Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
JUNG E O FENÔMENO RELIGIOSO BREVE HISTÓRICO DA PSICOLOGIA DA RELIGIÃO (FREITAS, 2017) JungJames MyersJanetFlournoy Hall Freud Wundt * Jung e seus contemporâneos: BREVE HISTÓRICO DA PSICOLOGIA DA RELIGIÃO Ao final de seu curso de medicina, na Universidade da Basileia, Jung proferiu cinco conferências na Sociedade Estudantil Zofíngia, de 1896 a 1899, revelando seu grande interesse pelo tema da religião, do espiritualismo então emergente e das relações entre ciência e religião. Em 1902, publica sua tese de doutorado, intitulada Sobre a Psicologia e Patologia dos Fenômenos Chamados Ocultos (MARTINEZ et al., 2017, p. 99). Aproximação com Théodore Flournoy: Da índia ao planeta Marte (1900) Theodore Flournoy (1854-1920) ➢ Exclusão metodológica do transcendente: “ou seja, de modo a não se pronunciar sobre a realidade ontológica de Deus ou de qualquer entidade a que se atribua a divindade, o sagrado, o numinoso, ou outra dimensão que esteja para além da experiência humana.” (FREITAS, 2017, p. 2017). BREVE HISTÓRICO DA PSICOLOGIA DA RELIGIÃO William James (1842-1910) ➢ Ficou conhecido como principal pioneiro da Psicologia da Religião (FREITAS, 2017); ➢ Fundou a American Society for Psychical Research (ASPR) nos Estados Unidos; “Após o rompimento com Freud, em 1913, Jung se aproxima de William James e Flournoy, considerados autores de referência na psicologia da religião. Embora pouco conhecidos na psicologia geral e até mesmo no meio junguiano, esses dois autores tiveram grande influência no pensamento de Jung” (MARTINEZ, 2017, p. 100). BREVE HISTÓRICO DA PSICOLOGIA DA RELIGIÃO William James (1842-1910) 1902: The varieties of the religious experience ➢ Principais contribuições: Ressalta e delineia a distinção entre religião pessoal e religião institucional: James adotou como objeto de estudo exclusivamente a religião pessoal. BREVE HISTÓRICO DA PSICOLOGIA DA RELIGIÃO No princípio, chama-nos a atenção uma grande linha divisória que atravessa o campo religioso. De um lado, fica a religião institucional, de outro, a religião pessoal. (JAMES, 2017, p. 39). William James (1842-1910) 1902: The varieties of the religious experience “A relação se estabelece, direta, de coração para coração, de alma para alma, entre o homem e seu criador” (JAMES, 2017, p. 39). BREVE HISTÓRICO DA PSICOLOGIA DA RELIGIÃO “os sentimentos, atos e experiências de indivíduos em sua solidão, na medida em que se sintam relacionados com o que quer que possam considerar divino” (JAMES, 2017, p. 41). PESSOAL William James (1842-1910) 1902: The varieties of the religious experience “Se nos fosse preciso limitar-nos a ele, teríamos de definir a religião como uma arte externa, a arte de gracejar o favor dos deuses” (JAMES, 2017, p. 39). BREVE HISTÓRICO DA PSICOLOGIA DA RELIGIÃO O culto e o sacrifício, processos para influir nas disposições da divindade, a teologia, a cerimônia e a organização eclesiástica são os elementos essenciais do ramo institucional da religião. (JAMES, 2017, p. 39) INSTITUCIONAL William James (1842-1910) 1902: The varieties of the religious experience BREVE HISTÓRICO DA PSICOLOGIA DA RELIGIÃO Jung passou a enfatizar a experiência pessoal em relação ao sagrado e ao transcendente a partir do contato com a obra As variedades da experiência religiosa: um estudo sobre a natureza humana, de James (MARTINEZ, 2017, p. 100). Frederic W. H. Myers (1843-1901) ➢ Investigava fenômenos anômalos, fornecendo forte base ao Jung; ➢ Cunhou um teoria conhecida como psicologia subliminal; ➢ Shamdasani (2005) reconhece que há uma forte influência de Myers em Jung que tem sido subestimada pelos junguianos. BREVE HISTÓRICO DA PSICOLOGIA DA RELIGIÃO JUNG E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA Na medida em que o fenômeno religioso apresenta um aspecto psicológico muito importante, trato o tema dentro de uma perspectiva exclusivamente empírica: limito-me, portanto, a observar os fenômenos e me abstenho de qualquer abordagem metafísica ou filosófica (JUNG, 2012, parg. 2) Fenomenologia de Jung A ideia é psicologicamente verdadeira, na medida em que existe (JUNG, 2012, parag. 4) Religare re- ligar – ligar o individuo a experiência religiosa. Religere uma acurada e conscienciosa observação do "numinoso", isto é, uma existência ou um efeito dinâmico não causados por um ato arbitrário - manifestação de algo divino. Numinoso é um conceito derivado do latim numen significando "emoção espiritual ou religiosa despertadora; misteriosa ou inspiradora". “Visto que a religião constitui, sem dúvida alguma, uma das expressões mais antigas e universais da alma humana, subentende-se que todo o tipo de psicologia que se ocupa da estrutura psicológica da personalidade humana deve pelo menos constatar que a religião, além de ser um fenômeno sociológico ou histórico, é também um assunto importante para grande número de indivíduos.” (Jung, OC 11/1 § 1) JUNG E A EXPERIÊNCIA RELIGIOSA O QUE É O SÍMBOLO? O termo símbolo, com origem no grego symbolon, designa um tipo de signo em que o significante (realidade concreta) representa algo abstrato (religiões, nações, quantidades de tempo ou matéria, etc.) “Assim, uma palavra ou uma imagem é simbólica quando implica alguma coisa além do seu significado manifesto e imediato. Esta palavra ou esta imagem têm um aspecto "inconsciente" mais amplo, que nunca é precisamente definido ou de todo explicado. E nem podemos ter esperanças de defini-la ou explicá-la. Quando a mente explora um símbolo, é conduzida a ideias que estão fora do alcance.” (Jung, 1977 p.20) “Por existirem inúmeras coisas fora do alcance da compreensão humana é que frequentemente utilizamos termos simbólicos como representação de conceitos que não podemos definir ou compreender integralmente. Esta é uma das razões por que todas as religiões empregam uma linguagem simbólica e se exprimem através de imagens. Mas este uso consciente que fazemos de símbolos é apenas um aspecto de um fato psicológico de grande importância: o homem também produz símbolos, inconsciente e espontaneamente, na forma de sonhos.” (Jung, 1977, p.21 ) O símbolo precisa do homem para sua evolução, mas ele cresce mais do que o homem e, portanto, é chamado de "Deus", porque expressa uma situação ou fator psíquico mais forte do que o ego.” (Jung apud Franz, 1999, p. 223) HOMEM MODERNO X HOMEM PRIMITIVO “O homem moderno não entende quanto o seu “racionalismo” (que lhe destruiu a capacidade de reagir a ideias e símbolos numinosos) o deixou à mercê do “submundo” psíquico. Libertou-se das “superstições” (ou pelo menos pensa tê-lo feito), mas nesse processo perdeu seus valores espirituais em escala positivamente alarmante. (Jung, 2008, p. 118). “O homem se viu partido em uma personalidade consciente e inconsciente. A personalidade consciente podia ser domesticada porque estava separada do homem natural e primitivo. Por isso nós nos tornamos altamente disciplinados, organizados e racionais, por um lado, mas o outro lado permaneceu um primitivo oprimido, excluído da educação e da cultura.” (Jung, OC 10/3, § 1008) Pensamento simbólico (inconsciente) Pensamento lógico, racional (consciente) FUNÇÃO RELIGIOSA E FUNÇÃO TRANSCENDENTE FUNÇÃO TRANSCENDENTE – “Apreciar o símbolo” “A função psicológica e "transcendente" resulta da união dos conteúdos conscientes e inconscientes.” (Jung, OC 8/2, § 132) “As Religiões são sistemas psicoterapêuticos no sentido mais exato da palavra e em grande escala. Exprimem o âmbito do problema psíquico em imagens impressionantes. São o credo e o reconhecimento da alma e, ao mesmo tempo, revelação e manifestação da natureza da alma.” (Jung, OC 10/3, § 367) INCONSCIENTECONSCIENTE SÍMBOLO INSTINTO RELIGIOSO INSTINTOS = “Os fatores psíquicos que determinam o comportamento humano são, sobretudo, os instintos enquanto forças motivadoras do processo psíquico.” (Jung, OC 8/2, § 233) SETE INSTINTOS:Autoconservação, Conservação da espécie (agressividade/ proteção/ sexo) / Impulso a ação , Reflexão, Criativo Intuitivo e Religioso “Deve, porém, respeitando os fatos, contar com a existência de uma imagem de Deus. De modo análogo, conta com a presença do instinto, sem, contudo, se arrogar a competência de dizer em que consiste o "instinto“ em si. [...] Também é claro que a imagem de Deus, por exemplo, corresponde a um determinado complexo de fatos psicológicos e representa, assim, uma dada grandeza com a qual podemos operar. Mas saber o que Deus é em si mesmo constitui um problema que foge à competência de qualquer Psicologia.” (Jung, OC 8/2, § 328) RELIGIÃO E CONFISSÃO “Com o termo ‘religião’ não me refiro a uma determinada profissão de fé religiosa. A verdade, porém, é que toda confissão religiosa, por um lado se funda originalmente na experiência do numinoso, e, por outro, na pistis, na fidelidade (lealdade), na fé e na confiança em relação a uma determinada experiência de caráter numinoso e na mudança de consciência que daí resulta” (JUNG, 1990, p. 21). RELIGIÃO E CONFISSÃO RELIGIÃO: “Encaro a religião como uma atitude do espírito humano” (JUNG, 1990, p. 20). “A religião, no sentido da observação cuidadosa e consideração de certos fatores invisíveis e incontroláveis constitui um comportamento instintivo característico do homem, cujas manifestações podem ser observadas ao longo de toda a história da cultura. Sua finalidade explícita é preservar o equilíbrio psíquico do homem (...)” (JUNG, 1990, p. 23). RELIGIÃO→ Experiência direta com o numinoso. RELIGIÃO E CONFISSÃO CONFISSÃO: “As confissões de fé são formas codificadas e dogmatizadas de experiências religiosas originárias. Os conteúdos da experiência foram sacralizados e, em geral, enrijeceram dentro de uma construção mental inflexível e, frequentemente, complexa. O exercício e a repetição da experiência original transformaram-se em rito e em instituição imutável. Isto não significa necessariamente que se trata de uma petrificação sem vida. Pelo contrário, ela pode representar uma forma de experiência religiosa para inúmeras pessoas, durante séculos, sem que haja necessidade de modifica-la”. (JUNG, 1990, p. 21). RITUAIS RELIGIÃO E CONFISSÃO EXPERIÊNCIA NUMINOSA DOGMASÍMBOLO VIVO CRENÇAS CONFISSÃO RELIGIOSA RELIGIÃO RITUAIS RELIGIÃO E CONFISSÃO EXPERIÊNCIA NUMINOSA DOGMASÍMBOLO VIVO CRENÇAS SÍMBOLO DOGMÁTICO: “ELE FORMULA UMA VIVÊNCIA ANÍMICA TÃO TREMENDA QUANTO PERIGOSAMENTE DECISIVA, QUE SE CHAMA ‘EXPERIÊNCIA DE DEUS’; DEVIDO À SUA SUPREMA INTENSIDADE REVESTE-SE DE UMA FORMA SUPORTÁVEL PARA A CAPACIDADE DE COMPREENSÃO HUMANA, SEM COMPROMETER O ALCANCE DESSA EXPERIÊNCIA OU PREJUDICAR A TRANSCENDÊNCIA DE SEU SIGNIFICADO” (JUNG, 2014, p. 19) RELIGIÃO E A ALMA HUMANA ESTRUTURAS ARQUETÍPICAS SÍMBOLOS RELIGIOSOS INCONSCIENTE CONSCIENTE RELIGIÃO E A ALMA HUMANA ESTRUTURAS ARQUETÍPICAS SÍMBOLOS RELIGIOSOS INCONSCIENTE CONSCIENTE Os símbolos religiosos “não provém da cabeça, mas de algum outro lugar, talvez o coração; certamente, de alguma camada profunda da psique, pouco semelhante à consciência que é sempre apenas uma camada superficial. É por isto que os símbolos religiosos têm um pronunciado ‘caráter de revelação’ e, em geral, são produtos espontâneos da atividade inconsciente (...). Eles se desenvolveram progressivamente, à semelhança das plantas, como revelações naturais da psique humana, no decurso dos séculos. Ainda hoje podemos observar em certos indivíduos o aparecimento espontâneo de autênticos e genuínos símbolos religiosos que brotam do inconsciente quais flores de espécie estranha, enquanto a consciência se mantém perplexa de lado, sem saber realmente o que fazer com semelhantes criações” (JUNG, 2011, p. 366). MASSIFICAÇÃO DA RELIGIÃO AFASTAMENTO DO SÍMBOLO “É no fascínio que o problema espiritual exerce sobre o homem moderno que está, na minha opinião, o ponto central do problema psíquico do hoje.” (Jung, OC 10/3, § 191) O homem moderno tem o desejo de buscar uma segurança utilitarista na “espiritualidade”, a qualquer custo, e isso provem de um modo de viver baseado na técnica e na razão, promovendo um afastamento em um movimento compensatório, sob o domínio da doutrina da religião, o homem moderno se perde novamente em outra massa – se diluindo no coletivo e levantando questões obscuras do inconsciente. Em minha opinião e sob o ponto de vista da verdade psicológica, qualquer teoria científica, por mais sutil que seja, tem, em si mesma, menos valor do que o dogma religioso, e isto pelo simples motivo de que uma teoria é forçosa e exclusivamente racional, ao passo que o dogma exprime, por meio de sua imagem, uma totalidade irracional.” (Jung, OC 11/1, § 81) CASO DA JOVEM JUDIA A paciente era uma jovem judia. [...] Ela sofria de uma neurose terrível, uma neurose de ansiedade com terríveis ataques de medo; sofria disso há anos. [...] Descobri que era de uma família hassídica – família de grandes místicos. Seu avô havia sido uma espécie de rabi milagroso – tinha uma segunda face. Seu pai rompeu com esta comunidade mística e ela era totalmente cética e exclusivamente científica em sua visão do mundo. (Jung, OC 10/3, § 635) Então lhe falei: “Preste atenção, vou dizer-lhe algo que você provavelmente considerará tolice: você tornou-se infiel ao seu Deus. Seu avô levou uma vida agradável a Deus, mas você é pior do que um herege; você traiu o mistério de sua raça. Você pertence ao povo eleito, e que vida você está levando? Não admira, pois, que você tenha medo de Deus, que sofra por causa do medo de Deus”. (Jung, OC 10/3, § 635 “Ela havia perdido o sentido das coisas: estava baseada no erro de que poderia viver apenas com seu miserável intelecto num mundo perfeitamente banal, quando na verdade ela era uma filha de Deus e poderia ter vivido a vida simbólica; ali teria preenchido o desejo secreto que existia dentro dela, que era também o de sua família. Tinha esquecido tudo isso e estava vivendo em plena contradição com todo o seu sistema natural.” (Jung, OC 10/3, § 636) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ➢ CHADWICK, H.; EVANS, G. R. Igreja Cristã. São Paulo: Folio, 2007. ➢ FRANZ, M.-L. v, 1999. Psicoterapia. São Paulo: Paulus. ➢ JACOBI, Jolande, 2016. Complexo, arquétipo e símbolo. Petrópolis: Vozes. ➢ JUNG, Carl Gustav, 1977. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. ➢ JUNG, C. G, 1990. Presente e futuro. Petrópolis: Vozes. Obra completa de C. G. Jung, v. 10/1. ➢ JUNG, C. G, 1990. Psicologia e religião. Petrópolis: Vozes. Obra completa de C. G. Jung, v. 11/1. ➢ JUNG, C. G, 2011. A natureza da psique. Petrópolis: Vozes. Obra completa de C. G. Jung, v. 8/2. ➢ JUNG, C. G, 2011. A vida simbólica 1. Petrópolis: Vozes. Obra completa de C. G. Jung, v. 18/1 ➢ JUNG, C. G, 2011. Arquétipos do inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes. Obra completa de C. G. Jung, v. 9/1. ➢ TARNAS, R. A epopéia do pensamento ocidental: para compreender as ideias que moldaram nossa visão de mundo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008. ludmila.maia@gmail.com psi_ludmila (85) 99662.1941 CONTATOS:
Compartilhar