmos, vamos a uma visão geral do Sistema Imune Humoral. Basicamente, essa resposta é mediada por moléculas do sangue e pelas secreções das mucosas, os anticorpos, que são capazes de reconhecer os antígenos microbianos e de neutralizar a sua capacidade de infecção e por fim eliminá-lo. As imunoglobulinas, que são agentes vitais para a resposta imunológica adapta- tiva, são sintetizadas nos linfócitos B (também podem ser chamados de células B). A imunidade humoral é o principal mecanismo de defesa contra microrganismos e suas toxinas, já que ela é capaz de ativar diversas vias de sinalização de defesa, como os diferentes tipos celulares de anticorpos promovem a ingestão de microrganismo pelas células do hospedeiro (fagocitose). As principais funções das imunoglobulinas são neutralizar e eliminar microrga- nismos infecciosos e toxinas microbianas; além disso, as imunoglobulinas são pro- duzidas por plasmócitos de vida curta ou de vida longa, que são gerados de células B virgens ou de memória em órgãos linfoides e produzidos na medula óssea. Essas imunoglobulinas têm suas funções efetoras mediadas por regiões constan- tes de cadeia pesada e diferentes isotipos de cadeias pesadas possuem funções dis- tintas, mas as funções são iniciadas pelas regiões variáveis, como foi mencionado anteriormente. Diante dessa breve introdução, podemos começar a abordar o tema, focando, so-bretudo, as diversas funções que as imunoglobulinas possuem na defesa do organismo. 17 UNIDADE Imunidade Adaptativa Como dito, essa resposta neutraliza e elimina os agentes infecciosos. Iniciando pela neutralização dos microrganismos e de suas toxinas, as imunoglobulinas bloqueiam a ligação dos microrganismos e/ou toxinas celulares. Um exemplo é o vírus influenza, que utiliza a hemaglutinina como envelope e essas moléculas conseguem interferir bloqueando a interação do vírus com os receptores celulares, fazendo um bloqueio estérico. Como a neutralização só é feita com a ligação do antígeno com a imunoglobulina, qualquer tipo dessa última molécula pode realizar esse bloqueio (Figura 6). Ac neutralizantes bloqueiam a adesão celular Ac neutralizantes bloqueiam ação toxina secretada Previne infecção Previne toxicidade Anticorpos neutralizantes Neutralização Bactéria Toxina Mecanismos Efetores Mediados por Ag-Ac Figura 6 – Esquematização de neutralização de bactérias e toxinas, impedindo a ligação deles com a célula do hospedeiro Fonte: Acervo do Conteudista Outra forma de resposta é a cobertura (opsonização) dos microrganismos, por meio das imunoglobulina IgG, promovendo a ligação a receptores Fc em fagócitos monocelulares e neutrófilos. Isso ocorre porque os receptores para as porções Fc dos IgG ligam-se para porções opsonizadas pelos anticorpos. É possível, ainda, os fagócitos fagocitarem os agentes infecciosos sem a presença das IgG, como uma resposta imune inata. As respostas com e sem a presença de imunoglobulina estão na Figura 7. De forma geral, as Ig não permitem a ligação dos agentes infecciosos às células impedindo a infecção. Além disso, eles impedem a disseminação da infecção de uma célula para a outra e bloqueiam as ligações entre as toxinas e as células, como já foi abordado. 18 19 Figura 7 – Resposta com e sem a presença de imunoglobulinas (anticorpos) agindo na infecção da célula (A), liberação do microrganismo da célula infectada e da infecção da célula adjacente (B) e o efeito patológico da toxina (C) Fonte: Adaptado de Abbs, 2012 Para finalizar esse tópico, será abordado de forma rápida o Sistema Comple- mento, que é um dos principais mecanismos da resposta humoral e também da resposta inata. Esse Sistema consiste em proteínas séricas e superfície celular que interagem uma com a outra e também com outras porções do Sistema Imune, que tem como função a geração de substâncias que eliminem o microrganismo. Suas principais 19 UNIDADE Imunidade Adaptativa características são: é ativado por microrganismos, ou imunoglobulinas, que estão ligados a outros microrganismos ou outros patógenos, envolvendo hidrólise de proteína com ruptura de ligações peptídicas (proteólise), gerando complexos enzimáticos e os produtos que são gerados por essas enzimas se ligam na membrana celular dos microrganismos ou nas imunoglobulinas ligadas a esses patógenos. Sua ativação é inibida devido a proteínas reguladoras das células dos hospedeiros e/ou na ausência do patógeno. Memória Imunológica As respostas da memória imunológica são chamadas de respostas imunes secundárias, respostas imunes terciárias e assim sucessivamente, dependendo de quantas vezes o organismo seja infectado pelo patógeno. Talvez seja um dos fatores mais importantes para um indivíduo, pois previne doenças. Essas respostas diferem da resposta imune primária, já que não houve ainda a produção do anticorpo, o que pode ser corroborado com as células T e B de memórias que não apresentam a mesma resposta das células T e B virgens. Entretanto, experimentalmente, não foi possível ainda comprovar cientificamente se a memória imunológica é diretamente relacionada às células de memória especializadas, mas é possível estabelecer de forma experimental que os indivíduos que já foram infectados já apresentam células de memória. Em relação à diferença das respostas dessas células de memória e as virgens, já havia sido identificado experimentalmente que as células B com memória respondem ao antígeno com uma eficiência 100 vezes maior que as células virgens. A explicação para isso é que a resposta primária gera rápida produção de IgM, seguida de resposta de IgG; já a resposta secundária gera baixa síntese de IgM e grandes quantidades de IgG e uma pequena porção de IgA e IgE. Na realidade, quando começa a resposta secundária, a base das imunoglobulinas estão nas células B de memória, formando isotipos maduros, desviando a produção de IgM para a de IgG, IgA e IgE. Em relação à afinidade do IgG, aumenta a sua na resposta primária e também nas respostas subsequentes. Essa resposta gera células B com afinidade cada vez maior, de acordo com a quantidade de exposição ao antígeno, o que eleva a expressão de MHC de classe II, que facilita a interação de poucas células B com os linfócitos T auxiliares, gerando produção de imunoglobulinas e diferenciação das células B e ocorre o início da resposta (Figura 8). 20 21 Figura 8 – Maturação da afi nidade em uma resposta de anticorpos De acordo com a resposta, o número de imunoglobulina aumenta e a variedade de afi nidades (KA) eleva-se também Fonte: Adaptado de Murphy, 2010 Ainda na resposta imune secundária, as imunoglobulinas disponíveis se ligam di- retamente no patógeno, desviando-se para os fagócitos para degradação e a elimina- ção e, se houver grande quantidade de imunoglobulinas pré-existentes para eliminar ou inativar o patógeno, é possível que não ocorra reposta imune secundária. Na resposta primária e também no início da resposta secundária, as imunoglo- bulinas sintetizadas apresentam função vital no direcionamento da maturação da afinidade na resposta secundária, porque só os receptores das células B é que vão se ligar aos patógenos rapidamente para encontrar o antígeno ainda não comple- xado; assim, há a possibilidade de processá-lo em pequenos fragmentos e auxiliar as células T. 21 UNIDADE Imunidade Adaptativa Acredita-se que as células B circulam nos compartimentos linfoides secundários, principalmente nos folículos do baço, dos linfonodos e das placas de Peyer da mucosa intestinal. Memória imunológica: https://goo.gl/vmZbWI Ex pl or Doenças do Sistema Imune Até o presente momento, nós debatemos como o Sistema Imunológico responde frente aos desafios que os patógenos proporcionam. Agora, iremos abordar as falhas e as doenças que podem ocorrer com o Sistema Imune. Essas falhas podem ser por deficiência hereditária graças a falhas genéticas e a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS), que ocorre quando o hospedeiro não consegue eliminar o invasor que, nesse caso, é o vírus que ataca o Sistema Imune humano, conhecido como Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Na evolução do seu Sistema Imunológico, os vertebrados tiveram a permanência de mecanismos sofisticados de proteção contra os agentes infecciosos. No entanto, esses agentes também evoluíram, selecionando mecanismos que os fizessem escapar dos mecanismos de proteção, o que nos permite observar que nosso Sistema consegue responder bem frente a muitos patógenos, mas não a todos. Um modo de o agente conseguir se livrar da resposta imune é por meio da variação antigênica, que é alterar seus antígenos. Existem três modos de varia- ção antigênica: 1. Agentes infecciosos apresentam ampla variedade de tipos antigênicos; 2. Ocorre com o vírus influenza, que apresenta duas formas para executar a variação antigênica: a deriva dinâmica, causada por mutações pontuais nos genes, e o desvio antigênico, que se deve a grandes mudanças na hemaglutinina dos vírus; 3. Rearranjos programados, que ocorrem em tripanossomos africanos, que são revestidos por uma um tipo único de glicoproteína, a Glicoproteína Variante-Específica (VSG) que, dentro do genoma desse protozoário, é expressa em um dado momento e pode ser alterada por rearranjo genético, que coloca um novo gene VSG no sítio de expressão. 22 23 Esses são exemplos de comomuitos dos agentes infecciosos podem causar doenças recorrentes ou persistentes, evitando os mecanismos de defesa do hospedeiro normal ou subvertendo-os, a fim de promover sua própria replicação. Além da variação antigênica, existe a latência, a resistência aos mecanismos efe- tores e a supressão do sistema imune. E o problema pode vir, também, da própria resposta imune, já que alguns patógenos utilizam a ativação imune para disseminar a infecção, e outros não causariam doença se não fosse pela resposta imune. Outro problema são as imunodeficiências, que é quando um ou mais componentes do Sistema Imunológico é deficiente, sendo classificadas como primárias e secundárias. As primárias são causadas por mutações que afetam um dos diversos genes que controlam a expressão e as atividades das respostas imunes, e as secundárias são adquiridas como consequência de outras doenças, ou fatores ambientais, ou mesmo devido a uma consequência adversa de intervenção médica. Existem muitas doenças imunodeficientes como mostra a Tabela/Quadro a seguir. Quadro 2. Síndromes de imunodefi ciência humana Tipo de distúrbio Condições Distúrbios circulstórios e sistêmicos Anemia falciforme, diabetes melito, nefrose, veias variçosas, defeitos cardíacos congênitos Distúrbios obstrutivos Estenose ureteral ou uretral, asma brônquica, bronquiectasia, rinite alérgica, tuba de Eustáquio bloqueada, fibrose cística Defeitos integumentares Eczema, queimaduras, fraturas do crãnio, trato sinusal de linha média, anomalidades ciliares Imunodeficiências secundárias Desnutrição, prematuridade, linfoma, esplenectomia, uremia, terapia imunossupressora, enteropatia com perda de proteínas, doenças virais crõnicas Imunodeficiências primárias Agamaglobulinemia ligada ao cromossomo X, síndrome de DiGeorge, doença granulomatosa crônica, deficiência de C3 Fatores microbiológicos incomuns Supercrescimento antibiótico, infecções crônicas com microorganismos resistentes, reinfecção contínua (suprimento de água contaminada, contato infeccioso, equipamento de terapia de inalação contaminado) Copos estranhos “Shunts” ventriculares, cateter venoso central, válvulas cardíacas artificiais, cateter urinário, corpos estranhos aspirados Modificado a partir de Stiehm ER: Immunologic Disorders in Infants and Children, 4º ed. Philadelphia, WB Saunders Company, 1996, p. 202; utilizado com permissão. Alergias: https://youtu.be/wAB1gBzcdFM Hipersensibilidade: https://youtu.be/2I0K_Asm_RwEx pl or 23 UNIDADE Imunidade Adaptativa Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Ativação dos linfócitos B https://youtu.be/r02YWYZRsuk Alergias https://youtu.be/wAB1gBzcdFM Hipersensibilidade https://youtu.be/2I0K_Asm_Rw Leitura Imunoglobulina https://goo.gl/qeUDnn Memória Imunológica https://goo.gl/gWgRwK 24 25 Referências ABBS, A.K., LICHTMAN, A.H., PILLAI, S. 2012. Imunologia Celular e Molecular. 7ª edição. Rio de Janeiro: Elsevier (Edição Digital). MURPHY, K., TRAVERS, P., WALPORT, M. 2010. Imunologia de Janeway. 7ª edição. Porto Alegre: Artmed. 25