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DESCRIÇÃO Compreensão dos antecedentes históricos que se caracterizaram como base teórico-prática para surgimento do Serviço Social no Brasil. PROPÓSITO Apresentar a história do Serviço Social no Brasil e as bases para sua implantação no país, que marcam a profissão até a atualidade. OBJETIVOS MÓDULO 1 Reconhecer as bases históricas do Serviço Social no território nacional MÓDULO 2 Identificar o surgimento das primeiras instituições sociais assistenciais no país no contexto histórico da Era Vargas MÓDULO 3 Compreender o desenvolvimentismo no Brasil e a expansão do Serviço Social entre 1945 e 1961 INTRODUÇÃO O Serviço Social é uma profissão com aproximadamente 80 anos, o que confere um caráter histórico relativamente recente. Conhecer a história do Serviço Social no Brasil, desde as bases para sua implantação nas décadas de 1920 e 1930, é tarefa muito importante. Por meio da análise desses fatos históricos, é possível assimilar uma série de desdobramentos que se espelham na profissão, nos profissionais e nas expressões da questão social brasileira ainda hoje. Compreenderemos a importância de realizar uma breve recuperação histórica da profissão, analisando as bases econômicas e políticas para assentamento da profissão, a influência significativa da Igreja Católica, do laicato social, dos grupos pioneiros e o surgimento das primeiras escolas de Serviço Social no Brasil. Por fim, identificaremos as primeiras instituições sociais e assistenciais (surgidas na Era Vargas) e o período do Desenvolvimentismo, no qual ocorre significativa expansão profissional no âmbito nacional, capitaneada pela industrialização do país e com foco na aceleração do crescimento econômico. MÓDULO 1 Reconhecer as bases históricas do Serviço Social no território nacional CENTRALIDADE DA QUESTÃO SOCIAL Imagem: Shutterstock.com A questão social é o centro das contradições que atravessam a sociedade nesse período histórico, no qual surge diretamente relacionada à generalização do trabalho livre, em uma sociedade em que a escravidão marcou profundamente seu passado recente. A formação social e econômica brasileira diz respeito a um processo recente de “abolição” da escravidão, que dava lugar a uma transição na qual se formou um mercado de trabalho em moldes capitalistas. Entenda como foi esse processo: ABOLIÇÃO A expressão “abolição” é colocada aqui entre aspas propositalmente, pois se trata de uma parte da história do Brasil contada, muitas vezes, como um processo de libertação, sem contradições, interesses econômicos e obscurecendo a falta de preparo e estrutura javascript:void(0) para que os escravos, então “libertos”, pudessem de fato obter meios de sustento, de uma vida digna e realmente livre. O operário tem diante de si não mais um senhor como proprietário dos meios de produção, mas, sim, uma classe de capitalistas, para os quais se torna livre para vender sua força de trabalho, inicialmente com quase nenhuma garantia ou proteção relativa ao trabalho. Como vendedor livre de sua força de trabalho, a certa altura do desenvolvimento capitalista no Brasil, esse trabalhador é profundamente afetado pela exploração desmedida do capital, no sentido da acumulação e geração de lucro sobre a mão de obra. Diante desse cenário, impõe-se ao empresariado a necessidade de controle social sobre a exploração da força de trabalho, por meio de uma regulamentação jurídica estatal. Entretanto, essa regulação ocorreu fortemente marcada pelos valores e princípios que regiam a sociedade burguesa, de modo a conformar o operariado às suas necessidades e expectativas de exploração, cada vez mais intensas. Assim, percebe-se o deslocamento da regulação dos trabalhadores da esfera apenas mercantil para a esfera legal e estatal. Nesse contexto, as leis sociais figuram como parte mais importante dessa regulação. As condições sociais muito precárias do operariado desencadearam movimentos sociais e pressões para a conquista de uma cidadania social. Imagem: Shutterstock.com Justamente no decurso desse processo histórico, o Serviço Social surge como profissão, em seus primeiros contornos. BASES DE SURGIMENTO DA PROFISSÃO NO BRASIL Imagem: Shutterstock.com Longe de representar uma resposta às necessidades, pressões e à voz do proletariado para construir sua cidadania social, o Serviço Social surge da iniciativa particular de grupos e segmentos da sociedade (representantes da burguesia – classe dominante), que se manifestam por meio da Igreja Católica. A adoção de políticas de cunho social demarca os limites de surgimento e atuação do Serviço Social como profissão, alternando caridade e repressão/controle. As condições insalubres de vida e o trabalho do operariado e de suas famílias estão diretamente relacionadas à voracidade do capital por trabalho excedente. E que condições precárias eram essas? VERIFICAR A situação do proletariado urbano nesse período configurava condições precárias acerca de moradia, água, esgoto e luz. Nos espaços de trabalho, também era significativa a falta de condições minimamente adequadas a respeito de higiene, segurança no trabalho e renda obtida do trabalho, sem contar com jornadas e horários desumanos, sem respeito sequer à questão do trabalho infantil (permitido, sem regulação e com registros até de castigos físicos aplicados aos aprendizes) e feminino (sem o mínimo amparo à condição da mulher, maternidade e aleitamento, por exemplo). Tal situação contribuiu para diminuir o preço da força de trabalho e aumentar o exército industrial de reserva, regulando por baixo não só as remunerações, mas também postos de trabalho e condições objetivas de seu desenvolvimento. AS FREQUENTES CRISES DO SETOR INDUSTRIAL, AINDA EMERGENTE, SÃO MARCADAS POR DISPENSAS MACIÇAS E REBAIXAMENTOS SALARIAIS, QUE TORNAM MAIS SOMBRIA A VIDA DO PROLETARIADO INDUSTRIAL, ATIRADO AO PAUPERISMO. PARA SUAS NECESSIDADES DE ENSINO E CULTURA, FICARÃO, BASICAMENTE, NA DEPENDÊNCIA DE INICIATIVAS PRÓPRIAS OU DA CARIDADE E FILANTROPIA. NUMA SOCIEDADE CIVIL MARCADA PELO PATRIMONIALISMO, ONDE APENAS javascript:void(0) CONTAM FORTUNA E LINHAGEM, SERÃO CONSIDERADOS – QUANDO MUITO – CIDADÃOS DE SEGUNDA LINHA, COM DIREITO APENAS À RESIGNAÇÃO. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1991, p. 132) Diante dessas expressões da questão social, o operariado inicia o processo de organização para sua defesa, na luta contra o trabalho excessivo e mutilador, preservando seu único patrimônio, que é a venda de sua força de trabalho. Essa forma de organização é a única via possível de participação ativa na sociedade e muda de acordo com os diferentes estágios do desenvolvimento do modo de produção capitalista. As medidas quanto à integração do proletariado nesse período, apesar de incipientes, não podem ser desconsideradas totalmente. A precária aplicação da legislação do trabalho abrange somente uma parcela de trabalhadores urbanos, ficando os trabalhadores rurais (que representavam a maioria), alijados da parca proteção possível naquela época. Nesse sentido, pode-se destacar avanços como: Imagem: Shutterstock.com Regulação do Estado em parte das relações de trabalho pela via da Primeira Emenda Constitucional. Imagem: Shutterstock.com Regulação de férias. Imagem: Shutterstock.com Regulação de acidentes de trabalho. Imagem: Shutterstock.com Regulação do código de menores. Imagem: Shutterstock.com Regulação do trabalho feminino. Imagem: Shutterstock.com Seguro-doença. Somente alguns setores e parte dos centros urbanos tinham cobertura limitada de tais preceitos legais (em especial setores não industriais ligados à agroexportação, como ferroviários, marítimos e portuários). De modo geral, o Estado segue negando o reconhecimento da existência da “questão social”. Para desenvolvimento dos estágios seguintes do modo de produção capitalista, era necessária à dominação burguesa a organização de alguma maneira do proletariado, impedindo a sua própriaorganização como classe. Para atingir esse objetivo, a hegemonia burguesa não poderia usar como recurso somente a coerção, mas, sim, buscar gerir mecanismos de controle e integração (consenso). Nessa relação, pode-se observar a interação entre Estado, Burguesia e Igreja, bem como os reflexos que o Serviço Social sofre e sua constituição inicial. Para o pleno desenvolvimento daquele estágio do capitalismo, era fundamental a integração entre o Estado e a Igreja, que aconteceu especialmente em virtude de dois aspectos: 1 Relações capitalistas com aparência “mais social” e mais propensas às obras assistenciais, diferentes dos modelos mais simplistas e brutais da “luta pela vida” – preocupação em criar, junto às classes oprimidas, um sistema de adesão. 2 Aparência das relações capitalistas mais organizadas, hierarquizadas, disciplinadas e capazes de tocar o proletariado em seu plano ideológico, assegurando seu consentimento e sua obediência. Nesse contexto, vale destacar que o viés sociológico sempre apresenta o “cuidado com o mais carente”, por meio da prática da caridade (conceito tipicamente cristão) como forma de dominação. ESTA SITUAÇÃO RESULTOU EM UMA RELAÇÃO DE SUBMISSÃO, NA QUAL AQUELE QUE TEM MENOS SUJEITA-SE À VONTADE DE QUEM TEM MAIS, POIS SUA CONDIÇÃO É CONSEQUÊNCIA DE PROBLEMAS INDIVIDUAIS QUE NÃO FORAM SUPERADOS, NECESSITANDO DA INTERVENÇÃO DE OUTRO. A IGREJA CATÓLICA, POR SUA LONGA EXPERIÊNCIA E TRADIÇÃO NA PRÁTICA DE AJUDA À POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE CARÊNCIA, QUALQUER QUE SEJA ELA, DESENVOLVE, ATRAVÉS DE SEUS MEMBROS, AÇÕES VOLTADAS PARA O ATENDIMENTO A ESSA POPULAÇÃO, SEJA A PARTIR DE AÇÕES INDIVIDUAIS OU DE INSTITUIÇÕES ASSISTENCIAIS. (SILVA, 2006, p. 329) Os princípios alinhados com o espírito autoritário e dogmático da Igreja Católica montavam uma estrutura ideal para atingimento dos objetivos burgueses. Assim, nesse contexto histórico, surge o Serviço Social como uma espécie de desdobramento da Ação Social e da Ação Católica, marcando profundamente a profissão. O LAICATO E AS PRIMEIRAS ESCOLAS DE SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL Foto: Shutterstock.com Os grupos pioneiros e as primeiras escolas de Serviço Social têm na Igreja Católica e no laicato social uma importante influência. Após o fim da Primeira Guerra Mundial, surgem diversas obras e instituições assistenciais, fato que está correlacionado às protoformas do Serviço Social no Brasil. Internacionalmente, registra-se o surgimento da primeira nação socialista e a expansão do movimento operário por toda a Europa. As primeiras escolas de Serviço Social começam a surgir pela Europa, muito estimuladas pelo preceito do Tratado de Versalhes quanto ao trabalho, uma vez que tal tratado versa sobre condições internacionais de maior cuidado, sob o ponto de vista do trabalho, com a classe operária. Já no âmbito nacional, os grandes movimentos operários de 1917 a 1921 evidenciaram para a sociedade a existência da questão social e promoveram um chamamento para sua resolução ou ao menos para minimizá-la. LAICATO SOCIAL O termo laicato social refere-se àqueles que não possuem função religiosa, chamados leigos, embora façam parte daquela religião (no caso, cristianismo/Igreja Católica). São javascript:void(0) laicato social porque pouco a pouco assumem uma posição de atuação no âmbito social, seguindo as orientações da Igreja, mas também extrapolando a ela. É neste contexto brasileiro que surgem as primeiras instituições assistenciais, como a Associação das Senhoras Brasileiras (1920) no Rio de Janeiro e a Liga das Senhoras Católicas (1923) em São Paulo, que apresentam atuação diferenciada das formas tradicionais de caridade até então: envolvimento do nome das famílias que integram a grande burguesia carioca e paulista, militância feminina dessas famílias e aporte de recursos e contatos de Estado, que possibilitam o planejamento de obras assistenciais mais amplas, consistentes e com mais eficiência técnica. Paralelamente ao surgimento dessas instituições, ocorre um movimento denominado “reação católica”, que significava a divulgação do pensamento social da Igreja e da formação das bases de organização e doutrinas do apostolado laico. Essa perspectiva de atuação sobre a questão social representa não mais o mero socorro aos indigentes, mas, em seu formato inicial, a prestação de assistência preventiva, de apostolado social, visando atender e atenuar algumas sequelas do desenvolvimento capitalista, em especial ao trato com crianças e mulheres. Incorporava-se também uma nova lógica em relação ao trabalho feminino urbano, não apenas no lugar das famílias operárias, mas admitindo a inserção de mulheres da pequena burguesia. Em 1922, é fundada a Confederação Católica, que precede a Ação Católica, e é a responsável pela centralização política e pelo fomento do apostolado laico. A partir do desenvolvimento do Movimento Laico, essas primeiras iniciativas serão multiplicadas, desenvolvendo-se dentro da Ação Social Católica. São registradas instituições destinadas a organizar a juventude católica para a ação social voltada ao operariado e suas famílias, a chamada Juventude Operária Católica (JOC), ramificando outras organizações semelhantes destinadas ao atendimento de outros segmentos sociais, como, por exemplo, Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Universitária Católica (JUC) etc. O surgimento do Serviço Social quanto ao aspecto do seu elemento humano e sua base organizacional são constituídos a partir da mescla de diferentes tendências, conforme elucidam Iamamoto e Carvalho: CONFEDERAÇÃO CATÓLICA javascript:void(0) A gênese do Serviço Social no Brasil está intimamente ligada a esse movimento, bem como às instituições e obras sociais, especialmente quanto ao conteúdo assistencial paternalista daquele momento histórico, que cria as bases materiais, organizacionais e humanas para expansão da Ação Social e consequente surgimento das primeiras escolas de Serviço Social no país. O ELEMENTO HUMANO E A BASE ORGANIZACIONAL QUE VIABILIZARAM O SURGIMENTO DO SERVIÇO SOCIAL SE CONSTITUIRÃO A PARTIR DA MESCLA ENTRE AS ANTIGAS OBRAS SOCIAIS – QUE SE DIFERENCIAVAM CRITICAMENTE DA CARIDADE TRADICIONAL – E OS NOVOS MOVIMENTOS DE APOSTOLADO SOCIAL, ESPECIALMENTE AQUELES DESTINADOS A INTERVIR JUNTO AO PROLETARIADO, AMBOS ENGLOBADOS DENTRO DA ESTRUTURA DO MOVIMENTO LAICO, IMPULSIONADO E CONTROLADO PELA HIERARQUIA. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1991, p. 172) Com o andamento dessa estratégia, tais grupos perceberam a necessidade de melhor especialização técnica e, em 1932, surge o Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo (CEAS), como condensação da necessidade sentida por setores da Ação Social e Ação Católica em otimizar as iniciativas assistenciais promovidas pelas frações da classe dominante paulista, sob patrocínio da Igreja Católica e mobilizada pelo laicato. O marco inicial do CEAS foi o Curso Intensivo de Formação Social para Moças, promovido pelas Cônegas de Santo Agostinho. As participantes do curso, jovens oriundas das famílias que compõem as classes dominantes e setores abastados da sociedade, tinham como expectativa se esclarecer e estabelecer um julgamento acertado sobre os problemas sociais daquela época. A DIREÇÃO DESSE CURSO COUBE A MADEMOISELLE ADÈLE DE LONEUX, PROFESSORA DA ESCOLA CATÓLICA DE SERVIÇO SOCIAL DA BÉLGICA. COM UMA PROGRAMAÇÃO TEÓRICO-PRÁTICA (QUE INCLUÍA VISITA A INSTITUIÇÕES BENEFICENTES), O CURSO ENCONTROU GRANDE ACEITAÇÃO ENTRE JOVENS CATÓLICAS QUE BUSCAVAM CRIAR UMA ASSOCIAÇÃO DE AÇÃO SOCIAL. FOI ESSE O INÍCIO DO CENTRO, AINDA SOB ORIENTAÇÃO DE MLLE. DE LONEUX. (YAZBEK, 2009, p. 7) Os estudos sobre os registros encontrados apontam para a formação de um núcleo articulador que vivenciava um período de profundas transformações políticas e sociais e buscava intervir nesse processo, a partir de uma perspectiva ideológica e de uma prática unificada, adotando uma orientação definida, baseada no estudo da doutrina social da Igreja. A nova açãosocial empreendida por esses grupos visava intervir diretamente junto ao proletariado, afastando-o de influências subversivas, e os centros ofereceriam vantagens para um desenvolvimento mais amplo de intervenções: Imagem: Shutterstock.com Constituíam campos de observação e de prática para a trabalhadora social, como um laboratório de seus estudos teóricos. Imagem: Shutterstock.com Apresentavam um espaço de educação familiar, no qual se buscava estimular nas jovens operárias o amor ao lar e prepará-las para o cumprimento de seus deveres. Imagem: Shutterstock.com Estabeleciam núcleos de formação de elites que agiriam depois na massa operária, a partir de seus próprios princípios e valores (cristãos e capitalistas, reforçando a preservação da ordem moral e social, sobretudo do “papel da mulher”). Nesse caldo cultural, político e econômico, com as atividades do CEAS orientadas para a formação técnica especializada, à luz da ação social e da doutrina social da Igreja, é fundada, em 1936, a Escola de Serviço Social de São Paulo, a primeira desse gênero a existir no Brasil. Apesar da grande influência da Igreja Católica e do laicato, o Estado também é uma força significativa na primeira escola de Serviço Social; uma vez que já existe presente uma demanda de atuação, a partir do Estado, assimilará a formação doutrinária própria do apostolado social. Tanto assim que os principais patrocinadores de bolsas de estudo da escola em questão são as prefeituras municipais, os órgãos públicos, o Sesi e o Senai, diversos institutos e caixas de pensão, a LBA e a Previdência Social da época. É certo que as pioneiras do Serviço Social, constituídas pelos primeiros quadros profissionais formados e especializados, têm uma grande importância na história da profissão, visto que foram responsáveis pela divulgação e institucionalização da profissão, incentivando e concretizando a demanda por seus serviços. Entretanto, não se pode desconsiderar que ocorre um processo de mercantilização da força de trabalho dessas profissionais. Essa mercantilização acontece em consonância com uma espécie de purificação do perfil profissional, não mais ligado apenas à figura de uma moça da sociedade devotada ao apostolado social, mas, sim, ao portador da qualificação profissional, que mais tarde estará englobado na divisão social e técnica do trabalho, ainda que sofrendo as influências de todo o período de constituição da profissão. No Rio de Janeiro, a experiência de formação de quadros pela Escola de Serviço Social ocorre de modo diverso. Ali se concentravam a administração federal, a capital federal, era a maior cidade do país e detinha os maiores aparatos da Igreja Católica e dos grandes bancos, constituindo-se o grande centro nervoso da política e da economia no Brasil. Porém, diferentemente de São Paulo, no Rio de Janeiro, as instituições assistenciais apresentavam uma participação de órgãos públicos mais intensa, manifestada pelo Juízo de Menores e por personalidades do setor público nas áreas de saúde, assistência e sanitárias. Confira, a seguir, os principais marcos para o progresso do Serviço Social no Brasil. 1936 Em 1936, é registrado um importante marco, a Primeira Semana de Ação Social do Rio de Janeiro, formada por iniciativa da hierarquia e cúpula do movimento laico, do Grupo de Ação Social (GAS), e que teve por objetivo fazer um balanço da ação social desenvolvida até aquele momento, com foco no problema da formação e recrutamento de quadros de atuação profissional e nos problemas de habitação popular e legislação social. Fica clara a tutela estatal recomendada pela Igreja em relação à classe operária, ao mesmo tempo em que reclama liberdade de ação para o desenvolvimento das ações sociais, eventualmente subsidiadas pelo Estado. Ainda em 1936, é realizado no Rio de Janeiro o primeiro curso intensivo de Serviço Social, com duração de três meses, formado por palestras sobre temas sociais, legais, educacionais e médicos, focado na questão da infância abandonada. Em caráter complementar, foi realizado um curso prático de Serviço Social, ministrado por duas assistentes sociais recém-formadas na Bélgica. 1944 Finalmente, em 1944, é instituída a Escola de Serviço Social do Rio de Janeiro. 1947 Em 1947, quando acontece o I Congresso Brasileiro de Serviço Social, 14 escolas enviam representações: fica claro que a maioria das profissionais se formará sob influência da origem católica e contando com bolsas de estudo. Nas escolas instituídas nas demais regiões do país, após as de São Paulo e Rio de Janeiro, observa-se que passam a ter subsídio da Legião Brasileira de Assistência (LBA). Vamos entender agora a importância do surgimento das Escolas de Serviço Social. AS PIONEIRAS DO SERVIÇO SOCIAL NO PAÍS Foto: Shutterstock.com A formação das pioneiras do Serviço Social no Brasil tem sua origem no bloco católico e na ação caridosa de mulheres da sociedade, mas também na interrelação entre teoria e metodologia do Serviço Social com a doutrina social da Igreja e com o apostolado social; esses fatos marcaram a percepção profissional e suas formas de comportamento e de desempenho. A assistente social tinha como perfil ser uma pessoa da mais integral formação moral, com sólido preparo técnico, capacidade de devotamento e amor ao próximo. Além disso, deveria possuir: Inteligência Senso prático Desprendimento Modéstia Simpatia Bom humor Calma Capacidade de influenciar e convencer O último ponto é interessante na medida em que a forma autoritária e paternalista como o comportamento das pioneiras reaparece é traduzido e suavizado como se fossem qualidades, capazes de serem desempenhadas por uma pequena elite virtuosa, com a missão de redimir os elementos decaídos da sociedade. Nessa perspectiva moralizadora e julgadora, os problemas sociais e o capitalismo são vistos como ordem natural das coisas e as situações conflitivas e a luta de classes aparecerão como desvios. Tais desvios ocorrem por culpa da secularização da sociedade da crise moral, do paganismo, laicismo das instituições e até mesmo do socialismo. Trata-se de um julgamento moral que tem por base o esquecimento das bases materiais das relações sociais. Sob essa perspectiva, em discursos e práticas das pioneiras, a atuação sobre a questão social desenrola-se negando as transformações econômicas e sociais. O controle de quase todas as escolas de Serviço Social pela Igreja e a convivência no interior do bloco católico facilitam a atração e cooptação de vocações. Cria-se assim uma mística em torno da profissão, relacionada à formação de novos agentes da justiça social e da caridade. Essa caraterização contribui para obscurecer e dar aparência de qualidades profissionais ao que diz respeito a um projeto de classe. A adesão dos agentes profissionais a esse projeto e à visão de mundo da classe dominante é naturalizada como vocação e ação desinteressada, como se fosse um ato humanístico, despido de cidadania histórica e social, que serve para tutelar a relação com a população cliente e acaba por se encarregar de orientar o fazer profissional no sentido dos interesses da burguesia. Tanto na formação profissional quanto no discurso das pioneiras, é possível perceber que o Serviço Social surge em um momento em que o modo de produção capitalista determina a sociedade em que a Igreja está inserida, e, por conseguinte, a ideologia dominante não mais pertence à Igreja. A ideologia dominante é, agora, criada e difundida por grupos e classes sociais que detêm o monopólio dos meios de produção. Tanto assim que o tom dos discursos das encíclicas papais (Rerum Novarum e Quadragesimo Anno), que orientam a ação do apostolado laico, mostra-se pró-capitalista, na medida em que se opõe veementemente ao socialismo e suaviza a crítica ao capitalismo, limitando-a à questão dos excessos e abusos, vistos não como um efeito do modo de produção predatório, mas, sim, como problemas dos homens(e originados por eles), portanto passíveis de correção. Essa percepção e o esquema valorativo acompanharão as profissionais por um longo percurso do exercício profissional, sendo expresso inclusive durante o período de profissionalização do Serviço Social, nas instituições sociais assistenciais, durante a Era Vargas, como veremos adiante. SOCIALISMO javascript:void(0) javascript:void(0) “Os Socialistas, para curar este mal [exploração dos trabalhadores], instigam nos pobres o ódio invejoso contra os que possuem, e pretendem que toda a propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens dum indivíduo qualquer devem ser comuns a todos [...]. Mas semelhante teoria, longe de ser capaz de pôr termo ao conflito, prejudicaria o operário se fosse posta em prática. Pelo contrário, é sumamente injusta, por violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifício social” (LEÃO XIII, 1891: 3). QUESTÃO DOS EXCESSOS E ABUSOS “É coisa manifesta, como nos nossos tempos não só se amontoam riquezas, mas acumula-se um poder imenso e um verdadeiro despotismo econômico nas mãos de poucos. Este mesmo acumular de poderio gera três espécies de luta pelo predomínio: primeiro luta-se por alcançar o predomínio econômico; depois combate-se renhidamente por obter predomínio no governo da nação, a fim de poder abusar do seu nome, forças e autoridade nas lutas econômicas; enfim lutam os Estados entre si, empregando cada um deles a força e influência política para promover as vantagens econômicas dos seus cidadãos, ou ao contrário empregando as forças e predomínio econômico para resolver as questões políticas, que surgem entre as nações” (PIO XI, 1931: III, 1). VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. ASSINALE, DE ACORDO COM SUA COMPREENSÃO DO TEXTO, QUAL ALTERNATIVA DEFINE CORRETAMENTE A RELAÇÃO ESTABELECIDA ENTRE A IGREJA CATÓLICA E O SURGIMENTO DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL. A) O Serviço Social surge como resposta à questão social, sem qualquer influência da Igreja Católica. B) O Serviço Social surge como profissão decorrente exclusivamente do clamor do proletariado, contando com um apoio secundário da Igreja Católica. C) O Serviço Social surge como profissão apostolar, decorrente somente da vontade de ajudar o próximo, e daí se constitui a vinculação com a Igreja Católica. D) No Brasil, o Serviço Social surge como profissão a partir da iniciativa particular de grupos e segmentos sociais, representantes da classe dominante, que materializavam suas ações por meio da Igreja Católica. E) No Brasil, o Serviço Social surge como profissão por causa da requisição do empresariado, movido apenas pela necessidade de repressão e controle dos trabalhadores, com influência pouco significativa por parte da Igreja Católica. 2. A RESPEITO DAS PIONEIRAS DO SERVIÇO SOCIAL, QUAL ALTERNATIVA É CORRETA EM RELAÇÃO AO PERFIL PROFISSIONAL DE ASSISTENTE SOCIAL NA FASE DE CONSTITUIÇÃO DA PROFISSÃO? A) Capacidade de coerção, perfil aguerrido e desvinculado do apostolado católico. B) Capacidade de influenciar e convencer, sem parecer autoritária, formação moral íntegra e preparo técnico sólido. C) Bastava a capacidade de devotamento, amor ao próximo e disposição para fazer o bem. D) Rigidez de posição, distanciamento do outro, caráter julgador moral. E) Inteligência, neutralidade religiosa e senso prático. GABARITO 1. Assinale, de acordo com sua compreensão do texto, qual alternativa define corretamente a relação estabelecida entre a Igreja Católica e o surgimento do Serviço Social no Brasil. A alternativa "D " está correta. Não se pode perder de vista que a relação entre Igreja Católica e a burguesia empresarial da época era estreita e fundamentada pela adequação da classe trabalhadora em formação ao modo de produção capitalista, fatores que até hoje influenciam a profissão. 2. A respeito das pioneiras do Serviço Social, qual alternativa é correta em relação ao perfil profissional de assistente social na fase de constituição da profissão? A alternativa "B " está correta. As características profissionais demandadas pelas pioneiras são diretamente ligadas aos interesses de classe dominante da época (burguesia), com a atuação da Igreja Católica. Embora, hoje em dia, façamos a crítica a esse perfil profissional e às práticas por elas desenvolvidas naquele momento, a atuação das pioneiras foi fundamental para as etapas seguintes do desenvolvimento profissional, especialmente pelo esforço de sistematização da prática profissional. MÓDULO 2 Identificar o surgimento das primeiras instituições sociais assistenciais no país no contexto histórico da Era Vargas ERA VARGAS A caracterização do Serviço Social como profissão se consolida numa época bastante particular da história do país, chamada de Era Vargas, que compreende o período entre 1930 e 1945, durante o qual o presidente Getúlio Vargas governou ininterruptamente. As medidas socioeconômicas e políticas adotadas em seu governo, aliadas às mudanças ocorridas na sociedade brasileira, configuraram uma nova era na história do Brasil. Vargas foi alçado ao governo federal em decorrência da Revolução de 1930, que marcou a ruptura política com o regime anterior, denominado de República Velha. A Revolução de 1930 findou o domínio político da oligarquia cafeeira paulista, no comando federal, ocasionando o fim javascript:void(0) da chamada política do café com leite, na alusão entre a alternância de lideranças oligárquicas de São Paulo e Minas Gerais. Foto: Governo do Brasil / Wikimedia Commons / Domínio Público; Shutterstock.com Getúlio Vargas, cerca de 1930. GETÚLIO VARGAS “Getúlio Dornelles Vargas nasceu em São Borja (RS), em 1882. Bacharel pela Faculdade de Direito de Porto Alegre (1907), elegeu-se pelo Partido Republicano Rio Grandense. Deputado estadual, deputado federal e líder da bancada gaúcha, entre 1923 e 1926. Foi Ministro da Fazenda de Washington Luís (1926-27) e presidente do Rio Grande do Sul (1927-1930). Em 1929, candidatou-se à presidência da República na chapa oposicionista da Aliança Liberal. Derrotado, chefiou o movimento revolucionário de 1930, através do qual assumiu em novembro deste mesmo ano. [Em 24 agosto de 1954,] Vargas se viu confrontado com a eminência da renúncia ou deposição, e suicidou-se com um tiro no coração, deixando uma carta-testamento em que acusava os inimigos da nação como os responsáveis por seu suicídio” (FGV, 2001). O período do governo Vargas foi dividido nas seguintes fases: Foto: Desconhecido / Wikimedia Commons / Domínio Público; Shutterstock.com Juarez Távora, Getúlio Vargas e o então interventor da Bahia, Juracy Magalhães, um ano após a vitória da Revolução de 1930. 1930-1934 – GOVERNO PROVISÓRIO Período no qual ocorreu a reorganização do Estado nacional e de preparação para uma nova Constituição. Setores privilegiados de São Paulo, em especial da indústria, ressentiram-se da demora de efetivação de uma nova Constituição e se voltaram contra o governo Vargas, fato que desencadeou a Revolução Constitucionalista de 1932. Essa revolução contribuiu significativamente para que uma nova Constituição fosse promulgada, em função de sua repercussão e pressão exercida à época. 1934-1937 – GOVERNO CONSTITUCIONAL Marcado pela efetivação da Constituição e pela manutenção de um regime de governo democrático-liberal. Nesse período, houve conflitos entre diferentes forças políticas daquele momento histórico. Havia uma polarização entre comunistas e integralistas e um franco embate entre o governo Vargas e os comunistas. Essa oposição gerou a chamada Intentona Comunista de 1935, movimento severamente reprimido com prisões, violência e perda de direitos, servindo como justificativa para que Vargas empreendesse um novo golpe de Estado. Foto: Desconhecido / Wikimedia Commons / Domínio Público; Shutterstock.com Vargas e Franklin D. Roosevelt, presidente dos Estados Unidos. Foto: Desconhecido / Wikimedia Commons / Domínio Público; Shutterstock.com Propaganda do Estado Novo, mostrando Getúlio Vargas ao lado de crianças, símbolos do futuro do Brasil. 1937-1945 – ESTADO NOVO Período caracterizado pelo fechamento do Congresso Nacional em 1937 e imposição de uma nova Constituição. O período do Estado Novo foi construído sob as bases da ditadura varguista, que foi fortemente influenciada pelo movimento fascista que vigorava na Europa naquele tempo. O encerramento dessa fase do governo Vargas ocorreu ao mesmo tempo em que terminava a Segunda Guerra Mundial, tendo em vista não haver mais sustentação possível após 15 anos de exercício no poder. Uma das principais características da Era Vargas foi o esforço empreendido para o enquadramento da sociedade brasileira aos moldes capitalistas, em especial quanto ao investimento para industrialização da economia nacional. Para que houvesse o fortalecimento do capitalismo no país, era o Estado o ente quem detinha o potencial econômico, capaz de levar adiante tal missão, visto que a burguesia brasileira ainda era bastante incipiente frente à carga necessária de investimentos. Assim, o Estado seguiu seu plano de criação de condições gerais de produção para a industrialização brasileira, abarcando representantes da burguesia em seus cargos gestores, compondo um projeto comum de expansão das atividades produtivas, de acumulação e de dominação. Contudo, para o sucesso desse conjunto de estratégias de governo, era necessário atribuir uma falsa noção de harmonia social, que foi construída com a adoção de legislações que garantiam alguns direitos à classe trabalhadora, e, ainda, com o controle da ação sindical pelo Estado (buscando conter a luta de classes). Os principais marcos da época, que ilustram a estratégia de garantias de direitos à classe trabalhadora em formação no Brasil, foram: Criação do Ministério do Trabalho, em 1930. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943. Assim estava, resumidamente, configurado o que ficou conhecido como Estado Corporativista de Vargas. Ainda na análise da estrutura montada para viabilização e fortalecimento do governo Vargas, duas instituições assumiram destaque: 1 Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), criado para formar quadros de funcionários públicos. 2 Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), responsável pela garantia da censura à imprensa e à expressão artística (estratégia muito comum aos governos ditatoriais) e pela realização da publicidade do governo, difundindo seu ideário e formando a opinião pública de acordo com seus interesses. No cenário mundial, fatos importantes contribuíram para o encerramento da Era Vargas. CONFIRA Um acontecimento, por exemplo, foi a luta contra as ditaduras na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial. Tal fato ocasionava uma contradição interna no Brasil, que apontava como via de resolução o fim do governo ditatorial instaurado no país. A conjuntura política e a pressão javascript:void(0) militar fizeram com que Getúlio Vargas renunciasse ao governo em 1945, pondo fim à Era Vargas, que durou 15 anos. Seis anos depois, em 1951, Vargas retornou à presidência do Brasil, por meio de eleições diretas. Sua campanha foi baseada em forte discurso nacionalista e na promessa de ampliação do processo de industrialização, com destaque à campanha nacional O Petróleo é Nosso e à criação da Petrobras. Embora tenha sido exitoso em reassumir o poder, Vargas enfrentou forte oposição, encabeçada pela União Democrática Nacional (UDN) e por Carlos Lacerda, que criaram um ambiente de governo insustentável para Vargas, que se suicidou em agosto de 1954, deixando uma carta na qual afirmava que saía da vida para entrar na História. Ficou conhecido pela parte apoiadora da população como Pai dos Pobres, em função das legislações trabalhistas, e pela parte dissidente da população como Mãe dos Ricos, pela estrutura montada pelo Estado para expansão do projeto de exploração e dominação capitalista. Como tais considerações históricas convergem para a profissionalização do Serviço Social? PRIMEIRAS INSTITUIÇÕES SOCIAIS E PROFISSIONALIZAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL As instituições assistenciais, assim como as previdenciárias, começaram a surgir no Brasil a partir de 1920, pela ação do Estado, com bastante ênfase. Até mesmo na República Velha se registravam ações estatais de cunho reformista, com objetivo de responder à pressão das novas forças sociais urbanas, que terminavam por coagir a sociedade civil. Contudo, o desenvolvimento dessa política só se torna mais dinâmico na década de 1930, com o Estado Novo. Essas ações nada mais são que respostas à necessidade do processo de industrialização e enquadramento da classe trabalhadora urbana às requisições impostas para consolidação e aprofundamento do modo de produção capitalista no Brasil. As primeiras instituições apresentavam características marcantes, sendo a principal o 'abarcamento previdenciário estatal às principais categorias de trabalhadores assalariados urbanos. Essa medida permitia a atuação ampliada sobre as mazelas da exploração capitalista e mantinha intocadas as condições inerentes a essa exploração, atenuando a'penas seus aspectos mais gritantes, no campo das aposentadorias, pensões, assistência médica, lazer e moradia, amparando indiretamente aqueles que estavam no processo ativo de trabalho e mais diretamente os que já se encontravam exauridos ou mutilados. Imagem: Shutterstock.com As maiores instituições assistenciais do Brasil, em especial institutos e caixas de aposentadoria e pensão, não incorporaram assistentes sociais como trabalhadores sociais especializados em um primeiro momento. Isso ocorreu pelo fato de que, em suas pesadas hierarquias, já contavam com uma estrutura que possuía outros agentes institucionais desempenhando funções assemelhadas às de assistentes sociais, além do intenso jogo de interesses políticos e corporativos nas instituições, retardando a incorporação mais rápida e ampla de assistentes sociais. No cenário mundial, com o fim da Segunda Guerra Mundial, avançam as medidas assistenciais generalizadas, como o Plano Beveridge, na Inglaterra. O PLANO BEVERIDGE DE SEGURIDADE SOCIAL EXPOSTO NO RELATÓRIO SOBRE SEGURO SOCIAL E SERVIÇOS AFINS (REPORT ON SOCIAL INSURANCE AND ALLIED SERVICES), APRESENTADO AO PARLAMENTO BRITÂNICO EM 1942, CONSTITUIU UM DOS PILARES DO WELFARE STATE. ESSE PLANO, EM VISTA DE SUA RELEVÂNCIA HISTÓRICA, PRINCIPALMENTE NO QUE SE REFERE AOS ESTUDOS SOBRE POLÍTICA SOCIAL, CONFIGURA-SE COMO UM OBJETO QUE EXIGE ANÁLISE MINUCIOSA. ELE NÃO FOI DESENVOLVIDO EM UM CENÁRIO QUALQUER [...], MAS EM CONDIÇÕES HISTÓRICAS ESPECÍFICAS QUE ENVOLVEM O CONTEXTO DO PERÍODO ENTREGUERRAS, COM O APROFUNDAMENTO DA QUESTÃO SOCIAL E O FORTALECIMENTO DE DEMANDAS POR MELHORIAS NAS FORMAS DE PROTEÇÃO SOCIAL. (COSTA, 2019, p. 59) Trata-se de articular benefícios assistenciais como forma de dominação e enquadramento político, usando as instituições sociais e assistenciais (e suas práticas assistencialistas) como instrumento. Com efeito, os Círculos Operários e suas outras formas de organização são enfraquecidas e se cria um ambiente favorável ao surgimento de instituições assistenciais até hoje representativas no Brasil, como, por exemplo, o Serviço Social da Indústria (SESI). Imagem: Chronus / Wikimedia Commons / Domínio Público Logo Sesi - Serviço Social da Indústria Já as primeiras experiências de eleições democráticas após o término da Era Vargas, entre 1945 e 1946, deram ao Partido Comunista uma votação expressiva, fator que contribuiu para o surgimento de outras instituições, como, por exemplo, a Fundação Leão XIII, no Rio de Janeiro. Justamente essas entidades que primeiro absorverão de forma contínua a mão de obra especializada de assistentes sociais, para atuação direta com a população carente e marginalizada. A criação de tais instituições sociais e assistenciais proporcionacondições crescentes de mercado de trabalho para profissões de cunho social, estimulando o desenvolvimento rápido do ensino especializado de Serviço Social, fator que legitima a profissão e seus profissionais. A PROFISSÃO DE ASSISTENTE SOCIAL APENAS PODE SE CONSOLIDAR E ROMPER O ESTREITO QUADRO DE SUA ORIGEM NO BLOCO CATÓLICO A PARTIR DO MERCADO DE TRABALHO QUE SE ABRE COM AQUELAS ENTIDADES [...]. O ASSISTENTE SOCIAL APARECERÁ COMO UMA CATEGORIA DE ASSALARIADOS – QUADROS MÉDIOS CUJA PRINCIPAL INSTÂNCIA MANDATÁRIA SERÁ, DIRETA OU INDIRETAMENTE, O ESTADO. O SIGNIFICADO SOCIAL DO SERVIÇO SOCIAL PODE SER APREENDIDO GLOBALMENTE APENAS EM SUA RELAÇÃO COM AS POLÍTICAS SOCIAIS DO ESTADO, IMPLEMENTADAS PELAS ENTIDADES SOCIAIS E ASSISTENCIAIS. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1991, P. 315) Sob o ponto de vista da formação profissional, note que as grandes instituições assistenciais se desenvolvem em um momento no qual o Serviço Social ainda caminhava no começo de seu processo de construção de conhecimentos, métodos e técnicas, embora já figurasse como uma profissão legitimada na divisão social do trabalho e com uma demanda profissional definida. Nessa fase, a atividade profissional ainda era profundamente marcada e ligada à sua origem católica e aos segmentos de classe que dominavam o ensino e a prática do Serviço Social no Brasil. ATENÇÃO Observa-se um deslocamento da atuação profissional da forma mais anterior, assistencial e implementada pela Igreja, para uma forma mais atualizada, na medida em que foi institucionalizada e legitimada pelo Estado e pelo conjunto do bloco dominante. As escolas de formação em Serviço Social contribuem para alargar a base social de recrutamento de profissionais em formação, na medida em que, além das jovens católicas, outros segmentos da sociedade passam a ser absorvidos pelas áreas de formação na profissão, como a pequena burguesia e setores médios da sociedade. Aos poucos, como se torna uma atividade remunerada, os setores subalternos também são absorvidos pela profissão, embora se guarde, no conteúdo de formação profissional e dos métodos de intervenção, seu preceito ideológico de classes dominantes. Gradativamente, o Serviço Social também deixa de ser uma forma de distribuição controlada da pouca caridade realizada pelos setores mais abastados da sociedade. Ele assume o papel de importante peça na estrutura de execução das políticas sociais do Estado e de corporações empresariais, utilizando um forte componente profissional voltado para enquadramento da população-alvo das ações ao seu discurso ainda marcado pelo aspecto moralizador das protoformas da profissão. Imagem: Shutterstock.com Esse discurso e a prática não se voltavam apenas para aquela parcela da população mais pobre, que mais demandava a assistência material do Estado, mas também sob o viés da educação, voltada aos usuários considerados de comportamento desviante, ou seja, aqueles que, de alguma maneira, ameaçavam a ordem do sistema vigente. Nesse novo estágio da profissão, cabe ao Serviço Social selecionar e manter em acompanhamento e controle constantes os usuários e suas famílias, sob a égide do paternalismo institucional, compreendendo os auxílios materiais fora da escala de direitos (são tidos como concessões) e os atendimentos em geral, sob perspectiva de controle e disseminação ideológica da classe dominante. Para além dessas questões do Serviço Social à época, emerge também o caráter psicologizante das abordagens, expressos especialmente nas atividades empreendidas no campo da pesquisa social, tendo por base uma escala teórica de desajustamentos biopsicossociais, promovendo a classificação dos indivíduos, reiterando o viés moralizador, de enquadramento da clientela e de visão que o problema apresentado passa longe de ser considerado estrutural; ele ocorre por culpa ou falha do sujeito. Apesar de todas as contradições e críticas, nesse diapasão, a prática institucional do Serviço Social serve para seu desenvolvimento profissional e da força de trabalho em geral, conforme inferem Iamamoto e Carvalho: MUITO MAIS QUE A PRESTAÇÃO DE AJUDA OU SERVIÇOS ASSISTENCIAIS – OS QUAIS, APESAR DE SEU CONTEÚDO PERVERSO, AUXILIAM E SUBSIDIAM OBJETIVAMENTE A SOBREVIVÊNCIA E REPRODUÇÃO DA FORÇA DE TRABALHO – O SERVIÇO SOCIAL, ISTO É, A PRÁTICA INSTITUCIONAL DO SERVIÇO SOCIAL SE VINCULA E APARECE COMO ASPECTO DE UM PROJETO MAIS AMPLO. ESTE PROJETO SE ARTICULA ATRAVÉS DO CONJUNTO DAS PRÁTICAS INSTITUCIONAIS ENGLOBADAS NUMA ESTRATÉGIA DE HEGEMONIA, EM QUE O ESTADO (A PARTIR DO SURGIMENTO E DESENVOLVIMENTO DAS GRANDES INSTITUIÇÕES SOCIAIS E ASSISTENCIAIS NA DÉCADA DE 1920) ASSUME PAULATINAMENTE UM CONTROLE CRESCENTE. (IAMAMOTO; CARVALHO, 1991, p. 327) Seguindo o conteúdo preventista e educativo, a profissão encontrará um campo propício para a afirmação de seu status profissional, experimentando significativo desenvolvimento da parte teórica e prática, na medida em que é elevada ao nível de disciplina e tem seus agentes especializados integrados em equipes multiprofissionais. Com o estímulo de tantas mudanças e de adoção de um novo instrumental, diferentemente do ponto de vista teórico e metodológico, os assistentes sociais procurarão afirmar o status teórico da profissão e apagar o estigma do agente benévolo e autoritário, bem como do agente intermediário entre a clientela e o agente principal da instituição, abrindo horizontes para novas atualizações da profissão, que vão se consolidar com as discussões profissionais que se seguirão nos congressos profissionais e durante o período desenvolvimentista do país, como veremos adiante. Conheceremos um pouco mais sobre as primeiras Instituições Assistenciais do Brasil. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. DE ACORDO COM O TEXTO, QUAL A CONEXÃO MAIS ACERTADA EM RELAÇÃO À PROFISSIONALIZAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL E O SURGIMENTO DAS PRIMEIRAS INSTITUIÇÕES SOCIAIS E ASSISTENCIAIS? A) Com o processo de industrialização, emerge a necessidade de maior controle da massa de trabalhadores e administração das mazelas sociais, decorrentes da implantação do modo de produção capitalista. Assim, o Serviço Social tem sua mão de obra absorvida pelas instituições destinadas a lidar com a parcela marginalizada da sociedade, ainda que não imediatamente. B) Na verdade não há uma conexão identificada, uma vez que tanto o surgimento das primeiras instituições sociais e assistenciais quanto a profissionalização do Serviço Social são processos absolutamente distintos e ocorridos em épocas diferentes, portanto totalmente independentes. C) A conexão entre a profissionalização do Serviço Social e o surgimento das primeiras instituições reside no fato de que imediatamente as instituições assistenciais e sociais abarcaram a mão de obra especializada de assistentes sociais. D) Primeiro ocorreu a profissionalização do Serviço Social e, posteriormente, surgiram as instituições assistenciais, espaços nos quais os assistentes sociais foram desde sempre os agentes privilegiados, em termos de atuação profissional. E) A conexão entre o surgimento das primeiras instituições assistenciais e sociais e a profissionalização do Serviço Social passa pelo fato de os círculos operários exigirem que houvesse atuação de assistentes sociais para atender a classe trabalhadora e suas famílias. 2. QUAIS OS FATORES PREPONDERANTES PARA CONSOLIDAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NOS PRIMÓRDIOS DA PROFISSÃO? A) Permanência e atualização da vinculação original da profissão com o bloco católico. B) Manutenção do forte viés apostolar e amor ao próximo como únicas bases profissionais. C) Abertura de mercado de trabalho e relação de assalariamento. D) Desvinculação do bloco católico para vinculação direta ao movimento operário. E) Compromisso de ação apostolar, desinteressada e voluntária. GABARITO 1. De acordo com o texto, qual a conexão mais acertada em relação à profissionalização do Serviço Social e o surgimento das primeiras instituições sociais e assistenciais? A alternativa"A " está correta. A incorporação do Serviço Social como profissão no âmbito das primeiras instituições sociais e assistenciais já existentes não aconteceu imediatamente, em função da pesada burocracia e hierarquia já constituída no interior desses organismos. 2. Quais os fatores preponderantes para consolidação do Serviço Social nos primórdios da profissão? A alternativa "C " está correta. A abertura do mercado de trabalho e o estabelecimento de relação de assalariamento foram fundamentais para profissionalização do Serviço Social. Contudo, tanto em relação à prática quanto em relação à formação profissional, segue ainda profundamente influenciada pela Igreja Católica, pela iniciativa privada e pelos setores dominantes da sociedade. MÓDULO 3 Compreender o desenvolvimentismo no Brasil e a expansão do Serviço Social entre 1945 e 1961 CONTEXTUALIZANDO O DESENVOLVIMENTISMO NO BRASIL O desenvolvimentismo ocorre principalmente no governo de Juscelino Kubitschek (1956- 1961) a partir de um plano de metas, que basicamente visava o desenvolvimento do país a fim de atrair indústrias estrangeiras para auxiliar na questão econômica, na geração de empregos e no aumento da qualidade de vida, embora este último intento não tenha ocorrido como planejado. Aliado ao discurso desenvolvimentista, havia um forte discurso nacionalista, herdado do populismo da Era Vargas. javascript:void(0) Foto: Governo do Brasil / Wikimedia Commons / Domínio Público; Shutterstock.com Foto oficial de Juscelino Kubitschek, presidente do Brasil entre 1956 e 1961. JUSCELINO KUBITSCHEK “Juscelino Kubitschek de Oliveira nasceu em Diamantina (MG) no dia 12 de setembro de 1902 [...]. Em 1950, Getúlio Vargas elegeu-se presidente da República e Juscelino Kubitschek conquistou o governo mineiro. Em 31 de janeiro de 1951, ambos tomaram posse nos cargos para os quais haviam sido eleitos. [Assumiu] a presidência da República em 31 de janeiro de 1956 [...], e, em 21 de abril de 1960, Kubitschek declarou inaugurada a nova capital, Brasília. [...] Em 31 de janeiro de 1961, Kubitschek transmitiu o poder a Jânio Quadros. [...] Em 22 de agosto de 1976, faleceu, vítima de desastre sofrido na via Dutra, nas proximidades de Resende, RJ” (FGV, 2001). Em linhas gerais, a ideologia desenvolvimentista se define pela busca da expansão econômica, no sentido de prosperidade, riqueza, grandeza material e soberania nacional, com a adoção de uma política econômica que elimine, como consequência, o pauperismo, a miséria, elevando o nível de vida da população como consequência direta do crescimento econômico. Tal expansão econômica prometida visava à expansão do próprio sistema capitalista global e, para tanto, deveria cuidar também da manutenção da ordem social vigente, compreendendo a paz social e manutenção da ordem como ausência de questionamentos ao sistema (perfeita integração, não questionada). A tônica embasada nas questões econômicas para todas as leituras e respostas sobre a realidade social figura como fator preponderante para que a ideologia desenvolvimentista tardasse a se aproximar do Serviço Social. MARCOS PROFISSIONAIS EM BUSCA DE ATUALIZAÇÃO Foto: Shutterstock.com O cenário político e econômico nacional desenhado pelo desenvolvimentismo empreende mudanças também no interior do Serviço Social. A implantação da profissão, o desenvolvimento e sua legitimação são centrados na demanda social. Considerando a quase inexistência de uma demanda a partir dos setores da população, a prática dos assistentes sociais é marcada pelo caráter de imposição, advinda do Estado e das classes dominantes, para reprodução da força de trabalho. Com o passar dos anos, a secularização (compreendida como passagem do domínio religioso para o domínio leigo), e a base de recrutamento da profissão abarcando setores das camadas subalternas, houve a ultrapassagem do bloco católico, embora a profissão siga marcada por essa importante influência; além disso, tem a constante necessidade de reafirmar seu status como profissão e legitimar-se perante a população usuária e perante seus empregadores. Tais necessidades convergem para a realização de grandes encontros e seminários profissionais, como resposta da categoria, a fim de construir suas estratégias profissionais em bloco para aquele momento. Emerge a necessidade de autojustificação profissional nas esferas de definição de suas funções específicas e a realização e participação nos congressos profissionais também serve para esse fim, visto que tais reuniões contavam com a participação de delegados do meio profissional, das escolas especializadas, das entidades assistências públicas e privadas, do Estado e da intelectualidade a serviço das classes dominantes e da Igreja e do empresariado. Assim, ocorria a atualização da profissão e do seu objeto, métodos e técnicas em relação aos principais problemas sociais daquela conjuntura, no período entre 1941 e 1961, conforme o quadro: I CONGRESSO INTERAMERICANO DE SERVIÇO SOCIAL – ATLANTIC CITY (EUA) – 1941 Marca uma nova hegemonia internacional, afirmando a influência norte-americana no Serviço Social latino-americano. I CONGRESSO PAN-AMERICANO DE SERVIÇO SOCIAL – CHILE – 1945 Caráter de oficialidade e presença de diversas delegações. Continuidade também em relação ao I Congresso Interamericano de Serviço Social. I CONGRESSO BRASILEIRO DE SERVIÇO SOCIAL – SÃO PAULO – 1947 Promovido pelo CEAS. Foi o primeiro grande encontro da profissão e teve caráter preparatório para o II Congresso Pan-americano de Serviço Social. II CONGRESSO PAN-AMERICANO DE SERVIÇO SOCIAL – RIO DE JANEIRO – 1949 Diferente dos encontros nacionais, passa a ter um tema específico, no lugar de uma multiplicidade de temas relativos às expressões das questões sociais. II CONGRESSO BRASILEIRO DE SERVIÇO SOCIAL – RIO DE JANEIRO – 1961 Intervalo de 14 anos em relação ao I Congresso, ocorrido em conjuntura bastante diferente, decorrente de mais de uma década de desenvolvimentismo. Apresentou caráter preparatório para a XI Conferência Internacional de Serviço Social, em Petrópolis (1962). Fonte: Isabel Cristina Silva Marques Paltrinieri. A cada congresso, eram estabelecidas tônicas ou temáticas e prevalências de posições políticas e ideológicas, relacionadas à conjuntura nacional, às instituições e às relações sociais de modo mais abrangente. Com relação ao estabelecimento de temáticas, observa-se que, no I Congresso Brasileiro de Serviço Social, havia ausência de uma temática central, expressando que o meio profissional, ainda bastante restrito, voltava suas preocupações para frentes diversas e pulverizadas. Tal cenário se explica como reflexo da situação social do Brasil, considerando a expansão do aparato assistencial desenvolvido pelo Estado Novo e pelas corporações empresariais. A expansão em questão decorre da necessidade de absorver as pressões desencadeadas pelos novos setores urbanos, que atingem níveis de crescimento acelerado, por causa do avanço da industrialização e urbanização nacional. Com esse registro de crescimento econômico, crescem também as sequelas mais severas, decorrentes da exploração do modo de produção capitalista sobre o proletariado urbano. É com esse arcabouço assistencial autoritário e paternalista que o Serviço Social consolida suas experiências mais representativas, lembrando que tal herança decorre de anos de ditadura, administrados pelo empresariado e pelo Estado. Nos congressos seguintes, embora pouco se registrem inovações, são definidas novas qualidades para os assistentes sociais (voltadas ao equilíbrio psíquico e afetivo), a fim de eliminar conflitos e não os criar, fixando seu caráter de utilizador de bases científicas. Foto: Shutterstock.com Além disso, afirma-se o caráter fundamental do Serviço Social com relação aos casos individuais, integridade da vida familiar e entrevista como principal instrumento de trabalho. Registra-se também a maior solicitação paraos métodos de grupo e comunidade, além da preparação do Serviço Social para atuação no meio rural. Tais ações eram facilitadas pela incidência do Estado sobre a profissão, já que o Estado figurava como principal empregador dos assistentes sociais. Note que havia uma estratégia de acumulação de forças e manutenção de posições pela Igreja Católica, uma vez que os intelectuais e burocratas que participavam destes encontros tinham uma ligação direta com o movimento católico ou com grupos católicos de extrema direita. IDEOLOGIA DESENVOLVIMENTISTA E EXPANSÃO PROFISSIONAL A década de 1960 representa um marco importante na expansão do Serviço Social. As transformações profissionais registradas têm como pano de fundo o desenvolvimentismo no cenário nacional, fato que influencia diretamente os caminhos da profissão. No decorrer desses anos, a profissão sofrerá acentuadas transformações, apreendidas como modernização. Esse processo de modernização atinge os agentes profissionais, o corpo teórico da profissão, os métodos e as técnicas, e a ampliação das funções exercidas pelos assistentes sociais. Imagem: Maria Silva 14 / Wikimedia Commons / CC BY-SA 4.0 Logo do Serviço Social Assim, se na década de 1940 e metade da década de 1950, a economia nacional apresenta taxas de crescimento positivas, em grande parte decorrentes da melhoria das relações de intercâmbio internacionais, aliadas a medidas econômicas que visavam o aprofundamento da industrialização, nos anos seguintes, há uma mudança de cenário. Essa equação começa a deixar de funcionar a partir de 1955, com a reversão dessas tendências positivas, marcadas pela deterioração das relações de troca, pelo esgotamento das reservas em moeda forte e aumento da dívida externa. Desse modo, ocorrem lutas no sentido de viabilizar estratégias favoráveis à expansão econômica, sem abandono dos marcos do capitalismo dependente da economia internacional, o que fundamenta a ideologia desenvolvimentista no Brasil. A estratégia que associa a política de massas getulista à abertura para internacionalização da economia brasileira, serve como suporte ideal para a eleição de JK como presidente da República e estabelece o desenvolvimentismo como ideologia dominante. LEIA MAIS Basicamente, trata-se da proposta de crescimento acelerado, continuado e autossustentado da economia nacional, com a necessidade de superação do estágio de subdesenvolvimento e atraso. A meta da ideologia desenvolvimentista é atingir a prosperidade, a grandeza material da nação, a soberania nacional, mantendo a paz e a ordem social; para isso, resgatando a javascript:void(0) riqueza nacional já existente, que se encontrava adormecida. Tal resgate ocorrerá pela ideologia em questão, com o uso de planejamento e estratégias políticas econômicas adequadas e com o trabalho constante. Ao estabelecermos um olhar mais apurado para a relação entre o desenvolvimentismo e o Serviço Social, percebemos que até o final da década de 1950 a profissão ficará alheia à ideologia desenvolvimentista. Embora seja a ideologia dominante no país, o desenvolvimentismo do governo JK subordina a resolução de todos os problemas ao da expansão econômica, trazendo problemas à incorporação dessa ideologia pelo Serviço Social: 1 O social aparece em diversos campos nos quais se subdivide, como variável dependente. 2 Todas as políticas sociais têm por eixo a potencialização do desenvolvimento econômico. 3 A perspectiva de integração das massas marginalizadas através das políticas sociais é marcada pelos esforços da política econômica, restringindo o espaço de atuação profissional para um reforço da ação assistencial (caráter restritivo, contrário ao da ampliação vislumbrada pela profissão). Assim, os assistentes sociais viviam um período no qual consolidavam importantes posições e campos de atuação no interior do equipamento social e assistencial, e não se sentiam impelidos a reciclar-se e adequar-se àquela ideologia dominante (sem contar com o choque entre o apelo à participação da massa trabalhadora – herança da política de massas do getulismo e a tendência conservadora do Serviço Social, apoiada pela posição da Igreja naquele momento). As únicas áreas que expressavam essa preocupação no meio profissional eram as ligadas ao método de Desenvolvimento de Comunidade (DC) e Desenvolvimento e Organização de Comunidade (DOC). Embora o Serviço Social se mantivesse relativamente alheio ao desenvolvimentismo, beneficiava-se dele pelas questões da expansão econômica e das novas pressões pela ampliação de seu consumo, desencadeadas pelas classes subordinadas, bem como pela absorção e pelo aprofundamento de novas experiências, que contribuíram para a institucionalização da profissão, pela via do mercado de trabalho. javascript:void(0) DESENVOLVIMENTO DE COMUNIDADE (DC) Em linhas gerais, o DC se baseia em técnicas de desenvolvimento das comunidades e persegue a modernização da agricultura brasileira, tendo por estratégia a educação de adultos, buscando a solidificação como nova opção de política social para atuar nos meios sociais marginalizados pelo desenvolvimento econômico. No plano do ensino, a influência norte-americana é aprofundada, voltando o foco da atuação do Serviço Social para o tratamento dos desajustamentos psicossociais, nas linhas da Psicologia e Psiquiatria. Imagem: Shutterstock.com O Serviço Social de Grupo, até a década de 1950, vinha sendo utilizado de forma tradicional (recreação e educação), e, a partir de então, começa a fazer parte dos programas nacionais do SESI, LBA, SESC, em diversos campos, como hospitais, favelas e escolas. Na década de 1960, há uma generalização de abordagem que relaciona estudos psicossociais do participante com os problemas da estrutura social e utilização de técnicas de dinâmica de grupo. As iniciativas vinculadas ao Desenvolvimento de Comunidade apresentam franco desenvolvimento nesse período, registrando-se o surgimento de uma série de organismos e a realização de seminários importantes, inspirados na experiência norte-americana. A descoberta do desenvolvimentismo pelo Serviço Social tem, no II Congresso Brasileiro de Serviço Social, um marco significativo. Após 14 anos da realização do I Congresso e mais de uma década de desenvolvimentismo, com a vitória de Jânio Quadros em 1961, descortinava-se para o Serviço Social uma possibilidade de recomeço no sentido de atualização profissional. A mudança em questão se baseia na preocupação central do projeto desenvolvimentista janista, focado na formação de uma nação forte, com um povo forte e uma economia globalmente forte, com uma atenção especial voltada ao social, cuja meta prioritária é o homem e não o crescimento econômico em si. PROJETO DESENVOLVIMENTISTA JANISTA A ideologia desenvolvimentista da era janista tinha como fundamento a diminuição da pobreza para que a democracia se fizesse no plano econômico e a nação pudesse constituir um todo harmônico e equilibrado, a fim de que fosse atingido um desenvolvimento nacional integral e equilibrado. A política janista previa também uma Reforma Institucional, atingindo as instituições legais, e o regime de propriedade privada, abrangendo aquelas cujo subaproveitamento produtivo fossem responsáveis pela marginalização social, econômica e política de amplas parcelas da população, servido como justificativa para as desapropriações engendradas pelo Estado, com o argumento do interesse social. Essa nuance atualizada exibe a crítica ao modelo de crescimento econômico proposto no governo anterior, visto que marginalizava ainda mais os setores sociais atingidos pela pobreza, aumentando as disparidades entre renda, nível de vida e questões regionais. Neste contexto, o II Congresso Brasileiro de Serviço Social aparece como um exemplo bastante claro de uma estratégia de atualização em relação às ideias que agitam os setores dominantes, bem como às demandas colocadas ao Serviço Social. A vitória dopopulismo de direita, em aliança com forças mais conservadoras da sociedade, contribui para que o Serviço Social procure sintonizar seu discurso e método com as preocupações das classes dominantes e do Estado em relação à evolução da questão social. javascript:void(0) Nas discussões do II Congresso, são apontadas questões relacionadas às novas concepções político-sociais e as responsabilidades do Serviço Social diante do processo de industrialização, que, para melhor desempenho por parte do meio profissional, resultam em preparos centrados na formação profissional para assumir tais responsabilidades. Contudo, perdura a perspectiva profissional de modernização, ou seja, modificam-se estilos de atuação profissional, mas fundamentalmente sem alterações estruturais significativas, seguindo a facilitação do movimento do capital e a permanência das relações sociais capitalistas. Observa-se a adesão ao desenvolvimento de métodos considerados adequados, adotam-se novos ideólogos, são celebradas novas perspectivas para atuação sobre a questão social, o discurso profissional é alterado com a integração de uma série de novas categorias como demonstração de sua nova racionalidade (uso de produtividade, programação de atividades, racionalização de recursos etc.), mas tais transformações acabam ficando na superfície da estrutura profissional do Serviço Social, mantendo-se, entre outras heranças, a população cliente como objeto de atuação profissional e nunca como sujeito dessa relação. O período desenvolvimentista chega ao seu ocaso com a crise do “milagre econômico”, fazendo com que parcelas da categoria passem a questionar o conteúdo de sua prática. Os setores médios da sociedade são levados a se organizar na defesa de seus interesses corporativos, estimulando o reaparecimento dos movimentos sociais reivindicatórios, inclusive com apoio de setores da Igreja, que se posicionam a favor dos oprimidos. Todo esse conjunto de fatores e contradições sociais faz com que a categoria profissional se ocupe, posteriormente, em aprofundar o questionamento da prática profissional, espaço que será permeado por vertentes mais tradicionalistas, outras modernizadoras e reformistas e outras mais críticas, questionadoras, apontando no sentido futuro do Movimento de Reconceituação Profissional. Nesse sentido, podemos falar (NETTO, 1996) em uma erosão do Serviço Social “tradicional” no Brasil, que ajuda a entender as etapas seguintes do desenvolvimento da profissão no país. Portanto, destacam-se cinco fatores relacionados entre si que contribuíram significativamente para o processo de erosão das formas tradicionais da profissão: FATOR 1 FATOR 2 FATOR 3 FATOR 4 FATOR 5 FATOR 1 O amadurecimento dos setores do Serviço Social, ocorrido na troca com outros agentes, como equipes multiprofissionais, usuários, movimentos e grupos sociais organizados e agentes do aparelho estatal. FATOR 2 A desvinculação do Serviço Social de grupos da Igreja Católica mais conservadores. FATOR 3 O surgimento de segmentos católicos considerados mais progressistas e de uma ala de esquerda católica, com militância política ativa. FATOR 4 A organização do movimento estudantil em Serviço Social no interior das escolas de Serviço Social, bem como sua interface direta com a Juventude Universitária Católica (JUC). FATOR 5 O referencial centrado nas ciências sociais da época (pelo menos em sua maioria), fortemente marcado por dimensões críticas e nacional-populares. Todos esses fatores influenciaram o passo seguinte do trajeto do Serviço Social, voltado para o Desenvolvimento de Comunidades, em suas três vertentes, marcadas pelas seguintes características: Imagem: Shutterstock.com Utilização metodológica de Desenvolvimento de Comunidade, mantendo procedimentos, representações e lógicas tradicionais. Imagem: Shutterstock.com Compreensão do Desenvolvimento de Comunidade em uma lógica macrossocietária, considerando mudanças na estrutura social e econômica da sociedade, mas sempre no modo de produção capitalista. Imagem: Shutterstock.com Concepção do Desenvolvimento de Comunidade passando necessariamente pela transformação social de modo profundo, condicionado à libertação social das classes e camadas subalternas. Desse modo, o período histórico seguinte, do golpe militar, afetará severamente o processo democrático no país e, consequentemente, a profissão, indicando novos caminhos e outras perspectivas de resistência e lutas sociais, no sentido da redemocratização nacional e de reconceituação profissional, pelo menos no que se refere a uma intenção de ruptura com as antigas formas profissionais no Serviço Social. Agora, vamos entender um pouco mais como os governos de Juscelino Kubitschek e de Jânio Quadros influenciaram o Serviço Social no Brasil. VERIFICANDO O APRENDIZADO 1. QUAL ALTERNATIVA REPRESENTA O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO DESENVOLVIMENTISMO NO PAÍS, ESPECIALMENTE DURANTE SUA FASE NO GOVERNO JK? A) Necessidade de investimento no meio rural. B) Manutenção das políticas econômicas nos mesmos moldes do governo antecessor. C) Adoção de política econômica, baseada no capital estrangeiro, que promova o amplo desenvolvimento do país pela via da industrialização. D) Resolução de todos os problemas sociais e de subdesenvolvimento no país pela via da adoção de políticas sociais fortes. E) Negação do atraso e do subdesenvolvimento, estabelecendo o nacionalismo sem críticas. 2. COMO O DESENVOLVIMENTISMO COLABOROU PARA A EXPANSÃO DO SERVIÇO SOCIAL PROFISSIONALIZADO? A) Com o processo de modernização profissional, movimentado pela categoria, que buscou a ampliação das funções exercidas pelos assistentes sociais para além das demandas tradicionais de atendimentos. B) Com a reafirmação acrítica do laicato e de grupos católicos de extrema direita, confirmando as alianças profissionais já estabelecidas. C) Com a restrição do investimento na formação profissional. D) Com a negação da validade de métodos e técnicas de atuação profissional, como, por exemplo, o Desenvolvimento de Comunidade. E) Com a independência em relação ao capital estrangeiro. GABARITO 1. Qual alternativa representa o princípio fundamental do desenvolvimentismo no país, especialmente durante sua fase no governo JK? A alternativa "C " está correta. No desenvolvimentismo, havia uma centralidade na política econômica e no capital estrangeiro, como solução única e “mágica” para expansão da riqueza nacional (já existente, porém adormecida) e consequente erradicação das desigualdades e superação natural da condição de subdesenvolvimento. 2. Como o desenvolvimentismo colaborou para a expansão do Serviço Social profissionalizado? A alternativa "A " está correta. Um dos grandes avanços profissionais no sentido da expansão profissional do Serviço Social é devido ao seu aumento de status profissional, em grande parte relacionado às funções de planejamento e coordenação, além das demandas tradicionais. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao encerrar nosso estudo, é importante que você perceba que o objetivo principal deste tema foi apresentar o contexto histórico em que ocorreu o processo de consolidação da profissão do assistente social no país. Muitos pontos de vistas poderiam ter sido abordados, mas privilegiou-se aqueles sob nomes de expressão no âmbito do Serviço Social no Brasil e que se dedicaram a produzir conhecimento na área. É exatamente a partir dessas abordagens que podemos afirmar a relevância do que aqui foi apresentado. Afinal, sabemos que conhecer o passado é uma forma de melhor compreender o presente, além de possibilitar a reflexão sobre os melhores caminhos para o futuro. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS COSTA, A. A seguridade social no Plano Beveridge: história e fundamentos que a conformam. 2019. 162 f. Dissertação (Mestrado em Política Social) – Universidade de Brasília, Brasília, 2019. DICIONÁRIO HISTÓRICO Biográfico Brasileiro pós-1930. 2. ed. Getúlio Vargas.Rio de Janeiro: FGV, 2001. Consultado em meio eletrônico em: 18 fev. 2021. DICIONÁRIO HISTÓRICO Biográfico Brasileiro pós-1930. 2. ed. Juscelino Kubitschek. Rio de Janeiro: FGV, 2001. Consultado em meio eletrônico em: 18 fev. 2021. IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. São Paulo: Cortez, 1982. LEÃO XIII. Rerum novarum. Encíclica. Cidade do Vaticano, 1891. NETTO, J. P. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1996. p. 115-141. PIO XI. Quadragesimo anno. Encíclica. Cidade do Vaticano, 1931. SILVA, C. Igreja católica, assistência social e caridade: aproximações e divergências. Revista Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n. 15, jan/jun 2006, p. 326-351. YAZBEK, M. O significado sócio-histórico da profissão. In: CFESS/ABEPSS (org.). Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009. EXPLORE+ Assista ao vídeo Serviço Social no Brasil - 80 anos de história, ousadia e lutas, da Editora Cortez sobre os 80 anos da profissão. Além da história do Serviço Social no Brasil, é possível aos discentes ver os rostos de importantes autoras e autores que até então eram conhecidos somente por seus nomes. O vídeo Especial apresenta história da Assistência Social no Brasil conta a história da Assistência Social no Brasil, elaborado pelo Ministério de Desenvolvimento Social em 2010. É muito didático e contém falas de nomes de expressão no Serviço Social. Possibilita uma boa compreensão da trajetória histórica da Assistência Social no país. Leia dois artigos sobre a relação entre a caridade e a assistência social (especialmente diante das pessoas mais necessitadas economicamente), que merecem destaque, por fugirem do lugar comum: Quanto mais liberdade econômica, mais solidariedade e caridade – na teoria e na prática, de André Pereira Gonçalves. A atual maneira como ajudamos as pessoas não ajuda as pessoas, de Dominic Frisby. CONTEUDISTA Isabel Cristina Silva Marques Paltrinieri CURRÍCULO LATTES javascript:void(0);
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