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Athias - Indios e Caboclos no Rio Negro (1)

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ÍNDIOS E CABOCLOS NO RIO NEGRO – 
IMPLICAÇÕES A PARTIR DO CONTATO INTERÉTNICO1 
 
Renato Athias 
NEPE/PPGA/UFPE 
 
Introdução 
“A Amazônia selvagem sempre teve o dom de impressionar a 
civilização distante. Desde os primeiros tempos da Colônia, 
as mais imponentes expedições e solenes visitas pastorais 
rumavam de preferência às suas plagas desconhecidas. Para 
lá os mais veneráveis bispos, os mais garbosos capitães-
generais, os mais lúcidos cientistas”. (Euclides da Cunha, 
1986, 33) 
 
A Ilha do Timoni ou Ilha Grande, tal como é hoje chamada, constitui-se na maior ilha existente no médio 
Rio Negro, e está situada no Município de Santa Isabel do Rio Negro (outrora chamado de Tapurucurara), 
localizada em frente à cidade de Santa Isabel, atual sede do município. Nesta ilha, existem onze 
comunidades2, ou povoados3 como são chamados os agrupamentos de várias famílias no Rio Negro. 
Ribeira, uma dessas comunidades, está situada ao sul da Ilha Grande e será neste artigo o lugar de 
referência, pois pretendemos apresentar registros etnográficos sobre a relação entre caboclos e índios. A 
relação dos moradores de Ribeira com a cidade de Santa Isabel é permanente, tanto para as crianças em 
idade escolar como para os adultos, chefes de família, que mantêm laços comerciais com “aviadores” - 
patrões que trocam produtos extrativistas por mercadorias de primeira necessidade. Todos mantêm uma 
relação com a Missão Salesiana instalada na região desde os anos 1916, hoje Paróquia de Santa Isabel da 
diocese de São Gabriel da Cachoeira. 
 
O Nheengatu é a língua falada pela maioria das pessoas de Ribeira e apesar de terem relação de 
parentesco com moradores do Rio Içana e alta Rio Negro, grupos indígenas Arawak, os moradores de 
Ribeira, então, preferem ser identificados como caboclos (gente da terra). A literatura sobre a sociedade 
cabocla na Amazônia, desde os estudos de Charles Wagley (1953) e Eduardo Galvão (1955), ampliou-se 
bastante nestes últimos anos e a discussão sobre o conteúdo étnico e semântico do termo caboclo aparece 
em diversos desses estudos, especialmente revisado nos trabalhos de Deborah Lima (1992, 1999) na 
região do rio Solimões e Stephen Nugent (1993) no baixo Amazonas. Ambos autores, como também 
 
1 Comunicação preparada para o Workshop Sobre Sociedades Caboclas Amazônicas, organizado por Christina Adams e 
realizando na USP nos dias 18 a 25 de maio de 2002. 
2 São elas: Matozinho, Tabocal, Bandeira, Timon, Lino, Jataí, Ribeira, Primavera, Caiapu, Bauari, Perseverança. 
3 O termo povoado é amplamente usado no Rio Negro para designar um agrupamento de casas diferentemente do termo sítio, é 
também usado para referir-se a uma localidade onde existe uma família, ou seja, de um morador. Um povoado geralmente tem 
uma capela e um(a) santo(a) padroeiro(a). O termo “comunidade” é mais genérico. 
 
 
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outros pesquisadores, apresentam a dificuldade e a complexidade do conceito de caboclo como uma 
categoria social. 
 
No Rio Negro, o termo caboclo é usado primeiramente para designar o mestiço, nascido da união de um 
não índio com uma mulher índia, uma vez que as sociedades indígenas utilizam-se da ideologia do 
sistema patrilinear e patrilocal na qual a transmissão da identidade étnica se dá a partir da linhagem do 
homem. Em outras partes da Amazônia, o termo caboclo tem uma conotação mais abrangente e indica 
basicamente aquele que não vive em centros urbanos. Neste sentido o caboclo está em oposição ao 
citadino. Contudo, hoje, o caboclo ou uma comunidade cabocla é um grupo social amplo e situa-se no 
espaço de um continuo onde numa extremidade encontram-se os índios e na outra os não índios. Em 
outras palavras, são aqueles que “deixaram” de ser índios para se tornarem “brasileiros” ou como um 
morador de Ribeira nos disse: “nós somos os verdadeiros brasileiros porque falamos a língua do Brasil, a 
“língua geral”4. 
 
No debate sobre os caboclos na Amazônia5, de um lado encontramos autores que utilizam o termo 
caboclo para referir-se indistintamente a uma população rural e de outro lado, outros autores que utilizam 
o mesmo termo para distingüir uma população etnicamente diferenciada, com características similares na 
Amazônia como um todo. Os diversos usos dessa categoria, tanto na literatura como pelos próprios 
representantes desse grupo social, nos instiga a explorar algumas questões, como a língua e o território, 
que considero pertinente na construção da identidade do caboclo na região do médio rio Negro, 
enriquecendo um debate sobre as relações interétnicas nesta região. 
 
As informações etnográficas sobre a comunidade de Ribeira foram coletadas durante uma pesquisa de 
campo, entre os meses de setembro e novembro de 1983, quando estive impedido pelas autoridades 
eclesiásticas de visitar meu campo de pesquisa no Rio Tiquié onde vivem as populações de língua Maku. 
Nessa ocasião para não perder a viagem, juntamente com Gerald Taylor (que estudava a língua 
nheengatu), optamos em permanecer nos arredores de Santa Isabel do Rio Negro. Seguramente, já 
transcorridos muitos anos, inúmeras mudanças aconteceram no contexto social e político dessa região. No 
entanto, considero importante lançar mão dessas informações neste artigo como um exercício acadêmico 
sobre as relações interétnicas que envolvem índios e caboclo. 
 
 
4 Língua de origem Tupi falada no Brasil Colonial como língua franca na região do Rio Negro as pessoas se referem a essa 
língua como Nheengatu (Fala Boa) ou simplesmente Língua Geral. 
5 Conferir, por exemplo, Deborah Lima (1999) e também Mark Harris (1998). 
 
 
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IMPLICACÕES HISTÓRICAS 
 
A expansão colonialista portuguesa não demorou a chegar no Rio Negro. Em 1637, com a expedição de 
Pedro Teixeira, os portugueses adentraram na região construindo, em 1660 a Fortaleza de São José da 
Barra do Rio Negro (futura cidade de Manaus). O primeiro encontro dos índios dessa região com os 
missionários data de 1669 quando Frei Teodósio e Pedro Favela da Costa penetram no Rio Negro 
fundando os primeiros povoados. Existem notícias de que os missionários jesuítas estiveram sempre 
acompanhados das Tropas de Resgate nesta região. Neste mesmo período os primeiros missionários, da 
ordem dos frades carmelitas, que entraram no Rio Negro e seus afluentes com finalidade explicita de 
fundar centros missionários (Sweet, 1974). 
 
A forma utilizada para a catequização dos índios no Rio Negro foi a mesma já usada no litoral do Brasil, 
isto é, fundando aldeias, fixando os índios ao solo para melhor catequizá-los. Esta técnica foi muito usada 
pelos salesianos no alto Rio Negro, como se pode notar hoje, através da distribuição espacial dos 
povoados indígenas da região (Cf. Dom Pedro Massa, 1933). O bispo João Marchesi (1980), sucessor de 
Dom Pedro Massa, descreve em seu livro como ele juntamente com outros missionários ajudaram na 
formação das aldeias nas margens dos rios dos afluentes do Rio Negro. Recentemente os salesianos a 
utilizaram esta mesma técnica principalmente com os grupos Maku que habitam a região da Bacia do rio 
Uaupés. Este tipo de ação missionária foi importante para os portugueses garantirem à fronteira nos 
territórios recém ocupados. 
 
Em 1725, bandeiras e tropas de resgate de índios chegaram até a localidade cohecida pelo nome de 
Marabitanas, no rio Içana. Cerca de 20 anos mais tarde descobria-se a ligação do Rio Negro - Rio 
Orinoco através do canal do Cassiquiari. Em 1752-1763 são construídas fortalezas no rio Branco (Foz do 
Tacutu), e alto Rio Negro (São Gabriel da Cachoeira) “para tranqüilizar as populações” e prevenir 
possíveis“correrias” que os espanhóis quisessem efetuar. Dessa maneira estavam asseguradas as 
fronteiras, ainda em disputa entre espanhóis e portugueses. Os missionários engajados nas Tropas de 
Resgate ou na busca das “drogas do sertão”, ou ainda, de iniciativa própria, trataram de fixar os índios em 
povoações, ou melhor, transformar as aldeias já existentes em núcleos permanentes, sob o controle 
secular do reino. Em 1758, como conseqüência da política externa do Marquês de Pombal todas as aldeias 
fundada pelos frades carmelitas, passam, através de uma provisão do Governador Geral da Província do 
Grão Pará, Mendonça Furtado, à categoria de Vilas. O interesse do “Estado” Português entraria em 
choque com os interesses dos jesuítas e contra a proteção dos índios. O Alvará em forma de lei de 
marquês de Pombal, em 7 de junho de 1755, estabelecia que os missionários deveriam cuidar só da parte 
 
 
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espiritual, deixando a administração temporal para os diretores dos índios, juizes e vereadores. Em 1755 
os Carmelitas já estavam ocupando as missões do Rio Negro. Em documento reproduzido por Arthur 
César F. Reis (1948) Mendonça Furtado instrui como as missões deveriam atuar junto aos índios e faz 
uma descrição como estava a Vila de Mariuá (atual Barcelos), no Rio Negro. Este mesmo documento 
relata a viagem de Mendonça Furtado ao Rio Negro, sendo na ocasião, hóspede dos Carmelitas em 
Mariuá e fica impressionado com as índias nuas e pede para vesti-las. (Reis, 1948:80). 
 
Nestas descrições dar a parecer que os índios receberam pacificamente a imposição dos portugueses, 
porém tem-se notícia através dos documentos oficiais de constantes rebeliões indígenas, no entanto estas 
foram sufocadas por armas e canhões da coroa portuguesa. Em 1729, mais de 20 mil índios Mura foram 
massacrados pelos portugueses. A resistência do tuxaua Ajuricaba durante muitos anos efetiva foi tratada 
com rigor, sendo assassinados, na foz do Rio Negro, todos os índios que comandavam aquela que foi a 
maior e mais organizada resistência indígena. Belchior Mendes de Morais, em 1728, encarregado pela 
Coroa de reprimir Ajuricaba termina trucidando mais de 15 mil índios, entre homens, mulheres, crianças 
e velhos. 
 
Por ordem do General. João Pereira de Caldas, em 1784, o Coronel. Lobo D’Almada entra pela primeira 
vez no rio Uaupés, a fim de demarcar os limites e fundar várias povoações. Por mais de 20 anos o 
carmelita Frei José dos Santos Inocentes, permanece no alto Rio Negro catequizando e fazendo a obra de 
“assentamento” dos índios. Ele foi acusado de envenenar grupos inteiros de índios (Batista, 1976). 
 
Logo após a criação da Província do Amazonas em 5 de setembro de1850, o Governador João Batista 
Tenreiro Aranha nomeia “vigário encomendado” das freguesias do alto Rio Negro, Rio Uaupés e Içana, o 
capuchinho Frei Gregório José-Marie de Bene. Os capuchinhos permanecem na região até 1888. Até a 
entrada dos missionários salesianos na região, as visitas dos missionárrios eram escassas e quase nunca 
passavam acima de São Gabriel. O bispo de Manaus, D. Frederico Costa, visitou toda a região do alto Rio 
Negro, inclusive Iauareté, região de difícil acesso na fronteira com a Colômbia em uma viagem que durou 
mais de um ano (Costa,1906). Ao regressar desta viagem, ele resolve solicitar uma ordem religiosa para 
assumir a catequização nessa região, desmembrando-a de sua diocese. Estando em Roma em 1910 
ofereceu aos salesianos, que aceitaram. Em 1915 chegam os primeiros salesianos com objetivo de se 
fixarem definitivamente no Rio Negro. As técnicas de atração não mudaram em nada com o correr dos 
anos como relata o salesiano Padre. Alcionílio: “... inicia-se nova e mais promissora fase para aquelas 
tribos”.Quatorze delas localizadas ao longo dos rios Uaupés, Tiquié e Papuri são assistida material, 
 
 
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sanitária e espiritualmente... Os índios são atraídos para as margens destes rios e aldeados em pequenos 
povoados (Silva, 1980). 
 
De acordo com Oliveira (1975:3), baseado em dados de Eduardo Galvão (1955) e Reis (1944) são 
caracterizados quatro períodos históricos para essa região: a) período colonial-expansionista quando os 
portugueses desde a vila da Barra (Manaus) iniciam a penetração no Rio Negro no séc XVII com as 
construções do forte de São Gabriel e São José de Marabitanas. Uma fase marcada por feitorias e 
missões, tropas de resgates e descimentos de um caráter violento; b) período nativista (séc XVIII e XIX) 
onde as fronteiras já conquistadas são integradas nacionalmente com uma certa autonomia sobre a 
metrópole portuguesa. Nesse período surgem movimentos revolucionários como a Cabanagem; c) 
período da Borracha, que apesar ter já havido experiências agrícolas a coleta da borracha é a atividade 
econômica predominante e finalmente o d) período da decadência e da diversificação das atividades 
após a queda dos preços da borracha amazônica. Eu acrescentaria mais um período que poderíamos 
chamar de período integracionista, que se estabelece na região do rio Negro nos finais dos anos setenta, 
onde os militares do Exército e empresas de construção desembarcam na região para as levar a frente as 
construções de estradas e outras construções incluídas no Plano de Integração Nacional, que muda o perfil 
sócio-econômico da região. Em todos esses períodos os índios continuaram sendo “descidos” seja para as 
atividades catequéticas, para as atividades extrativistas ou para exercerem atividades relacionadas a essas 
políticas integracionistas. 
 
Eduardo Galvão (1959), um dos primeiros etnólogos a estudar mais sistematicamente esta região, 
caracteriza a região do Alto Rio Negro como "constante indígena". E toda a caracterização deverá ter 
abordagem onde inclua os seguintes fatores: 1) o histórico, a cultura e densidade demográfica dos grupos 
indígenas que ocupam o Rio Negro, pois é possível identificá-los como participantes de um tipo de 
“cultura da floresta tropical”; 2) a tecnologia baseada no tipo de indústria extrativa para a exploração da 
borracha, da castanha e da piaçaba, obrigando a dispersão de população impedindo a atividade agrícola; 
3) um sistema econômico baseado na cotação de mercado, um determinado produto da indústria extrativa 
e 4) fatores culturais frutos da mistura entre índios e não-índios, formando uma cultura própria e 
particular a esta região. Neste sentido Galvão sugere a formação de uma cultura cabocla no séc XVIII 
com a entrada dos portugueses no Rio Negro garantindo as fronteiras. 
 
Em termos de sobrevivência e de adaptação ambiental, os caboclos habitantes atuais na região do Alto 
Rio Negro, não diferem muitos dos índios, ao contrário utilizam-se de toda a tecnologia indígena 
centenária em funcionamento nas diversas áreas dessa região. Toda sua economia está baseada na cultura 
 
 
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da mandioca. O comércio nos rios é feito através dos regatões6 na forma de aviamento comum em outras 
partes da Amazônia, controlados pelos comerciantes instalados, principalmente em São Gabriel da 
Cachoeira. 
 
No decorrer destes últimos quarenta anos houve na região uma profunda modificação. Por um lado, a 
atividade extrativista perdeu a sua importância econômica e de mercado e, por outro lado, houve 
migrações espontâneas de grupos indígenas para as diversas áreas da região do Rio Negro. Os grupos da 
família lingüística Tukano da bacia do Uaupés e de grupos Arawak da bacia do Içana partiram em 
direções de outras áreas que não eram seus territórios tradicionais, como, por exemplo, o médio e baixo 
Rio Negro. Daí um dos motivos que a cultura cabocla da região, já em processo de “amalgamação” 
(Galvão, 1955) com a cultura nacional, recebeu sopro novocom estas migrações. Isso nos leva a dizer 
que os índios do Alto Rio Negro e seus afluentes, que passaram a conviver com os caboclos, moradores 
dessa região, especificamente no médio e baixo Rio Negro introduziram novos conhecimentos sobre a 
maneira de como viver nessas áreas. Tecnologias indígenas são aceitas pelos caboclos. Também é 
verdade que nesse processo de trocas os comportamentos caboclos são assumidos por estes indígenas das 
cabeceiras do Rios Uaupés e Içana, porém também é verdade que valores e crenças trazidos por estes 
índios são incorporados na cultura cabocla. 
 
Durante a pesquisa de campo, em 1983 tive oportunidade de conhecer representantes Tukano, Piratapuia, 
Arapaso e Desana que, na década de 50, haviam saído de suas aldeias localizadas no Rio Papuri (afluente 
do Rio uaupés) migrando para as proximidades de Santa Isabel (Tapurucuara) e incorporando-se a outros 
que haviam descidos do Rio Içana em uma época anterior. Na década de oitenta houve uma significativa 
migração de famílias Tukano, do Rio Tiquié (afluentes do Rio Uaupés), para as margens da estrada(BR 
210), na época em construção. Neste novo povoado, chamado Balaio, convivem índios de várias etnias, 
do Rio Tiquié em sua maioria, mantendo contato permanente com os habitantes de São Gabriel, uma vez 
que existe um acesso por terra através da estrada que liga São Gabriel e Cucuí (Alto Rio Negro) na 
fronteira com a Venezuela e Colômbia. Ainda nessa década se dá a formação de um bairro em São 
Gabriel da Cachoeira, conhecido como Dabaru, onde várias etnias, provenientes das cabeceiras dos Rios 
das bacias hidrográficas do Uaupés (Grupos Tukano) e Içana (Grupos Arawak). Estes recentes 
movimentos migratórios e de intercâmbio existentes em toda a região estão provocando mudanças 
internas importantes. Os então caboclos em contato com esses novos vizinhos vão descobrindo 
 
6 É o comerciante que viaja pelos rios levando, em seu barco, mercadorias de primeira necessidade para trocar com os 
ribeirinhos. 
 
 
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significados para suas práticas de produção que são agora associadas atualmente por eles a uma prática 
indígena. 
 
 
RIBEIRA UM POVOADO DA ILHA GRANDE 
 
A escolha de Ribeira para este estudo obedeceu aos seguintes critérios: a) um povoado onde o Nheengatu 
fosse a principal língua de comunicação; b) um povoado onde moram pessoas suficientes para poder 
observar as relações de parentesco; c) um povoado que estivesse próximo a Santa Isabel para perceber as 
relações com o centro urbano e as implicações com as estruturas municipais. 
 
A história recente de Santa Isabel se confunde com a implantação da Missão Salesiana no final dos anos 
trinta. As “Crônicas” da Missão Salesiana de Tapucurucuara em seu primeiro livro designa com fundador 
da missão o Padre José Schneider e indica que no ano de 1942 foram erguidos os prédios da Missão com 
recursos do governo brasileiro e de “doações de particulares”. Relata também que o internato era para os 
índios da região, que já se fazia necessário devido a número de crianças em idade escolar. É interessante 
notar que Alexandre Rodrigues Ferreira em sua “Viagem Filosófica ao Rio Negro” na participação quarta, 
faz um breve relato de como se encontrava Tapurucuara no ano de 1786: 
 
“... passei pela boca do Rio Darahá, que tem uma grande cachoeira, na distância 
de uma hora de viagem por ela acima, pela tarde do mesmo dia dei fé de Tapéra, 
que é hoje, e que algum dia foi a povoação de Santa-Izabel, situada então na 
margem austral. (...) Basta o primeiro golpe de vista, para julgar da infância d´esta 
povoação, ou antes roça de El Rei, a fallar com toda a propriedade. Duas casas 
somente são as que sobressaem a todas as outras; e vem a ser a que de novo erigio 
o director no princípio da povoação, que também se prolonga com a costa, e a 
residência do mesmo (...)Os índios que as povoão são Uaupés, Júris, Passes, 
Uerequenas, Baniuas, Maquiritari eMacu” ( Alexandre Rodrigues Ferreira, 
1982:110) 
 
A “Viagem Filosófica ao Rio Negro” de Alexandre Rodrigues Ferreira é guiada pelas operações político-
militares do período pombalino, bem como a aplicação do Diretório das Missões. No seu relato, o autor 
enumera os grupos indígenas e insiste na aplicação do Diretório com relação às populações indígenas. Ele 
descreve a decadência da região, uma série de espoliações e as guerras que os colonizadores luso-
brasileiros fizeram contra os índios que, reunidos por Ajuricaba7 em 1723 tentarem resistir. 
 
 
 
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Outro relato interessante é de Dom Frederico Costa, Bispo do Amazonas, que em 1906 faz uma viagem 
pastoral à região e diz encontrar enormes problemas de comunicação, ou seja, a língua falada não era o 
português. Descreve Santa Isabel como um agrupamento de poucas casas e diz: 
“Pela primeira vez sentimo-nos como que exilados dentro de nossa própria pátria; 
parecíamos estar em outras terras, entre povos estranhos. Ouvíamos falar ao redor 
de nós e não entendíamos. (...) Procuramos, pois, desde esse momento pôr-nos em 
contacto directo com o pessoal indígena que nos rodeava muito admirado e 
começamos a tomar nossos apontamentos” (Costa, 1909:23). 
 
Questões relativas às estimativas populacionais no rio Negro tem sido sempre um problema pela falta de 
registros consistentes. Acredita-se que até a presente data não tenha sido efetuado um criterioso censo 
populacional nessa região, devido principalmente pelas dificuldades logísticas de acesso a região. No 
início dos anos oitenta, acreditava-se que a população do Rio Negro estava em franca diminuição. Houve 
comparações entre os diversos censos realizados que indicava que a população do Rio Negro estaria 
diminuindo (Cf. INPA, Acta Amazônica, 1982) não obstante as notícias do crescimento populacional 
urbano nas diversas sedes dos municípios do Rio Negro. Incrementando a hipótese de um processo 
migratório e uma re-acomodação da ocupação dos espaços no Rio Negro. Na realidade, pelas próprias 
condições ambientais dos rios de águas já amplamente descritos informações populacionais têm sido alvo 
de debates. E ainda se faz necessários estudos que possam dar pistas sobre como se dá esse processo 
migratório em toda a região e relação que os habitantes da calha do Rio Negro, sejam índios ou caboclos 
mantém com a terra. 
 
A cidade Santa Isabel conta hoje com uma população (2002) estimada em 3.500 pessoas e percebe-se que 
houve um aumento populacional (também observado nas cidades de São Gabriel da Cachoeira e 
Barcelos). Esse crescimento populacional das sedes dos municípios nesta parte do Rio Negro é vista 
muito mais como um “descimento” dos índios de suas aldeias tradicionais para se estabelecerem na 
cidade. Segundo eles, em busca de melhores condições de vida e principalmente, de acordo aos 
depoimentos colhidos, pela escolarização dos filhos. A rede de navegação fluvial que interliga os 
diversos centros urbanos ampliou-se na década de oitenta e a relação comercial com Manaus é um dos 
fatores que atraem as famílias do interior para os centros urbanizados do Rio Negro. Um outro fator que 
apontaria para esse “boom” dos principais centros urbanos do rio Negro, especialmente em São Gabriel 
da Cachoeira, foi justamente a redução das atividades relacionada à atividade extrativista. Locais onde já 
se esgotavam os principais produtos nas cabeceiras dos não tinham mais sentido manter povoados ou 
sítios, receberiam poucas visitas dos regatões. 
 
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A migração dos índios para médioe baixo Rio Negro não é recente. Esse movimento se dá a partir dos 
anos cinqüenta e Santa Isabel, foi sem dúvida uma das primeiras localidades a receber indígenas dos 
diversos rios criando-se os povoados mistos (de várias etnias), que hoje se percebe em toda a calha do 
médio e baixo Rio Negro. Aliás, se faz necessário um estudo mais sistemático dessas situações para 
compreender as atuais formas de ocupação dessa região. 
 
O sistema comercial baseado na forma de aviamento está ainda fortemente incorporado a economia local. 
No entanto a procura de “empregos” na administração pública ainda é um dos atrativos para a vida na 
cidade. Em Santa Isabel, como também em outras cidades do Rio Negro, existem casas comerciais que 
ainda mantém relações comerciais com as grandes casas de aviamento em Manaus e é por essas vias que 
se dá o escoamento da produção extrativista. 
 
A formação de Ribeira como povoado remonta ao ano de 1952 de acordo os depoimentos colhidos. E em 
1983 tinha uma população de 43 pessoas, dos quais 20 homens e 23 mulheres, todos pertencentes a um 
mesmo grupo de parentesco, a família Bruno da Gama, sendo os mais velhos provenientes do baixo rio 
Içana e falantes do Nheengatu. Ao se referir à Língua Geral (Nheengatu) um dos moradores se 
pronunciou dizendo que “Lá no Içana, sim. Ali se fala a verdadeira língua geral”. A relação com rio 
Içana ainda se manifestava fortemente e era visto como um lugar onde havia “tudo”. Para eles o Içana 
indicava que a qualidade de vida era melhor que em Ribeira onde se “precisa de dinheiro para conseguir 
as coisas”. Antes da família Bruno vir a residir em Ribeira todos habitavam uma localidade chamada São 
José no rio Uneiuxi. Apesar da ligação emocional com o Içana ser ainda bastante forte, em nenhum 
momento, durante nossa estadia na Ilha Grande, os moradores de Ribeira se identificaram com algum dos 
grupos indígenas que ainda habitam o Rio Içana. Acredito que tenha sido por causa do preconceito 
existente em Santa Isabel com relação às populações indígenas, pois ao se atribuírem a identidade 
indígena estariam se considerando selvagens e atrasados. Esta era a imagem que os moradores de Ribeira 
tinham dos índios ou reproduziam no diálogo a representação que os comerciantes e missionários faziam 
dos índios da região. Durante nossa estadia, um dos irmãos Bruno repetiu para nós a história de Elena 
Valero, uma mulher que quando criança foi raptada pelos Yanomami e viveu por vários anos em vários 
shabonos Yanomami8. A relatar e esse fato, o narrador acentuava o caráter “selvagem” e “atrasado” dos 
índios. 
 
 
8 Lizot (1975) e Biocca (1945) fazem referência a esse fato. 
 
 
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Em Ribeira a autoridade local está dividida entre os dois irmãos mais velhos e que foram os primeiros a 
chegarem no atual local e trouxeram suas mulheres (primas entre si) de um povoado chamado São José de 
Maçarambi. Eles decidem o local de preparar a roça e organizam o trabalho dos outros irmãos quando se 
tratava de atividades extrativistas fora do local. Cada uma das unidades doméstica possuía um grau de 
autonomia sobre suas atividades de subsistência. 
 
Ribeira, de acordo com os depoimentos, pertencia ao Senhor X, importante “patrão” em Santa Isabel. 
Naquelas terras, este senhor tinha o seu campo para o Gado. Após a sua morte a família Bruno foi 
convidada para residirem no local e cuidar das 35 cabeças de gado ainda restantes. Aos poucos, o gado foi 
sendo retirado e o restante dos membros da família Bruno, foram chegando ao local para se 
estabelecerem. Se havia um sentimento de nostalgia com relação às terras do Içana, logo era esquecido, 
pois em seguida todos elogiavam os benefícios de estarem morando bem próximo a Santa Isabel. A 
necessidade de escolarização para os filhos também foi um dos motivos apontados pela família Bruno 
para a mudança para as proximidades de Santa Isabel. Todas as crianças em idade escolar freqüentavam a 
escola da Missão. O trajeto de meia hora até a missão era feito em canoa-a-remo, e todas as pequenas 
ilhas próximos a Ribeira tem um nome e uma pequena estória que era lembrada por alguns. Na escola da 
missão aprenderam o português com bastante interesse. 
 
Ribeira está inserida no mercado regional com a produção de farinha de mandioca. Os homens costumam, 
no período de coleta, viajar para outras localidades em busca de produtos extrativistas contratados por 
comerciantes de Santa Isabel. Todos os homens de idade adulta relataram fatos acontecidos durante essas 
atividades e conheciam os lugares onde buscar produtos extrativista ainda de interesse dos comerciantes. 
 
Ribeira é constituído por oito casas quase todas com as paredes de taipa e cobertura de palhas de caranã, 
muito comum em toda a região. Uma das casas as paredes eram de tábuas com cobertura de zinco. A 
parte principal e privilegiada das casas é a onde se encontra o fogão a lenha e o forno de preparação do 
beiju e da farinha. Nesta parte da casa são recebidas as visitas e onde a família se reúne para a 
alimentação diária. Cada uma das casas é habitada por uma família nuclear (unidade doméstica) onde os 
membros da família permanecem até o casamento. A viúva mãe dos chefes de famílias, em idade já 
avançada tinha uma casa só para ela. A família nuclear é a unidade mínima de produção e consumo. 
Observou-se a existência das regras de patrilocalidade, também comum aos grupos indígenas da região. A 
família Bruno mantém outras residências temporárias no local onde trabalham na in0dústria extrativista. 
Em 1983 uma irmã dos Bruno chegou em Ribeira. Não tinha a certeza se ficaria ali para residir ou passar 
uma temporada. Ela veio com seu marido, originalmente de Manaus, e seus quatro filhos, depois de ter 
 
 
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morado mais de 10 anos fora de Ribeira. Geralmente, as mulheres do Rio Negro que se casam em Manaus 
quase nunca voltam para viver juntos aos seus familiares e quando acontece de voltar, elas chegam sem o 
marido apenas com os filhos menores. 
 
A população ribeirinha desta parte do Rio Negro mantém dois tipos de atividades econômicas, que se 
complementam entre elas: a atividade agrícola ligada principalmente à subsistência e as atividades 
extrativistas, realizadas anualmente, fora do seu local de moradia, nos meses de janeiro e fevereiro. Esta 
atividade está relacionada a um patrão residente em Santa Isabel, que intermedia à produção para Manaus. 
 
As atividades agrícolas, de subsistência dos moradores de Ribeira resumem-se na manutenção de roças de 
mandiocas e de fruteiras. O excedente da produção agrícola (geralmente a farinha) é trocado em Santa 
Isabel por produtos manufaturados de primeira necessidade, como sal, sabão, fósforos, tecidos, sapatos, 
roupas, etc. Também essa produção está relacionada a um comerciante específico em Santa Isabel. 
Durante os meses que passamos em Ribeira observamos um número bastante significativo de fruteiras ao 
redor do povoado. Algumas delas como a fruta-pão, taperebá, laranja, abiu e limão com bastante 
produção, porém sem um mercado certo em Santa Isabel, fazendo com que muita dessas frutas estragava-
se no povoado. Não foi observada nenhuma atividade artesanal realizada para a venda. No entanto alguns 
homens adultos sabiam consertar os objetos artesanais tais como tipitis e peneiras utilizados na produção 
da farinha e beijus, porém os mesmos não produziam esses utensílios comercialmente. 
 
A roça é feita no modo tradicional como praticada em todo Rio Negro, ou seja, escolhe-se uma área de 
mata, empreende-se uma derrubada no período de verão, em seguida realiza-se a queimada. Depois 
plantam mandiocas, macaxeiras, carás, pimentas e fruteiras (principalmenteo abacaxi e a banana) por um 
período até dois anos. Em seguida torna-se a escolher outro terreno para a roça deixando a antiga que em 
seguida vira uma capoeira com algumas fruteiras que permanecem dando frutos, porém sem cuidados 
específicos por parte do dono. A atividade de derrubada é um trabalho essencialmente masculino e 
coletivo, geralmente em forma de “ajuri”. São convocados pelo dono da roça para fazer o ajuri os 
parentes próximos e os compadres. Estes trabalham durante todo o dia na derrubada. O dono da roça 
providencia comida e bebida. A esposa do dono da roça, juntamente com outras mulheres, preparam a 
alimentação para os homens. Um dos moradores disse que “um bom ajuri deve ter muita cachaça e muita 
carne”. São nesses ajuris onde são contados os casos e por onde se dá a atualização da história oral da 
região. Os participantes divertem-se bastante e sempre é muito descontraído com muita gargalhada. Se a 
derrubada é um trabalho coletivo e tem uma finalidade de anunciar publicamente os limites da roça para 
cada um dos participantes do ajuri, o trabalho de plantar e colher é individual e privado. Apenas os 
 
 
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familiares bem próximos ao dono da roça entram nela para realizar tarefas de limpeza e colheita, um 
trabalho essencialmente feminino. As mulheres acumulam e detêm conhecimentos específicos sobre 
técnicas e diversos cultivares de mandiocas e outras plantas que são plantadas em roças. Em Ribeira a 
viúva mãe dos Bruno tem uma roça própria que é mantida pelos filhos e pelas noras. Todos em Ribeira 
reclamavam das saúbas e formigas que destroem as plantações, principalmente as fruteiras. Eles 
procuravam inseticidas químicos na cidade para enfrentar essas pragas. No período da SUCAM em Santa 
Isabel eles solicitavam dos agentes o pó de DDT para resolver esses problemas. 
 
A preparação da farinha em grande escala para venda é feita durante os meses de julho a setembro. 
Nessas atividades os membros da família Bruno podiam realizar coletivamente. Em Ribeira havia dois 
motores para ralar a mandioca e três fornos grandes para o preparo da farinha. Também se aproveitava 
para tirar o tucupi e o preparo de pimentas no molho de arubé. O tucupi eventualmente era vendido em 
Santa Isabel. A farinha depois de preparada era colocada em paneiros, preparados no local e em seguida 
transportados para Santa Isabel. Essa farinha geralmente tem dono, naquele ano um dos irmãos Bruno 
deveria preparar 75 paneiros de farinha para saldar uma dívida com um comerciante local. 
 
A atividade extrativista no Rio Negra já foi amplamente documentada, tanto por Galvão (1955) como por 
Oliveira (1975). Essas atividades são realizadas fora de Ribeira em um dos afluentes do Rio Negro e 
lugares que os moradores já conhecem previamente. O sistema econômico que envolve esse tipo de 
atividade é o de crédito por aviamento, ou seja, os homens recebem adiantados pelo produto que devem 
entregar ao patrão dentro de um determinado prazo. Os homens que partem para essa atividade recebem 
dos patrões mantimentos para a permanência na floresta e para os familiares que permanecem. O 
deslocamento até o local é feito através das próprias embarcações ou em barco do patrão quando esses são 
recrutados apenas como mão-de-obra. Existem em Santa Isabel Regatões que vem de outras partes do Rio 
Negro para recrutar pessoas para essas atividades9. Apesar do declínio das atividades extrativistas os 
homens em Ribeira ainda participam de atividades extrativistas por conta própria. A descrição feita por 
Alfred Wallace em 1850 das mercadorias que os regatões levavam para trocar no Rio Negro, não difere 
muito da lista utilizada até hoje pelos comerciantes que viajam nos afluentes do Rio Negro: 
 “Viam-se ali diversos fardos de fazendas de algodão ordinário, de tecidos de 
algodão estampado, de cores muito vivas, com padrões em listas ou em xadrez, de 
lenços azuis e vermelhos, grandes quantidades de machados, facões, facas, 
canivetes, milhares de anzóis, isqueiros e fuzis, pólvora e chumbo, colares em 
grandes quantidades, com contas azuis, pretas, brancas, e espelhos pequenos, 
também em grande número” (xxxx:241). 
 
9 Oliveira (1975: 8-9) faz uma descrição dessas formas de contratação que eram efetuadas em Santa Isabel. 
 
 
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As relações comerciais dos regatões com os índios e caboclos do médio Rio Negro parecem ser as 
mesmas descritas acima. A mudança está na diversidade dos produtos hoje solicitados. O mercado 
extrativista, hoje não tem a mesma importância que antes, porém ainda é determinante na mentalidade das 
pessoas que ainda se guiam por esse calendário sazonal nas relações sociais e nas festas. 
 
IDENTIDADE, LÍNGUA E TERRITÓRIO 
 
Talvez a definição, o engendramento de uma identidade regional surge a partir do re-ordenamento do 
espaço social realizado pelos missionários salesianos no Rio Negro. Ou seja, de Barcelos, no médio Rio 
Negro a Iauareté no alto Rio Uaupés ou mesmo a Cucuí no Alto Rio Negro havia um mesmo comando: 
poder das missões, das paróquias era mais forte que o poder municipal. A arrumação desse espaço 
promovido pelos missionários projeta a região para fora e a identidade “Rio Negrino”. As pessoas em 
Manaus em Belém referem-se como sendo do Rio Negro. “Eu sou do Rio Negro” é falado tanto por 
índios como por caboclos. Todos são iguais e as diferenças étnicas não são retratadas nesse discurso, não 
aparecem na autodefinição perante os outros quando se está falando em português. 
 
O contato com a sociedade nacional promove uma redefinição das fronteiras territoriais. Dentro do Rio 
Negro quando se expressa em uma das línguas indígenas, a identidade específica de cada um aparece e as 
diferenças étnicas são explicitadas. As línguas faladas, inclusive o Nheengatu determina não só a 
proveniência da pessoa como também o estágio em que a pessoa se encontra no processo de integração. 
Caso uma pessoa se expressa em português a identidade regional tem mais força: “Eu sou do rio Tiquié”, 
ou seja, a especificidade étnica não aparece. Estas vão dizer, eu sou do rio Negro ou eu sou do Rio Tiquié. 
E quando se solicita mais precisão sobre local a resposta vem, quase sempre, citando-se: “Eu sou de Pari-
Cachoeira” ou “Eu sou de São Gabriel” Esses locais são sedes de missão nos rios. Nestas manifestações 
dos discursos entre as pessoas opera-se também uma distinção ideológica entre o “mundo selvagem” e o 
“mundo civilizado”, diferenças fortemente determinadas pelo discurso missionário dominante onde se 
promove a negação da identidade étnica. Neste sentido a categoria de “caboclo” refere-se a um estágio de 
incorporação na sociedade nacional dominante, para os não índios o caboclo é aquele que perdeu a sua 
identidade indígena, uma vez que não se caracteriza por um território específico como as demais 
identidades indígenas fortemente relacionados a um espaço social específico. Um morador de Ribeira ao 
definir-se como “içaneiro” (uma identidade genérica e se refere a um território étnico) ele ou ela procura 
em um momento negar a identidade étnica e ao mesmo tempo se colocar em um espaço étnico, 
 
 
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fortalecendo a identidade de caboclo e o Nheengatu como a língua própria deste grupo social, 
desterritorializado com um lugar no “mundo civilizado” em oposição ao “mundo selvagem”. 
 
Nas línguas indígenas da região parece não existir uma palavra que se refira especificamente à categoria 
social de caboclo. Geralmente os outros índios são referenciados pelos nomes próprios de cada um grupos 
lingüísticos, em cada uma das línguas existentes. As línguas indígenas possuem também o termo genérico 
mahsã (em Tukano, com correspondentes em outraslínguas) para se referir a humanidade ou aqueles que 
possuem a vida ou aqueles tem atributos de humanos. Já para os não índios, os brancos e inclusive os que 
se consideram caboclos são identificados pelo termo genérico de pexka-sã, na língua Tukano ou 
tenghõin-deh, na língua Hupdäh e que tem o mesmo significado “possuidores do fogo, provenientes do 
fogo ou possuidores da arma de fogo. Estes não têm a atribuição de “passar o nome”, ou seja, não 
conhecem a cerimônia de transmissão do nome. Este termo tem correspondentes em todas as línguas da 
região. O contato com os não índios fortalece essa contradição e a distinção étnica, portanto há um 
enquadramento a ordens distintas, mundos e territórios diversos. As línguas do grupo lingüístico Tukano 
também se utilizam do termo po’terika para manifestar essa oposição entre “gentes” dessa terra e gentes 
de outras terras. Este termo é englobante e não distingue as diferenças étnicas de cada um dos grupos, e 
acredito também que não é usado para referenciar os caboclos. Seu significado fortalece toda a questão da 
territorialidade indígena em oposição aquele de vem de fora, do rio abaixo. Literalmente significa 
“oriundos das cabeceiras dos rios”. Este termo tem a ver com os habitantes da floresta, e está também 
associado ao selvagem. 
 
Na língua nheengatu, falada por índios e caboclos na região do Rio Negro especificamente falado pelos 
moradores de Ribeira, nos pareceu que existe apenas um termo: “caríua” para se referir àquele que vem 
de fora e que não é indígena. Certamente haverá outras nuances que dermacariam um conjunto de 
significados semânticos no nheengatu do Rio Negro. Esta língua tem vários acentos e certamente deveria 
ser muito diferente do nheengatu falado por brancos vindos do Rio Negro abaixo ou do Rio Solimões há 
um tempo atrás. Isso implica dizer que a questão territorial e lingüística no Rio Negro tem uma 
importância fundamental na identidade étnica, uma vez o termo está fortemente relacionado ao local e 
aquele que vem de outro lugar Também visualizado no interior da região. Os caboclos não se consideram 
índios, porém também não se consideram como fazendo parte dos “brancos” provenientes de outros 
lugares rio abaixo. Estes são gente da terra, e talvez o que os definem como categoria social específica 
insere-se na esfera de situações políticas, econômicas e culturais; distinguindo-os dos migrantes recentes 
de outra parte do país que se encontram na mesma situação de pequenos produtores agrícolas. 
 
 
 
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