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ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
POR EXPRESSO DESEJO DOS EDITORES, ESTA OBRA É NUMERADA E RUBRICADA PELO AUTOR
M. RODRIGUES Lapa 
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA 
PORTUGUESA
11.a EDIÇÃO
REVISTA PELO AUTOR
Composição e impressão COIMBRA EDITORA, LDA
1984
.
1.
O VOCABULÁRIO PORTUGUÊS
1. Palavras reais e instrumentos gramaticais. - Consideremos este pequeno trecho literário 
de Trindade Coelho, em Os Meus Amores:
«A esse tempo, no céu alto e lavado, a estrela-d’alva fenecera por fim, e o horizonte 
começava de carminar-se ao de leve.»
Se observarmos o papel que as diferentes palavras desempenham no discurso, logo 
verificamos que umas são mais importantes do que as outras. São as principais portadoras 
da ideia ou do sentimento, traduzem a realidade com mais viveza, despertam enfim 
imagens mais fortes. Claro que isso dependerá um pouco do observador; mas qualquer de 
nós, por diferente que seja, verá naquele período literário as seguintes palavras ou 
expressões principais, que vão agora impressas a itálico:
A esse tempo, no céu alto e lavado, a estrela-d’alva fenecera por fim, e o Horizonte 
começava de carminar-se ao de leve.
Se quiséssemos levar mais longe a exploração, verificávamos que entre estes termos 
principais se poderia fazer
ainda uma redução, omitindo os menos importantes e deixando ficar apenas aqueles em que 
recai plenamente o sentido do trecho:
Céu... estrela... fenecera... horizonte...
carminar-se.
Com um pouco de boa-vontade, conseguimos ainda apreender o significado da frase, 
reduzida agora à sua expressão mais simples.
Vejamos as fases dessa operação simplificadora. Primeiramente despojámos o trecho de 
artigos, preposições, conjumções, verbo auxiliar (começava), locuções adverbiais, excepto 
uma (A esse tempo), que nos pareceu de algum valor expressivo e lógico. Por fim, querendo 
levar a selecção ao maior apuro, só deixámos ficar substantivos e verbos.
Que se deve concluir de tudo isto? Que as palavras se encontram subordinadas a uma 
escala de valores expressivos. Que há palavras reais, fumdamentais, que levam em si toda a 
responsabilidade do sentido da frase, e que há instrumentos gramaticais, encarregados de 
estabelecer a ligação entre as ideias. As palavras reais (também chamadas lexemas) 
são o substantivo, o adjectivo, o verbo e, por vezes, o advérbio, o numeral e o pronome, 
conforme o papel que desempenham no discurso. Os instrumentos gramaticais (também 
chamados morfemas) são constituídos por todos os outros elementos de relação e precisão: 
artigos, preposições, conjumções e, por vezes, advérbios, numerais e pronomes. com 
absoluto rigor, poder-se-ia dizer, como vimos, que lexemas são apenas os substantivos 
e os verbos: o substantivo designando o agente da acção, o verbo exprimindo a própria 
acção. com efeito, a ligação do agente com o acto realizado ou a realizar constitui a forma 
mais simples, mais primitiva do pensamento. Exemplo: Rei ordena, Deus pumirá, etc. 
Na vida prática, esta divisão em lexemas e morfemas tem várias aplicações. O carácter 
vertiginoso da nossa
7
civilização impõe-nos a economia das palavras para se não perder tempo... e dinheiro. Na 
vida dos negócios há por vezes necessidade de fazer condensações enérgicas, limitando as 
palavras ao máximo, sem quebra de clareza do pensamento. O homem de acção, o político, 
o chefe civil ou militar não arredondam a frase para dar ordens. As palavras reais têm neles 
um carácter incisivo, quase dispensam os instrumentos gramaticais. Um dia, o escritor 
português D. Francisco Manuel de Melo, antigo soldado, escreveu a um jovem parente, 
que partia para a guerra. O seu estilo adquiriu então o laconismo, a concisão disciplinada 
duma ordem militar:
«Ide com Nosso Senhor. Lembrai-vos sempre dele e de quem sois. Falai verdade. 
Pergumtai pouco. Jogai menos. Segui os bons; obedecei aos maiores. Não vos esqueçais de 
mim. E sede embora Plínio Júnior; que, se tudo isto fizerdes, ainda sereis mais. Deus vos 
leve, defenda e traga. Torre, sábado.»
Há porém na vida social uma esfera de actividade, em que a destrinça entre lexemas e 
morfemas adquire particular importância: referimo-nos à técnica do telegrama. O telegrama 
terá de encerrar o maior laconismo - as palavras custam dinheiro! - dentro da maior força 
expressiva : faz pois avultar a palavra real à custa do instrumento gramatical. Um exemplo 
tirado de A Ilustre Casa de Ramires, de Eça de Queiroz:
«Capítulos romance recebidos. Leitura feita amigos. Entusiasmo! Verdadeira obra-prima! 
Abraço!»
Este telegrama contém tudo quanto é fumdamental, e só tem substantivos, um adjectivo 
(verdadeira) e duas formas verbais com fumção de adjectivos (recebidos, feita). Se o
quiséssemos sobrecarregar com instrumentos gramaticais, teríamos:
«Recebi os capítulos do teu romance. Fez-se uma leitura aos nossos amigos. Foi enorme o 
entusiasmo, e todos o classificaram de verdadeira obra-prima. Envio-te um grande abraço».
Ficaria talvez mais completo, porventura mais elegante; mas nada adiantava ao sentido 
fumdamental, e o autor deste desenvolvimento pagaria quase o triplo da taxa que pagaria, 
se o mandasse sob forma abreviada, verdadeiramente telegráfica.
Sendo o Português, por natureza, descomedido em palavras, como todos os povos do sul, a 
Direcção dos Correios, no seu interesse, pôs um travão ao chorrilho de frases que enchiam 
os simples cartões de visita, preceituando um máximo de cinco palavras (morfemas e 
lexemas) para essas fórmulas de cortesia, como sejam agradecimentos e felicitações. Não 
há dúvida que a ordem embaraçou muita gente; mas teve pelo menos a vantagem de chamar 
a atenção para o valor das palavras. Agora, quando quisermos responder a um cartão de 
boas-festas, teremos de nos cingir a uma frase destas, em que há apenas um morfema:
FULANO...
retribui, agradecido, os amáveis cumprimentos.
Isto não quer dizer, evidentemente, que preconizemos o estilo telegráfico para as redacções 
dos nossos leitores. De modo nenhum; mas faz-lhes sentir a importância dos vocábulos e 
adverte-os de um perigo: a multiplicação inútil das palavras que nada acrescentam ao 
sentido. No bom estilo não se diz nem de mais nem de menos; diz-se o que é preciso, 
na medida exacta do que se pensa e sente, com vigor e com clareza. E, pecar por pecar, 
antes pecar por sobriedade do que por inútil sobrecarga de palavras.
2. A fantasia das palavras. - As palavras reais distinguem-se, como vimos, pela sua força 
expressiva. Despertam a imagem das coisas mais energicamente; e essa imagem viva 
ilumina o pensamento, dispensando outros acessórios de que se serve a frase logicamente 
constituída.
As palavras suscitam em nós as imagens das coisas a que se referem; mas como essas 
coisas podem revestir vários aspectos, cada um de nós apreende na palavra o seu aspecto 
pessoal, aquele que particularmente lhe interessa.
Por exemplo, a palavra sino pode evocar diferentes imagens, conforme as pessoas que a 
ouvirem: o campónio terá uma representação sonora; outro, o filho do sineiro, sentirá na 
palavra o movimento do puxar da corda e do voltear do sino (imagem motriz); enfim, o 
serralheiro terá a representação visual do objecto. A estes três tipos de imagens, sonora, 
motriz, visual, outras se poderiam talvez ainda acrescentar.
Já se tem afirmado que numa simples palavra se pode resumir todo o universo. Quer isto 
dizer que um vocábulo pode suscitar uma infinidade de imagens e ideias que abranjam 
todos os domínios do pensamento e da vida. Vejamos, por exemplo, a pequenina palavra 
lar. Poderá apresentar-nos a imagem concreta da casa, do seu conforto ou desconforto 
material, ou ainda a noção espiritual, sentimental, do lugar onde vive a família. A primeira 
representação pode repartir-se em várias imagens subsidiárias: a construção da casa, a sua 
situação, a paisagem em redor, a luz ou sombra de que é banhada, etc. A segunda 
representação levar-nos-á a considerar: o nossonascimento, os afectos ou desafectos da 
nossa infância, a nossa educação, a harmonia ou desarmonia entre os membros da família, 
etc. E estas representações familiares poderão ainda suscitar, por associação, sentimentos 
de carácter social: o desabrigo das pessoas que vivem em barracas, a miséria dos que não 
têm eira nem beira, etc.
10
É neste sentido que se diz que numa palavra se podem conter todos os fenómenos da vida. O seu 
poder evocador não conhece limites.
Vemos pois que, em volta de cada palavra ou, para melhor dizer, de certas palavras, se estabelece 
uma atmosfera fantasiosa e sentimental que constitui o seu valor expressivo. Há, evidentemente, 
palavras mais evocadoras do que outras. O bom escritor saberá aproveitá-las, para suscitar mais 
vivas e variadas imagens. Mas uma coisa é necessária a quem deseja conhecer a fumdo a sua língua 
e utilizá-la para fins artísticos: pensar e sentir as palavras como se elas fossem feitas de novo, e 
evocar o objecto a que se referem com a maior frescura e vivacidade possível.
Vamos dar o resultado de uma série de experiências feitas por outros e feitas por nós em pessoas da 
nossa família. Mais uma vez se insiste no carácter puramente pessoal de tais provas. O resultado 
poderá variar conforme as pessoas. Designamos por A, B, C, D os indivíduos que se submeteram às 
experiências. Ao ouvir as palavras que se seguem, produziram-se nesses indivíduos as seguintes 
imagens, simples ou complexas. A primeira é a imagem mais forte, espontânea.
a) Chave:
A: imagem visual (uma chave grande de metal amarelo). B: » auditiva (o ruído do abrir da porta). C : 
» visual (vê sobretudo a parte superior, redonda). D: » » + imagem, táctil (sente a chave nos dedos).
b) Chuva:
A: imagem visual (poeira escura levantada) + imagem olfactiva (cheiro da terra).
B: imagem térmica (arrepio de frio).
C: » visual (cordas de água) + imagem auditiva (ruído abafado de chuva no chão).
D: o mesmo complexo de imagens que em C.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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c) Avião:
A: imagem visual (vê um avião no écran dum cinema).
B: » » (vê um selo de correio aéreo: é um filatelista).
C: » » + imagem auditiva (ruído do motor).
d) Gás:
A: imagem visual (vê um fumo acinzentado).
B: » » e motriz (bombardeamento, gente a correr) -f- 
imagem olfactiva (cheiro a gás). C : imagem auditiva (escapar ruidoso do gás). D: » visual (chama 
azulada) + imagem olfactiva (cheiro do gás).
e) Veludo:
A: imagem visual (cor preta).
B: » » » » + imagem táctil (sente-o nas pontas
dos dedos). C: imagem visual (cor preta) + imagem táctil (sente-o nas mãos).
f) Serpente:
A: imagem visual (vê só a cabeça e língua, com malhas redondas
de cores várias, sobretudo amarelo e verde).
B: imagem visual (corpo inteiro) + imagem motriz (o rastejar). C: » motriz e auditiva (movimento e 
ruído) + imagem visual.
g) Limão:
A: imagem visual (forma e cor amarela).
B: » gustativa (sente o gosto ácido do limão) + imagem visual
(vê a árvore com o fruto). C: imagem visual + imagem gustativa + imagem táctil.
Escolhemos de preferência substantivos, como despertadores da fantasia por aludirem com mais 
viveza ao objecto; mas é bom de ver que os verbos (por ex. bater, abrir, picar, etc.) e adjectivos (por 
ex. áspero, doce, fino, etc.),
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M. RODRIGUES LAPA
pelo seu carácter mais ou menos concreto, também podem sugerir imagens.
3. A para fantasia. - Se observarmos o resultado das experiências acima exposto, vemos que 
predominam largamente as imagens visuais, como é próprio de objectos materiais; e que 
estas, como é natural em coisas tangíveis, andam não raro ligadas a imagens tácteis. Vemos 
ainda mais: a imagem alude geralmente ao objecto, representa-o directamente, em um ou 
outro dos seus aspectos. Há porém excepções, e essas oferecem grande interesse. Por vezes, 
a fantasia transcende para além do objecto e dá representações que pouca ou nenhuma 
relação têm já com ele. Vimos acima um curioso exemplo deste fenómeno, a que se chama 
parafantasia: ao ouvir a palavra avião, a B representou-se-Ihe um selo de correio aéreo; ao 
ouvir chave, não viu logo o objecto, imaginou ouvir abrir uma porta.
Mais algums casos de parafantasia: E, quando ouve a Fulano proferir a palavra maçã vê a 
macieira com folhas, sem maçãs; em vento vê terra; em sino vê o adro duma capela; em 
seda, vê o bicho e fios em baba. F, quando ouve o vocábulo vento, tem logo a imagem ora 
de um barco, ora de um moinho. G, à palavra música, tem a imagem de um baile; em leite, 
vê a tijela do leite; em ponte, ouve um comboio atravessando a ponte; à palavra maçã, vê 
um livro de aritmética, onde havia algums pequenos problemas sobre maçãs.
Repare-se nesta particularidade: umas vezes vê-se a árvore em vez do fruto, a terra em vez 
do vento que a agita, a causa (bicho-da-seda) em vez do efeito, o continente (tigela) em vez 
do conteúdo (leite). É a explicação dum fenómeno que tem aplicação literária e é conhecido 
pelo nome de linguagem figurada.
As palavras abstractas, como é natural, não sugerem tantas representações. Todavia, a sua 
forma sonora, jumta ao
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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seu sentido, gera por vezes uma imagem de cor. Para Ramalho Ortigão, saudade era uma 
palavra azul, rancor uma palavra vermelha. É aquilo a que se chama audição colorida: a 
correspondência imaginada entre o som e a cor. A estas correspondências, a estas inter 
penetrações dos vários sentidos, que assumem aspectos extraordinariamente interessantes, 
dá-se o nome geral e científico de sinestesias. Desempenham papel importante na literatura 
e são conhecidas desde o século xvm, pelo menos. Foi Filinto Elísio quem, nesse tempo, 
chamou a atenção para a cor dos vocábulos. Um dia, um senhor impertinente, dado à ironia, 
encontrou numa ode do poeta uma dessas sinestesias e disse-lhe, com um risinho:
- Pois a alegria é loura? Tão alva e loura como a morte é pálida.
Ao que o escritor retorquiu imediatamente:
- V. Ex.a é que me parece loura no caso...
Para se entender o trocadilho, é necessário dizer que loura tinha, na época, o sentido de 
«parvo», «palerma».
Claro que nem todos produzirão com igual frescura e presteza as imagens que andam 
ligadas às palavras. Quando os anos aumentam e a inteligência se desenvolve, as imagens 
das coisas vão enfraquecendo, tomam-se por assim dizer desbotadas. As palavras 
dificilmente despertam já a fantasia. Nessa altura, para avivar o poder da imaginação, o 
homem tem ainda o recurso da obra de arte, cujo segredo consiste na sábia escolha dos 
meios de expressão, com que se chamam novamente à luz essas imagens meio apagadas.
4. Valery Larbaud e o vocabulário português. - O notável escritor francês Valery Larbaud, 
espírito cosmopolita, meteu-se a aprender português, da primeira vez que esteve entre nós. 
Encheu-se de simpatia pela nossa terra, pela doçura da nossa gente, e quis aprender a língua 
para melhor
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M. RODRIGUES LAPA
surpreender a nossa alma. Aprendeu-a, como ele dizia, com o esforço apaixonado com que 
se obtém o amor duma mulher. E contou-nos, de modo encantador, a sua experiência do 
vocabulário português. É sem dúvida interessante observar as reacções dum estrangeiro 
superiormente culto, como Larbaud, perante as palavras mais correntes da nossa língua. 
Vamos dar o resultado das suas impressões, publicadas no Divertimento filológico.
O escritor francês, no primeiro contacto com a língua escrita e falada, sentiu logo a doçura 
e a graça de certos vocábulos:
1. Só. A palavra exprime, na sua concisão desesperada, o extremo da solidão e do 
abandono. Quando se lhe acrescenta o diminutivo -zinho, Larbaud nota que o sufixo não é 
apenas lógico, exprime ainda admiravelmente a atitude do espírito dobrado sobre si próprio, 
na solidão.
2. RAPARIGA. O escritor compara o vocábulo português aos correspondentes espanhóis e 
italiano: rapaza, muchacha, ragazza;todos sugerem o ruído alegre de estudantas, saindo da 
escola, na rua, às gargalhadas: mas rapariga faz mais ruído que qualquer dessas palavras.
No português do Brasil, já desde o século xvni, ao que parece, o vocábulo foi tomando 
coloração pejorativa. Houve contudo resistência literária a essa deturpação. Num romance 
de Aluízio Azevedo, O Cortiço, ainda é usado no puro sentido português. Em Lima 
Barreto (Clara dos Anjos, l.a ed., pág. 179) dá-se o mesmo. Érico Veríssimo, 
representando a última defesa da formosa palavra, em consonância certamente com seu 
falar regional, emprega-a no bom sentido (Olhai os lírios do campo, 18.a ed.: «Chamou a 
secretária, uma rapariga magra, de ar cansado», pág. 136).
3. GAROTA. Também é bonita a palavra e própria para as raparigas do povo duma 
grande cidade. Diz Larbaud
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 15
com graça que, se casasse com uma portuguesa, lhe chamaria garota, num impulso de terna 
familiaridade, de amorosa falta de respeito.
4. RAINHA. A palavra tem na sua forma sonora e gráfica o quer que seja de exótico: traz 
no vestido um perfume da Ásia.
5. MENINA. O termo é encantador, com um ar antigo, afidalgado. Já um outro estrangeiro, 
o alemão Link, que visitou Portugal nos fins do século xvm, dizia que a expressão minha 
menina era a mais doce que se encontrava em qualquer língua.
6. BONECA. O escritor deu-se ao cuidado de evocar os termos que significam boneca em 
outras línguas europeias e encontrou mais beleza: em primeiro lugar no vocábulo italiano 
bámbola, logo a seguir nas palavras portuguesa e espanhola- boneca e mumeca, que 
competiam em formosura expressiva.
7. MEDONHO. A palavra impressionou vivamente Larbaud. Há qualquer coisa de 
repugnante, infame e horroroso nesta palavra, que nos comunica o seu estremecimento, a 
sua náusea.
8. BEIRA-MAR. Para o escritor francês era uma das palavras mais poéticas do seu 
conhecimento: vasta, sonora, grandiosa, oceânica.
9. SAUDADE. Larbaud define a impressão que lhe dá a famosíssima palavra: um céu 
nublado entre distantes zonas luminosas.
16
M. RODRIGUES LAPA
Outras palavras que o impressionaram agradavelmente: namorar, namoro; doente, doença; 
voo, dor, cor, carvalho, orvalho, cotovia, imenso, devagar, janota, ficar, poupar, meigo, 
brinco, brincadeira,
Todos aqueles que aprendem uma língua nova recebem impressões desta natureza: o 
sentido conhecido ou entrevisto da palavra conspira com a imagem sonora e dá-nos uma 
espécie de ilusão. Os escritores que lidam muito com os vocábulos estão particularmente 
sujeitos a estas ilusões. Têm a tendência para considerarem a palavra em si própria, bela 
por si mesma, liberta das prisões da frase, que lhe fixam um sentido e lhe diminuem o 
poder de fantasia. Os que se dedicam à arte de escrever trazem na memória um armazém de 
termos expressivos. Para esses a palavra existe em estado puro, cheia de ressonâncias e 
mistérios. E é sempre útil, como dissemos, pensar e sentir de novo as palavras, 
isoladamente, na curiosa contemplação das imagens que despertam.
5. A palavra-frase. - Porém, logo a seguir, deverá fazer-se, como correctivo, o 
exercício contrário. Verdadeiramente, o vocábulo isolado não existe senão para os artistas. 
A palavra existe como parte de um todo, incorporada no contexto, e aí adquire o seu 
significado especial. Entregue a si própria, já o vimos, assume os mais diversos aspectos, 
carrega-se de tons variados, segumdo o indivíduo que a ouve ou profere. Aprisionada na 
escrita, limitada e esclarecida pelos outros elementos do discurso, a palavra recebe de cada 
vez e momentaneamente a sua verdadeira significação. Um exemplo: Quando dizemos ou 
ouvimos: Que RAPARIGA! - o vocábulo final, por assim dizer isolado, desperta vivamente 
a imaginação, como se o pronunciássemos ou ouvíssemos sozinho. Por isso vemos nesse 
termo as mais variadas representações : podemos considerar as qualidades morais da moça,
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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a sua honestidade, a sua coragem, etc., ou as qualidades físicas, a formosura, a graça do 
andar, etc.
Também nesta frase: A RAPARIGA que vês trabalha na fábrica
o vocábulo nos parece mais desbotado de colorido,
menos capaz de dar imagens, mas certamente mais preciso no seu significado, devido aos 
elementos em que está inserido.
6. A significação das palavras. - Consideremos esta palavra corrente - cabeça. O primeiro 
sentido que acode, estando a palavra isolada, é o seu sentido mais geral, a sua significação 
física e primitiva: a cabeça é a parte superior do corpo humano. Um linguista não deixará 
de registar com satisfação o facto: há certa lógica em que o sentido actual do vocábulo não 
divirja do que tinha há mais de mil anos. Mas, se a palavra mantém um significado preciso, 
que lhe dá o mais frequente emprego, adquiriu também, com o uso, uma série de sentidos 
subsidiários, que diferem mais ou menos do sentido etimológico: etimologia é o estudo da 
origem das palavras, a fixação da forma e do sentido primitivos. Vejamos essas diversas 
significações, registando apenas as que são mais usuais:
1. A cabeça é a parte superior do corpo.
2. Toda a gente o louva: é uma grande cabeça.
3. Sabia de cabeça todos os versos do poema. Ele vinha à cabeça de todos os concorrentes. 
Essa vila é a cabeça da comarca.
6. Pagaram dez tostões por cabeça.
7. Feriu-se na cabeça do dedo.
8. O cabeça da conspiração foi aprisionado.
9. Isso não tem pés nem cabeça.
10. Deu-lhe agora na cabeça fazer versos.
11. Cada cabeça, cada sentença.
12. Então, perdeu por completo a cabeça.
2 - Estilística
3.
4.
5.
18
M. RODRIGUES LAPA
Se quiséssemos averiguar o significado da palavra nos vários contextos em que está metida, 
teríamos este resultado:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
Sentido principal: parte superior do corpo.
talento, inteligência.
_____ de memória, de cor.
à frente, na parte superior.
capital.
indivíduo, pessoa.
extremidade, ponta.
chefe, pessoa principal.
sentido claro.
capricho, fantasia.
homem, personalidade.
razão, serenidade.
Como se originaram as várias significações da palavra ? Partiu-se do sentido original e viu-
se na cabeça a parte superior, a extremidade, o ponto principal dum corpo; ou então 
encarou-se o facto pelo seu lado intelectual e viu-se na cabeça a sede do pensamento e da 
imaginação. Daqui se originou toda essa vegetação de significações diversas, a que se dá o 
nome de polissemia, e que é estudada numa disciplina filológica chamada Semântica.
Como vemos, e aqui melhor do que em outro lado, a palavra só adquiriu o seu verdadeiro 
sentido quando engastada na frase. Só há verdadeiramente no discurso a palavra-frase. Por 
isso os bons dicionários trazem os vários matizes de significação dos vocábulos inseridos 
no seu devido contexto, isto é, têm um exemplo para cada variedade semântica. Sem isso, 
não prestarão bons serviços. Em muitos dos nossos dicionários não aparecerá o quadro que 
damos acima, a propósito de cabeça. E algums nem sequer trazem a locução, tão corrente, 
perder a cabeça, por ser considerada, aliás sem razão, um galicismo.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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Em conclusão: poderemos afirmar que há tantas palavras quantas as significações. Em 
gramática, chamam-se homónimas as palavras que têm forma igual, mas se distanciam pelo 
sentido. Exemplo: pena tem pelo menos, quatro significados:
a) A pena admirável daquele escritor; b) O pássaro deixou cair uma pena; c) Foi condenado 
a pena maior; d) É pena que não vás!
O sentido diverso é dado, já pela natural evolução das palavras, já porque nos dois 
primeiros casos o vocábulo tem uma origem (do latim pinna) e nos dois últimos tem outra 
(do latim poena). Em cabeça todos os exemplos têm a mesma origem; mas o resultado vem 
a ser o mesmo: aqueles doze casos citados são tidos por quem fala ou escreve como 
palavras de sentido diferente.
7. O instinto etimológico. - A exploração do sentidooriginário das palavras faz parte, como 
dissemos, duma disciplina chamada etimologia. Essa operação é de indiscutível 
importância para a ciência da linguagem e até para a história das civilizações, porque à 
origem das palavras podem prender-se factos históricos e sociais de grande interesse. Mas 
uma coisa é ciência, outra coisa estilo. Quando escrevemos ou falamos, pouco ou nada nos 
importa o sentido passado dos vocábulos, a sua história; só apreendemos da palavra aquilo 
que é actual. E demais, esse sentido etimológico, se fosse aproveitado, lançaria uma 
extraordinária confusão sobre os fenómenos da linguagem.
Algums exemplos vão elucidar o leitor. Suponhamos que alguém, conhecedor do grego, 
escrevia: «O povo italiano é um povo hipócrita.i> Queria ele dizer com a sua, fumdado na 
etimologia ( = actor), que os italianos são naturalmente actores, gostam da exibição 
espectacular. Como porém a palavra tem hoje um sentido muito diferente, o mal-fadado 
helenista arriscava-se a não ser compreendido e a coisa ainda
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M. RODRIGUES LAPA
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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pior l a ser incomodado pelas autoridades consulares ou diplomáticas italianas, por ofensas 
a um país estrangeiro.
Outro exemplo: Quando apelidamos alguém de marechal, ligamos à palavra uma altíssima 
significação honorífica: o ponto mais alto da hierarquia militar. O etimologista, enfronhado 
em seus estudos, vê as coisas de outro modo: sem perder de vista o significado actual, sobe 
à origem e observa com um sorriso que a palavra, em seus começos, queria apenas dizer 
isto, bem modesto por certo: encarregado da cavalariça!
Finalmente, consideremos a palavra coitado, tão portuguesa, tão representativa do nosso 
brando modo de ser. Quando a proferimos, aludimos a alguém que é pobre, ou infeliz, a 
quem a vida não corre bem. Pois a palavra, na sua origem, no tempo dos trovadores, 
aplicava-se especialmente ao namorado que curtia dores por sua dama. Vão lá pensar hoje 
nisso, quando se avista um mendigo andrajoso, a quem se diz, dando esmola: Coitado, tome 
lá!
Vemos pois que as palavras têm um curioso romance histórico. É instrutivo conhecê-lo, 
sem dúvida; mas numca devemos esquecer a obrigação em que estamos de empregar a 
palavra no seu sentido actual. O motivo por que os filólogos, os gramáticos, os homens 
muito eruditos escrevem mal é geralmente este: não têm presente e fresco o sentimento da 
língua de hoje. As palavras evocam-lhes representações passadas, conformes à sua 
etimologia. De modo que, quando escrevem, é um passeio constante pelos domínios da 
antiguidade. A sua maneira de escrever traz por isso mesmo um cheiro a bafio. É um estilo 
pretensioso e avelhentado, muito em voga nas academias.
Contudo, para uma coisa é útil o conhecimento da etimologia e da história das palavras: 
para a leitura inteligente dos autores antigos. Quando Fr. Luís de Sousa escreve: «Da 
imbecilidade de sua natureza não desconfiava, porque conhecia suas forças» - notamos que 
imbecilidade está ali no
sentido etimológico, latino: «fraqueza». Seria erróneo atribuir à expressão o significado 
actual: «parvoíce». Quando um outro grande clássico, D. Francisco Manuel de Melo, 
escreve a respeito das suas Cartas familiares: «por todas cintila o queixume, apesar da 
modéstia, que procura embaraçá-lo e desmenti-lo» - teremos de atribuir a modéstia o 
significado antigo de «medida», «temperança no sofrimento», «resignação».
Os bons dicionários deveriam trazer todas estas significações, mas por vezes falham. E as 
edições dos Clássicos deveriam ser cuidadosamente anotadas e apontar estas variações 
semânticas. Se assim fosse, o leitor poderia efectivamente compreender os nossos autores 
antigos, apreciá-los e aproveitá-los no que têm de aproveitável, sem perigo de assimilar um 
estilo que já não é de nossos dias.
2.
O VOCABULÁRIO PORTUGUÊS
No capítulo anterior vimos como uma palavra muda de significação, conforme os diferentes 
contextos em que anda agrupada. Vamos ver agora como um conceito, uma ideia, admite 
várias palavras para se exprimir conforme os seus variados aspectos.
1. Pluralidade dos meios de expressão. -Perguntemos, por exemplo, a um amigo o que 
significa a palavra inteligente. Logo nos responderá, sem hesitar, procurando explicar o 
termo por outros vocábulos ou locuções de sentido semelhante : •-• É o mesmo que 
esportes, hábil, entendedor das coisas, que as compreende bem, que lhes penetra o sentido, 
que tem olho, etc. Claro que cada uma destas expressões tem o seu valor, mas todas se 
agrupam no espírito em volta da ideia geral, que as compreende a todas: inteligência.
Portanto, quem escreve e quem fala tem à sua disposição, para traduzir exactamente o 
pensamento, séries de palavras, ligadas por um sentido comum, que acodem ao espírito, 
para as necessidades de expressão. Quando se evoca uma delas, sucede geralmente como 
quando se colhem cerejas: vêm as outras atrás. A estas palavras ou modos de dizer, ligados 
entre si por uma noção comum, dá-se o nome de sinónimos.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 23
Estamos vendo a extraordinária importância do seu estudo e da sua prática para a técnica da 
redacção. com efeito, a arte de escrever repousa essencialmente na escolha do termo justo 
para a expressão das nossas ideias e dos nossos sentimentos. Por outras palavras: só 
escreveremos bem, quando, na série sinonímica, escolhermos a palavra ou o grupo de 
palavras que melhor se ajustam àquilo que queremos exprimir. É nessa escolha que reside, 
em grande parte, o segredo do estilo.
2. Há ou não sinónimos ? - Se entendermos por sinónimos as palavras que têm sentido 
semelhante, parecido, é evidente que existem sinónimos. Agora, se considerarmos, como 
fazia supor a gramática antiga,, que sinónimos são as palavras que têm o mesmo sentido, 
em breve nos convenceremos de que isso é impossível. Podem uma mesma ideia, um 
mesmo acto, um mesmo objecto ter nomes diferentes; esses nomes não são, não podem ser 
exactamente equivalentes, como não são nem podem ser equivalentes as folhas da mesma 
árvore. Poder-se-á objectar com isto: há nomes de plantas, utensílios, produtos vários, que 
adquirem diferente nomenclatura, conforme as terras do País. Por exemplo, para designar 
as agulhas do pinheiro em Portugal: caruma, sarna, branza, bicos, picos, etc. É certo; mas 
por isso mesmo que se repartem por terras diferentes, cada sítio ou região adopta um só 
vocábulo em prejuízo dos outros, geralmente desconhecidos.
A mesma coisa designa-se geralmente por uma só palavra, em certa região e em certo meio. 
Pode, ao princípio, dar-se o caso de duas ou mais palavras designarem o mesmo objecto. E 
um momento fugaz; logo o espírito reage para destruir o perigoso equilíbrio, introduzindo 
cambiantes de sentido, promovendo a diversificação.
As formas divergentes. -A este respeito, é omito elucidativo o tratamento dado pela língua 
às formas chamadas
24
M. RODRIGUES LAPA
divergentes. Chamam-se formas divergentes as palavras oriundas de um mesmo termo 
(latim, árabe, grego, etc.), que se diferençaram depois, por motivo da evolução fonética. 
Estão neste caso, entre outras: aveia - avena; areia - arena; bola - bula; cadeira - cátedra; 
caldo - cálido; cheio-pleno; chorão - florão; catar - captar; crosta - crusta; delgado
- delicado; ensosso - insulso; inteiro - íntegro; lagoa
- lacuma; meigo - mágico; ração - razão; solteiro - solitário; traição - tradição, etc.
Admitindo que estas palavras tivessem sido algum tempo sinónimas - não o seriam, porque 
uma reinava nos meios cultos, outra nos meios populares - logo se diferençaram de diversa 
maneira, como se está vendo. Em algums casos, o termo literário adoptou um sentido 
especializado, ex.: arena, cátedra, crusta, íntegro. Noutros casos foi o termo popular que se 
desviou do sentido originário, ex.: bola, chorão, catar, meigo, ração, solteiro.
Pelo que diz respeito à intensidade das diferenças entre os dois sentidos, observamos que a 
divergênciavai do mínimo ao máximo. Em cheio-pleno, a diferença é insignificante, 
podendo até dizer-se que as duas palavras acusam o mesmo sentido. Simplesmente, uma é 
usada na linguagem corrente (cheio), outra na linguagem literária - e não sempre (pleno). 
Esta última tem um ar falso, pretensioso, que, por isso mesmo, é do agrado dos 
principiantes. Enfim, são termos usados em circumstâncias diferentes e basta esse facto 
para os tomar desiguais.
Através de variantes intermediárias, as formas divergentes alcançaram o máximo de desvio 
semântico (isto é, de sentido) em traição - tradição. É quase incrível que uma mesma 
palavra pudesse ter gerado acepções tão diversas; mas o caso deu-se, como vamos ver. 
Tradição foi um velho termo de carácter jurídico, cujo significado era: «entrega, 
transmissão de qualquer coisa a outrem.» Na passagem do latim para o português, o 
vocábulo perdeu aquele d entre
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
vogais e começou de significar outra coisa: «a entrega, a transmissão dum segredo íntimo, 
militar, político, ou duma fortaleza, vila, etc.». Vê-se pois como da simples ideia 
fumdamental de «entrega», «transmissão», se engendrou o significado moral de «traição», 
«infidelidade», «deslealdade». Traição poderia definir-se como «entrega desleal».
Tradição também seguiu o seu rumo, também tomou um sentido moral. Passou a significar 
«a transmissão de factos históricos, sistemas, lendas, etc., de idade em idade, sem prova 
autêntica ou escrita, provindo da transmissão oral ou de hábitos inveterados». Copiamos a 
definição dada por Cândido de Figueiredo no Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa. 
Como vemos, e não obstante uma complicada evolução semântica, lá está bem visível ainda 
a ideia originária de «transmissão».
Em conclusão: poderemos formular esta regra, de acordo com os mais recentes 
investigadores da linguagem e do estilo: «Dois fenómenos de expressão numca são 
exactamente iguais». O leitor está vendo as consequências deste princípio. Não se pode ir 
ao dicionário escolher mais ou menos à toa os significados, como fazem geralmente os 
principiantes. O facto dá origem a verdadeiros contra-sensos. Cada palavra, em dado 
momento, é portadora de um sentido, que adquire especial relevo no contexto. Não pode 
pois baralhar-se com as outras. A arte do estilo consiste em escolher, nesses grandes 
armazéns de palavras que são os dicionários, os termos justos, que hão de dar forma e cor 
aos nossos pensamentos.
3. Como nascem os sinónimos. - É bom de ver que
nem todos os conceitos se prestam de igual modo à produção de sinónimos. De um modo 
geral, as palavras concretas prestam-se menos às variações sinonímicas. Se procurarmos no 
dicionário os equivalentes de tinteiro, água, chave, calças, porta, veremos que estes termos 
não têm propriamente sinónimos. Os dicionaristas contentam-se com a sua definição
26
M. RODRIGUES’LAPA
por meio de perífrases e acrescentam algumas locuções em que a palavra tem cabimento, com um 
sentido mais ou menos diferente. Por exemplo, para tinteiro, o Pequeno Dicionário apresenta 
apenas isto: «Pequeno vaso para conter tinta de escrever. Utensílio de escritório com um ou mais 
vasos para tinta de escrever.» Realmente o vocábulo não se presta a mais; identifica-se por si 
próprio, conhece-se pela própria representação que sugere, sempre a mesma: um recipiente para 
tinta.
Outras palavras há, concretas embora, que implicam variadas formas, que vão do termo técnico, 
científico, até às expressões mais baixas da gíria popular: apêndice nasal
- nariz - penca - ventas; - abdómen - ventre - barriga -pança, etc. Vemos pois que há noções pobres 
e noções ricas, na linguagem; umas contentam-se com uma só palavra, outras, sugerindo novas 
representações em tomo do objecto ou da ideia primitiva, geram uma família numerosa de 
sinónimos.
Compreende-se que um dos principais geradores de sinónimos seja a variedade do emprego da 
mesma coisa, segundo os diferentes meios sociais. Para prova disso, dá-se geralmente este exemplo: 
o dinheiro recebido em troca da prestação de serviços tem variadíssimas designações, conforme a 
escala social da pessoa que o recebe: honorários, ordenado, mensalidade, soldo, pré, salário, féria, 
etc. Seria extremamente reparável e incorrecto dizer-se:
1. O major recebeu o pré.
2. O salário do ministro é grande.
É que as palavras evocam os meios sociais em que são geralmente empregadas, e não se pode 
confundir o seu uso, sem nos expormos a graves mal-entendidos. O termo pré lembra logo o 
ambiente militar dos soldados e sargentos, salário sugere uma classe especial: a dos pequenos 
serviçais.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
27
Isto é, as palavras e os sinónimos, são um espelho da sociedade: também se dividem em classes. No 
campo diz-se: comer uma tigela de CALDO ; na cidade: comer um prato de SOPA. Vem. a dar na 
mesma; mas o caldo sugere o campónio, a sopa é própria do homem da cidade.
4. O eufemismo. - Este mesmo sentimento das conveniências sociais leva-nos muitas vezes a 
atenuar a dureza e a franqueza de certas expressões, que evocam imagens grosseiras ou 
desagradáveis. Certos termos que exprimem a morte, o furto, a embriaguez, a idiotia, a mentira, 
etc., requerem eufemismos, isto é, meios expressivos que adoçam a brutalidade ou a inconveniência 
social desses termos. Para o homem, nada mais terrível do que a morte. Pois bem, na vida social, o 
vocábulo que define a ideia pura - morrer, é suavizado pelos seguintes eufemismos: falecer, expirar, 
decidir, acabar, perecer, ir para o céu, finar-se, fechar os olhos, entregar a alma a Deus, passar-se, 
etc. Tudo expressões que procuram atenuar a fealdade do horrível transe. E quando se anuncia no 
jornal a morte de alguém, pessoa católica e de bom-tom, a sua família não escreve, seca e 
trivialmente, morreu, mas sim um longo circunlóquio eufemístico: Foi Deus servido chamar à sua 
divina presença Fulano de tal.
O emprego do eufemismo também caracteriza certas camadas sociais. A um homem da plebe que 
comete um fui to, as gazetas não hesitam em exprobrar ao ladrão, ao gatumo, o roubo que praticou; 
mas se um homem da alta sociedade cometeu o mesmo crime, então os redactores adoçam 
servilmente a frase e escrevem: desvio de fumdos, fraude, alcance, etc. O povo observou 
perfeitamente esta injustiça e fez sobre ela um provérbio admirável: «Quem rouba um pão, é 
ladrão; quem rouba um milhão, é barão».
Um homem do povo não se embriaga; isso é próprio da gente fina; o plebeu embebeda-se, e, 
empregando termos de gíria popular, toma a carraspana, o pifão, o pileque, fica
28
M. RODRIGUES LAPA
grosso, colhe a trompa (gíria galega), etc. Se num salão aristocrático se ouvissem estes 
nomes, as senhoras corariam de indignação; se numa viela de Alfama, em Lisboa, alguém 
pronunciasse o vocábulo embriagar, era apupado e escarnecido- caso verdadeiramente o 
entendessem.
O conselheiro Acácio, a famosa caricatura de Eça de Queiroz, conhecia bem o valor do 
eufemismo e empregava-o constantemente. Diz dele o escritor: «Numca usava palavras 
triviais; não dizia vomitar, fazia um gesto indicativo e empregava restituir». Até os ladrões 
entre si usam o eufemismo, como aquele ratoneiro duma novela de Castelao, que suavizou 
o termo roubar em apanhar: «Certa noite de caminho propuxo Barrote que fossen apanhar 
uas galinhas».
- Os dous de sempre, l.a ed., pág. 60.
Pode portanto dizer-se que há na linguagem uma dissimulação, uma espécie de hipocrisia - 
o reflexo de todas as atenuações, transigências e desigualdades que a vida social, como está 
constituída, nos impõe.
5. As séries sinonímicas. - Vejamos agora praticamente o problema da significação dos 
sinónimos, os seus matizes diferenciais. Para estudar os sinónimos temos os dicionários 
vulgares, que trazem, após a definição, os vocábulos ou expressões equivalentes; mas como 
as palavras adquirem no contexto as significações mais diversas, segue-se que a consulta 
dos dicionários correntes não serve para o estudo dossinónimos. O facto de esses 
dicionários não trazerem o vocábulo inserido na frase ainda agrava a questão, tomando a 
consulta perigosa para o principiante.
Um exemplo: Procuremos no Pequeno Dicionário, de Cândido de Figueiredo, a rubrica 
deixar. Vemos que a palavra tem as seguintes significações: separar-se de; lançar de si; 
largar, pôr de lado; abandonar; permitir; cessar; resistir; adiar; ceder; omitir. Note-se, de 
passagem, que resistir é erro tipográfico, em vez de desistir. Assim vem na l.a edi-
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
29
cão do Novo Dicionário do mesmo autor. Os modernos revisores dos dois dicionários não 
deram pelo erro, que assim se foi radicando e passando a outros, estando contudo já 
corrigido na 10.a edição.
Reparando para o sentido daqueles diferentes termos, verifica-se que existem várias séries 
de significações, digamos, várias séries sinonímicas, isto é, grupos de palavras 
subordinadas a um sentido comum:
1. Deixar, separar-se de, largar; 4. Deixar, adiar;
2. Deixar, permitir; 5. Deixar, ceder;
3. Deixar, cessar, desistir; 6. Deixar, omitir.
Isto é, verdadeiramente a palavra deixar, tal como a encontramos nos pequenos dicionários, 
admite em si seis séries sinonímicas pelo menos. Se procurarmos num dicionário grande, 
admitirá muitas mais. Note-se que se há séries nitidamente diferenciadas como a l.a e a 6.a, 
a 6.a e a 2.a, a 3.a e a 2.a, já não sucede o mesmo com a l.a e a 5.a Entre ceder e largar 
pode haver uma relação de significado, e entre desistir (3.a), adiar (4.a) e largar (l.a) 
também não será muito difícil achar uma ideia comum, se nos aplicarmos a isso.
Por consequência, os dicionários correntes não são um instrumento cómodo para a pesquisa 
dos sinónimos, porque baralham as séries e não enquadram o termo no seu contexto, onde 
alcança a verdadeira significação. Para remediar esse mal fizeram-se os dicionários de 
sinónimos. Aí aparece efectivamente a série, e dentro da série o sinonimista 
engenha-se em descobrir as diferenças de sentido.
O dicionário de sinónimos mais celebrizado que temos é o velho Dicionário dos sinónimos, 
poético e de epítetos da língua portuguesa de Roquete e Fonseca. Tem tido muitas edições 
em Portugal e Brasil. É um instrumento antiquado, incompleto, que padece dos defeitos de 
toda essa
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M. RODRIGUES LAPA
espécie de tratados: a preocupação da etimologia e do uso clássico da língua, sem ter em 
conta o seu uso corrente, popular. É uma construção artificial, de reduzido valor, e que não 
é útil meter nas mãos de principiantes. Mal por mal, antes os dicionários comums. Muito 
melhor do que ele temos agora o Dicionário de Sinónimos de Antenor Nascentes, que pode 
prestar bons serviços ao estudioso, quando manuseado com discernimento e sem espírito de 
rigor sistemático.
6. Valor sentimental e intelectual das palavras. - Em
presença das coisas, o nosso espírito reage da seguinte maneira: ou as percebe ou as sente. 
Quase sempre estas duas operações, a percepção e o sentimento andam ligadas, mas, por 
via de regra, em proporções diferentes. Praticamente há objectos que despertam mais a 
nossa inteligência, outros que chocam mais a nossa sensibilidade. Assim também as 
palavras: umas têm uma dominante afectiva, outras uma dominante intelectual. Vejamos 
um exemplo:
1. O lavrador deixou a casa e encaminhou-se para o trabalho.
2. Os filhos, cheios de fome, abandonaram a casa paterna.
Ligados por um conceito comum, «a separação», aqueles dois verbos deixar e abandonar 
não têm o mesmo valor. No primeiro caso, a separação fez-se normalmente, sem 
sobressalto afectivo; tarefa de todos os dias, feita a frio, mal iria ao lavrador se, de cada vez 
que deixava a casa, se pusesse a chorar de saudade ou de mágoa. No segumdo caso, o verbo 
abandonar está já penetrado de sentimento, tem uma sobrecarga afectiva que não tinha o 
outro: os filhos deixaram a casa paterna com desespero, com dor e raiva. Há
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
31
pessoas - os puristas da língua - que se erguem ainda hoje contra o emprego do verbo 
abandonar, por ser um galicismo. É certo que o vocábulo nos veio do francês, mas há 
séculos que é usado na língua, e corresponde, como acabámos de ver, a uma necessidade de 
expressão. Deixar não significa o mesmo que abandonar. É isto que os puristas não vêem. 
Logo, numa série de sinónimos há palavras que exprimem sobretudo uma ideia, outras que 
exprimem sobretudo um sentimento. É tarefa delicada, por vezes, a discriminação destes 
dois elementos; não raro, é até impossível fazer essa distinção; mas esse esforço é 
indispensável a quem queira escrever bem. Vamos dar normas e exemplos, que auxiliarão o 
interessado nesse trabalho.
7. O termo identificador. - Vejamos estas frases:
a) O lutador ergueu-se, belo como uma estátua.
b) Eram duas raparigas, qual delas a mais formosa.
c) Simples e linda, a noiva saía da igreja.
a Laura trazia um bonito vestido de seda azul.
Temos aqui uma série sinonímica, que poderíamos aumentar consideravelmente. Belo, 
formosa, linda, bonito são palavras realmente umidas por um idêntico sentido. Aquela que 
reumir o conceito comum a todas as outras, que puder substituir-se a todas elas sem grande 
prejuízo de significação, é chamada em Estilística o termo identificador. A esse termo 
fumdamental, que traduz a ideia pura, condensada, se referem todos os outros. É pois da 
maior conveniência saber fixar sempre numa série o termo identificador, trabalho aliás não 
muito difícil, porque o termo identificador é, por via de regra, o termo geral, o mais 
abstracto.
32
M. RODRIGUES LAPA
Não é, efectivamente, muito custoso determinar nesta série uma noção fumdamental: - o 
conceito de beleza, que abrange todos os outros: formosura, lindeza e boniteza. Se 
quiséssemos, poderíamos substituir os adjectivos das alíneas b), c), d) pelo termo 
identificador: o sentido não sofria prejuízo de maior, embora ficasse mais desbotado, menos 
expressivo:
b) Eram duas raparigas, qual delas a mais bela.
c) Simples e bela, a noiva saía da igreja.
d) Trazia um belo vestido de seda azul.
Se quisermos fazer o mesmo com os outros exemplos, vemos que o sentido já não fica tão 
bem; e teríamos até um efeito cómico, se disséssemos: «O lutador ergueu-se, bonito como 
uma estátua». Por consequência, é defeito empregar umiformemente, em todos os casos, o 
termo mais geral; e maior defeito é ainda baralhar o emprego das palavras dentro da série 
sinonímica. Os principiantes são naturalmente inclinados a isso.
Procuremos agora definir o diferente significado dos elementos da série. Nem precisamos 
de recorrer aos dicionários para não lançarmos confusão no nosso espírito. No primeiro 
exemplo, belo sugere-nos a ideia de perfeição e de harmonia de formas, e também uma 
certa confiança serena na própria força. No segundo exemplo, formosa evoca apenas a 
perfeição da forma física. No terceiro exemplo, linda já se carrega dum forte matiz 
sentimental; não é só beleza física, é também mimo, ternura, delicadeza da alma. Enfim, 
bonito representa a ideia de beleza, diminuída, descida ao plano das coisas familiares. É 
também um termo afectivo, mas mais de andar-por-casa. Quanto ao uso dos vocábulos, 
notamos que belo é vagamente literário, embora represente
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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a ideia geral; formosa é vocábulo que só se emprega em literatura; lindo pertence à língua 
corrente, e bonito propriamente à linguagem familiar, onde adquire, a par da ideia de 
beleza, um certo matiz de bondade. Exemplo: «Os meninos bonitos não fazem coisas 
dessas».
8. Diferenças quantitativas e qualitativas. - Consideremos esta frase: «O companheiro 
tomou-se enfadonho, aborrecido, odioso». Aquela série de adjectivos está colocada 
segundo uma ordem lógica, a própria lógica dos sentimentos: a aversão foi-se 
desenvolvendo numa ordem crescente: primeiro, uma vaga antipatia, depois, um 
pronumciado desafecto, por fim um ódio declarado. Claro que não poderíamos invertera 
ordem dos adjectivos, que têm valores quantitativos diferentes.
Vejamos agora esta de Fr. Luís de Sousa:
«Não havia em todo aquele grande povo senão medo, desordem, terror e confusão».
Há nela duas séries sinonímicas, artisticamente entrelaçadas: a) medo - terror; b) desordem 
-confusão. Se observarmos o efeito produzido pelos termos de uma e doutra, notaremos que 
a impressão vai crescendo de intensidade. Na verdade, terror é um vocábulo mais intensivo 
que medo, Confusão mais intensivo que desordem. Logo, quem sabe escrever não mistura 
arbitrariamente os sinónimos. Suponhamos que inverteríamos naquela frase a ordem dos 
termos sinonímicos:
«Não havia em todo aquele grande povo senão terror, confusão, medo e desordem». 
Incorreríamos na censura de não saber escrever, pondo o termo intensivo antes do outro. O 
efeito estilístico perder-se-ia totalmente.
Há casos ainda mais complicados, em que a disposição das palavras obedece a certas 
exigências expressivas do discurso
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M. RODRIGUES LAPA
seguinte. Veja-se este passo de D. Francisco Manuel de Melo:
«Estar um cidadão em sua casa dormindo, regalado, seguro e quieto, em noite tempestuosa 
de dezembro, e, a troco de uma pequena migalha de prata e ouro, estar o miserável 
pescador lutando com a morte duas marés inteiras, para lhe trazer de madrugada o guloso 
besugo ou o pintado salmonete!»
A ordem decrescente dos adjectivos justifica-se aqui pela antítese que se segue: l.a - noite 
tempestuosa, miséria, desconforto; 2.a - luta contra a morte; 3.a-a azáfama, a canseira de 
pescar duas marés inteiras e de lhe trazer o peixe a casa. Vemos pois que a ordem dos 
vocábulos foi determinada apropriadamente pela ordem dos elementos seguintes que lhe 
são opostos.
Enfim, repare-se nesta frase de Ferreira de Castro: «A vida só existia através do seu 
desespero, do silêncio e dos remorsos; dos remorsos, do silêncio e do desespero». A 
repetição dos mesmos elementos na ordem inversa procura dar, e dá realmente, um efeito 
expressivo; um círculo vicioso, uma repetição constante de coisas, em que a alma se sentia 
abafar. A linguagem popular conhece o processo, como se vê daquele dito chistoso: «ao 
almoço me dão pêras, ao jantar pêras me dão, à merenda pão com pêras, à ceia pêras com 
pão». O escritor não fez mais do que transpor para termos de arte um modo expressivo 
empregado pelo povo.
Nem sempre, contudo, numa série de palavras de igual categoria, se trata de uma ordem 
ascendente ou descendente. Exemplo disso, o seguinte verso das Cartas Chilenas (ix, 352), 
a famosa sátira luso-brasileira do século xvm, da autoria de Tomás António Gonzaga:
Resistem, gritam, ferem, matam, prendem.
Alude-se a soldados que não obedeciam às ordens dos juizes, desrespeitando e agredindo os 
oficiais de justiça que
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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os iam prender. O primeiro editor, Luís Francisco da Veiga, entendeu alterar assim a ordem 
dos termos: «resistem, gritam, ferem, prendem, matam». Estaria assim regularizada, 
efectivamente, a ordem ascendente da série; mas o autor o que quis dizer foi isto, «matam 
ou prendem», não se tratando pois, em toda a extensão, de uma ordem ascendente.
É de notar que as diferenças quantitativas podem ter um carácter meramente intelectual, 
como uso - abuso, mar
- oceano, ribeiro - rio. Não intervém nestas séries o sentimento. Mas já em surpreendido - 
espantado, dócil-humilde, pensar - cismar, etc., facilmente vemos que o segumdo vocábulo, 
o termo intensivo, tem uma dose maior de sentimento. No geral, o que predomina nas séries 
é a intensidade afectiva; e é isso que verdadeiramente importa para a Estilística.
Isto, pelo que diz respeito aos caracteres quantitativos da expressão. Há porém uma noção 
qualitativa que não tem menor importância. É sabido que, quando nos referimos às coisas, 
actos, ideias, lhes damos um valor que eles em si podem não ter, mas que referimos quase 
sempre a nós próprios. Por exemplo, vão três amigos ao teatro ver uma
- É escapatória. Acode o terceiro: - Acho uma coisa insípida. peça. Ao sair, exclama um:-
É admirável! Diz o outro: O primeiro referiu-se à peça de um modo «melhorativo», o 
terceiro de um modo «pejorativo». O segumdo colocou-se em um meio-termo, 
sofrivelmente neutral.
É assim o nosso poder de apreciação: tendemos para achar boas ou más as coisas, segumdo 
nos causam prazer ou desgosto. E este facto necessariamente se há-de reflectir na 
linguagem. Suponhamos que Fulano vê o seu figadal inimigo, vestido a primor e montado 
num soberbo cavalo. Diz logo em tom de mofa para o vizinho: - Ali vai aquele pedante, 
escarranchado na sua pileca! Deu um sentido pejorativo às suas representações (pedante 
em vez de bem vestido, escarranchado por montado, pileca em lugar de cavalo), levado 
pelo seu sentimento pessoal.
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M. RODRIGUES LAPA
A língua está cheia destas expressões, que encerram numa série sinonímica valores 
melhorativos ou pejorativos: leito - catre; lábio - beiço; religioso - beato; fino - manhoso; 
económico - avarento, etc. É claro que as séries podem conter mais palavras, e várias delas 
podem ter um sentido mais ou menos pejorativo. Exemplo: palácio - solar •-vivendacasa 
-pardieiro - casebre-choupana-tugúrio-barraca.
A propósito justamente de casa escreveu Eça uma página cheia de graça, por ocasião da 
visita que o Imperador do Brasil fez a Herculano em 1872. Os jornais noticiaram o caso e, 
para acentuarem a honra prestada pelo soberano ao austero historiador, diminuíram a 
habitação deste a proporções ínfimas, empregando pejorativos literários, que têm aqui um 
efeito desnaturai e cómico:
«Sua Majestade Imperial visitou o Sr. Alexandre Herculano. O facto em si é inteiramente incontestável. Todos 
sobre ele estão acordes, e a História tranquila. No que porém as opiniões radicalmente divergem é acerca do 
lugar em que se realizou a visita do Imperador brasileiro ao historiador português.
O Diário de Notícias diz que o Imperador foi à mansão do Sr. Herculano. O Diário Popular, ao contrário, 
afirma que o Imperador foi ao retiro do homem eminente que... O Sr. Silva Túlio, porém, declara que o 
Imperador foi ao tugúrio de Herculano (ainda que linhas depois se contradiz, confessando que o Imperador 
esteve realmente na íebaida do ilustre historiador que...). Uma correspondência para um jornal do Porto 
afiança que o Imperador foi ao aprisco do grande, etc. Outra vem todavia que sustenta que o Imperador foi ao 
abrigo desse que... Algums jornais de Lisboa, por seu turno, ensinam que Sua Majestade foi ao albergue 
daquele que... Outros contudo sustentam que Sua Majestade foi à solidão do eminente vulto que... E um 
último mantém que o imperante foi ao exílio do venerando cidadão que...
Ora, no meio disto, uma cousa terrível se nos afigura: é que Sua Majestade se esqueceu de ir simplesmente à 
casa do Sr. Herculano!»- (Uma campanha alegre, n, 87-88).
9. Os efeitos evocativos. - Pelos exemplos apresentados até aqui, já temos visto que as 
palavras sinónimas podem
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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evocar certas formas de vida e actividade, certos meios sociais.
Por exemplo, alguém diz para um doente: - Então, vai melhor dos seus achaques? Aquela 
palavra não é a usual, em casos semelhantes. Costumamos dizer padecimentos, doenças, 
sofrimentos. A expressão, desusada, produz em nós certo efeito. Lembramo-nos de que 
ouvimos o termo a pessoas velhas, que já o encontrámos em livros antigos. Trata-se pois de 
um vocábulo antiquado, usado na literatura. O seu emprego choca-nos, evocando logo em 
nós um ambiente conservador e certa afectação literária. É a isto que se chama o «efeito por 
evocação» das palavras.
Esse efeito pode ser de natureza variada, como é de calcular. Vejamos estas quatro frases:
a) O pobre homem morreu cheio de sofrimento.
b) Às dez horas, o mariola esticava o pernil.
c) O estadista expirou com o pensamento no seu país.
d) Faleceu ontem o Sr. José dos Santos Abreu.
No primeiro exemplo, morreu é o termo usual e tambémo termo identificador, aquele que 
traduz a ideia geral, menos expressiva, por assim dizer. No segundo exemplo, pasmamos do 
atrevimento da expressão; sentimos imediatamente que esticar o pernil é um termo de gíria 
popular, que evoca esferas inferiores da população. No terceiro exemplo, expirar aparece-
nos como um vocábulo literário, só usado nos livros. Enfim, no último exemplo, faleceu 
dá-nos a impressão de um meio burocrático, jornalístico. A palavra, que tem carácter 
eufemístico, é empregada em estilo correcto, cerimonioso e levemente afectado.
Uma das coisas que melhor denumciam o aprendiz de estilo é o desconhecimento desta lei 
importante, que consiste em empregar as palavras que condigam com o ambiente
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M. RODRIGUES LAPA
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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psicológico ou social. Suponhamos esta frase: «Eurico, nas solidões do Calpe, não esquecia a 
mulher de quem gostara um dia». Aquele gostar introduz no discurso uma nota quase cómica, 
porque, sendo um termo familiar, de andar-por-casa, não se pode aplicar à paixão devoradora dum 
romântico tal como Eurico.
Se as palavras evocam o meio social, claro está que não poderemos pôr na boca dum campónio que 
conta um acidente, uma expressão como esta: «Quando o pedregulho caiu, fiquei um momento 
perturbado-». O que ele certamente diria era azoinado, aparvalhado, etc., palavras que 
correspondem aos seus hábitos linguísticos.
Note-se ainda que há também tendência de quem fala para se aproximar do entendimento daquele 
que ouve. Um cavador foi agradecer a um doutor um acto de generosidade. O doutor não lhe diz, se 
souber falar: - Penhorou-me a sua amabilidade; repito, porém, nada tem que me agradecer. Isso 
diria a um seu igual, em estilo epistolar, literário. Ao pobre homem, para que ele compreendesse 
bem, diria mais ou menos isto: - Ó homem, muito obrigado pela sua atenção, mas nada tem que me 
agradecer, valha-o Deus!
10. Os dicionários analógicos. - Acabámos de ver palavras que apresentam vários aspectos duma 
mesma noção; mas é natural que cada um dos elementos duma série sinonímica sugira por seu turno 
outras palavras, com que tem ou pode ter certas afinidades. Entra em jogo a chamada associação de 
ideias, que desempenha um papel importante no mecanismo do nosso espírito e portanto na técnica 
da expressão.
Os vocábulos belo, amor, frio, morrer, são conceitos abstractos, que se identificam e esclarecem no 
nosso espírito por meio da noção contrária :feio, ódio, calor, viver. Estas palavras, que designam o 
contrário ou a face oposta das coisas ou ideias, chamam-se antónimas. Estão implícitas nos
termos abstractos, como que fazem parte da sua definição. O povo diz com graça e com uma certa 
verdade: - Que vem a ser bonito? - É aquilo que não é feio. Fugindo da complicação das definições, 
sempre delicadas, define um termo pelo seu contrário. E procede com certa razão: a maneira mais 
prática de definirmos o belo e o feio é pô-los a par um do outro.
De modo que o princípio da analogia leva a considerar numa palavra em primeiro lugar o seu 
contrário; depois, todos os termos que se lhe ligam por associação de ideias. Para não sairmos da 
noção de belo, fixemos desde já o antónimo feio e vejamos os vocábulos e locuções mais correntes 
que se ligam aos dois termos:
BELO
Expressões substantivas: beleza, formosura, graça, encanto, atractivo, lindeza, boniteza, amabilidade, 
elegância, boa aparência, boa parecença, perfeição, majestade, Adónis, Narciso, narcisismo, Vénus, Helena, 
garridice, louçania, querubim, gentileza, donaire, etc.
Expressões verbais: ser belo, brilhar, luzir, resplandecer, aformosear, florescer, embelezar, alindar, enfeitar, 
adornar, ornar, parecer bem, transformar se de feia lagarta em linda borboleta, estar que nem um palmito, estar 
mesmo um amor, - um primor etc_
Expressões adjectivas: belo lindo, bonito, gentil, garrido, esPecioso, loução, vistoso, bem pro-
FEIO
Expressões substantivas: fealdade, monstruosidade, enormidade, deformidade, desproporção, má aparência, 
má catadura, suj idade, imumdície, Polifemo, Vulcano, Sileno, Quasímodo, diabo, bruxa chimpanzé, bode, 
sapo, osga, mostrengo, bicho, urso, macaco, estafermo, aleijão, etc.
Expressões vetbais: ser feio, ter má aparência,-má catadura, fazer caretas, ter a pele engelhada, ser um aleijão, 
ser estropiado; deformar, aleijar, estropiar, sujar, lambuzar, borrar, besumtar, deturpar, sarapintar, enfarruscar, 
ser feio como um bode,-como o diabo, etc.
Expressões adjectivas: feio, sem beleza, desengraçado, hediondo, feio de meter medo, caricatural,
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M. RODRIGUES LAPA
amores, etc.
rado, etc.
Se fizermos isto para todas as representações fumdamentais que possam arrastar outras 
ideias e por consequência outras formas de expressão, teremos feito um «dicionário 
analógico», ou «ideológico». São de grande benefício para o escritor, que por vezes procura 
a expressão mais adequada. Tê-la-á à sua disposição nesses repertórios, quando bem
elaborados.
Só em 1936, apareceu um dicionário desses para a nossa
língua, com certo desenvolvimento. É o Dicionário analógico Aã língua portuguesa, do 
P.e Carlos Spítzer (Porto Alegre, Livraria do Globo). Adopta uma sistematização muito 
discutível e embaraçosa para o estudioso e inclui, sem discriminação, os idiotismos 
portugueses e brasileiros, o que pode levar a algumas confusões. Mais claro, embora 
menos completo, é o Vocabulário analógico saído um pouco antes, da autoria do lexicólogo 
brasileiro Firmino Costa, o qual dá por vezes a abonação literária das expressões. 
Ultimamente, em 1950, foi publicado também no Brasil, o Dicionário analógico, de 
Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Padece dos mesmos defeitos, mas é talvez mais 
prudente e criterioso na escolha de termos de idêntico significado.
As duas colunas sobre belo e feio foram em grande parte aproveitadas de Spitzer; mas não 
incluímos algums termos nele contidos, por abusarem um pouco do conceito da analogia: 
careca, calvo, bexigoso, vermelhaço, cabelo de fogo, desaire, etc. É evidente que, a 
propósito de feio, se podem
ESTILÍSTICA DA UMGUA PORTUGUESA
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menos naturais,
íomfa nos bons diários anato-
gicos.
3.
O VOCABULÁRIO PORTUGUÊS
in
1. História e fisionomia do vocabulário português. -
A grande maioria, poderemos dizer a quase totalidade das palavras usuais portuguesas, provém do 
latim; não daquele latim polido, empregado pelos escritores da Roma imperial, mas da língua 
plebeia das tabernas e alfurjas, falada por soldados, por colonos e pequenos mercadores. Foram 
estes elementos da população romana que introduziram a sua língua na Península Hispânica, nos 
momentos da invasão e da conquista. Era a língua dos vencedores: ficou sendo pouco a pouco a 
língua dos vencidos, porque trazia consigo o prestígio duma grande civilização. A língua 
portuguesa, como afinal as outras línguas aparentadas, tem portanto, como se vê, uma origem bem 
humilde, caracteristicamente popular. Não nasceu em berço doirado.
Esse latim popular, que, mais tarde, por transformações de vária ordem, deu o português, era, como 
toda a linguagem plebeia, um instrumento de comunicação social, tosco, abreviado e sobretudo 
concreto. Usava um vocabulário em muitos pontos distinto do latim literário. Por exemplo, para 
designar «boca», dizia bucca e não ore; para «cavalo» dizia cábállu e não équu; para «casa» dizia 
casa e não dómu; para «grande» dizia grande e não mágnu.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
43
Estamos vendo a importância deste facto: a escolha feita pelo latim vulgar ainda hoje vale para a 
língua comum. Efectivamente, em linguagem despretensiosa dizemos boca, cavalo, casa, grande; 
mas para os seus derivados já usamos ou podemos usar os termos literários: oral, equestre, 
doméstico, magnitude.
Durante algum tempo foi essa língua a usual na Península; mas o conquistador, por meio de escolas, 
foi derramando logo na terra conquistada o conhecimento da cultura latina, dos seus grandes 
escritores: de modo que,em breve, se deu um facto corrente em todos os idiomas: o lusitano 
começou a empregar duas línguas-uma, quando falava, outra, quando escrevia. Sempre que um 
povo se adianta na cultura, essa distinção é inevitável.
Veio depois a grande arremetida dos bárbaros germânicos. A Península é outra vez invadida e 
assolada. Mas os germanos possuíam uma civilização inferior; dominando pelas armas, deixaram 
intacta a velha cultura, imprimindo-lhe leves modificações, sobretudo no campo do direito. A língua 
continua a mesma; porém o vocabulário foi acrescido de um certo número de palavras, que 
denumciavam as preocupações guerreiras dos conquistadores. Termos de guerra, sobretudo, ou 
coisas aparentadas com a guerra, foi quanto a língua adquiriu com a invasão dos germanos: 
agasalhar, albergar, arreio, baluarte, banir, barriga, bradar, brandir, dardo, elmo, escaramuça, 
esgrimir, franco, galope, garbo, gastar, guerra, grinalda, luva, marchar, orgulho, raça, roubar, 
sala, tirar, trepar, etc.
Como vemos, a maioria destes vocábulos tem uma fisionomia acentuadamente militar. A 
acumulação dos rr parece dar-lhes a sonoridade dum tinir de armas; a natureza violenta e selvática 
dos germanos espelhou-se nas predilecções do seu vocabulário.
Três séculos depois, a Península sofre nova invasão: a dos árabes. A civilização dos árabes era 
talvez superior à
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M. RODRIGUES LAPA
cristã; não puderam porém conquistar toda a Ibéria. Ao norte, no Cantábrico, ficou um reduto 
cristão, de onde partiu, com implacável tenacidade, a guerra da reconquista. Tem-se hoje como 
certo que a maioria dos árabes sofreu logo de início e cada vez mais a influência da cultura e até da 
língua românica; mas não é menos verdadeiro que alguma coisa devia ficar da longa dominação 
islâmica. O vocabulário português de origem árabe denumcia bem em que medida se exerceu entre 
nós a influência dos sarracenos, que introduziram na Península novidades referentes à agricultura, 
indústria, ciências e artes, jogos, comércio, administração, etc.
Eis algums dos vocábulos mais usuais de origem árabe: açorda, alambique, álcool, alecrim, 
alfaiate, algarismo, alqueire, armazém, arroba, arrobe, azul, fatia, garrafa, mesquinho, oxalá, 
xadrez, xarope, etc. Pelo sentido destas palavras verificamos que o domínio da civilização árabe foi 
grande, pelo que respeita aos aspectos materiais da vida; mas dificilmente se encontrará na lista uma 
palavra abstracta, exceptuando a interjeição oxalá, que exprima ideias ou sentimentos da alma. Até 
mesmo aquele mesquinho parece ter sido ao princípio uma palavra concreta e significar «mendigo», 
«pedinte». Logo, a requintada cultura árabe não tocou na estrutura da língua; limitou-se a 
enriquecer o vocabulário de palavras que traduzem geralmente as aquisições da técnica e os gozos 
terrestres da vida.
Outras influências vieram depois enriquecer o nosso vocabulário. Acima de todas coloca-se a da 
língua francesa, que, por ser a expressão duma apurada cultura, logo de início, nos primeiros 
tempos da fumdação de Portugal, se fez sentir entre nós. Numca devemos esquecer que o primeiro 
chefe de Portugal foi um nobre francês, o conde D. Henrique de Borgonha, e que franceses ou gente 
afrancesada combateram por Portugal logo nos primeiros tempos da nossa existência de nação livre. 
Esses soldados franceses,
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
45
depois da guerra, estabeleciam-se no reino e nele constituíam família. Muitas das povoações da 
Estremadura e Ribatejo foram colonizadas por eles, então designados sob o nome geral de Francos.
2. O estrangeirismo; os galicismos. - Quando quisermos estudar o problema dos galicismos, assim 
se chamam os termos ou locuções afrancesadas que abumdam na nossa língua, devemos ter sempre 
presente o que acabamos de dizer: a verdade é que a nossa própria liberdade tem uma raiz francesa. 
Não é pois de estranhar que, acompanhando nós através dos séculos, com maior ou menor 
intensidade, o prestígio da cultura francesa, tenhamos recebido na nossa a marca da sua língua.
O problema é sobretudo um problema de ordem moral, que deve ser posto desta maneira: a 
influência duma cultura como a francesa, onde predominam a razão e a claridade, só pode ser 
benéfica para nós, com uma condição: que, em vez de nos escravizar ao estilo francês, estimule e 
clarifique as energias do nosso portuguesismo.
E, na verdade, é assim que ela tem operado entre nós. Dois exemplos: no século xui tivemos uma 
escola magnífica de poesia lírica. Foi a França que lhe deu o impulso inicial; a língua dos nossos 
trovadores acusa naturalmente um ou outro galicismo; mas essa influência estrangeira fez rebentar 
as fontes do nosso lirismo nacional, que se desentranhou em obras admiráveis. Outro exemplo: no 
primeiro quartel do século xix dá-se entre nós o movimento literário do Romantismo, sob o impulso 
de ideias que vieram de França, da Inglaterra e da Alemanha. Pois esse empurrão estrangeiro nada 
mais fez do que dar à nossa literatura uma orientação profumdamente nacionalista e humana. São 
disso prova as grandes figuras literárias de Garrett e Herculano.
Contudo, a nossa facilidade de imitação e aceitação de
M. RODRIGUES LAPA
modas estrangeiras pode conduzir-nos a excessos. E, de facto, sempre que surge uma vaga 
de francesísmo, há um período de imitação desordenada, efervescente. Logo depois se 
estabelece o equilíbrio, e na língua só ficam, por via de regra, os vocábulos que oferecem 
qualquer novidade. É inútil e até grotesco berrar contra isso. A adopção dos estrangeirismos 
é uma lei humana e particularmente portuguesa: constitui como que uma fatalidade, devida 
aos intercâmbios das civilizações. A língua, especialmente o vocabulário, só tem a lucrar 
com isso. O ponto está em que essa imitação não exceda os limites do razoável e não afecte 
a própria essência do idioma nacional.
Já atrás, no capítulo 2, nos referimos ao galicismo abandonar, que hoje está integrado 
definitivamente na língua e não é positivamente nela um «verbo-de-encher», como 
demonstrámos; corresponde a uma necessidade de expressão sentimental, que nenhum dos 
sinónimos preenche tão bem. Bastava isso para justificar o seu emprego. É essa, com efeito, 
a grande lei que rege ou deve reger a adopção de estrangeirismos: deverão ter acolhimento, 
quando correspondam efectivamente a necessidades de expressão.
Vejamos algums exemplos. A palavra bibeloí (leia-se bibelô) designa aqueles objectozinhos 
de arte, jarras, estatuetas, figuras, caixas, etc., com que embelezamos os aposentos da nossa 
casa. O termo sugere três ideias fumdamentais: o pequenino, o gracioso, o artístico. A moda 
dos bibelôs veio-nos de França, e é um produto com que a arte francesa adornava os salões 
fúteis e delicados do século xvm. Introduzida a moda e portanto o objecto em Portugal, 
veio com ele o nome, pois era coisa desconhecida entre nós. Assim se originam os 
estrangeirismos.
Pretendem os puristas, gente no geral pouco compreensiva e virada sempre para o passado, 
substituir esta palavra por outras, com sentido mais ou menos semelhante. No
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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fumdo, é a velha e errónea concepção do sinónimo. Já vimos que não há nem pode haver 
palavras com valor absolutamente igual. Procuram pois esses legisladores da república 
linguística substituir com vantagem o francesismo por palavras como: galantarias, 
bugigangas, brincos, brinquedos, objectos, artefactos, /utilidades. Um até, o professor 
brasileiro Carlos Gois, no seu Dicionário de galicismos, pretendeu substituí-lo pelo termo 
tetéia, que em luso-brasileiro significa mimo, brinquedo.
Um pouco de inteligência e de bom senso mostra-nos logo o ridículo e malfumdado de tais 
substituições. Nenhuma daquelas palavras é capaz de exprimir o conjumto de sugestões 
contido no vocábulo bibelô. O termo bugiganga é talvez o que mais se aproxima; mas 
contém uma ideia um pouco pejorativa de «coisa insignificante e não artística», que o 
distancia infinitamente de bibelô. A. diferençaentre os dois termos resulta claramente de 
um trecho de Fernando Namora, que nos representa o escultor Vasco Rocha, esperando sua 
amante Jacinta num quarto mobilado, cedido a esta por sua amiga Bárbara.
Enquanto aguardava a amante, estava ele «revendo e fixando as particularidades de cada 
bibelô, como se estivesse a desafiar e a exercitar a memória, propondo-se reconstituir de 
olhos fechados os pormenores mais ínfimos (um dos bibelôs, o campino, partira-se pela 
faixa vermelha que lhe cingia a cintura, num daqueles gestos desastrados de Jacinta, e fora 
colado com a perícia de um falsário - «vê se ela não dá por isso, senão tem para aí uma 
solipanta» -, para que Bárbara, ciosa da sua feira de bugigangas, não reparasse no 
estrago»).
- Os clandestinos, 2.a ed., pág. 81.
O sentido pejorativo de bugigangas é ainda reforçado por aquele nome, feira, que o 
antecede: era um objecto de quinquilharia, sem valor.
Uma outra palavra, que a moda francesa impôs ao nosso vocabulário: coquete, para 
designar a mulher que
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M RODRIGUES LAPA
veste bem e gosta de agradar. Tinha a língua, no seu velho fumdo, uma bonita palavra que 
designava quase a mesma coisa: garrida (garridice). Esse vocábulo foi caindo em desuso e 
passou umicamente a empregar-se como qualificativo de cor. Exemplo: «um vestido de 
cores garridas», isto é, berrantes, vistosas. Já o grande escritor português Almeida Garrett, 
que era um janota, dizia a respeito deste termo: «A palavra coquete não é portuguesa; mas 
não há remédio senão aceitá-la e dar-lhe carta de naturalização, desde que a cousa se aforou 
tanto entre nós.» Pode portanto quem quiser empregar a palavra garrida para qualificar a 
mulher janota e galante. Simplesmente, o vocábulo produz em nós certo efeito evocativo: 
conduz-nos a um mumdo antigo, de que estamos já desabituados. Soa como um arcaísmo, e 
perde nisso parte da sua força expressiva. É pena, talvez; mas é assim.
Um terceiro caso, o anglicismo lanche. Se disséssemos na cidade merenda em vez de 
lanche, como pretendem os puristas, cometeríamos uma falta de gosto, que nos tomaria 
ridículos. É que merenda evoca um ambiente rural, é quase uma expressão técnica das 
fainas do campo. Não serve portanto para a gente da cidade.
Há porém casos em que o estrangeirismo representa uma inovação escandalosa e 
indesejável, por absolutamente desnecessária. Está, por exemplo, muito em voga a forma 
estrangeira feminina massiva, do francês massive: «O partido socialista tem uma 
representação massiva no Parlamento». É um decalque disparatado, por desconhecer a 
forma correcta portuguesa, maciça, ou talvez melhor, na antiga ortografia, massiça, por se 
referir a massa = multidão.
Note-se que os nossos maiores estilistas, que se nutrem principalmente de literatura e ideias 
francesas, estão cheios de pecados contra o purismo do vocabulário. O próprio Camilo 
Castelo Branco, que é um formidável vernaculista,
ESTILÍSTICA DA LíNGUA PORTUGUESA
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e que tanto bramava contra o emprego dos estrangeirismos, abumda neles. Dois exemplos 
apenas:
1. «O destro jardineiro tira prodigiosas flores, redobrando e rajando as pétalas, que 
abrolhavam, anos antes, singelas, bem que formosas, na mesma tige» (Dispersos, m, 485).
2. «O que no ano passado corria despercebido escutou-se agora atentivamente (Dispersos, 
m, 325).
A palavra tige é um despropositado galicismo, por «haste», «caule», «pé»; e atentivamente 
está por «atentamente». Sem dúvida, para Camilo, num momento dado, tige não exprimia a 
mesma coisa que «haste», «caule».
No Brasil, Machado de Assis também não evitou os galicismos reprochar e reproche: 
«Ambos tinham que reprochar ( = censurar) um ao outro. O casamento absolvia-os» (laia 
Garcia, pág. 142). E teve até a coragem de justificá-los em nota do seu livro Papéis 
Avulsos, pág. 265. Abonando-se com Morais e Silva, não os considerava galicismos, e deu-
nos as razões pessoais do seu emprego: «Resta a questão de eufonia. Reproche não parece 
mal soante. Tem contra si o desuso. Em todo o caso, o vocábulo que lhe está mais próximo 
no sentido, exprobração, acho que é insuportável. Daí a minha insistência em preferir o 
outro, devendo-se notar que não o you buscar para dar ao estilo um verniz de estranheza, 
mas quando a ideia o traz consigo».
Em Eça de Queiroz e Fialho de Almeida, os pecados de francesia são frequentíssimos e por 
vezes até censuráveisVejam-se estes dois exemplos em Eça:
1. «Saíram enfim do hotel a fazer esse passeio a Sitiais» (Os Maias, i, 295).
2. «Estendeu a mão; mas o primeiro aperto foi gôche e mole» (Os M aias, i, 225).
4 - Estilística
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M. RODRIGUES LAPA
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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No primeiro, fazer um passeio substitui desvantajosamente «dar um passeio», português de lei. 
Eça de Queiroz sentia mais força expressiva no verbo «fazer» e adoptou o modelo francês. No 
segundo, deu ao termo francês gaúche forma portuguesa; não se lembrou de um adjectivo português 
que traduzisse a ideia. Os puristas dão, como sinónimo de gaúche: canhestro, desajeitado, 
acanhado, azambrado, esquerdo, zambro, lorpa, bisonho, etc. Seria de mau gosto e ridículo 
substituir goche por «canhestro», forma já desusada; precisamente os repertórios de galicismos 
insistem nesse velho termo; mas poder-se-ia evitar o francesismo, usando palavras bem 
portuguesas, como: atrapalhado, desajeitado, desastrado, ou o afrancesado, mas já unanimemente 
admitido, embaraçado.
Em Fialho de Almeida:
1. «levando em pós de si o olhar fetichizadoi> (O País
das Uvas, 214).
2. «as mãos - uma maravilha de finura e esquisitice»
(O País das Uvas, 140).
No primeiro exemplo dá-se o caso engraçado de se imitar a forma francesa, quando o francês já 
tinha imitado a forma portuguesa. Efectivamente, os franceses tomaram o vocábulo fetiche do 
português feitiço; e é na verdade estranho que se adopte esse galicismo, tendo na nossa língua a bela 
palavra enfeitiçado. No segundo exemplo, aquele esquisitice está por encanto, delicadeza, e, nessa 
acepção, é também um galicismo. A palavra existiu e existe em português corn o sentido de «coisa 
invulgar, estranha».
Há portanto no estrangeirismo, e muito particularmente no galicismo, dois casos a considerar: a 
adopção de vocábulos, e o emprego de construções ou de grupos fraseológicos que contrariam a 
natureza da língua. Os primeiros são geralmente menos graves: porque, ou ficam no idioma, por 
representarem uma necessidade, e passam, nesse caso, a vestir a
rtuguesa: af)ím(lonar> atitude, sofá, boné, desporto, túnel, turismo, embaraçar, etc., ou são 
repudiados pela língua, corno coisa que não serve e só teve moda passageira no falar corrente ou no 
livro de um ou outro escritor (ex. goche,
Os segundos, que constituem propriamente um decalque da construção estrangeira, são mais 
perigosos, porque podem envolver uma desnaturação mais grave da forma de pensar 
portuguêsmente. Pertencem a este grupo certas locuções como: fazer a honra, fazer o conhecimento 
com alguém, fazer um passeio, ter lugar (por «efectuar-se, realizar-se»), de maneira a, enquanto 
que, o emprego abusivo da preposição em (vestido em seda), o uso irregular do gerúndio, etc. A seu 
tempo trataremos alguns destes casos, nos seus devidos lugares.
Não vá o leitor concluir de tudo isto que nem Camilo, nem Machado, nem Eça, nem Fialho 
conheciam bem o português, pois que o desfeavam com máculas de estrangeirismos. O emprego do 
estrangeirismo limita-se, por via de regra, nesses escritores, a casos de vocabulário, o qual eles 
procuram colorir com auxílio do termo estrangeirado. A expressão portuguesa tinha para eles, no 
momento da composição, qualquer coisa de desbotado e corriqueiro, que não correspondia já às 
necessidades do estilo. Ou bem ou mal, é o próprio sentimento da arte e a curiosa procura do termo 
exacto que os leva a empregar os estrangeirismos. No mais, a sua língua é portuguesíssima de lei; e 
as suas audácias expressivas, se tiveram inconvenientes, também tiveram as suas vantagens.Em 
estilo, como no jogo, é preciso arriscar alguma coisa para se ganhar.
Concluamos pois. O estrangeirismo é um fenómeno natural, que revela a existência de uma certa 
mentalidade comum. Os povos que dependem económica e intelectualmente de outros não podem 
deixar de adoptar, com os produtos e ideias vindas de fora, certas formas de linguagem
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M. RODRIGUES LAPA
que lhes não são próprias. O ponto está em não permitir abusos e limitar essa importação linguística 
ao razoável e necessário. Contido nestes limites, o estrangeirismo tem vantagens: aumenta o poder 
expressivo das línguas, esbate a diferença dos idiomas, tomando-os mais compreensivos, e facilita, 
por isso mesmo, a comumicação das ideias gerais.
Uma coisa é necessária, quando o estrangeirismo assentou já raízes na língua nacional: vesti-lo à 
portuguesa. Os estrangeirismos mais em voga (blusa, chalé, interesse, clube, túnel, coquete, 
abandono, lanche, etc.) estão já incorporados no idioma, havidos e sentidos como portugueses. 
Aquelas palavras são empregadas por nós como se fossem nossas. Já outras, como vagom = vagão, 
furgom, etc., não estão ainda bem nacionalizadas. Lá chegaremos. Note-se que há um grande 
escritor português, Teixeira-Gomes, em cujas obras se nacionalizam deliberadamente os 
estrangeirismos: bulevar, bibelô, sofá, pompadur, abajur, etc.
O estudioso terá talvez empenho em consultar algum repertório de estrangeirismos. Temo-los, 
numerosos, entre nós. Aqui lhe damos a lista dos principais: Cândido de Figueiredo, 
Estrangeirismos; Carlos Gois. Dicionário de galicismos; Silva Bastos, Estrangeirismos; Vasco 
Botelho de Amaral, Dicionário de dificuldades da língua portuguesa (o mais recente e completo). A 
consulta de tais livros pode ter seus perigos para o principiante. Feitos com a preocupação 
exagerada do purismo clássico, com duvidoso discernimento e, por vezes, acentuado mau gosto, 
dão, para traduzir ideias modernas, termos antiquados, aproximações e perífrases, como se a 
preocupação de quem deseja escrever bem não fosse a busca do termo justo, lapidar, breve. Para o 
aprendiz de redacção o melhor ainda é a prática de escrever com liberdade e os conselhos e 
correcções dum mestre experimentado.
3. O neologismo. -- Apesar da abnndância do vocabulário, a língua necessita constantemente da 
criação de novas
ESTILÍSTICA DA LíNGUA PORTUGUESA
53
formas expressivas. Esses novos meios de expressão, inventados por quem fala e escreve um 
idioma, são chamados neologismos. O estrangeirismo, já o vimos, provém deste desejo, 
absolutamente legítimo e altamente fecumdo, de novas criações. Por necessidade, preguiça, 
comodidade ou gosto artístico, o escritor, não tendo em casa expressão idónea, vai buscá-la às 
línguas estrangeiras. Logo, os estrangeirismos não são mais do que uma das formas do neologismo.
Todavia, o termo usa-se mais para designar as palavras novamente criadas na língua: seria melhor 
dizermos «afeiçoadas», porque a criação absoluta, total, é raríssima. Já o vamos ver da seguinte 
lista, que compreende algums dos neologismos mais em voga actualmente: aclimar, aclimatar, 
actuação, adentro de, amarar (= pousar na água), aperceber-se de (- notar), a quando de (= por 
ocasião de), ascenso, aterragem, avião, chefia, chefiar, eclodir, enfrentar, extremista, focalizar (uma 
questão, um ponto literário), homenageado, ideológico, imiscuir-se, metragem, senfilismo, 
solucionar, vincar, zigue-zaguear, ensimesmar-se, silenciar, mentalizar, contactar, impacto, 
conscientizar, desfasamento, etc.
Verificamos que o neologismo compreende palavras novas, mas formadas dentro dos processos 
usuais na língua, ex.: amarar, enfrentar, metragem, etc., ou palavras já existentes, mas às quais se dá 
novo sentido: aperceber-se de, focalizar, vincar, etc. Nenhuma delas, porém, é palavra no vinha em 
folha; prova de que a língua não cria, mas propriamente transforma, com material de que já dispõe.
Não discutimos agora se todos estes neologismos têm direito a incorporar-se no idioma. A história 
das palavras é muito caprichosa, também está sujeita a modas passageiras; mas quase se pode 
garantir que a maioria delas subsistirá. Há, é claro, além destes neologismos de uso geral, as 
criações individuais de cada escritor. Fialho de Almeida, sobretudo, foi um grande rebuscador de 
neologismos, que
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M. RODRIGUES LAPA
por vezes tirava do fumdo provincial e da linguagem técnica: nuvezinhado, nevrostizar, 
chafra-nafra, transfazer-se, independeníizar, voriilhões, emotival, etc.; mas destes, 
pouquíssimos ficaram.
Note-se que a linguagem científica e as necessidades da propaganda comercial são hoje os maiores 
propulsores da criação de neologismos. Basta ler um prospecto farmacêutico para se ver a enorme 
vegetação de termos científicos modernos: cefalàlgia, otite, hidroterapia, dermatose, edema, etc. 
No mumdo comercial, a importância do neologismo é ainda maior, porque do nome do produto 
depende em parte o êxito da sua venda. Forja-se pois um nome vistoso e sonoro. Dizia o grande 
linguista Brumot, com graça: «A melhor maneira de compreender o que é a criação verbal é reparar 
num muro coberto de anúncios ou na última página dum jornal de informações».
Os literatos têm ainda um último recurso para forjar neologismos: recorrem ao latim e até mesmo ao 
grego. Dão assim nobreza a certas expressões mais gastas e triviais. Algums exemplos:
1. «Em toda essa magna série de trabalhos domina a composição» (Teixeira-Gomes).
2. «Os gemidos do filho eram mais dolentes e crebros» (Trindade Coelho).
3. «Intermináveis teorias de mulheres gentis» (Venceslau de Morais).
4. «Quando a procissão acedeu à capela, apartaram-se os anjinhos» (Aquilino Ribeiro).
Nestas quatro frases, magna está por «grande», crebros por «frequentes», teorias por «filas», 
«séries», acedeu por «chegou». Nestes casos, o emprego da palavra nobre confere certa majestade à 
frase; mas o seu poder expressivo dimi-
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
nui para o leitor médio, pouco familiarizado com o termo clássico, latino.
Curioso é o emprego da palavra fugace neste passo de Lima Barreto:
«Sentou-se e quis começar uma modinha sobre a glória, essa coisa fugace, que se tem e se pensa 
que não se tem» (Policarpo Quaresma, 128).
A forma fugace, por fugaz, não se deve apenas a um propósito de latinização do vocábulo; é 
também evidente nela uma intenção rítmica, um arredondamento fónico mais ajeitado à prommcia 
brasileira.
4. O arcaísmo. - Como temos visto, a criação linguística consiste principalmente em utilizar para 
novos fins o material existente. E como esse material anda arquivado nos dicionários, quem escreve 
tem à sua disposição uma quantidade grande de vocábulos com idêntico significado. Muitos desses 
vocábulos já morreram. Têm porém aos olhos de muitas pessoas certo encanto, o suave aroma das 
coisas velhas. Evocam um mumdo distante, e a imaginação ama por vezes refugiar-se nessa 
atmosfera do passado. Para o escritor que procura fazer ressurgir a vida de antigos tempos, essas 
ressurreições do vocabulário são necessárias, porque, pelo seu poder fortemente evocativo, ajudam 
a dar a chamada «cor local».
Estas restaurações, obrigadas ou volumtárias, pouco importa, da linguagem antiga, são chamadas 
arcaísmos. O seu estudo e a sua história são na verdade muito interessantes e altamente elucidativos 
para o aprendiz de redacção, ao qual importa distinguir, na linguagem, entre o que é vivo e o que 
está morto.
Há na história de todas as línguas um período, naturalmente curto, em que, a par do vocábulo usual, 
ainda se
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M. RODRIGUES LAPA
não perdeu totalmente a consciência do termo velho, que vai desaparecendo. Efectivamente, as 
palavras não morrem de um golpe. Vão sendo pouco a pouco abandonadas, em benefício de termos 
novos, até que perecem e ficam sepultadas no seu cemitério próprio, que são os dicionários.
Mas sucede também que o arcaísmo pode iludir o seu destino e permanecer na língua com um 
sentido especial. Três exemplos destaespecialização de sentido são os termos nojo, britar, 
escudeiro. Nojo significava na linguagem antiga «pesar»; britar designava «partir», «quebrar»; 
escudeiro era o pajem que levava o escudo do fidalgo. As três palavras subsistem ainda hoje na 
língua, nas seguintes locuções: «andar de nojo», isto é, «de luto»; «britar pedra»; enfim, escudeiro 
é ou foi o criado de mesa de certas casas fidalgas da província; substituiu o escudo pela bandeja e 
travessas, com que servia pacificamente os seus patrões.
Pode dizer-se que nojo e escudeiro estão a desaparecer, se é que já não desapareceram, 
definitivamente do uso vivo da língua; a primeira já cedeu de há muito o lugar ao sinónimo luto, - 
tinha a desvantagem de poder estabelecer confusão com nojo = «repugnância»; a segumda, usada 
por Eça de Queiroz no seu romance A Cidade e as Serras (16.a ed., págs. 38, 45, 47, 57), limitada a 
certas casas nobres provincianas, não resistirá muito tempo à onda de modernismo, que tudo 
avassala, até mesmo os costumes da aristocracia; britar, a terceira, continuará possivelmente a 
dizer-se, enquanto houver britadores de pedra - o que não será por muito tempo, dado o emprego 
geral dos maquinismos a substituírem a mão do homem. São pois três palavras condenadas, mais ou 
menos moribumdas.
Apesar disto, os escritores têm arte de as fazer ressurgir nos livros, como dissemos. Se alguém 
pronumciasse, ao pé de nós: «O meu lápis 6riío«-se-me»; ou: «Sinto muito nojo pelo mal que lhe 
sucedeu», possivelmente riríamos às gargalhadas com a impertinência do arcaísmo. Já não rimos,
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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porém, se acharmos os termos escritos, em lugar próprio, para darem a atmosfera do tempo antigo:
«O nobre escudeiro, cheio de sanha e nojo, britou as portas do paço do rico-homem».
Nesta curta frase temos nada menos de seis arcaísmos, que a literatura alberga ainda, mas que a 
língua corrente repudiou já quase por completo.
No turbilhão lexical que é a língua de Aquilino Ribeiro, forjada de todos os elementos possíveis e 
tirada muitas vezes do velho fumdo popular, lá aparece o arcaísmo britar:
«Uma martelada imprudente cortou a corda, e três homens vieram britar-se nos abismos rochosos 
da torrente» (Volfrâmio, 166).
Já o primeiro gramático da língua portuguesa, Fernão de Oliveira, observava, em 1536, que o 
arcaísmo dava vontade de rir. Por isso, os autores o empregam não raro com fins vaga ou 
declaradamente jocosos. É, quando bem utilizado, um elemento de humorismo. Veja-se esta frase de 
Fialho de Almeida:
«Um, d’olhares mortiços, cujo gastrálgíco aspeito dizia um poeta desempregado».
Aquele aspeito, por «aspecto», dá-nos uma impressão de cómico, acentua o contraste entre a 
literatura e a vida, o sonho e a realidade.
Também Teixeira-Gomes pretende o mesmo efeito, ao empregar o arcaísmo terribil na seguinte 
frase: «Terribil foi, e perigosíssima, a luta em que se envolveram aqueles três animais». É possível 
ainda que, na mente do escritor, o adjectivo terribil equivalesse a um superlativo, andando
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M. RODRIGUES LAPA
por isso nele aliadas as noções de intensidade e de humorismo. É isto mesmo que se verifica nestes 
versos de Carlos Drummond de Andrade, o grande poeta brasileiro: «Senhor! Senhor! / quem vos 
salvará / de vossa própria, de vossa terrlbil ’f estremendona / inkomumikhassão ?» (Impurezas do 
branco, 2.» ed., pág. 7).
Érico Veríssimo, no seu romance Música ao longe (3.a ed., pág. 83) representa-nos Leocádio, um 
velho misterioso e ridículo, dizendo isto: «- As meninas andam loucas por mim; eu é que não lhes 
dou fiúza. - Clarissa arregalou os olhos. Fiúza! Mais uma palavra misteriosa. Seu Leocádio é uma 
delícia!» Aquele fiúza (= confiança) é uma velha palavra do português medieval, ainda usada em 
algums falares do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais. O escritor gaúcho soube tirar dela, pelo 
contraste das gerações, um belo efeito de mistério e de humorismo. Que o vocábulo também se usa 
no falar caipira de São Paulo parece provar-se por este passo do romance Briguela, do escritor 
David Antumes; mas aqui é usado sem matiz irónico: «pegou a mexer com as ideias, na fiúza de que 
uma delas servisse de candieiro para a sua dúvida» (págs. 67, 145). Já que falamos de arcaísmos 
paulistanos, convém averbar a forma imos, em lugar de vamos, no romance regionalista de João de 
Sousa Ferraz, Aguapés flutuam na ribeira, 3.a ed., 1977, pág. 127.
E, finalmente, Carlos Drummond de Andrade, ao tratar a figura de D. Quixote, usa intencional e 
humoristicamente outro arcaísmo, giolhos = joelhos, definindo deste modo o cavaleiro da triste 
figura, que pretendia ressuscitar os ideais da cavalaria andante: «De giolhos e olhos visionários / me 
sagro cavaleiro andante» (Impurezas do branco, 2.a ed., pág. 63).
O emprego do arcaísmo passou dos bons autores para os plumitivos de baixa categoria. «Como sói 
(= costuma) dizer o vulgo» é ainda hoje um cliché arcaizante, que se vê não raro na pena de 
jornalistas provincianos ou aprendizes
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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de redacção. Adrede, quiçá com o sentido respectivamente de «propositadamente» e «talvez», 
também são usados em estilo pretensioso. Quando não empregados com sentido humorístico, 
revelam geralmente incultura e mau gosto por parte de quem os escreve.
Um caso curioso, não propriamente de incultura mas de muito mau gosto, foi o que se passou com 
dois escritores políticos do Liberalismo português, Manuel da Silva Passos e João Bernardo da 
Rocha. O primeiro escrevia o arcaísmo pêra em vez de para, o segumdo usava a forma poêr, ainda 
mais arcaica, em lugar de pôr. Por isso, foram postos a ridículo pelos seus adversários miguelistas, 
que lhes chamavam respectivamente «Pêra de ignorância presumçosa» e «João Poêr». - Apud 
Oliveira Martins, Portugal Contemporâneo, 6.» ed., i, 228.
É portanto conveniente ter especial cuidado com o emprego dos arcaísmos. Evocando um mumdo 
antigo, tendem a tomar ridículo o que se escreve e a pessoa que os utiliza. E isso é de algum modo 
justo, porque em estilo, como em tudo, somos obrigados a ser homens do nosso tempo. A prática e o 
bom gosto evitarão esses despropósitos.
4.
O VOCABULÁRIO PORTUGUÊS
IV
1. O jogo das palavras. - O homem com tudo brinca, nas suas horas de desenfado; até com as 
palavras, que dão forma ao seu pensamento. Conta-se uma anedota curiosa, que vai pôr o leitor em 
frente de um equívoco involumtário de expressões:
«Viera para a aldeia um médico, já idoso. O seu primeiro doente foi um lavrador que se queixava de 
fortíssimas dores nas costas. O doutor receitou-lhe uma pomada, para friccionar as cadeiras com 
força, à noite e de manhã. Passados oito dias, encontrando o doente, diz-lhe o médico:
- Então, como tem passado ? Já não tem dores ?
- Ai, Sr. doutor, as cadeiras estão muito lustrosas, mas eu estou na mesma!
- Ora essa! Como aplicou você o remédio que lhe receitei ?
- Olhe, Sr. doutor, - respondeu o lavrador - todas as noites e todas as manhãs esfrego com quanta 
força tenho as cadeiras da minha sala. Estão lindas, estão: mas as dores ainda me não passaram.
O médico soltou uma gargalhada e disse-lhe:
- Oh! homem, não são as cadeiras da sua sala, mas as
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 61
cadeiras do seu corpo, os quadris, que você deve mandar esfregar!
O aldeão compreendeu, assim fez e daí a pouco estava curado».
É por essas e por outras que no português popular do Brasil já se usa, neste caso não cadeiras mas 
escudeiras (= quadris), para evitar confusões.
Vemos por aqui em que consiste o jogo de palavras, também chamado trocadilho: deu-se um 
equívoco entre os dois sentidos diferentes do mesmo vocábulo, de que ia resultando mal para o 
pobre lavrador, sem culpa de ninguém. É o tipo mais frequente -• o trocadilho entre homónimos. 
Aqui porém, o jogo de palavras foi inconsciente. O campónio ignorava que «cadeiras» pudessem ter 
aquela significação que lhes atribuía o médico.
Pode contudo jogar-se com as palavras de modo propositadoe até para fins malévolos. No tempo 
das guerras liberais, por ocasião do cerco do Porto, os pregadores miguelistas diziam ao povo 
ignorante das aldeias que o liberal D. Pedro comia crianças assadas. E para prova desse crime 
abominável liam do alio do púlpito um número da Crónica Constitucional, onde se referia que Sua 
Magestade comia a cada jantar um pequeno assado. Faziam por sua conta e com fins de 
propaganda política o trocadilho, alterando a natureza gramatical e o sentido dos dois elementos: 
pequeno, de adjectivo passava a substantivo com significação de «criança»; assado, de substantivo 
passava a adjectivo-particípio.
É claro que o modo de dizer, a entoação, desempenhavam papel preponderante na formação do 
equívoco. Só o jeito especial de pronumciar, carregando no termo pequeno, podia iludir os ouvintes.
A semelhança morfológica dos homógrafos também serve naturalmente para o fabrico dos 
trocadilhos. Há no acto m do Frei Luís de Sousa de Garrett um belo exemplo desse jogo
62
verbal. O romeiro pressente que o seu velho aio já não é 0 mesmo para ele: como que lhe pesa da 
sua vida, um tropeço na felicidade daquela casa. E põe-se a jogar amargamente com as duas formas 
de pesa e pesa, hoje fumdidas numa só, mas diferenciadas ainda no tempo de Garrett. Ouçamo-los:
TELMO - Há de me pesar da vossa vida? (A parte) Meu Deus, parece-me que menti...
ROMEIRO - E por que não, se já me pesa a mím dela, se tanto me pesa ela a mim?
Umiformizar, como se tem feito, a grafia da palavra é destruir a ironia pumgente desse trocadilho, 
tão de propósito imaginado por Garrett.
Além destes, os escritores usam ainda outros processos para fazerem o jogo verbal. Um deles é a 
utilização do arcaísmo para efeitos de trocadilho. O sentido arcaico de uma palavra, por ser coisa 
velha e pouco usada, tem certa graça cómica. Por isso os escritores o empregam. Um exemplo: 
«Não sou de parecer que V. M. deixe agora o seu convento para ir às Caldas, que, ainda que haja 
achaque que o peça, não é esse o achaque em que eu aconselhara a jornada».
Nesta frase, o seu autor, Fr. António das Chagas, joga com os dois sentidos do vocábulo: o 
significado corrente de «doença, moléstia» e o sentido antiquado de «pretexto, ocasião». O mesmo 
fez o venerável Fr. Luís de Sousa, sem fins humorísticos, mas para simples brilho da frase: «Quis o 
Senhor mostrar quanto se paga de uma determinada e verdadeira conversão, e quão bem a pagai). 
Aqui jogou com o sentido usual «recompensar, retribuir» e com a significação antiquada do verbo 
reflexo pagar-se de = agradar-se de. Nos dicionários populares correntes não vem esta última, 
acepção do vocábulo, por ser já inteiramente desusada ;^ mas só compreenderá o trocadilho quem 
tiver presente o significado do arcaísmo.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
Uma outra fonte de trocadilhos é a exploração do signifcado etimológico da palavra. Por exemplo, 
o vocábulo Melancolia, de origem grega, significa propriamente «bílis ara» Tanto bastou para 
que D. Francisco Manuel de ”leio o grande escritor já nosso conhecido, imaginasse este 
’oeo’verbal: «A melancolia, ainda que negra, não dá boa tinta ao que se escreve». E o P.6 António 
Vieira, um mestre em trocadilhos, estoutro, no qual se joga com o sentido etimológico da palavra 
douto: «Quem não é dócil não pode ser douto, antes a mesma docilidade é um sinónimo de 
ciência».
Ainda serve para fabricar trocadilhos a diferença de sentido que existe entre a palavra simples e a 
palavra composta. Sobre os dois termos sentir e consentir engenhou Fr. António das Chagas um 
curioso jogo vocabular: «Anime-se e dê muitas graças a Deus por sentir as suas tentações; porque o 
senti-las é bom, c só o consenti-las é mau». E na última guerra civil de Espanha, o escritor 
Umamumo, referindo-se a um dos partidos em luta, dizia, jogando com as palavras: «Vencereis, mas 
não convencereis».
Por vezes trata-se de uma falsa composição, como neste exemplo dum escritor gongórico: «Não 
queira estar sempre como menina no leite dos espirituais deleites». De facto, o termo deleite não é 
um composto de leite, como parece à primeira vista.
Se tal sucede com os compostos, é natural que o mesmo
se dê com os derivados ou falsos derivados, como se vê
neste trecho duma carta de Latino Coelho a um seu amigo:
«Já adivinhas que fumdei uma Trappa na Rua dos Poiais de
• Bento, onde, se não há trapos, há pelo menos trapeiras, e
nesta cidade onde não há trapos religiosas mas há trapalhões e
rapeiros políticos e trapalhadas de tal ordem, como tu as
deves imaginar».
si .Jlnalmente, como o vocábulo perde às vezes a sua § cação PróPria inserido na frase, é 
de esperar que surja
64
M. RODRIGUES LAPA
o trocadilho, pelo confronto dos dois sentidos. Por exemplo: «Não se me dá já que me não dêem 
bom pago do que faço».
O grupo fraseológico dar-se de, equivalente a importar-se com, é aproximado do verbo dar no seu 
significado puro; daí resulta um engraçado equívoco. Deste teor é o trocadilho de Aquilino Ribeiro: 
«Convencer o mestre-de-obras é, de facto, um bico-ãe-obra».
Isto, pelo que respeita propriamente ao sentido, à significação interior do vocábulo; mas o 
trocadilho pode nascer de um simples equívoco de pronúncia, ter carácter, por assim dizer, exterior, 
meramente fonético. Um exemplo, neste diálogo:
-- «Minha senhora, eu queria a mala (= amá-la).
- Que diz ?! - exclama a senhora, cheia de indignação. O senhor é muito atrevido!
- Não sei porquê: desejo a mala, de que me ia esquecendo.
-- Ah! a mala... Está bem: tem-na ali ao canto. Leve-a».
Estes trocadilhos fumdados em equivalências fonéticas têm carácter mais grosseiro, mais artificial. 
Ouvimo-los - pois são feitos sobretudo para o ouvido - nas representações populares de comédia e 
revista, com sentido por vezes bem picante.
Dos exemplos apresentados vemos que o trocadilho constitui um jogo verbal, que pode, em certas 
circumstâncias, dar vivo realce ao pensamento. Os maiores escritores empregam-no, e houve épocas 
em que ele foi particularmente estimado. Camões, o maior de todos, cultivou-o em todas as suas 
modalidades. Mas não se segue daqui que aconselhemos o trocadilho para enfeitar a redacção dos 
nossos leitores. Em bom estilo deverá partir-se do pensamento para as palavras e não das palavras 
para o pensamento. Se lhe demos cabimento, é porque o consideramos um dos fenómenos mais 
curiosos da língua escrita, um forte espertador do sentimento
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 65
verbal, que atinge por vezes nas mãos do escritor uma graça diabólica, como se pode ver neste 
passo de Camilo: «Vieira de Castro criou inimigos; mas o jovem escritor voeja tão alto que não 
pode por ora enxergá-los cá em baixo. Notem que enxergá-los não deriva de enxerga, nem sequer é 
sinónimo de albardá-los».
2. A língua falada e a língua escrita. - De quanto temos dito sobre as palavras, com certeza ficou 
esta importante noção: que o homem emprega ou pode empregar diferentes vocabulários, segumdo 
a situação em que se encontra. O operário não fala como o intelectual, nem este como o campónio, 
embora todos se entendam, porque assim tem de ser, para bem da vida em comum.
Mas até mesmo o homem culto tem à sua disposição línguas diferentes, conforme a diversidade das 
situações em que se vê empenhado. Se encontra um amigo íntimo, um camarada de escola, emprega 
uma linguagem livre, salpicada aqui e ali de termos populares de forte expressividade. Se lida com 
pessoas de cerimónia, emprega um vocabulário e uma construção de frases já mais cuidados. Enfim, 
se é escritor e se se senta à mesa de trabalho, já a frase e as palavras são mais rebuscadas, menos 
correntes, menos naturais.
Vejamos um exemplo destas três situações num mesmo indivíduo:
1. «Meu rico, não fosses trouxa! Muitas vezes te disse que tivesses cuidado com aquele tipo. Não 
fizeste caso, e agora ferrou-te o cão. Toda a gente dizia que ele era um caloteiro de marca!».
2. «Meu caro senhor, foidemasiado confiado. Avisei-o muitas vezes de que deveria desconfiar 
desse homem. Não me quis crer e agora vê o seu dinheiro perdido. Era voz corrente que ele numca 
pagava as suas dívidas».
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M. RODRIGUES LAPA
3. «Fulano exprobrou ao amigo a sua imperdoável confiança. Dissera-lhe muitas vezes que se 
arreceasse daquele indivíduo. Mas o amigo não lhe dera ouvidos e agora sofria os resultados da sua 
imprudência. Na verdade, toda a gente proclamava a insolvência daquele homem».
No primeiro exemplo, a linguagem é viva, trepidante, afectiva como a conversação. Empregam-se 
termos de gíria popular, locuções da linguagem corrente: meu rico, trouxa, tipo, ferrar o cão, 
caloteiro de marca. No segumdo exemplo, esses vocábulos desaparecem por completo, porque a 
atmosfera agora é outra. A linguagem toma-se fria e correcta como a conversação entre pessoas de 
cerimónia, que evitam naturalmente os termos considerados baixos e os sobressaltos do sentimento. 
Enfim, no terceiro exemplo estamos já em outro clima. Põe-se em linguagem literária o caso, e o 
vocabulário ressente-se disso. Aparecem agora termos e locuções que não são de uso corrente, ou 
são menos usuais: exprobrar, arrecear-se, dar ouvidos, na verdade, proclamar, insolvência.
Por conseguinte, a língua culta é, por natureza, distinta da língua falada. O escritor empenha-se a 
traduzir para «mais belo» (pelo menos assim o julga) as expressões vulgares e um pouco gastas, de 
tanto uso, da linguagem de todos os dias. Esse trabalho de transposição é muito delicado e nele 
reside a marca do verdadeiro escritor. Como quer que seja, a missão da língua literária é depurar, 
enriquecer com a experiência individual, e disciplinar a língua do povo; e, ao mesmo tempo, adaptá-
la às múltiplas necessidades do homem civilizado. Sem isso, não pode haver cultura e muito menos 
literatura.
Compreende-se bem que, quanto mais culto se é, mais a língua escrita tende a diferençar-se da 
língua falada. O homem do povo, que mal sabe escrever, quase redige como fala. Eis aqui, para 
amostra, um certificado de pobreza
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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passado por um regedor minhoto em favor de Miquelína Rosa. Vem nos Serões da Província de 
Júlio Dinis e pertence à novela O espólio do senhor Cipriano:
«Eu Bento maria do portal, regidor de esta freguesia atesto im como, maquilina, rosa, martins, 
solteira, de esta Cidade, não tem, aberes para fazer as despesas do íntero do seu irmom cepreano 
cujo consta ter dinheiro. Mas o quê certo é que por morte se não incontrou i se é berdadeiro o dito 
do bulgo o debe ter, nalgum iscondrijo, que ainda se não inchergou. E por ser berdade o que 
Açupra, atesta e mo diserom pessoas diganas para mim de todo o creto, pacei esta que juro.
«Dada em esta Cidade a 12 de Janeiro de...
Bento maria do portal.»
O regedor, taberneiro de profissão, fez como soube, coitado. O documento acusa o 
formulário habitual das certidões administrativas: atesto em como, e por ser verdade o que supra 
atesto, etc. A pontuação é incrivelmente desordenada; a fala do Minho distingue-se no modo de 
proferir as desinências -ao, -am: irmon, diserom, e ainda na alteração do v em b: aberes, 
berdadeiro, bulgo, debe, berdade. Enfim, a construção da frase revela, pela sua irregularidade, a 
incultura do autor. Quanto ao vocabulário, note-se o termo administrativo e literário vulgo, 
que o taberneiro escreveu para conferir importância ao documento. Não era palavra do seu uso; 
vocábulo corrente e regional era enxergar, a que o regedor deu uma grafia bárbara.
Em suma: a certidão traduz a desordem da linguagem
falada, mas revela o esforço do homem do povo para dar
certo lustre ao estilo. É o que faz habitualmente quem
escreve. Quem está diante duma folha de papel sente semte
 Uma dificuldade, uma responsabilidade. A consciência
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M. RODRIGUES LAPA
diz-nos que se não deve escrever inteiramente como se fala; mas também nos previne dos perigos 
que há em nos afastarmos demasiado dessa linguagem natural, que traz em si todas as energias da 
alma.
3. A gíria. - Chama-se gíria, como vimos, ao conjumto de expressões de tipo popular, usuais na 
linguagem corrente e despretensiosa, e sobretudo frequentes nas esferas menos cultas da população. 
É reparável, nas pessoas de bom-tom, empregarem termos de gíria; mas, como há diferentes graus 
de gíria, admite-se geralmente o uso da mais inocente no trato quotidiano e familiar. É, como se vê 
do primeiro exemplo que apresentamos no capítulo anterior, um meio expressivo, cheio de 
vivacidade, bem adequado à linguagem falada, saltitante e dinâmica.
A gíria pode oferecer contudo outras modalidades e abranger a linguagem de certos meios especiais: 
colégios, prisões, oficinas, casernas, ambientes fadistas, etc. Quando assim é, chama-se 
propriamente calão. O calão é pois, de certo modo, a gíria com carácter mais reservado, mais 
secreto; ao passo que a gíria propriamente dita não passa de uma forma exagerada da linguagem 
familiar.
Nem sempre é fácil distinguir a gíria do calão. Veja-se o trecho seguinte tirado de A Ronda da Noite 
do escritor Bourbon e Meneses, em que abumdam essas duas formas de linguagem:
«José Francisco pôs na orelha a ponta do último brejeiro, inclinou para a nuca o chapéu já sem forma, e, 
tomando um dos copos, em frente do Plácido, que empumhava o outro, fez o brinde sacramental :
- Lá vai à sua, sor Plácido!
O Plácido parecia outro: até já tinha as mãos finas, que nem um fidalgo. De vez em quando aparecia ali pelo 
carvoeiro, que, pelos modos, também era da corda, e, como ele, tinha muita aceitação nos democráticos. Mas 
na «Brasileira» é que era vê-lo, a discutir
ESTILÍSTICA DA LíNGUA PORTUGUESA
69
política. E tinha importância! Então não o toscara lá, uma vez, com um militar graúdo, desses que trazem 
peles no casabeque, galões largos na manga, coronel ou major, com toda a certeza ? Pois então! Lembrando-
se disto, baixou um pouco a voz, por mor de dois tipos que estavam jogando o liques, e interrogou:
- Ó sor Plácido, é verdade que arrebenta hoje uma fita? Então, o Plácido, depois de indicar com um trejeito os 
jogadores
- «rapazes fixes, cá dos nossos»! - explicou, muito ufano: Os íalassas tinham tudo preparado para sair. Mas a 
rapaziada dos grupos sabia tudo. Era em casa duma condessa que reumia o «comité» dos monárquicos. Um 
cabo da marinha, o Daniel - isso é que era um cara direita! -fizera-se c’os traidores, até pusera bentinhos no 
pescoço e cantara tudo à rapaziada dos grupos. Eles tinham a coisa bem preparada, isso tinham! No quartel 
do 16 até já estava uma bandeira azul e branca, toda de seda, para ser «alvorada» logo que a fita 
arrebentasse... Ah! mas os grupos não estavam a dormir! Eles até sabiam quem é que tinha bordado a 
bandeira! Uma tipa, toda beatona, amiga dum papa-hóstias da Sé...
De trás do balcão, o Constantino, cofiando o bigode e o rancor, observou:
- Sempre quero ver se desta vez se faz a limpeza! Ponham-se com paliativos...
O Plácido protestou com veemência. Não, desta vez, acabava-se-Ihe com a raça! Quem viesse com águas 
mornas, truca! arreava-se-lhe logo! Tudo quanto fosse jesuíta havia de ser corrido dos empregos. E esta era 
uma grande medida, porque havia para aí muito republicano à brocha. E citava: Olha o Vicente marceneiro, 
um «sacraficado»! O Clemente, - coitado! - que levou um tiro em Monsanto e anda prai aos paus... E 
outros».
O trecho está todo salpicado de gíria e calão lisboeta, que são geralmente as palavras e locuções 
impressas em itálico. Entre aspas colocámos o galicismo «comité» e os termos «alvorada» e 
«sacraficado», que são propriamente adulterações fonéticas, em uso na linguagem popular. Os 
restantes casos pertencem à gíria; e é indispensável conhecê-la, se quisermos penetrar o significado 
perfeito do trecho. Para uso dos nossos leitores que habitam em lugares onde não chegou o 
conhecimento da gíria lisboeta, que vai 
70
M. RODRIGUES LAPA
alastrando portodo o País, aqui damos um pequeno vocabulário referente ao trecho:
1. brejeiro: cigarro forte. Outros termos sinónimos de gíria: paivante, pandilha.
2. sor: senhor. É contracção popular de «senhor».
3. ser da corda: pertencer ao mesmo grupo, compartilhar das mesmas ideias.
4. toscar: ver, avistar.
5. graúdo: de alta posição.
6. por mor de: por causa de.
7. tipo: indivíduo, sujeito.
8. fita: perturbação da ordem, motim, revolução.
9. fixe: seguro, de confiança.
10. talassa: homem de convicções monárquicas.
11. sair: romper as hostilidades, sair para a revolução.
12. cara direita: rapaz bom, firme. Sinónimo de gíria: cara-umhaca.
13. fazer-se com: meter-se com, insinuar-se como agente provocador. Em gíria ainda tem outro 
significado
- fazer a corte, ter relações amorosas: «O magala andava feito com a sopeira».
cantar: contar, denumciar.
papa-hóstias: beato, muito frequentador da igreja.
fazer a limpeza: pôr no são, fazer a depuração.
acabar-se-lhe com a raça: destruir, aniquilar para
sempre.
vir com águas mornas: aconselhar a clemência, a
brandura.
arrear: dar pancada.
corrido: expulso.
à brocha: em dificuldades. Sinónimo de gíria:
14.
15.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
à rasca.
22. andar aos paus: andar desempregado, em miserável situação.
ESTILÍSTICA DA LíNGUA PORTUGUESA
71
Se considerarmos com atenção este vocabulário, logo vemos que não há fronteiras perfeitamente 
definidas entre a língua corrente, a gíria e o calão. Todas elas se compenetram, mais ou menos. 
Como termos correntes poderíamos separar: graúdo, tipo, sair, cara direita, fazer a limpeza, 
acabar-se com a raça, vir com águas mornas. As expressões sor e por mor de são propriamente 
resultantes duma contracção fonética: senhor = sor; por amor de == por mor de. A segumda, 
pelo menos, deve ser originária da província. Como gíria poderíamos talvez separar: brejeiro, 
toscar, fita, fixe, talassa, fazer-se com, papa-hóstias, arrear, corrido, à brocha. No calão 
propriamente dito, como linguagem mais especializada, poderíamos incluir: ser da corda, cantar, 
andar aos paus, que parece pertencerem à língua dos vadios, fadistas e ladrões. Mas, como 
dissemos, não se podem traçar limites absolutamente seguros.
A língua giriática está ainda por recolher e estudar com profumdidade. Alberto Bessa publicou em 
1901 um vocabulário, a que deu o título de A gíria portuguesa. Presta serviços, embora esteja 
esgotado; mas é curioso ver o quanto a gíria tem variado de então para cá. Fenómeno de 
linguagem, e de linguagem vivíssima, está em transformação constante. Um exemplo: o termo 
trouxa é usado em gíria actual com o significado de «parvo, simplório». Está muito espalhado por 
todo o Portugal: os soldados que estão ums meses na capital se encarregam de levar essa linguagem 
para as suas remotas aldeias. Pois Alberto Bessa regista a palavra como calão de gatumo, com o 
significado exclusivo de «cabeça». De então para cá o vocábulo adquiriu valor diferente, como 
se está vendo. Foi possivelmente a imagem do pobre provinciano, que chega a Lisboa de trouxa às 
costas e com ar aparvalhado, que criou a nova significação da palavra. Ela já está 
devidamente arquivada, com o seu sentido actual, no mais completo repositório de gíria portuguesa 
moderna, que é o Dicionário de calão (1959), da autoria de Albino Lapa.
72
M. RODRIGUES LAPA
Por conseguinte, o conhecimento da gíria é indispensável para quem escreve e para quem lê. Quem 
escreve não pode representar um carroceiro ou um simples homem do povo falando como um 
marquês. Os homens têm a linguagem do seu meio, da sua profissão. Dize-me como falas, dir-te-ei 
o lugar que ocupas na sociedade. Por outro lado, o leitor que desconheça o vocabulário giriático 
pode encontrar sérias dificuldades na interpretação de livros que conduzam aos meios sociais em 
que se fala essa linguagem. O romance moderno realista procura justamente dar ao vivo o falar das 
suas personagens, reforçando com isso a evocação do ambiente.
4. O provincianismo. - Quando falamos em «povo», não podemos razoavelmente 
circunscrever este termo à população que habita nas cidades, onde se desenvolvem, por via de 
regra, a gíria e o calão. O povo das aldeias também fala a sua língua, que, na escolha do 
vocabulário, na alteração fonética da palavra e na construção da frase, se afasta não pouco do 
idioma da cidade. Os dicionários correntes não trazem todos esses termos e locuções; mas os 
escritores mais impregnados de vida regional colhem às mãos-cheias nessa abundante e pitoresca 
seara de modismos provincianos. No vocabulário de Camilo nota-se a influência do falar 
minhoto, o de Fialho está cheio de alente] anismos, e no de Aquilino Ribeiro transparece o falar da 
Beira. Vejamos um pequeno trecho deste último escritor, tirado da novela O burro do senhor seu 
dono:
«Ouça, senhor juiz, eu vinha do Castelo com... os potes do leite vazios, quando arriba da Corujeira, ao 
atravessar a sombra dos soutos, o safado do corpo me pediu sesta. Caía uma caloraça, que o chão deitava 
lume. E vai, tirei o aparelho ao animal, que parecia tão agravado como eu e assim espontaria mais a seu gosto 
ervas e estevas, que para ali crescem à desmedida. Estendi-me ao comprido
- o burro era um borrego, a mansidão em pessoa, tanto mais que
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
73
lhe haviam cortado os vícios de novinho - e pus-me a olhar para o fumdo do chapéu, que era de palha e havia 
prantado decima da cara, por via das moscas. Ora, mal comecei a dar voltas aos negalhos, em menos de 
avemaria dormia como um santo. Acordei com o sol a queimar-me a testa que nem brasa viva. Lanço olhos 
em redor, burro que é dele? Iria para a loja o alma de Barzabum?»
Como se vê, os termos regionais dão colorido especial à fala do homenzinho. Os vocábulos e 
locuções em itálico evocam certo meio popular e provinciano. Um homem da cidade não falaria 
assim. Logo, quem escreve é levado naturalmente a pôr na boca das personagens a língua que lhes é 
própria. E muitas vezes até os escritores não se desprezam de empregar no seu estilo pessoal muitos 
desses modos de dizer provincianos, tão cheios de força expressiva. A linguagem popular, quer 
citadina, quer regional, é sempre uma preciosa mina para quem souber cavar nela com acerto. Essa 
escolha deverá ser feita sempre com bom senso e bom gosto, de modo que os provincianismos não 
sejam tantos nem tão cerrados de sentido que possam dificultar gravemente a compreensão do texto.
5. O vocabulário usual. - Vamos fazer um exercício que mostrará ao leitor a extensão do 
vocabulário corrente, maior ou menor segumdo as pessoas, mas muito reduzido, se o compararmos 
à totalidade das palavras portuguesas registadas nos dicionários mais completos. Escolhemos a 
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira e limitamo-nos aos vocábulos que vão de atento a 
aterrado. São ao todo 40 nomes comums. Dessas palavras só uma meia dúzia, ou pouco mais, 
pertencem à linguagem de todos os dias. São elas: atento, atenuado, atenuante, atenuar, 
aterradamente, aterrado. E, se ainda considerarmos que atenuado, atenuante e aterrada mente são 
propriamente derivações de atenuar e aterrado, verificamos com surpresa que a meia dúzia se 
reduz a três: atento, atenuar, aterrado. Três palavras de uso comum,
74
M. RODRIGUES LAPA
não há dúvida, mas com valor desigual: sentimos perfeitamente que atenuar é palavra mais 
literária que as outras duas.
Os restantes vocábulos podem dividir-se nos seguintes grupos:
1. Palavras conhecidas, mas de emprego menos frequente: atenuação, atenuadamente, 
atenuador, atenuar-se, atenuafivo, atenuável, aiequi (até aqui, - expressão apenas oral);
2. Palavras pouco conhecidas ou antiquadas: atericiado, atericiar, atericiar-se, atermado, atermar, 
atermar-se;
3. Palavras desconhecidas com carácter regional: atequipêra, aterlondrar;
4. Palavras técnicas, geralmente desconhecidas: aterandra,aterantera, ateríceros, atereba, aterina, 
aterinídeos, atérix, atermal, atermancia, atermaneidade, atérmano, atérmico, aterolépsis, 
ateroma, ateromasia, ateromatoso, aíeropogão, aterosperma, aterospérmeas.
Feito este exame de consciência lexical, reconhecemos a nossa ignorância em matéria de 
vocabulário; mas em breve nos consolamos, se repararmos nisto: os termos cujo sentido nos 
escapa são os que têm carácter técnico muito especial (terminologia da botânica, da 
zoologia e da medicina), os de natureza regional, e enfim os vocábulos antiquados, de 
circulação restrita.
Ao leitor sucederá o mesmo que sucedeu a nós. Não se desespere com a sua ignorância das 
«palavras difíceis». Por via de regra, são absolutamente inúteis para o estilo, que deve 
evitar sempre o palavrão técnico, arrevesado e inexpressivo. O manejo acertado do 
vocabulário usual é que verdadeiramente importa. A esse, sim, deverá dedicar a mais 
escrupulosa atenção.
5.
FRASEOLOGIA. O CLICHÉ
1. Os grupos fraseológicos. - No capítulo i, a propósito do significado das palavras, 
vimos os vários sentidos em que se emprega o termo cabeça. Contudo, em certos casos, 
nota-se claramente que esse vocábulo só adquire o seu verdadeiro significado quando em 
ligação com outros elementos do contexto. Por exemplo, nesta frase - O homem perdeu por 
completo a cabeça - é impossível separar o elemento cabeça do artigo e do verbo: perder a 
cabeça forma um todo, uma estrutura, que não se pode decompor nas suas partes. Se nos 
déssemos a esse trabalho de análise minuciosa, chegaríamos a um absurdo: com efeito, nós 
podemos perder um lenço, um documento, mas não podemos perder, com vida, a cabeça, a 
parte superior do corpo. Só em sentido figurado o poderemos admitir.
No outro exemplo, referido no mesmo capítulo, temos: «Deu-lhe agora na cabeça fazer 
versos». O sentido não está só concentrado em cabeça. O vocábulo, por si só, pouco ou 
nada representa. O que vale verdadeiramente é o conjumto, a locução dar na cabeça a 
alguém, para designar um capricho súbito, momentâneo.
Sem sairmos desta palavra, vejamos ainda outro exemplo: «o Francisco é um cabeça no 
ar».
O espírito apreende logo o grupo cabeça no ar como formando uma umidade de 
pensamento, equivalente a «estouvado», «tonto», «leviano». Quando pronumciamos ou 
ouvimos essa locução, não tomamos à letra esse modo de dizer, vendo uma cabeça andando 
pelos ares. Todos os elementos do grupo
76 M. RODRIGUES LAPA
concorrem para nos darem uma ideia única; as partes componentes sacrificam o seu significado 
individual em benefício do conjumto. Tanto assim é, que a própria locução é considerada um nome 
masculino: a palavra cabeça até perde, ou pode perder, a favor do grupo, o seu género feminino.
Temos pois, nos exemplos referidos, a confirmação dum facto já várias vezes apontado: as palavras 
não levam vida isolada, dependem mais ou menos umas das outras. E assim como nas nações os 
indivíduos perdem um tanto da sua personalidade em prol do bem comum, também na linguagem os 
vocábulos perdem a sua fisionomia, quando aparecem integrados numa locução. O nosso 
pensamento não se faz tanto por palavras como por frases; e como o homem tende a economizar o 
seu esforço, acha vantagem em que as palavras lhe ocorram por grupos, para as suas necessidades 
de expressão. E mais vantagem ainda, quando esses grupos já vêm formados desde o passado da 
língua, em. frases feitas. Chamamos portanto grupos fraseológicos, idiotismos, frases feitas ou 
locuções estereotipadas a esses conjumtos de palavras, em que os elementos andam mais ou 
menos intimamente ligados, para exprimirem determinada ideia. A designação de grupo 
fraseológico é mais geral, a que melhor convém; as duas últimas já presumem certo grau de 
cristalização, que nem todos os grupos possuem, como veremos.
2. Séries e umidades fraseológicas. - A ligação entre os elementos do grupo pode ser mais ou 
menos íntima. Há grupos que se formam de momento, e logo após não deixam vestígios; outros 
que resistem um pouco mais; outros, enfim, que formam um todo compacto, inalterável. Vamos 
ver exemplos que demonstram os vários graus de coesão entre as partes do grupo:
1. O José tem um cavalo.
2. O João tem automóvel.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 77
3. Esse homem tem fortuna.
4. Tem cuidado, não vás lá!
5. Ninguém tem nada com isso.
6. Foi ter com ele à festa.
No primeiro exemplo, o verbo ter, com o sentido normal de «possuir», conserva independência em 
relação a cavalo.
No segumdo exemplo, essa autonomia já foi afectada um pouco. A falta de artigo contribui sem 
dúvida para ligar mais o verbo ao substantivo; ter automóvel tende em nosso espírito para formar 
certa umidade de pensamento, porque ao facto simples da posse anda ligada uma ideia acessória de 
suficiência, de abastança.
No terceiro exemplo, o verbo ter fortuna já não nos causa embaraço: é evidentemente uma locução 
fraseológica, imposta pelo uso vivo da língua, que corresponde no nosso espírito a «ser rico». 
Contudo, reparando bem, ainda os dois elementos, ter e fortuna, não perderam por completo a sua 
independência. Ter ainda conserva o significado próprio de «possuir».
No quarto exemplo já se não dá o mesmo: os dois vocábulos estão mais estreitamente soldados; e se 
cuidado guarda ainda um pouco da sua significação, o verbo ter já variou de sentido. Tanto assim, 
que por vezes se substitui por «tomar»: toma cuidado.
No quinto exemplo, a locução - não tem nada com isso - é extremamente confusa, se nos dermos à 
pachorra de analisar um por um os seus elementos. Parece faltar ali qualquer coisa. Efectivamente, 
o grupo deverá ser uma condensação dum outro mais explícito: não tem nada que ver com isso. 
Agora está mais claro; mas, ainda assim, o idiotismo só atinge a perfeita significação, considerado 
no seu conjunto; os elementos de que se compõe por si só pouco nos dizem.
Enfim, no sexto exemplo alcança-se o cúmulo da extravagância
78
M. RODRIGUES LAPA
e do absurdo: ir ter com significa «dirigir-se a um lugar, com tenção de se reumir a outra pessoa». O 
milagre da língua consegue exprimir sinteticamente, por três palavrinhas, esta ideia complicada. E o 
mais extraordinário é que o realiza perfeitamente, através de uma ligação quase inacreditável, como 
é a daqueles três vocábulos.
Os grupos em que a coesão dos termos é apenas relativa chamam-se, em Estilística, séries 
fraseológicas. Estão neste caso os n.os 2 e 3 dos exemplos acima referidos. Aqueles em que essa 
coesão é absoluta são conhecidos por umidades fraseológicas. Entram nessa categoria os n.os 4, 5 e 
6. Convém todavia observar que os limites entre uma e outra categoria nem sempre se definem com 
perfeita nitidez.
O exame das locuções estereotipadas conduz-nos portanto a esta conclusão, que não deixa de ser 
curiosa: não há dúvida que o homem diz, quando fala e quando escreve, coisas perfeitamente 
absurdas. O que lhe vale é não atender às palavras isoladas, mas à estrutura, à locução fraseológica. 
E a sua desculpa está em que não foi ele quem inventou esses modos de dizer: encontrou-os feitos, 
para designar coisas certas e comums, e utiliza-os, porque lhe poupam muito trabalho. A vida é 
assim constituída: pela herança passiva e cómoda do passado e pela criação activa e por vezes 
revolta do presente. Estas duas forças presidem a todo o trabalho da linguagem, como temos visto e 
veremos ainda neste capítulo.
3. Vestígios arcaicos nos grupos fraseológicos. - Se as
locuções estereotipadas são uma herança do passado, necessariamente haverão de conter arcaísmos, 
quer de vocabulário, quer de construção. Suponhamos este grupo -- estar de viseira caída. 
Percebemos muito bem o sentido geral da frase: «estar com ar carrancudo, zangado». Esse termo 
transporta-nos à Idade Média, à época em que os cavaleiros se vestiam de ferro e cobriam o rosto 
com a viseira. Quando
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 79
a viseira estava caída, era sinal de que o guerreiro,não decerto sorridente, se aprontava para a luta. 
Aqui está, em miúdos, explicado o sentido da locução. Mas quem fala ou escreve não precisa de ir 
à história para apreender-lhe o significado. Esse significado, afectando todos os elementos do 
grupo, apresenta-se ainda ao espírito de um modo bem preciso. É possível porém que o idiotismo, 
pelo seu carácter arcaico, não dure muito tempo. Hoje já ums lhe preferem «estar de carranca», 
«estar trombudo», que são mais populares e menos literários.
Outro exemplo: fazer alarde de alguma coisa. Todos sabemos que a frase significa «exibir, ostentar 
com afectação e vaidade». Mas aquele vocábulo alarde é-nos um pouco estranho, embora o 
encontremos no verbo derivado alardear. O dicionário diz-nos que alardo (é esta a forma primitiva 
da palavra) era a revista anual que se fazia às tropas, para verificar do seu número, do estado dos 
homens e das armas que traziam. Nessa parada, que conduz também à Idade Média, o peão e o 
cavaleiro exibiam com orgulho as suas armas e as suas pessoas. Se o leitor, curioso de se instruir, 
quiser formar ideia de um alardo medieval, não tem mais que ler a soberba página literária, escrita 
por Fernão Lopes sobre o alardo da Valariça, em tempo de D. João I (x). Nos dois exemplos, que 
apresentamos, ainda com boa vontade se poderia considerar o vocábulo arcaico como 
susceptível de se libertar do contexto. Na verdade, o historiador ou o romancista histórico podem 
perfeitamente escrever: «O cavaleiro, pondo a viseira, preparava-se para a refrega». Já um 
pouco mais difícil será alguém escrever: «O excessivo alarde de imaginárias prendas desagradou 
ao pai do noivo». É que o vocábulo alarde, irresistivelmente,
(1) Nos Quadros da Crónica de D. João I. Colecção de «Clássicos do Estudante» de Sá da Costa Editora.
80
M. RODRIGUES LAPA
chama a si o v>o fazer, com que está intimamente soldado. Dificilme; poderá andar à solta.
Essa imposalidade de libertação aparece, por exemplo, no grupo Teológico, nitidamente arcaizante, 
à guisa de, já nosso conhEcido, ou na locução desta guisa, ainda usada, por exenplo, em Euclides 
da Cumha. Aqui, todos os elementos sãde tal forma solidários, que não podem separar-se. No tipo 
de D. João I ainda se podia escrever: «de muitas guisc&e diz esta sentença». Guisa é um velho 
substantivo por;uês, de origem germânica, que significava «maneira, ido». Se fôssemos a dizer ou a 
escrever hoje qualquer ca como isto - «Não gosto das guisas de Fulano» - era ia gargalhada geral, e 
o pobre que tal dissesse ou esciesse arriscava-se a ser internado numa casa de saúde, mvém aliás 
frisar que a locução à guisa de = «à maneiras», já é de uso muito restrito, puramente literário e 
muito conectado. Por isso, se usa muitas vezes com fins humorístico!
Em outros os essa impossibilidade de separação ainda é mais evidentoorque a palavra que forma o 
núcleo do grupo é de origemcerta e significado obscuro. Tomemos por exemplo esta loção, ainda 
hoje muito popular: andar numa fona. Tem, conse sabe, a significação de «andar numa roda-viva, 
sem ccansar, à lufa-lufa». Que significa aquele elemento fona? egumdo os dicionários, fona é a 
faúlha que se desprendlo lume e volita no ar, já apagada e em forma de cinza.0 termo parece ter 
origem germânica; teria vindo do tico fon = lume. O certo é que, salvo nalgum recanto rovinciano, 
ninguém hoje o emprega, a não ser inserido iruele grupo fraseológico. Aquilino Ribeiro porém 
chamou-ce novo à vida, desenterrando-o do léxico beirão: «Optarapela caçoila, resguardada das 
fonas pelo testo» (Volfrâmt 197).
Outras locuçõess sinónimas de andar numa fona também conservam arcaísmos: andar num virote e 
andar num badanal-
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA gl
 Virote era a pequena seta que despediam os besteiros na Idade Média. Se supuséssemos 
que uma pessoa pudesse andar às cavalitas num desses instrumentos de atirar, facilmente 
imaginamos que andasse bem ligeira. Assim se explicará talvez a locução. O termo 
badanal, existente na outra, não tem significado claro; hoje ninguém o emprega 
isoladamente. Supõe-se que seja termo hebraico, usado nos Salmos bíblicos. Como também 
badana designa uma tira pendente da roupa sacudida pelo vento, dessa imagem de confusão 
movimentada poderia ter resultado a expressão. É uma hipótese; ao certo ninguém sabe 
bem o que seja.
O mesmo fenómeno de arcaísmo, impenetrável ou quase, se dá com outras locuções: de 
cor, a toda a brida, a trouxe-mouxe, nem chus nem bus, de bom grado, à toa, de lês a lês, à 
puridade, dar azo a, ter o mau sestro de, ao léu, etc. Não compreendemos o vocábulo 
isolado, nem é preciso: basta que compreendamos o sentido global da locução. Só esse 
tem importância. A demasiada insistência etimológica, como vimos, pode levar-nos a 
despropósitos. O passado da língua só tem valor, quando vivo ainda e aplicado ao 
presente. Na verdade, de que serviria ao aprendiz de redacção vir alguém dizer-lhe que o 
vocábulo cor é um velho galicismo e significa coração, conhecimento, consciência? 
Poderia ser para ele até um motivo de embaraço, porque a locução não tem hoje valor 
sentimental e refere-se simplesmente a uma operação de memória. A não ser que lhe 
apontássemos para o verbo recordar, que ainda está ligado, pela forma e por um dos 
significados, a esse arcaísmo venerável.
4. Séries verbais. - Dos exemplos citados temos visto que o verbo desempenha papel 
importante na formação das locuções. A maior parte das vezes um verbo simples pode 
substituir-se por um grupo fraseológico, portador do mesmo significado: «decidir» = tomar 
a decisão de; «vencer» - alcançar vitória sobre; «acreditar» = dar crédito a; «combater» = 
dar
6 - Estilística
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M. RODRIGUES LAPA
combate a, etc. O verbo dar presta-se sobretudo a isso, como já notou com finura Caldas Aulete no 
seu Dicionário, o mais completo para o estudo fraseológico da língua. Nestas perífrases ainda 
aparece a palavra derivada ou primitiva, isto é, ainda se joga, no fumdo, com a mesma família 
vocabular : decidir - decisão; vencer - vitória; acreditar - crédito; combater - combate; mas o 
verbo dar emprega-se ainda com outros nomes, formando uma série perifrástica: dar pontos = 
coser; dar esperanças = prometer; dar indícios = revelar; dar às pernas = correr, etc.
Como vemos, esta constituição de formas perifrásticas tem um duplo valor: permite variar o estilo, 
evitando repetições, e adoça ainda a crueza de certos verbos simples. A perífrase vale como uma 
espécie de eufemismo: não há dúvida de que tomar a resolução é menos brusco, menos violento do 
que resolver; dar crédito atenua um pouco a ideia de acreditar. A pessoa fina, de boa sociedade, não 
diz com rudeza: O senhor mente! - mas emprega uma série verbal eufemística: O senhor falta à 
verdade! A delicadeza leva muitos a dizerem deitar fora a comida, em vez do mais franco e brutal 
vomitar.
As séries verbais são ainda curiosas por outro aspecto: basta uma ligeira alteração na série, a 
presença ou ausência duma preposição, dum artigo, a troca de um dos elementos, para o sentido 
mudar às vezes por completo. Vejamos estas séries: deitar à terra e deitar por terra, metidas numa 
frase:
1. O lavrador deitou à terra a semente.
2. O lutador deitou por terra o adversário.
O sentido, como se vê, é totalmente diferente, e bastou para isso a simples troca da preposição.
Suponhamos agora estas duas séries: dar motivo e dar por motivo. O acrescentamento da 
preposição dá à série
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 83
um significado bem diverso, como se vê destes dois exemplos:
1. Isso deu motivo a que ele o pusesse fora de casa.
2. Faltou, dando por motivo a sua pouca saúde.
No primeiro exemplo há uma relação de consequência («dar motivo» = ter como consequência), no 
segumdo uma relação de causa («dar motivo» = dar como causa).
Ainda um terceiro exemplo, que mostra como a presença do artigo dá menos coesão à série:
1.
2.
Vê se dás o lugar a teu irmão.O caso deu lugar a que desconfiassem dele.
No primeiro exemplo, a relação entre os três elementos da série é bastante frouxa, quase conservam 
a sua independência. No segumdo, o desaparecimento do artigo trouxe como resultado uma perfeita 
coesão do grupo. É uma verdadeira umidade fraseológica.
5. Os dicionários e a fraseologia. - É precisamente neste capítulo da fraseologia, muito 
importante, que os dicionários correntes deixam mais a desejar. O mais celebrado de entre eles e 
o mais moderno dos grandes dicionários, o de Cândido de Figueiredo, é muito pobre em grupos 
fraseológicos, o que constitui grave defeito, porque é nessas locuções que se imprime o chamado 
génio da língua. Como repositório de fraseologia, interpretada com acerto e inteligência, nada há 
que possa substituir entre nós o Dicionário Contemporâneo de Caldas Aulete. Há também, do 
lado brasileiro, o Tesouro da fraseologia brasileira de Antenor Nascentes, que pode prestar 
serviços, embora não seja completo.
Compreende-se, até certo ponto, a razão por que os
84
M. RODRIGUES LAPA
dícionaristas evitam os grupos fraseológicos: é devido à extrema dificuldade da sua arrumação e 
até às vezes da sua determinação. Em que rubrica, por exemplo, se deve meter a locução vir a talho 
de foice? Em teoria, poderíamos pô-la em qualquer das três - vir, talho, foice, pois o sentido por 
todas se espalha, atingindo até as pequeninas preposições. Nas locuções arcaizantes a 
dificuldade ainda é maior. Assim, Cândido de Figueiredo, no Pequeno Dicionário regista 
cor e, sem mais explicações, manda ver de-cor. Ora, seria talvez mais rigoroso interpretar â locução 
na rubrica cor; por outro lado, isso não deixava de ser estranho, porque o termo cor há muitos 
séculos que desapareceu do uso da língua e só se conservou naquele idiotismo. É portanto nos 
dicionários analógicos onde os grupos encontram melhor guarida. Aí não se olha à forma, mas sim 
ao sentido. Nos «Dicionários analógicos» já citados por nós há grande abumdância deles; mas a 
mistura indiscriminada de idiotismos portugueses e brasileiros pode tomar difícil, como já 
dissemos, esse instrumento de consulta.
6. Séries usuais de intensidade. - Há uma outra categoria de grupos f raseológicos, que tem muita 
importância para o estilo: são os grupos usuais ou séries usuais de intensidade. Suponhamos que 
alguém está muito doente. A nossa tendência é para dizermos invariavelmente: «Fulano tem uma 
grave doença», ou então: «Fulano está gravemente doente». Os dois elementos doença-grave 
mantêm a sua autonomia, mas, por força do hábito, andam aqui ligados, para nos darem 
determinada representação.
Alguém chora desesperadamente, diante de nós. Queremos qualificar a intensidade desse choro. 
Vem-nos logo à ideia um casal de palavras: choro convulsivo. Esses dois termos andavam 
associados no nosso espírito e acudiram prontamente à chamada. Para o caso contrário, dá-se o 
mesmo: «Fulano ria às gargalhadas-». A locução está prontinha
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
85
desde o tempo dos nossos avós, é expressiva, é cómoda, não temos mais que aplicá-la.
Suponhamos agora que, numa roda de tagarelas, surge inopinadamente um facto que obriga a calar 
toda a gente. Não se ouve o zumbido de uma mosca, como é costume dizer. Se quisermos qualificar 
aquele silêncio, em linguagem fortemente literária, podemos escrever isto: «Fez-se na sala 
subitamente um silêncio sepulcral». Também poderíamos dizer silêncio profundo; mas aquele 
sepulcral dá uma nota mais intensiva, porque evoca o silêncio medonho dos cemitérios.
O que se dá com o substantivo e o adjectivo, dá-se naturalmente com o adjectivo, com o verbo e o 
advérbio. Vejamos, por exemplo, esta série usual, que serve para as três categorias:
1. Sentiu com a notícia um abalo profundo.
2. Ficou profundamente abalado com essa notícia.
3. A triste notícia abalou-o profundamente.
Repare-se bem agora para estes grupos usuais: ums são mais naturais do que outros. Quem tiver um 
pouco de experiência e de gosto, logo distinguirá entre estas duas locuções: grave doença e silêncio 
sepulcral. A primeira série é corrente, impõe-se invariavelmente ao nosso uso; a segumda tem 
carácter literário, cheira a romantismo fúnebre, é exagerada, pretensiosa. Poderíamos substituí-la 
por outras locuções, menos pomposas e triviais. Por exemplo:
a) Fez-se na sala subitamente um grande silêncio.
b) » » » » » silêncio religioso.
c) » » » » » » constrangido.
d) De repente, tudo na sala ficou no mais absoluto silêncio.
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M. RODRIGUES LAPA
A frase é susceptível de muitas outras variações, se quisermos evitar o emprego dessas 
séries, pretensiosamente literárias, safadas pelo muito uso, a que se dá o nome de clichés, 
chapas, chavões.
Para fugir precisamente à trivialidade do cliché, já Eça tinha escrito: «Houve um silêncio 
côncavo, hostil» (A Capital, 215); Rodrigues Migueis descobriu o adjectivo cavernoso 
(Fez-se na sala um silêncio cavernoso), Aquilino Ribeiro usa «silêncio de chumbo», 
«silêncio atrido», «silêncio absoluto e infesto»; e um grande escritor brasileiro, Graciliano 
Ramos, consegue belo efeito com um adjectivo banal, grande, posposto ao substantivo: «E 
a viagem prosseguiu, mais lenta, mais arrastada, num silêncio grande» (Vidas secas, 2.a 
ed., pág. 9). Também usou, no mesmo romance, o adjectivo comprido, mas com menor 
poder de sugestão: «No silêncio comprido só se ouvia um rumor de asas». José Lins do 
Rego, num trecho de paisagem natal, experimenta o adjectivo bom, produto afectivo da 
saudade: «As cabreiras amarelas, e o bom silêncio da estrada, quebrado de quando em vez 
pela enxada do pobre tinindo em alguma pedra escondida no roçado» (Doidinho, 6.a ed., 
pág. 156). Enfim, o escritor galego Méndez Ferrin descobre os adjectivos sólido e duro para 
a qualificação intensiva do substantivo: «Um silêncio sólido e duro ergueu-se como ua 
muralha» (O crepúsculo e as formigas, pág. 67).
7. O «Dicionário poético» de Cândido Lusitano. - No
tempo da renovação arcádica, em 1765, foi publicada em Lisboa uma obra em dois 
volumes, com o seguinte título: Dicionário poético para uso dos que principiam a 
exercitar-se na poesia portuguesa. Obra igualmente útil ao orador principiante. Seu autor 
era Francisco José Freire, alcumhado poeticamente de Cândido Lusitano. Foi homem de 
sólidos conhecimentos linguísticos, e deixou-nos umas Refle-
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
xões sobre a língua portuguesa, que ainda hoje se lêem com algum proveito.
Por esse tempo, em que os poetas mendigavam com sonetos as migalhas que caíam das 
mesas dos fidalgos e dos conventos abastados, julgava-se que a língua era uma construção 
mais ou menos fixada pelo bom uso. Para se escrever bem, nada mais era necessário que 
seguir à risca o exemplo dos antigos, escolhendo no espólio das formas herdadas o que 
mais conviesse a cada um. Logo, um repositório que coleccionasse esse dizeres clássicos 
seria bem-vindo e faria, se não poetas de génio, ao menos escritores correctos.
O Dicionário de Cândido Lusitano pretendeu alcançar esse fim. É um vocabulário de 
sinónimos e de séries usuais. São estas as que mais interessam ao nosso caso. Vejamos um 
exemplo. Sob o nome silêncio, o autor dá os seguintes adjectivos, que andam ou podem 
andar ligados a esse substantivo :
Alto, profumdo, longo, secreto, fiel, fido, amigo, mudo, tácito, taciturno, nocturno, soporífero, plácido, 
tranquilo, sábio, judicioso, cauto, acautelado, prudente, honesto, modesto, reverente, respeitoso, oportumo, 
discreto, ignorante, ignaro, estulto, estólido, fátuo, néscio, insano, intempestivo, indiscreto, obediente, 
paciente. _,
Vê-se logo o carácter convencional da série. Tirante alto, profundo, longo, nocturno, 
plácido e mais um ou outro, aqueles adjectivos estão ali um pouco forçados. Não 
constituem, em ligação com o substantivo, grupos usuais propriamente ditos. O autorpropumha-os, para aliviar em tudo a tarefa do aprendiz das musas.
O que mais nos impressiona hoje, ao lermos esse Dicionário, é a alteração que se fez, de 
então para cá, na escolha das séries usuais. As palavras também seguem a moda e também 
passam com ela. Na lista de Cândido Lusitano não vem o adjectivo sepulcral. Ainda não 
estava em uso, só veio depois com o Romantismo, que teve certa inclinação
88
M. RODRIGUES LAPA
para o macabro. Também achamos de menos nela certos adjectivos empregados pelos escritores 
modernos, como augusto, religioso, absoluto, fino. Em compensação, Eça de Queiroz aproveitou o 
adjectivo alto, registado ao começo da lista, tirando dele belo efeito, por já não estar em uso: «A 
noite fazia um silêncio alto, duma melancolia plácida» (O Primo Basílio). Em batalha não vem 
encarniçada, em base não vem essencial, fundamental, em entusiasmo não se mencionam os 
adjectivos que formam hoje a série: delirante, indescritível. Enfim, os vocábulos dúvida, dor, noite, 
odor, sede desconhecem ainda os qualificativos que hoje costumam acompanhá-los: cruel; 
cruciante, pumgente; luarenta, enluarada; capitoso, inebriante; inextinguível. É assim: a linguagem 
está sempre em constante movimento, como a própria vida.
8. Camilo e as séries usuais. - Camilo, com o seu grande conhecimento da língua, não podia deixar 
de ver o que o grupo usual e o cliché têm de estafado e trivial. Numa crónica de 1858, observa o 
grande escritor com muita graça o problema das chapas consagradas:
«Obriga-se o cronista a manter invariáveis os seguintes adjectivos, quando vierem usados para os 
seguintes substantivos :
Prelado será sempre virtuoso; cantora será sempre mimosa; jornalista será sempre consciencioso; jovem 
escritor será sempre esperançoso; patriota será sempre exímio; negociante será sempre honrado; calumiador 
será sempre infame. As maneiras de quem dá um baile serão sempre amáveis; os convidados sairão sempre 
penhorados. O folhetinista será sempre espirituoso; o poeta será sempre inspirado. Os irmãos terceiros serão 
sempre veneráveis. Os sócios de qualquer coisa mercantil serão sempre acreditados. Os meninos recêm-
nascidos serão sempre robustos. As viúvas serão sempre inconsoláveis
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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Se o ricaço der doze vinténs aos inválidos, este feito será sempre um rasgo filantrópico, e a fortuma dele será 
sempre abençoada. Não haverá baile que não seja animado, nem jantar que não seja lauto, nem serviço que 
não seja abumdante, ou profuso, para variar. Nenhum homem rico terá amigos que não sejam numerosos. 
Todas as firmas da praça comercial serão sempre respeitáveis. O voto de qualquer parvoinho será sempre 
ilustrado; e mais depressa morrerá o cronista do que deixará de ser eloquente o discurso de qualquer Cícero 
fanhoso. Todo o casamento será próspero. Ninguém poderá morrer que não fique sendo bom cidadão, bom 
pai, bom marido, e terá tudo de bom».
(CAMILO CASTELO BRANCO, Dispersos, m, 202-204.)
É natural que falte na lista o adjectivo ilustre, dado que o escritor nela mencionado era novato. A 
série está hoje tão aviltada, que se nomeia um homem de letras do nosso tempo, o qual, desgostoso 
do cliché, exigiu que os jornais o tratassem não por ilustre, mas por eminente ou egrégio escritor.
Também do lado brasileiro temos a observação excelente dum grande criador de estilo, Monteiro 
Lobato, referida aos chavões de Bernardo Guimarães:
«No Concerto dos nossos romancistas, onde Alencar é o piano querido das moças e Macedo a sensaboria 
relambória dum flautim piegas, Bernardo é a sanfona. Lê-lo é ir para o mato, para a roça •-• mas uma roça 
adjectivada por menina de Sion, onde os prados são amenos, os vergéis floridos, os rios caudalosos, as matas 
viridentes, os píncaros altíssimos, os sabiás sonorosos, as rolinhas meigas. Bernardo descreve a natureza 
como um cego que ouvisse contar e reproduzisse as paisagens com os qualificativos surrados do mau 
contador. Não existe nele o vinco enérgico da impressão pessoal. Vinte vergéis que descreva são vinte 
perfeitas, invariáveis amenidades» (Cidades Aortas, 7.a ed., pág. 11).
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M. RODRIGUES LAPA
ESTILÍSTICA DA LíNGUA PORTUGUESA
E um outro escritor brasileiro, Mário de Andrade, viu ainda melhor o caso:
«Quando o romancista repete sem temor as mesmas palavras, mar verde, canto triste, e ajumta a 
palavra doce a dezenas de substantivos, as palavras tendem a perder o valor qualificativo e plástico, 
formam legítimas entidades sonoras e rítmicas sem sentido consciente específico, da mesma forma 
que os nomes de cidades e pessoas» (Empalhador de passarinho, pág. 127).
9. O cliché. - O emprego abusivo do cliché caracteriza quase todos os principiantes em trabalhos de 
estilo. Essas séries vocabulares ficaram-lhes no ouvido, através de más leituras, de carácter 
romântico, muitas vezes. Por preguiça mental enxertam esses grupos na redacção, que adquire um 
jeito pretensioso e falso, e diminui, é claro, de força expressiva. O estilo é uma permanente criação 
pessoal. Não aconselhamos o estudioso a evitar por completo as séries usuais, o que seria aliás 
difícil; e também é verdade que, em certos contextos, um escritor de marca pode dar-Ihes vida nova; 
mas prevenimo-lo contra o emprego assíduo do cliché, muleta ridícula de preguiçosos, duma 
trivialidade insuportável. Ver com os seus próprios olhos, sentir com os seus próprios sentidos 
deverá ser a divisa de todo o aprendiz de redacção.
Suponhamos que esse aprendiz queria escrever uma fantasia árabe, descrever uma noite no deserto. 
O pobre rapaz numca saiu da sua pátria. A apagada imagem do deserto veio-lhe de algumas leituras 
de terceira ordem e talvez de alguma fita de cinema. com este material de segumda mão, desprovido 
de experiência, sem ninguém que o oriente, escreve talvez uma coisa parecida com isto:
branda e suave da Lua. As estrelas, como milhões de pirilampos, estão disseminadas pela quietude misteriosa 
do firmamento. E no silêncio sepulcral do deserto, apenas cortado pela brisa rumorejante e dolente dos oásis, 
tudo parece contemplar o céu, meditando no enigma do infinito. Algumas poucas árvores frondosas erguem as 
copas altaneiras, como que orando a Deus pela solidão atroz que as envolve. Naquela noite alguém lhes faz 
companhia. É uma caravana. As tendas espalham-se pelo oásis, sob a abóbada das ramagens. Tudo parece 
dormir. Somente a Lua é cada vez mais brilhante e mais bela, fazendo da areia do deserto um manto branco de 
virgem a perder de vista nos horizontes longínquos».
Tudo neste trecho soa a falso - a falsidade das coisas que não são vistas nem sentidas directamente 
por nós. Os clichés são em número infinito, como as areias daquele deserto postiço: noite 
encantadora - o luar banha - raios argentinos - areal imenso - claridade branda da Lua - silêncio 
sepulcral - brisa rumorejante - contemplar o céu - meditar no enigma do infinito - árvores 
frondosas a erguer as copas - solidão atroz que as envolve - manto branco de virgem - horizontes 
longínquos.
Uma série de locuções estafadas, de imagens corriqueiras, que, por isso mesmo, nos não produzem 
a menor impressão artística. A gente sorri-se do inexperiente autor, que procurou fazer estilo, 
seguindo precisamente o caminho contrário: não nos pôde dar os resultados da sua própria 
experiência, por não tê-la, e reproduziu apenas o que anda na boca ou nos bicos da pena de toda a 
gente. O efeito foi desastroso.
«Noite encantadora! O luar banha com os seus raios argentinos o areal desértico e imenso. Tudo brilha e 
refulge sob a claridade
6.
A FORMAÇÃO DAS PALAVRAS
Já vimos, a propósito do neologismo, que só dificilmente se consegue criar palavras novas. A 
criação, na língua, se criação se pode chamar, faz-se sobretudo por transformação do material já 
existente ou sua utilização para outros fins expressivos. É essa transformação e os seus vários 
processos que vamos estudar em seguida.
1. A composição. - Repare-se nestes termos de uso comum: couve-flor,mão-cheia, verde-negro, 
porta-voz, recém-nascião, alçapão, louva-a-deus. Não é difícil de observar o processo de 
composição destas palavras:
Em couve-flor, o segumdo substantivo determina o primeiro; é como se disséssemos: «couve com 
forma de flor», «couve florida». Efectivamente, nada mais próprio do que chamar couve-flor a esse 
legume apreciado. Os olhos do povo viram bem: entre todas as couves do couval só aquela se 
parecia com uma flor. E ficou assim designada. Há outra, repolhuda e oblonga. O povo chama-lhe 
pitorescamente coração-de-boi. Também é um nome composto.
Em mão-cheia, temos intimamente ligados um substantivo e um adjectivo. Estamos vendo a origem 
da composição. Ao princípio, dir-se-ia: «Tinha as mãos cheias de flores». Depois, pela frequência 
do emprego e um pouco de imaginação, os dois termos fizeram corpo um com o outro e começou a 
dizer-se: «Atirou-lhe mãos cheias de flores». Os dois nomes andam hoje inteiramente soldados; a 
tal ponto que já mão-cheia se diz e escreve simplesmente mancheia.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
93
1
Em verde-negro jumtaram-se dois adjectivos para qualificar um dado colorido. As cores 
têm matizes complicados; por isso se compreende que, para a sua determinação, se haja de 
empregar uma mistura de adjectivos. Aquele verde-negro, como expressão de certa 
tonalidade, já hoje corre sob a forma de verdinegro.
O vocábulo porta-voz dá-nos o exemplo da combinação, frequentíssima, do verbo com o 
substantivo. Note-se que o primeiro elemento-poria - não é português. Veio-nos da língua 
francesa e significa traz, leva. Porta-voz, à letra, quer dizer «traz a voz» e, em seguida, «o 
que exprime a opinião». Exemplo: «Esse jornal é o porta-voz do partido republicano».
Em recém-nascido dá-se a ligação dum advérbio com um particípio passado. Recém-
nascido quer dizer «nascido recentemente». Paia a sua combinação com o particípio, o 
advérbio teve de sofrer uma forte redução, ficou mais curto. Este processo de composição, 
do advérbio ou preposições (ex. sobremesa) com os nomes, também é muitíssimo 
empregado na nossa língua.
A palavra alçapão compõe-se, embora não pareça, de dois elementos verbais: alça, do 
verbo alçar, isto é, «levantar» ; e pão, forma actualizada dum antigo pom, que significa 
«põe, abaixa». A forma arcaica era pois alça-pom, que se transformou em alçapão, como os 
demais nomes assim terminados : coraçom - coração. Deu-se isto, aproximadamente, no 
tempo do rei D. Duarte de Portugal.
Enfim, o último exemplo, louva-a-deus, que designa, como se sabe, o interessante bichinho 
dos campos que parece postar-se em oração, com as hastes erguidas, já é, por assim dizer, 
um grupo fraseológico. Aliás, a evolução destas palavras compostas faz lembrar a das 
locuções fraseológicas: as partes de que se compõem perdem o seu próprio valor em 
benefício do conjumto.
94
M. RODRIGUES LAPA
2. Compostos perfeitos e imperfeitos.-Reparemos agora para esses vocábulos que 
enumerámos e comentámos. A coesão entre os elementos formativos varia de ums para 
outros. Em couve-flor, os dois termos quase conservam a sua autonomia, em proporções 
iguais, o que é natural, tratando-se de dois substantivos. Em porta-voz, é o último 
elemento, voz, que chama mais a atenção e tem, por assim dizer, a responsabilidade da 
imagem. Em alçapão os dois elementos aglutinaram-se de tal modo, que a palavra é 
indivisível, sugere uma única representação e se comporta para todos os efeitos, como uma 
palavra simples. A esta espécie de composição costuma chamar-se composição perfeita, à 
outra
imperfeita.
Todos os compostos tendem, mais ou menos, para a composição perfeita, e a língua 
costuma consagrar o facto, soldando os dois elementos numa palavra só. É o que está 
sucedendo ou já sucedeu commão-cheia~mancheia;verde-negro -- verdinegro; água-
ardente - aguardente; passa-poríe - passaporte, etc. Note-se que essa aglutinação traz, por 
via de regra, no falar português, uma ligeira alteração na pronúncia do vocábulo. 
Efectivamente, o termo passaporte nem sempre se pronumcia como passa-porte. O 
primeiro elemento, menos autónomo, tende a perder a sonoridade das suas vogais. É a 
sorte de todas as palavras proclíticas: mais um sacrifício das partes a favor do conjumto.
Compreende-se agora porque poderá haver hesitações na grafia de algumas palavras 
compostas, como Alentejo, bendito, benfazejo, Benfica, benvindo, Bonfim, enquanto, etc. 
Os reformadores da ortografia portuguesa, em 1911, pronumciaram-se de um modo geral 
sobre a necessidade de não fazer excepções e escrever sistematicamente n antes de 
consoante que não fosse 6, p ou m. Mas o certo é que o Vocabulário Ortográfico de 
Gonçalves Viana, que, como se sabe, foi o relator da Comissão Ortográfica e seu vulto 
preponderante, regista
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
95
a maior parte daquelas palavras com as seguintes grafias: alemtejano, bemdito, bemfazejo, 
bemvindo, emfim, emquanto. É que o caso da vogal e era diferente, porque formava, ou 
podia formar, no falar lisboeta, em contacto com a consoante nasal, um dítongo nasal êi (= 
ai), que seria sinalado pela consoante m (em).
Que significa isto? Que as realidades estão acima das teorias, e que meia dúzia de sábios, 
sentados a uma mesa, não podem contrariar as forças vivas da linguagem. Nesse tempo, 
aqueles compostos ainda não constituíam uma só umidade de pensamento. Ainda hoje não 
estão perfeitamente aglutinados, não são compostos perfeitos. Quando se diz bemvindo, o 
espírito ainda apreende na palavra duas ideias justapostas: a de bem + vindo, facto que a 
própria pronúncia traduz pelo ditongo nasal bãi no falar lisboeta, e se acentua com o 
emprego do hífen, como sucede nos cartazes de propaganda de algumas firmas comerciais 
na estrada de São Paulo ao Rio de Janeiro: «Seja bem-vindo
ao Rio».
Nem todas estão porém no mesmo caso: em alentejano, enfim, o processo de aglutinação 
está mais adiantado; mas já em outros termos, como Benfica, benfazejo, há ainda quem os 
escreva, e com alguma razão, com m. Só quando se perder a consciência da sua 
composição, o que não estará talvez longe, será obrigatório escrever com n. Até lá, neste 
período de vacilações, as duas formas são aceitáveis e correspondem a certas preferências 
ou disposições individuais.
É isso que os gramáticos nem sempre compreendem, porque o seu ideal é o espectáculo de 
uma língua imutável, sem excepções. Um deles, Costa Leão, autor dum útil Prontuário 
Ortográfico, defende as grafias com n e dá para Bonfim a seguinte razão: «Nos compostos 
Bonfim e Bonjardim, a vogal nasal on = om do primeiro elemento, bom, lê-se como em 
bondade, não havendo, portanto, motivo para se não seguir a regra, mudando o m em w». A 
realidade lin-
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M. RODRIGUES LAPA
guística, como se vê, não foi bem interpretada, porque a duplicidade da grafia provém da 
duplicidade semântica, duma «visão» mais ou menos nítida dos elementos da composição. Por isso 
talvez se justifiquem ainda as formas Bomfim e Bomjardim, a par de Bonfim e Bonjardim.
3. Os compostos literários e científicos. - Afora estes compostos orgânicos, que se formam com a 
prata-da-casa, a língua possui ainda meios extraordinários de composição de palavras, que lhe 
fornecem o latim e o grego. A esses antigos idiomas vai buscar um sem-número de elementos, com 
que fabrica novas palavras, por justaposição. Vejamos algums casos, tirados ou imitados do latim:
agridoce, altissonante, alvinitente, artimanha, aurifulgente, barbirruivo, boquiaberto, cabisbaixo, 
carnívoro, curvilíneo, florilégio, floricultura, fratricídio, grandíloquo, herbívoro, lanifício, 
noctívago, petrificar, rarefazer, silvicultura, velocípede, ventríloquo, vermífugo, etc.
A maior parte destes vocábulos são bem conhecidos e de fácil compreensão. O processo de 
justaposição é quase sempre o mesmo: os dois nomes são ligados um ao outro pela vogal i. 
Contudo, não são palavras da linguagem corrente, exceptuada uma ou outra, mais em voga: 
artimanha,cabisbaixo, carnívoro, lanifício. Não há dúvida, portanto, que estes compostos 
alatinados são sentidos por nós como palavras de uso especial e não corrente. Os compostos 
formados por via do grego têm carácter ainda mais restrito, técnico e científico, como vamos ver:
aristocracia, autómato, braquicéfalo, cacofonia, cromografia, democracia, estenografia, filosofia, 
iconoclasta, megalomania, neurastenia, paquiderme, pirilampo, pirotécnico, plutocracia, 
taquigrafia.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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Tivemos o cuidado de escolher, entre todos os compostos gregos, os mais usuais. Ainda assim, é 
manifesto que se trata de formação literária, não popular. Se palavras como autómato, democracia, 
filosofia, pirilampo, já são do domínio corrente, isso deve-se ao seu frequente emprego na vida 
actual; mas sempre estas palavras são tidas como não familiares.
Dirá o leitor: - Mas, então, é necessário saber grego e latim para conhecer o português? Não é, 
felizmente. Os dicionários usuais trazem a etimologia das palavras; de modo que os compostos 
literários são divididos e explicados nos seus elementos de formação. Por exemplo, em democracia 
são ainda perfeitamente sensíveis os dois termos: demos, povo, e kratia, poder, governo - isto é, 
«governo exercido pelo povo». O primeiro elemento entra em outras palavras de carácter científico, 
como demografia, demopsicologia; o segumdo em aristocracia, plutocracia.
As boas gramáticas darão ao estudioso a significação dos elementos formativos das palavras 
compostas e derivadas, de origem latina e grega. O Dicionário de afixos e desinências do professor 
brasileiro Carlos Gois traz tudo isso por ordem alfabética; mas nada vale como a prática e o uso 
consciencioso do dicionário. A experiência habilitará a compreender esses elementos greco-latinos, 
sem precisão de saber as respectivas línguas.
Aliás, esses termos gregos e latinos, quando são raros e de emprego especial, têm pouca ou 
nenhuma importância para o estilo. Tirado da sua esfera, que é geralmente a erudição e a ciência, o 
palavrão técnico dificilmente convém numa página de literatura. É uma construção mais ou menos 
artificial; não desperta nem o sentimento nem a fantasia, que são, como temos dito, os principais 
domínios da Estilística.
Contudo, um escritor do século xvm, Filinto Elísio, julgou dar relevo ao seu estilo, forjando 
compostos à custa
7 - Estilística
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do grego e do latim. Como era homem de mau gosto, saíram-lhe coisas arrevesadas como estas, que 
a língua justamente repudiou: «septí-cole Roma», «flamívomo alento», «regos frugíferos», «ebri-
festante sumo», «ali-poiente cisne», etc.
4. A composição abstracta. - Os compostos correntes, formados pelo povo, ou adoptados 
francamente por ele, têm, por via de regra, carácter concreto. O povo não sabe lidar com 
abstracções e tende sempre a dar forma concreta às suas ideias. Já os literatos tendem mais para o 
abstracto, perdendo de vista muitas vezes as realidades concretas. Sobre o modelo popular de 
couve-flor imaginaram poder criar compostos abstractos, como amor-orgulho, beleza-novidade, 
beleza-espanto, parada-orgulho, vida-espírito, viãa-beleza, elegância-fio-de-prumo, etc. Estes 
exemplos são tirados do escritor Antero de Figueiredo, em cujo estilo se nota particular tendência 
para o composto abstracto.
Sob o aspecto formal, a composição não levanta reparos; mas é discutível o efeito que produzem 
semelhantes criações; o que diz bem com palavras concretas, já não tem a mesma virtude com 
palavras abstractas. Vejamos dois exemplos:
1. Amamos com amor-orgulho o que é propriamente nosso.
2. Sou admiração ante a beleza-espanto dos formidáveis desfiladeiros.
A maneira usual de escrever não é esta. Diríamos normalmente: Amamos com orgulhoso amor... 
-Fico admirado ante a beleza espantosa. E não é difícil notar que o emprego do adjectivo dá mais 
viveza e mais cor à imagem. O artista pretendeu dar maior intensidade à expressão; mas a 
justaposição dos dois abstractos não o ajudou. Essa aliança diminui, ao contrário, a força expressiva 
do composto. Em
ESTILÍSTICA DA LíNGUA PORTUGUESA
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couve-flor os olhos da imaginação pousam no objecto, vêem a couve e a flor. Em amor-orgulho a 
umião dos abstractos, longe de fortalecer, empalidece a imagem, gerando uma confusão entre os 
dois termos. Dois substantivos abstractos são dificilmente conciliáveis: prejudicam-se um ao outro, 
deixando inerte a fantasia.
Há ainda, e esse recentíssímo, um outro tipo de composição, criado para explicar o sentido de certos 
termos mais ou menos misteriosos; desenvolve-se, pois, numa perífrase mais ou menos longa. Essa 
composição está representada no escritor brasileiro João Guimarães Rosa. Veja-se este exemplo, em 
que a palavra destino, anteriormente referida, é depois desenrolada numa longa explicação que lhe 
determina exactamente os contomos: «Então, o Major voltou a aparecer na varanda, seguro e 
satisfeito, como quem cresce e acontece, colaborando, sem o saber, com a direção-escondida - de-
todas-as-coisas-que-devem-depressa-acontecer». (Sagarana, 5.a ed., pág. 123).
Note-se que há uma tendência, criada pela técnica e pelo jornalismo, para a formação de compostos, 
em que um dos elementos é mais ou menos abstracto: escola-modelo, navio-chefe, camioneta-
fantasma, parada-monstro. Esses nomes, contudo, já têm um ponto de apoio na palavra concreta: 
ainda assim, os dois últimos são de gosto duvidoso e parecem mais uma criação de momento, 
arriscada a não vingar. Há na língua, ocultamente, um sentimento de proporção e beleza, nem 
sempre infalível, mas que condena todas as inovações que vão de encontro ao seu génio. Curioso, a 
esse respeito, é o caso do composto - navio-mãe para designar o navio portador dos mantimentos. A 
composição, aparentemente absurda, explica-se por uma imagem, que nos representa a mãe a dar de 
comer aos filhos. É por isso que se não diz navio-pai. Esta justaposição do masculino e feminino 
vem de longe, pois já nos princípios do século xvii se chamava galeão-capitânia ao navio principal 
duma frota.
100
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5. Os prefixos. - Outra maneira de formar palavras: coloca-se-lhes antes certos morfemas, a que se 
dá o nome de prefixos, destinados a modificar mais ou menos a significação primitiva. Antigamente, 
as palavras formadas por meio de prefixos entravam na categoria de palavras compostas, porque se 
via nessas partículas, com, contra, ante, etc., verdadeiros vocábulos, justapostos a outros. Logo, 
compadecer, contradita, alentejano, antepassado, eram de direito considerados como termos 
compostos. Como porém há prefixos com autonomia mais discutível - dês, ais, in, ré, etc., já hoje 
algums gramáticos consideram estas palavras, assim formadas, como derivadas por prefixação. As 
outras, formadas com auxílio de sufixos, partículas que se colocam depois, são derivadas por 
sufixação. O caso não tem a menor importância para o fim que pretendemos.
O que importa é verificar a alteração semântica introduzida pelo prefixo, e ver se o vocábulo tem 
uma ou mais umidades. Assim, tomemos, por exemplo, a palavra desgraça. O termo comporta uma 
umidade de pensamento, sugere uma única imagem. O prefixo dês- passa despercebido, é como se 
pertencesse à primitiva palavra. Um erudito, é claro, vê as coisas de outro modo: decompõe a 
expressão dês + graça e explica, subindo às origens: «é a situação miserável de alguém que se 
encontra sem a graça de Deus». Vê pois duas umidades de pensamento no vocábulo: a ideia 
sugerida por graça (sentido mais ou menos religioso) e outra, negativa, suscitada pelo prefixo dês.
Este instinto de decomposição, ou instinto etimológico, é já nosso conhecido e existe forçosamente 
em todo aquele que se entrega ao estudo e observação das palavras O trocadilho entre o simples e o 
composto, de que já falámos (sentir - consentir, vencer - convencer), não é mais que um dos 
aspectos dessa mesma tendência. Até onde chega esse instinto, num escritor degénio, poderá ver-se 
deste pequeno
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
101
trecho de Camilo, alusivo a ums retratos de pouca naturalidade:
«Os retratos, que o poeta legendário denominou transumptos, são verdadeiramente sumptos - 
«tomados», trans - «além do verossímil humano. São más caras aquelas!» (Dispersos, in, 215).
Camilo decompôs a palavra nos seus dois elementos latinos, transumptos, e com eles fez o jogo do 
seu espírito.
Outro exemplo deste mesmo instinto de decomposição é-nos dado nesta frase de Teixeira-Gomes:
«Ah! eu compadeço a dor das sereias!...»
O verbo compadecer é reflexo. De modo que deveríamos dizer: «Ah! eu compadeço-me da dor das 
sereias...» Mas o escritor sentiu a composição do verbo, desdobrou-o em duas umidades semânticas 
e criou um novo modo de expressão, traduzindo de forma abreviada esta noção complicada: «eu 
padeço jumtamente com as sereias a sua dor».
Outro exemplo ainda: Ferreira de Castro escreveu feitos impares (= extraordinários). Em vez do 
usual impares, esdrúxulo, que evoca uma operação aritmética, usou a palavra como grave, o que dá 
realce ao prefixo negativo in- e à palavra pares. Isso só foi possível pelo desdobramento dos 
elementos constitutivos da expressão. O mesmo se deu com o adjectivo ímpio, que muitos escritores 
preferiram ler ímpio. O processo lembra o de Filinto Elísio, no século xvm, o qual, para acentuar 
mais a ideia de negação, escrevia: in-consolado, separando por hífen o prefixo da palavra, a fim de 
lhe dar maior relevo.
Aos escritores de talento ou génio são permitidas estas liberdades de criação; o aprendiz de estilo 
terá de se limitar a um papel mais modesto e desenvolver as suas aptidões
102
M. RODRIGUES LAPA
dentro das realidades do idioma, sem alterar o valor das palavras, consagrado pelo uso. Mesmo 
dentro desta esfera terá inúmeras possibilidades de realizar a sua personalidade, sem atrevimentos 
excessivos, que o poderiam prejudicar.
6. Particularidades fonéticas da prefixação. - Algumas observações de natureza prática sobre 
prefixos:
1. A. Existem na língua algumas palavras começadas por a, uma espécie de prefixo a que se 
chama a prostétíco. A partícula foi principalmente usada na língua antiga: alagoa, arroído, 
alimpar, arrecear, alevantar, etc. De um modo geral, a língua moderna repudiou, como 
arcaizante, o a prostético, aliás em voga no linguajar plebeu de Portugal, Galiza e Brasil. 
Contudo, escritores actuais empregam-no, por vezes num tom vagamente humorístico, como 
neste passo de Teixeira-Gomes: «Pus-me a caminho, e logo o espírito se alimpou dos requentados 
azedumes».
2. ANTE, AN TI. Os dois prefixos têm significação diferente e origem diversa: ante vem do latim e 
designa anterioridade, precedência: anti vem do grego e exprime negação, antagonismo: 
antemuro, antepassado; antipático, anti-revolucionário. Quem não tem presente o valor destas 
duas partículas, é levado em algums casos a confumdi-las. Assim, há quem escreva erroneamente, 
seguindo por vezes um uso antigo: anticipar, antidatar, antidiluviano, etc. Corrija-se para 
antecipar, antedatar, antediluviano.
3. com. Antes de vogal e de /, m, n, e r, perde o elemento nasal (m): coevo, colaborar, comigo, 
conexão, correspondência. Ainda hoje há quem na leitura e até na escrita procure reconstituir a 
forma antiga: comigo, conrespondência. É o instinto etimológico em acção. Trabalho inútil: 
perdeu-se
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
103
ia a consciência do prefixo, e as palavras são tidas como simples, de uma só umidade.
Hoie, a forma com só se usa antes de b ou p: combatente, compaixão. Há para isso uma razão 
fonética: os fonemas b e b labiais, procuram ter ao pé de si um fonema da mesma natureza; por isso 
se conserva o m também labial. Já quando com tem a seguir outro fonema, adopta a forma con: 
confiança conterrâneo, convivência.
4. DÊS, DIS. Deu-se uma confusão entre os dois prefixos, cuja origem e evolução, aliás, ainda não 
estão suficientemente esclarecidas. No tempo dos Clássicos e ainda não há muito, escrevia-se 
indiferentemente disvelo ou desvelo, dispender ou despender, disculpar ou desculpar, 
dissemelhante ou dessemelhante, dispertar ou despertar, etc,
O dicionarista Morais condenava as grafias disparar, disfavor, disvelo, dissaborido, dispertador, 
etc., que denumciavam, dizia ele, «uma afectação mulheril, por tentar amolecer a pronúncia do es 
em is». Hoje o prefixo ais está em recuo, vencido pelo seu concorrente. Deve porém dizer-se que 
nos primeiros livros de Oliveira Martins se nota predilecção acentuada por ele, como se vê pelas 
formas desacompanhado, disenvolvimento, etc. Esse morfema, além do seu significado de 
«dispersar», «separar», é usado com preferência na linguagem técnica, com sentido piorativo: 
dispepsia = má digestão, dispneia = respiração difícil, etc. Tem, nestes casos, origem grega.
5. IN, EN (EM). Também com estes dois prefixos se dão certas confusões; mas, evitadas já pela 
escrita, afectam sobretudo a língua falada. O prefixo in, que, para efeitos fonéticos, segue as normas 
do prefixo com, tinha no latim as significações que conserva em português - ideia negativa: inútil, 
infeliz, impróprio, etc., e sentido de direcção, movimento para dentro: irromper, ingerir, implantar.
104
M. RODRIGUES LAPA
com este segumdo sentido, a linguagem corrente e popular converteu normalmente o in no prefixo 
en, em. Assim: embarcar, encovar, enterrar. De modo que o prefixo in é hoje empregado 
normalmente para formar antónimos e, com a segumda significação, palavras mais ou menos 
literárias: incorporar, imbricar, invólucro, incinerar, ingurgitar, intumescer. Não é pois de estranhar 
que, a pai destes termos, escrevamos ou possamos escrever as formas menos cultas: encorpar ar, 
embricar, envólucro, encinerar, engorgitar, entumescer.
6. PRÉ e PER. Houve também confusão entre estes dois prefixos, porque tanto pré como per 
podiam ter em latim significado superlativo. Assim, os Clássicos escreviam pertender, per ciar o. 
Ainda hoje é frequente esta confusão, como se pode ver nas duas formas, pergumtar e pregumtar, 
ambas toleradas não há muito tempo na ortografia oficial.
7. PRÉ e RE. Antes da reforma ortográfica de 1911, escreviam-se assim estes compostos: presentir, 
resaltar, resentir, etc. Contudo, pronumciavam-se com ss: é que se decompumha mentalmente o 
prefixo e a palavra simples, de muito conhecida que era. Já em preságio, a pronúncia oscila 
entre z e ss, porque, sendo o elemento ságio geralmente desconhecido, há tendência para ver na 
palavra uma só umidade de pensamento.
No geral, o prefixo ré só aparece em palavras do fumdo antigo da língua. Escritores como Eça 
tentaram com ele novas criações, mas foram mal sucedidos: repenetrar, remergulhar, reenfiar, r 
eper correr, etc., são neologismos queirozianos, formados para evitar a perífrase «de novo», «outra 
vez», mas que a língua afinal veio a repudiar.
7. Os sufixos. - O estudo dos sufixos é mais importante ainda, em Estilística, que o dos prefixos. 
Estes acres-
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
105
centam quase sempre à palavra simples uma ideia puramente intelectual: de lugar (antecâmara), de 
tempo (previsão), de companhia (concorrer), de negação (desfeito, impuro), de repetição 
(relembrar), etc. Pode, num ou noutro, haver um matiz ligeiramente afectivo, pois que os conceitos 
de negação, intensidade, etc., se acompanham não raro de movimentos da sensibilidade; mas, por 
via de regra, são instrumentos intelectuais e não propriamente afectivos.
É nos sufixos que a descarga das paixões se dá com maior energia. Os sentimentos que vulgarmente 
agitam a nossa alma e que se resumem, afinal, no amor e na aversão que manifestamos de ordinário 
pelas coisas e pelas pessoas, reflectem-se perfeitamente em algums dos sufixos. É a esses que 
dedicaremos maior atenção. Suponhamos esta palavra
- livro. Vejamos como algums sufixos a podem modificar sentimentalmente:1. Lê este livrinho: contém preciosas lições.
2. Deu-lhe um livrito para ler nas suas horas vagas.
3. O pai repreendeu o filho por ler aquele livreco.
4. Na mesa, estava um livrório que ninguém lia.
5. Havia por toda a sala livralhada sem fim.
6. O seu saber para nada servia, era todo livresco.
É curioso que, de todos os derivados de livro, mencionados pelos dicionários usuais, só dois não 
têm significado afectivo. São eles: livrete = livro pequeno, caderneta, e livreiro
- o que trata com livros. Todos os outros têm, mais ou menos, valor sentimental. Daqui se vê a 
grande importância dos sufixos na nossa língua. Fomos sempre, em todos os tempos, homens 
sentimentais e escarnecedores. Os sufixos retraíam essa feição dupla e contraditória do nosso 
temperamento: delicadeza lírica e observação galhofeira e motejadora.
No primeiro exemplo, o sufixo -inho deu à palavra não tanto um significado de pequenez, como 
mais ainda de
106
M. RODRIGUES LAPA
ternura. Livrinho pode não ser um livro pequeno, pode ser um livro com as dimensões vulgares; 
mas é certamente coisa querida e apreciada. É verdade que o sufixo -inho serve para formar 
diminutivos; mas a noção de pequenez anda ligada geralmente em nosso espírito à de ternura, 
simpatia, graciosidade. É com esse sentido que empregamos ordinariamente o morfema. Paizinho, 
mãezinha, não querem dizer «pai pequeno», «mãe pequena», mas pai e mãe muito queridos. Jaime 
Cortesão captou perfeitamente este alcance poético do sufixo, como representante das misteriosas 
delicadezas do nosso sentimento:
«Língua lírica, franciscana, repassada de ternura e de piedade, nenhuma outra é mais rica de diminutivos carinhosos. 
Duma criança diz-se quase sempre criancinha; duma mulher idosa, uma velhinha; e aos pobres dá-se-lhes logo esmola 
chamando-lhes pobrezinhos. Já na «Crónica dos frades menores», do século xiv, se chama assim aos pobres. Língua 
crepuscular, de confidência, apta em sumo grau às meias tintas, criou essa palavra, cheia de fragilidade e mimo, para a 
mulher adolescente - menina; do crepúsculo matinal dirá a manhãzinha; e quando a tarde cai ou a noite se ensombra, a 
tardinha ou a noitinha». (O humanismo umiversalista dos portugueses, pág. 75).
Como somos, porém, gente apaixonada, e facilmente vamos de um extremo ao outro, não é de 
surpreender que o mesmo sufixo evoque em nós sentimentos depreciativos. A pequenez física pode 
traduzir insuficiência moral. Por isso o povo diz: «Homem pequenino, ou velhaco ou bailarino». 
Veja-se a seguinte frase: «O homenzinho não está bom de cabeça». O sufixo -inho (aquele z é uma 
espécie de consoante de ligação, um infixo) dá um tom pejorativo à representação, alude 
depreciativamente à pequenez moral. Enfim, essa partícula, nos seus diferentes empregos afectivos, 
é uma das mais características da língua portuguesa e que melhor exprime a susceptibilidade algo 
feminina do nosso temperamento.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
107
No segumdo exemplo, limito significa «livro pequeno», sem mais complicações sentimentais, como 
pedrita e jardinziío significam «pedra e jardim pequenos». Mas reparamos bem que o sufixo acusa 
certa tendência para nos introduzir em sentimentos de brandura ou depreciação. Em todo o caso, 
não tem o valor afectivo do seu parceiro -inho. Note-se que, para fugir ao matiz sentimental deste 
sufixo (-inho), actualmente usam-se outros processos de diminutivação, recorrendo até ao 
estrangeirismo: mini-jornal, mini-saia, kitchenete (= pequena cozinha). Deste último há uma 
variante metafórica muito graciosa, cozinha de boneca, que só tem o inconveniente da sua 
longuidão.
O sufixo -eco do terceiro exemplo não ilude ninguém; livreco é um mau livro, pelo qual se nutre 
desprezo ou antipatia. O mesmo sentido pejorativo experimentamos em jornaleco, padreco (ou 
padreca), malandreco, revisteca, etc.
Em livrório já temos um sentido aumentativo. Como tudo quanto é grande tende para o disforme, 
não é de estranhar que ande ligada aos sufixos aumentativos uma certa representação de fealdade, 
de grotesco. Livrório significará um «livro grande, mas de pouco valor». Para exprimir a ideia de 
grandeza pura, não temos sufixo, neste caso. Não podemos criar livrão; se formarmos o derivado 
livralhaz, lá metemos, por via dos morfemas -alho e -az, um sentimento pejorativo. Positivamente, 
os livros grandes não nos merecem grande respeito; efectivamente, a nossa literatura abumda em 
calhamaços que não são das suas coisas mais interessantes.
No quinto exemplo, livralhada suscita em nós uma ideia colectiva, sugerida pelo sufixo -ada, e 
outra, depreciativa, representada pelo morfema -alho. Logo, em princípio, o vocábulo livralhada 
contém três umidades semânticas: conceito de livro -f- de mau livro -f- de muitos livros. 
Praticamente sucede que o segumdo conceito, inserido entre os dois, está mais apagado. Valem 
sobretudo o primeiro e o terceiro.
108
M. RODRIGUES LAPA
Enfim, no sexto e último exemplo, introduzimos também um sentido desvalorativo, por meio do 
sufixo -esco. Evidentemente, «saber livresco» é sabedoria de pouco valor, extraída apenas dos livros 
e não da experiência da vida. Em palavras como grotesco, soldadesca, fradesco, pedantesco, etc., 
também se surpreende o mesmo intuito depreciativo. Já em principesco, cavalheiresco, dantesco, 
etc., se não dá o mesmo. Esta irregularidade de emprego provém talvez de que o morfema não é de 
origem nacional: veio-nos do italiano através do francês.
Isto é uma leve amostra da extraordinária riqueza da nossa língua em sufixos expressivos. Há outros 
que dão à palavra cambiantes afectivos: -acho, -aço, -az, -ejo, -elho, -engo, -iço, -oco, -orro, -oia, 
-ote, -uco, -udo. São, para aqueles que conhecem os recursos da língua, um filão expressivo de 
primeira ordem.
8. O diminutivo na literatura. - De quanto fica exposto, vê-se o largo predomínio do sufixo 
diminutivo afectivo na nossa língua. Seria interessante acompanhar o emprego desse morfema 
expressivo através da literatura. Damos aqui apenas algums exemplos.
Nos fins do século xv, princípios do século xvi, já Garcia de Resende empregava o sufixo -inho em 
tom de mofa, aludindo às escandalosas novidades do seu tempo em matéria de vestuário:
Agora vemos capinhas, muito curtos pelotinhos,
pois que tudo são cousinhas.
Não é a pequenez dimensional que exprime propriamente o sufixo; é o desdém do autor por essa 
moda estrangeirada, tão contrária aos velhos costumes portugueses.
No século xvn foi falado o caso de certo frade que
i
! í
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 109
pregou por diminutivos num mosteiro de freiras. Quis lisonjear o sentimento das damas, e nada 
mais natural, na verdade, do que falar-lhes numa linguagem afectiva, lardeada de diminutivos de 
ternura, próprios das mulheres.
No século xvni, Bocage ataca um poeta menor, Belohior Curvo Semedo, conhecido poeticamente 
por Belmiro, usando à larga o diminutivo da chacota e pequenez artística:
Jumto ao Tejo, entre os tenros Amorinhos, as belmíricas musas pequeninas para agradar a estúpidas meninas 
haviam fabricado ums bonequinhos.
com eles os travessos rapazinhos,
que são mui folgazões e mui traquinas,
armaram mil subtis alicantinas ’ ’
e os lançaram depois nums bispotinhos.
Eis tágide louçã, de ebúrneo colo,
a quem não vencerá, por mais que lute,
o nosso Belmirinho, anão de Apoio,
Surge d’água e lhe diz: - Filhinho, escute, olhe com que notícia hoje o consolo: é poeta do rei de Lilipute!
Passando para o século xix, vemos Garrett descrever assim as moças pretensiosas: «Há umas certas 
boquinhas, gravezinhas e esprimidinhas pela doutorice, que são a mais aborrecidinha coisa e a mais 
pequinha que Deus permite fazer às suas criaturas fêmeas» (Viagens na minha terra, ed. 1963, pág. 
86). E António Nobre compor o seu curioso soneto diminutivo, dirigido a um seu condiscípulo, por 
alcumha o Misco:
Fazes-me pena, ao ver-te. Andas rotinho, como que envolto em transparente véu: pouco me falta parate ver 
nuzinho, pouco te falta para andar ao léu!
 M. RODRIGUES LAPA
Tens a batina, pálido Misquinho, cor da esperança... e tem a cor do breu... No entanto assim foi Cristo, em 
rapazinho, e hoje é o duque de Morny no céu!
Por isso, ó flor ideal dos rapazitos,
pacienciazinha, cose os farrapitos
dessa batina. Toma a agulha e as linhas.
Dar-te-ia, crê, meu lindo pequerrucho, uma das penas orientais - um luxo! se eu fosse Deus, o pai das 
andorinhas.
Aqui a terna amizade anda associada a um sorriso de doce ironia, que os diminutivos exprimem 
admiravelmente. É bem um produto do temperamento de António Nobre.
Em Eça de Queiroz também encontramos o diminutivo utilizado em vários tons de significado. No 
trecho a seguir exprime a velhacaria, uma falsa, umtuosa doçura do negociante que quer impingir o 
seu produto. Trata-se do velho Abraão, judeu com loja de antiguidades, que pretende vender a 
Carlos da Maia um retrato de espanhola, a que ele chamou uma «maravilhazinha». Carlos ofereceu 
dez tostões. O judeu,
«num riso mudo que lhe abria entre a barba grisalha uma grande boca dum só dente, saboreou muito a 
«chalaça dos seus ricos senhores». Dez tostõezinhos! Se o quadrinho tivesse por baixo o nomezinho de 
Fortumy, valia dez continhos de réis. Mas não tinha esse uomezinho bemdito... Ainda assim valia dez 
notazinhas de vinte mil réis...
- Dez cordas para te enforcar, hebreu sem alma! - exclamou Carlos.
E saíram, deixando o velho intrujão à porta, curvado em dois, com as mãos sobre o coração, desejando mil 
felicidades aos seus generosos fidalgos...». - Os Maias, ed. de 1945, i, 199.
O beato Libaninho, do Crime do Padre Amaro, fala por diminutivos, que dão aos seus dizeres um 
tom de efeminada
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
hipocrisia: - Ai, sossega, leãozinho! Não te percas, filhinho!
Por isso se diz, num romance de Érico Veríssimo: «Há coisinhas, palavrinhas, sorrisinhos, que 
ferem, que irritam, que fazem mal». (Clarissa, 3.a ed., pág. 48).
No estranho e belo soneto de Camilo Pessanha, Singra o navio, também os diminutivos formam a 
atmosfera da poesia e lhe dão um tom de ironia profumda e macabra:
Seixinhos da mais alva porcelana, conchinhas tenuemente cor-de-rosa, na fria transparência luminosa 
repousam, fumdos, sob a água plana.
E a vista sonda, reconstrui, compara: tantos naufrágios, perdições, destroços! Ó fúlgida visão, linda mentira!
Róseas conchinhas que a maré partira... dentinhos que o vaivém desengastara... conchas, pedrinhas, 
pedacinhos de ossos...
O sorriso doloroso e cruel do poeta perante a ruína fatal de quanto é belo no mumdo traduz-se 
maravilhosamente no uso daqueles diminutivos de ternura desdenhosa.
Enfim, no século xx, encontramos o sufixo arvorado em adjectivo, com o significado de 
«afectuoso», como se vê deste passo de Alves Redol, não se sabendo propriamente se é criação sua, 
ou se é transplante do falar ribatejano do autor: «Os tempos, porém, iam duros. Onde andava agora 
a doçura tradicional da nossa gente, tão brandinha, tão -inhazinha?» (Barranco de cegos, 3.a ed., 
pág. 407).
Mas as manifestações de ternura caracterizam-se por sua intensidade e natural exagero. Era pois 
inevitável que também se apegasse ao sufixo um efeito superlativante. Os advérbios foram 
largamente afectados, na linguagem popular, por tal superlativação. Assim, o povo diz: «Ela mora 
per-
112
M. RODRIGUES LAPA
linho de minha casa». Como quem dissesse: muito perto de minha casa. E o mesmo processo se 
estendeu a outros advérbios, como agorinha, jàzinho, etc. Os escritores souberam aproveitar esses 
modos de dizer, como se vê neste passo de Machado de Assis: «Um deles, passando rentezinho com 
o Pestana, começou a assobiar a mesma polca». (Várias Histórias, ed. de 1955, pág. 69). E um 
escritor galego, Xavier Alcalá, numa crónica de jornal (El Ideal Gallego, 25/7/78), não duvidou 
colar o sufixo ao gerúndio para traduzir a marcha do tempo, que deslisa suave e incessantemente: 
«A vila vai morrendo, morrendinho».
9. A história de «carrilhanor». - É necessário que o estudioso possua o sentimento da língua e 
respeite, dentro dos limites do razoável, o seu génio. Evitará com isso incidir em erros e em 
disparates, como aquele de que lhe vamos dar conta.
Há anos foram restaurados os célebres carrilhões de Mafra. Contrataram na Bélgica um artista, 
especialista em carrilhões, que os pôs a tocar boa música. Os jornalistas, perante a novidade da 
coisa, tiveram um momento de dificuldade. Como chamar ao homem? A palavra sineiro era simples 
de mais para designar aquela arte complicada, que exigia um músico profissional. Os nossos 
gazeteiros não hesitciram grandemente. Tinham a palavra francesa carrillonneur. Foram-se a ela e 
formaram esta lindeza, que chegou a ter certa voga nos jornais: carrilhanor.
Este erro não tem perdão, porque denota preguiça mental e a mais grosseira ignorância do génio da 
língua. Um homem do povo numca seria capaz de formar semelhante desconchavo. Se lhe 
pergumtassem: - Olhe cá, como se chama o homem que trata e toca os carrilhões ? - responderia, 
sem hesitar: - Ora essa, chama-se o carrilhoeiro ! Teria mostrado com isso conhecer melhor o 
português que o pobre jornalista alfacinha, ignorante do idioma. Efectivamente, se
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a uma planta que dá feijões se chama feijoeiro, um homem que dá pregões se diz pregoeiro, aquele 
que trata de carrilhões deverá sem dúvida nenhuma chamar-se carrilhoeiro. Quer-se afidalgar um 
pouco mais o termo ? Chame-se-Ihe carrilhoneiro; assim pode ser, pois que ao que governa o leme 
ou o timão também se dá o nome de timoneiro. Enfim, tudo, menos aquele monstrozinho derivado à 
pressa do francês.
8 - Estilística
7.
O ARTIGO E OS NOMES
1. Valor estilístico do artigo. - É o artigo uma palavra pequenina, de aparência insignificante. Em 
realidade, tem grande valor expressivo, como veremos. Até poderíamos fazer dele um só capítulo, 
dada a abumdância do material. Preferimos contudo jumtá-lo aos nomes (adjectivos e substantivos), 
dos quais é praticamente inseparável.
Vejamos estas duas f i ases:
1. Camões, grande poeta português, morreu pobre.
2. Camões, o grande poeta português, morreu pobre.
As duas frases não têm igual valoi. Na segumda, aquele artigo teve como efeito lançar sobre a 
representação mais visualidade e mais familiaridade. Como quem diz: «Camões, o grande poeta que 
nós todos conhecemos e estimamos, morreu pobre». Se repararmos bem na frase, veremos que é 
essa a sua significação. Tudo isso se conseguiu por meio desse pequenino morfema.
Outro caso interessante, embora já diferente:
1. F. ensina modeinos processos de leitura.
2. F. ensina os modernos processos de leitura.
No primeiro exemplo, queremos significar que F. ensina algums processos modernos de leitura. No 
segumdo, que
ESTILÍSTICA DA LíNGUA PORTUGUESA
115
ensina todos esses processos. No primeiro caso, a ausência do artigo conferiu à frase um sentido 
partitivo; já no outro, o emprego do morfema deu à representação um sentido totalitário. Vemos, 
portanto, só destes exemplos, que o artigo tem um valor estilístico que não é para desprezar de 
modo nenhum.
2. Noção geral do artigo definido. - Nos exemplos citados, o artigo tinha uma posição especial, 
pois estava imediatamente seguido do adjectivo e não propriamente do substantivo. Além disso, no 
primeiro grupo de frases encontrava-se em aposição, isto é, determinando um substantivo (poeta), 
qualificativo de outro (Camões). Vejamos agora três casos fumdamentais e simples do emprego ou 
omissão do artigo definido com um mesmo substantivo:
1. O homem é acanhado.
2. O homem é mortal.
3. Homem não é o mesmo que dizer herói nem santo.
No primeiro exemplo, referimo-nos a determinado indivíduo, dentro duma categoria superior que é 
o género humano. Contudo, estamos vendo esse indivíduo, concretamente, sem nos preocuparmos 
com o género a que pertence. É o homem «que ali está», «aquele homem».
No segumdo exemplo, dá-seo fenómeno contrário: aludimos ao género, à soma dos indivíduos que 
compõem a humanidade, sem vermos corporeamente o indivíduo. Temos uma impressão de 
quantidade, de coisa colectiva, como se disséssemos: «Todos os homens são mortais».
No terceiro exemplo, referimo-nos ainda ao género, à classe; mas a noção quantitativa do segumdo 
dá agora lugar a uma noção qualitativa. Efectivamente, aludimos mais à qualidade do que ao 
próprio ser, como se disséssemos: «As
116
M. RODRIGUES LAPA
fraquezas do homem nem sempre fazem dele um herói ou um santo».
Logo, podemos de um modo geral dizer que o substantivo precedido do artigo definido se refere à 
coisa, ao objecto em si, considerado individualmente ou genericamente, como concreto ou como 
abstracto. Sem artigo, alude antes à ideia que formamos do objecto, à qualidade que lhe atribuímos. 
A diferença é sobretudo clara no 1.° e 3.° exemplos. No primeiro, o artigo conserva um valor de 
indicação, que lhe vem de ter sido antigamente pronome demonstrativo (Aquele homem é 
acanhado). No terceiro, como as qualidades em rigor se não apontam a dedo, omitiu-se o artigo.
3. A omissão do artigo definido. - Compreende-se que esta acentuação das qualidades dos objectos 
vá em geral acompanhada de um rebate de sentimento. Quase numca podemos realçar com 
serenidade as boas ou más qualidades de uma coisa; sempre lhe pomos um pouco do nosso afecto, 
da nossa paixão. Vejamos este exemplo:
«Deixarás pai c mãe - diz a religião ao sacerdote».
Poderíamos dizer de outras maneiras: o pai e a mãe, o teu pai e a tua mãe, um pai e uma mãe. 
Nenhuma delas possui a concisão enérgica, dramática, daquele modo de dizer, que acentua 
expressivamente, pela omissão do artigo, o valor daquilo que se deixa. Se invertermos a ordem dos 
elementos, a impressão será a mesma: ((Pai, mãe, esposa, filhos, - tudo deixou o pobre emigrante».
O valor sentimental da omissão do artigo era reconhecido já dos antigos escritores. Eis como João 
de Barros se refere à morte do irmão de Vasco da Gama: «A morte do qual deu muita dor a Vasco da 
Gama, porque, além de perder irmão, tinha Paulo da Gama calidades pêra sentir sua morte quem 
dele tivesse conhecimento». É notável
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aqui o carácter intensivo, afectuoso, do nome irmão desprovido de artigo.
Como os nomes se referem sobretudo à essência, à qualidade dos seres nomeados, a série de 
substantivos sem artigo produz em nós certo choque afectivo. É pois natural que nestas séries a 
própria pontuação acompanhe o carácter sentimental do discurso. É o que se vê neste passo de Eça 
de Queiroz:
«E sentia nele realmente toda a alma de um Ramires, como eles eram no século xn, de sublime 
lealdade, mais presos à sua palavra que um santo ao seu voto, e alegremente desbaratando, para a 
manter, bens, contentamento e vida !»
Repare-se nisto: se o substantivo sem artigo faz menção mais da qualidade que do objecto, tem 
dentro dele uma fumção de adjectivo, pois que compete sobretudo ao adjectivo a determinação do 
estado e da qualidade. É o que se dá neste caso:
«Nessa tarde o Fidalgo da Torre, airoso no seu fato novo de montar, polainas de couro polido, luvas 
de camurça branca, parou a égua ao portão da Feitosa».
Vê-se perfeitamente o carácter adjectival daquelas duas frases não precedidas de artigo. com elas se 
qualifica a elegância do cavaleiro. E precisamente a ausência do morfema comumica à expressão 
certo tom entusiástico e admirativo, dá-lhe um timbre levemente sentimental. Em verdade, aqueles 
dois qualificativos parecem ser empregados até pelo próprio Fidalgo, contente de si próprio, 
remirando-se no seu donaire. O processo, como se vê, exige da parte do autor certo poder de 
simpatia, certa capacidade para entrar na pele das personagens que descreve. Efectivamente, se
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puséssemos a preposição antes da frase, já se perderia o efeito: «com polainas de couro polido e 
luvas de camurça branca». A frase adquiria um sentido mais serenamente descritivo e pertencia 
agora exclusivamente ao autor.
4. Abusos no emprego dos artigos. - A utilização do artigo constitui uma das delicadezas da 
língua, e nem sempre se verifica acertadamente nos melhores autores. Veja-se este passo de Eça, 
escritor grande entre os grandes, o maior estilista português, presente sempre no nosso trabalho:
«Dizia o diplomata, no seu português fluente, mas o acento bárbaro».
O escritor português foi atrás da construção francesa e atraiçoou, desta vez, o génio da língua. Mais 
portuguêsmente, empregaríamos neste caso a preposição: «ãe acento bárbaro», ou «com o acento 
bárbaro», sendo, em todo o caso, melhor a primeira forma que a segumda.
Vejamos estoutra frase:
«Contou, as lágrimas nos olhos, o seu imenso infortúnio».
Aqui também o emprego do artigo definido parece ter carácter afrancesado. Melhor diríamos em 
bom português:
- ((.com lágrimas nos olhos»; todavia essa construção, com valor de adjectivo ou de advérbio, já 
criou raízes, abonada como anda pelos melhores autores, que ora empregam a preposição, ora 
simplesmente o artigo. É de António Vieira o seguinte passo, que legitima esse modo de escrever: 
«Vinha descorado, macilento, as faces sumidas, os olhos encovados, a cabeça derrubada para a 
terra». E já antes dele, Francisco de Morais, que andou por França, escrevera no seu Palmeirim de 
Inglaterra: «dizendo em voz alta, o rosto alegre e risonho».
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É talvez mais expressiva ainda a inversão dos elementos que põe o adjectivo em primeiro lugar, 
como neste passo de Ferreira de Castro: «um melro preto, trémula a cauda, olhava com 
desconfiança para todos os lados».
Em vez do artigo definido, usa-se, mais raramente, nas descrições, o artigo indefinido. É também 
uma construção afrancesada, como se pode ver deste trecho de Guilherme Gama:
«Entro na estalagem dando o braço à pequena Natália, essa rapariga boémia, pálida, de olheiras 
pintadas a bistre, um modo canalha no andar e no rir, e um génio em saber tirar-me do bolso todo o 
dinheiro das mesadas».
O escritor brasileiro Jorge Amado jumta os dois processos, e pelo seguinte trecho logo se vê que o 
artigo indefinido é usado na descrição de costumes e estados morais:
«E quando, por acaso, um navio largava, a terceira classe atestada de imigrantes, eles se 
debruçavam todos no balaústre, uma inveja dos que, mais felizes, já partiam naquele navio, as mãos 
acenando tímidos adeuses, os olhos espichados na esteira do vapor». (Seara vermelha, 123).
É bem visível no estilo moderno, sobretudo na descrição, certa repugnância pelas preposições, que 
marcam no geral relações lógicas, de inteligência e não de sentimento, entre as diferentes partes do 
discurso. A preposição com tem especial dureza, que desagrada a muitos escritores: por isso 
procuram afastá-la. O conhecimento científico da língua, a experiência e um pouco de bom gosto 
ajudarão o estudioso a escolher as melhores maneiras de exprimir-se, dentro das normas e feitio do 
idioma.
Tresandam também a francês certos modos de escrever, nos quais se põe artigo nas exclamações. 
Exemplos: «O belo
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espectáculo!» «A deliciosa tarde!» Será talvez melhor omitir o artigo, ou substituí-lo por que: «Que 
belo espectáculo!» «Que deliciosa tarde!»
Já com as expressões de tempo, o uso do artigo sem preposição é perfeitamente legítimo e de boa 
tradição portuguesa. Veja-se este passo de Fr. Luís de Sousa: «Era mancebo; partia por fim de 
outubro, o tempo doentio».
E ainda este, de Tomás António Gonzaga, o conhecido poeta do século xvm:
«As frias tardes, irei contigo ao prado florescente».
Hoje diríamos de preferência, nestes dois casos: «com o tempo doentio», ou «em tempo doentio», 
«Nas frias tardes». Mas ainda hoje são correntes estes modos de dizer e escrever: «Esteve cá o 
Verão passado»; «dormiu bem a outra noite».
5. O artigo e os nomes próprios.
exemplos:
Notemos estes dois
1. Maria não se esquece numca dos seus deveres.2. A Maria estuda aplicadamente as lições.
A diferença salta aos olhos: no primeiro caso, a pessoa nomeada, referida embora com amizade, 
envolve-se de certa distinção, toma-se mais distante; no segumdo caso, a pessoa, apontada 
mentalmente pelo artigo, toma-se mais familiar. De aí, certa atmosfera afectiva, que banha 
sobretudo os nomes próprios precedidos do artigo definido. Os estrangeiros notam esta tendência do 
português para sensibilizar os nomes das pessoas, dando-lhes um ar caseiro: o Gama, o Eça, o 
Camilo, etc. E não só os estrangeiros, também os portugueses a acentuam, naturalmente, como se 
prova destes dizeres de Miguel Torga: «Quando se diz «o Augusto»,
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envolve-se logo o dono do nome num halo de intimidade, de estima, de respeito». (Pedras 
lavradas, l.a ed., 99).
Contudo, a demasiada familiaridade com um homem pode trazer como resultado um aviltamento 
das suas qualidades. Por isso se diz hoje, não apenas com intimidade, mas com certo sentido 
displicente: o Camões, o Bocage, etc. No seu célebre soneto político a Eurico, personagem do 
romance de Herculano, Guerra Junqueiro escreveu: «Beija a Hermengarda, a tímida donzela». O 
verso ficaria talvez melhor sem aquele primeiro artigo; mas o autor quis dar à figura da irmã de 
Pelágio um aspecto familiar e cidadão. Aquele artigo definido é pois intencional e até irónico.
Suponha-se um repórter a fazer o relato de um julgamento. Se quiser verter um desprezo, tantas 
vezes injusto, sobre os desgraçados que respondem pelos seus erros, dirá assim:
«O libelo termina dizendo que o José Fernandes e o Manuel Vicente são verdadeiramente culpados 
do furto dos cereais, pelo que pede a condenação dos réus».
Estamos vendo qual o efeito deste modo de escrever. Os nomes sem artigo teriam uma distinção, 
imprópria de pobres réus de delito comum. Adornando-os de artigo, o jornalista carregou-os de 
intenção pejorativa, deu à expressão um cunho pessoal, de marcada malevolência.
6. O artigo nas enumerações. - Também nas enumerações o artigo desempenha importante papel 
expressivo. O desconhecimento do seu emprego pode mesmo dar motivo a equívocos. Veja-se esta 
frase:
«Conferenciaram os chefes do exército alemão e italiano».
Tal modo de dizer, «o exército alemão e italiano», poderia indicar um só exército, de alemães e 
italianos, reumidos sob uma bandeira. Para evitar equívocos, a língua dispõe do adjec-
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tivo composto: «o exército germano-italiano» ou «o exército ítalo-alemão». Se quisermos fazer a 
devida discriminação, diremos, com o artigo no plural: «os exércitos alemão e italiano», ou, 
repetindo o artigo: «o exército alemão e o italiano». Como se vê, a repetição do artigo nas 
enumerações acentua o valor de cada elemento da série, dá-lhe vida própria e distinta; se temos um 
só artigo para toda a enumeração, as diferenças de cada elemento são menos acusadas e só vale o 
todo.
Nesta frase - «Os murros, bofetadas e pontapés choviam sobre o pobre homem» - temos uma 
representação global, um pouco confusa, das brutalidades a que foi submetido o homem. O nome, 
precedido do artigo (Os murros), posto à frente da série, assume grande importância, como chefe de 
fila. Portanto, o vocábulo portador da ideia fundamental ganhará em ser posto à frente da 
enumeração.
Se quiséssemos avultar expressivamente, como que por ordem cronológica, salientando o seu valor, 
aquelas diferentes manifestações de brutalidade, diríamos: «Choveram então sobre o pobre homem 
os murros, as bofetadas e os pontapés».
Esta repetição expressiva do artigo definido serve ainda para as séries de adjectivos, e produz belo 
efeito estilístico. Assim nesta frase:
«O céu estava límpido: nem uma nuvem lhe desmanchava o vasto, o imaculado azul».
A valorização dos adjectivos, um por um, por meio do artigo, toma mais luminosas e mais 
determinadas as duas representações. Teremos a prova disso, se não repetirmos o artigo e 
dissermos: «o vasto e imaculado azul». Perdeu-se o efeito, e as duas imagens apagaram-se e como 
se fundiram num todo. Resultou uma espécie de adjectivo composto, abstracto: vasfo-imaculado. Já 
vimos o fraco valor expressivo da composição abstracta.
7. O artigo indefinido.-A capacidade estilística do artigo indefinido está na imprecisão que dá às 
representações. Serve pois para traduzir a indeterminação e o mistério, como se vê por este trecho 
de Eça, em que se descrevem as hesitações dum arrendatário de aldeia:
«O José Casco voltou ainda com a mulher; depois, num domingo, com a mulher e um compadre, - e 
era um coçar lento do queixo rapado, umas voltas desconfiadas em tomo da eira e da horta, umas 
demoras sumidas dentro da tulha, que tomavam aquela manhã de junho intoleravelmente longa ao 
Fidalgo».
Ora a indeterminação e o mistério vão quase sempre acompanhados de movimentos da 
sensibilidade. É por isso que o artigo indefinido traduz muitas vezes os sobressaltos da alma, a 
intensidade obscura dos afectos. É um instrumento precioso para exprimir a complicação da alma 
moderna, o seu carácter impressionável. Os Clássicos empregavam-no com parcimónia; nós usamos 
e abusamos dele.
Suponhamos esta frase: «Para aproveitar a solidão favorável, apressou com um esforço a 
confidência que o comovia». Se disséssemos apenas «com esforço», não alcançaríamos o mesmo 
efeito. Aquele artigo dramatiza o caso, reforçando ao mesmo tempo a intensidade da representação. 
Eis porque esse morfema se emprega muitas vezes como uma espécie de superlativo. Exemplo: 
«Foi uma alegria, quando viu os pais». Entre o artigo e o nome subentende-se qualquer coisa como 
«grande», «enorme». A entoação com que se diz a frase contribui, é claro, para esse efeito 
superlativo; mas é bem visível que o morfema valoriza intensamente o nome a que se refere.
Este emprego variado e subtil do artigo indefinido tem-se estendido irregularmente a outros casos, 
não autorizados
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pelos puristas, que, sempre com os olhos nos Clássicos, desejariam ver a língua no estado em que a 
deixaram um António Vieira ou um Manuel Bernardes. Um Clássico escreveria assim: «Pareceu-me 
aquilo sinal de pesar». Nós introduzimos hoje mais energia na frase, dizendo, com o artigo: 
«Pareceu-me aquilo um sinal de pesar». Mas ainda há hoje escritores que, levados por um 
exagerado conceito do purismo, mantêm o uso clássico da língua, tomados de verdadeira fobia pelo 
artigo indefinido. Um deles é Ferreira de Castro, do qual há frases como estas: «O navio rumou de 
Humaitá para a margem direita, dobrando ponta onde outrora existira terra limpa». «Jucá Tristão 
dirigindo-se a homem cuja existência Alberto não havia notado, ordenou-lhe: - Ó Caetano, leve-os 
para o barracão velho!»
A omissão do indefinido tem nestes casos o carácter de autêntica «doença do estilo», que o 
autodidactismo do escritor, aliás um dos nossos mais elegantes prosadores, talvez explique 
suficientemente. Acompanham-rio neste injustificado horror da partícula indefinida algums dos 
mais recentes escritores, entre eles Soeiro Pereira Gomes, autor de Esteiros, a quem pertence esta 
frase: «Depois de enganarem as bocas com naco de pão mais duro do que a tarimba, meteram-se ao 
esteiro».
Já em outras circumstâncias, quando o substantivo está precedido de um adjectivo, se pode observar 
ainda o uso dos antigos escritores da língua, que geralmente dispensavam o artigo. Exemplo: «O 
estudioso tirará grande proveito da Estilística». Será este o modo clássico de escrever, o mais 
corrente ainda hoje. Há porém quem diga «um grande proveito», e esta construção parece destinada 
a vingar, por ter talvez mais poder expressivo.
8. O substantivo. - Já temos visto que o substantivo pouco difere do adjectivo; no fumdo, são dois 
aspectos duma mesma realidade linguística. A própria origem do nome tem
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mais de adjectivo do que de substantivo. com efeito, ao princípio, todos os seres foramdesignados 
por uma qualidade fumdamental que os caracterizava. Esse processo, usado na formação dos 
substantivos, vê-se ainda hoje nas alcumhas pessoais: o (José) Manco, o (Manuel) Canhoto, etc. 
Para designar um curso de água podem considerar-se duas noções fumdamentais: o próprio derivar 
da água, e nesse caso o objecto chamar-se-á corrente, torrente, cachoeira, etc., ou, visto de mais 
longe, o aspecto sinuoso das margens, das ribas, e nesse caso dar-lhe-emos o nome de rio, regato, 
ribeiro, etc. Isto seria na origem: hoje, a palavra rio suscita não apenas uma qualidade, mas a 
imagem total do objecto: o correr da água e o aspecto das margens. Primitivamente, aludindo a uma 
qualidade do objecto, era uma espécie de adjectivo; por fim, sugerindo-o integralmente, tomou-se 
verdadeiramente substantivo.
Hoje, como que voltámos à primitiva concepção. A língua actual, de cumho impressionista, avulta a 
qualidade acima do objecto, faz da qualidade o próprio objecto. É assim que dizemos «o rubro das 
papoilas», «o idiota do rapaz», substantivando os adjectivos. E é ainda por esta tendência que 
dizemos «uma beleza de criança», «uma maravilha de seara», pondo o substantivo qualificante à 
frente do qualificado. Eis um trecho de Fialho de Almeida, como abonação literária do processo, 
aliás muito em voga na língua corrente: «Paço era vivo, com uma dessas caras picantes de Sevilha, 
de narizito no ar, tinta cigana, profumdos olhos, e um apetite de dentes, que lhe tomavam o riso 
numa sinfonia de notas peroladas».
Claro que os poetas modernistas não fazem caso da velha distinção entre substantivo e adjectivo. 
Um dos maiores, certamente o maior, Fernando Pessoa, escreveu:
E dei meu gesto lasso às algas mágoas que há para além de sermos outonais...
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Não se sabe aqui qual o nome que fumciona como adjectivo, e esta imprecisão acrescenta o mistério 
da sugestão poética. Já noutros versos do mesmo autor se emprega claramente o substantivo em 
lugar do adjectivo: «com que ânsia tão raiva / quero aquele outrora!»
9. Abstractos e concretos. - São abstractos os nomes que aludem às acções, aos estados, às 
propriedades: levantamento, silêncio, rapidez, etc. Dizem-se concretos aqueles que se referem à 
substância: papel, pedra, montanha, etc. Os primeiros escapam à experiência dos nossos sentidos; 
os segumdos são seres materiais, sobre que se podem exercer esses mesmos sentidos. Isto, em 
teoria; na realidade as coisas são mais complicadas. É que certos conceitos abstractos podem ter 
uma face concreta e, ao contrário, muitos nomes concretos se podem empregar em sentido 
abstracto.
O nome beleza é, não há dúvida, uma palavra abstracta; mas se, ao pronumciá-lo ou ao escrevê-lo, 
eu tenho nos olhos a imagem de um retrato, ou de um mármore como o da Vénus de Milo, o 
substantivo adquire para mim um valor concreto. Era aliás o que faziam os antigos gregos e 
romanos: as ideias abstractas, tais como a beleza, o destino, a morte, etc., eram para eles de certo 
modo concretas, porque, ao pensá-las, tinham nos olhos as figuras da sua mitologia. Assim, para um 
romano, a noção de beleza andava ligada à visão duma estátua de Vénus, a morte sugeria-lhe um 
sem-número de imagens concretas: as Parcas tecendo o fio da vida, os reinos infernais de Plutão, 
etc.
As ideias abstractas são susceptíveis, além disso, de manifestações concretas. Um indivíduo que 
tem sono, escabeceia, faz trejeitos, deita-se, ressona. Tanto basta para que o substantivo nos apareça 
menos abstracto, porque lhe andam ligadas estas manifestações corporais. O termo silêncio, sendo, 
como é, abstracto, se evoca em nós a noção contrária de ruído, o sossego das ramagens quietas, etc., 
toma-se por isso menos
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abstracto. Isto é, a abstracção dos nomes é coisa relativa, porque depende em parte do poder de 
fantasia dos indivíduos. Pelo contrário, muitas vezes os nomes concretos podem ser tomados não no 
sentido material e objectivo que lhes é próprio, mas em sentido espiritual, tomando-se por isso 
abstractos. Os substantivos sol, braço, sangue, são concretos; mas podem ser empregados em 
sentido figurado, equivalendo a ideias abstractas. É o que se dá nos seguintes exemplos:
1. A filha única era para ele o sol da sua vida.
2. António era o braço direito do seu pai.
3. Sentiam-se umidos pelos laços poderosos do sangue.
É bem evidente aqui a transformação do termo concreto em abstracto: sol significa propriamente o 
«conforto espiritual», o «encanto»; braço o «apoio», o «sustentáculo»; sangue o «parentesco», a 
«estirpe familiar». É um processo da linguagem figurada, bem conhecido de todos. A estas 
transposições do concreto para o abstracto e vice-versa chamamos metonlmias.
O próprio uso do artigo pode ter importância para a discriminação entre abstracto e concreto:
1. Filho és, pai serás...
2. Chamou o filho e repreendeu-o.
No primeiro exemplo, como vimos já, o nome sem artigo alude mais à qualidade, à essência, do que 
ao próprio objecto. Logo, o substantivo tem valor abstracto. No segumdo exemplo, em virtude do 
artigo, estamos vendo corporalmente a pessoa; logo, filho é um nome concreto.
Os substantivos colectivos também podem ter uma face concreta, como vamos ver. Suponhamos, 
por exemplo, este nome: pinheiral. O vocábulo suscita em nós duas representações: a da quantidade 
global, - face abstracta; e a dos pinheiros, considerados mentalmente um por um, - face
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concreta. Por outros termos: o colectivo possuí duas umidades semânticas, mais ou menos sensíveis, 
conforme os indivíduos: a ideia abstracta do todo e a visão concreta das partes.
Os adjectivos também podem ser mais ou menos concretos ou abstractos. Quando dizemos - «O 
tempo está/mco» temos uma sensação física de frescura; mas quando dizemos
- «uma lembrança fresca» - já o adjectivo, empregado em sentido figurado, de concreto passou a 
abstracto. É como se disséssemos «recente», «de pouco tempo».
A linguagem literária moderna faz largo uso do substantivo abstracto, em sentido mais ou menos 
concreto. É uma criação de estilo. Vejamos este período:
«E apenas Gonçalo empurrou timidamente a porta quase acuou no espanto e medo daquela aflição 
estridente, que se arremessava para ele e para a sua misericórdia».
Trata-se de uma pobre mulher que foi pedir pelo seu marido, a ferros na prisão. Não vemos o 
objecto, a mulher; só sentimos concretamente a sua dor, que parece ter braços para suplicar e pernas 
para andar. O termo misericórdia também está tomado em sentido menos abstracto; mas aflição é já 
qualquer coisa que se vê, porque se «arremessa», e se ouve, porque é «estridente».
O estilo moderno tem marcada predilecção por este processo, que consiste em pôr à frente o 
abstracto, o qual indica sem determinar e avulta a qualidade acima do próprio objecto. Veja-se este 
passo de Fialho de Almeida: «relvas picadas da vivacidade das corolas». Se escrevêssemos ao modo 
clássico «relvas picadas de corolas vivazes», poderíamos ser mais lógicos, mas éramos certamente 
menos expressivos. O abstracto, no esforço para se tomar concreto, adquire uma espécie de 
personalidade activa (a vivacidade das corolas picando as relvas).
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10. O género e o número. - Pouco interesse tem para o nosso caso a determinação do género e do 
número das palavras. Mas é necessário acentuar, tratando-se do género, uma das características do 
português: a constante preocupação sexual que se verifica no vocabulário. É natural que os animais 
se dividam quanto ao sexo: cão - cadela, leão - leoa, etc. A própria configuração do macho e da 
fêmea toma necessária a distinção morfológica. Mas o que é mais curioso é que essa mesma 
tendência se verifique nos objectos, nos seres insexuados. A par do masculino, a língua criou formas 
femininas num sem-número de substantivos: saco - saca, poço - poça, barco - barca, melão - 
meloa, chouriço - chouriça, gancho - gancha, barraco
- barraca,cesto - cesta, etc.
Se examinarmos estas parelhas de substantivos, notaremos que, de um modo geral, o masculino 
representa maior grandeza no sentido do comprimento, o feminino maior grandeza no sentido da 
largura. O português viu nos objectos a imagem do homem e da mulher: o homem, mais forte, mais 
alto e esbelto; a mulher, mais baixa, mais larga, de curvas mais arredondadas. Ainda se pode ver 
nesta competição do macho e da fêmea, reflectindo-se nas próprias coisas, um dos caracteres 
fumdamentais da civilização portuguesa, que presume sempre, nas lides caseiras e no trabalho da 
terra, o esforço conjugado do homem e da mulher.
Quanto ao número, convém frisar que o artigo reforça a pluralidade. A falta de artigo desvanece a 
diferença entre os vários elementos do plural e tende para representar uma ideia colectiva. Vejam-se 
estes dois exemplos:
1. As flores do campo cheiram bem.
2. Flores do campo, que bem que cheiram!
No primeiro caso, o olhar está a vê-las e portanto a determiná-las na sua variedade. No segumdo, a 
falta de artigo
9 - Estilística
130 M. RODRIGUES LAPA
obliterou a visualidade, e o plural, desacompanhado, perdeu-se um pouco no vago, 
ganhando certo matiz sentimental. É esta mesma tendência afectiva, a qual favorece os 
juízos apaixonados sobre os seres, que se verifica no tom depreciativo conferido muitas 
vezes ao plural sem artigo. Alguém, pessoa experimentada na vida, assiste a algums 
desmandos de gente moça. Vem-lhe aos lábios um sorriso meio irónico, meio indulgente, e 
diz: - Rapazes... A entoação desempenha na ironia papel importante, mas o plural tem 
nisso o seu quinhão. A mesma leve ironia transparece naquele conhecido verso de Cesário 
Verde: «Naquele piquenique de burguesas». Mas a demonstração mais convincente do 
caso está na lindíssima redondilha de Camões:
Numa casada fui pôr os olhos de si senhores: cuidei que fossem amores, cies fizeram-se amor.
No fumdo, o que o plural sem artigo aqui exprime é a acentuação da qualidade em sentido 
pejorativo.
É ainda curioso assinalar o efeito do plural em algums substantivos. Vejamos esta frase:
«Lá em casa a família passava fomes». , ~
O plural dá ao substantivo dois valores expressivos: um de intensidade, outro de variedade. A 
impressão geral é de que a palavra fome, pluralizando-se, se tomou mais concreta. É esse, por via de 
regra, o resultado do plural nos nomes abstractos. A linguagem corrente conhece o processo: 
belezas, miudezas, festas, atenções, etc., tomam-se concretos, ou pouco menos, porque usados no 
plural. O exemplo mais expressivo desta concretização está no vocábulo galego alegrias, para a 
designação das entranhas do porco.
O gramático e dicíonarista brasileiro Morais e Silva
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entreviu o fenómeno, dando-nos esta regra no Epitome de gramática portuguesa, cap. iv: 
«Não admitem plural os nomes de qualidades habituais, senão usados pelos atos delas: 
as caridades que me fez; essas tuas paciências, etc.». Os escritores não fizeram mais que 
copiar o método da língua falada. Exemplo : «Aqueles arranjos confortáveis lembraram 
decerto a Leopoldina felicidades tranquilas». Aqui arranjos alude não apenas ao acto, mas 
aos objectos arrumados; felicidades desperta-nos sensações físicas e sentimentos de 
conforto; o termo anda fortemente apegado aos objectos que constituem o bem-estar. São, 
em suma, nomes abstractos tomados em sentido mais ou menos concreto.
O escritor clássico conhecia já este processo, como se vê destes dois exemplos de Francisco 
de Morais e Fr. Luís de Sousa: «com piedades de vencido começou a pedir ao vencedor 
que o matasse». - «Se Deus não acudia com suas misericórdias, parecia impossível 
valerem-se contra tamanho poder». Os dois termos no plural sugerem imagens auditivas e 
visuais que o simples singular não comporta, por via de regra. Logo, são havidos como 
substantivos concretos. Mais demonstrativo é ainda este passo do P.e António Vieira: 
«Perde-se o Brasil, Senhor, porque algums ministros de S. Majestade não vêm cá 
buscar o nosso bem, vêm buscar os nossos bens». O escritor jesuíta soube jogar com o 
diferente sentido do singular e do plural, com o abstracto e com o concreto, e produziu um 
trocadilho admirável, de forte e saborosa ironia.
r
8.
O ARTIGO E OS NOMES
II
1. O adjectivo e a caracterização. - O adjectivo tem extraordinária importância na arte de 
escrever; sobretudo hoje, que há uma tendência para dar cor a tudo, às coisas e aos pensamentos. O 
bom escritor revela-se num grande número de qualidades; mas entre elas sobressai a de aplicar com 
precisão e pitoresco os seus adjectivos. Dizia um grande escritor francês, mestre na arte do estilo, 
que em tudo quanto se queira dizer não há senão um substantivo para o exprimir, um verbo para o 
animar e um adjectivo para o qualificar. É porventura demasiado radical esta sentença; mas tem um 
fumdo de verdade e deve estar presente ao espírito de quem queira escrever bem.
O adjectivo é portanto o elemento fumdamental da caracterização dos seres; mas a Estilística tem 
uma noção muito mais larga do adjectivo do que a Gramática: para ela tudo quanto sirva para 
caracterizar, jeito de entoação, palavra ou frase, vale como adjectivo. Vejamos os casos principais 
de palavras ou locuções que podem assumir f umção adjectival:
1. Isto é que é um RAPAZ!
A entoação aqui é o elemento caracterizador. Conforme a maneira de entoar, assim a frase significa 
bom ou mau rapaz. Aquele artigo indefinido, pelo seu carácter intensificador, auxilia essa fumção 
adjectivante.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 133
2. A í te mando esse LIVRECO.
Na palavra livreco há duas representações: a de substantivo e a de adjectivo, a do objecto e a da 
qualidade: «livro mau». Portanto, certos substantivos expressivos trazem em si o elemento 
caracterizador; e os sufixos, como vemos, desempenham nisso importante papel: r óbito, cabeçona, 
casacório, etc.
, i
3. Manuela trazia um vestido LILÁS.
O substantivo lilás qualifica outro substantivo (vestido). O caso é frequente com os nomes das 
cores. É uma construção afrancesada que vingou na nossa língua. O próprio substantivo composto 
pode servir de adjectivo, como se vê deste exemplo: «Essa rapariga tem a história mais planta-de-
estufa que eu conheço». Aquele composto significa «caseira», «modesta».
4. Avistámos ao longe um barco À VELA.
A locução à vela, formada de substantivo precedido de preposição, é equivalente a um adjectivo: 
«barco veleiro». Esse qualificativo até se emprega já como substantivo, pois podemos dizer 
simplesmente «um veleiro». A qualidade deu nome à própria substância.
Como vimos já, no capítulo anterior, o substantivo não carece de preposição para ter a capacidade 
de um adjectivo. Neste trecho, os substantivos e mais os qualificativos que os acompanham valem 
por autênticos adjectivos: «Surgiu então um rapaz alto, cabelo negro, rosto magro e olhos 
amortecidos, denumciando vida indolente». Por vezes, o substantivo encontra-se precedido do 
artigo, como nesta frase: «Nas árvores pousavam lindas pernaltas, o bico semi-oculto no
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M. RODRIGUES LAPA
colo». Tudo processos de caracterização com o emprego do substantivo.
5. Deves ler livros QUE INTERESSEM.
Aqui, a oração de pronome relativo (que interessem) vale por um adjectivo: interessantes. É 
por isso que em gramática essas orações são designadas pelo nome de «adjectivas», e é por 
isso mesmo que se não justifica o uso da vírgula.
6. Os pequenos, CANTANDO, saíam da escola.
Neste exemplo, o gerúndio cantando caracteriza ao mesmo tempo o sujeito (os pequenos), e nesse 
caso é um adjectivo, e o verbo (saíam cantando), e nesse caso equivale a um advérbio. As duas 
fumções compenetram-se aqui intimamente. Mas um escritor modernista como Fernando Pessoa 
tem artes de fazer do gerúndio um puro adjectivo, qualificador do substantivo, numa frase como 
esta: «Pelo grande cobertor não-cobrindo-nadadas aparências».
Já antes dele, o brasileiro Raul Pompéia tentara o recurso no seu livro O Ateneu: «Bem pouco, um 
resto desfeito de saudades para aquela inércia intensa, avassalando».
São estas as maneiras principais de que a língua se serve para a caracterização; poderemos dizer que 
a noção de adjectivo recobre todos estes aspectos. Vamos agora assistir a esse trabalho de 
caracterização, realizado por um grande escritor. Suponhamos o seguinte trecho:
«Numa sala encontrámos uma senhora; um lenço caía-lhe em bioco sobre a testa; e no fumdo dessa 
sombra negrejavam dois óculos».
O passo é quase totalmente desprovido de termos caracterizadores, tirante aquele bioco e sobretudo 
aquele negrejar, donde ressalta já nitidamente a ideia de «negro». É assim
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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que Eça de Queiroz completa o trecho, aviventando-o com adjectivos ou equivalentes locuções 
caracterizantes:
«Numa sala forrada de papel escuro encontrámos uma senhora muito alta, muito seca, vestida de 
preto, com um grilhão de ouro no peito; um lenço roxo, amarrado no queixo, caía-lhe num bioco 
lúgubre sobre a testa; e no fumdo dessa sombra negrejavam dois óculos defumados».
Aqui está como um grande escritor, pelo sábio emprego dos instrumentos de caracterização, 
descreve uma senhora beata. É de notar a cor sombria dada por esses elementos, com que se acentua 
a natureza arrevesada da personagem: escuro, preto, roxo, lúgubre, defumados.
2. Cautela com o emprego do adjectivo! - Toda a cautela é pouca no emprego do adjectivo. Dizia 
um grande escritor francês, Voltaire, que o substantivo e o adjectivo são dois inimigos figadais. 
Queria ele significar que nada há mais censurável no estilo do que a acumulação supérflua dos 
adjectivos. Por isso o bom escritor deve insistir no emprego do substantivo expressivo, que contém 
já em si um elemento de caracterização. Evita sobretudo carregar a frase de adjectivos, como quem 
carrega um fardo. Foi nestes termos, mais ou menos, que Camilo Castelo Branco louvou um escritor 
do seu tempo: «O poeta esmera-se na escolha do substantivo, adopta o que lhe frisa mais 
espontaneamente a ideia, e dispensa-se de o arreatar em caravana de epítetos dissimulados em 
estéril pompa de retórica: sonoridades vazias».
Para exemplo do que diz Camilo, veja-se este trecho duma escritora moderna, onde superabumdam 
os adjectivos que nada ou quase nada dizem:
«Alumiado pela estrela rutilante da bondade excelsa, o reformador desceu aos antros tenebrosos e 
infectos onde a
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M. RODRIGUES LAPA
humanidade se encharca em crime hediondo. Desse ambiente impiedoso de miséria repelente 
arrancou as almazinhas inocentes das crianças pobres, convertendo-as em elementos fecumdos e 
úteis à sociedade».
Se quiséssemos mondar este trecho dos adjectivos que o atravancam, escreveríamos mais 
simplesmente assim, banidos os clichés e algums elementos supérfluos de caracterização:
«Alumiado por excelsa bondade, o reformador desceu aos antros onde a humanidade se encharca no 
crime. Desse ambiente de miséria arrancou as pobres crianças, convertendo-as em elementos úteis à 
sociedade».
Aquela vegetação de adjectivos qualificadores de antros, crime, miséria, parece-nos perfeitamente 
dispensável, porque essas palavras, eminentemente expressivas, caracterizam-se já por si próprias. 
O adjectivo trivial, espécie de cliché, nada acrescenta ao sentido. O trecho saiu simplificado, sem 
perder a significação. com certeza, ficou mais bem escrito.
Outras vezes somos levados a empregar o adjectivo por um instinto artístico, uma tendência para o 
arredondamento e para a calafetação da frase. Parece-nos que ao substantivo falta um qualificativo; 
e, como a natureza é preguiçosa, em vez de escolhermos o bom adjectivo, o único que a 
circumstância requer, adoptamos um caracterizador banal, que serve para tudo: lindo, admirável, 
soberbo, enorme, etc. Sobretudo os aprendizes de estilo estão sujeitos a estes deslizes. Por preguiça, 
que é o pior inimigo do estilo, usam e abusam destas calafetações que nada exprimem.
Um dos nossos discípulos, ao referir-se a um campanário de aldeia, escreveu: «No lindo campanário 
ouvem-se as badaladas que anumciam a missa...» Fizemos-lhe compreender que aquele adjectivo 
lindo nada significava ali, era um simples verbo-de-encher que não nos dava nenhuma das
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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qualidades do campanário. com efeito, um campanário só por muito favor se pode qualificar por 
meio do adjectivo lindo. O alumo pensou melhor e corrigiu para vetusto. Aceitámos a emenda, que 
já definia um dos aspectos do campanário. Observámos-lhe porém que o termo, alatinado, nos 
parecia um pouco pretensioso, literário demais. Preferiríamos o termo corrente velho. Objectou-nos 
que vetusto lhe parecia melhor para designar uma igreja, que poderia vir a ser um dia monumento 
nacional. Aceitámos a razão como boa, por se fumdar numa preferência pessoal, digna de respeito. 
Mas não ficámos convencido, por acharmos um pouco forçada aquela transposição de velho para o 
latinismo vetusto. Infelizmente a série de sinónimos que se possa empregar aqui não é grande, nem 
fácil a escolha. Há contudo um termo que poderia servir e tem boa raiz popular - velhusco, se não 
admitisse uma coloração mais ou menos pejorativa, como se nota no uso que dele fez Machado de 
Assis para caracterizar uma casa velha e arruinada: «Gostou até de ver a casa velhusca, desbotada, 
em contraste com as borboletas tão vivas de há pouco» (Quincas Borba, pág. 271). Monteiro 
Lobato, grande criador verbal e grande humorista, tem gosto por essa forma, que emprega pelo 
menos duas vezes ern Negrinha. Convém advertir que o nosso alumo, católico praticante, desejava 
naturalmente dar certa dignidade à igreja da sua terra. De aí talvez a preferência por vetusto.
3. Substantivo vulgar e adjectivo literário. - As palavras vivem em famílias; e o que se dá na família 
dos humanos, dá-se também na família das palavras: nem sempre os componentes ligam bem entre 
si, porque há elementos que são ou se julgam mais do que os outros. Aquele adjectivo vetusto 
pertence à categoria desses pretensiosos. Destoa, entre os companheiros - velho, idoso, ancião, etc. - 
pelo seu ar alatinado. Mas sempre teremos o recurso de o substituir, querendo, por outros menos 
pedantescos.
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Há casos porém mais complicados: muitos substantivos não têm adjectivo que lhes corresponda 
(ex.: cimento, pau, Jaca, pano, etc.), sendo nós obrigados a um circumlóquio para arranjar o 
qualificativo. Outros vão buscar o adjectivo às línguas cultas, como são o latim e o grego. Fica 
assim existindo um adjectivo literário para um substantivo vulgar, um termo especial e um pouco 
arrevesado para um termo
de uso corrente.
Assim, «brinquedos de criança1» chamar-se-ão, em linguagem culta, «brinquedos pueris ou 
infantis»; um recado que é dito por boca chama-se «recado orah; uma picada que causa dor diz-se 
«picada dolorosa»; um remédio cujos efeitos vão até à raiz é dito «remédio radicah, à navegação 
que se faz no rio chama-se «navegação fluvial», e a um escritor que produz muitas obras «escritor 
operoso». Todo o homem culto ou que presume de tal é obrigado a conhecer estas famílias de 
palavras, com os seus elementos nobres. Para isso, como já declarámos, não é necessário saber 
latim nem grego. Basta possuir uma louvável diligência e uma certa experiência dos radicais. O 
bom uso do dicionário dará ao estudioso esta ciência fácil.
Acha, por exemplo, a palavra piscoso, no grupo a piscosa Sesimbra. Logo reconhece na palavra 
um radical pise, que significa «peixe», e se encontra em outros vocábulos: piscatório, piscicultura, 
pisciforme, piscina. A falta do sentimento da língua conduziu, a propósito desta mesma expressão, 
a um erro curioso. Um editor de Os Lusíadas, em 1584, ao encontrar aquele grupo no texto (canto 
m, est. 65) deu a seguinte explicação, que se tomou ridiculamente célebre: «chama-se piscosa,porque em certo tempo se ajumta ali grande quantidade de piscos, para se passarem à África». 
Desde esse momento ficou essa edição conhecida pelo nome
de «edição dos piscos».
Logo, é útil ao aprendiz de escritor o estudo da formação das palavras; não para deslumbrar os 
outros com o
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUma/i
emprego do termo literário e técnico - esses vocábulos são precisamente os menos expressivos -, 
mas para enriquecer o seu pecúlio lexical e dar variedade ao estilo.
4. Valor intelectual e afectivo dos adjectivos. -Designando um atributo, uma qualidade, é natural 
que o adjectivo tenda sobretudo para a expressão intelectual, abstracta. Quando dizemos 
«história umiversal», temos a representação de uma «história que abrange os sucessos 
fumdamentais de todas as nações». O nosso sentimento não intervém no caso. A representação é 
puramente intelectual. Mas se dissermos: «Esse remédio tem fama umiversah, já introduzimos na 
ideia marcada pelo adjectivo um pouco de exaltação. A que devemos isso? Ao contexto, mas 
sobretudo ao substantivo que acompanha o adjectivo e que derrama sobre ele um pouco da sua 
alma. As palavras não vivem isoladas, temos nós repetido; aqui mais uma vez se comprova o facto. 
Não há dúvida que o substantivo fama comumica ao adjectivo umiversal um pouco do seu 
alvoroço e do seu entusiasmo. As duas palavras conspiram para nos darem uma sensação de 
intensidade, e esta vai sempre acompanhada de rebates de sentimento.
Outro exemplo: «O frade observou sempre o jejum
religioso). Aqui o adjectivo tem carácter puramente intelectual; «jejum religioso» significa apenas 
o jejum preceituado pela religião. O qualificativo é de natureza técnica. Digamos porém: «Fez-
se na sala um silêncio religioso». Agora, o adjectivo parece-nos impregnado de sentimento, e o 
termo adquiriu um sentido figurado e superlativo. Como vemos, trata-se de uma série usual de 
intensidade, cuja formação e significado já foram estudados num capítulo anterior. Por via de 
regra, quando o adjectivo assume coloração sentimental, resulta daí uma série usual intensiva.
O reflexo do substantivo sobre o adjectivo nota-se ainda em certas locuções correntes. Quando 
dizemos «uma casa
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azul», sabemos bem que a casa não é toda azul, mas apenas exteriormente pintada de azul. Em 
Lisboa, há um «Bairro Azul»: as casas não são pintadas de azul, como poderia parecer, mas apenas 
as portas, aros das janelas e persianas. Enfim, um «lápis azul» só tem de azul a parte com que se 
escreve. Parece-nos que estes exemplos são o bastante para convencer o leitor da íntima 
solidariedade que existe entre o substantivo e o adjectivo e da impossibilidade de separarmos estas 
duas categorias.
5. A posição do adjectivo. - Um facto importante de estilo, sobretudo em português, é a posição do 
adjectivo qualificativo. Muitas línguas, como o inglês e o alemão, têm umiformemente o adjectivo 
antes do substantivo; outras, como o francês, têm regras mais ou menos fixas para a sua colocação. 
Só o português e o espanhol admitem liberdades que dão a quem fala e escreve riquíssimas 
possibilidades de expressão. Vejam-se estas duas frases:
1. O rapaz pobre necessita de fazer economias.
2. O pobre rapaz ficou reprovado no exame.
Ninguém, por menos experiente que seja da língua, hesita sobre o significado daquele adjectivo. No 
primeiro caso, o adjectivo pobre está empregado no seu verdadeiro sentido, define com precisão a 
qualidade do rapaz: «moço sem recursos». No segumdo caso, entramos já em outra esfera: o 
adjectivo está empregado com significação diferente; na verdade, aquele «pobre rapaz» pode ser 
agora um rapaz imensamente rico. E o adjectivo e toda a frase aparecem-nos impregnados de 
sentimento, de compaixão. Tudo isto se obteve com a colocação do adjectivo antes do substantivo.
Podemos pois desde já enumciar esta regra de estilo português: quando o adjectivo está logo depois 
do substantivo, tende a conservar o valor próprio, objectivo, intelectual;
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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quando está antes, tende a embrandecer-se, adquirindo matização afectiva. Assim, «uma rapariga 
bela» pode não ser «uma bela rapariga», porque a primeira se distingue pela beleza física, a 
segumda pela beleza moral.
Machado de Assis aproveitou esta duplicidade de sentido, jogando finamente com a posição do 
adjectivo: «a primeira é que eu não sou propriamente um autor defumto, mas um defumto autor, 
para quem a campa foi outro berço» (Memórias póstumas de Brás Cubas, ed. de 1955, pág. 11). No 
primeiro exemplo, defumto significa «efectivamente morto»; no segumdo, o adjectivo significará 
«esquecido», dando-se à frase este sentido: «mas um autor esquecido para o qual a celebridade só 
veio depois da morte».
Esta variabilidade na colocação do adjectivo é própria de pessoas sentimentais e sonhadoras. O 
poeta, que vive mais na esfera do sentimento, tem tendência para pôr o adjectivo antes do 
substantivo. É um processo lírico. O poeta dirá de preferência «o verde prado», porque alude não à 
verdura em si própria, mas às emoções, ao prazer que lhe suscita a verdura do prado. Para ele, 
verde é um adjectivo mais ou menos abstracto. Um homem de prosa, observador exacto e 
impassível, dirá antes «o prado verde», porque estabelece uma relação intelectual, não 
contaminada de sentimento, entre o prado e a verdura que em dado momento o caracteriza. Para 
ele, verde é um adjectivo mais ou menos concreto. O primeiro vê sobretudo com os olhos do 
coração
- por isso vê mais turvo; o segumdo vê sobretudo com os olhos da cabeça - por isso vê mais claro. 
A visão do primeiro pode dizer-se mais moral, a do segumdo mais física e mais pitoresca. Por 
aqui se vê o extraordinário partido que podemos tirar da colocação do adjectivo em português. 
Tomemos agora mais estas duas frases:
1. A pátria, ingrata, não recebeu os ossos do herói.
2. Ingrata pátria, não possuirás meus ossos!
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M. RODRIGUES LAPA
No primeiro caso, o substantivo (pátria) foi caracterizado a frio, com pouco ou nenhum alvoroço do 
sentimento. É a frase de um historiador, que narra impassivelmente, como é próprio do seu ofício, 
as ingratidões com que a pátria recompensa muitas vezes os serviços dos seus filhos. 
Experimentemos pôr o caso na boca de um desses heróis. É o nosso segumdo exemplo, que 
reproduz o dito célebre de Cipião Africano. A frase já vem túmida de sentimento e de amargura; é 
uma exclamação de dor que lhe sai da alma. O adjectivo foi para o lugar que lhe é devido nestes 
casos. Aqui temos o motivo por que nas exclamações, nas crises da afectividade, em que se exprime 
a admiração, o êxtase, a mágoa, etc., o adjectivo se coloca, por via de regra, antes do substantivo. 
Exemplos: Linda flor! Bela mulher! Soberbo espectáculo! Triste vida!
Como vemos, o adjectivo anteposto ao substantivo forma com ele uma espécie de grupo 
fraseológico, em que ambos os elementos perdem um pouco do seu valor, em proveito do conjunto. 
Quando dizemos «o verde prado», «o loiro trigo», enunciamos uma noção geral, sem grande 
precisão, porque nem sempre o prado está verde e nem sempre o trigo é loiro. Estas posições 
sentimentais não são favoráveis geralmente à nitidez das ideias. Por isso, o grupo do adjectivo antes 
do substantivo tende a construir séries usuais de intensidade e clichés. Exemplos: grave acidente, 
prudente reserva, suave melodia, sábio professor, inspirado poeta, consumado artista. Donde se 
pode tirar esta conclusão: o adjectivo anteposto serve de exprimir as qualidades primitivas ou 
geralmente consagradas. Admitiu-se um dia que o prado deveria ser verde, que o professor deveria 
ser sábio, que o poeta deveria ser inspirado. Olhou-se ao permanente, ao absoluto e não ao relativo. 
E para esta invenção engenhosa da preguiça, de natureza pouco observadora e inclinada para o 
sentimental, escolheu-se um bom instrumento: a colocação do adjectivo antes dosubstantivo.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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6. O adjectivo empregado como substantivo. - Assim como o substantivo vai muitas vezes 
empregado como adjectivo, também este serve não raro de substantivo, tanto na linguagem corrente 
como na literária. É sabido que muitos substantivos foram ao princípio adjectivos (a corrente, a 
palhoça, o ouvinte, a festa, o Inverno, etc.) e que ainda hoje é vulgar dizermos: o sábio, o justo, um 
tímido, um preguiçoso, etc. Estes adjectivos são condensações de frases como esta: «um (homem ou 
rapaz) preguiçoso». Tomaram-se, ou podem tomar se independentes e substantivados, pela 
capacidade que temos em conceber a qualidade para além do próprio objecto. Este princípio tem 
curiosas aplicações em Estilística.
Quando dizemos «o infeliz rapaz», consideramos, numa atmosfera sentimental, a infelicidade do 
moço. Não se ousou dizer, como locução equivalente, «a infelicidade do rapaz», mas adoptou-se 
uma construção, já citada por nós, que é um termo médio e um belo achado estilístico, muito 
frequente em linguagem familiar: «o infeliz do rapaz». Agora, aparece o adjectivo substantivado e 
menos dependente do substantivo, porque está separado dele pela preposição. Isto é, conserva a 
vantagem sentimental da posição, anteposto ao substantivo, e adquire maior relevo de significado.
A linguagem literária a dotou o processo, frequente já nos Clássicos, como se vê desta frase de Fr. 
António das Chagas : «A mesma pena que na frieza nos espanta, no ardente do amor grande alegria 
nos dera». O escritor poderia ter escrito ardência; mas entendeu, e muito bem, que o emprego do 
adjectivo substantivo era mais expressivo.
Vejamos agora esta frase: «Fez-lhe sentir o tortuoso do seu procedimento». Poderíamos escrever «a 
tortuosidade»; mas o adjectivo precedido do artigo é mais expressivo, dá maior realce à qualidade. 
A acumulação dos sufixos naquele substantivo (-oso, -dade) desvanece a ideia central, rouba
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M. RODRIGUES LAPA
energia à imagem. Aviso útil para aqueles que usam e abusam de termos extensos e não de boa 
escolha: tempestuosidade, engenhosidaãe, grandiosidade, sumpiuosidade, etc. Embora estas 
formações possam encontrar-se em algums bons autores (veja-se, por exemplo, odiosidade em Raul 
Pompéia, incisividade em Mário de Andrade, engenhosidade em Aquilino Ribeiro), o vocábulo 
muito extenso é sempre de evitar em bom português.
Contudo, casos há em que a substantivação do adjectivo não pode passar sem reparo, por contrariar 
os hábitos do idioma. Veja-se este passo dum escritor moderno: «E ante os agradecimentos do 
comovido por aquela solicitude imprevista, Firmino entrou». A condensação é excessiva, quase 
brutal. Para uma boa compreensão, teríamos de dizer «do companheiro, comovidot>. Outra frase do 
mesmo escritor, que tem predilecção pelo processo: «Não contente com o laconismo, o loquaz 
insistiu». O adjectivo, alatinado, causa-nos impressão estranha, precedido do artigo. Se disséssemos 
popularmente «o tagarela», já o termo familiar, com fumção de substantivo, convinha perfeitamente 
ao discurso. A razão está bem de ver: loquaz é um adjectivo desbotado, de carácter literário; e ali o 
que convinha era um termo popular, fortemente pejorativo; logo, tagarela.
7. A gradação dos nomes. - É sempre possível conferir maior ou menor intensidade aos conceitos 
expressos pela maioria das palavras. A linguagem tem processos para traduzir esse fenómeno, e os 
escritores, por sua vez, também os vão inventando. A gradação dos substantivos é determinada 
geralmente por meio do adjectivo (processo analítico) ou por meio de sufixos aumentativos e 
diminutivos (processo sintético). Quando dizemos «casa grande», «casa pequena», definimos o 
grau de dimensão do objecto. O mesmo faremos se, em vez do adjectivo, empregarmos os sufixos: 
casarão, casita. Neste último caso, como vimos no capítulo 6,
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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anda apegado à palavra certo valor sentimental, mais ou menos vivo, conforme o sufixo empregado.
Também a repetição do nome produz um efeito de intensidade, que a linguagem familiar conhece 
perfeitamente e a literatura aproveita. Veja-se este passo: «No barranco iam-se acumulando 
caixotes, sacos e barris, barris, barris, a cachaça era morfina para a vida triste do seringueiro». A 
repetição do nome é um processo estilístico que serve para exprimir, com alvoroço do sentimento, a 
quantidade ilimitada. O redobro da palavra é sinal de energia psíquica e encontra-se sobretudo nas 
línguas primitivas. Se quisermos reforçar a impressão que em nós causam ums olhos negros, não 
temos mais que repetir o adjectivo: «Depois, fitaram-se em mim ums olhos negros, negros». Como 
vemos, a repetição do nome não só dá intensidade à representação, mas ainda a envolve de certo 
mistério e perturbação afectiva.
Vejamos agora outro caso. Suponhamos este enumciado: «A rosa é a flor das flores». Queremos 
dizer que «a rosa é a mais bela de todas as flores». Tivemos arte de exprimir isso de forma muito 
condensada, repetindo o substantivo e pondo-lhe ao meio uma preposição. Este processo também é 
antigo. Encontra-se muito na Bíblia; e como a Bíblia é uma produção do génio hebraico, na parte 
que se chama o Velho Testamento, ficou a chamar-se a essa construção, poética e simplificadora, 
«superlativo hebraico». Podem tirar-se curiosos efeitos de estilo desse processo, como neste passo 
de Aquilino Ribeiro: «A vista repousava, bêbeda de luz, na confiança das confianças».
Machado de Assis mostrava já predilecção pelo superlativo hebraico: «pintou-lhe o chapéu baixo 
como a abominação das abominações», a ponto de o empregar até com os advérbios: «Numca dos 
numcas poderás saber a energia e obstinação que empreguei em fechar os olhos... Nada dos nadas 
veio ter comigo.» (Dom Casmurro, ed. de 1952, pág. 214).
10 - Estilística
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M. RODRIGUES LAPA
Passemos propriamente ao adjectivo, que admite um grau comparativo e outro superlativo. No 
emprego do comparativo, salta aos olhos a diferença estabelecida no uso do comparativo de 
superioridade para pequeno em Portugal e no Brasil. Em Portugal diz-se correntemente mais 
pequeno. O brasileiro adoptou a forma menor, porque os gramáticos lhe incutiram o princípio da 
lógica no discurso: quem diz mais pequeno devia também dizer mais grande; assim, deverá dizer-se 
maior e menor. A introdução dessa forma literária e incolor, que fede a pedantismo de escola, foi 
uma vitória lamentável da abstracção sobre o pitoresco. Aliás, o povo, em Portugal e no Brasil, vai 
dizendo mais pequeno; e na Galiza até se diz e escreve mais grande. Assim, por exemplo, em R. 
Otero Pedrayo: «Espanha fíxose mais grande e f onda.» (Arredar de si, pág. 14). O galego, porém, 
soube criar uma forma concentrada, com que evitou decididamente as reclamações dos gramáticos: 
transformou mais grande em meirande: «Dum dos meirandes tolos poidéronse aduvinhar alguas 
cousas.» (R, Otero Pedrayo, O senhorita da Reboraina, pág. 158).
Vejamos agora o valor estilístico do segumdo termo da comparação (que ou do que). Repáre-se 
nesta frase de um autor clássico: «Não há maior glória da que se alcança servindo a Deus.» A 
construção é elegante e sóbria. Apesar disso, a língua actual tende a substituí-la por estoutra: «Não 
há maior glória do que a que se alcança servindo a Deus». Ou ainda por esta: «Não há maior glória 
que aquela que se alcança servindo a Deus». A construção ganhou em clareza, mas perdeu muito em 
elegância e eufonia. Aquela repetição do que é extremamente dura e desagradável. A língua 
sacrificou desta vez a música à clareza.
Antes de numerais parece mais elegante o emprego da preposição. «A quinta não vale mais de vinte 
contos» é, na verdade, mais bem-soante que «A quinta não vale mais que vinte contos». Contudo, a 
outros parecerá que o termo
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 147
que dá mais energia e clareza à representação. A sua própria aspereza é um sinal de vigor: uma 
questão de gosto pessoal.
Sobreo superlativo convém notar o seguinte. Os dois processos mais frequentes para exprimir a 
intensidade dos atributos e qualidades consistem em fazer preceder o adjectivo de um advérbio de 
quantidade (muito, extraordinariamente, extremamente, etc.) ou acrescentar o sufixo -íssimo ao 
adjectivo. Temos pois dois tipos de superlativos: muito rico e riquíssimo. De um modo geral, 
tem-se a impressão de que o emprego do sufixo imprime maior força intensiva à ideia. Assim, «um 
homem riquíssimo» parece-nos mais opulento que «um homem muito rico». Mas, é claro, a 
intensidade depende mais ou menos do emprego do advérbio: dizer «um homem 
prodigiosamente rico» equivale mais ou menos a dizer «um homem riquíssimos.
É bem conhecida aquela curiosa personagem do romance Dom Casmurro, o José Dias, que 
empregava o superlativo absoluto simples a torto e a direito, a pontos de morrer com um superlativo 
na boca, lindíssimo, referido ao azul do céu. Segumdo o autor, Machado de Assis, «era um modo de 
dar feição monumental às ideias; não as havendo, servia a prolongar as frases». O certo é que esta 
mania da superlativação originou aquele pitoresco incidente narrado espirituosamente pelo autor a 
pág. 229 da ed. de 1952:
«- Mamãe... ?
-• Não! não! Que ideia é essa ? O estado dela é gravíssimo, mas não é mal de morte, e Deus pode tudo. 
Enxugue os olhos, que é feio um mocinho da sua idade andar chorando na rua. Não há-de ser nada, uma 
febre... As febres, assim como dão com força assim também se vão embora... com os dedos, não; onde está o 
lenço?
Enxuguei os olhos, posto que de todas as palavras de José Dias, uma só me ficasse no coração: foi aquele 
gravíssimo. Vi depois que ele só queria dizer grave, mas o uso do superlativo faz a boca longa, e, por amor do 
período, José Dias fez crescer a minha tristeza».
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A linguagem popular, em busca de maior expressividade, desconhecendo os advérbios cultos 
(consideravelmente, prodigiosamente, excessivamente, etc.) e achando desbotado e froixo o 
advérbio muito, inventou curiosos processos superlativantes, que a literatura imita com vantagem. 
Assim: «um homem podre de rico», «um homem rico a valer», «um homem rico até mais não», 
«um homem rico à beça», «mulher gorda que nem», etc. Um dos mais curiosos está no uso do 
diminutivo para efeitos de intensidade, como se mostra neste passo de Aquilino Ribeiro: «A 
alcatifa da terra, que se antemostrara verde-verdinha, revestia-se a todo o longo do vale de mil tons 
furta-cores.» (A Casa Grande de Romarigães, 267). Os escritores místicos também tiveram de 
inventar formas superlativantes, porque a língua usual era débil demais para exprimir os paroxismos 
do seu amor de Deus. Veja-se este trecho de um deles: «Bendita e louvada seja eternamente 
aquela muito mais que além de infinita e entranhavelmente amável bondade». Acumulando 
advérbios e adjectivos numa sucessão quase delirante, conseguiram o efeito almejado. A par 
dos superlativos em -issimo, que a língua tolera, embora avessa, em princípio, a palavras 
esdrúxulas, aparecem também formas alatinadas em -imo e -érrimo; facílimo, humílimo, 
stibtílimo, paupérrimo, acérrimo, etc. Essas são puramente literárias e, mesmo dentro da literatura, 
de uso pouco frequente. São construções mais ou menos artificiais, sem grande fumção expressiva, 
enfim, quase valores mortos para a arte do estilo. Por isso mesmo não é de estranhar que as formas 
cm -érrimo, pelo que têm de invulgares e malsoantes, sirvam para fins humorísticos. «O baile 
esteve chatérrimo», dirão dois rapazes em estilo de gíria. Monteiro Lobato usou o sufixo em casos 
como estes:
a) «vestidos de soleníssimas sobrecasacas e com solenérrimos tubos de chaminé reluzentes nas 
cabeças». (O Presidente negro, 2.a ed., 288);
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
149
b) «escorregou e caiu, patenteando aos olhos arregalados da sala a infamérrima víscera de má 
morte». (Cidades mortas, 7.a ed., 105).
Mário de Andrade também o empregou ironicamente: «todo cheio de manchas e galos duma 
tremendérrima sova de pau». (Macumaima, 2.a ed., 81). Não podia deixar de lhe aproveitar o chiste 
um outro escritor brasileiro de grandes recursos expressivos, Guimarães Rosa: «Mas agora, maior 
mais real, directo - no lugar amplo e sem outras formas um homem sozinho, bébedérrimo, Badu.» 
(Sagarana, 5.a ed., pág. 52). E, enfim, um escritor português Brás Buriti, serviu-se dele com 
abumdância e espírito jocoso: «E quem mo houvera de dizer a mim, neste tristérrimo fim de vida, 
avô de quinze netos». O inadequado do seu emprego, em adjectivos que só comportam o sufixo 
-issimo, já diz o bastante sobre o carácter humorístico da expressão.
Note-se porém que o próprio superlativo em -issimo implica por vezes um sentido mais ou menos 
jocoso, como se deixa ver deste gracioso trecho de Camilo, em que o grande escritor rnete a ridículo 
o efeito pedantesco da palavra comprida, tão repugnante ao génio da nossa língua:
«V. tomou-se um pouco suspeito ao meu José Mendes com o estilo libérrimo das suas cartas 
inconvenientíssimas. Desculpe-me os superlativos. Hoje dá-me para aqui a mania. Todas as vezes que a minha 
imaginação se ocupa de alguma cousa grande, o meu estilo é sempre de doze sílabas por palavra. Neste 
momento, é a reminiscência gravissimamente pejada de atrocíssimas leituras que me dispara estas grandes 
palavras, que são o refúgio dos articulistas de fumdo, quando as ideias escassíssimas não lhe nutrem a columa 
e meia da política por empreitada».
(Dispersos, n, 351).
Aborrecendo essa desinência esdrúxula, contrária ao génio da língua, o galego rural teve artes 
de a encurtar,
150
M. RODRIGUES LAPA
convertendo o -issimo em ismo, como em moitismo, santismo,
longuismo, tremenáismo, etc.:
«Quê engado o daquela capela gorecida no seo de sombra dum teixo grandismo!» (Anxel Fole, À 
lus do candil, 77).
«Nestas foi cando se ouviu, ò lonxe, um berro tremendis.mo.-i> (E. Blanco-Amor, A esmorga, 118).
«co’as espigas por riba da cabeça / no carreiro longuismo dos adeuses». (Díaz Castro, Nimbas, 60).
Aliás, esta tendência equilibradora do galego já se praticava no francês e provençal arcaicos, onde 
essas terminações esdrúxulas também foram reduzidas a graves: grandisme, fortisme, saníisme, 
altisme.
9.
OS PRONOMES
l. O pronome pessoal. - Um dos caracteres que distinguem a nossa língua, se a compararmos, por 
exemplo, com o francês, é o pouco uso do pronome pessoal, nas formas chamadas de sujeito: eu, tu, 
ele, ela, nós, vós, eles, elas. É que as terminações verbais são suficientemente claras para 
dispensarem a menção da pessoa. Vejamos este pequeno trecho:
«Não conheço pessoalmente esse indivíduo de quem falas. Não sabemos quem é, donde vem. Mas 
podeis estar certos de que será recebido condignamente: os hóspedes foram sempre bem acolhidos 
nesta casa; sentados à mesa comum, fazem parte da família».
Neste período não há um único pronome pessoal, nem é preciso. Experimentemos contudo pôr os 
respectivos pronomes :
«.Eu não conheço pessoalmente esse indivíduo de quem tu falas. Nós não sabemos quem ele é, 
donde ele vem. Mas vós podeis estar certos de que ele será recebido condignamente: os hóspedes 
foram sempre bem acolhidos nesta casa: sentados à mesa comum, eles fazem parte da família».
Se compararmos os dois trechos, logo vemos que o segumdo está por demais sobrecarregado de 
pronomes. E logo sentimos que o emprego do pronome chama mais vivamente a atenção para a 
respectiva pessoa. É um processo enfático.
152
M. RODRIGUES LAPA
Um indivíduo muito cheio de si empregará com mais frequência o pronome eu. Desse facto se 
derivaram até os termos egoísmo, egocentrismo, etc., todos formados do vocábulo latino ego, que 
quer dizer «m». A fala dum conselheiro Acácio, homem que a si mesmo concedia grande 
importância, tende para um abusivo emprego do eu, como se vê destes passos, em que outros, que 
não ele, omitiriam talvez o pionome:<(Eu peço ao meu Savedra que não tire desse facto ilações erradas. Os meus princípios são bem 
conhecidos.»
- «Eu não quero entrar em discussões políticas: só servem para dividir as famílias mais umidas.» •- 
«Porque eu entendi que era o meu dever dedicar um tributo à memória da infeliz senhora.»
O abuso do pronome pessoal, eu ou me, está explicado graciosamente neste trecho de Monteiro 
Lobato:
«- Muito bem, senhor Ayrton Lobo! Sempre contei com a sua presteza, quando o senhor me andava 
a pé. Agora, que se deu ao luxo de um automóvel, gasta-me vinte e tantos dias numa simples 
cobrança e aparece-we com essa cara de cachorrinho que me quebrou a panela!
Me, me, me, me... tudo para aquele homem se relacionava egoisticamente à sua pessoa...» (O 
Presidente negro, 194).
2. Fórmulas de modéstia, majestade e cortesia. - Como o tratamento de eu inculca importância 
pessoal, por vezes vaidade e orgulho, a língua descobriu meio de contentar aqueles que desejam 
apagar-se na modéstia e na humildade, fornecendo-lhes o tratamento de nós, isto é, empregando a 
l.a pessoa do plural em vez da l.a do singular. A esse respeito, é curioso observar o que se passou 
com os documentos da chancelaria dos antigos reis portugueses.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
153
Quando os soberanos tinham o bom costume de ouvir os povos, convocando cortes, especialmente 
durante o período que vai de D. João I até D. Afonso V, usavam nos documentos um estilo de 
modéstia: Nós, el-rei, fazemos saber... A fórmula quadrava bem com o espírito mais ou menos 
democrático das instituições medievais; o rei era uma espécie de emanação da vontade geral, eia, 
por assim dizer, o que o povo queria que fosse. De aí se compreende a austeridade do tratamento 
que a si pióprio se dava, que não excluía aliás uma certa grandeza. com D. João in aparece o 
absolutismo real. O monarca não dá satisfação dos seus actos, porque supõe-se enviado de Deus na 
terra. Tudo lhe deve obediência. Esta nova concepção do orgulho da realeza já não podia suportar 
a fórmula antiga do nós. A provisão de 16 de jumho de 1524 mandou mudar a l.a pessoa do 
plural para a l.a do singular. Passou a escrever-se - Eu, el-rei, faço saber... Diz o cronista, 
percebendo perfeitamente a razão estilística, que assim se fez «por ser mais próprio e decente à 
majestade real».
O mesmo se dá com quem escreve. Todo o escritor que deseje obscurecer a sua personalidade e 
fumdir-se em simpatia com os seus leitores, empregará o plural de modéstia - nós. É também o 
estilo dos oradores e professores, que pretendem com isso diminuir a distância que os separa dos 
ouvintes.
Os altos prelados da Igreja usam ainda nos seus diplomas o pronome nós. Originariamente devia ser 
um tratamento de humildade; o chefe eclesiástico solidarizava-se com os seus fiéis dentro duma 
comumidade, de que ele era o mais graduado. com o andar dos tempos, crescendo a Igreja em poder 
e bens temporais, aquela partícula pareceu não um designativo de humildade, mas de grandeza e 
majestade, recobertas embora sob uma aparência de modéstia. A esse plural, e nestes casos, se 
chama «plural de majestade». Eça chamou-lhe com ironia «plural de casta nobre».
154
M. RODRIGUES LAPA
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
155
Veja-se pois como a língua sabe empregar a mesma fórmula para fins diferentes e até opostos.
Como expressão de modéstia cerimoniosa temos ainda o emprego da 3.a pessoa. É o que fazemos 
nos requerimentos, dirigidos a pessoas que sabemos de hierarquia superior. Não dizemos: Eu, 
Fulano de tal... peço... Seria brutal e descortês; nivelar-nos-íamos com a pessoa a quem 
endereçamos a petição. Empregamos pois a 3.a pessoa, banindo aquele orgulhoso eu e pondo 
simplesmente o nosso nome: Fulano de tal... pede... A fórmula tem ainda esta vantagem: falando na 
1.a pessoa, poderíamos meter no requerimento sentimentos de paixão e violência, descabidos e até 
comprometedores. A 3.a pessoa acautela melhor a objectividade e a serenidade do discurso. É um 
processo de retenção social, de cortesia, atenuação imposta pelo próprio interesse e pela vida em 
comum.
3. Um pronome perdido: «vós». - Praticamente, na linguagem de todos os dias, já não existe em 
português o pronome vós, salvo no falar de algumas regiões portuguesas do Norte e da Beira. Aqui 
ainda se emprega na 2.a pessoa do plural. Exemplo: «Vós não tendes juízo, rapazes». Nas outras 
regiões do País, sobretudo para o Sul, este modo de dizer soa como arcaísmo e é geralmente 
substituído por: «VocÊs não têm juízo, rapazes». Logo, podemos afirmar que a 2.a pessoa do plural 
está praticamente perdida em português e é substituída geralmente pela 3.a do plural.
Antigamente vós também se empregava como tratamento de cerimónia, substituindo a 2.a pessoa do 
singular. Um poeta dirigia-se a uma dama e desfechava-lhe este galanteio: Vós sois men bem e meu 
mal. Hoje este modo de dizer está abolido. Os poetas preferem tratar mais democraticamente as 
suas inspiradoras por tu, encurtando a distância entre um e outro. Note-se porém que, em certas 
regiões nortenhas, não há muito, se dava o fenómeno inverso com
os namorados. Quando o namoro estava pegado, rapazes e raparigas, que se tratavam normalmente 
por tu, começavam a tratar-se cerimoniosamente por vós, para dar a entender aos outros que não 
havia entre si familiaridades comprometedoras. Mais um exemplo, entre tantos outros já alegados, 
da influência dos costumes na linguagem.
Vejamos algums dos casos correntes do tratamento da
2.a pessoa, que reveste formas variadas, conforme as circumstâncias, e emprega no geral a 3.a 
pessoa do singular:
1. Há certo conhecimento ou familiaridade entre os interlocutores. A forma empregada é você, que 
está muito generalizada e é a forma do tratamento familiar no Brasil, com excepção de algumas 
regiões, onde se diz tu. Na província portuguesa, esse tratamento é considerado pouco respeitoso 
(costuma dizer-se: «você é estrebaria») e substituído por vossemecê (no Brasil vosmicê, vancê) que 
é, afinal, a mesmíssima coisa, pois você não é mais que uma condensação de vossemecê, ambos 
provenientes de Vossa Mercê.
2. Há pouca ou nenhuma familiaridade entre os interlocutores. Nesse caso o tratamento assume 
aspectos variados, conforme a categoria das pessoas a quem nos dirigimos. A forma geral é, nestes 
casos, o Senhor. Exemplo: «O Sr. é injusto para comigo». Para acentuar mais a cerimónia usa-se a 
forma V. Ex.a Exemplo: «F. Ex.a verá aquilo que lhe convém». Nota o professor Carlos Góis que a 
expressão Vossa Excelência é rara no Brasil, por se opor aos sentimentos democráticos do povo. 
Donde se poderia talvez concluir que a sua manutenção entre nós, portugueses, indica uma certa 
sobrevivência dos costumes antigos, próprios de uma sociedade decadente.
Enfim, se as pessoas têm título, menciona-se-lhes a categoria, acompanhada ou não de Senhor. 
Exemplos: «Vai
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156 M. RODRIGUES LAPA
acompanhar o Sr. Doutor até à porta».-«O Fidalgo tinha-me ! prometido o arrendamento da 
quinta».
Não vale a pena alongarmo-nos, citando outras formas de tratamento da 2.a pessoa, que as há, muito 
variadas e sempre mais ou menos acomodadas às circunstâncias e condição social dos falantes. O 
que importa relevar é o desaparecimento do pronome vós e a sua substituição por formas da
3.a pessoa. Sendo assim, é conveniente não misturar as formas pronominais do singular com o 
verbo no plural, como fazem certos principiantes. Um exemplo: «Peço ao Sr. a fineza de me 
enviardes a 5.a lição e corrigirdes os exercícios da 4.a». Quem assim escreveu esqueceu-se de que 
Sr. é forma pronominal da 3.a pessoa e confundiu-a com o cerimonioso e antiquado DÓS. Deu-se 
um cruzamento entre a forma antiga e a moderna, o que se deverá sempre evitar.
4. A fonética e os pronomes. - O pronome átono da
3.a pessoa, o, a, os, as, está sujeito a certas alterações, quando se encontra em posição 
enclítica.Para bom entendimento deste facto, é necessário advertir que a forma antiga deste 
pronome era Io, Ia, los, Ias, ainda hoje subsistente na linguagem, como vamos ver.
Quando dizemos; Quem poderá fazê-lo ?, essa forma antiquada aparece-nos em toda a sua 
evidência. Não é difícil explicá-la, pelo }ogo das leis fonéticas. Ao princípio, nos primórdios da 
língua, dissemos fazer Io; depois, aquele r assimilou-se ao i e passou a dizer-se e a escrever-se 
fazêllo, tudo pegado. Em seguida, houve a simplificação, fazêlo; depois, a separação do verbo e 
do pronome: f azê-lo. Aqui temos os motivos fonéticos por que as grafias amal-o, perdel-o, partil-
o são erróneas e próprias de quem não conhece a razão histórica dos factos.
O pronome Io aparece pois na esciita e na pronúncia, sempre que a forma verbal anterior acaba em 
r, s ou z: amá-lo (= amar-lo), tu ama-lo (- amas-lo), ele/á-io (= faz-lo).
Raul Brandão até usa a forma popular nortenha qué-los explicável por uma anterior, quer-los: «se 
há montes, qué-los (= quere-os) subir e calcar sob os pés». (Os pobres, ed. 1906, pág. 117). Esses 
fonemas, r, s, z, assimilaram-se ao l do pronome seguinte e, por isso mesmo, se perderam, 
fumdindo-se nele.
Sempre que não intervêm aqueles fonemas, em boa regra não se devia dar a assimilação, não 
aparecendo a forma antiga do pronome. Contudo, os factos zombam das leis, a prática sobrepõe-se 
à teoria. Hoje, tanto se diz - Tu deixaste-lo partir, como - Tu deixaste-o partir. Ambas as 
maneiras são usuais: a última é conforme à regra; a primeira tem defesa na analogia. Assim como 
se diz, segumdo a regra - Tu deixa-lo partir, assim se ficou dizendo, por analogia com a 2.a pessoa 
do singular do presente do indicativo - Tu deixaste-lo partir. Por aqui vemos como esse demónio 
que é a analogia, importantíssimo na linguagem, escainece das normas assentes pelos 
gramáticos. Foi esse mesmo princípio da analogia que levou um grande escritor brasileiro, 
Graciliano Ramos, de modo esporádico, a estender o processo assimilatório ao próprio artigo: 
«difícil imaginá-las (= imaginar as) f rações de pessoas, misturadas, decompondo-se num monturo». 
(Infância, ed. 1945, pág. 196). É aliás o processo do galego actual, retintamente popular: «Vai 
levá-lo neno ao médico».
Quando a forma verbal termina em fonema nasal, dá-se também um fenómeno de assimilação, 
mas ao contrário. Vejamos estes exemplos: «Quanto ao prisioneiro, guardam-no bem». - «Põe-nos 
aí todos». Aquele no e aquele nos são desfigurações do pronome l o, los. Agora foi o l do 
pronome que se assimilou à nasal anterior e se converteu em n. Há quem procure evitar na escrita 
esta assimilação, preferindo guardam-o, põe-os. Há casos desses sobretudo em Ramalho Ortigão: 
«Colocaram-o sobre uma cadeira». (As Farpas, viu,
312). É forçar a nota e ir contra um uso, que tem razões poderosas no próprio mecanismo da língua 
viva.
158
M RODRIGUES LAPA
Quando a palavra antecedente não é forma verbal, então é legítimo e até corrente não fazer a 
assimilação. Disse Camões num verso célebre: Quem não sabe a arte, não na estima. E já o rei D. 
Afonso X, o Sábio, escrevera, 300 anos antes: «prometeu de en orden na meter». (Cant. de Sta. 
Maria, 251, est. 2). Hoje, podendo dizer-se assim, escreve-se geralmente: não a estima; assim como 
se escreve sem o ver, em vez de sem no ver; bem o sei, em vez de bem no sei. Contudo, escritores há 
que empregam a forma popular. Por exemplo, Camilo: «Eu não no consentia a meu marido»; Lima 
Barreto: «Não haveria quem não nas atribuísse ao Conselheiro Acácio»; Raul Brandão: «Quem na 
via passar, de chalé a rastos»; e o moderno José Régio: «Os olhos das pequenas bem no diziam».
5. O pronome reflexo «si». - Segumdo as regras gramaticais, o pronome reflexo si há de referir-se 
sempre ao sujeito, quer esteja no singular, quer no plural. O uso vem de longa data. Dizia um poeta 
antigo português, do tempo do rei D. Manuel:
1. O cuidado que mais ousa e que mais confia em si.
2. Que mal-avindos cuidados me tomaram entre si!
No primeiro e segumdo caso vemos perfeitamente as formas reflexas de ele, eles. Está tudo em 
regra: o pronome refere-se ao sujeito.
Há casos porém complicados, que desafiam a lógica dos gramáticos. Suponhamos que alguém, 
muito infeliz, desafoga as suas desgraças e diz para outro:
«O infortúnio fez de mim um triste farrapo humano. Nem mesmo a honra, tão estimada dos felizes, 
existe já para
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
159
Este discurso chama-se directo; os pronomes estão naturalmente na l.a pessoa, c o que se diz tem o 
calor das coisas pioferidas pelo próprio, saídas directamente do coração. Se um outro quisesse 
exprimir a substância do discurso, modificaria o trecho neste sen f ido:
«Declarou então que o infortúnio fizera dele um triste farrapo humano, que nem mesmo a honra, tão 
estimada dos felizes, existia já para ele».
Neste discurso, chamado indirecto, introduzimos a conjumção integrante, os pronomes puseram-se 
na 3.a pessoa, e os tempos verbais passaram do perfeito para o mais-que-peifeito e do presente para 
o imperfeito. Perdeu-se o ardor sentimental do discurso directo; agora o narrador procura contar os 
factos objectivamente, com serenidade.
Os escritores inventaram porém um curioso processo, que consiste numa mistura dos dois discursos. 
Suponhamos que esse infeliz está falando consigo mesmo, meditando nas suas desgraças. Então o 
narrador insensivelmente, tende a intrometer-se nos seus sentimentos, por um movimento de 
simpatia. Perde-se propriamente a noção de quem fala, se é o autor, se é o protagonista:
«O infortúnio fizera de si um tiiste farrapo humano. Nem mesmo a honra, tão estimada dos felizes, 
existia já para si».
A este processo chama-se discurso semidirecto ou discurso indirecto livre. Diverge do discurso 
indirecto em não mencionar os verbos declarativos (dizer, declarar, etc.) e conjumções integrantes, 
e em usai as formas reflexas do pronome. Por ele temos a impressão de que quem fala ou medita se 
desdobra sobre si mesmo e narra e sofre ao mesmo tempo a acção. De aí, o emprego do reflexo.
Esta construção tem sido condenada pelos puristas, como contrária às regras do pronome si, 
que se tem de refe-
160
M. RODRIGUES LAPA
rir sempre ao sujeito. Há ums anos atrás, a propósito de um prémio literário da Academia, foi 
censurado ao autor premiado o vicioso emprego desse pronome. Os senhores académicos não se 
lembraram de que numa oração de discurso semidirecto há propriamente dois sujeitos - o sujeito 
gramatical e o sujeito psicológico, que é o autor do discurso. Logo, o pronome verdadeiramente 
refere-se ao sujeito psicológico e tudo fica certo.
Considere-se este passo do Amadis de Gaula, no qual o rei Lisuarte medita sobre os negócios da sua 
vida: «Bem sabia que, embora Amadis ficasse por seu filho e sua filha mui honrada com ele, ficaria 
também acima de si, do imperador de Roma, do Rei Perion e de todos os outros grandes senhores.»
Se déssemos ouvido aos gramáticos, teríamos de escrever «acima dele»; mas daí resultaria um 
equívoco de sentido, que se evita perfeitamente, referindo o pronome ao sujeito psicológico, ao 
autor da meditação.
Veja-se porém este trecho dum jovem escritor dos nossos dias: «O António Marques escutava-o, 
distraído. No livro de «cães» o seu nome tinha domínio. Mas a loja estava sempre aberta para si». 
Aqui devia escrever-se «para ele». A forma si só seria legítima, se se tratasse de discurso 
semidirecto; mas ainda assim compreendemos bem que o si resulta de um processo lírico - o 
atribuir-se ao António Marques a meditação sobre a sua sorte.
6. O pronome possessivo. - Um dos principais problemas que desperta o pronome possessivo é o de 
saber-se quando deve vir ou não acompanhado de artigo. Casos há em que o uso do artigo 
corresponde a um propósito expressivo muito claro. É o que se dá neste exemplo:
1. Este livro é meu.
2. Este livro é o meu.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA161
No 1.° exemplo insistimos na posse, portanto no possuidor, como se disséssemos: «Este livro 
pertence-me a mim». No 2.° exemplo, a presença do artigo tem como resultado chamar a atenção 
para o objecto possuído, fazendo supor a existência de outros objectos não pertencentes ao sujeito.
Aqui, o possessivo fumciona propriamente como pronome. Vejamos algums casos em que 
fumciona como adjectivo. Um gramático brasileiro, muito distinto, o Prof. Said Ali, teve o cuidado 
de fazer uma estatística, de onde se prova a gradual frequência do artigo antes do adjectivo 
possessivo, desde os mais antigos escritores. Fernão Lopes só em 5 % dos casos usa o artigo 
definido, Camões em 30 %, Vieira em 70 % e Herculano em mais de 90 %. Logo, estamos 
habilitados a assegurar que uma frase como esta, que anteriormente a Camões se dizia geralmente 
assim: fez SUA oração e partiu logo, hoje se usa deste modo: fez Á SUA oração e partiu logo. 
Temos pois de admitir que, de um modo geral, a língua de hoje reconhece o emprego expressivo do 
artigo antes do adjectivo possessivo. Há excepções. Vê j amos as principais:
l. Nos nomes de parentesco, sobretudo no mais íntimo, há tendência para omitir o artigo. Exemplos: 
Meu pai censurou-me. - Minha mãe resignou-se. É possível que isso se deva ao costume de 
mencionarmos esses nomes no vocativo: ((Minha mãe, quando devo sair?» - Ó meu pai, já viu as 
horas?» Seria um caso de analogia: transferiu-se para os outros dizeres a prática usada no vocativo.
Este emprego ainda constitui hoje um dos problemas intrincados da Estilística. O velho dicionarista 
Morais pronumciou-se sobre o caso, e a sua opinião merece ser registada, pelo que pode conter de 
verdade. Segumdo ele, omitia-se o artigo antes do adjectivo possessivo, quando o substantivo a que 
este se jumta significava uma individualidade única, que excluía outra de modo absoluto. Por isso 
se justificavam as locuções «teu pai», «minha mãe», etc. Não
11 - Estilística
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M. RODRIGUES LAPA
tendo cada indivíduo senão um pai, o artigo seria dispensável, porque o pronome determinava por si 
mesmo o substantivo de uma forma exclusiva. Quando porém o substantivo tinha uma significação 
menos determinada ou menos exclusiva, já a frase se podia construir com ou sem artigo: «Venho de 
ou da minha casa».
A opinião de Morais é fumdada sobre o que já dissemos: o artigo anteposto ao pronome tende a 
particularizar o objecto, a diferençá-lo dos outros. Quando dizemos «meu pai», não precisamos de 
particularizar uma pessoa que vale por si só, que é única; mas teremos de o fazer quando aludimos a 
uma entre outras. Por isso: «o meu irmão José». Queremos distinguir José de entre os outros irmãos.
2. Nos grupos fraseológicos tradicionais também se compreende a omissão do artigo: em poder de, 
em nome de, a cargo de, em minha opinião, em meu entender, por vontade de, etc. Se usarmos o 
possessivo, não poderemos, em boa linguagem, empregar o artigo. Assim, não diremos:
- O limo está no meu poder, mas está em meu poder, não lançou-se aos seus pés, mas a seus pés. Os 
principiantes têm certa inclinação para infringir este preceito, baralhando as coisas.
O pronome possessivo assume por vezes significações que pouco ou nada têm que ver com a posse. 
Vejamos os principais desses casos, que oferecem certa delicadeza estilística :
1. Pode denotar familiaridade e um certo sentimento de superioridade. O Conselheiro Acácio trata 
os seus amigos por o nosso, o meu. Exemplos: «O nosso Jorge opina pelo cozido». - «Não acha, 
meu bom Sebastião ?» Quando Acácio diz nosso, está em meio de um grupo de pessoas de que ele 
se supõe ser a figura mais relevante. Quando diz meu, o possessivo na l.a pessoa acentua a 
importância do sujeito,
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
163
que consente descer a uma atitude de familiaridade. Na
3.a pessoa pode assumir valor idêntico e exprimir a ufania da propriedade condescendente: «O 
emigrado e Melchior constituíam a Artur uma pequena corte: gostava de os ver à sua mesa, 
bebendo-lhe o seu conhaque, cortejando-lhe a sua amante»-(A Capital, l.a ed., pág. 463). Note-se 
que o próprio Eça sublinha o possessivo para lhe atribuir esse matiz de significado.
2. Significa o acto ou sucesso habitual. Exemplo: «O doente teve o seu ataque; mas agora está 
melhor».
3. Emprega-se na 2.a pessoa, na linguagem exaltada, significando que quem fala não tem culpa nos 
males que refere. Exemplo: «Repara na má educação do teu filho!»
- dirá um marido irado para a sua mulher, a quem acusa de estragar com mimos a criança.
4. Usa-se em exclamações, com forte sentido recriminativo. Exemplos: Seu traste! - Sua 
desavergonhada! Meu mentiroso!
5. Equivale a um pronome ou expressão indefinida (algum, certo, aproximadamente, etc.). 
Exemplos: «Faz sua diferença». - «Terá os seus três metros». - «A obra tem seus defeitos». - 
«Tenho as minhas dúvidas».
6. Exprime certa malícia e ironia familiares. Exemplo: «Vem cá, meu patriota, pensaste nas tuas 
responsabilidades ?».
7. Tem, para quem narra, um valor pitoresco, demonstrativo: «Voltavam à sua terra os meus cinco 
lutadores» (Garrett), isto é: os lutadores de que estou tratando, que mencionei acima. Parece haver 
aqui, com uma certa suficiência, uma leve sombra de humorismo.
8. Veja-se, enfim, este emprego curioso e anormal do possessivo seguido do infinito, em Fernando 
Pessoa:
Pobre de anseios teu ficar nos bancos, olhando a hora como quem sorrisse...
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M. RODRIGUES LAPA
A expressão equivale a uma frase exclamativa e procura, ao que parece, traduzir uma atitude 
extática. É como quem dissesse: «Como tu ficas, pobre de anseios, nos bancos... l»
Os puristas condenam o abuso do possessivo como contrário ao génio da língua, da língua clássica, 
já se vê. Abusos são sempre de evitar; mas o seu emprego inteligente valoriza o estilo, porque o 
possessivo, com funções adjectivais, é, ou pode ser, um bom elemento de caracterização. Nada mais 
elucidativo, a esse respeito, do que observar as emendas que Eça de Queiroz introduziu no texto da 
novela Singularidades duma rapariga loura, publicada pela primeira vez em 1874:
1. «Foi neste ponto que Macário me disse com a sua voz singularmente sentida.»
2. «Mas isto bastou ao seu espírito tecto e severo para o obrigar a toma-la como esposa.»
Os pronomes possessivos foram introduzidos depois, na edição definitiva, e não há dúvida que 
melhoraram estilisticamente o texto.
7. O pronome demonstrativo. - Também o pronome demonstrativo suscita curiosos problemas 
estilísticos. Apresentamos este caso, que se passou entre um gerente de firrna comeicial estrangeira 
e um seu secretário português. Redigiu este uma carta nos seguintes termos:
«Dada a situação do parente de V. Ex.a, tenho a impressão de não lhe ser possível nem conveniente 
tomar uma colocação, onde só daqui a 4 anos estará realmente fixado, e mesmo nesta altura 
recebendo apenas um ordenado à justa para as necessidades mínimas da vida, em Lisboa».
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O gerente, lendo a carta do empregado português, teve dúvidas e alegou que a expressão «nesta 
altura» só poderia significar «no momento presente». O secretário respondeu que a construção era 
perfeitamente legítima, mas não deu razões que convencessem o homem de negócios, amante da 
lógica e da clareza.
A verdade é que ambos tinham razão; o português tinha uma razão subtil, que escapava ao 
estrangeiro, não familiarizado com as delicadezas do idioma. Quando se enumcia um acontecimento 
futuro, a fantasia e o sentimento permitem determinar esse facto como já presente; o mesmo sucede 
com o passado, que a imaginação pode actualizar. No passo em questão, nesta altura presume os 4 
anos já passados: o futuro tomou-se momentaneamente presente; daí, o justificado emprego do 
pronome esta, em lugar de essa, que também serve para o caso e talvez fosse mais claro. 
Simplesmente, o uso de essa é mais intelectual; o de esta obedece mais à fantasiaque aproxima os 
objectos, afastados pela distância c pelo tempo.
É muito curiosa a inversão que se dá dos valores de este e esse no falar e na escrita brasileira. Ora 
encontramos esse por este, como no seguinte passo de Jorge Amado (São Jorge dos Ilhéus, 5.a ed., 
pág. 273), bem representativo pela contiguidade do advérbio aqui: «fazia tudo para alegrar a vida 
da gente aqui, nesse deserto»; e neste de José Lins do Rego (Água-mãe, 4.a ed., 256): «Minha mãe, 
a senhora é boa demais para ouvir essas coisas. A senhora não merece saber dessas misérias.» Ora 
se dá o contrário: este ocupa o lugar de esse, como se vê no mesmo romance (pág. 290), depois de 
um conto maravilhoso contado por Filipa ao seu neto, em que se fazia menção de um bálsamo que 
sarava as feridas: «Que bálsamo era este, mãe Filipa?» Tanto no primeiro como no segumdo caso, 
os usos do português de Portugal são contrários aos do português do Brasil; e tudo
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se deve levar à conta da imaginação, que ora distancia ora aproxima as coisas de que se está 
falando.
O pronome este, por significar maior proximidade do objecto, tem carácter mais pictural. É talvez 
devido a isso que os Clássicos o usavam até como advérbio de modo, segumdo se vê deste passo de 
Fernão Mendes Pinto:
«Se o banquete é de mulheres... também o serviço pela mesma maneira é de mulheres e de moças 
virgens muito fermosas e muito ricamente vestidas, em tanto que por serem elas estas (= assim), se 
casam aqui com elas muitas vezes muitos homens nobres.» (Peregrinação, cap. 106).
O demonstrativo desempenha também papel importante com referência a pessoas ou objectos 
mencionados anteriormente. Se é um só objecto, emprega-se de ordinário o pronome este ou 
mesmo. Exemplos: «Puxou tanto o prego, que este se desprendeu». - «Enviamos-lhe o artigo, após 
pedido do mesmo, feito por V. S. há 15 dias».
Se são dois os objectos, usa-se este para o mais próximo, aquele para o mais distante. Exemplo: 
«Foram lá pai e filho: este com um cesto de pêras, aquele com um saco de nozes». Esta regra porém 
tem excepções. Por vezes usa-se este em vez de aquele, quando se atribui maior valor ao que está 
mais afastado. Vejamos o seguinte passo de Garrett:
«Ao pé destes cinco e de altercação com eles - lá direi porquê estavam seis ou sete homens que em tudo 
pareciam os seus antípodas. Em vez do calção amarelo e da jaqueta de ramagem que caracterizam o homem 
do forcado, estes vestiam o amplo saiote grego dos varinos e o tabardo arrequifado siciliano de pano de varas. 
O campino, assim como o saloio, tem o cumho da raça africana; estes são da família pelasga: feições 
regulares e móveis, a forma ágil.»
Seria mais conforme à regra empregar aqueles, poi aludir aos varinos, mais afastados; mas a 
atenção do escritor
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e do leitor está posta sobre os varinos, são eles que estão no primeiro plano; logo, estes.
Se são mais de dois, recorre-se a outros processos. Geralmente usam-se os ordinais, que também 
podem substituir este e aquele. Veja-se o trecho de Teixeira-Gomes:
«O movimento da praia é contínuo e intenso: soldados de artilharia de umiformes e capacetes brancos; 
marinheiros de fardamento azul, simples, elegante e bem talhado: oficiais à paisana: e os malteses das 
comedorias, enroupados de linho sujo: os primeiro’; hirtos e desdenhosos; os segumdos engomados e 
escovados como se saíssem das mãos do alfaiate; os oficiais em flanelas cinzentas de turista; e os últimos com 
o seu ar calabrês de cabilas em traje europeu.»
Enfim, resta dizer que o demonstrativo também exprime outros valores, por vezes afectivos. 
Exemplos: ((Aquele André! que flor! que rapaz!» - ((Aquilo é que é teimoso!» - «Isto de negócio, 
não é para todos». - «Isto são horas de fechar».
- «Essa é que é essa/»
Em particular, o pronome aquilo admite em muitos casos uma significação claramente pejorativa. 
Conhece-se o dito popular: «Aquilo, na minha terra, é...» E remata-se com um palavrão pouco 
limpo. Esta capacidade de alusão a fealdades, horrores e coisas pouco asseadas ressalta deste passo 
de Vitorino Nemésio, autor de Mau tempo no Canal:
«Uma escada de cantaria, gradeada de ferro à maneira das sepulturas, descia do jardim a uma loja 
de arrumações. Ao fumdo uma pipa, caixotes, um avião. Quando Januário levantava a cabeça, do 
quarto para o lado do jardim, via aquilo.it
Como quem dissesse, ironicamente: «via aquela linda coisa».
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Em Mário de Andrade chega a apontar mentalmente o sexo feminino ou o acto da cópula: «quando 
esteve uma vez com a corda na garganta por causa do médico, pedindo aquilo, ou vinte bagarotes 
pela cura do pé arruinado» - (Os contos de Belazarte, 4.a ed., pág. 110). É possível que o 
significado piorativo de aquilo tenha resultado precisamente do seu emprego em tom irónico. Essa 
ironia, de carácter bem pumgente, aparece nitidamente neste passo do escritor clássico Diogo do 
Couto, ao narrar as desgraças do naufrágio da nau «S. Tomé», fáceis de evitar, se se tivessem 
tomado certas precauções, que ele aponta:
«Mas os pecados taparam os olhos a todos para não entenderem isto e se perderem aqueles que 
nasceram para aquilo.» Por isto deve-se entender «as precauções que estou referindo»; por aquilo 
«os horrores do naufrágio atrás descrito».
Machado de Assis oferece-nos um trecho curioso, em que ressalta flagrantemente o carácter 
desdenhoso do pronome: «À porta, parou um homem, entrou, e olhou com interesse para o retrato. 
O lojista reparou na expressão; podia ser algum miguelista, mas também podia ser um 
coleccionador...
- Quanto pede o senhor por isto ?
- Isto? Há de perdoar; quer saber quanto peço pelo meu rico Senhor D. Miguel?» (Esaú e Jacó, 
ed. de 1955, pág. 104).
Também isso pode ser empregado com sentido pejorativo, como se vê deste trecho de Ferreira de 
Castro:
«Libânio, ao passar jumto dele, cuspiu para o chão:
- Vais comer isso?
Aquele «isso» estava cheio de repugnância. Aniceto não respondeu» (A lã e a neve, 2.a ed. pág. 
114).
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Claro que a atmosfera e a entoação desempenham neste caso um papel importante; são elas que 
imprimem à expressão o verdadeiro significado.
Pode ainda o demonstrativo ser a tradução oral de um gesto e significar pequenez, como neste 
passo: «imóvel, sentado na tripeça, não falando um isto» (Mário de Andrade, Macumaíma, 74). Em 
isto, no sentido de «coisa ínfima», estamos vendo o gesto de indicar uma porção mínima do dedo; e 
assim se gerou um curioso processo de negação.
8. O pronome relativo. - É preciso cuidado com o emprego do que. Uma frase que tenha muitas 
destas palavras, quer se trate de pronomes relativos, quer de conjumções, é insuportável de aspereza 
e tem um ar contrafeito, que o bom estilo repele. O escritor cuidadoso da harmonia da frase sabe 
evitar essa impertinente repetição do que por várias maneiras. Suponhamos este enumciado: «Esteja 
certo de que trata com um amigo que tem vontade de lhe ser útil». Uma revisão escrupulosa, com 
pente-fino, como dizia Eça de Queiroz, substituiria aquela oração relativa pelo adjectivo 
correspondente: «com um amigo desejoso de lhe ser útil». Assim, ficaríamos livres de um que.
Outro processo é o de substituir que por quem, o qual, a qual. Este último pronome, além de evitar 
a monotonia, tem a vantagem de poder desfazer equívocos. Veja-se esta frase: Agora é o professor 
que afirma que o inspector é incompetente». Se modificarmos o relato, já a frase soa melhor: «... é o 
professor quem afirma que o inspector é incompetente».
Uma frase de Venceslau de Morais: «Do nosso exame pode ser que resulte algum lampejo de 
verdade, o qual venha iluminar o caminho tortuoso de conjecturas.» O pronome que teria a 
desvantagem de repetir desagradavelmente o outro que e de criar um pequeno equívoco, por se 
poder referir tanto a lampejo como a verdade.
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Por vezes, recorre-se à pontuação, para suprimir essa enfadonha partícula. Veja-seesta frase 
embaralhada de um aprendiz de redacção: «O mesmo se dá naquelas duas frases, em que eu julgo 
que na primeira se alude à personalidade moral, ao contrário do que sucede na segumda, em que se 
pretende avultar a forma física». Se quiséssemos lançar claridade e harmonia neste período, 
procederíamos assim: «O mesmo se dá naquelas duas frases: na primeira julgo que se alude à 
personalidade moral; na segumda, pelo contrário, pretende avultar-se a forma física». Baniram-se 
todos os pronomes relativos e só ficou uma conjumção integrante. Trabalhou bem o pente-fino.
Outras vezes ainda, o escritor tem artes de substituir o que, empregando o demonstrativo. Veja-se 
esta elegância do estilo de Teixeira-Gomes: «A luz do dia, por fim, sempre côa pelas portadas das 
casas, alumiando suficientemente o interior dos pátios, vastos estes e cercados de galeria, à moda 
árabe.» Engenhosa maneira de dispensar o que, onde ele não era propriamente um estorvo (= que 
são vastos). Enfim, modos de substituir essa incómoda palavrinha, incaracterística e malsoante.
Note-se que já no português arcaico se sabia evitar a dureza do que, substituindo-o pela conjumção 
copulativa, como se vê deste passo do Orto do Esposo: «Em Atenas havia um filósofo, e tinha 
consigo um seu discípulo.»
Não vá porém o leitor estudioso cair numa espécie de superstição contra o que, evitando-o a torto e 
a direito, como aquele homem de quem nos fala Graciliano Ramos: repreendido pelo grande 
escritor de se exceder no uso malsoante da palavra, caprichou em escrever à mulher uma carta onde 
não se lia um só que (Memórias do cárcere, i, l.a ed.,
77-78). Por vezes, pode ser um elemento expressivo, como nesta frase: «Aquele homem é 
engraçadíssimo: não se imagina que coisas que ele diz!» A língua antiga abusava do pronome 
relativo; mas um escritor de génio como Fernão
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Lopes também o sabia empregar para dar realce e intensidade à imagem, como nesta descrição do 
cerco de Lisboa:
«Andavam os moços de três e quatro anos pedindo pão pela cidade por amor de Deus, como lhes 
ensinavam suas mães; e muitos não tinham outra cousa que lhes dar senão lágrimas que com eles 
choravam, que era triste cousa de ver.»
E como nestes dois versos de Camões, nos quais a sucessão vertiginosa dos «quês» parece marcar a 
prontidão incondicional da entrega: «Assi que alma, que vida, que esperança / e que quanto for meu 
é tudo vosso.»
O mesmo efeito expressivo procura José Régio no verso seguinte (Fado, l.a ed., 137), que 
transcrevemos em itálico:
Vago na sombra e na bruma,
se é homem, ou se é mulher
difícil é de dizer
quem quer que é que a noite esfuma.
A energia que resulta para o discurso desta forte martelada do que, vê-se aliás destas expressões: 
«Tem de ficar».
- «Tem que ficar». Estilisticamente, estas formas não são iguais. O que traduz melhor a intimativa 
do que o de. É como se déssemos um forte murro na mesa a apoiar a declaração.
9. O pronome interrogativo. - Ainda aqui nos aparece, como problema fumdamental, o emprego 
do artigo definido antes do interrogativo que. Os puristas geralmente condenam o uso do artigo, em 
frases como esta: «O que fazes tu aí?» bom português será, dizem eles: <iQue fazes tu aí?» 
Efectivamente, era assim que diziam e escreviam os Clássicos, sem artigo. Mas a língua progrediu, 
modificou-se, e hoje tão boa é uma construção como a outra. Os escritores modernos usam 
ambas; e parecem dar preferência à forma articulada, quando querem acentuar a interrogação. Veja-
se
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este passo de Eça de Queiroz, em A Relíquia: «Pilatos considerou-o um momento, pensativo; 
depois, encolhendo os ombros: - «Mas, homem, o que é a verdade?» Se tirarmos o artigo, 
verificamos que a interrogação perde certo valor expressivo e a frase sofre um pouco no seu ritmo.
Aliás, o emprego do artigo está hoje explicado, por uma questão de analogia. Começando a dizer-se 
- Vais lá fazer o quê P, é natural que se entrasse a dizer, contra o uso clássico: O que vais tu lá fazer? 
Em conclusão: possuímos felizmente dois meios expressivos para formular a interrogação directa. 
Usemos deles como bem nos parecer, tendo em conta apenas o benefício da expressão.
10. O pronome indefinido. - A própria denominação diz o suficiente sobre o tom de imprecisão e 
misteriosa vaguidão que caracterizam este pronome. Os grandes escritores têm ainda o poder de 
fugir aos consagrados esquemas gramaticais e, pelo uso de locuções, acentuarem o indefinido das 
coisas e das circumstâncias. É, por isso mesmo, uma expressão altamente adequada à poesia. Veja-
se este pequeno trecho de Machado de Assis:
«Lua cheia, água quieta, vozes confusas e esparsas, algum tílburi a passo ou a trote, segumdo ia 
vazio ou com gente. Tal ou qual brisa fresca». (Esaú e Jacó, ed. de 1955, pág. 142).
Que quer dizer aqui tal ou qual? O caso é delicado e presta-se a dúvida: justamente a 
indeterminação, a indefinição que pretende sugerir o autor. Sentimos porém que há nessa locução 
pronominal duas notações, pelo menos: uma de tempo («De vez em quando soprava uma brisa 
fresca») outra de qualidade e intensidade («A brisa era suavemente fresca»). De um modo 
condensado, hoje talvez um pouco rígido, o escritor brasileiro soube expressar o fluir vago, 
delicioso e poético da aragem numa bela noite de luar.
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A dúvida estilística mais importante que suscita hoje o pronome indefinido é o seu emprego e 
colocação em frases negativas. Nos primeiros tempos da língua, para esses casos usava-se o 
indefinido negativo nenhum, antecedendo o substantivo. Exemplo: «Não há nenhuma cousa de 
que sinta receio». É ainda hoje a forma popular e corrente. Como havia na frase duas negações 
(não e nenhuma) constituindo pleonasmo, os escritores, amigos da lógica e do que supumham ser 
elegância, começaram a favorecer o emprego de algum na frase negativa. E assim a frase foi 
modificada: «Não há alguma cousa de que sinta receio». Já no século xiv aparecem construções 
deste tipo em textos literários. Por exemplo, no Orto do Esposo escreve-se: «Nom lhe fazem 
algum embargo». - «A alma nom acha cumprimento em algua cousa». Em breve se verificou 
que o pronome precedendo o substantivo acentuava por demais a ideia afirmativa. Pôs-se depois, e 
conseguiu-se com esta deslocação um bom efeito expressivo: «Não há cousa alguma de que sinta 
receio».
Aqui temos, em termos simples, como se deu a evolução. O emprego de nenhum tem carácter 
popular, o de algum, carácter moderno e literário. É bom usar os dois, conforme as circumstâncias 
e segumdo as preferências de momento. A língua é muito rica em meios expressivos. 
Saibamos empregá-los todos, a seu tempo, para dar variedade ao que escrevemos. Os puristas têm 
a ruim tendência para considerarem uma só forma correcta. Se nos convencermos do contrário, é 
meio caminho andado para chegarmos a escrever bem. E tiremos de tudo isto esta conclusão 
segura: a Estilística, preconizando a liberdade criadora, está muitas vezes em conflito com as regras 
da Gramática, que se apoia nos ditames duma tradição empedernida
10.
O VERBO
1. O verbo substantivo. - É bem conhecido de todos que certos substantivos, como o jantar, o dever, 
o agente, o ouvinte, o guisado, o cozido, etc., são formas verbais cristalizadas. Perdeu-se a noção do 
acto verbal; aquelas palavras são tidas como verdadeiros substantivos, sujeitando-se pois às regras 
que governam esta espécie de vocábulos. Esses antigos infinitivos e particípios têm, como qualquer 
substantivo, o seu plural: os jantares, três ouvintes, dois cozidos.
Há porém casos em que a língua pode substantivar o infinitivo, sem que essa forma perca a sua 
natureza verbal. Vejamos este exemplo, que constitui um curioso provérbio popular: «Até ao lavar 
dos cestos é vindima». Aqui, lavar, sendo morfologicamente um substantivo, pois está precedido do 
artigo definidoo, conserva o seu dinamismo verbal e corresponde mais ou menos a esta fórmula: 
«Até que se lavem}). Poderíamos substituir a forma infinitiva por um nome: - Até à lavagem; mas, 
se repararmos bem, a frase perde em energia e movimento: o simples substantivo não exprime tão 
bem o acto de «lavar».
Os nossos escritores clássicos usaram largamente do infinito nominal. Veja-se esta frase de Vieira: 
«O polvo, com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura.» Não podemos deixar 
de reconhecer a força, o pitoresco e o condensado desta expressão. O escritor moderno não escreve 
assim; parece assustá-lo o emprego da negativa e do adjectivo
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 175
demonstrativo antes do infinito. Se hoje quiséssemos exprimir aquela ideia, diríamos de qualquer 
destas maneiras:
1. O polvo, pelo facto de não ter osso nem espinha, parece a própria brandura.
2. O polvo, faltando-lhe osso e espinha, parece a própria brandura.
3. O polvo, por ter falta de osso e espinha, parece a própria brandura.
4. O polvo, com aquela falta de osso e espinha, parece a própria brandura.
Nada nos custará reconhecer que, a este respeito, a língua clássica levava vantagem à actual, e que é 
talvez para lamentar que perdêssemos esse modo de expressão, que o galego aliás ainda conserva, 
com a audácia expressiva de usar o infinito na forma pronominal:
«Dispuxo que o agardaran ali hastra o primeiro derretêrese da neve.» (R. Otero Pedrayo, O 
senhorita da Reboraina, 115).
Aqui, o infinito como que se incorpou com aquele e paragógico, para fazer as vezes de substantivo. 
Não há dúvida que o português do Brasil e Portugal, enfreado pela Gramática, ainda não chegou a 
este apuro de expressão. Ainda hoje, porém, sempre que o escritor quer representar o movimento, a 
acção contínua, usa o infinito substantivado, como neste passo de Eça de Queiroz: «pobre e 
subalterno, a sua vida é um constante solicitar, adular, vergar, rastejar, aturan. Se nos déssemos ao 
trabalho, inútil, de substituirmos os verbos pelos substantivos cognatos (isto é, da mesma família, 
da mesma raiz), arranjaríamos solicitação, adulação, rastejamento, mas ver-nos-íamos 
embaraçados perante vergar e aturar que não têm substantivos derivados, pelo menos
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na linguagem usual. Não iríamos improvisar desastradamente, como fazem algums desajeitados, um 
vergamento ou vergação, um aturamento ou aturação, que não têm uso corrente na língua. Mas, 
ainda que fossem permitidos, não substituiriam de modo nenhum o vigoroso e expressivo emprego 
do verbo substantivo, que tão bem sabe representar a mobilidade e continuidade da acção.
A incompreensão deste facto tem levado a despropósitos, tanto mais lamentáveis quanto é certo 
tratar-se de actos oficiais. Nos letreiros da polícia portuguesa de trânsito já se lê: «É proibido o 
atravessamento pelas placas centrais». Como não podiam escrever travessia (aliás, empregado por 
Graça Aranha, em travessia da mata), porque o nome evoca coisas do mar, inventaram aquele 
monstrozinho. Não lembrou ao digno fumcionário policial qualquer coisa como isto, de muito 
melhor gosto e estilo: «É proibido atravessar (ou passar) pelas placas centrais».
Esta formação de substantivos em -mento vem de longe. Já nos livros do infante D. Pedro e de 
Fernão Lopes, no século xv, encontramos encaminhamento, regamento, satisfazimento, tapamento, 
perdimento, apanhamento, desterramento, falamento, avisamento, etc. Nenhuma dessas derivações 
perdurou, por demasiado longas e contrárias ao génio da língua, que prefere, como se vc, as formas 
curtas: rega, apanha, desterro, etc. Contudo, Monteiro Lobato teve a coragem de propor formações 
como atrapalhamento, maravilhamento, empolgamento (Negrinha, 264-266).
Temos pois que, além do seu valor estilístico, a substantivação do infinitivo é uma necessidade 
imposta à língua pela sua falta de nomes derivados.
Vejamos ainda esta frase dum autor contemporâneo: «Não atires à face desse pobre cantor das ruas 
o fechar desapiedado da tua janela.» Hoje vai-se dizendo fecho entre nós; mas essa forma tem um 
inconveniente: exprime não só o alto de fechar mas ainda o próprio instrumento, a fechadura.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 177
Por isso, no Brasil se adoptou sem dificuldade o termo fechamento, como se vê em Raul Pompéia: 
«portas votadas a. fechamento para sempre» (O Ateneu, pág, 72). Poderemos recorrer, é certo, a um 
termo sinónimo - o encerramento; mas, como já dissemos num capítulo anterior, uma forma 
diferente importa sempre significado mais ou menos diferente, e a palavra derivada não pode 
cabalmente traduzir a acção expressa pelo infinito do verbo. Esta forma, não há dúvida nenhuma, é 
um poderoso recurso de estilo.
Os românticos, e muito em especial Herculano, tiveram por ela verdadeira predilecção. Na verdade, 
se o infinito traduz a mobilidade, nada melhor do que essa forma para exprimir a agitação, a 
inquietude da alma romântica. Eis algums exemplos, colhidos no autor do Enrico: «Parecia envolto 
em fumdo pensar». - «Quem me responde por ele é o seu dormir profumdo». - «Então resta o 
fugir». - «Naquele rosto apenas se conhecia o viver no profumdar das duas r ugas frontais». - «Ele 
bem sabia que se seguia o morrer».
Fernando Pessoa, o grande poeta modernista, também usou largamente dessa forma, em 
condensações atrevidas, que são o desespero do gramático: «Atravessa o eu não poder vê-la uma 
mão enorme». -«Abrem mãos brandas janelas secretas / e há ramos de violetas caindo / de haver 
uma noite de primavera lá fora / sobre o eu estar de olhos fechados...» «Alegra-me ouvir a chuva, 
porque ela é o templo estar aceso». Não é usual a pluralização do verbo substantivo. Contudo, de 
quando em quando, aparece, como nestes exemplos : «era um homem de teres»; «ter os seus dares e 
tomares com alguém». Aqui porém já o sentido verbal aparece menos nítido; a fumção verbal 
cristalizou e arrefeceu em substantivo. O mesmo se não dá neste passo dum jovem romancista de 
nossos dias: «Na eira vai uma tempestade de fricções e estalidos, rodopiares e bateres, gritos e 
cansaços». Aqui já o infinito readquiriu a sua fumção verbal; mas poderia, talvez sem desvantagem, 
tomar a forma do singular, pre-
12 - Estilística
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cedido do artigo indefinido: um rodopiar e bater. É certo porém que o plural toma mais concreta, 
mais pitoresca a representação.
2. O verbo transitivo e intransitivo. - Chama-se verbo «transitivo» todo aquele cuja acção recai ou 
transita para um objecto. Exemplo: «O alumo prepara as lições». Não poderíamos dizer apenas - O 
alumo prepara. Logo acudiria a pergumta: - Prepara o quê ? O verbo preparar não se basta a si 
próprio; requer logo após um complemento, que em Gramática se chama «objecto directo» ou 
«complemento directo».
Já se dissermos: «A criança chora» - sentimos que a frase está perfeita, faz sentido claro; o verbo 
chorar basta-se a si mesmo, não exige nenhum complemento. A estes verbos que não precisam de 
transitar para um objecto e são por si só plenamente expressivos, dá-se o nome de «intransitivos».
Isto é a teoria. Praticamente, a língua e os escritores não raro baralham estas categoiias. Quando se 
diz: «A criança chora-», o espírito apreende logo um objecto imaginário, que são as lágrimas. 
Poder-se-ia traduzir: «A criança verte lágrimas de mimo»; mas a língua, ou antes o escritor, não está 
com esse trabalho e diz directamente: «A criança chora lágrimas de mimo». Comete um pleonasmo 
(repetição de palavras com o mesmo sentido), que resulta aliás expressivo pela intensidade que 
imprime à representação. Vai ainda mais longe: chega a empregar como objecto directo um nome da 
família do verbo (substantivo «cognato»). Veja-se este exemplo de Fernão Lopes: «Quem vos tal 
cousa disse mentiu-vos mui grande mentira» (Crónica de D. João I, parte I, cap. 9), e ainda este, 
moderno e muito do uso literário: «O sábio viveu uma vida de modéstia». É na verdade maisexpressiva do que se disséssemos, simplesmente: «O sábio viveu modestamente». A repetição de 
palavras cognatas realça a imagem verbal
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 179
Também algums verbos transitivos podem ser empregados como intransitivos. O que importa, no 
caso, é a actividade do sujeito e não propriamente o objecto sobre que ela se exerce; por isso esse 
objecto não vem referido. Exemplo: «A mãe lia, o filho estudava, e a criada lavava no tanque». Os 
olhos do espírito estão directamente postos na acção e esquecemos momentaneamente o objecto 
directo, que é respectivamente «um livro», «as lições», «a roupa».
O mais ilustre de todos esses verbos com dupla fumção é, sem dúvida, o verbo amar. Por isso 
mesmo, o escritor brasileiro Mário de Andrade intitulou deste jeito uma de suas mais cativantes 
novelas: Amar, verbo intransitivo. Trata-se de Carlos, um moço de 15 anos, a quem o pai 
arranjou uma preceptora alemã de 35 anos, para lhe ensinar alemão e o iniciar em sexologia. 
Carlos acabou por aprender a amar no corpo da professora; mas era um amor experimental 
intransitivo, que só podia ter sujeito e não objecto: este não passava de mero instrumento do amor.
Há pois neste século apressado certa tendência para subentender o objecto directo, principalmente 
na linguagem dos negócios, em que importa sobretudo a acção. Quando o merceeiro nos diz: - 
«Mandamos a casa», já sabemos de que se trata: quer significar que manda os géneros ao nosso 
domicílio. Quando um pintor faz anunciar «que expõe na Galeria Bobone», já sabemos «que expõe 
os seus quadros com intenção de os vender». É por este motivo que alguém já disse que a 
abundância dos verbos intransitivos é um indício de civilização, por trazerem subentendidos dentro 
de si todos os elementos que definem a acção, sem precisarem de complemento.
Se o intransitivo se basta a si mesmo, é porque tem mais poder de sugestão e mais energia 
expressiva. Os transitivos não possuem o seu colorido, a sua capacidade caracterizadora. Vejam-se 
apenas estes exemplos: «O rio murmura». - «O pinhal negreja ao longe». Por isso, o intransitivo
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é preferido pelos escritores, quando desejam «pintar», como se vê perfeitamente neste soneto de 
Gonçalves Crespo, em que não há propriamente verbos transitivos:
Duas horas da tarde. Um sol ardente
nos colmos dardejando e nos eirados. Sobreleva aos sussurros abafados o grito das bigornas estridente.
A taberna é vazia; mansamente treme o loureiro nos umbrais pintados; zumbem à porta insectos variegados,
envolvidos do sol na luz tremente.
Fia à soleira uma velhinha. O filho, no céu mal acordou da auiora o brilhe,”1 f saiu para os cansaços da 
lavoura.
A nora lava no ribeiro, e os netos ao longe correm, seminus, inquietos, no mar ondeante da seara loura.
Mas os escritores não se satisfazem com esse laconismo, próprio dos homens apressados, e sentem 
por vezes prazer na operação inversa: revestir de complemento os verbos intransitivos, para tomar 
mais evidente, mais forte e colorida a acção. Esta trdnsitivização dos verbos é própria da poesia 
modernista. Diz um filólogo, que estudou este processo nos poetas simbolistas: «Uma poesia que 
aceita toda a espécie de secretas influências operantes nos fenómenos deve expandir ao máximo a 
força transitiva dos verbos: florir, dormir, morrer, chover, são para os simbolistas verbos referentes 
não apenas ao sujeito, mas verbos de acção que implicam modificações do mumdo exterior». Vê-se 
isso perfeitamente destes versos de Fernando Pessoa: «Sento-me ao pé dos séculos perdidos, / 
cismo o seu perfil de inércia e voo...» - «Eu já não sou quem era; / o que eu sonhei, morri-o.» - «O 
outono mora mágoas aos outeiros.»
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
181
A história da língua mostra que muitos verbos, empregados antigamente como transitivos, foram 
pouco a pouco adquirindo a preposição antes do complemento. De transitivos directos tomaram-se 
transitivos indirectos - tal é a designação que se lhes dá em Gramática. No período arcaico e 
clássico eram perfeitamente normais construções como estas:
1. Não pôde resistir a força do inimigo.
2. Foge a vida turbulenta das grandes cidades.
3. O cidadão deverá obedecer escrupulosamente a lei.
4. Rogou-o que lhe mostrasse o direito caminho.
O uso brasileiro da língua conservou algumas destas construções transitivas, que o português já 
rejeitou: «assistir as aulas», «agradar a mãe», «perdoar o filho».
Não é difícil ver um dos motivos, sem dúvida fumdamental, que determinaram o emprego da 
preposição: foi uma necessidade de clareza. O emprego transitivo do verbo criou uma 
ambiguidade de significação, que se mostra perfeitamente na primeira frase, a qual tanto poderá 
significar: «Não pôde resistir à força do inimigo», como, por uma inversão corrente na língua: «A 
força do inimigo não pôde resistir». Só a entoação poderia discriminar o verdadeiro significado da 
frase. Não bastava; a língua remediou o caso com o auxílio das preposições, que introduziram 
clareza no discurso. Hoje, invariavelmente, escrevemos e dizemos aqueles complementos regidos 
de preposições ou do pronome pessoal lhe (- a ele): à força, à vida, à lei, rogou-lhe. A esta 
inclinação para maior ênfase e clareza se deve provavelmente o curioso emprego do verbo amar na 
fala popular do Brasil, revertendo aliás a um uso antigo do português literário: «amai a Deus», ou à 
analogia com o verbo querer: «querer bem a alguém». É geralmente conhecido o conto gracioso 
de Monteiro Lobato (Negrinha, 7.a ed., págs. 117-
182
M. RODRIGUES LAPA
-134), no qual o autor nos refere a desventura dum pobre rapaz, que perdeu a namorada só por ter 
usado num bilhete que lhe mandou o feio solecismo: «Eu amo-/Ãe». O que parece significar isto: há 
coisas que se dizem, mas não se escrevem, sob pena de graves complicações.
Casos há, contudo, em que subsistem as duas construções. A língua, que é uma hábil ecónoma, dá 
geralmente a uma e outra um matiz diferente de significação. Assim, «dispor o dinheiro» difere de 
«dispor do dinheiro». No primeiro caso entende-se que o dinheiro é «posto em ordem», no 
segumdo, que é «empregado, desembolsado». Quando se diz «apontar para o retrato», está-se 
vendo um dedo estendido na direcção do retrato; já em «apontar um erro» não vemos o dedo, 
compreendendo que o verdadeiro significado de apontar é aqui o de «referir», «mencionar». com o 
verbo cumprir dá-se também um caso curioso. Tanto se pode dizer, hoje como antigamente, 
«cumpri as minhas obrigações» ou «cumpri com as minhas obrigações». Quando porém se trata de 
quaisquer obrigações que não são inerentes ao indivíduo, que não dependem dele, não se usa 
geralmente a preposição com. Exemplo: «Cumpri as ordens que me foram dadas».
3. Verbos impessoais. - Há dois modos fumdamentais de apreendermos os fenómenos. Umas vezes 
impõem-se absolutamente à nossa consciência; experimentamos o fenómeno sem cuidar no que o 
motivou e no efeito que teve. Exemplos: Chove. Está calor. Faz vento, etc. É, como já vimos, uma 
actividade intransitiva; o verbo que exprime o fenómeno basta-se a si mesmo. Outras vezes somos 
levados a relacionar com o fenómeno a sua causa e o seu efeito, como quando dizemos: O vento 
agita as árvores. Aqui já temos um verbo que exprime a acção (agita), um agente que a realiza e 
que em Gramática se chama «sujeito» (o vento), e um objecto ou actuado sobre que recai a acção, 
chamado em
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
183
Gramática «objecto directo» (as árvores). É um processo transitivo.
A velha Gramática tinha dificuldades em admitir verbos sem sujeito, isto é, verbos impessoais. E 
aos verbos meteorológicos, chover, trovejar, amanhecer, etc., que são os mais puramente 
impessoais, buscava atribuir sujeitos que estariam subentendidos por processo elíptico. Assim, o 
sujeito oculto de trovejar, chover, etc., seria «Deus» ou o «Céu», de orvalhar seria a «manhã», etc. 
Pode serque nos tempos da mitologia, em que tudo se referia a uma entidade divina, assim fosse. 
Hoje empregamos esses verbos de modo impessoal, sem os referir a nenhum agente. Compreende-
se que este facto deve dar ao verbo impessoal certa autonomia e também certo mistério, uma 
impressão de vago, que os artistas sabem aproveitar na sua composição. Comparem-se os dois 
dizeres: Vinha rompendo a manhã e Amanhecia. O primeiro, com o seu sujeito, é mais claro; o 
segumdo dá-nos todo o mistério, a poética vaguidão do romper do dia.
Note-se que a nossa língua tem artes de tomar estes verbos pessoais, em sentido próprio e figurado. 
É uma excelente aquisição de estilo, porque esses verbos comunicam à frase o seu encanto poético. 
Algums exemplos: 1. Choviam as pedras lá de cima. 2. As janelas amanheceram cheias de flores. 3. 
A voz do tribumo trovejava cóleras sobre os ouvintes. 4. Os muitos anos nevaram-lhe a cabeça. 
Podíamos dizer, e com efeito já se vai dizendo e até preferindo: «De manhã, as janelas apareceram 
cheias de flores». Mas a forma amanhecer é mais curta, mais condensada e sem dúvida mais 
sugestiva. Contudo, como a língua é um instrumento de comumicação, as formas desenvolvidas, 
analíticas, são mais claras, embora menos poéticas, e vão destronando as formas simples. O 
progresso é pouco amigo da fantasia dos poetas.
Restam os verbos que, sem serem por natureza impessoais, podem usar-se desse modo. São 
muitos e variados.
184
M. RODRIGUES LAPA
Em primeiro lugar, um grupo de verbos, muito usuais, que podem empregar-se impessoalmente na 
3.a pessoa (nesse caso são chamados «umipessoais»): haver, ser, fazer, dar, ir, ficar, estar, doer, 
admirar, lembrar, esquecer, etc.
com o primeiro, há certa dificuldade em aceitar o seu carácter abstracto e impessoal, o que levou o 
brasileiro inculto a substituí-lo por ter; mas ainda aparece muita gente que, em vez do gramatical 
«.houve coisas», prefere dizer «houveram coisas». Lembre-se aqui aquela personagem do escritor 
Fernando Namora, a devota D. Quitéria, que presumia de bem falante:
«Entre as pessoas letradas da vila contava-se que D. Quitéria, numa das recepções do paço episcopal, discutira 
em voz alta com outra senhora o emprego do há e do hão. D. Quitéria, por fim, pretendera esmagar a rival 
com exemplos concretos:
- Então a senhora diz «há coisas» ou «hão coisas» ?
- «Há coisas», evidentemente.
•-• Pois diz mal: «coisas» é plural.
«Contava-se que o bispo, ao ouvir o remate da conversa, concluíra para um abade que o acompanhava:
--É estúpida, mas coerente.» (Fernando Namora, O trigo e o joio,
8.a ed., págs. 68-69).
com o último, esquecer, também há alguma coisa a contar. Quando o povo diz: «Não te esqueça de 
ires à fonte», fala português clássico, sem o saber. Emprega o verbo esquecer como impessoal, à 
maneira de Camões, que o usou assim naquele admirável soneto «Alma minha gentil». Escreveu o 
grande poeta: «Não te esqueça daquele amor ardente», dando um sentido especial à frase e 
insistindo mais sobre a acção e o objecto do que sobre a própria pessoa. Pois os editores julgaram 
que o insuperável artista se tinha enganado e pessoalizaram, deturpando-o, um verso, que só alcança 
o seu verdadeiro significado na forma impessoal. Rectificaram assim, desde a 2.a edição, de 1598: 
«Não te esqueças daquele amor ardente». Se ouvissem a voz do povo, que conserva
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 185
a tradição da língua clássica, não cometeriam tão grande disparate.
Outra forma de exprimir a impessoalidade é empregar
com o verbo na 3.a pessoa do singular o pronome reflexo se.
Exemplo: «Toda a noite se bailou no pavilhão enfeitado de
murta». O sujeito está oculto por detrás daquele pronome se.
Poderemos substituir a forma reflexa pela 3.a pessoa do
plural: «Toda a noite bailaram...’»; mas há uma pequena
diferença: no primeiro caso parece que intervimos também
na acção; no segumdo caso, a pessoa que fala ou escreve está
distanciada do acto. A primeira forma é mais lírica, mais
afectiva; a segumda mais narrativa, mais intelectual. Em
ambas o sujeito é indeterminado; mas parece adivinhar-se
ou pressentir-se com mais nitidez na segumda (os rapazes
e as raparigas, de que anteriormente talvez se tivesse
falado).
Dissemos atrás que o verbo ser também se emprega impessoalmente. É o que sucede em frases 
como esta: «Era numa fresca manhã de primavera»; ou mesmo, sem preposição: «Era uma fresca 
manhã de primavera». Não se pode dizer que manhã seja sujeito de era. A frase tem carácter 
impessoal e corresponde, mais ou menos, a estávamos numa..., sentia-se uma, etc. Contudo, 
nenhuma destas expressões compostas traduz tão bem a impessoalidade como aquela forma do 
verbo ser.
Os escritores aproveitaram habilmente para as suas narrativas este carácter vago e impreciso do 
verbo, apropriado aos jogos da fantasia. Veja-se este exemplo de Eça de Queiroz: «Para o fumdo do 
vale, clara também no luar, era a igrejinha de Craquede.» Se substituirmos essa forma por estava, 
distinguia-se, etc., a frase toma-se mais pessoal e perde-se o que há nela de fantasia e imprecisão. 
Um outro exemplo do mesmo grande artista, na descrição dum pesadelo: «Era, em tomo do leito, 
um heróico reluzir e retinir de ferros». Substituamos era por havia: lá se vai toda a
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M. RODRIGUES LAPA
impressão de mistério, de confusão movimentada, que cor.stitui a poesia da frase. O mesmo se dá 
neste período de Jorge Amado (Seara vermelha, 241), em que a forma, aparecendo no fim da frase, 
tem um poderoso efeito evocador e é insubstituível por outro meio: «Apenas o sol descambava e o 
horizonte sobre o mar acendia-se em vermelho, as luzes elétricas brilhavam, e a noite já era». 
Guimarães Rosa emprega, com a mesma colocação, o verbo estar, num aumento notável de 
visualidade e de concretismo (trata-se de um burro): «Longe dos outros, deixado num extremo, no 
canto mais escuro e esquerdo do telheiro, Sete-de-Ouros estava». (Sagarana, 5.a ed., pág. 51). 
Aliás, o sentido originário de ser é «estar sentado», e estar, na língua antiga, queria dizer sobretudo 
«estar em pé, imóvel». Tal valor ainda é hoje patente em nomes como estátua, estaca, estadulho, 
etc. Por aqui se vê que o segumdo verbo abrange um campo visual muito mais preciso, como tudo 
quanto se deixa ver de alto a baixo. Os escritores têm disso consciência, embora os dois verbos 
andem hoje mais ou menos confumdidos.
A diferença, muito nítida, entre ser e estar aparece perfeitamente neste trecho de D. João da 
Câmara, no qual o contista descreve a ansiedade dum avarento em busca do seu tesoiro escondido:
«Era no alto da serra que o seu tesoiro fora escondido. Vinha aumentá-lo naquela noite, vinha palpá-lo... 
Subitamente estacou. Na clareira, no meio do pinhal, era a choupana do guarda... Deitou a correr pelo pinhal 
fora... a correr, a correr até ao alto da serra, onde se deixou cair extenuado ao pé dum enorme pinheiro 
manso... Era ali o seu tesoiro Começou a cavar, a cavar, até que finalmente o ferro bateu de encontro ao 
ferro... Ali estava o seu tesoiro! Seu! K olhava para o cofre com ternura, com uma lagrimazinha no olho.» 
(Contos, 2.a ed., págs. 46-49).
A forma era, nos três exemplos, traduz imprecisão, nebulosidade, distanciamento e a agitação do 
avaro à 
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 187
procura do dinheiro. Mas quando o tem à vista, então já essa presença, certa e palpável, se 
exprime pela forma estava. Um grande escritor brasileiro se encarregará de nos explicar, num 
formoso trecho, a diferença entre o é e o está, o primeiro tocado de absoluto e de eterno, o segumdo 
plantado no contingente, para regalo da vista. Monteiro Lobato vai um dia a Tarrytown, na América 
do Norte; e não pode reprimir a impressão de êxtase perante a deliciosa paisagem de fim de outono:
« -Veja aquele grupo de árvores naquela mansão de esquina. Haverá nada rnais estonteantemente belo, em 
tarde bela assim ? Não está lindo, lindo ?
A «miss» sorriu.
- Massempre foi assim!... Não está lindo. É lindo. Disse e foi-se com um gracioso «good-bye».
- Não está, é\... repeti comigo, procurando penetrar o sentido da resposta. Só mais tarde o percebi 
plenamente. Aquele grupo de árvores varia tanto de aspectos, que é sempre uma expressão de beleza. 
Estava naquele momento vestido com ipês de ouro e rubis. Depois, com a entrada do inverno, se despiria 
de todas as folhas para apresentar uma nova forma de beleza, profumdamente melancólica, na nudez da 
galharia sépia. Depois se recobriria de neve - e branquinha até nos mínimos ramúsculos, teria uma beleza de 
sonho. Depois rebentaria em folhas novas - e teria a beleza da esmeralda que nasce. Depois o verão 
truculento transformaria as esmeraldas tenras em verdes apopléticos - e teríamos o único tom de beleza a que 
estamos afeitos nos países de «verão eterno». Tinha razão a «miss». Não estava. Era...» (Monteiro 
Lobato, América,
6.» ed., pág. 93).
A diferença de significado entre os dois verbos foi correctamente explicada por Caldas Aulete no 
seu Dicionário (rubrica ser), quando nos diz que «ser se emprega quando a qualidade atribuída ao 
sujeito lhe é inerente e natural ou habitual, e o verbo estar no caso contrário». E um grande ensaísta 
espanhol, Salvador de Mariaga, foi mais longe: viu na diferença entre os dois verbos um rasgo 
característico do
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M. RODRIGUES LAPA
homem hispânico: «a tendência para distingir o que é essencial do que é passageiro, entre o ser, que 
é permanente, e as circumstâncias, que somente estão».
4. Voz activa, passiva e reflexa. - Imaginemos este pequeno quadro: Dois camponeses passam por 
um antigo palácio, cujos donos estavam desde muito ausentes e que era guardado apenas por um 
velho criado. Nesse dia, as janelas apareceram abertas. Reparando nisso, um deles poderá exprimir 
o facto das seguintes maneiras, dizendo para o outro:
1. O criado abriu hoje as janelas.
2. As janelas foram abertas pelo criado.
3. Abriram as janelas do palácio.
4. Abriram-se as janelas do palácio.
Estas quatro maneiras de exprimir uma determinada acção coincidem no fumdo, mas não são de 
modo nenhum equivalentes. Se não, vejamos: Na primeira frase, o camponês chama a atenção para 
o agente, que é o criado. O objecto (as janelas) fica mais na sombra. O que importa para ele naquele 
momento não são tanto as janelas como o criado que as abiira. Como que se subentende este 
movimento de curiosidade: para que teria ele aberto as janelas?
Na segumda frase, já o objecto da acção aparece em primeiro plano e o agente em plano 
secumdário. Ao indivíduo que passou interessavam naquele momento sobretudo as janelas, que via 
abertas, contrariamente ao costume. Por isso pôs o objecto em primeiro lugar, construindo a frase na 
voz passiva.
Na terceira frase, a atenção é reclamada para o acto em si. O sujeito é indeterminado, e a sua falta 
tem como resultado fortalecer a própria significação do verbo. O que importa sobretudo é o acto de 
abrir.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 189
Enfim, na quarta frase, a determinação das relações entre o sujeito, o verbo e o objecto é já 
menos precisa. A oração pode admitir duas significações: a) as janelas apareceram abertas por si, 
com a ajuda de algum elemento que se ignora - talvez o vento (significação reflexa); b) ou foram 
abertas por alguém, que não é determinado (significação passiva). Dava-se pois uma confusão, 
que a língua tratou de evitar muito simplesmente: em vez de pôr o verbo no plural, como mandam 
as regras, empregou-o no singular, como impessoal: Abriu-se as janelas. O pronome reflexo foi 
considerado equivalente a um pronome indefinido: «alguém», «uma pessoa». O processo é 
engenhoso e nada repugna à índole da língua; é também corrente no francês. Simplesmente, a 
construção, usada nas esferas populares, não está abonada pelos gramáticos, que a condenam. 
Um dia certamente entrará na Gramática: será o triumfo da clareza sobre a confusão. Por ora, 
ainda lá não chegámos.
Devido a esta mesma confusão, não podemos hoje dizer: «Abril am-se as janelas pelo criado». Era 
contudo essa construção perfeitamente usual em português clássico, pois abriram-se equivalia então 
a «foram abertas por alguém». Eis uma frase corrente entre os antigos escritores: «Descobriu-se 
essa ilha por um grupo de portugueses». Hoje teremos de dizer: «Foi descoberta essa ilha por um 
grupo de portugueses». Segumdo o uso actual, a conjugação reflexa serve para exprimir a passiva, 
mas não se há-de nomear o agente. Nessa conformidade, já podemos dizer: «Descobriu-se a ilha em 
1502».
Na linguagem oficial usa-se a voz passiva ou a voz reflexa com valor de passiva, porque as 
determinações legais dirigem-se a uma massa passiva orientada superiormente por um órgão activo, 
que se adivinha sempre presente: o Estado. Assim se justifica o carácter impessoal dessa linguagem, 
para a qual valem, mais que as pessoas, os actos praticados por elas. Para exemplo veja-se o art. 
529.° do
190
M. RODRIGUES LAPA
Código Administrativo Português: «Sempre que um fumcionário administrativo deixe de 
comparecer ao serviço durante cinco dias, depois de expressamente ter manifestado a sua intenção 
de abandonar o cargo, será pelo seu imediato superior hierárquico levantado auto de abandono do 
lugar.» Não se diz «o seu superior levantará», porque pumha em evidência a pessoa do fumcionário, 
quando o que mais importa acentuar é o acto, a fumção.
Do que fica exposto conclui-se que o emprego da voz activa, passiva e reflexa se não faz às cegas. 
Há razões delicadas que impõem o seu uso, conforme as circumstâncias. Quem possui o sentimento 
da língua dificilmente se enganará nessa manipulação dos ingredientes do estilo. Um exemplo: Eça 
de Queiroz põe um seu personagem a narrar episódios da meninice. Aos sete anos, o pequeno, já 
órfão de mãe, perdera subitamente o pai. Diz o escritor: «As janelas da frente da casa foram 
fechadas». Poderia significar o mesmo, recorrendo às formas indicadas nos n.os 3 e 4 dos nossos 
exemplos: a forma impessoal com o verbo na 3.a pessoa do plural -«fecharam as janelas»; e a forma 
reflexa •-((fecharam-se as janelas»; mas, se repararmos bem, o processo escolhido no caso pelo 
romancista é o mais apropiiado. Tratando-se de uma criança, convém chamar a atenção para as 
janelas, jumto das quais os meninos costumam brincar e donde observam o mumdo exterior. Por 
isso o sujeito, as janelas, foi posto à frente da frase. O emprego do particípio passado, fechadas, põe 
mais em evidência o sujeito. A natureza adjectiva desse particípio caracteriza, dá cor ao sujeito e 
parece até que à própria acção do verbo. Enfim, o emprego da voz passiva é aqui um processo de 
iluminar a frase, tomando mais visíveis e pitorescos o sujeito e o verbo: depois de «vermos» 
claramente as janelas, «vemos» claramente que se fecham. O mesmo não sucederia nos dois outros 
casos.
No que respeita à voz reflexa propriamente dita, convém notar que a língua oferece também certas 
delicadezas.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
191
Algums intransitivos admitem a forma pronominal, para darem um novo matiz de significação ao 
acto expresso pelo verbo ou para acentuarem mais expressivamente a figura do sujeito. Vejamos 
estes dois exemplos:
1. O réu sorria, ouvindo aquelas acusações.
2. O pai sorria-se com as brincadeiras do filho.
A diferença é um pouco subtil, mas existe efectivamente. A primeira impressão que nos deixam as 
duas frases é que na primeira o sujeito denumcia certo retraimento, está como fechado em si 
mesmo: c, evidentemente, uma consequência do verbo intransitivo, que não se expande num 
objecto. Na segumda frase, tudo aparece espontâneo e movimentado: o sorriso deixa de ser fechado, 
acaba-se o mistério, - vemos pai e filho em comumhão de alegrias. Tudo isto se conseguiu com a 
forma pronominal. Algums gramáticos chamam a este pronome reflexo «objecto directo de 
espontaneidade».É uma designação como qualquer outra; mas, enfim, traduz com certa verdade o 
que caracteriza principalmente o sujeito e a acção: espontaneidade, movimento sentimental, 
simpatia comumicativa, intimidade irónica, etc.
Os Clássicos tinham a compreensão deste valor expressivo da forma pronominal e usavam-na 
largamente. Os verbos ir-se, vir-se, partir-se, subir-se, ficar-se, descer-se, etc., adquiriam 
significado um pouco diferente dos simples ir, vir, partir, subir, ficar e descer. Um poeta queixoso 
de amores não dirá - «you por esses montes, suspirando»; mas, com mais dinamismo e patético - 
«Vou-me por esses montes, suspirando».
Por aqui se vê que a forma pronominal tem carácter afectivo e lírico, pois interessa mais vivamente 
o sujeito na acção. Por vezes, o sujeito acha-se tão absorvido no seu estado ou acção que não dá 
conta do que se passa em redor: é uma atitude de concentração e defesa. Os antigos escri-
192
M RODRIGUES LAPA
tores empregavam neste sentido algums verbos, principalmente estar. Veja-se esta frase: «Esíou-me 
quietinho no meu canto, sem saber o que vai pelo mumdo». Sentimos imediatamente que o 
pronome introduz na frase um movimento de alma, um interesse afectivo que o simples intransitivo 
não comporta.
Em outros casos a voz reflexa é uma espécie de forma progressiva, pois acentua o prolongamento e 
a lentidão do acto, com um íntimo prazer da parte do sujeito, quando é nome de pessoa. O verbo 
morrer-se é particularmente empregado nesse sentido. Exemplo, tirado de Fialho de Almeida: 
«Tinha alinhavado este livro nos ócios da bela estação que se morria.» O simples morria era brutal, 
seco, peremptório; com o reflexo exprime-se a lentidão suave daquele findar de estação. Igual efeito 
conseguem o escritor brasileiro Eduardo Frieiro: «O infeliz africano morria-se de medo»
- (O mameluco Boaventura, 2.a ed., 10) c o publicista galego Sílvio Santiago: «Por esta ponte 
passa um regueiro que se morre de sede»- (Vilardevôs, 50). Um escritor místico escreveu: 
«.Morra-se nessa grande saudade que sente». Quer significar com isso não a morte corporal, 
súbita, definitiva, mas um vagaroso e deliciado agonizar, um voluptuoso desfazer-se na saudade.
5. A elipse do verbo. - Circumstâncias há em que a frase se constrói ou pode construir sem verbo’ o 
valor sentimental das coisas, o repentino da sua visão dispensam perfeitamente esse instrumento 
gramatical Quando, diante dum belo panorama, exclamamos: «Admirável paisagem!»
- produzimos uma oração afectiva, a que propriamente não falta o verbo nem precisa sequer de se 
subentender. Se disséssemos: «Esta paisagem é admirável!» - sobrecarregaríamos sem 
necessidade a frase e, reparando bem, não conseguiríamos o mesmo efeito sentimental, que se 
exprime tão energicamente por aquele grupo do adjectivo e substantivo.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 193
A este processo elíptico chama-se estilo de notas ou de diário. As coisas pintam-se e desdobram-se 
em série; é como o decorrer duma fita de cinema. Suponhamos que pretendemos descrever por este 
meio impressionístico uma viagem de Lisboa a Coimbra. Poderíamos registar assim as nossas 
impressões :
«Manhã cinzenta. Partida de Lisboa. Os primeiros aspectos da campina ribatejana: touros, campinos 
de vara ao alto, searas infinitas. Depois, mutação de cenário: florestas de pinheiros verde-negros, 
outeiros. Uma aberta de luz: campos extensos de milho e arrozais. Enfim, o tufo espesso do 
Choupal. Coimbra, debruçada sobre o Mondego!»
A omissão do verbo, muito do gosto do impressionismo, serve ainda para o simples descritivo dum 
quadro. É como que uma notação de cenário, como se pode ver neste trecho de Teixeira-Gomes:
«Sala de prédio novo no pátio do Torci. Ornamentações «liberty» na sua clara tonalidade preferida, 
que fumde o verde mar em rosa pálido. Duas grandes janelas por onde se perspectiva a Baixa e um 
largo trecho do rio. A parede do sul cortada por três arcos envidraçados que dão para uma espécie de 
estufa rescendente».
A dispensa do verbo não é processo novo; é antes um modo primitivo de registar as impressões das 
coisas. Explica-se por três motivos principais: a) uma expressão dúbia ou incompleta do 
pensamento; b) uma certa tendência para a brevidade e para o menor esforço; c) e a influência 
poderosa dum choque sentimental.
A primeira causa explica a chamada «reticência». Quando dizemos - «Eu ia lá, mas...» - o espírito 
procura preencher a lacuna e estabelecer a clareza do sentido. É como quem
13 - Estilística
194
M. RODRIGUES LAPA
dissesse: «Eu ia lá, mas não sei se volto; mas tenho receio de que me venha mal», etc. A mesma 
consciência da elipse aparece em formas de cortesia ou constrangimento social. Quando dizemos 
para um superior: - «Se V. Ex.a assim o deseja...» - temos plena consciência do que falta na locução 
e procuramos mentalmente completar: será feita a vossa vontade. Claro que nem sempre a 
consciência dessas lacunas é perfeitamente nítida, variando naturalmente de pessoa para pessoa.
Exemplos da tendência para a brevidade elegante e para o menor esforço podem ser estas duas 
frases. Uma amostra de Vieira: «Vem-lhe a suceder no fim o que aos pegadores do mar». 
Subentende-se ali a forma verbal sucede, mas o espírito quase não tem consciência da sua omissão. 
Contudo, hoje preferimos a construção sem elipse: «Vem-lhe a suceder no fim o que sucede aos 
pegadores do mar». Suponha-se agora este diálogo: - «Sente calor ? - Eu não, e você ?» Aqui não há 
consciência da elipse. Seria até absurdo que se respondesse: - «Eu não sinto, e você sente P»
Resta a terceira categoria, que é talvez a mais interessante para a Estilística: um abalo sentimental 
afecta toda uma frase e, por meio duma entoação mais ou menos exclamativa, dá-lhe o valor dum 
grupo fraseológico. Alguém vê o seu inimigo cair de um cavalo abaixo. Exclama, num repente 
desumano de vingança: - «Bem feito /» O sentido da exclamação pode traduzir-se por esta perífrase: 
«Mereceste o mal que te sucedeu, e estou muito contente com isso». Vemos um amigo que não 
esperávamos; logo lhe dizemos: «- Tu por aqui ?!» É como quem diz: «Estou admirado e contente 
de te ver por aqui». Tudo isto consegue a linguagem corrente, dispensando perfeitamente o verbo.
Os escritores imitaram o processo, como se deixa ver deste trecho de Jorge Amado: «Vontade de 
poder escrever uma carta contando à tia Marta tudo aquilo, toda aquela alegria em tomo» - (Seara 
vermelha, 331). E ainda deste passo
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 195
de prosa galega: «Adrián olhando nua carteleira pensou que xá os estrenos non tenhen a importanza 
doutro tempo. Pensamento d’escribir um ensaio encol do tema» - (Otero Pedrayo, Arredar de si, 
pág. 11). Como quem dissesse: «Acode-me o pensamento de...» Um dos que mais aplicação lhe 
deram foi sem dúvida Fialho de Almeida, em algums passos até de duvidoso gosto literário. Veja-se 
este exemplo: «mas o estudante não o podia aturar, mesmo ganas de lhe remendar os fumdilhos com 
lama da bota direita». A frase tem carácter afectivo; por isso se subentende com um pouco de 
esforço o verbo ter: «tinha mesmo ganas...». Mas, neste exemplo, a elipse espalha por toda a frase 
uma certa obscuridade: a sintaxe ficou de algum modo comprometida. Por isso, não é prudente 
imitar servilmente estes processos, mesmo quando abonados por grandes escritores.
11.
O VERBO II
1. Verbos defectivos. - Assim se chamam os verbos a que faltam certas formas, quer por motivos de 
lógica, quer por motivos de eufonia. Os chamados verbos climáticos conjugam-se de ordinário na 
3.a pessoa. Em boa lógica, não podemos dizer eu orvalho, tu orvalhas. No mesmo caso estão outros 
verbos impessoais. Ninguém irá dizer eu aconteço. Há a consciência nítida de que estes veibos, 
sendo desprovidos de sujeito, só podem usar-se na 3.a pessoa.
O mesmo não sucede com outros verbos, que são defectivos por razão fonética, ou para evitar 
qualquer equívoco de sentido. Um comerciante em vésperas defalência não dirá: «Eu falo dentro de 
pouco tempo». Arranjará formas perifrásticas ou empregará outro verbo: you falir, terei de falir, 
receio falir, venho a falir, etc.; ou vou-me abaixo, abro falência, chamo credores, etc. De modo que 
o uso impõe que o verbo falir só se use nas formas que conservam a vogal i. Estão neste caso, 
segumdo a opinião dos gramáticos, os verbos abolir, adir, banir, colorir, delinquir, delir, demolir, 
descomedir-se, empedernir, extorquir, florir, redarguir, renhir, retorquir. Sucede porém que os 
escritores não querem que a Gramática seja obstáculo às suas necessidades de expressão, e criam 
formas como bane, carpe, carpem-sc, colore, dele, demolem, extorquem, redargue, retorque, etc.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
197
com um pequeno número de verbos os gramáticos são mais indulgentes e consentem que se usem 
também as formas terminadas em e. Assim: discernir, explodir, emergir, fulgir, ganir, latir, e poucos 
mais. Ora a verdade é que nada impedirá, sendo necessário, que um escritor use formas como 
discirno, expludo ou expluda, fulja, emirja, ou emerja. Dizia sobre estes casos Mário Barreto, 
filólogo brasileiro competentíssimo: «A morfologia não tem leis especiais para excluir de sua 
formação total nenhum dos verbos que se têm por defectivos. Nenhuma lei de estrutura se opõe a 
que se forme abole, colorem, pule, bane, dele, demulo. O empregá-los numa forma e deixar de 
empregá-los noutra é coisa que toca ao uso». Assim é, na verdade; tanto assim, que na lista de 
defectivos apresentada pelos gramáticos vemos constantes alterações e discordâncias.
Deve notar-se, a este respeito, que no Brasil parece haver mais audácia no uso dos defectivos. Num 
jornal carioca lia-se ainda há pouco: «É indispensável que o Governo aja com energia»; e um 
escritor, António Callado, não hesita em escrever: «Eu you botar os camponeses na rua. O Governo 
não age, ajo eu»- (Quarup, 4.a ed., pág. 320). Em Portugal ainda se não chegou a este ponto, 
empregando-se naquele caso formas como actue ou proceda, paia evitar a confusão com haja, do 
verbo haver.
A forma dele = (de ele) em vez de dele, explicava-se, segumdo uma reforma ortográfica portuguesa 
e outra brasileira, precisamente pela possibilidade de existir um homógrafo dele, 3.a pessoa do 
singular do presente do indicativo do verbo delir. Convém notar contudo que o povo parece ter 
preferência pela forma dile, embora pouco usada, naturalmente. Mas já um grande escritor clássico, 
João de Barros, não hesitou em quebrar o encanto desse verbo defectivo, usando a forma dilem: «E, 
tomada aquela massa, a dilem na água à maneira de polme».
O exemplo mais frisante de como a língua tende a
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M. RODRIGUES LAPA
repelir o princípio dos verbos defectivos é-nos dado pelo verbo precaver, muito usual. Os 
gramáticos não se entendem com a sua conjugação. A maior parte, entretanto, condena a conjugação 
deste verbo nas três primeiras pessoas do singular e na 3.a do plural do presente do indicativo e em 
todo o conjumtivo. Logo, não é aceitável dizer-se precavo, precavês, precavê, precavém, precava, 
etc. Mas a língua, considerando o verbo expressivo e repugnando-lhe a defectividade imposta pelos 
gramáticos, fez uma coisa curiosa: assimilou-o aos verbos ver e vir, com os quais nada tem, e 
conjugou-o nas formas que lhe faltam pelo modelo daqueles dois verbos. Assim, é comum hoje 
dizer-se precavejo, precavês, precavê ou precavenho, precavéns, precavém, etc. Um exemplo, tirado 
de um jornal da manhã: «A França precavém-se em Jibuti». Outro, extraído das obras de Teixeira-
Gomes: «Acho conveniente que se precavenha contra os impulsos da sua simpatia». Também se 
poderia dizer
- e é talvez mais corrente - precavê-se e se precaveja. É uma questão de gosto pessoal. Os 
gramáticos bradam que essa conjugação é abusiva. Será; mas esses recursos da analogia são 
correntíssimos no idioma, e o que hoje se nos afigura abuso e extravagância, é amanhã norma aceita 
e bem-vinda. Aquelas formas representarão uma necessidade expressiva? Se assim é, ficarão na 
língua. Contudo, se as não quisermos usar, a língua tem substitutos para preencher as formas 
defectivas; usa neste caso os verbos precatar ou precatar-se, acautelar, prevenir, etc.
Nada mais será preciso dizer sobre verbos defectivos do que estas palavras dum grande mestre da 
ciência da linguagem, Brumot: «Cada um de nós possui, para os verbos defectivos, a sua 
conjugação particular; é a média destes usos que constitui a norma de hoje». Não venham pois os 
gramáticos impor-nos arbitrariamente as suas listas verbais. Já sabemos o valor relativo que lhes 
devemos atribuir.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
199
O povo ou os escritores mostram gosto por uma forma; cai no uso, e o uso é que faz lei.
2. A fonética e os verbos. - As formas verbais ainda hoje estão sujeitas a certo número de erros e 
vacilações por parte daqueles que não dispõem de sólida instrução gramatical. A sugestão da 
pronúncia e o fenómeno da analogia são geralmente os culpados desses deslizes e incoerências, que 
se encontram muitas vezes na pena de gente culta. Não é raro vermos escritas as formas caiem, 
saiem, destrói em, atribulem, e até crêiem, lêiem, veiem. São 3.as pessoas do plural do presente do 
indicativo dos verbos cair, sair, destruir, atribuir, crer, ler, ver. As duas primeiras formas já se 
encontram aqui e acolá em obras de autores modernos. Efectivamente, na pronúncia normal já 
se faz sentir aquele i eufónico; mas na linguagem a pronúncia vai mais depressa do que a grafia. 
é possível que um dia seja norma o que hoje constitui uma falta, e passemos a escrever com i; é até 
o mais natural. Ainda não chegámos a isso, razão por que as únicas formas correctas são as que 
não têm a vogal eufónica: caem, saem, destroem, etc.
Caso idêntico, mas por motivos diferentes, é o que vemos em grafias tais como passeiava, 
receiamos, estreiou-se, etc. Veja-se esta frase do contista Alberto Braga: «Havia mais de meia hora 
que eu passeiava na sala de espera». Estas erróneas escritas, frequentes aliás em autores passados, 
procedem de uma influência viciosa da 1.a pessoa do singular do presente do indicativo (eu 
passeio, eu receio, eu estreio). Ora é conveniente advertir que este i não pertence propriamente ao 
verbo; foi uma vogal que se intercalou por motivos de eufonia. Antigamente, no tempo dos 
Clássicos, dizia-se e escrevia-se: passeo, receo, etc. Logo, só são legítimas as formas passeava, 
receamos, estreou-se, etc. Aqui nem sequer se ouve o i, na pronúncia normal, como no caso 
anterior; é pois de toda a razão banir o emprego dessa vogal.
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M. RODRIGUES LAPA
Outra perturbação viciosa da analogia se verifica nas f01 mas erradas da 2.a pessoa do plural do 
pretérito perfeito
- amasieis, vencêsteis, partísteis, que aliás só se emprega hoje em estilo retórico. Aquele i, que não 
pertence ao verbo, é devido à analogia com outras formas, como amais, amáveis, amásseis, que o 
possuem por natureza. O erro, que aparece ou apareceu em algums escritores de boa nota, é ainda 
hoje cultivado por muitos aprendizes de redacção.
Isto são propriamente os erros; mas os verbos têm ainda flutuações no emprego de certas formas. 
Como dizer: desagua ou ãesagoa, enxagua ou enxagoa? Ambos os modos de dizer são legítimos; 
mas predominam, por efeito da analogia, as formas com u. Para muitos jovens estudantes da língua 
portuguesa será talvez novidade que o verbo apiedar se conjuga irregularmente nas formas em que 
o acento tónico deveria cair sobre o e. Assim, diz-se apiado-me, apiadas-te, etc., em vez do que 
seria regular: apiedo-me, apiedas-te, etc. Estas formas em a, um pouco mais eufónicas, não foram 
inventadas; a língua foi buscá-las à velha grafia apiadar, usual entre os mais antigos escritores do 
Classicismo. Contudo, mesmo essas formas são consideradas hoje malsoantes e substituídas por 
processos perifrásticos: ter piedade, ter dó, compadecer-se, etc.
Outro motivode hesitações está nos verbos em -ear e -iar. Segumdo a lógica, os verbos da segumda 
categoria deviam ter todos a vogal i nas formas do presente do indicativo e do conjumtivo. Assim: 
copio, alumias, aprecie, contraries, etc. Sucede porém que, por influência da conjugação em -ear, 
hoje dizemos odeio e não ódio, anseio e não ansio, remedeio e não remédio. Outros casos são ainda 
duvidosos e permitem a escolha dos interessados, segumdo o gosto particular. Podemos pois dizer, 
sem receio de palmatoadas, prémio ou premeio, diligencias ou diligenceias, evidencia ou 
evidenceia, gloria-se ou gloreia-se. Se é certo que parece haver entre nós ainda certa preferência 
pelas formas
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 201
em -eia (negoceia, comerceia, incendeia), não é menos verdade que, para as palavras menos 
antigas, são as formas regulares as únicas usadas: acaricio, apropriam-se, distancia, contraria, etc. 
É natural que estas acabem por chamar as outras à regularidade, e tudo entrará nos eixos. No Brasil 
já se dá decisiva preferência às formas em -io, pois se prefere, por exemplo, sentencio a sentenceio.
3. O emprego dos tempos e modos. - É dos pontos mais delicados da sintaxe portuguesa o 
emprego dos tempos e modos dos verbos. Aqui, só nos cumpre tratar, de maneira prática, as 
questões fumdamentais que dependem não propriamente da Gramática mas da Estilística.
Como princípio geral para o emprego dos tempos, seja dito desde já que o nosso espírito tende a 
tomar presentes, vividos actualmente, os factos que se deram no passado ou sucederão no futuro. A 
nossa imaginação e o nosso sentimento procuram referir tudo ao presente. Um exemplo: «Morreu 
o rei; o príncipe vai ao palácio e exige logo dos cortesãos o juramento de fidelidade». Por um 
verbo no perfeito (morreu) indicamos que se trata de um f acto passado; logo depois, para melhor o 
vermos, aproximamos de nós o passado e consideramo-lo presente; assim se justifica o 
emprego de vai e exige, em vez de foi e exigiu, como seria mais lógico. A este presente do passado 
costuma chamar-se «presente histórico». Temos boa amostra desse processo, que procura traduzir, 
de um modo pitoresco, o movimento e a vida, neste passo de Fr. Luís de Sousa: «No mesmo ponto 
que o piedoso prelado teve informação do que se passava, sem meter tempo em meio, deixou tudo: 
sai de casa e põe-se a caminho para ir confessar a ferida».
Vejamos agora um caso do futuro considerado como presente: «Amanhã chega o teu primo José; 
vais à estação esperá-lo». A fantasia e o sentimento aproximam de nós o facto futuro e incerto; a 
fantasia toma-o presente, o sentimento
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M. RODRIGUES LAPA
toma-o coisa certa - nem por sombras se admite que haja algum estorvo para a vinda desejada do 
primo José. Logicamente, aquela frase deveria ser assim redigida: «Amanhã chegará o teu primo 
José; irás à estação esperá-lo». Como vemos, a linguagem viva zomba da lógica, porque nela 
constantemente se exercem as forças da imaginação e do sentimento, que constituem, por assim 
dizer, os elementos primordiais do nosso ser.
Pelo que respeita aos modos, também a língua prefere aqueles que exprimem segurança e não 
incerteza da parte de quem fala. Na língua, como na vida, raro se deixa o certo pelo duvidoso. Este 
princípio geral vê-lo-emos aplicado mais adiante, com o modo do conjumtivo.
4. O perfeito e o mais-que-perfeito. - Em rigor, estes dois tempos não se devem confumdir. O 
primeiro serve para exprimir a acção passada, o segumdo a acção anterior a outra que já passou. 
Exemplos:
1. O mendigo chegou, faminto e cansado.
2. O mendigo chegou; já tinha andado seis léguas.
3. Todos se espantaram de que tivesse resistido tanto.
No primeiro exemplo indicamos um facto absolutamente passado, por meio do perfeito chegou. No 
segumdo, representamos duas acções nitidamente diferenciadas no tempo: primeiro, o mendigo 
andou seis léguas, e só depois chegou a determinado ponto. No terceiro, aparecem igualmente 
diferenciados os dois tempos da narrativa; mas, em vez do modo do indicativo, empregou-se o do 
conjuntivo, porque a acção agora é imaginada por alguém e não simplesmente indicada, como no 
segumdo exemplo.
Quando se trata porém de períodos longos, em que a sucessão dos tempos se não desenha com 
nitidez, o emprego dessas duas formas do perfeito leva por vezes a hesitações e
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
203
até a erros. Veja-se este trecho de um autor dos nossos dias:
«Padre Anselmo escapuliu-se, tão encolhido como entrara. O arquitecto ficara estupefacto. É certo 
que ele tomara todas as precauções e que a discrição do guarda fora adquirida bem cara.»
Aquele mais-que-perfeito ficara não se justifica bem ali, usurpando o lugar do perfeito -ficou. Seria 
legítimo empregar ficara, se o arquitecto se tivesse espantado antes de o padre se ter escapulido; 
mas é precisamente o contrário que quer significar o autor. O uso de ficara dá-nos a impressão de 
que o autor, em vez de narrar objectivamente a acção, está a contá-la indirectamente a outrem. 
Vejamos, sobre isto, um exemplo:
«O José Dias contou-lhe então o seu desastre:
- Fui regar a horta do Chico Gamelas; mas as travessas
do poço estavam podres, e eu caí, bati com a cabeça numa
pedra e estive vai-não-vai a afogar-me. Por sorte andava
por ali o Firmino, que acudiu aos gritos e me tirou do poço.»
Experimentemos pôr este dito do José Dias em discurso indirecto. Temos o seguinte resultado:
«O José Dias contou-lhe então que fora regar a horta do Chico Gamelas; mas as travessas do poço 
estavam podres, e ele caíra, batera com a cabeça numa pedra e estivera vai-não-vai a afogar-se. Por 
sorte andava por ali o Firmino, que acudira aos gritos e o tirara do poço».
Gramaticalmente, está impecável: todo o sucesso que se reproduza em discurso indirecto deve levar 
os verbos no mais-que-perfeito, porque há a noção de dois tempos passados: aquele em que fala ou 
medita a personagem, e o
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M. RODRIGUES LAPA
outro, anterior, em que se passam os factos que refere. Quando porém a narração é longa, a 
diferença dos tempos como que desaparece, e as duas formas podem ser empregadas. Assim, no 
trecho anterior, já podíamos escrever, no último período: «Por sorte andava por ali o Firmino, que 
acudiu aos gritos e o tirou do poço». O emprego do mais-que-perfeito dá de princípio a noção dos 
dois tempos passados, depois já se dispensa, por não ser fácil para quem conta e para quem ouve ou 
lê manter essa diferenciação cronológica: tudo tende a esbater-se num mesmo tempo passado. Há 
contudo escritores que mantêm fidelidade ao uso do mais-que-perfeito mesmo nas narrações 
compridas. Um deles é Ferreira de Castro. É sabido o cuidado com que ele marca nos seus 
romances, até por meio de sinais gráficos, o uso do discurso indirecto e semidirecto.
Os escritores antigos da Idade Média e do Classicismo empregavam muitas vezes o perfeito em vez 
do mais-que-perfeito, como se vê deste passo de Fernão Lopes: «taes i ouve que pensarom que eram 
alguus que nom veerom ao saimento»; e destoutro de João de Barros: «e por honra de sua ida lhe 
mandou Vasco da Gama entregar todolos mouros que tomou no zambuco». Onde se vê claramente 
que veerom está por tiinham viindo e tomou por tomara. O escritor moderno é mais rigoroso e sabe 
discriminar com maior clareza os tempos do passado.
Contudo, a falta de cuidado ou um sentimento confuso das leis da língua tem levado algums 
escritores a empregarem inadvertidamente o mais-que-perfeito, em lugar do perfeito. O contrário 
não seria tão desastrado, pois, como vimos, este último pode fazer as vezes do primeiro. E o que 
acontece neste bocado de prosa de José Lins do Rego:
«O seu editor viera prestar contas e Paulo o pusera para fora de casa. O homem se queixara na 
livraria: - O doutor Mafra estava meio fora de si. Parecia maluco. Pois
BSTILÍSTKA DA LLNGUA PORTUGUESA
205
fora levar-lhe o dinheiro das três edições do seu livro e ele me recebera como um inimigo.Devia 
ser a morte do irmão.» (Água-mãe, 4.a cd., 195).
Nos tempos sublinhados do discurso directo conviria pôr o perfeito em lugar do mais-que-perfeito, 
que ali se não justifica; foi por contágio do discurso indirecto que o grande romancista foi levado a 
usar tal tempo.
Quando isto se dá em escritores da envergadura do autor de Fogo morto, natural é que se dê em 
romancistas de menor categoria. Veja-se este trecho dum autor dos nossos dias, em que o mais-que-
perfeito toma indevidamente o lugar do perfeito:
«O primeiro movimento de Irene traduziu-se ein sacudir a mão de seu filho, como a querê-lo furtar à vista 
daquele homem. Mas logo se deteve, alquebrada. O fotógrafo, por um esforço heróico, balbuciara:
- É V. Ex.a que quer tirar o retrato ? Irene, muito pálida, calara-se. Depois dissera:
- Não sou eu-é o meu filho...
Álvaro Pestana, o fotógrafo, curvara-se e murmurara: ’
- Faz favor de se sentar!»
É manifesto que nos termos em itálico conviria empregar o perfeito e não o mais-que-perfeito, pois 
a narrativa progride sem retrocesso nem sobreposição de planos - prova de que aos jovens 
romancistas falta uma técnica não apenas gramatical mas estilística.
Há porém casos complicados, como este de Camilo, que escreveu: «Dissera o Sá de Miranda que 
poetas tudo pumham em flores, e de frutos nada havia que esperar» - (Doze casamentos felizes, 8.a 
ed., pág. 73). Seria mais correcto Disse; mas aqui deve entender se: «Já tinha dito, em tempos, Sá 
de Miranda, antes de outros que disseram coisas semelhantes». Temos aqui um jogo subtil dos 
tempos: o mais remoto
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M. RODRIGUES LAPA
(mais-que-perfeito) e o mais recente (perfeito), que nem sequer é assinalado.
O uso indevido do mais-que-perfeito, sobre baralhar os tempos da narração, dá ao discurso um tom 
remoto e artificial. Essa impressão é ainda agravada pelo uso que os escritores fazem do mais-que-
perfeito simples, que é hoje, salvo em algumas regiões do falar provinciano, uma forma banida da 
língua corrente, a qual só conhece a forma composta, muito mais expressiva, devido à presença do 
imperfeito e do particípio adjectivo. Deve porém advertir-se que, na língua do Classicismo, esse 
modo e tempo adquiriu matizes delicados de significação, que devemos ter presentes, se quisermos 
bem interpretar os respectivos autores. Veja-se, por exemplo, este formosíssimo soneto de Camões:
Doces lembranças da passada glória, que me tirou Fortuma roubadora, deixai-me descansar em paz 
ua hora, que comigo ganhais pouca vitória.
5 Impressa tenho n’alma a larga história deste passado bem, que numca fora; ou fora e não 
passara; mas, já agora, em mim não pode haver mais que a memória.
Vivo em lembranças, mouro de esquecido
10 de quem sempre devera ser lembrado, se lhe lembrara estado tão contente.
Oh, quem tomar pudera a ser nascido:
soubera-me lograr do bem passado,
se conhecer soubera o mal presente! *
Evocação de um amor passado, que se obstinava a perdurar na memória, todo o soneto gira em 
tomo de subtis
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 207
transposições de tempo e modo, que a língua clássica sabia exprimir pelo mais-que-perfeito 
simples. Damos o sentido (aproximado) dos diferentes passos do poema; e por aí se vê a extrema 
complexidade dessa forma verbal:
6, que numca fora = que oxalá numca tivesse existido;
7, ou fora e não passara = ou, a ter existido, numca tivesse passado;
10, devera = deveria;
11, se lhe lembrara = se lhe lembrasse;
12, pudera = pudesse;
13, soubera-me = saber-me-ia;
14, soubera = soubesse.
5. O imperfeito. - O perfeito marca de modo absoluto o fenómeno passado, sem relação com o 
presente nem com a pessoa que fala. É um tempo objectivo, sereno, próprio do historiador que 
narra as coisas sucedidas. Exemplo: «O príncipe morreu na guerra; deixou três filhos ainda 
meninos, que foram criados desveladamente pela princesa». Modifiquemos agora o período neste 
sentido: «O príncipe morreu na guerra ; deixava três filhos ainda meninos, que eram agora todo o 
cuidado da princesa». A primeira oração ainda representa friamente o passado; as duas outras 
receberam agora um tom diferente: como que nos transportamos ao passado, pela fantasia e 
pelo sentimento, e vivemos duradoiramente os sucessos. Enfim, temos um pé no presente, outro no 
passado. Mais um exemplo: «Chegámos ao cume do monte. Foi então um pasmo: em toda a volta 
erguiam-se outeiros verdejantes; regatos prateados e luzentes serpenteavam pelas encostas». 
Depois de mencionarmos o facto passado, com o auxílio do perfeito, queremos traduzir as 
impressões do caminhante, ao percorrer, um dia, esses lugares. Usamos o tempo da simpatia, que 
é o imperfeito.
Foram os escritores modernos que descobriram os recur-
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M. RODRIGUES LAPA
sos expressivos desta forma verbal, tão própria para o descritivo e para a narração. Os poetas e 
romancistas não são como os historiadores: encaram o passado como se fosse presente e tendem a 
viver nele com as forças da imaginação e do sentimento. Não são obrigados a uma rigorosa 
objectividade. De aí, a predilecção pelo «eterno imperfeito», como lhe chamaram.
Dir-se-á: se usar o imperfeito é viver no passado, por um esforço de simpatia, pode substituir-se 
naturalmente pelo presente histórico, ao qual está reservado o mesmo papel. Em parte, assim é: por 
isso, algums escritores modernos como, por exemplo, Joaquim Paço d’Arcos em Ansiedade, 
empregam o presente como tempo de narração: «Os camions penetram, com estrondo, no túnel da 
estrada. O portão volta a fechar-se. Ecoam tiros para as bandas de Alcântara. A revolução está na 
rua». Mas o presente histórico não faz mais do que aproximar de nós o passado, como uma lente 
que nos faz ver melhor os objectos distantes. O processo tem carácter visual; não se intromete nele, 
por via de regra, o sentimento nem a fantasia. No imperfeito estes factores intervêm em larga escala, 
e o próprio acto, vacilante entre o presente e o passado, carrega-se de misteriosa imprecisão e dá-
nos uma como que impressão de interminável. Os dois tempos aparecem por vezes misturados, 
como neste passo de Eça de Queiroz:
«Onofre, encostado ao parapeito, embebido na frescura e na paz do luar, sentia, naquele silêncio universal, o 
bater cansado do seu coração. Mas mesmo esses instantes de repouso os dava ao Senhor,
- atribuindo somente à sua misericórdia o impulso que o arrancara dentre os homens e o lodo em que eles se 
debatem, o trouxera à pureza desta solidão, onde a eterna verdade se avista tão claramente, como aquela 
grande lua, lustrosa e consoladora» ( Últimas páginas,
6.a ed., pág. 194).
Estamos vendo o processo: o autor instalou-se no passado, partilhando os sentimentos de Onofre, 
mas sem quebrar
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 209
por completo as ligações com o presente. Por isso empregou o imperfeito. Uma vez no passado, 
perdeu-se a consciência dos dois tempos, e tudo foi considerado actual. Daí o emprego do 
demonstrativo esta e do presente avista, que, em rigor, deviam ser substituídos por daquela e 
avistava. No português do Brasil, o imperfeito, contraposto ao presente, pode até adquirir um 
curioso significado de negação e dúvida, como neste passo de Érico Veríssimo: «Pensa que vai 
pescar um marido assim? Pescavas...})- (Clarissa,
3.a ed., 59). Em Portugal, num caso destes, diz-se antes: «É o pescas...» Compreende-se que a 
sugestão negativa resultou precisamente do choque entre um tempo claro como o presente e 
um tempo obscuro como é o imperfeito. Também no discurso chamado semidirecto o imperfeito 
desempenha papel importante. Já vimos, num capítulo anterior, em que consiste esse 
discurso, que serve para o monólogo interior e para reproduzir com viveza a fala das personagens. 
O autor põe-se na pele do orador, e ambos se encontram a contar o caso. Esta mistura estilística é 
obra do imperfeito. Veja-se este trecho, em que o parvo monumental que é o conselheiroAcácio é 
representado em dois discursos, o directo e o semidirecto. Trata-se do antigo Passeio lisboeta, ao 
domingo, que alguém dissera ser uma grande sensaboria:
« - Não serei tão severo, Sr. Brito! - Mas parecia-lhe que, com efeito, antigamente era uma digressão mais 
agradável. •- Em primeiro lugar - exclamou com muita convicção, endireitando-se - nada, mas nada, 
absolutamente nada pode substituir a charanga da Armada!
- Além disso, havia a questão dos preços... Ah! tinha estudado muito o assumto. Os preços diminutos 
favoreciam a aglomeração das classes subalternas... Bem longe do seu pensamento lançar desdouro nessa 
parte da população... As suas ideias liberais eram bem conhecidas.
- Apelo para a Sr.a D. Luísa!-disse.-Mas, enfim, sempre era mais agradável encontrar uma roda escolhida! 
E, enquanto a si, numca ia ao Passeio. Talvez não acreditassem, mas nem mesmo quando havia fogo de 
vistas! Nesses dias, sim, ia ver por fora das
14 - Estilística
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M. RODRIGUES LAPA
grades. Não por economia! Decerto não. Não era rico, mas podia fazer face a essa contribuição diminuta. Mas 
é que receava os acidentes! É que os receava muito! Contou a história dum sujeito, cujo nome lhe escapava, a 
quem uma cana de foguete furara o crânio. E, além disso, nada mais fácil que cair uma fagulha acesa na cara, 
num paletot novo... - É conveniente ter prudência -• resumiu, compenetrado, limpando os beiços com o lenço 
de seda da índia, muito enrolado» (O Primo Basílio, 15.a ed., pág. 120).
6. O conjumtivo. - Se o modo do indicativo exprime a realidade do facto, considerado em relação 
ao passado, presente e futuro, o do conjumtivo exprime a sua possibilidade, com todas as 
consequências que essa atitude de incerteza pode trazer para o espírito do homem: o sentimento da 
dúvida, o desconhecimento, o desejo, a surpresa, a probabilidade, etc. De um modo geral, 
exprimindo o conjumtivo o acto concebido pelo espírito, adquire por isso mesmo um tom abstracto 
e intelectual, que o toma pouco estimado da linguagem corrente. Vejamos este exemplo: «Como o 
encontrasse a ler, não lhe disse nada». A construção está correcta: o nosso espírito quer significar 
não tanto o acto de ele estar a ler, como a razão, o motivo de ele estar lendo. Por isso a oração de 
como é chamada causal. Mas sentimos que a construção é demasiado abstracta e preferimos dizer de 
outra maneira, embora talvez sem o mesmíssimo sentido: «Como o encontrei a ler, não lhe disse 
nada»; ou: ((Encontrando-o a ler, não lhe disse nada»; ou ainda: «Encontreio-o a ler e não lhe disse 
nada». Do conjumtivo passou-se para o indicativo e do imperfeito passou-se para o perfeito. Ficou a 
ideia mais clara, perdendo embora um pouco da sua subtileza.
Os Clássicos, que usavam mais do que nós o conjumtivo, talvez sob a influência da sintaxe latina, 
notaram o carácter intelectual desse modo e já procuravam substituí-lo. Umi exemplo de Fr. 
António das Chagas: «Acho-me destas bandas, e é provável que não hei de voltar a elas». A 
construção lógica seria antes volte. O escritor preferiu usar o
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 211
futuro perifrástico, transformando uma dúvida numa espécie de certeza futura. O mesmo se dava 
com a locução é possível, que hoje todavia construímos sempre com o verbo no conjumtivo. O 
P.e António Vieira usava nestes casos o indicativo, quando queria acentuar a realidade do facto 
e exprimir, por contraste, a surpresa provocada: «É possível que os peixes ajudam à salvação dos 
homens, e os homens lançam ao mar os ministros da salvação ?» Hoje, diríamos ajudem e lancem, 
por um regresso à lógica e ao pensamento abstracto. Essa tendência para o conjumtivo, que 
diminui o pitoresco, a visualidade do estilo, aparece, por exemplo, na linguagem de Teixeira-
Gomes, com uma insistência surpreendente: «Depois do jantar, como suceda que procuremos um 
banco na praça «Gil Vicente.» - «Mas, porque em todas essas igrejas os mesmos variados estilos se 
encontrem representados». É uma das provas, e das mais curiosas, da ordenação lógica, do 
«classicismo» do seu estilo.
Vejamos agora este modo corrente de dizer: «Se tem plantado essa árvore, já tinha ameixas para o 
ano!» O modo lógico, gramatical de dizer isto, seria: «Se tivesse plantado essa árvore, já teria 
ameixas para o ano!» Mas a linguagem familiar, que se move por razões que não são propriamente 
as lógicas, prefere às incertezas e hipóteses do conjumtivo e do condicional as realidades presentes 
do indicativo. Sempre a mesma tendência para reduzir passado e futuro ao presente, e transformar 
a dúvida mortificante em certeza consoladora.
7. O imperativo. - Há em português dois imperativos, ao contrário do que sucede em outras 
línguas, como no francês e italiano: um imperativo positivo e outro negativo. Exemplo: - Vai 
depressa! - Não te demores ! - Vinde cedo!
- Não venhais tarde! O primeiro é expresso por uma forma que corresponde praticamente à 2.a 
pessoa do singular e do plural do presente do indicativo, com um s a menos: acaba, acabai, resolve, 
resolvei, parte, parti. Este imperativo marca
212
M. RODRIGUES LAPA
uma ordem dada com energia. O outro é expresso pelo conjumtivo; e como este modo é um veículo 
de dúvidas e vacilações, compreende-se que a ordem proibitiva seja mais atenuada do que a ordem 
positiva, em que se manifesta fortemente a vontade do ordenante. Nas antigas línguas dava-se isso: 
as diferentes atitudes de quem fala eram traduzidas em modos diferentes. O português conserva 
com felicidade essa primitiva diferenciação.
Porém a força da analogia e certa desatenção das subtilezas faz que não raro se ouça e até se escreva 
o segumdo imperativo com a forma do primeiro: -Não vinde tarde!
- Não sede apressados! - Não crede nisso! É forma usual na língua popular brasileira, como se vê da 
cantiga: «Não tomai outros amores / sem saber meu fim primeiro». Camilo notou numa tradução do 
«Hamlet» de Shakespeare esta «bestialidade ingramatical», como lhe chama: «Sede razoável, não 
ide». O tradutor arrepelou-se diante da forma arcaica vades, ali devida, e cometeu um erro de 
gramática. Aliás, essa forma da 2.a pessoa do plural não se usa em estilo corrente e tem carácter 
antiquado. No estilo familiar substitui-se pela 3.a pessoa: - Não venham tarde! - Não sejam 
impacientes !
Também se verifica a tendência inversa: para atenuar a dureza do imperativo categórico, emprega-
se o conjumtivo: «Sejas bem-vindo, meu querido amigo». Sente-se perfeitamente que a forma sejas 
é menos seca, mais doce e afectiva do que sê. É a isto que se chama o conjumtivo optativo, por 
traduzir um desejo da pessoa que fala.
Quando a ordem é dada a um conjumto de pessoas indeterminadas, ou quando se quer diminuir a 
importância da pessoa a quem se fala, fazendo incidir a atenção sobre o acto em si, emprega-se o 
infinitivo. Exemplo: «Não abrir com o comboio em andamento». - «Boas novas vos trago. Alegrar, 
que é chegada a hora de vos irdes para o céu!» - «Vingar, rapazes! Fartar, vilanagem!»
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
213
8. A «endorreia». - É assim que os puristas chamam ao abuso do gerúndio e ao seu uso pouco 
vernáculo, em frases como esta: «Recebeu uma caixa contendo roupa». A construção cheira a 
francesia, e é na verdade contrária aos usos da língua clássica e popular, que diria a frase mais 
portuguêsmente: «Recebeu uma caixa que continha roupa», ou «Recebeu uma caixa com roupa 
dentro». O problema consiste em saber se de facto o uso do gerúndio traz vantagem estilística sobre 
os outros processos. O argumento do «classicismo» não serve: não podemos nem devemos escrever 
hoje como no tempo de Fr. Luís de Sousa.
No caso em questão, o primeiro modo proposto é estilisticamente inferior: a oração relativa com o 
imperfeito tem carácter artificial, sendo a construção, além disso, demasiado longa e malsoante. E 
ainda soaria pior, se outra relativa lhe acrescentassem: «Recebeu uma caixa que continha roupa, que 
a tia lhe mandara».Não há dúvida pois que o uso do gerúndio é em certos casos preferível à oração relativa, sobretudo 
quando não temos o recurso acertado, expressivo, das preposições. Não abusemos dele, mas não 
hesitemos em empregá-lo, sempre que o reconheçamos superior a outros modos de escrever. Tem 
um poder caracterizador semelhante ao adjectivo, como se vê deste passo de Eça de Queiroz: «Os 
seus braços redondinhos descobriam por baixo, quando se erguiam, prendendo as tranças, fiozinhos 
louros f ris ando e fazendo ninho». Nenhum outro processo daria o colorido movimentado do 
gerúndio na caracterização do objecto. Para que havemos pois de banir da língua este instrumento 
expressivo, sob a acusação de que não era usado pelos nossos tresavós e nos veio directamente d o 
francês ? O que aliás não é inteiramente verdadeiro, pois se apontam exemplos dessa construção 
em autores como o P.e Manuel Bernardes e Alexandre Herculano. Para se avaliar até que ponto de 
exageração ridícula
214
M. RODRIGUES LAPA
pode levar o medo da «endorreia» acoimada pelos puristas, veja-se esta frase, dum autor brasileiro 
dos nossos dias: «Outras reformas realizadas nos últimos anos e versantes sobre questões 
financeiras». O infeliz vernaculista quis evitar o «galicismo» versando, que é o que convém na 
frase, e foi buscar um mostrengo arcaico, incompreensível e inadmissível para os hábitos da língua 
actual.
9. O particípio. - Sabido como há verbos com dois particípios, um regular, outro irregular, é ainda 
um problema de estilo o uso de um e de outro nas formas compostas. Como diremos: «O lavrador 
tinha matado o porco», ou «O lavrador tinha morto o porco ?» A Gramática ensina-nos que ambas 
as formas são correctas, mas que com os verbos ter e haver é mais usual o particípio regular. 
Compete à Estilística dar a razão do facto, que a Gramática raramente explica.
Nos chamados particípios irregulares (morto, aceso, ganho, gasto, salvo, etc.), a forma verbal 
cristalizou, por assim dizer, num adjectivo. Uma vez concluída a acção, surgiu um estado que 
necessita de ser definido por meio dum adjectivo verbal. Por isso se diz: «O homem está morto». 
«O candeeiro ficou aceso». - «A tripulação foi salva». Morto, aceso, salva são verdadeiros 
adjectivos que caracterizam o sujeito. Já se dissermos: «Tinha acendido o candeeiro» - «Têm 
matado todas as perdizes» - o particípio regular dá-nos uma noção verbal, activa, do fenómeno 
realizado.
Em resumo: com os particípios irregulares exprimimos sobretudo o estado; com os regulares 
traduzimos a acção. Os primeiros têm um carácter parado, estático; os segumdos são vivos e 
dinâmicos. Quando ouvimos dizer: «Tinha matado o porco», temos a representação súbita do acto e 
da complicada operação que se lhe segue. A outra forma, «Tinha morto o porco», não causa em nós 
o mesmo efeito e até se pode confumdir com outra, que nos dá uma ideia bem diferente: «Tinha o 
porco morto». Os escritores, sobre-
ESTILlSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 215
tudo os grandes, que têm o fino sentimento da língua, viram bem o caso. E um deles, apoiado no 
uso popular, não hesitou em empregar matado, contra as regras da Gramática, mas seguindo as da 
Estilística: «E foram os próprios animais que, matada a sede, retomaram a marcha». -• (Guimarães 
Rosa, Sagarana, pág. 178). Se escrevesse morta, o efeito não era o mesmo; aquele matada, com 
sentido progressivo, está em vez de tendo matado.
Nota-se modernamente certa inclinação para as formas irregulares, mesmo quando empregadas com 
o verbo ter. É o caso de ganho, gasto, salvo, eleito, escrito. Parece haver certa preferência pelas 
dicções: tenho ganho, tenho gasto, tinha salvo, tinha eleito, tenho escrito. É naturalmente uma 
questão de analogia. A linguagem corrente, cuidada, menos sensível às delicadezas de significado e 
amiga das formas curtas, prefere o adjectivo para representar o estado e a acção; mas ainda nestes 
casos continua a ser correcto, quando intervém o verbo ter, o emprego do particípio regular. O povo 
analfabeto, com intuição profumda, dá-lhe preferência.
12.
A CONCORDÂNCIA
1. O erro de concordância. - Uma das coisas que mais profumdamente distinguem a Gramática da 
Estilística é o conceito de erro: ao contrário do que sucede na Gramática, em Estilística não há 
propriamente erros, porque para os maiores desvios é achada uma determinante psicológica, natural. 
A Estilística tem por missão explicar, esclarecer; a Gramática sistematiza e impõe normas, muitas 
vezes com rigidez excessiva. A teoria da concordância, encarada sobretudo na sua evolução 
histórica, demonstra perfeitamente esta diferença fumdamental entre as duas disciplinas.
Suponhamos que um aprendiz de estilo escreve uma frase destas: «Dá um aspecto interessante, os 
prédios com as janelas cheias de luz». Um gramático censura logo a frase e aponta a falta de 
concordância entre o verbo e o sujeito:--Aquele dá está errado: devia escrever-se dão. O técnico do 
estilo não se deixa levar por esse argumento, e procura, com base na psicologia, esclarecer aquela 
infracção. Quem assim escreveu como que antecipou a sua visão e considerou não os prédios na sua 
variedade, mas no seu conjumto. Daí, o emprego do singular pelo plural. Que essa operação é 
natural, prova-o o seguinte passo de Francisco de Morais, no Palmeirim de Inglaterra: «Por onde 
não é pouco de estimar as conversações virtuosas e de homens sábios». Aquelas conversações são 
tidas como um todo, de que se extrai qualquer coisa frutuosa. com esse todo, com essa coisa 
concorda aquele é.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
217
Vemos pois que, a quatro séculos de distância, coincidiram num mesmo processo de estilo o 
aprendiz e o escritor quinhentista. Deste modo, abonada como anda com um exemplo clássico, é 
provável que o gramático feche os olhos à irregularidade.
Outro erro, muito frequente: «O emprego destes termos demonstram bom conhecimento da 
língua». Está-se vendo a origem do deslize: o verbo, em vez de concordar com o sujeito 
(emprego), foi atraído para o complemento determinativo no plural (destes termos). O gramático 
não deixará de censurar a construção, como errónea; só admite tal concordância, a que chama 
«atractiva», quando o sujeito for um nome colectivo, como por exemplo nesta frase: «Um bando 
de corvos pairavam sobre o cadáver». O estilista porém não sente dificuldades em provar que 
aquela construção era usual no período clássico e já vem do século xiv, como se vê deste passo do 
Orto do Esposo: «Em um monte há uas árvores de maravilhosa altura, e o fruito delas som de mui 
bom odor». Um exemplo apenas de Jorge Ferreira de Vasconcelos, escritor clássico bem 
conhecido: «Só a graça desses olhos venceram os brutos animais».
Estas amostras, a que muitas outras se poderiam jumtar, dizem-nos com suficiente clareza que a 
concordância é um campo muito vasto, em que certas combinações da inteligência, da imaginação e 
da vontade andam constantemente em briga com a lógica gramatical. Daqui resulta constituir um 
dos capítulos mais discutidos do estudo da língua. Evidentemente, não podemos aceitar como bons 
todos os caprichos da fantasia; há necessidade duma certa ordem, duma razoável disciplina; mas 
não vamos também, em nome deste princípio, deixar de reconhecer os direitos do espírito criador e 
a beleza sugestiva de certas liberdades.
No sistema da concordância dá-se precisamente o contrário do que sucede em outros domínios da 
história do idioma: os exemplos da língua antiga autorizam as maiores
218
M. RODRIGUES LAPA
irregularidades da língua moderna. Qualquer dos exemplos de construção irregular por nós 
apresentados é verdadeiramente inofensivo, se o compararmos às audácias dos escritores bem 
vernáculos dos séculos xvi e xvn. Vejam-se apenas estas quatro frases, respectivamente de Heitor 
Pinto, João de Barros, Francisco de Morais e Fr. António das Chagas:
1. A formosura de Paris e Helena foram causa da destruição de Tróia.
2. Os povos destasilhas é de cor baça e cabelo corredio.
3. Foi D. Duardos e Flérida aposentados no aposento que tinha o seu nome.
4. Pouco importa que tenha a casa cheia de pérolas e diamantes, se se não aproveita delas.
Se atentarmos bem nestas frases e nas outras já apresentadas, vemos que esses desvios aparentes de 
concordância se explicam sobretudo por três motivos: um, que consiste em concordar as palavras 
não segumdo a letra mas segumdo a ideia; outro, segumdo o qual a concordância varia conforme a 
posição dos termos do discurso; e um terceiro, que traduz o propósito de fazer a concordância com 
o termo que mais interessa acentuar ou valorizar. A l.a e 2.a frases são um exemplo dessa 
concordância mental, a que se chama «silepse». Na primeira, como se trata de duas pessoas, 
consideram-se dois exemplos de formosura, e por isso se pôs o verbo no plural. Na segumda frase, 
temos em mente, para além do plural, a imagem colectiva, representada por a população, a gente. 
No terceiro exemplo, sentimos perfeitamente que o singular foi se deve apenas à sua localização no 
princípio da frase; se pusermos o verbo depois do sujeito, já não é possível essa construção: «D. 
Duardos e Flérida foram aposentados...». Enfim, na 4.a frase, hoje diríamos
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
219
antes deles; mas o autor preferiu referir-se a pérolas, por ser para ele a palavra mais expressiva e 
poética.
Que havemos de concluir de tudo isto ? Que o que hoje se afigura aos olhos do gramático um erro 
ou uma impropriedade foi largamente empregado pelos nossos melhores escritores clássicos. 
Camões, em tudo criador e genial, usou largamente de todas estas liberdades de concordância. É 
que, de um modo geral, o sistema da concordância tem evoluído de forma que se têm refreado as 
liberdades da silepse em benefício da concordância literal. Tem sido o triumfo da lógica sobre a 
imaginação. E resulta daí, não há dúvida, maior disciplina e maior clareza.
Vamos ver como, na oficina de um grande escritor, se processa este trabalho de clarificação e 
melhoria do estilo. Na l.a versão da sua novela, Singularidades duma rapariga loura, em 1874, Eça 
de Queiroz escreveu: «e parecia a Macário que todo o céu, a pureza, a bondade das flores e a 
castidade das estrelas estava naquele claro sorriso». O autor, nas edições seguintes emendou para 
estavam, e teve boas razões para isso: aquele sorriso espelhava todos os elementos e não apenas o 
céu.
É pois sempre lícito aos artistas escolher a concordância que melhor lhes parece. Os gramáticos, é 
claro, reagem contra isto. Para eles, não devia haver liberdade de escolha, e é sempre lamentável 
que uma regra tenha excepções. Vejamos o que diz sobre isto o gramático brasileiro Carlos Gois, 
autor do mais completo tratado de concordância em português: «A língua portuguesa tende cada vez 
mais a umiformizar-se: procura pois estratificar as suas formas de dizer, fugindo ao sincretismo, que 
deve ser um fenómeno antes das línguas ainda em formação do que de um idioma já emancipado e 
construído».
Estamos vendo aonde se quer chegar: ao ideal duma língua acabada, única, onde não haja essa 
pululação de formas e construções, esse «sincretismo», que tanto arrelia os
220
M. RODRIGUES LAPA
ordenadores das regras gramaticais. Ora a língua não acumula formas de dizer e escrever só por 
amor à variedade. Essas variantes traduzem outros tantos matizes do sentimento e da ideia. Não são 
portanto formas equivalentes, meios supérfluos de expressão. No dia em que atingíssemos o ideal 
(impossível) de uma língua perfeita, dissecada, sem excepções, teríamos matado a Arte. Ora, morrer 
por morrer, que morra antes a Gramática...
2. O verbo e o sujeito. - Mencionaremos apenas os casos mais interessantes da concordância do 
verbo com o sujeito:
a) Sujeito colectivo. - Sempre que se nos depara um sujeito colectivo, podemos ter a respeito dele 
uma dupla representação: a do todo e a das partes de que se compõe. O termo floresta pode sugerir-
nos uma noção global, abstracta de quantidade: ou então podemos ver as árvores uma a uma, e 
teremos assim uma representação parcial, concreta, de qualidade. Estas duas operações 
desempenham papel importante na concordância do verbo com o sujeito colectivo, porque umas 
vezes interessa-nos mais chamar a atenção para o conjumto, outras para o seu desdobramento em 
partes.
Diríamos hoje: «O povo pediu-lhe que se chamasse Regedor». No período antigo da língua, no 
tempo de Fernão Lopes, esta frase foi por ele assim construída: «O povo lhe pediram que se 
chamasse Regedor». O verbo pôs-se no plural, porque o sujeito, povo, era um colectivo. Hoje seria 
impossível esta concordância, por brigar contra a lógica; mas o grande escritor que era Fernão 
Lopes não via no povo uma entidade abstracta, antes qualquer coisa de muito concreto e de muito 
vivo, que fervilhava pelas ruas e praças de Lisboa, na ânsia de escolher um rei. A construção 
moderna, com o singular, é mais lógica, mais intelectual; a construção antiga é mais pitoresca, mais 
visual. Menos capaz de abstracções, o português de outros tempos tinha
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
221
a tendência para pluralizar os seres colectivos. Afonso X, João de Barros, Camões, Fr. Luís de 
Sousa, para só citarmos os grandes, usaram largamente do processo, preferindo a concordância 
mental à morfológica e tirando disso curiosos efeitos expressivos, como se vê destes exemplos, que 
vão por ordem respectiva: «O convento levaron logo dali a moça». - «O sacerdote peça também ao 
povo que roguem a Deus pela alma do Infante». - «A fermosa e forte companhia / o dia quase todo 
estão passando». - ((Gente que faziam conta que tinham a presa certa».
De João de Barros há outro exemplo curioso de concordância mental: «Ajumtou dous batéis pêra 
andar com fisga e arpões a eles (baleatos), o qual passatempo lhe houveram de custar a vida». O 
verbo pôs-se no plural, porque a atenção está fixada sobre os dois batéis. O passatempo era 
constituído por duas pescas diversas: a da fisga e a do arpão. A essa diversidade se refere o verbo no 
plural.
Parecido com este é aquele caso do verso do Crisfal, que tem quebrado a cabeça aos comentaristas: 
«houve um pastor e pastora / que com tanto amor se amaram / como males lhe causaram / este bem, 
que numca fora». Devia ser causou; mas como bem se refere aos dois, o verbo concorda não com o 
termo abstracto no singular, mas com a imagem concreta dos dois personagens.
Na língua moderna - dissemos - esta concordância é impossível, o que não obstou a que Mário de 
Andrade assim escrevesse: «e o casal esqueceram que havia mumdo» - (Macumaíma, 56). Contudo, 
quando o sujeito colectivo está mais distanciado do verbo, já este se pode pôr no plural, à 
semelhança da construção antiga. Veja-se num exemplo de Garrett: «O resto do exército realista 
evacua neste momento Santarém; vão em fuga para o Alentejo». O primeiro verbo ainda se pôs no 
singular, por estar sob a influência próxima do colectivo; o outro já foi para o plural, tomando-se a 
imagem mais concreta e mais viva: agora já não é um grupo
222
M. RODRIGUES LAPA
umido e disciplinado, mas uma turba em desordem, mais ou menos dispersa, que se retira. Todo este 
efeito se conseguiu com aquele primeiro verbo no singular e com o segumdo no plural.
O filólogo brasileiro Said Ali explicava o verbo no plural como um propósito nos escritores, que 
pretendiam impressionar pelo número elevado de indivíduos. Não é bem essa a razão, como se 
demonstra por aquele último exemplo. O autor, com o uso do plural, quer dar um efeito visual. O 
plural, dissociando o número, faz evidenciar as partes e cria o pitoresco. O exemplo de João de 
Barros, aduzido por Said Ali, ilustra bem o facto: «Vendo os nossos como a gente destas terradas 
andavam nadando por se acolher a terra». Como que estamos vendo os grupos dispersos de mouros, 
fustigados pelos portugueses, nadando aflitivamente em direcção à praia.
b) Sujeito múltiplo. - Quando o sujeito se compõede vários elementos justapostos, é de boa lógica 
que o verbo se ponha no plural: «O urso e o lobo são animais ferozes». No nosso espírito há a 
dissociação clara desses dois elementos. Esta regra geral sofre porém importantes excepções, todas 
elas subordinadas mais ou menos ao princípio já exposto: a tendência para associar ou dissociar as 
partes, a posição dos termos concordantes, e a intenção do autor em salientar um dos termos. Os 
gramáticos registam, ao todo,
16 excepções. Vejamos os casos mais representativos:
Quando as partes do sujeito múltiplo forem expressões sinónimas ou formarem um todo indiviso, o 
verbo põe-se geralmente no singular. O conhecido passo de Camões comprova bem o caso: «Triste 
ventura e negro fado os chama neste terreno meu». Segumdo os gramáticos, é de rigor omitir o 
artigo antes do segumdo termo, como nesta frase de Diogo do Couto: «A mágoa e dor lhe 
ressuscitou o entendimento». Se puséssemos o artigo antes de dor, já os dois
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
223
termos não ficavam bem sinónimos, e o verbo devia, em rigor, pôr-se no plural: «A mágoa e a dor 
lhe ressuscitaram o entendimento». com efeito, a fumção do artigo definido é a de particularizar o 
objecto; e para que dois ou mais elementos possam formar um todo, é necessário que não se 
acentuem as particularidades que os distinguem.
Contudo, casos há em que essa particularização e a proximidade do verbo conspiram para dar ao 
último elemento um lugar marcante na frase. Então, já a concordância se pode fazer com ele. É o 
que sucede nesta frase do P.e António Vieira: «Que caia Simão, está muito bem caído; que morra, 
também estaria muito bem morto, que o seu atrevimento e a sua arte diabólica o merecia». 
Compete aos bons escritores construir a frase de maneira que esse elemento que determina a 
concordância e tem significado mais importante esteja colocado no lugar que lhe é devido. Mas nem 
sempre assim sucede. D. Francisco Manuel de Melo violou este princípio, no seguinte curioso 
passo do seu apólogo O escritório avarento sobre o poder do dinheiro: «e possa aquele curto 
interesse fazer maiores e menores homens aqueles que Deus e a Natureza fez iguais». A palavra 
de significação fumdamental é evidentemente para o autor o termo Deus, que devia pôr-se em 
segumdo lugar, próximo do verbo. Mas no estilo, como na vida, também há o sentimento das 
desigualdades. Seria pouco decente para um católico do século xvn pôr a Natureza à frente de 
Deus, além de que a frase resultaria muito pouco musical: «...aqueles que a Natureza e Deus fez 
iguais». Uma outra série de considerações deveu influir no espírito do autor: os sujeitos Deus e a 
Natureza formam um todo, em que sobressai naturalmente a ideia de Deus, de que a Natureza era 
uma espécie de emanação, um símbolo. A doutrina religiosa do tempo impumha portanto a 
umidade dos dois conceitos, logo, o verbo no singular. Hoje diríamos antes fizeram, porque, 
com o gradual enfraquecimento da ideia de Deus,
224
M. RODRIGUES LAPA
os dois conceitos já são equivalentes e separáveis. É um exemplo curioso de como o ambiente 
espiritual pode actuar no processo da concordância.
Suponhamos agora esta frase: «A astúcia e a coragem valeram-lhe de pouco». O verbo põe-se 
normalmente no plural. Mas se colocarmos o sujeito depois, já o verbo se põe em regra no singular, 
concordando com o elemento mais próximo: «De pouco lhe valeu a astúcia e a coragem». Também 
podemos dizer valeram; mas é mais natural, mais recomendável pôr o verbo no singular, sobretudo 
quando se trata de nomes abstractos. A explicação não é difícil: vindo o sujeito antes, somos levados 
a realizar uma operação de contagem, uma adição, pondo por isso o verbo no plural. No caso 
inverso, a forma verbal tem de ser fixada antes de se proceder à contagem e é naturalmente atraída 
pela forma do primeiro elemento do sujeito. Que isto é assim, prova-o o facto de, ainda que o 
segumdo elemento esteja no plural, o verbo concordar com o mais próximo, como se vê por este 
exemplo de Garrett: «Hoje mesmo estará em minha casa o tabelião, as testemumhas e os nossos 
parentes». Esta antecipação, própria da linguagem oral, impôs-se depois à linguagem escrita. É 
elucidativo verificar, a este respeito, que aquela frase de Garrett é tirada de uma das suas comédias.
c) Sujeito - Pronome relativo. - Repare-se nas duas frases portadoras de duas concordâncias: «Sou 
um pobre homem que não faço mal a ninguém». - «Sou um pobre homem que não faz mal a 
ninguém». A filáucia gramatical pretende banir a segumda construção, só porque não é abonada por 
Camões e Bernardes; e assim se contraria o uso vivo da língua, para a qual as duas frases têm um 
valor estilístico diferente. O primeiro modo de dizer é mais enérgico e mais afectivo, por concentrar 
todo o interesse na primeira pessoa: é um processo lírico. A segumda construção, com o verbo na 
terceira pessoa, perde intensidade afectiva e
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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toma-se propriamente narrativa. De modo que as duas concordâncias, não sendo equivalentes, 
deverão conservar-se e empregar-se conforme as circumstâncias. E assim se faz efectivamente, 
queiram ou não queiram os gramáticos.
Um caso também muitas vezes debatido tem sido o da concordância de frases como esta: «Foi dos 
primeiros que chegou lá acima». Os gramáticos censuram esta forma e preconizam, conforme à boa 
lógica, o verbo no plural: «... que chegaram lá acima». Ora a verdade é que os Clássicos usaram 
também a primeira forma, como se pode ver destes dois exemplos de Fr. Luís de Sousa e de Manuel 
Bernardes:
1. Foi uma das primeiras terras de Espanha, que recebeu a fé de Cristo.
2. Uma das cousas, que derrubou Galba, foi tardar algum tanto.
Tudo depende afinal em saber qual é o antecedente do pronome relativo: se uma, se o plural que se 
lhe segue. Vê-se bem que os dois escritores empregaram o verbo no singular, porque querem 
chamar mais vigorosamente a atenção para uma terra e para uma cousa; o plural faria com que essa 
terra e essa cousa se não distinguissem perfeitamente do grupo das outras, em cuja companhia vêm 
mencionadas. Este caso de dupla concordância dá-se em outras línguas. E a Academia Francesa 
teve, em 1798, o bom senso de admitir o singular ou o plural em frases como esta: «A astronomia é 
uma das ciências que mais honra (ou honram) a humanidade». Seria a nossa capaz desta 
liberalidade ?
d) Sujeito com o verbo no infinitivo. - Dizem os gramáticos que é indiferente o uso do singular ou 
do plural, em frases como estas:
1. As estrelas parecia sorrirem.
2. As estrelas pareciam sorrir.
15 - Estilística
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M. RODRIGUES LAPA
A primeira construção é mais clássica, mais literária, a segumda mais popular e corrente, mais 
própria da língua falada. Estilisticamente, o emprego do verbo parecer no singular, sendo mais 
lógico, entorpece o valor da representação, toma-a mais abstracta e intelectualiza a frase; apenas o 
infinito pessoal dá vida à imagem. Na segumda frase, mais afectiva, aquele infinitivo impessoal 
lança um pouco de frialdade sobre a representação. Por isso há a tendência para se dizer: «as 
estrelas pareciam sorrirem», embora os gramáticos só admitam a construção, quando o infinitivo 
estiver a uma certa distância de parecer, como na seguinte frase de Herculano: «As aves aquáticas 
pareciam, nos seus voos incertos, ora vagarosos, ora rápidos, folgarem com os primeiros dias da 
estação dos amores». O certo é que escritores da envergadura dum João de Barros empregavam já 
no século xvi aquela concordância: «Vinham assi ordenados em fieiras que pareciam virem na 
ordem das procissões». Como diz Said Ali, que tratou magistralmente a questão, «a desinência 
pessoal no infinitivo deixa-nos como que ver os contomos e o desenho da imagem do sujeito».
A este respeito, os gramáticos denumciam a impropriedade do infinitivo pessoal em frases como 
esta de Bernardim Ribeiro: «Vi as aves buscaremseus poisos». Ora a verdade é que a forma pessoal 
é muito mais expressiva, pelo que contém de visualidade, de pitoresco. Há como que um 
prolongamento da visão, que nos permite descer às particularidades do objecto em movimento, o 
que não se dá com o infinito impessoal, de uma secura abstracta, parada.
e) Sujeito com o verbo pronominal seguido de infinitivo. - Os gramáticos costumam pronumciar-
se sobre a vernaculidade das duas frases seguintes:
1. Não se deve infringir as leis.
2. Não se devem infringir as leis.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
227
Preferem a segumda, para que não possa parecer que o se da primeira fumcione como sujeito. Ora é 
precisamente isso que se não pode nem deve evitar. O valor estilístico daquelas formas é hoje 
diferente: no primeiro caso chama-se a atenção, por meio do reflexo, para a pessoa, indeterminada, 
susceptível de infringir as leis; no segumdo caso, devido à concordância, a atenção recai toda no 
objecto - as leis. Não se pode pois banir uma forma em proveito da outra.
O autor clássico Fr. António das Chagas escreveu: «De tão longe não se pode dar regras para a 
oração». Pôs o verbo no singular, poique quis expressamente realçar a impossibilidade do sujeito, 
inibido de dar conselhos por estar muito longe. É claro que aquele se, neste caso, queiram ou não 
queiram os gramáticos, fumciona como sujeito e equivale a um pronome indefinido: uma pessoa, 
um sujeito, a gente. O galego moderno soube conservar felizmente esse indefinido: «um (= uma 
pessoa) non debe infrinxir as leises», seguindo as pisadas do francês: «on ne doit pás enfreindre lês 
loís» e remoçando a antiga construção galego-portuguesa: «omen non deve...». Vem pois de muito 
longe esse emprego, não é galicismo, e introduz um matiz de significação que é das coisas mais 
felizes do idioma. Os gramáticos nada podem contra isso.
3. O adjectivo e o substantivo. - Segumdo a regra geral, o adjectivo concorda em género e número 
com o substantivo. Nada mais lógico. A dificuldade aparece quando há mais de um substantivo de 
número e género diferentes, quando há mais de um adjectivo ou quando o adjectivo é um nome de 
cor. Vejamos esta frase: «Revelou actividade e energia desusada». Dizem os gramáticos que, em 
casos destes, tanto faz empregar o adjectivo no singular como no plural; mas que a concordância no 
singular é mais do génio da língua. Pode ser; mas o que importa é acentuar que as duas frases não 
são equivalentes em poder expressivo. Quando dizemos
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«actividade e energia desusada», sentimos que o adjectivo só qualifica, por assim dizer, o 
substantivo que lhe está imediatamente próximo; se dissermos «actividade e energia desusadas», já 
o plural abrange por igual o grupo dos substantivos. Para evitar que o primeiro substantivo fique 
sem ser qualificado, a língua fá-lo geralmente preceder de um elemento de caracterização, o artigo 
indefinido: «Revelou uma actividade e energia desusada», E esse será, jumtamente com a forma do 
plural, o melhor estilo, por não deixar na sombra um dos elementos a caracterizar. Podemos pois 
tirar disto uma conclusão: será sempre melhor concordância aquela em que o adjectivo possa 
qualificar todos os substantivos a que diz respeito.
Este princípio veiifica-se quando há dois ou mais substantivos no singular, de género diferente. 
Então, o adjectivo põe-se em legra no masculino do plural: «Tinha a cabeça e o tronco 
monstruosos». Não podemos dizer monstruoso, porque perdemos de vista a cabeça. Quando, 
porém, os substantivos são abstractos, o caso é já diferente. Tanto podemos dizer «Isso requer 
estudo e paciência demorados» como «Isso requer estudo e paciência demorada»; mas a 
concordância com o mais próximo (demorada) é ainda a mais corrente. Como explicar esta 
irregularidade ? Os gramáticos preceituam esta concordância, sempre que os substantivos são 
sinónimos («O furor e raiva humana»); mas aqui não se trata de termos sinónimos. A explicação 
só pode ser uma: dois nomes abstractos, desde que não sejam antónimos, tendem a formar no nosso 
espírito um todo indivisível. Ora a fumção do plural, como temos visto, é a de dissociar as partes, 
tomando-as mais concretas, mais visuais. Daí, o emprego do singular.
Se há dois substantivos de género e número diferente, o adjectivo tende a concordar com o mais 
próximo. Os gramáticos citam os seguintes exemplos clássicos: «com pescoço e mãos velosas»; «o 
estudo e profissão monástica». O mesmo j
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 229
se dá quando ambos os substantivos estão no plural: «terra e mares afastados», «mares e terras 
desconhecidas». Contudo, esta tendência clássica está muito longe de ser geral. Houve e há 
inclinação para pôr o adjectivo no masculino do plural, sobretudo quando um dos substantivos, 
embora não o mais próximo, está neste género e número. Assim, podemos dizer «estudos e 
profissão monásticos», «mares e terras desconhecidos»; mas fica sempre duvidoso se não há uma 
leve diferença de sentido entre estes vários modos de concordar. Na verdade, quando dizemos 
«por mares e terras desconhecidas», aludimos sobretudo à ignorância em que estamos das terras; se 
dizemos desconhecidos, pomos os dois nomes ao mesmo nível, quanto ao desconhecimento em que 
estamos de ambos.
Esta atracção do mais próximo dá-se ainda quando o adjectivo está colocado antes dos substantivos. 
É um caso semelhante àquele do verbo antes do sujeito múltiplo: teremos de fixar antes de mais 
nada a forma do adjectivo, e, naturalmente, pomo-lo de acordo com o substantivo mais próximo; 
não temos tempo de fazer a contagem e a discriminação dos géneros. É o que se vê nesta frase de 
Garrett: «Informada a princesa e seu cortejo».
Analisemos agora exemplos em que aparece o substantivo no plural e dois ou mais adjectivos no 
singular. Carlos Gois menciona as seguintes frases, de Camões e P.e Manuel Bernardes: «O quarto 
e quinto Afonsos». -• «Mui versado em línguas grega, hebraica, siríaca, caldaica». O gramático 
brasileiro chama a esta sintaxe «ilógica», porque ofende a hierarquia gramatical, pondo o 
substantivo subordinado ao adjectivo. E abona-se com o povo, que não pratica essa concordância 
pretensiosa, com a qual os literatos cuidam realçar o estilo. O gramático brasileiro não viu bem a 
questão. Quando fazemos uma citação numérica de dois ou mais elementos, procedemos 
mentalmente a uma operação de somar, que conduz inevitavelmente ao plural. O plural
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impõe-se ainda na primeira frase citada, por termos a ideia antecipada de se tratar de uma grande 
série. Recomendam os gramáticos do partido de Gois que se diga - «mui versado na língua grega, 
na hebraica, na siríaca, na caldaica» e «o quarto e o quinto Afonso». Mas, reparando bem, o 
significado das frases não é talvez o mesmo: a repetição do artigo no singular acentuou 
enfaticamente o valor das partes e diminuiu a importância do conjumto, que era porventura o que 
interessava ao autor.
No que respeita aos nomes de cores, há que mencionar primeiramente o caso em que o adjectivo é 
nome de cor proveniente de substantivo. Carlos Gois cita exemplos de «expressões contractas», 
segumdo lhes chama: vestidos rosa, gravatas laranja, luvas pérola, meias salmão, laços malva, etc. 
Ora a verdade é que o uso do português não admite a maior parte desses casos de discordância, 
importados dos figurinos franceses. Os exemplos adiante citados dos impressionistas Guilherme 
Gama e Fialho de Almeida soam, por enquanto, como evitáveis galicismos: «um mar sossegado e 
rosa}~>; «gotas pérola vogando como algas de luz». Diremos, por via de regra: vestidos cor-de-
rosa, gravatas cor-de-laranja, etc. Só se verifica a discordância, quando aplicamos nomes franceses: 
fitas grenat, meias beige, luvas marron, etc.
Outro caso a considerar é o do adjectivo composto. De um inquérito a que procedemos nos meios 
femininos costureiros, verificámos que há muitas hesitações

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