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Lukas, E - 1992 - Prevencao psicologica

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ELISABETH LUKAS
 
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ICI
Coleção LOGOTERAPIA
1. PSICOTERAPIA PARA TODOS - Viktor Frankl
2. MENTALIZAÇÃO E SAUD'E - Elisabeth Lukas
3. EM BUSCA DE SENTIDO - Viktor Frankl
4. A PRESENÇA IGNORADA DE DEUS - Viktor Frankl
5. DAR SENTIDO A VIDA - Vários Autores
6. AS SISTÊNCIA LOGOTERAPÊUTICA - Elisabelh Lukas
7. PREVENÇÀO PSICOLÓGICA _ Elisabeth Lukas
Elisabeth Lukas
PREVEINÇA~O
PSICOLOGICA
A prevenção de crises e a proteção do
mundo interior do ponto de vista da
Logoterapia
Tradução de
Carlos Almeida Pereira
Revisão técníca de
Helga Hínkenickel Reinhold
 
Petrópolis São Leopoldo
1992
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© Verlag Herder Freiburg m'1 Breisgau
1989
Herder Freiburg 0 Basel ° Wien
Título do original alemàoz
Psychologische Vorsorge - Krisenprâvention
und
Innenwelrschutz aus logotherapeutischer Sicht
Direitos de publicação em língua portuguesa:
Editora Vozes Ltda.
Rua Frei Luís, 100
25689-900 Petrópolis, RJ
Brasil
Copidesque
Orlando dos Reis
Diagramação
Daniel Sant 'Anna
e
Rosane Guedes
ISBN 3.451.08559.3 (edição original alemã)
ISBN 85.326.0798.5 (edíção brasilelr'a)
AOS MEUS PACIENTES
que me ensinaram mais que todos os tratados
escrztos e cuja conjiança me honra mazs' que
a confíança dos mestres.
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Sumário
Qual a gravidade da doença do mundo em que vivemos7
Prólogo de Andreas Schuhmann, 9
É POSSÍVEL VIVER COM SAÚDE NO MUNDO DE
HOJE?
Um pequeno rratado de Psico-higiene, 37
A Psico-higiene é tão importante quanto a higiene corporaL 39
Que precisamos fazer para sermos felizes?, 49
O homem como “ser que decide”, 61
Quem escolhe assume responsab1'lidade, 75
O sentido e o não-sentido do sacrifício, 84
As “neuroses coletivas" e seus sintomas, 99
Quatro atitudes pessoais propensas a crises, l l l
O “at0 coexistencial" do amor, 123
Modelo de uma lerapia familiar centralizada no sentido, 134
O trabalho como realizaçào de valores criativos, 143
Uma excmsão à logoñlosoña, 153
A questão do sentido na velhíce, 168
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também a oponunidade de uma melhor saúde, e de chegarmos a
percebê-la de forma mais consciente.
No seu ensaio “Doença como Metáfora" escreveu Susan
Somagz "Possu1'mos duas cidadanias, uma no reino dos sãos e
outra no reino dos enfermos. A segunda pode nos ser incômoda,
mas não podemos livrar~nos dela, que faz parte de nós como a
própria sombra. ResIa-nos apenas explorar o reino da doença,
para podermos empregar uma diplomacia adequada“
Aplicado ao mundo, “explorar a doença" signiñca pôr
corajosamente o dedo nas feridas abertas pelo próprio homem
no mundo enquanto orgam'smo, neste planeta com vida, alma e
1'nteligência.
Pela palavra “mundo" empregada aqui entendemos o nosso
mundo terreno, o reino do homem, com o ambiente em que ele
vive, com os seus semelhames, o mundo das nossas experiências
e do nosso trabalho.
Ultimamente o homem tem-se comportado como se fosse
o “Críador do mund0". Graças à força de sua inteligência e à sua
famasia sem limites 1ibertou-se da condição de mero objeto da
evoluçào, elevando-se à de sujeito que a evoca. Tomou posse do
reíno animal e vegelaL não só aproveitando-se deles mas conse-
guindo modiñcá-los, produzir “criativameme” quimeras como
até agora não nos eram conhecidas senão através dos contos, das
fábulas e dos mitos. Inexoravelmente o homem vai estendendo
seu domínio a todas as criaturas não-humanas. Pela primeira vez
o destino de todos os seres vivos encontra-se em suas mãos.
Perguntamosz qual a gravidade da doença deste mundo que
nos pertence7 E se nos imerrogamos sobre a gravidade da doen-
ça, nào deveriamos também pergumar-nos no mesmo momento
sobre a saúde do mundo? Como é que o mundo deveria se
apresentar? Será que um mundo são não existe a não ser em nossa
imaginaçâ0, carecendo de qualquer sentido de realidade? E
chegamos à conclusão de que tal mundo nunca existiu, e nunca
há de ex1'st1r'. Nossos estudos da história universal informam-nos
que com muito mais freqüência a humanidade teve que viver em
períodos de crise que em períodos ditos normais. Mas quem pode
definir o que seja um “per1'odo normal”?
10
Sabendo disto, o sábio estaria mais inclinado a deduzir a
tendência para o bem, o ímpulso - real ou presumido - para o
progresso, para o “evoluirsempre mais para o alto". Pois da crise
não procede a catarse, a pun'flcaça'o, a renovação, a mudança de
rumo e a conversão?
Com isto estaríamos fazendo menção do princípio esperan-
ça, com que Ernst Bloch pretendeu ordenar as razões últimas do
ser e do pensar - se bem que não no sentido teológico. Contudo,
ele se encontra aqui com Blaise PascaL na medida em que este
pretendia alcançar uma ordem através de princípios e fundamen~
tos que deveríam partír menos da inteligência que do coração.
Destas inspiraçóes do coração poderíamos esperar melhores
vislumbres da condição do homem, do que ele tem de discutível
e de fraco, mas também da sua acessibilidade a Deus, da neces-
sídade que ele tem de Deus, e, ponanto, da salvação.
Mas como se encontram estas forças do coração nos dias
de hoje? Não foram elas derrotadas pelas forças da inteligência?
Prm'cípalmeme agora? Doenças como perturbações da harmonia
não raro possuem um longo estágio de latência. As raízes dos
atuais fenómenos patológicos na esfera psicosocial penetram
profundamente no passado. Podem ser buscadas no cartesianis-
mo, com sua abolutização racionalista da razão. O cogito, ergo
sum de Descartes suplantou o credo, ergo sum de PascaL O
homem de hoje perdeu a lígação com a realidade íntegral e
esqueceu que tem necessidade tanto de uma máxima como de
outra.
Nosso tempo ainda continua sendo o tempo do modemo.
Este modemo, assim dizem os ñlósofos, assim dizem os médi-
cos, os físicos, os cientistas, aqueles que refletem, encontra-se
atolado na crise. Crises, porém, impelem ao retomo e à mudança.
Elas são precursoras de uma modiñcação dos padro'es, de uma
mudança de todo o quadro das convicçóes, dos valores, dos
proced1'mentos, da concepçào das coisas, da vida como modelo
e como padrão.
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A crise
Faladas ou escritas, por toda pane se fazem ouvír advertên-
cias, conjurações. profecias. Por toda parte o assunto é a crise. A
intensidade da preocupação atual com a crise, com os teoremas
e as análises da crise, fez Com que a literatura sobre estes temas
crescesse a perder de vista, quase ao inñnito.
Somos surpreendidos com discussóes sobre crises de legi-
l1'midade, crises de identidade, crise de motivação, de racionali-
dade, de energia, do ambiente, dos sistemas etc. etc. Não foi sem
razão que Kurt Sontheimer falou aqui de um fenômeno de moda
espiritual 3. A enxurrada de conceitos que provocam confusão e
obscurecimento arrasta consigo o que o conceito de "crise”
possui de imponante e de significativq quando a ele se recorre
por qua lquer diñculdade.
"Crise" em seu sentido próprio sempre esteve associada à
idéía de um abalo profundo num organismo que se encontra em
luta de vida ou morte por sua existência. Não e' das muitas e
pequenas crises que queremos nos ocupar. A crise, conhece-a
muito bem o médico no decurso de uma doença grave, em cujo
cllm'ax chega-se a uma vírada decisiva. É uma questào de vida e
mone. A invasão da doença atingiu seu momento de maior força.
A condição do ser vivo está em suspenso e, abalada pela doença,
a vida 1r'á conquistar tudo ou nada. O essencial da crise não é
apenas a passagem de uma ordem para outra, mas o abandono
da continuidade ou da identidade do sujeito
Estaremos nós efetivamente numa autêntica crise desse
u'po'? Estará nossa cullura, nossa e'poca, ou mesmo a humanidade
inteira, numa evolução assim doentia, numa decisâo a ser tomada
entre o ser e o não-ser, ou ser de outra forma? Enconlrar-se-ia a
humanidade em um “Iurning point "'? “Temgo de mutação. Ele-mentos para uma nova imagem do mundo" - esta a versão do
título original americano “Turning Poim ", o livro de Fritjof
Capra, o professor de física de Berkeley que também faz ñloso~
ña.
As tribulações elementares em moda no nosso tempo são
por ele colocadas debaixo da lupa, em busca de uma saida. Ele
12
pertence ao número daqueles físicos que, envolvidos pelo halo
da exatidão cíentíñca, portanto apresentando-se ao homem mo-
demo como merecedores de maior crédito, pretendem falar à
consciência de seus contemporâneos, abalados e desesperados
pelas dificuldades, sobre Deus e o mundo, por conhecerem a
miséria do homem na idade da técnica, ou talvez também potque
lhes dói a conscíência por esta evolução macabra, pelo divórcio
entre a ciência e a moral.
Basta lermos Der Teil unddas Ganze ("A parte e 0 Todo")
de Wemer Heisenberg, Der Narurwissenschaleer vor der reli-
giõsen Frage (“O Ciemista Diante da Questão Religiosa") de
Pascual Jordan, Im Garten des Menschlichen (“No Jardim do
Humano“) de Carl Friedrich von Weizsa"cker.
Não teriam razão os analistas da cultura, quando acreditam
que está prestes a soar a hora, que 0 tempo é de reñexão7 E não
estaria também Karl Jaspexs com a razào quando, sobre a nossa
época, acha que, em grande parte, ela encontra-se diante do
problema de mudar de rumo? Os analistas, os ñlósofos e os
poetas muitas vezes têm anunciado de maneira marcante o ñm
da nossa era.
Oswald Spengler descreveu o ocaso do Ocidente, Manin
Heideggerprofetizou o ñm da metafísica, Alfred Weber aposen-
tou toda a história que nos antecede, Romano Guardini falou do
ñm da Idade Modema. HofmannsthaL Rilke e Kafka possuem
em sua poesia traços quiiiásticos, de ñm dos tempos. É verdade
que profecias do ñm dos tempos nunca faltaram. Mas em nossos
dias a literatura apocalíptica cresce quase ao inñnjta Seriam
todas vozes não convidadas a clamarem no deserto?
No início deste século o escritor satírico vienense Karl
Kraus, um implacável crítico da nossa época, escreveu o poema
Furcht (“Medo"). Nele encontramos este verso que nos desperta
sentimentos de apocalipse: “Vivo para o ocaso e moro em
espaços ameaçados”. No ñnal do século, por volta de l900,
estava em jggo um mundo limitado, que efetivamente explodiu.
A Cacânia de Roda Roda, onde Karl Kraus acendeu sua Fackel
* Nola do Rcvísorz Kakaníen é dcnoxninação sau'n'ca para o hnpério Auslm-hun'-
garo (dc k.k.. kaíserIirI1-koeniglich - impcn'al-rval).
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(“Tocha"). O clima de flm de mundo que surgiu daí impeliu não
poucos ao suicídio. Mas não foi suñciente para que se imaginasse
como inevitável um éxodo quiliástico para toda a humanidade.
A ameaça foi relativa, não absoluta.
Se hoje novamente brinca~se o jogo do medo, vendido na
feira do possíveL não se poderia traçar um paralelo com o tempo
em que Karl Kraus escreveu aquele inquietante verso citado
acima? Será que este reluzente século XX não vai terminar da
forma que começou?
Invoquemos mais uma testemunha deste tempo de crise,
predorrúnantemente ocidentaL Já em l922, antevendo uma crise,
na revista “Zwischen den Zeiten" escreveu o célebre teólogo
protestante suíço Karl Banh, seu anticientíñco, inortodoxo, mas
altamente comovente, comentário à Carta aos Romanos cap. 7.
Esta epístola diz: "Sabemos que a lei é espiritua1, mas eu sou de
came, vendido como escravo ao pecado. Pois não entendo o que
faço. Realmente, não pratico o bem que eu quero, mas o mal que
odeio. Pois querer o bem está ao meu alcance, mas não o
praticá~lo.“
Num mundo conturbado, o teólogo Karl Barth lançou,
diante da teologia oñcial e consagrada do protestantismo, 0 seu
escrito “A Carta aos Romanos”, na época muito contestado,
interpretando a panir desta passagem bíblica o desequilíbrio do
homem do nosso tempo. Entre duas épocas - num tempo de
Lransiçào ou de crise - sabe-se que as tradições já não são capazes
de suportar as estruturas, nem as instituiçóes oferecem mais
segurança. Sente-se a crise do estabelecido, fomenta-se a crise
pela crítica sem piedade. Entre uma e outra época não se sabe o
que há de vir. Nào se sabe sequer 0 que é que deveria vir... E
assim nasceu a “teologia da crise"
O que existe, em tudo isto, de parecido com os tempos mais
recemes? Ou: será que temos razões ainda mais acertadas para
considerannos a época presente enfenna e em crise? Será que
precisamos temer pelo futuro mais que Karl Kraus e Karl Banh?
O que é tào diferente hoje? O que nos añige e nos constema de
forma tào ameaçadora? Terá a nossa humanidade, no seu com-
junto, chegado ao “rurning poim" da enfermidade de nosso
14
tempo? Ainda pode ser evitada a tremenda neurose de massa em
que parecemos condenados a deslizar ladeira abaixo?
A legião dos homens com distúrbios comportamentais
ainda pode ser curada? Ou tudo isto signiñca que estamos
entmndo na fase terminal de uma crise que leva ao ñm deñnitivo?
Conjuremos o princípio esperança. Esperemos, portamo, pela
superação. Pois não nos resta outra coisa. No entanto, não estaria
certo fechar os olhos diante da arrogância de uma época que é
uma época sofrida, muito além do que conseguimos experimen-
tar e ímaginar. A poesia lírica de Celan atinge o ponto nevrálgico
deste nosso tempo. Quem senão um poeta para tocar com o dedo
a chaga aberta do seu tempo, agarrar-se a ela, um pouco como
poetas malditos, como chegaram a ser chamados pelos assusta-
dos cidadãos do seu tempo.
Viesse, / viesse um homem, / viesse um homem ao mundo,
hoje com / a barba luminosa dos / patriarcasz se falasse / deste
nosso tempo, / outra coisa não conseguiria / senão balbuciar/
sempre, sempre balbuciar // (Pal]aksch Pallaksch,) .
Numa antologia que editou em 1981 Günther Kunert escre-
veu estas palavras de Celanz “... que a morte, uma espécie de
mone, possui mais realidade própria que a assim chamada vida,
que virou ñctícia e como que de segunda mào. Tomar consciên-
cia de Inortiñcar-se ou de ser moniñcado desperta o pramo sobre
tudo quamo aconteceu a alguém (ou presumivelmente a todos)...
Nós - quase todos nós - insensivelmente nos tomamos rodas da
7mega-engrenagem. Os novos sofrimentos realmente sâo novos.”
E são sofrimentos diante do pano de fundo de alguma coisa
que realmente se tomou ”diferente".
Não teria 0 homem modemo também o seu motivo de
“vanitas“, a futilidade da vida terrena - que pouco fica a dever à
desarmoniosa imagem do mundo e ao sentimento cósmico de um
Andreas Gryphius? No recanto mais secreto e obscuro de sua
alma afastada de Deus, nào o faz estremecer a mais terrível de
todas as ameaçasz o instante do holocausto atômico, do ocaso da
criaçào pelas mãos do homem, que escapa ao nosso pensamento
.
Dcsmução (C01]| annas aló1m'cu.x') alcm do nccc&("'m'o pam uma vnona nulllan
15
*
4s~MM
a natureza, o uso inadequado dos pesticidas attaves' de técnicas
de pulverização, com suas conseqüências devastadoras. Nas
regiões onde foram aplicadas, o equilíbrio ecológico foi em larga
escala destruído, com a extingão quase completa de toda forma
de vida. A comissão técnica dc 25 peritos instituida na época por
Kennedy não pôde senão conñrmar as queixas e denúncias de
CarsorL
Hoje por toda parte estamos quebrando a cabeça sobre a
maneira de enfrentar a mone das florestas, a extinção das espé-
cies vegetais e animais, a poluição do ar e da água que resultam
da contaminaçào do mundo provocada pelo homem em conse-
qüêncía de poderes técnicos e industriais usados de forma tecní-
camente competente e moralmente irresponsáveL Sobre este
problema da destruição do ambiente escreveu um ñlósofo natu-
ralista : “Nas árvores podemos ver como nosso mundo está
morrendo.
Mas não consaguimos enxergar que nesse meio tempo haja
desaparecido cerca da metade das espécies animais e vegetais
nativas da Europa central, apenas através da imprensa temos
notícia disto. Se tives'semos visto como, antes de morrerem as
florestas, pouco a pouco foram desaparecendo do mundo uma
espécie vegetal depois da outra, a escovinha, a papoula, o mal-
mequer-dos-pântanos, a drosera, a cardamina, só para mencio-narmos algumas, não teríamos demorado tanto tempo a ñcannos
assustados. Na realidade, a destruição ambiental só nos atinge
quando ela progride mais rapidamente que o embotamento de
nossa capacidade de percepção. A destruição ambiental só pôde
avançar tanto porque ao mesmo tempo os nossos sentídos se
atroñaram - não no sentido ñsiológico, é claro, mas no que se
refere ao cultivo e à cultura sociaL
Redobrada atenção - embora parcial e com atraso - é
dedicada hoje à transformação tóxica dos alimentos, quase sem~
pre manípulados em vista da conservação e da venda, da busca
do lucro. portanto. Os escândalos do vinho estão na memória de
todos. A contaminação nuclear do homem e da natureza, hoje
mais uma vez na ordem do dia por causa do acidente nuclear de
Chemobyl, a longo prazo nada ñca a dever à guerra qu1m1"ca
18
denunciada por Rachel Carson. Dispenso-me de ilustrar esLa
añrmaçãa
Fascinados pela técníca e pela indústría, a maioria dos
homens parece haver perdido o sent1m'ento de que nós mesmos
somos um pedaço da natureza, que a vida sobre a terra constilui
uma unidade - decorrendo daí que um dano em algum lugar é
capaz de provocar conseqüências no mundo inteiro. O homem
não apenas extemúna as coisas criadas, ele está em vias Lambém
de cometer pecados muito mais graves ainda contra a natureza e
a criação. Sua ânsia de fazer impele-o a criar novos seres de
acordo com seu bel-prazer. Com base na sua capacidade intelec-
tual e cientíñca ele acredita poder assumir a responsabilídade
pelo conjunto da cn'aça'o, quando é evidente faltarem-Ihe de todo
as condições morais para meter as mãos na obra divina ou na
evolução.
Uns 2 anos atrás a revista cientíñca ínglesa “Nature ”
apresentava em sua capa uma “carbra Que é isto, uma “carbra”?
Quem é que sabe? Umamm'a1 que desperta espanto e cun'osl'da-
de. Ficamos com a impressão de havermos sido transportados
para o país das fábulas. É um ser de proveta, que pode ser
produzido através da engenharia genética: metade cameiro, me-
tade cabra. Uma imagem apenas? E, no entanto, “fact1'vel".
Somos forçados a indagar-nos: será que se perdeu todo
rüpeito perante a vida? Não existirá mais compreensão para o
inter-relacionamento global de tudo quanto é vida sobre a terra?
Será que o homem perdeu todo sentimento para o valor da
natureza no seu conjunto? Aqui é preciso que a questão moral
seja formulada como a questão radícal sobre a relação do homem
consigo mesmo e com a natureza.
Encontramo-nos frente a frente com o sério problema do
relacionamento entre a ciência e a moral, que em nenhum ramo
do conhecimento apresenta-se com mais agudeza que no da
engenharia genética. É o preço que pagamos pelo fosso cada vez
maior entre a fé e a ciência, entre a ciência e a religião, que veio
cada vez mais se aprofundando desde a era do Iluminismo e que
levou a uma terrível deñciência ou mesmo à perda total do
sentido da responsabilidade moral num plano mais elevado.
19
 
:\u
1
 
Este fosso dividiu primeiramente a nossa consciência, de-
pois a nossa ação. Mas é preciso que se destaque aqui com toda
a clareza, para que não sejamos mal-interpretados: não são as
descobertas de pessoas inteligentes nem o engenho de dezenas
de laureados do prêmío Nobel os culpad0s por nossa triste
situação atual; não é o fato de um Otto Hahn haver descoberto a
desintegração atômica, ou de Watson e Crick haverem explicado
a estrutura da molécula de DNA com sua dupla he'lice.
A fatalidade reside no orgulho humano, na sua auto~exal-
tação, na sua pretensâo de jogar fora a idéia da criação, libenan-
do-se do elemento de humildade e disciplina que nos impõe a
idéia do divino e do religioso. Ciência e moral! Nos seus “Prin-
cipia ethica ”, Gerald Edward Moore considera que o “erro do
naturalismo“ consiste em acreditar que o dever não resulta do
ser, como sempre de novo os ñlósofos têm tentado demonstrar,
ao menos de David Hume para cá 11. E, no entanto, este dogma
ditado pela razão não pôde impedir que se construísse a bomba
atômica, como também não sabemos se ele será capaz de pôr
uma tranca na porta que leva ao reino das fantasias da engenharia
antropogenética, nascidas de um pensamento e de uma açào
esquizofrênicos.
Na evoluçào humana, Gottfried Benn chama a atenção para
uma chama cada vez mais destrutiva, a saber, a progressiva
cerebralização da espécie humana. Em seu célebre discurso
acadêmico, ele se interroga se não estamos a caminho de um
novo - e mais frio - grau de cerebralização. Será ue tudo
caminha para ocultar-se atrás de funções e conceitos?1
Curioso. Temos a impressão de que, em certos cientistas
que vivem a falar de uma “revolução biológica" e parecem
fascinados pelo surgimento de uma era antropozóica, este pro-
cesso de cerebralização apresentou um fone avanço. Do contrá-
rio, como compreender que tanta gente admita livremente que
em nossa era todo o mundo vivo encontra-se, é certo, abalado e
ameaçado nos seus alicerces, que a ação do homem tem produ-
zido efeitos mortais sobre a parte não-humana da natureza, mas
que no entanto podemos aluhentar alegria e esperança, porque o
espírito ciemíñco do homem, sua capacidade de inovar, de
adaptar-se por meio de processos de aprendizagem e de evolução
20
í1
genética, possibilitar-lhe-ia criar uma nova natureza antropogê~
nica? A bíologia, portanto, como senha mágica para a salvação
do homem, depois de ele haver destruído o restante da natureza?
Não há dúvida de que é necessária uma certa dose de
cetlclsmo quando o homem pretende conñar unicamente em sua
razão cientíñca ou técnica.
Pela passagem do século XVIII para o XIX, certamente
antevendo o que a humanidade teria pela frente, Novalis alertavaz
“Se os homens pretendem dar um passo à frente no domínio da
natureza exteríor pela arte da organização e da técnica, eles
precisam antes haver dado tres' passos para dentro de sí, na
díreção do seu aprofundamento moral."
Enquanto isso, lemos em Karl Jaspers, "Origem e Meta da
I-Iistória": “No seu próprio ser homem, na sua moral, bondade e
sabedoria, o homem não experímema nenhum progresso... Não
existe progresso na substância do homem” 13. E Albert Einstein
teve que constatar resignadoz “Tudo mudou, só não mudou o
pensar humano.” Aliás, não somente não progredimos no nosso
ser homens, como até regredimos, nos empobrecemos, estiola-
mos em nossa índole.
Tentaremos relacionar agora os diferentes cenários de nos-
sas regressóes na esfera antropológica propriamente dita, os
fatores intemos de uma humarúdade enferma em vias de abdicar
de suas idéias humanita'rias.
Não temos em absoluto a intenção de combinar diferentes
opuu"o'es ou pareceres de peritos, prognósticos ou profecías,
panicularmente de futurólogos, para construir um panorama de
pavor; pois não temos a intenção de perder-nos em visões maca-
bras e sombr1'as.
Todos sabemos, graças a Deus, que existem, que ainda
existem neste mundo também coísas sadias, razoa'veis, amáveis,
belas e elevadas. Não há nenhuma razão para não nos alegrarmos
com isso. Mas o nosso tema aqui não é este. O que pretendemos
é demonstrar o que está enfermo, ou o que leva à destruição da
harmoma nas esferas extemas e internas de nossa vida. E o que,
de qualquer forma, for possível dizer sobre isto sem que descam-
bemos para um desespero sem limites, isto deverá ser dito
21
_
4
ñ.;-rm.._._
_À
'..4A›.
nm_-._m
efetivamente, sem pena e sem ressalvas, atraves' de alguns exem-
plos escolhidos.
Polarização e radicalização
A Lendência a polarizan a não querer acordo, a radicalizar,
às decisóes extremas, à idéia do snn“ ou não, do tudo ou nada, tem
crescido de forma doemia por toda parte, não obstante os cons-
tantes apelos por mais compreensão e paciência. Tantas vezes
invocada, a harmonia capaz de conciliar os contra'n'os, com que
os grandes espíritos souberam unir em síntese mais elevada a
dialética e a ambivalência - basta que lembremos aqui a busca
de Goethe por uma valorização equilibrada entre “Logos,
Mythos e Bios " -, tem-se tomado cada vez mais rara.
Há muito que o ideal do equillbrio não mostra maissua
força. Ninguém procura mais superar antagonismos. É como se
aquele princípio criador de hannonia que tem acompanhado a
humanidade, ao menos no sentido da conservação da espécie
humana e de seu desenvolvimento ascendente, tivesse deixado
de atuar no pensar, sentir e agir da humanidade. O perigo de uma
amitética pintura em preto-e-branco ameaça nosso futuro, mani-
festando-se desde já por toda parte no embrutecimento da ima-
ginação cientíñca e na amm'alização da fantasia. Somos cercados
por imagens cheias de violência, de brutalidade, obscenidade,
crueza de sentímentos, cinismo. Ao pano de fundo da realidade
acrescenta-se o cenário ñctício da televisâo, trazendo gratuita-
mente para o ínterior de nossos lares o crime como sensação e a
violência como lazer.
Antes que ao grotesco, esta tendência à polarização e à
radicalização tende ao diabólico, desembocando nos cataslróñ~
cos processos annamentistas, no overkill multiplicado por cem.
“Inteligência cm'ica“, é o que temos a impressão de estar atuando
aqui. Peter Sloterdijk criou esta expressão paradoxaL para dar
expressào eloqüente à sua chamada crítica pós-modema da razão
e da civilizaçào 14. Não estaria esta "inteligência cínica” atuando
de forma destrutiva numa sociedade exageradamente pluralista,
quando deixa de haver um mnu"mo de clareza e consenso sobre
os objetivos que aínda existem para esta nossa humanidade?
22
r-
Quando a precariedade da situação presente caracten'za-se
por um mútuo “não-conseguir-mais-entender-se“, por uma “au-
sência de linguagem" entre os seres humanos - com a conseqüên~
cia de cada um estar contra todos, cada um se ter por competeme
em todos os assuntos, acreditando-se, como cidadão “de maiori-
dade“, autorizado a falar de tudo sem conhec1m'ento do assunto,
com a inarredável conseqüência de uma progressiva falta de
solidaríedade7 Será de admirar que se passe a falar da desgraça
de uma democracía total?
Gerhard Szcesny teve a coragem de dar nome a este fracas-
so da mentalidade democrática extremada 15. A desenfreada
líberdade de opinião não deve envenenar a informação, levar á
denúncia, à condenação e à difamaçâo mútuas, fraudando a
sociedade da solução de problemas urgentes. Karl Steinbuch
comparou o camínho que possibilita tais situaçóes com uma
população de ratos numa gaiola apenada, onde a convivência já
lnóão consiste na ajuda mu'tua, mas na permanente agressividade
Um sintoma da doença do nosso tempo, baseado na pola-
rização e na radicalização, é o terror e o terrorisma O mais cínico
e perverso nesta maís condenável de todas as formas de agressão
humana consiste em que ela atinge conscientememe vítimas
totalmente inocentes. Sob este aspecto, o terror e o terrorismo
fazem pane de uma forma comportamental altamente psicopa-
tolo'gica. Os métodos vão da tortura psicológica ao assassinato e
ao genocídio. Terror é o que empregam os poderosos para
m'tirru'dare atemorizar os advelsa'rios, os su'ditos, as minorias não
desejadas, espalhando o medo com o ñm de paralisá-los.
Mas do terrorismo servem~se os fracos, os que ainda nào
possuem poder, os desprezados, os desesperados, que alravés do
terror querem chamar a atenção do mundo para os seus proble-
mas. No entanto, sem a grande facilidade de difusào através dos
modemos meios de comunicação, sem a ditadura da ímagem na
era da informação totaL o objetivo dos atentados terroristas de
espalhar insegurança, intlm'idação e terror, com as concessoe's
que daí possam resultar, talvez não pudesse ser atingido. Terror
e terrorismo dependem da propaganda e da publicidade l7.
23
<h~nw
caminhando para o esgotamento de uma cultura séria da lm'gua,
para um sucateamento da linguagem, a seu tempoja' responsabi-
lizados por Karl Kraus pela decadência de toda uma época? A
línguagem como vereda do espírito - será que isto já era?
Substituída pela imagem7
Chegamos assim à mais querida das ocupações do homem
de hoje, a televisão, a principal fonte de uma pretensa informação
globaL Como tudo no mundo, também a televisão possui face
dupla. Quem já não teve 0 privilégio de assistir a esplêndidos
programas cullurais, o prazer de ver p. ex. excelentes ñlmes do
reln'o anímal?
Mas cabe aqui também a crítica arrasadora de Neil Pos-
tman: ele verbera os devastadores efeitos de uma enxurrada sem
controle sobre o desenvolvimento espiritual e moraL principal-
mente nos jovens. E faz sua crítica, interrogandoz pode uma
sociedade subordinar todas as suas instituiçóes ao domínio da
técnica e ainda conservar sua saúde menta1? Seja apresentada
aqui de forma abreviada a análise 7crítica de Postman, através das
cindo características que seguem ”0:
1. Nas suas horas livres, as pessoas nada mais fazem senão ver
televisão, não se lê mais, e o que se ouve está quase sempre
subordinado à imagem. A palavra nos fomece um conceito, é
um produto da força da imaginação. Uma imagem apresenta-
nos apenas um exemplo, uma particularidade. O espectador de
TV é levado para um mundo de imagens representativas, não
para o mundo dos conceitos lingüísticos.
. O que se vê diñcilmente se reflete e se analisa depois. O mundo
da representação lingüística, com tese e antítese, com hipóte-
ses, argumentos, refutações, contestações e explicações, é
posto para trás, e com ele o desenvolvimento das capacidades
analíticas do pensamento.
3. A televisão é incondicionaL ela não exige nenhuma habilidade,
nanhuma aprendizagem. Nela também não existem diñculda-
des gramaticaís ou sintáticas, como nos Iivros4
4. A televisão é quase que exclusivamente recreativa. O aprender
e o lazer não permanecem separados um do outro, o que
26
m;
constitui perigosa ligação. Que é que realmente permanece do
que não foi elaborado seríamente pela própria pessoa?
. O valor contido na televisáo consiste em grande pane em
ocorrêncías isoladas, na confusa multiplicidade do plumlisma
Nenhum tema dominante, nenhuma ordem, nenhuma conti›
nuidade. Filmes de críme e de terror, cenas de homicidio,
prostituição sexuaL nostálgicas orgias, relatos de cata'strofes,
cenas massiñcadas, reportagens esportivas e culturais, uma
atrás da outra, sem qualquer critério, não raro intercaladas por
propagandas sedutoras e imbecis.
E com que consequ"ências? Com o passar do tempo não
estaríamos aqui diante de uma mutação da consciência? Nào está
ocorrendo uma reorientação social para a irrealidade? Amold
Gehlen descreveu o estado da alma na era industriaL destacando
duas alterações que ocorrem símultaneamente.
Por um lado, uma completa e universal racionalização,
muitas vezes levando a uma linguagem conceitual e abstrata
difícil de entender, por outro, uma terrível primitivizaçào, com a
tendência de tudo apresentar da fomm mais simples e fácil
possíveL com perda de conteúdo, o que em última análise leva a
uma perda de realidade. O indivíduo, que nào pode mais fazer
experiências pro'prias, recebendo ludo de segunda mão com uma
enxurrada de impressóes superñciais, nào tem condições de
analisar o que lhe é oferecído
Mas existe ainda outro ponto inquietante. Pela ñsiologia do
cérebro sabemos da diferente valorizaçào qualitativa dos hemis-
férios cerebrais esquerdo e direito. Do lado esquerdo ñca locali-
zado o centro da Iinguagem, do pensamento conceitual-analitico
e lógico-discutsivo, da audição, da apreensão linear e seqüenciaL
O hemisfério direito, por sua vez, responde pela percepção
intuitiva e espacial, pela visào, o reconhecimento das imagens e
das infomIaçÕes visuais, pela apreensão global - uma qualidade
humana que no passado foi pouco exercida e descumda no
desenvolvimento do espírito europeu.
Mas neste hemisférío direito ocorrem também os processos
de uma modiñcaçào da consciência, como os provocados por
exercícios meditalivos e drogas alucinógenas ou psicodélicas. A
27
Mudanças aceleradas
O hedonismo como conseqüência
Na apresentação global de um mundo enfermo, chamamos
ainda a atenção para um sintoma de especial un'portância. É o
aumento do ritmo de vida, a rapidez com que o tempo corre. A
este fenômeno, de fatídicas conseqüências para o desenvolvi-mento psicolo'gico, dão os futurólogos o nome de “aceleração
das mudanças". Se de qualquer maneira a nossa temporalidade
já nos pesa sobre nossa existência, se temos que reconhecer que
a nossa vida reduz-se àquele cuño espaço, em que o que ainda
nào e', transforma-se no que não e' mais, àquilo a que damos o
nome de presente e do qual queremos desfrutar, então a acelera-
ção da mudança, a súbita invasão do futuro num presente cada
vez mais curto, só pode ser sentida como catastrófica para a
situação psicológica do homem.
O homem nào conseguirá mais manter passo com uma
realidade que se modiñca cada vez com mais rapidez. Ele sente
diñculdades de adaptação. Terá que sentir-se antiquado, enten-
der~se biologicamenle como um ser deñciente.
Uma avalanche de sempre novas e sempre diferentes mo-
diñcaçóes provoca desengano, confusào, perplexidade e deso-
rientaçãa Profundameme inseguro num mundo que se lhe tomou
estranho, onde nâo consegue mais orientar-se, ele sucumbe ao
componamemo anonnal, à neurose e à depressão. Alvin Toffler,
um dos principais futurólogos sociais, descreveu de uma forma
a um tempo lúcida e assustadora, através de um grande número
de fatos, esta complexa situaçào do homem do nosso tempo
O avançado pr0cesso de neurotização da socíedade moder-
na já produziu tipos humanos e estruturas sociais extremamente
peculiares, que não deveríamos mais minimizar como excrescên-
cias exlravagantes ou como rebentos ilógicos ou mesmo engra~
çados de um laissez-fm're de democracias liberaisz comunidades
de crentes a caminho do suicídio coletivo, antiuniversidades de
loucos fanáticos que querem corrigir o mundo, bagwanismo,
clubes de lroca de parceiros, a subcultura dos adeptos do “fazer
nada", avessos ao trabalho etc. Eles são legião, os psicopatas e
neuróticos surgidos do seio de uma sociedade decadente.
30
 
Efeito doentio da incapacidade de fazer frente a uma época
febriL onde a extrema rapidez do efêmero é semida de forma
mais dolorosa do que nunca, eles domínam cada vez mais a cena.
As relações com o mundo mateúal e ideal são constantemenle
encurtadas. Surgiu a sociedade do descartáveL Mas não sào
apenas as coisas mortas, os objetos de uso, que se descartam. São
descartados também animais que de repente se tomaram incô~
modos, laços humanos que parecem não possuir mais utilidade,
solidariedades locais que passaram a enfastiar, organizaçoes~ e
instituiçoe's que consideramos supérñuas e, por ñm, mmbém
ídéias e pensamentos que nos poderiam roer a consciência.
Amold Gehlen considera a perda de realidade e de expe-
riência, e o fato de o homem de hoje receber tudo de segunda
mão, como sendo, de acordo com uma lei psicológica, a causa
de sua insaciável cobiça. Mas a exacerbada ânsia de viver não
estará também panicularmente condicionada pela aceleração das
mudanças a que nos referimos, com suas nefastas conseqüên-
cias? A atitude de vida hedonista não seria uma resposta aos
paradoxos de nosso tempo, no sentido de uma repressão das
necessidades existenciais, que nào se deseja olhar de frente?
Nestas duas añnnações básicas sobre os nossos tempos
podemos, portanto, enxergar as raízes da passividade, de um
consumismo desenfreado. O que propriamente é uma atitude de
vida que vira as costas ao mundo, de ínércia. Terá sido esta a
grande liberdade que o homem conquistou nos tempos moder-
nos? É este o tão decamado paraíso que as religioe's sociais nos
vinham apresentando e prometendo desde o início do século
XIX, numa fanática fé no progresso e na idolatria da técnica?
Num trabalho de muita profundidade, Vomfalschen Leben
in Freiheit (“Sobre a falsa vida em liberdade"), o ñlósofo Joseph
Schmucker-von Koch, de Regensburg, tece consideraçóes sobre
a importância histórica da ascese, confrontando-a com a ânsia do
lucro, do egoísmo e a insaciável cobiça de uma sociedade que se
autodenomina pluralista e liberada de compromissos. Cito tex-
27tualmente este trecho de Schmucker~von Koch :
“O homem que se encerra na esfera do ñníto nunca alcança
a satisfação de seus desejos. Mal consegue um bem temporaL já
31
a posse concebe o querer maís, ou o querer outra coisa, uma vez
que nada do que sua cobiça consegue lhe traz satisfação dura-
doura. A negaçâo da transcendência da relação com Deus faz o
homem vítima e escravo de uma insaciável ânsia de ter sempre
maís. Cobiça atrai cobiça um desejo puxa o outro."
Foram~nos expostos os caminhos para a morbidez e as
doenças já manifestas de uma era do medo. Mas a doença não
tem sempre que signiñcar necessaríamenle derrota, ocaso, mor~
te. Um sentimento de catástrofe e apocalipse diñcilmente poderá
scrvir-nos de auxílio para sair da crise do nosso tempo. Invoque-
mos maís uma vez o princípio esperança.
Nossa chance encontra~se no esforço para rompennos o
círculo vicioso de uma racionalidade exacerbada e de uma ina-
cionalidade exacerbada, reconquistando novamente o equilíbrio
entre os dois pólos que conslituem o nosso ser. Pois o racional e
o irracional não implicam conlradição, tampouco como não
existe comradição entre razão e o sentimento. Devolver à alma
enferma a força do sentimento, ou seja, acabar com a atroña e o
desprezo daquela essência básica que denominamos sucintamen~
te de sentimenta
Enxergar a ponte entre as polaridades de nosso ser numa
realidade globaL onde todos os níveis de experiência confluem
para a aquisição do conhecimentoz tanlo a ciência como a arte, a
ñlosoña como a religião. Uma tal referêncía na “dimensão do
profundo" é o que o teólogo Paul Tillich chama de “fé“ 28.
E disto faz parte aprender novamente a sentir o divino, o
lemor respeitoso, o mysterium Irenzendtmz,fa.s'cinosum et augus-
tum diante da criação.
Uma das poucas mestras capazes de ensinar-nos estas
coisas e a Logoterapia criada por Viktor E. FrankL que nem
signiñca uma terapia que prometa o paraíso na terra, nem atiça
o hoje tào difundido medo da cata'strofe, com suas advenéncias
e ameaças. A meu ver, é ela o retomo ao principio da esperança
na psicoterapia, porque abre ao homem o caminho para aquela
relaçào na “dimensão do profundo“ ou - usando a sua própría
linguagem - para aquele Logos na “dimensão da altura", o único
32
ainda capaz de proteger e curar a alma enferma num mundo
doente. Concluímos por isso com uma palavra de Hõlderlinz
"0nde o perigo ameaça, cresce também a salvaçâa "
Me'dico apos. Dr. med. Andreas Schuhmann
Intemista e radiologista, membro atuante da Associação
dos médicos escritores alemães.
33
-~«_-me
"
'
REFERÉNCIAS BIBLIOGRATICAS
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2L GEHLEN, Amold. Die Seele im teclmischen Zcimlter. Rowohlt,
197S, pA 23-38.
22. ORTEGA Y GASSET, José. Der Alfzsmnd der Massen. DL Ver~
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23. SCHLAFFKE, Winfried Absoirs, Die Alrcrnariw - lrrweg oder
neue Wehkultur. Deutscher Instituts-Ver|ag, l979, p. 37. 43, SO.
24. STOLZE, Helmuth. Síclzercheii undAngsI desArztcs in dcr Begeg-
nung mit dem suicidalcn PariemcIL Münchem Mcd. Wo. schrift
117, 1975, p. 184.
25. PACKARD, Vance. Verlusr der Geborgenlzeir (our endangercd
children). Beml München/ Wien, Scherz, l984.
26. TOFFLER, Alvin Der Zukunfrsschock. Bem / München / Wien.
Scherz, l970.
27. SCHMUCKER-VON KOCH, Joseph F. Vomfalschen Leben in
Freiheit. Herder~Bücherei Iniliative 63. l985, p. l4l.
28. TILLICH, Paul. Citado segundo Günther Stephcnson (Wirklichkcir,
Perspekrive, Teilhabe cm “Religionswandel unserer Zeit " - Wiss.
BuchgeselL Dannsladt l976, pl 240).
35
É POSSIV'EL VIVER COM SAUD'E NO
MUNDO DE HOJE?
Um pequeno tratado de Psico-higiene
 
 
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41:
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A Psico-hígiene é tão ímportante quanto a
higiene corporal
Não someme a proteção do meio ambienle começa demro de
nossas quatro paredes, como Iambém a “proteção do mundo
imen'or" começa dentro da própña alma.
E. Lukas, em “Gesimmng und Gcsundheit ", p. 164.
(Mentalização e Sau'de, p. l38)
Diz um antigo provérbio que prevenir é melhor que reme-
diar. No que diz respeito ao terreno corporal, a validade deste
provérbio já penetrou bem fundo na consciência do povo; j0g-
ging, cooper, díeta íntegral fazem parte da ordem do dia das
pessoas que se preocupam com a sua sau'de. Mas em que pé
andam as coisas no terreno psíquico? É possível prevenir tam-
bém as crises da alma, e em caso añnnativo, de que maneira?
Sobre isto, pouco tem sido divulgado, e menos ainda se tem posto
em prática uma forma de vida sadia, no senlido da psico-higiene
atíva. A razão disto está em que para a esfera corporal existem
normas uníversalmente va'Iidas, que nos dizem, por exemplo, que
no tocante à comida, o açúcar, as gorduras e as substâncias
químicas devem ser reduzidas a um mínimo, ao passo que são
recomendáveis uma dieta natural e uma alimentação rica em
vitaminas; ou, no que diz respeito ao movimento, que o esporte
ao ar livre é bom para as proñssões sedentárias, ao passo que
todo esforço constante e exagerado precisa ser evítado. No
terreno psíquico são poucas as normas deste tipo, e nem todas
39
..
Ú«w.w«~MW-__m
M
..
são aceitas sem discussão. Mais precisamente, exístem apenas
duas teorias populares a este respeítoz
l. A Teoria do stress (da terapia comportamentalL segundo a
qual o stress psíquico é prejudicial e pode até causar doenças,
pelo que precisa ser evitado enquanto e' possivel, e
2. a Ieoria da repressâo (da psicanálise), segundo a qual a
não-elaboração dos traumas psíquicos é prejudicial e pode até
levar a neuroses, pelo que sempre deve ocorrer uma elaboração
posterior ao trauma.
Ambas as teorias, contudo, estão sujeitas a muitas restri-
çóes, principalmente porque muilas vezes não conseguimos evi-
tar o stress, e as repressões geralmente ocorrem de uma maneira
inconsciente, o que faz com que seja difícil proteger-nos de umas
e de outras. Com este Iivro queremos contrapor a isso um
pequeno tratado de Psico-higiene a panir da visão logoterápica,
que oferece às pessoas condiçóes para enfrentarem os desaños e
os problemas da vida, e isto - venha o que vierl Por conseguinte,
é válido também quando a doença, a afliçào e os peñgos proje-
tarem suas sombrias ameaças sobre a vida do indivíduo, como
deverá ocorrer com freqüência cada vez maior nas próximas
décadas, num mundo que, como um todo, se encontra enfenno.
Mas o sentido da vida não consiste em que não se ñque
doente. A vida tem ou não tem um sentido; e só se ela possui um
sentido é que existe razão para proteger-nos das doenças, para
tratá-las ou procurar supera'-las na medida do possiveL Uma
higiene para a saúde corporal e uma higiene para a saúde psíquica
não são, portanto, fms em si mesmas mas, como de longa data
se tem reconhecido na logoterapia de Viktor E. Frankl, elas têm
como objetivo preencher de sentido a vida do homem, pleniñca-
ção esta que não depende da saúde corporal ou psíquica mas que,
dado o caráler frágil do corpo e da alma, poderia vir a ser
impedida de forma prematura e desnecessa'ria.
Além da ptevenção psicológica, a psico-hígiene também
pode ajudar na convalescença e na prevenção de recaídas quando
já houverem ocorrido graves crises psíquicas e doenças na vida
de uma pessoa. Onde mais uma vez vale que evitar a recaída só
40
tem sentido quando a saúde recuperada também tiversentido, um
sentido que vá além da simples conservação da sau'de.
Campo de ação da psicologia
clínica e da psicolerapia\__._~_..__4
/\
¡ Tratamenlo ¡ Acompmlhamento
| (in(ervenção nas cn'ses) I (proñlaxia de recaídas)
| l\/
Campo de ação da
psico«higiene
Campo de ação da
psicologia e pedagogia
__,_J
|
Prevenção
(_prevenção de crises)
Hubert Rohmcher, o “pai da psicologia experimental"*,
distinguia entre as “forças psíquicas“, a cujo número pertencem
o instinto, o sentimemo e a vonlade, e as “funçóes psíquicas",
que incluem a percepção, a memóña e o pensamenta
Ambos, tanto o convívio com as “forças psíquicas" como
o recurso às “funçóes psíquicas", são muito imponantes para a
Psico-higiene, mas ñca faltando ainda um elemento de ligaçào.
Que é que no homem lida Com as próprias “forças psíquicas",
que é que põe em açào as “funções psíquicas” da pessoa7 O Eu
pessoal do homem transcende a esfera psíquica e deve ser
considerado e entendido como localizado numa dimensão mais
elevada, na dimensão noétim Segundo Viktor E. FrankL a esfera
noética é a esfera da espiritualidade humana ou, mais precisa-
mente, a dimensão da liberdade espiritual a que 0 homem con-
segue se elevar.
Citaçãoz “Com o animal compartilha o homem a dimensâo
biológica e psicológich Por mais que sua animalidade
seja dimensionalmente superada e marcada por seu
ser-homem, de alguma forma 0 homem nâo deixa de
ser também animaL Um avião não deixa de poder
taxiar na pista, isto é, andar no plano, exatmnente
* Calcdnilico na Univcxsidudc dc Vicn'.1. falecido cm l972; cf. a rcslxiloz Hubcn
Rohrachcn Kleiue Cllaraklerkunde, Wicn~lqusbruck. Urbáu1& SchwarLcnbcrg. 1969
41
MWW-7.AH
como um automóvel; mas ele só se mostrará de fato
como avião quando elevar-se ao ar, ou seja, ao espaço
tridimensionaL Da mesma forma, o homem também
é um am'mal; mas ele também é inñnitamente mais
que um an1m'al, superando-o por nada menos que uma
d1m'ensão imeira, a dimensão da liberdade.
Evidentemente, a liberdade do homem não é uma liberdade
dos condicionamentos, sejam eles biológicos, psicológicos ou
sociológicos; ela não é, aliás, liberdade de alguma coisa, mas
líberdade para alguma cozsa, a saber, a liberdade para se posi-
cionar perante todos os condicionamentos. E, assim, um homem
só se mostra com*o verdadeiro homem quando se ergue à dimen-
são da liberdade” .
No plano noéti*c*o as “forças psíquicas” desembocam na
“vontade do sentido" , e as “funções psíquicas” num “conheci-
mento do sentido“, sendo que o conhecimento antecede a vonta-
de do conhecido, mas, ao mesmo tempo, a “vontade do sentido"
constitui a motivação pnm'ordial para que alguém busque e se
empenhe pelo conhecimento de algo assim como um sentido.
dimensão
noétíca
Instinto Vontade Conhecimen<to
Sentlm'ento > de
(Vontade) Sentido\/S°""'d°do
Realização
do sentido
'f'orças psíquicas"
(seg. Rohracher)
'fu'nçãespsíquicas "
(seg. Rohracher)Percepção
Memória
(Pensamento)
À esquerda e à direita o esquema mostra as “forças ps1'qui-
cas" e as “funções psíquicas” (segundo Rohracher), ordenadas
de acordo com seu desenvolvimento ñlogenético, a começar pelo
instinto puro e a percepção simples e elevand0-se até as funções
* Viklor E. Frankl, Ârztliche SeeLmrge, lO' cd., Wicn, Dcuu'ckc, p. 3.
** Viktor E. FrankL Der Wllle zum Silm, 3' cd., ch. Vcrlag Hubcr, l982.
42
snn'ples da Vontade e do pensamento, já presentes também no
rem'o animaL
Como não se trata aqui dos atos especiñcamente humanos
da vontade e do pensamento, os dois são colocados entre parên-
teses. No centro do diagrama ocorre a “sobrelevaçào humana”,
o salto à dimensão noética, onde as “forças psíquicas" unem-se
na “vontade de sentido”, e as “funções psíquicas" põem-se a
serviço do “conhecimento do sentido“. Enquanto no “conheci-
mento do sentido“ trata-se do reconhecimento de possibilidades
externas de sentido, a “vontade de sentido“ expressa a promidão
interior do homem para a realização, o seu consenso, seu 'fi'at "
com relação ao que foi reconhecido como possuindo sentido.
Uma lei da ativaçâo de Hubert Rohracher añrma que não
há atividade funcíonal sem que exista impulso. Estendendo esta
lei à d1m'ensão noética, podemos agora estabelecer uma lei da
realização, que diz que não existe realização de sentido sem a
“vontade de sentido” mais o “conhecimento do sentido”. E um
tratado de Psico-higiene na visão logoterápíca sígniñca então,
nada mais nada menos, que o tratado da otimizaçâo da realização
interior de senlido do homem sob os condicionamentos vitais
dados, sejam eles quais forem,
Isto é, toda prevenção de críses ou proñlaxia de recaída
bem~sucedida consiste em ajudar o homem a encontrar um estilo
de vida pessoal (= que lhe é adequado), que lhe garanta a melhor
realização imerior de sentido, independente de como se modiñ-
cam as condiçoes' de sua vida. Caso ele encontre um tal estilo de
vida, suas “forças psíquicas" do instinto, sentimento e vontade
se enfeixam harmonícamente na “vontade de sentido", e suas
“funções psíquicas" da percepção, da memória e do pensamento
enfeixam-se da mesma forma haxmonicamente no “conhecimen-
to do sentido”.
Quando não se consegue este enfeixamemo harmônico, as
dimensões psíquica e noélica do homem, falando em imagens,
tomam caminhos diferentes, o que pode ser observado na maioria
das doenças e dos conflitos psíquicos. Tais pessoas não estão em
paz consigo mesmas, sentem-se interiormente divididas, fazem
o que não querem ou querem o que não fazem, repelem-se ou
43
UNNMn
mesmo odeiam-se ou envergonham-se de si próprias, não se
compreendem a si próprias, castigam-se etc.
Seguem-se exemplos da falta de enfeixamento harmônico:
“Forçaspsíquicas " (segundo Rohracher)
VONTADEinstinto
DE
SENTIDO
sentun'ento
(vontade)
Mania: a vontade - de ter o objeto do vício - colide com a
“vontade de sentido“.
Promiscuidadez o instinto - da sexualidade desregrada -
colide com a “vor1tade de sentido”.
Fobiaz o sentimento - do medo exagerado - colide com a
“vontade de sentido".
“F1uzçõespsíquicas " (seg. Rohracher)
CONHECIMENTO Percepção
MemóriaDO
SENTIDO (Pensamento)
Depressãoz a percepção - exclusivamente do que é negati-
vo ~ colide com o “conhecimento do sentido".
Desamparoz a memória - com uma programaçào errada
ammzenada - colide com o ”conhecimento do sentido”.
Idéiasflxasz o pensamento - sob a fonna de idéias fixas -
colide com o "conhecimenlo do sentído".
A imponância do estilo de vida para o decurso de vida de
uma pessoa foi apontada com clareza desde os anos 30 por
Alfred Adler, o fundador da psicologia individuaL Uma pesquisa
de 1986 do ministério da saúde do Canadá fomeceu a conñrma-
ção empírica disto, quando comprovou que para a saúde do
homem o seu estilo de vida comribui com 37%, enquanto o
ambiente contribui com 24%, os fatores hereditários com 29% e
a assistência médica apenas com 10%. Nos EUA, o “Nati0nal
Heart, Lung and Blood Institute ” chegou em 1981 a resultados
semelhantes, quando numa ampla pesquisa descobriu que o
principal fator de risco de doenças coronarianas, a causa número
um de óbito na população, ao Iado da hipertensão, do nível de
colesterol e dos excessos do fumar, é representada por um assim
chamado “padrão comportamental típo A“, que no essencíal tem
a ver com o estílo de vida da pessoa, ou seja, o espírito de
concorrer, de alcançar ou resolver cada vez mais coisas em cada
vez menos tempo, e com a inclinaçãg a reagir com raiva e
nervosismo às ocorrências do dia-a-dia .
Desta forma, pode-se concluir que o estilo de vida de uma
pessoa deve ser visto como o resultado da maneira como foi
estruturada a sua vida, por um lad0, mas por outro também que
o decuxso de vida da pessoa é consideravelmente influenciado
por seu estilo de vida.
Viktor E. Frankl aplicou estes conhecimentos sobre a pes-
soa sadia à pessoa doente, em particular ao doente mentaL
chamando a atenção de que a “patoplástica“ do decorrer de uma
doença (em oposição a sua patogênese) *e'*sempre o resultado de
como se estruturou o decorrer da psicose . De acordo com isto,
o comportamento manifesto de um doente mental nunca pode ser
ínterpretado SIm'plesmente como conseqüêncía de sua doença,
mas ele sempre é expressão também de sua atitude espiritual
perante a doença. Exatamente da mesma maneira como a sítua-
ção de vida atual de uma pessoa nào psicótica e sadia também
não é simples conseqüência do decurso de sua vida até o presente
momento, mas expressâo exata de sua alitude interior.
* Amcñcan Hcan JoumaL voL 108_ n° 2 (1984),
** Vikior E. FrankL Ârzlliche Seelsorge_ 10l cd., Wicn, Dvuu'ckc_ 1982_ p. 203.
45
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epgA
ap
osmoaq
Quadro manifesto
da doença
Sítuação de
vida atual
O que daí resulta para a prevenção de crisesz Seja o que for
que possa ocorrer na vida de uma pessoa em matéria de preocu-
pações e risco de contrair doenças, desempenha um papel o
padrão básico de vida desta pessoa, determinado por sua atítude
espirilual para consigo própria e para com as eventuais ocorrên-
cias, mesmo no caso de um câncer ou de uma psicose. O que vai
ser determinado por isso é menos o “quê" do que o “como",
menos o fato da doença em si que a maneira como ela decorre,
o seu grau de dramaticidade e a capacidade de suponá-la.
A essa altura convém acrescentarmos algumas palavras
sobre o conceiro de crise, pois a doença, seja ela de natureza
física ou psíquica, não se identiñca necessariamente com uma
crise da vida, como também existem crises de vida apesar de a
pessoa possuir saúde física e psíquica. Pois a crise está muito
pouco relacionada com 0 “quê” e muito mais com o “como" de
uma ocorrênciaz como esta ocorrência é entendida, superada,
experimentada e vividzx
Do ponto de vista logotera'pico, a crise pode ser definída
como “um perigo para a capacidade de realizar-se especiñca-
mente como pessoa", ou seja, na liberdade, na autodetermínação
e na dignidade espirituais. Apelando para a comparação que
Frankl fez do homem com o avião que pode elevar-se aos ares,
portanto ao espaço tridmIensionaL poderíamos dizer: doença é
quando o avião está com defeito, mas críse é quando o piloto
perde o controle sobre o avião. O que também pode ocorrer
 
quando o avíão está perfeito e imacto, ao passo que um bom
piloto deve ser capaz de aterrissar são e salvo até com um avião
defeituoso.
 
 
 
Não há
docnça
 
~ _ Do'énça. “
psíquica
.' Do'e'n'Ça' '_ ' 
Assim, existem crises em caso de doença fts'ica (medo,
desespero, revolta contra o destino, autodesistência), de doença
pszq'uíca (distúrbio comportamental e reações inadequadas, pro-
blemas sociais criados pela própria pessoa, propensão a ações
precipítadas), de doençafúica e psíquica (processos de desequi-
líbrio psicossomático e somato-psíquico) e nos períodos de
saúde (deñciente superação de ocorrências negativas ou falta de
aproveitamento e apreciação de ocorrênciaspositivas). A região
sombreada no esquema acima pretende mostrar isto simbolica-
mente.
Existem pessoas, pelo contra'rio, que sofrem de doença
física ou psíquica e no entanto mantêm as rédeas de suas vidas
sem cair em crises se'r1'as, o que está relacionado com sua alítude
positiva frente à doença. Estas podem ser atribuídas à regiào
pontuada do esquema acima. Que existe este tipo de atribuição
já era conhecido desde a antiguidade grega, quando p. ex. Epic-
teto escreveuz
47
“Não sào as coisas que inquietam os homens,
mas sua opinião sobre as coisas.
Quando enfrentamos diñculdades,
ou nos inquietamos e aHing'os,
nunca lancemos a culpa
sobre outros, mas apenas
sobre nós mesmos, ou seja,
sobre nossa opinião a respeito das coisas.“
Que precisamos fazer para
sermos felizes?
Para sermos completos, não deve ser omitido que uma crise
não sígniñca apenas um risco para a realização humana especí-
ñca da pessoa, mas também uma chance de a pessoa alcançar
esta realização especíñcm pois através da experiência do sofri-
mento ela pode levar a pessoa a modificar seu pensamento, a
novas idéias ou - nas palavras de Epicteto - a uma modiñcação
de sua opinião sobre as coisas. O piloto que num momento de
crise perdeu o domínio sobre o avião irá se tomar cuidadoso e
nos seus próximos vôos haverá de evitar toda falta de atençã0.
Mas ele pode também cair, por isso a psico-higiene visa primei-
ramente impedír a ocorrência de crises na vida, deixando à
psicoterapia, no caso de as crises já se haverem instalado, fazer
com que sejam proveitosas ao paciente as chances que até nelas
exlstem.
Dissemos que do estilo de vida de uma pessoa depende o
“como” irão se desenrolar as ocorrências em sua vida, mais que
o “quê" dessas ocorrências. Nâo obstante, como conseqüência o
“quê“ também pode ser influenciado pelo “como", o que se
manifesta no fato de não raro as pessoas sadias adoecerem
quando entram em crise, e de um doente que não entra em crise
recuperar a saúde com mais rapidez.
Decisão se irá ocorrer doença
 
Doença \\ / Saúde
Decísão se a doença \ / Decisão se, apesar da
leva a uma crise \ , saúde_ haverá uma crise
Leva a Não leva / \\ Haverá Não haverá
uma crise / \ crise
\/ \/
4948
 
Que explicação existe para esta ligação entre o “como” e o
“quê", nas ocorrências psíquico-corporais? Ela é explicada pelo
seguinte princípio básico: A situação imunológica depende entre
outras coisas da situação afetiva, e a situação afetiva depende
no essencíal de apessoa realizar interiormenze o sentido de sua
vida. Isto signiñca que a tn'dimensionalidade do homem só pode
ser correspondida por uma “noo-psicossoma'tica” que, ultrapas-
sando a psicossomática tradicionaL que se ocupa com as cone-
xoes' entre a sítuação afetiva e a situação imunológica, estabeleça
ainda a ligação com a esfera especiñcamente humana, a dimen-
são noética, na quaL como já foi mencionado, o despertar do
humano decorre paralelamente ao despenar da questào do sen-
tido, com o surgimento de um “conhecimento do sentido” e o
desenvolvimento de uma "vontade de sentido”.
Realizaçâo do
sennd'o
J
Situação
afetiva
Siruação
imunolágica
Considerar a própria
exístêncía como tendo
sentido
Dimensão espiritual
(noét¡ca)
Prazer ou desprazer
da disposição
pessoal
Sistema de defesas do
organísmo contra
doenças
D¡m'ensão ammlíca
(psíquica)
Dimensão corporal
(somática)
Não possuindo a capacidade espiritual correspondente, o
comportamento do animal é regido por instintos, sendo o ele-
mento regulador o prazer. Na esfera animal o prazer funcíona
como o ñm regressivo que leva o indivíduo a fazer o que para
ele tem sentido - mas de cujo sentído ele nada sabe -, p. ex.
procurar alimento, escolher um parceiro sexuaL ou deitar-se ao
sol para aquecer-se. No homem, naturalmente, também existem
as experiências de prazer, mas ele não é “regido” por elas, uma
vez que tem condições de apreender o sentido de uma coisa e de
agir de acordo com este sentido, em certas círcunstâncias até
contrariamente ao que lhe causaria prazer.
50
Por exemplo, ninguém vai a uma clínica de prevenção do
câncer “por prazer”, mas um'camente porque acha que isto tem
sentido, da mesma forma que ninguém faz donativos para os
famintos do Terceiro Mundo “por prazer", mas unicamente
porque despenou para o sentido de uma tal ação. Qual é então a
função do prazer na vida humana? Bem, o prazer não é o ñm mas
é o fenômeno concomitante de um agir que possui sentido.
Passado o exame preventivo, feita a doação para os que passam
fome, ocorre uma “boa sensação”. O prazer é o “eco afetivo“ da
realizaçâo do sentido.
Invertamos agora a pergunta. Que deve uma pessoa fazer
para conseguir o eco afetivo na linha do “prazer"? Logicamente
a resposta seriaz ela deve fazer alguma coisa que possua sentido.
Mas esta é exatamente a resposta errada, pois quando alguém faz
uma coisa que tem sentido afím de obterprazer, o prazer passa
a ser o ñm e não o fenômeno concomitante, o que faz com que
aquilo que possui sentido deixe de ser visto como um ñm digno
do homem, e com isso 1m'pede-se que ocorra 0 fenômeno conco-
mitante do “prazer“.
Ninguém descreveu melhor este paradoxo do que Viktor E.
Frankl, que demonstrou mais de uma vez que, embora sendo um
efeito concomitante de um agir com sentído, o prazer não pod*e
ser obtido intencíonalmaznte por meio de um agir com sentido .
Ninguém vai a um exame preventívo para depois sentir uma
“sensação agradável”. Quando vai, certamente é por compreen-
der que com isso pode prevenir doenças mais se'rias. Também
diñcilmente alguém faz doações para a África a ñm de depois
experimentar uma sensação agradáveh mas faz doação para
mitigar a fome na África. O sentido não é um meio para o ñm,
ele contém o fim em si ou então deixa de ter sentido. Se alguém
efetivamente for fazer um exame médico por causa do prazer,
ele é um doente, p. ex. um masoquista, ou se acontece alguém
dar dinheiro para satisfação própria ele é também um anormaL
portador. p. ex., de um irracional complexo de culpa, ou vítima
de um tique nervoso de ajuda.
* Viklor E. Frdnld, Psycholherapiefürdeu Laiem l2' bd'., Frciburg, Hcrdcn l986.
Introduçãa (Viktor E. FrankL Psícoterapia para Iodos. Pcuópolis. Vozcs, l990. hum-
dução.)
51
-m
anu-_u-»
~
Para a prevenção de crises, isto significa que a perguntaz
“Que devo fazer para ser feliz?" é uma pergunta mal colocada
desde o princípia Não existe absolutamente nada que se possa
fazer “para ser feliz“, que realmente leve à felicidade. Existe
apenas alguma coisa com que se pode contribuir para realizar um
sentido, e que, como um fenômeno concomitante não intencio-
nado e que se manifesta progressivamente, nos faz felizes.
Segue daí que buscar o prazer, a felicidade ou afetos
posítivos é um fator gerador de crises, pois isto simplesmente
retha a possibilidade do prazer, da felicidade, dos afetos positi-
vos! Mas isto não apenas é um fator gerador de crises, como
também é típico da neurose, como o sabemos da psicoterapia,
pois todo neuro'tico, sejam quais forem os sintomas de que sofre,
busca exageradamente a qualidade de sua siruaçâo afetiva, seja
o prazer sexual, seja o sentimento do próprio valor, seja um sono
agradáveL ou seja o que for, ele busca obstinadamente, procura
forçar, e quanto mais se esforça tanto mais piora sua situação
afetiva, Lanto menos ocorre o prazer sexual desesperadameme
procurado, o senlimento do próprio valor de que tant*o ele sente
falta, ou o Lão ansiosamente esperado sono reparador .
A busca exagerada de uma situação afetiva positiva é muito
difundida hoje. Vivemos na era da “compulsão da felicidade“,
isto e', onde se tenta de toda maneira manipular artificialmente
os sentimentos, seja colocando narcisisticamente o próprio corpo
no centro de toda atividade criativa, para por assim dizer explo-
ra'-lo como fonte de prazer permanente, seja interferindo díreta-
mente nos sentlm'entos, exacerbando~os por meio de substâncias
químicas Ievadas ao organismo para modificar o estado de suas
imagens psíquicas, ou por fim deixando-se seduzir por promes-
sasideológicas ou sectárias de felicidade de toda espécíe, que
prometem tranqüilidade, iluminação e, nào em último lugar, a
entrada numa nova era, contanto que a pessoa se comprometa
com a “nova religiosidade” oferecida. Viktor E, Frankl compara
este esforço mais ou menos inúlil a um bumerangue que volta
para quem o atirou e o abate, mas só quando deixa de acertar o
* Vllvaor EA ankL Dle Psyclmlherapie iu der Prax15', S'- cd., Mun"chcn, Pipcr,
I986, I_›. 525.
52
seu verdadeiro alvo; analogamente, a busca obstinada do prazer
e da felicidade também só se manifesta onde se deixou de lado
o verdadeiro objelivo da existência humana, onde alguém fracas-
sou em realizar o sentido de sua vida.
Mas o que tem a ver a situação afeliva com a situação
imunológica do homem? Bem, as doenças não se devem apenas
a agentes extemos, como p. ex. aos vírus e bacte'n'as, mas têm
que ver também com fatores biológicos intemos que reforçam
ou reduzem a força de resístência e a defesa do corpo contra os
fatores de doença, e estes fatores biológicos intemos são por sua
vez sensores precisos da evemual disposição psíquica da pessoa.
Pode-se observar a toda hora que pessoas que sofreram um
grande abalo ou passam por grandes perturbações adoecem com
mais facilidade que as outras. Mas não é apenas um excesso de
aflições que pode sobrecarregar a esfera afetiva e com isso a
capacidade de defesa do corpo, mas também uma deñciência de
conteúdo na vida. Assim, por exemplo, depois da entrada na
aposentadoria a monalidade sobe abruptamente, como o com-
provam as estatisticas.
A sobrecarga e a pressão do trabalho nào sào, portanto, os
critérios exatos para o desencadear de doenças físicas, como
muitas vezes se acredita. Trata-se antes da questâo de como
experienciamos o sentido da própria atividade. Quando se tem
que trabalhar sob a pressão da falta de tempo e com muito
dispêndio de energia, mas se sente que o trabalho tem sentido,
não ocorre nenhuma deterioração da situação afetíva e, por
conseguinte, também não piora a situação imunológica. Não é
em vão que se tem dito que médicos e voluntáríos que estão
convencidos da importância do seu trabalho podem passar anos
e anos sob as condições mais difíceis em postos avançados longe
da civilização ou mesmo em leprosários, sem que adoeçam
Valendo também o inversoz um trabalho que é experimentado
como carente de sentido causa frustraçâo, e por mais “cômodo”
que seja, ele põe em risco a saúde do trabalhador.
53
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Umfracasso na realização do sentido
(que signiñca um rísco para a realização
especiñcameme humana)
deteriora a situação afetiva
(aumenta o risco de doença psíquica)
deteriora a situaçãa imunológica
(o que aumenta o risco de doença física).
Vemos que o bem-estar do corpo e da alma do homem
possui não pequena relação com sua aütude espíritual perante a
vida e suas exigências - ele contribuí para determinar o surgi-
mento e o desenrolar das doenças, mas também para manter a
saúde e detetminar o decorrer da vida.
E a “crise por excelência“ é aquela “frustraça'o existencial"
(Frank1) relacionada não apenas com um trabalho frustrante ou
com uma parceria frustrante, mas que acompanha a convicção
subjacente de uma pessoa de que, no fundo, a vida não tem
sentido, ou não tem mais sentido; convicção esta que o armsta à
autodestruição, sob qualquer das máscaras em que elacostuma
ocultar-se.
As relações apontadas aplicam-se não apenas à modema
sociedade industriaL que se encontra atualmente numa “frustra-
ção existencial” coletiva que a impele à infeliz “compulsão da
felicidade". Aplicam-se igualmente aos povos de lodas as cultu-
ras. O casal Wolfgang e Louise JlJe'k, ambos professores da
Universidade da Columbia Britânjca em VancouverlCanada',
realizaram importantes pesquisas a esse respeito entre os índíos
norte-americanos ( 1980) e entre as populações de Papua-Nova
Guiné (l984), chegando à conclusão de que as mencionadas
tribos, pela modemização ocidentalizante, sofreram uma perda
de seus valores tradicionais e culturais, o que as levou a uma
depressâo anômica Estes povos não conseguíram assun'ilar as
idéias estranhas que lhes foram propostas como ideais ou como
substitutivos de seus próprios ideais perdidos, e mesmo os bens
e as técnicas recém-adquiridas não conseguiram compensar essa
perda. Púvados de suas idéias de valor e de seus ideais, a
experiência de sentido dos m'div1'duos volatilizou~se, os slm'bolos
e os ritos por eles manuseados ñcaram esvaziados de sentido.
Citaçãoz “Depressão anômica é uma neurose noogênica no sem-
tido de FrankL tendo como sintomas característicos
um estado disfórico de frustração existencial com in-
tensos sentimentos de desânimo, humilhação e auto-
desvalorização, acompanhados da perda de oriemação
e da identidade cultural. A depressão anômica é muitas
vezes camuñada por males somáticos ou por um com-
portamento agressivo sob efeíto do álcool. Sofrer de
depressão anômica signiñca sofrer por não e*nxergar
conteúdo na dimensão sócio-cultural da vida.“
Como uma séria conseqüência da perda de valores e da
crise de sentido foram observadas a “somatização” (= morrer por
motivos insigm'ficantes) e a “ação agressiva (= matar~se um ao
outro por coisas ínsigniñcantes), o que demonstra que tanto nas
civilizações de técnica avançada como nas túbos indígenas vale
o mesmo príncípio básico primordial da natureza humanaz
Umfracasso da realização de sentido
(p. ex. pela perda de valores sócio-culturais)
deteriora a situação afetiva
(p. ex. sob a forma de inclinação para o vício e agressividade)
deteriora a situaçâo imunológica
(p. ex. sob a forma de achaques somatízados)
Em nossa esfera culturaL a depressão anômica também não
é desconhecida. Ela ocorre com mais freqüência principalmente
com pessoas de mais idade, quando atingidas pela mudança de
valores de uma época em rápida mutaça'o, de forma semelhante
aos indígenas atropelados pela modernizaçãa Acrescente-se a
ísto o fenômeno muito comum de as pessoas decaírem física e
psiquicamente após a perda de suas tarefas proñssionais e fami-
liares. Em nossa esfera cultural isto ocorre quase sempre com os
* Jilck W. G. c Jilck-Anll L., “lniliau'ou und Sinntfuduug-Beobachmngeu in
Papua-Neuguinea ", cm “Loga!l1erapic "_ rcvisla da Socicdadc Alcmà dc Logolcmpia,
ano 1,n*2, 1986,p. 184.
55
r*u~__rvw_\r~
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vuñvWMA
..._._..
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Í
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homens após o encerramento de sua atividade proñssionaL com
o assim chamado “choque da aposentadorl'a“, e com as mulheres
com a entrada dos filhos na ídade adulta (“síndrome do ninho
vazio“) ou com a entrada na menopausa (“choque do climaté-
rio“).
Na realidade, nem a aposenladoria nem o desencargo da
matemidade ou o climatério são em si mesmos a causa do
choquez tudo isto faz parte dos estágios naturais da vida, que
possuem seu lado bom. É uma teoria errada acreditar que estas
ocorrências têm que provocar forçosamente um choque ou de-
sencadear uma crise nas pessoas que as atravessam
___H_____Vidanomml Crise (com ou sem manifeslação de doença)
ocorrênci\/acom /
efeito de choque
Na realidade, o vazio de sentido e a falta de realizaçào que
segue-se a uma detenninada ocorrência evoca a crise na pessoa,
com o que esta ocorrência passa a ser considerada o “início de
uma crise“, ou mesmo o fator “desencadeante da crise”.
______|_›_-_____1Vidanomlal Crise (com ou sem manifestação de doença) 
ocorrén\/cia
Se, ao invés, depois da ocorréncía aquela fase da vida
receber novo conteúdo, o que se dá junto com uma reoñentação
e uma reestruturação nos objetivos dessa pessoa, então a ocor-
rência receberá retrospectivamente uma qualiñcação inteira-
56
mente divexsa, como a de sero imcio de uma nova mas não menos
pleniñcame etapa da vida.'
___H*_.Vidanormal l l Vída nonnal recslruturada
ocorr\/ência
 
Levando este aspecto em consideraçào, toma-se compreen-
sível que na logolerapia a ênfase da prevenção de crises não
esteja colocada no lidar com as "experiências traumáticas" nor-
mais, tais como a "elaboração psíquica" da aposentadoriaou do
começo do climatério, mas muito mais em ajudar a encher de
sentido a etapa da vída posterior à ocorrência, disto dependendo
em última instância como esta ocorrência irá ser valorizada mais
tarde.
De Viktor E. Frankl procede a notável observaçào de que
a consciéncia de Ier ainda uma mrefa a cumprir possui o efeito
de prolongar a vida e prevenir doenças.
Observação esta que possui igual hnportância para homens
e mulheres. Para a pessoa de mais idade quase sempre é irrele-
vame se uma tarefa desse típo traz ou não lraz lucro, se é
remunerada, ou se é de outra maneira reconhecida. O que importa
é unicamente que, “por mais idoso que seja, desperte nele o
sentimento de es*tar aí para alguma coisa - para alguma coisa ou
alguma pessoa." O que impona é que oriente esta pessoa para
um objetivo que mereça ser por ela assumído, que evenlualmente
necessite de sua ajuda para ser melhorado, e com isso ela deixe
de estar voltada unicamente para os próprios estados físicos e
psíquicos, que em vista da idade estão sujeitos a uma crescente
deterioraçào.
* Viklor E. l~'rankl_ Psychorherapiefuer deu Luimh l2"> rd., Frciburg. Hcrdrn
l986,p. 56/57.(Víklor E. Franld,Psicolcmpiapara Iodos. Pclro'polis.V01cs. 1990.p 52)
57
No que conceme às mulheres que não têm mais atividade
como màes ou como esposas, eis aqui algo que elas poderiam
levar em consideraçàoz A pessoa que gosta de cuidar de alguém
com certeza também pmsui um dom para isso, pois em geral a
geme gosta de fazer aquilo para que está capacitado. Estas
mulheres devem aproveitar este dom, tomando conta de pessoas
que têm necessidade de algum cuidado. Justamente as mulheres
sem ñlhos ou as mães de ñlhos adultos podem assumir o papel
de “mães por um dia" ou de babás das cn'anças dos Vizinhos que
de outra maneira haveñam de ñcar abandonadas (ou trancadas
no apartamento), ou vimr crianças de rua; precisamente as mu-
lheres que vivem sós e as viúvas é que podem atuar no serviço
da comunídade, envolvendo-se na ação caritativa.
Poís quem senâo elas haveria de preocupar-se com tantas
pessoas solita'rias, necessitadas de ajuda e de afeto humano, que
vão ñcando pelo caminho como "sobejo” de uma acelerada e
oponunística sociedade de consumo, impondo às nossas organi-
zações de assistência sobrecargas cada vez mais elevadas em
pessoal? Quem haveria de ocupar-se com estas pessoas senão
essas mulheres de esplêndidos sentimentos matemais, que ainda
não foram vitimas da nova mentalidade da emancipação mas
mantêm no mais profundo de si mesmas a intuição feminina, de
par com a humildade simples do verdadeiro amor ao pro'xímo, e
que desde sempre representaram o elemento de carinho e prote-
çâo para tudo quanto busca crescer e desenvolver-se?
É verdade que precisamos distinguir entre uma compen-
sação no sentido negatívo da psico-higiene, que a partir de
motivos egocêntricos impele a buscar substitutivos para a satis-
fação, e uma compensação no sentido positivo da psico-higiene,
que a panir de uma abertura para o mundo leva a uma busca do
serviço ao necessitado. Tentando ilustrar isso, consideremos o
cxemplo de duas mulheres sem ñlhos que vão a uma pmça da
cidade para brincar com crianças estranhas. A primeira mulher,
tendo-lhe sido negada a felicidade de ter fllhos próprios, gostaría
de pelo mcnos desta fonna sentir o prazer de brincar com
crianças. Seu motivo é melhorar o seu próprio estado psíquico,
ela está à procura de satisfação. A outra mulher considera que,
livre e desvinculada de deveres familiares como ela e', tem tempo
58
 
para aliviar por algumas horas as mães superocupadas, brincando
com os ñlhos delas. Para ela trata-se de “objetos" entre seus
semelhantes, de mães atarefadas e de crianças choramingas, em
favor das quais ela gostaría de fazer alguma coisa.
Não estamos interessados aqui no valor moral do ato de
brincar com as crianças, num e noutro caso. Enquanto elas
demonstrarem solicitude, o motivo mais profundo do seu agir
pode ñcar em segundo plano. Mas interroguemo-nos sobre as
conseqüências psíquicas para cada uma. A primeira sentirá uma
sensação muito agradável enquanto estiver brincando com os
ñlhos dos outros, mas então ela terá que parar, terá que deixar as
crianças com os pais e voltar para o seu lar vazio. Não é de recear
que aí retome todo o sofrimento de sua solidão, que ela seja
invadída de ciúme pelas mães, de inveja e de despeito, e tomada
pela tristeza de um objetivo que nunca poderá alcançar na vida?
Se for este o caso, o seu estado psíquico há de piorar,
ñcando talvez ainda pior que anles da visita à praça onde as
crianças brincavam; seja como for, o risco de crise aumentou no
seu caso.
A segunda mulher, ao inves', brincando com as crianças
estranhas, faz uma experiência de sentido que pemmneca Ela
possibilitou um pouco de repouso às mães atarefadas, fez as
crianças deixarem de choramingar, trouxe-lhes alegria, foi bom
ela ter estado lá. Ao voltar para casa pode levar consigo a
sensação de ter tido um dia u'til, de haver alcançado o objetivo
que a levou a sair de casa. Não se pode alé mesmo imaginar que
seja bom ela desfrutar agora um pouco do silêncio de casa, para
recupemr-se? Seja como for, mesmo o menor indício de uma
ameaça de crise foi afastado.
A primeira mulher queria alegrar a si própria e perdeu a
alegria, a segunda quis alegrar os oulros e ganhou alegria - é
este o paradoxo da felicidade, que não pode ser senão efeito
concomitanle. Por isso guardemos como uma das teses básicas
da psico-higiene: Compensação no sentido negativo aumenra a
frustraçâo que pretendia compensar, compensação no sentido
posizivo neutraliza a frustraçáo, aumenlando a realizaçâo do
sentida O “negativo" ou “positivo", comojá foi dito, nào é para
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ser julgado do ponto de visla moral mas do da psico-higiene,
embora todas as íeorias morais das culturas humanas estejam
basicamente de acordo, pois trata-se de um antiqüíssimo tesouro
da humanidada A saber, que mais que qualquer orientação
egocênlrica faz bem ao homem o orientar sua vida para ter um
sentida
Para encerrarmos o tema “mulheres", guardemos na mente
o seguime, que alude ao titulo de um best-seller: Nem todas as
mulheres “amam demais", muitas amam de menos, e muítos
amam na medida certa Foram estas últimas as que descobriram
o segredo da felicidade
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ÍÍÊTÁÂ
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O homem como “ser que decíde”
Chegamos ao conhecimento de que uma compensação no
sentido positivo atua no sentido de mitigar e prevenir crises, o
que pode ser de importância principahnente para as pessoas que,
por natureza, são inclinadas a reações vegetativas ou neuróticas
exageradas. Mas esta compensação no sentido positivo supóe
uma decisão interior, o “sim” interior à realização do sentido, e
por isso queremos voltar-nos, no que segue, à capacidade de
decisão do homem, à sua “capacidade de dizer su'n”.
Citaçãoz A base psicopálica-constitucional da neurose e', portan-
to (do ponto de vista pedagógico e terapêutico), per-
feítamente capaz de ser compensada. Como também a
neurose talvez não seja outra coisa senão um “fenóme-
no de descompensação", a descompensaçào de uma
“c0nstituiçâo insuñciente” (Emest Kretschmer). Em
certas circunstâncias pode tratar-se de pôr à disposiçào
do doente, através da logoterapia, aquele apoio espiri-
tual paniculamlente firme que o homem sadio comum
precisa menos, mas que o homem interiormente inse-
guro necessita com urgência, justamente para Compen-
sar a sua insegurança. Uma vez na vida todo psicopata
encontra-se na encruzilhada desta decisão enlre dispo-
síção branda, por um lado, e por outro o fato de ela
tomar forma como psicopatía propriamente dita. Antes
desta decisão talvez ele nem possa ser considerado
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como psicopata. Aquilo de onde nasce, pode nascer,
mas não tem forçosamente que nascer sua psicopatia,
poderíamos denominar, em vez de psicopatia, de “psi-
~ v ,,*
colabxlldade .
Uma veZ na vida todo psicopata está colocado diante desta
encruzilhada... Esta tese da psiquiatria pode ser generalizada e
ampliadaz

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