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ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
POR EXPRESSO DESEJO DOS EDITORES, ESTA OBRA É NUMERADA E RUBRICADA PELO AUTOR
M. RODRIGUES Lapa 
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA 
PORTUGUESA
11.a EDIÇÃO
REVISTA PELO AUTOR
Composição e impressão COIMBRA EDITORA, LDA
1984
.
1.
O VOCABULÁRIO PORTUGUÊS
1. Palavras reais e instrumentos gramaticais. - Consideremos este pequeno trecho literário 
de Trindade Coelho, em Os Meus Amores:
«A esse tempo, no céu alto e lavado, a estrela-d’alva fenecera por fim, e o horizonte 
começava de carminar-se ao de leve.»
Se observarmos o papel que as diferentes palavras desempenham no discurso, logo 
verificamos que umas são mais importantes do que as outras. São as principais portadoras 
da ideia ou do sentimento, traduzem a realidade com mais viveza, despertam enfim 
imagens mais fortes. Claro que isso dependerá um pouco do observador; mas qualquer de 
nós, por diferente que seja, verá naquele período literário as seguintes palavras ou 
expressões principais, que vão agora impressas a itálico:
A esse tempo, no céu alto e lavado, a estrela-d’alva fenecera por fim, e o Horizonte 
começava de carminar-se ao de leve.
Se quiséssemos levar mais longe a exploração, verificávamos que entre estes termos 
principais se poderia fazer
ainda uma redução, omitindo os menos importantes e deixando ficar apenas aqueles em que 
recai plenamente o sentido do trecho:
Céu... estrela... fenecera... horizonte...
carminar-se.
Com um pouco de boa-vontade, conseguimos ainda apreender o significado da frase, 
reduzida agora à sua expressão mais simples.
Vejamos as fases dessa operação simplificadora. Primeiramente despojámos o trecho de 
artigos, preposições, conjumções, verbo auxiliar (começava), locuções adverbiais, excepto 
uma (A esse tempo), que nos pareceu de algum valor expressivo e lógico. Por fim, querendo 
levar a selecção ao maior apuro, só deixámos ficar substantivos e verbos.
Que se deve concluir de tudo isto? Que as palavras se encontram subordinadas a uma 
escala de valores expressivos. Que há palavras reais, fumdamentais, que levam em si toda a 
responsabilidade do sentido da frase, e que há instrumentos gramaticais, encarregados de 
estabelecer a ligação entre as ideias. As palavras reais (também chamadas lexemas) 
são o substantivo, o adjectivo, o verbo e, por vezes, o advérbio, o numeral e o pronome, 
conforme o papel que desempenham no discurso. Os instrumentos gramaticais (também 
chamados morfemas) são constituídos por todos os outros elementos de relação e precisão: 
artigos, preposições, conjumções e, por vezes, advérbios, numerais e pronomes. com 
absoluto rigor, poder-se-ia dizer, como vimos, que lexemas são apenas os substantivos 
e os verbos: o substantivo designando o agente da acção, o verbo exprimindo a própria 
acção. com efeito, a ligação do agente com o acto realizado ou a realizar constitui a forma 
mais simples, mais primitiva do pensamento. Exemplo: Rei ordena, Deus pumirá, etc. 
Na vida prática, esta divisão em lexemas e morfemas tem várias aplicações. O carácter 
vertiginoso da nossa
7
civilização impõe-nos a economia das palavras para se não perder tempo... e dinheiro. Na 
vida dos negócios há por vezes necessidade de fazer condensações enérgicas, limitando as 
palavras ao máximo, sem quebra de clareza do pensamento. O homem de acção, o político, 
o chefe civil ou militar não arredondam a frase para dar ordens. As palavras reais têm neles 
um carácter incisivo, quase dispensam os instrumentos gramaticais. Um dia, o escritor 
português D. Francisco Manuel de Melo, antigo soldado, escreveu a um jovem parente, 
que partia para a guerra. O seu estilo adquiriu então o laconismo, a concisão disciplinada 
duma ordem militar:
«Ide com Nosso Senhor. Lembrai-vos sempre dele e de quem sois. Falai verdade. 
Pergumtai pouco. Jogai menos. Segui os bons; obedecei aos maiores. Não vos esqueçais de 
mim. E sede embora Plínio Júnior; que, se tudo isto fizerdes, ainda sereis mais. Deus vos 
leve, defenda e traga. Torre, sábado.»
Há porém na vida social uma esfera de actividade, em que a destrinça entre lexemas e 
morfemas adquire particular importância: referimo-nos à técnica do telegrama. O telegrama 
terá de encerrar o maior laconismo - as palavras custam dinheiro! - dentro da maior força 
expressiva : faz pois avultar a palavra real à custa do instrumento gramatical. Um exemplo 
tirado de A Ilustre Casa de Ramires, de Eça de Queiroz:
«Capítulos romance recebidos. Leitura feita amigos. Entusiasmo! Verdadeira obra-prima! 
Abraço!»
Este telegrama contém tudo quanto é fumdamental, e só tem substantivos, um adjectivo 
(verdadeira) e duas formas verbais com fumção de adjectivos (recebidos, feita). Se o
quiséssemos sobrecarregar com instrumentos gramaticais, teríamos:
«Recebi os capítulos do teu romance. Fez-se uma leitura aos nossos amigos. Foi enorme o 
entusiasmo, e todos o classificaram de verdadeira obra-prima. Envio-te um grande abraço».
Ficaria talvez mais completo, porventura mais elegante; mas nada adiantava ao sentido 
fumdamental, e o autor deste desenvolvimento pagaria quase o triplo da taxa que pagaria, 
se o mandasse sob forma abreviada, verdadeiramente telegráfica.
Sendo o Português, por natureza, descomedido em palavras, como todos os povos do sul, a 
Direcção dos Correios, no seu interesse, pôs um travão ao chorrilho de frases que enchiam 
os simples cartões de visita, preceituando um máximo de cinco palavras (morfemas e 
lexemas) para essas fórmulas de cortesia, como sejam agradecimentos e felicitações. Não 
há dúvida que a ordem embaraçou muita gente; mas teve pelo menos a vantagem de chamar 
a atenção para o valor das palavras. Agora, quando quisermos responder a um cartão de 
boas-festas, teremos de nos cingir a uma frase destas, em que há apenas um morfema:
FULANO...
retribui, agradecido, os amáveis cumprimentos.
Isto não quer dizer, evidentemente, que preconizemos o estilo telegráfico para as redacções 
dos nossos leitores. De modo nenhum; mas faz-lhes sentir a importância dos vocábulos e 
adverte-os de um perigo: a multiplicação inútil das palavras que nada acrescentam ao 
sentido. No bom estilo não se diz nem de mais nem de menos; diz-se o que é preciso, 
na medida exacta do que se pensa e sente, com vigor e com clareza. E, pecar por pecar, 
antes pecar por sobriedade do que por inútil sobrecarga de palavras.
2. A fantasia das palavras. - As palavras reais distinguem-se, como vimos, pela sua força 
expressiva. Despertam a imagem das coisas mais energicamente; e essa imagem viva 
ilumina o pensamento, dispensando outros acessórios de que se serve a frase logicamente 
constituída.
As palavras suscitam em nós as imagens das coisas a que se referem; mas como essas 
coisas podem revestir vários aspectos, cada um de nós apreende na palavra o seu aspecto 
pessoal, aquele que particularmente lhe interessa.
Por exemplo, a palavra sino pode evocar diferentes imagens, conforme as pessoas que a 
ouvirem: o campónio terá uma representação sonora; outro, o filho do sineiro, sentirá na 
palavra o movimento do puxar da corda e do voltear do sino (imagem motriz); enfim, o 
serralheiro terá a representação visual do objecto. A estes três tipos de imagens, sonora, 
motriz, visual, outras se poderiam talvez ainda acrescentar.
Já se tem afirmado que numa simples palavra se pode resumir todo o universo. Quer isto 
dizer que um vocábulo pode suscitar uma infinidade de imagens e ideias que abranjam 
todos os domínios do pensamento e da vida. Vejamos, por exemplo, a pequenina palavra 
lar. Poderá apresentar-nos a imagem concreta da casa, do seu conforto ou desconforto 
material, ou ainda a noção espiritual, sentimental, do lugar onde vive a família. A primeira 
representação pode repartir-se em várias imagens subsidiárias: a construção da casa, a sua 
situação, a paisagem em redor, a luz ou sombra de que é banhada, etc. A segunda 
representação levar-nos-á a considerar: o nossonascimento, os afectos ou desafectos da 
nossa infância, a nossa educação, a harmonia ou desarmonia entre os membros da família, 
etc. E estas representações familiares poderão ainda suscitar, por associação, sentimentos 
de carácter social: o desabrigo das pessoas que vivem em barracas, a miséria dos que não 
têm eira nem beira, etc.
10
É neste sentido que se diz que numa palavra se podem conter todos os fenómenos da vida. O seu 
poder evocador não conhece limites.
Vemos pois que, em volta de cada palavra ou, para melhor dizer, de certas palavras, se estabelece 
uma atmosfera fantasiosa e sentimental que constitui o seu valor expressivo. Há, evidentemente, 
palavras mais evocadoras do que outras. O bom escritor saberá aproveitá-las, para suscitar mais 
vivas e variadas imagens. Mas uma coisa é necessária a quem deseja conhecer a fumdo a sua língua 
e utilizá-la para fins artísticos: pensar e sentir as palavras como se elas fossem feitas de novo, e 
evocar o objecto a que se referem com a maior frescura e vivacidade possível.
Vamos dar o resultado de uma série de experiências feitas por outros e feitas por nós em pessoas da 
nossa família. Mais uma vez se insiste no carácter puramente pessoal de tais provas. O resultado 
poderá variar conforme as pessoas. Designamos por A, B, C, D os indivíduos que se submeteram às 
experiências. Ao ouvir as palavras que se seguem, produziram-se nesses indivíduos as seguintes 
imagens, simples ou complexas. A primeira é a imagem mais forte, espontânea.
a) Chave:
A: imagem visual (uma chave grande de metal amarelo). B: » auditiva (o ruído do abrir da porta). C : 
» visual (vê sobretudo a parte superior, redonda). D: » » + imagem, táctil (sente a chave nos dedos).
b) Chuva:
A: imagem visual (poeira escura levantada) + imagem olfactiva (cheiro da terra).
B: imagem térmica (arrepio de frio).
C: » visual (cordas de água) + imagem auditiva (ruído abafado de chuva no chão).
D: o mesmo complexo de imagens que em C.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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c) Avião:
A: imagem visual (vê um avião no écran dum cinema).
B: » » (vê um selo de correio aéreo: é um filatelista).
C: » » + imagem auditiva (ruído do motor).
d) Gás:
A: imagem visual (vê um fumo acinzentado).
B: » » e motriz (bombardeamento, gente a correr) -f- 
imagem olfactiva (cheiro a gás). C : imagem auditiva (escapar ruidoso do gás). D: » visual (chama 
azulada) + imagem olfactiva (cheiro do gás).
e) Veludo:
A: imagem visual (cor preta).
B: » » » » + imagem táctil (sente-o nas pontas
dos dedos). C: imagem visual (cor preta) + imagem táctil (sente-o nas mãos).
f) Serpente:
A: imagem visual (vê só a cabeça e língua, com malhas redondas
de cores várias, sobretudo amarelo e verde).
B: imagem visual (corpo inteiro) + imagem motriz (o rastejar). C: » motriz e auditiva (movimento e 
ruído) + imagem visual.
g) Limão:
A: imagem visual (forma e cor amarela).
B: » gustativa (sente o gosto ácido do limão) + imagem visual
(vê a árvore com o fruto). C: imagem visual + imagem gustativa + imagem táctil.
Escolhemos de preferência substantivos, como despertadores da fantasia por aludirem com mais 
viveza ao objecto; mas é bom de ver que os verbos (por ex. bater, abrir, picar, etc.) e adjectivos (por 
ex. áspero, doce, fino, etc.),
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M. RODRIGUES LAPA
pelo seu carácter mais ou menos concreto, também podem sugerir imagens.
3. A para fantasia. - Se observarmos o resultado das experiências acima exposto, vemos que 
predominam largamente as imagens visuais, como é próprio de objectos materiais; e que 
estas, como é natural em coisas tangíveis, andam não raro ligadas a imagens tácteis. Vemos 
ainda mais: a imagem alude geralmente ao objecto, representa-o directamente, em um ou 
outro dos seus aspectos. Há porém excepções, e essas oferecem grande interesse. Por vezes, 
a fantasia transcende para além do objecto e dá representações que pouca ou nenhuma 
relação têm já com ele. Vimos acima um curioso exemplo deste fenómeno, a que se chama 
parafantasia: ao ouvir a palavra avião, a B representou-se-Ihe um selo de correio aéreo; ao 
ouvir chave, não viu logo o objecto, imaginou ouvir abrir uma porta.
Mais algums casos de parafantasia: E, quando ouve a Fulano proferir a palavra maçã vê a 
macieira com folhas, sem maçãs; em vento vê terra; em sino vê o adro duma capela; em 
seda, vê o bicho e fios em baba. F, quando ouve o vocábulo vento, tem logo a imagem ora 
de um barco, ora de um moinho. G, à palavra música, tem a imagem de um baile; em leite, 
vê a tijela do leite; em ponte, ouve um comboio atravessando a ponte; à palavra maçã, vê 
um livro de aritmética, onde havia algums pequenos problemas sobre maçãs.
Repare-se nesta particularidade: umas vezes vê-se a árvore em vez do fruto, a terra em vez 
do vento que a agita, a causa (bicho-da-seda) em vez do efeito, o continente (tigela) em vez 
do conteúdo (leite). É a explicação dum fenómeno que tem aplicação literária e é conhecido 
pelo nome de linguagem figurada.
As palavras abstractas, como é natural, não sugerem tantas representações. Todavia, a sua 
forma sonora, jumta ao
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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seu sentido, gera por vezes uma imagem de cor. Para Ramalho Ortigão, saudade era uma 
palavra azul, rancor uma palavra vermelha. É aquilo a que se chama audição colorida: a 
correspondência imaginada entre o som e a cor. A estas correspondências, a estas inter 
penetrações dos vários sentidos, que assumem aspectos extraordinariamente interessantes, 
dá-se o nome geral e científico de sinestesias. Desempenham papel importante na literatura 
e são conhecidas desde o século xvm, pelo menos. Foi Filinto Elísio quem, nesse tempo, 
chamou a atenção para a cor dos vocábulos. Um dia, um senhor impertinente, dado à ironia, 
encontrou numa ode do poeta uma dessas sinestesias e disse-lhe, com um risinho:
- Pois a alegria é loura? Tão alva e loura como a morte é pálida.
Ao que o escritor retorquiu imediatamente:
- V. Ex.a é que me parece loura no caso...
Para se entender o trocadilho, é necessário dizer que loura tinha, na época, o sentido de 
«parvo», «palerma».
Claro que nem todos produzirão com igual frescura e presteza as imagens que andam 
ligadas às palavras. Quando os anos aumentam e a inteligência se desenvolve, as imagens 
das coisas vão enfraquecendo, tomam-se por assim dizer desbotadas. As palavras 
dificilmente despertam já a fantasia. Nessa altura, para avivar o poder da imaginação, o 
homem tem ainda o recurso da obra de arte, cujo segredo consiste na sábia escolha dos 
meios de expressão, com que se chamam novamente à luz essas imagens meio apagadas.
4. Valery Larbaud e o vocabulário português. - O notável escritor francês Valery Larbaud, 
espírito cosmopolita, meteu-se a aprender português, da primeira vez que esteve entre nós. 
Encheu-se de simpatia pela nossa terra, pela doçura da nossa gente, e quis aprender a língua 
para melhor
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M. RODRIGUES LAPA
surpreender a nossa alma. Aprendeu-a, como ele dizia, com o esforço apaixonado com que 
se obtém o amor duma mulher. E contou-nos, de modo encantador, a sua experiência do 
vocabulário português. É sem dúvida interessante observar as reacções dum estrangeiro 
superiormente culto, como Larbaud, perante as palavras mais correntes da nossa língua. 
Vamos dar o resultado das suas impressões, publicadas no Divertimento filológico.
O escritor francês, no primeiro contacto com a língua escrita e falada, sentiu logo a doçura 
e a graça de certos vocábulos:
1. Só. A palavra exprime, na sua concisão desesperada, o extremo da solidão e do 
abandono. Quando se lhe acrescenta o diminutivo -zinho, Larbaud nota que o sufixo não é 
apenas lógico, exprime ainda admiravelmente a atitude do espírito dobrado sobre si próprio, 
na solidão.
2. RAPARIGA. O escritor compara o vocábulo português aos correspondentes espanhóis e 
italiano: rapaza, muchacha, ragazza;todos sugerem o ruído alegre de estudantas, saindo da 
escola, na rua, às gargalhadas: mas rapariga faz mais ruído que qualquer dessas palavras.
No português do Brasil, já desde o século xvni, ao que parece, o vocábulo foi tomando 
coloração pejorativa. Houve contudo resistência literária a essa deturpação. Num romance 
de Aluízio Azevedo, O Cortiço, ainda é usado no puro sentido português. Em Lima 
Barreto (Clara dos Anjos, l.a ed., pág. 179) dá-se o mesmo. Érico Veríssimo, 
representando a última defesa da formosa palavra, em consonância certamente com seu 
falar regional, emprega-a no bom sentido (Olhai os lírios do campo, 18.a ed.: «Chamou a 
secretária, uma rapariga magra, de ar cansado», pág. 136).
3. GAROTA. Também é bonita a palavra e própria para as raparigas do povo duma 
grande cidade. Diz Larbaud
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 15
com graça que, se casasse com uma portuguesa, lhe chamaria garota, num impulso de terna 
familiaridade, de amorosa falta de respeito.
4. RAINHA. A palavra tem na sua forma sonora e gráfica o quer que seja de exótico: traz 
no vestido um perfume da Ásia.
5. MENINA. O termo é encantador, com um ar antigo, afidalgado. Já um outro estrangeiro, 
o alemão Link, que visitou Portugal nos fins do século xvm, dizia que a expressão minha 
menina era a mais doce que se encontrava em qualquer língua.
6. BONECA. O escritor deu-se ao cuidado de evocar os termos que significam boneca em 
outras línguas europeias e encontrou mais beleza: em primeiro lugar no vocábulo italiano 
bámbola, logo a seguir nas palavras portuguesa e espanhola- boneca e mumeca, que 
competiam em formosura expressiva.
7. MEDONHO. A palavra impressionou vivamente Larbaud. Há qualquer coisa de 
repugnante, infame e horroroso nesta palavra, que nos comunica o seu estremecimento, a 
sua náusea.
8. BEIRA-MAR. Para o escritor francês era uma das palavras mais poéticas do seu 
conhecimento: vasta, sonora, grandiosa, oceânica.
9. SAUDADE. Larbaud define a impressão que lhe dá a famosíssima palavra: um céu 
nublado entre distantes zonas luminosas.
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M. RODRIGUES LAPA
Outras palavras que o impressionaram agradavelmente: namorar, namoro; doente, doença; 
voo, dor, cor, carvalho, orvalho, cotovia, imenso, devagar, janota, ficar, poupar, meigo, 
brinco, brincadeira,
Todos aqueles que aprendem uma língua nova recebem impressões desta natureza: o 
sentido conhecido ou entrevisto da palavra conspira com a imagem sonora e dá-nos uma 
espécie de ilusão. Os escritores que lidam muito com os vocábulos estão particularmente 
sujeitos a estas ilusões. Têm a tendência para considerarem a palavra em si própria, bela 
por si mesma, liberta das prisões da frase, que lhe fixam um sentido e lhe diminuem o 
poder de fantasia. Os que se dedicam à arte de escrever trazem na memória um armazém de 
termos expressivos. Para esses a palavra existe em estado puro, cheia de ressonâncias e 
mistérios. E é sempre útil, como dissemos, pensar e sentir de novo as palavras, 
isoladamente, na curiosa contemplação das imagens que despertam.
5. A palavra-frase. - Porém, logo a seguir, deverá fazer-se, como correctivo, o 
exercício contrário. Verdadeiramente, o vocábulo isolado não existe senão para os artistas. 
A palavra existe como parte de um todo, incorporada no contexto, e aí adquire o seu 
significado especial. Entregue a si própria, já o vimos, assume os mais diversos aspectos, 
carrega-se de tons variados, segumdo o indivíduo que a ouve ou profere. Aprisionada na 
escrita, limitada e esclarecida pelos outros elementos do discurso, a palavra recebe de cada 
vez e momentaneamente a sua verdadeira significação. Um exemplo: Quando dizemos ou 
ouvimos: Que RAPARIGA! - o vocábulo final, por assim dizer isolado, desperta vivamente 
a imaginação, como se o pronunciássemos ou ouvíssemos sozinho. Por isso vemos nesse 
termo as mais variadas representações : podemos considerar as qualidades morais da moça,
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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a sua honestidade, a sua coragem, etc., ou as qualidades físicas, a formosura, a graça do 
andar, etc.
Também nesta frase: A RAPARIGA que vês trabalha na fábrica
o vocábulo nos parece mais desbotado de colorido,
menos capaz de dar imagens, mas certamente mais preciso no seu significado, devido aos 
elementos em que está inserido.
6. A significação das palavras. - Consideremos esta palavra corrente - cabeça. O primeiro 
sentido que acode, estando a palavra isolada, é o seu sentido mais geral, a sua significação 
física e primitiva: a cabeça é a parte superior do corpo humano. Um linguista não deixará 
de registar com satisfação o facto: há certa lógica em que o sentido actual do vocábulo não 
divirja do que tinha há mais de mil anos. Mas, se a palavra mantém um significado preciso, 
que lhe dá o mais frequente emprego, adquiriu também, com o uso, uma série de sentidos 
subsidiários, que diferem mais ou menos do sentido etimológico: etimologia é o estudo da 
origem das palavras, a fixação da forma e do sentido primitivos. Vejamos essas diversas 
significações, registando apenas as que são mais usuais:
1. A cabeça é a parte superior do corpo.
2. Toda a gente o louva: é uma grande cabeça.
3. Sabia de cabeça todos os versos do poema. Ele vinha à cabeça de todos os concorrentes. 
Essa vila é a cabeça da comarca.
6. Pagaram dez tostões por cabeça.
7. Feriu-se na cabeça do dedo.
8. O cabeça da conspiração foi aprisionado.
9. Isso não tem pés nem cabeça.
10. Deu-lhe agora na cabeça fazer versos.
11. Cada cabeça, cada sentença.
12. Então, perdeu por completo a cabeça.
2 - Estilística
3.
4.
5.
18
M. RODRIGUES LAPA
Se quiséssemos averiguar o significado da palavra nos vários contextos em que está metida, 
teríamos este resultado:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
Sentido principal: parte superior do corpo.
talento, inteligência.
_____ de memória, de cor.
à frente, na parte superior.
capital.
indivíduo, pessoa.
extremidade, ponta.
chefe, pessoa principal.
sentido claro.
capricho, fantasia.
homem, personalidade.
razão, serenidade.
Como se originaram as várias significações da palavra ? Partiu-se do sentido original e viu-
se na cabeça a parte superior, a extremidade, o ponto principal dum corpo; ou então 
encarou-se o facto pelo seu lado intelectual e viu-se na cabeça a sede do pensamento e da 
imaginação. Daqui se originou toda essa vegetação de significações diversas, a que se dá o 
nome de polissemia, e que é estudada numa disciplina filológica chamada Semântica.
Como vemos, e aqui melhor do que em outro lado, a palavra só adquiriu o seu verdadeiro 
sentido quando engastada na frase. Só há verdadeiramente no discurso a palavra-frase. Por 
isso os bons dicionários trazem os vários matizes de significação dos vocábulos inseridos 
no seu devido contexto, isto é, têm um exemplo para cada variedade semântica. Sem isso, 
não prestarão bons serviços. Em muitos dos nossos dicionários não aparecerá o quadro que 
damos acima, a propósito de cabeça. E algums nem sequer trazem a locução, tão corrente, 
perder a cabeça, por ser considerada, aliás sem razão, um galicismo.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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Em conclusão: poderemos afirmar que há tantas palavras quantas as significações. Em 
gramática, chamam-se homónimas as palavras que têm forma igual, mas se distanciam pelo 
sentido. Exemplo: pena tem pelo menos, quatro significados:
a) A pena admirável daquele escritor; b) O pássaro deixou cair uma pena; c) Foi condenado 
a pena maior; d) É pena que não vás!
O sentido diverso é dado, já pela natural evolução das palavras, já porque nos dois 
primeiros casos o vocábulo tem uma origem (do latim pinna) e nos dois últimos tem outra 
(do latim poena). Em cabeça todos os exemplos têm a mesma origem; mas o resultado vem 
a ser o mesmo: aqueles doze casos citados são tidos por quem fala ou escreve como 
palavras de sentido diferente.
7. O instinto etimológico. - A exploração do sentidooriginário das palavras faz parte, como 
dissemos, duma disciplina chamada etimologia. Essa operação é de indiscutível 
importância para a ciência da linguagem e até para a história das civilizações, porque à 
origem das palavras podem prender-se factos históricos e sociais de grande interesse. Mas 
uma coisa é ciência, outra coisa estilo. Quando escrevemos ou falamos, pouco ou nada nos 
importa o sentido passado dos vocábulos, a sua história; só apreendemos da palavra aquilo 
que é actual. E demais, esse sentido etimológico, se fosse aproveitado, lançaria uma 
extraordinária confusão sobre os fenómenos da linguagem.
Algums exemplos vão elucidar o leitor. Suponhamos que alguém, conhecedor do grego, 
escrevia: «O povo italiano é um povo hipócrita.i> Queria ele dizer com a sua, fumdado na 
etimologia ( = actor), que os italianos são naturalmente actores, gostam da exibição 
espectacular. Como porém a palavra tem hoje um sentido muito diferente, o mal-fadado 
helenista arriscava-se a não ser compreendido e a coisa ainda
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M. RODRIGUES LAPA
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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pior l a ser incomodado pelas autoridades consulares ou diplomáticas italianas, por ofensas 
a um país estrangeiro.
Outro exemplo: Quando apelidamos alguém de marechal, ligamos à palavra uma altíssima 
significação honorífica: o ponto mais alto da hierarquia militar. O etimologista, enfronhado 
em seus estudos, vê as coisas de outro modo: sem perder de vista o significado actual, sobe 
à origem e observa com um sorriso que a palavra, em seus começos, queria apenas dizer 
isto, bem modesto por certo: encarregado da cavalariça!
Finalmente, consideremos a palavra coitado, tão portuguesa, tão representativa do nosso 
brando modo de ser. Quando a proferimos, aludimos a alguém que é pobre, ou infeliz, a 
quem a vida não corre bem. Pois a palavra, na sua origem, no tempo dos trovadores, 
aplicava-se especialmente ao namorado que curtia dores por sua dama. Vão lá pensar hoje 
nisso, quando se avista um mendigo andrajoso, a quem se diz, dando esmola: Coitado, tome 
lá!
Vemos pois que as palavras têm um curioso romance histórico. É instrutivo conhecê-lo, 
sem dúvida; mas numca devemos esquecer a obrigação em que estamos de empregar a 
palavra no seu sentido actual. O motivo por que os filólogos, os gramáticos, os homens 
muito eruditos escrevem mal é geralmente este: não têm presente e fresco o sentimento da 
língua de hoje. As palavras evocam-lhes representações passadas, conformes à sua 
etimologia. De modo que, quando escrevem, é um passeio constante pelos domínios da 
antiguidade. A sua maneira de escrever traz por isso mesmo um cheiro a bafio. É um estilo 
pretensioso e avelhentado, muito em voga nas academias.
Contudo, para uma coisa é útil o conhecimento da etimologia e da história das palavras: 
para a leitura inteligente dos autores antigos. Quando Fr. Luís de Sousa escreve: «Da 
imbecilidade de sua natureza não desconfiava, porque conhecia suas forças» - notamos que 
imbecilidade está ali no
sentido etimológico, latino: «fraqueza». Seria erróneo atribuir à expressão o significado 
actual: «parvoíce». Quando um outro grande clássico, D. Francisco Manuel de Melo, 
escreve a respeito das suas Cartas familiares: «por todas cintila o queixume, apesar da 
modéstia, que procura embaraçá-lo e desmenti-lo» - teremos de atribuir a modéstia o 
significado antigo de «medida», «temperança no sofrimento», «resignação».
Os bons dicionários deveriam trazer todas estas significações, mas por vezes falham. E as 
edições dos Clássicos deveriam ser cuidadosamente anotadas e apontar estas variações 
semânticas. Se assim fosse, o leitor poderia efectivamente compreender os nossos autores 
antigos, apreciá-los e aproveitá-los no que têm de aproveitável, sem perigo de assimilar um 
estilo que já não é de nossos dias.
2.
O VOCABULÁRIO PORTUGUÊS
No capítulo anterior vimos como uma palavra muda de significação, conforme os diferentes 
contextos em que anda agrupada. Vamos ver agora como um conceito, uma ideia, admite 
várias palavras para se exprimir conforme os seus variados aspectos.
1. Pluralidade dos meios de expressão. -Perguntemos, por exemplo, a um amigo o que 
significa a palavra inteligente. Logo nos responderá, sem hesitar, procurando explicar o 
termo por outros vocábulos ou locuções de sentido semelhante : •-• É o mesmo que 
esportes, hábil, entendedor das coisas, que as compreende bem, que lhes penetra o sentido, 
que tem olho, etc. Claro que cada uma destas expressões tem o seu valor, mas todas se 
agrupam no espírito em volta da ideia geral, que as compreende a todas: inteligência.
Portanto, quem escreve e quem fala tem à sua disposição, para traduzir exactamente o 
pensamento, séries de palavras, ligadas por um sentido comum, que acodem ao espírito, 
para as necessidades de expressão. Quando se evoca uma delas, sucede geralmente como 
quando se colhem cerejas: vêm as outras atrás. A estas palavras ou modos de dizer, ligados 
entre si por uma noção comum, dá-se o nome de sinónimos.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA 23
Estamos vendo a extraordinária importância do seu estudo e da sua prática para a técnica da 
redacção. com efeito, a arte de escrever repousa essencialmente na escolha do termo justo 
para a expressão das nossas ideias e dos nossos sentimentos. Por outras palavras: só 
escreveremos bem, quando, na série sinonímica, escolhermos a palavra ou o grupo de 
palavras que melhor se ajustam àquilo que queremos exprimir. É nessa escolha que reside, 
em grande parte, o segredo do estilo.
2. Há ou não sinónimos ? - Se entendermos por sinónimos as palavras que têm sentido 
semelhante, parecido, é evidente que existem sinónimos. Agora, se considerarmos, como 
fazia supor a gramática antiga,, que sinónimos são as palavras que têm o mesmo sentido, 
em breve nos convenceremos de que isso é impossível. Podem uma mesma ideia, um 
mesmo acto, um mesmo objecto ter nomes diferentes; esses nomes não são, não podem ser 
exactamente equivalentes, como não são nem podem ser equivalentes as folhas da mesma 
árvore. Poder-se-á objectar com isto: há nomes de plantas, utensílios, produtos vários, que 
adquirem diferente nomenclatura, conforme as terras do País. Por exemplo, para designar 
as agulhas do pinheiro em Portugal: caruma, sarna, branza, bicos, picos, etc. É certo; mas 
por isso mesmo que se repartem por terras diferentes, cada sítio ou região adopta um só 
vocábulo em prejuízo dos outros, geralmente desconhecidos.
A mesma coisa designa-se geralmente por uma só palavra, em certa região e em certo meio. 
Pode, ao princípio, dar-se o caso de duas ou mais palavras designarem o mesmo objecto. E 
um momento fugaz; logo o espírito reage para destruir o perigoso equilíbrio, introduzindo 
cambiantes de sentido, promovendo a diversificação.
As formas divergentes. -A este respeito, é omito elucidativo o tratamento dado pela língua 
às formas chamadas
24
M. RODRIGUES LAPA
divergentes. Chamam-se formas divergentes as palavras oriundas de um mesmo termo 
(latim, árabe, grego, etc.), que se diferençaram depois, por motivo da evolução fonética. 
Estão neste caso, entre outras: aveia - avena; areia - arena; bola - bula; cadeira - cátedra; 
caldo - cálido; cheio-pleno; chorão - florão; catar - captar; crosta - crusta; delgado
- delicado; ensosso - insulso; inteiro - íntegro; lagoa
- lacuma; meigo - mágico; ração - razão; solteiro - solitário; traição - tradição, etc.
Admitindo que estas palavras tivessem sido algum tempo sinónimas - não o seriam, porque 
uma reinava nos meios cultos, outra nos meios populares - logo se diferençaram de diversa 
maneira, como se está vendo. Em algums casos, o termo literário adoptou um sentido 
especializado, ex.: arena, cátedra, crusta, íntegro. Noutros casos foi o termo popular que se 
desviou do sentido originário, ex.: bola, chorão, catar, meigo, ração, solteiro.
Pelo que diz respeito à intensidade das diferenças entre os dois sentidos, observamos que a 
divergênciavai do mínimo ao máximo. Em cheio-pleno, a diferença é insignificante, 
podendo até dizer-se que as duas palavras acusam o mesmo sentido. Simplesmente, uma é 
usada na linguagem corrente (cheio), outra na linguagem literária - e não sempre (pleno). 
Esta última tem um ar falso, pretensioso, que, por isso mesmo, é do agrado dos 
principiantes. Enfim, são termos usados em circumstâncias diferentes e basta esse facto 
para os tomar desiguais.
Através de variantes intermediárias, as formas divergentes alcançaram o máximo de desvio 
semântico (isto é, de sentido) em traição - tradição. É quase incrível que uma mesma 
palavra pudesse ter gerado acepções tão diversas; mas o caso deu-se, como vamos ver. 
Tradição foi um velho termo de carácter jurídico, cujo significado era: «entrega, 
transmissão de qualquer coisa a outrem.» Na passagem do latim para o português, o 
vocábulo perdeu aquele d entre
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
vogais e começou de significar outra coisa: «a entrega, a transmissão dum segredo íntimo, 
militar, político, ou duma fortaleza, vila, etc.». Vê-se pois como da simples ideia 
fumdamental de «entrega», «transmissão», se engendrou o significado moral de «traição», 
«infidelidade», «deslealdade». Traição poderia definir-se como «entrega desleal».
Tradição também seguiu o seu rumo, também tomou um sentido moral. Passou a significar 
«a transmissão de factos históricos, sistemas, lendas, etc., de idade em idade, sem prova 
autêntica ou escrita, provindo da transmissão oral ou de hábitos inveterados». Copiamos a 
definição dada por Cândido de Figueiredo no Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa. 
Como vemos, e não obstante uma complicada evolução semântica, lá está bem visível ainda 
a ideia originária de «transmissão».
Em conclusão: poderemos formular esta regra, de acordo com os mais recentes 
investigadores da linguagem e do estilo: «Dois fenómenos de expressão numca são 
exactamente iguais». O leitor está vendo as consequências deste princípio. Não se pode ir 
ao dicionário escolher mais ou menos à toa os significados, como fazem geralmente os 
principiantes. O facto dá origem a verdadeiros contra-sensos. Cada palavra, em dado 
momento, é portadora de um sentido, que adquire especial relevo no contexto. Não pode 
pois baralhar-se com as outras. A arte do estilo consiste em escolher, nesses grandes 
armazéns de palavras que são os dicionários, os termos justos, que hão de dar forma e cor 
aos nossos pensamentos.
3. Como nascem os sinónimos. - É bom de ver que
nem todos os conceitos se prestam de igual modo à produção de sinónimos. De um modo 
geral, as palavras concretas prestam-se menos às variações sinonímicas. Se procurarmos no 
dicionário os equivalentes de tinteiro, água, chave, calças, porta, veremos que estes termos 
não têm propriamente sinónimos. Os dicionaristas contentam-se com a sua definição
26
M. RODRIGUES’LAPA
por meio de perífrases e acrescentam algumas locuções em que a palavra tem cabimento, com um 
sentido mais ou menos diferente. Por exemplo, para tinteiro, o Pequeno Dicionário apresenta 
apenas isto: «Pequeno vaso para conter tinta de escrever. Utensílio de escritório com um ou mais 
vasos para tinta de escrever.» Realmente o vocábulo não se presta a mais; identifica-se por si 
próprio, conhece-se pela própria representação que sugere, sempre a mesma: um recipiente para 
tinta.
Outras palavras há, concretas embora, que implicam variadas formas, que vão do termo técnico, 
científico, até às expressões mais baixas da gíria popular: apêndice nasal
- nariz - penca - ventas; - abdómen - ventre - barriga -pança, etc. Vemos pois que há noções pobres 
e noções ricas, na linguagem; umas contentam-se com uma só palavra, outras, sugerindo novas 
representações em tomo do objecto ou da ideia primitiva, geram uma família numerosa de 
sinónimos.
Compreende-se que um dos principais geradores de sinónimos seja a variedade do emprego da 
mesma coisa, segundo os diferentes meios sociais. Para prova disso, dá-se geralmente este exemplo: 
o dinheiro recebido em troca da prestação de serviços tem variadíssimas designações, conforme a 
escala social da pessoa que o recebe: honorários, ordenado, mensalidade, soldo, pré, salário, féria, 
etc. Seria extremamente reparável e incorrecto dizer-se:
1. O major recebeu o pré.
2. O salário do ministro é grande.
É que as palavras evocam os meios sociais em que são geralmente empregadas, e não se pode 
confundir o seu uso, sem nos expormos a graves mal-entendidos. O termo pré lembra logo o 
ambiente militar dos soldados e sargentos, salário sugere uma classe especial: a dos pequenos 
serviçais.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
27
Isto é, as palavras e os sinónimos, são um espelho da sociedade: também se dividem em classes. No 
campo diz-se: comer uma tigela de CALDO ; na cidade: comer um prato de SOPA. Vem. a dar na 
mesma; mas o caldo sugere o campónio, a sopa é própria do homem da cidade.
4. O eufemismo. - Este mesmo sentimento das conveniências sociais leva-nos muitas vezes a 
atenuar a dureza e a franqueza de certas expressões, que evocam imagens grosseiras ou 
desagradáveis. Certos termos que exprimem a morte, o furto, a embriaguez, a idiotia, a mentira, 
etc., requerem eufemismos, isto é, meios expressivos que adoçam a brutalidade ou a inconveniência 
social desses termos. Para o homem, nada mais terrível do que a morte. Pois bem, na vida social, o 
vocábulo que define a ideia pura - morrer, é suavizado pelos seguintes eufemismos: falecer, expirar, 
decidir, acabar, perecer, ir para o céu, finar-se, fechar os olhos, entregar a alma a Deus, passar-se, 
etc. Tudo expressões que procuram atenuar a fealdade do horrível transe. E quando se anuncia no 
jornal a morte de alguém, pessoa católica e de bom-tom, a sua família não escreve, seca e 
trivialmente, morreu, mas sim um longo circunlóquio eufemístico: Foi Deus servido chamar à sua 
divina presença Fulano de tal.
O emprego do eufemismo também caracteriza certas camadas sociais. A um homem da plebe que 
comete um fui to, as gazetas não hesitam em exprobrar ao ladrão, ao gatumo, o roubo que praticou; 
mas se um homem da alta sociedade cometeu o mesmo crime, então os redactores adoçam 
servilmente a frase e escrevem: desvio de fumdos, fraude, alcance, etc. O povo observou 
perfeitamente esta injustiça e fez sobre ela um provérbio admirável: «Quem rouba um pão, é 
ladrão; quem rouba um milhão, é barão».
Um homem do povo não se embriaga; isso é próprio da gente fina; o plebeu embebeda-se, e, 
empregando termos de gíria popular, toma a carraspana, o pifão, o pileque, fica
28
M. RODRIGUES LAPA
grosso, colhe a trompa (gíria galega), etc. Se num salão aristocrático se ouvissem estes 
nomes, as senhoras corariam de indignação; se numa viela de Alfama, em Lisboa, alguém 
pronunciasse o vocábulo embriagar, era apupado e escarnecido- caso verdadeiramente o 
entendessem.
O conselheiro Acácio, a famosa caricatura de Eça de Queiroz, conhecia bem o valor do 
eufemismo e empregava-o constantemente. Diz dele o escritor: «Numca usava palavras 
triviais; não dizia vomitar, fazia um gesto indicativo e empregava restituir». Até os ladrões 
entre si usam o eufemismo, como aquele ratoneiro duma novela de Castelao, que suavizou 
o termo roubar em apanhar: «Certa noite de caminho propuxo Barrote que fossen apanhar 
uas galinhas».
- Os dous de sempre, l.a ed., pág. 60.
Pode portanto dizer-se que há na linguagem uma dissimulação, uma espécie de hipocrisia - 
o reflexo de todas as atenuações, transigências e desigualdades que a vida social, como está 
constituída, nos impõe.
5. As séries sinonímicas. - Vejamos agora praticamente o problema da significação dos 
sinónimos, os seus matizes diferenciais. Para estudar os sinónimos temos os dicionários 
vulgares, que trazem, após a definição, os vocábulos ou expressões equivalentes; mas como 
as palavras adquirem no contexto as significações mais diversas, segue-se que a consulta 
dos dicionários correntes não serve para o estudo dossinónimos. O facto de esses 
dicionários não trazerem o vocábulo inserido na frase ainda agrava a questão, tomando a 
consulta perigosa para o principiante.
Um exemplo: Procuremos no Pequeno Dicionário, de Cândido de Figueiredo, a rubrica 
deixar. Vemos que a palavra tem as seguintes significações: separar-se de; lançar de si; 
largar, pôr de lado; abandonar; permitir; cessar; resistir; adiar; ceder; omitir. Note-se, de 
passagem, que resistir é erro tipográfico, em vez de desistir. Assim vem na l.a edi-
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
29
cão do Novo Dicionário do mesmo autor. Os modernos revisores dos dois dicionários não 
deram pelo erro, que assim se foi radicando e passando a outros, estando contudo já 
corrigido na 10.a edição.
Reparando para o sentido daqueles diferentes termos, verifica-se que existem várias séries 
de significações, digamos, várias séries sinonímicas, isto é, grupos de palavras 
subordinadas a um sentido comum:
1. Deixar, separar-se de, largar; 4. Deixar, adiar;
2. Deixar, permitir; 5. Deixar, ceder;
3. Deixar, cessar, desistir; 6. Deixar, omitir.
Isto é, verdadeiramente a palavra deixar, tal como a encontramos nos pequenos dicionários, 
admite em si seis séries sinonímicas pelo menos. Se procurarmos num dicionário grande, 
admitirá muitas mais. Note-se que se há séries nitidamente diferenciadas como a l.a e a 6.a, 
a 6.a e a 2.a, a 3.a e a 2.a, já não sucede o mesmo com a l.a e a 5.a Entre ceder e largar 
pode haver uma relação de significado, e entre desistir (3.a), adiar (4.a) e largar (l.a) 
também não será muito difícil achar uma ideia comum, se nos aplicarmos a isso.
Por consequência, os dicionários correntes não são um instrumento cómodo para a pesquisa 
dos sinónimos, porque baralham as séries e não enquadram o termo no seu contexto, onde 
alcança a verdadeira significação. Para remediar esse mal fizeram-se os dicionários de 
sinónimos. Aí aparece efectivamente a série, e dentro da série o sinonimista 
engenha-se em descobrir as diferenças de sentido.
O dicionário de sinónimos mais celebrizado que temos é o velho Dicionário dos sinónimos, 
poético e de epítetos da língua portuguesa de Roquete e Fonseca. Tem tido muitas edições 
em Portugal e Brasil. É um instrumento antiquado, incompleto, que padece dos defeitos de 
toda essa
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M. RODRIGUES LAPA
espécie de tratados: a preocupação da etimologia e do uso clássico da língua, sem ter em 
conta o seu uso corrente, popular. É uma construção artificial, de reduzido valor, e que não 
é útil meter nas mãos de principiantes. Mal por mal, antes os dicionários comums. Muito 
melhor do que ele temos agora o Dicionário de Sinónimos de Antenor Nascentes, que pode 
prestar bons serviços ao estudioso, quando manuseado com discernimento e sem espírito de 
rigor sistemático.
6. Valor sentimental e intelectual das palavras. - Em
presença das coisas, o nosso espírito reage da seguinte maneira: ou as percebe ou as sente. 
Quase sempre estas duas operações, a percepção e o sentimento andam ligadas, mas, por 
via de regra, em proporções diferentes. Praticamente há objectos que despertam mais a 
nossa inteligência, outros que chocam mais a nossa sensibilidade. Assim também as 
palavras: umas têm uma dominante afectiva, outras uma dominante intelectual. Vejamos 
um exemplo:
1. O lavrador deixou a casa e encaminhou-se para o trabalho.
2. Os filhos, cheios de fome, abandonaram a casa paterna.
Ligados por um conceito comum, «a separação», aqueles dois verbos deixar e abandonar 
não têm o mesmo valor. No primeiro caso, a separação fez-se normalmente, sem 
sobressalto afectivo; tarefa de todos os dias, feita a frio, mal iria ao lavrador se, de cada vez 
que deixava a casa, se pusesse a chorar de saudade ou de mágoa. No segumdo caso, o verbo 
abandonar está já penetrado de sentimento, tem uma sobrecarga afectiva que não tinha o 
outro: os filhos deixaram a casa paterna com desespero, com dor e raiva. Há
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
31
pessoas - os puristas da língua - que se erguem ainda hoje contra o emprego do verbo 
abandonar, por ser um galicismo. É certo que o vocábulo nos veio do francês, mas há 
séculos que é usado na língua, e corresponde, como acabámos de ver, a uma necessidade de 
expressão. Deixar não significa o mesmo que abandonar. É isto que os puristas não vêem. 
Logo, numa série de sinónimos há palavras que exprimem sobretudo uma ideia, outras que 
exprimem sobretudo um sentimento. É tarefa delicada, por vezes, a discriminação destes 
dois elementos; não raro, é até impossível fazer essa distinção; mas esse esforço é 
indispensável a quem queira escrever bem. Vamos dar normas e exemplos, que auxiliarão o 
interessado nesse trabalho.
7. O termo identificador. - Vejamos estas frases:
a) O lutador ergueu-se, belo como uma estátua.
b) Eram duas raparigas, qual delas a mais formosa.
c) Simples e linda, a noiva saía da igreja.
a Laura trazia um bonito vestido de seda azul.
Temos aqui uma série sinonímica, que poderíamos aumentar consideravelmente. Belo, 
formosa, linda, bonito são palavras realmente umidas por um idêntico sentido. Aquela que 
reumir o conceito comum a todas as outras, que puder substituir-se a todas elas sem grande 
prejuízo de significação, é chamada em Estilística o termo identificador. A esse termo 
fumdamental, que traduz a ideia pura, condensada, se referem todos os outros. É pois da 
maior conveniência saber fixar sempre numa série o termo identificador, trabalho aliás não 
muito difícil, porque o termo identificador é, por via de regra, o termo geral, o mais 
abstracto.
32
M. RODRIGUES LAPA
Não é, efectivamente, muito custoso determinar nesta série uma noção fumdamental: - o 
conceito de beleza, que abrange todos os outros: formosura, lindeza e boniteza. Se 
quiséssemos, poderíamos substituir os adjectivos das alíneas b), c), d) pelo termo 
identificador: o sentido não sofria prejuízo de maior, embora ficasse mais desbotado, menos 
expressivo:
b) Eram duas raparigas, qual delas a mais bela.
c) Simples e bela, a noiva saía da igreja.
d) Trazia um belo vestido de seda azul.
Se quisermos fazer o mesmo com os outros exemplos, vemos que o sentido já não fica tão 
bem; e teríamos até um efeito cómico, se disséssemos: «O lutador ergueu-se, bonito como 
uma estátua». Por consequência, é defeito empregar umiformemente, em todos os casos, o 
termo mais geral; e maior defeito é ainda baralhar o emprego das palavras dentro da série 
sinonímica. Os principiantes são naturalmente inclinados a isso.
Procuremos agora definir o diferente significado dos elementos da série. Nem precisamos 
de recorrer aos dicionários para não lançarmos confusão no nosso espírito. No primeiro 
exemplo, belo sugere-nos a ideia de perfeição e de harmonia de formas, e também uma 
certa confiança serena na própria força. No segundo exemplo, formosa evoca apenas a 
perfeição da forma física. No terceiro exemplo, linda já se carrega dum forte matiz 
sentimental; não é só beleza física, é também mimo, ternura, delicadeza da alma. Enfim, 
bonito representa a ideia de beleza, diminuída, descida ao plano das coisas familiares. É 
também um termo afectivo, mas mais de andar-por-casa. Quanto ao uso dos vocábulos, 
notamos que belo é vagamente literário, embora represente
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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a ideia geral; formosa é vocábulo que só se emprega em literatura; lindo pertence à língua 
corrente, e bonito propriamente à linguagem familiar, onde adquire, a par da ideia de 
beleza, um certo matiz de bondade. Exemplo: «Os meninos bonitos não fazem coisas 
dessas».
8. Diferenças quantitativas e qualitativas. - Consideremos esta frase: «O companheiro 
tomou-se enfadonho, aborrecido, odioso». Aquela série de adjectivos está colocada 
segundo uma ordem lógica, a própria lógica dos sentimentos: a aversão foi-se 
desenvolvendo numa ordem crescente: primeiro, uma vaga antipatia, depois, um 
pronumciado desafecto, por fim um ódio declarado. Claro que não poderíamos invertera 
ordem dos adjectivos, que têm valores quantitativos diferentes.
Vejamos agora esta de Fr. Luís de Sousa:
«Não havia em todo aquele grande povo senão medo, desordem, terror e confusão».
Há nela duas séries sinonímicas, artisticamente entrelaçadas: a) medo - terror; b) desordem 
-confusão. Se observarmos o efeito produzido pelos termos de uma e doutra, notaremos que 
a impressão vai crescendo de intensidade. Na verdade, terror é um vocábulo mais intensivo 
que medo, Confusão mais intensivo que desordem. Logo, quem sabe escrever não mistura 
arbitrariamente os sinónimos. Suponhamos que inverteríamos naquela frase a ordem dos 
termos sinonímicos:
«Não havia em todo aquele grande povo senão terror, confusão, medo e desordem». 
Incorreríamos na censura de não saber escrever, pondo o termo intensivo antes do outro. O 
efeito estilístico perder-se-ia totalmente.
Há casos ainda mais complicados, em que a disposição das palavras obedece a certas 
exigências expressivas do discurso
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M. RODRIGUES LAPA
seguinte. Veja-se este passo de D. Francisco Manuel de Melo:
«Estar um cidadão em sua casa dormindo, regalado, seguro e quieto, em noite tempestuosa 
de dezembro, e, a troco de uma pequena migalha de prata e ouro, estar o miserável 
pescador lutando com a morte duas marés inteiras, para lhe trazer de madrugada o guloso 
besugo ou o pintado salmonete!»
A ordem decrescente dos adjectivos justifica-se aqui pela antítese que se segue: l.a - noite 
tempestuosa, miséria, desconforto; 2.a - luta contra a morte; 3.a-a azáfama, a canseira de 
pescar duas marés inteiras e de lhe trazer o peixe a casa. Vemos pois que a ordem dos 
vocábulos foi determinada apropriadamente pela ordem dos elementos seguintes que lhe 
são opostos.
Enfim, repare-se nesta frase de Ferreira de Castro: «A vida só existia através do seu 
desespero, do silêncio e dos remorsos; dos remorsos, do silêncio e do desespero». A 
repetição dos mesmos elementos na ordem inversa procura dar, e dá realmente, um efeito 
expressivo; um círculo vicioso, uma repetição constante de coisas, em que a alma se sentia 
abafar. A linguagem popular conhece o processo, como se vê daquele dito chistoso: «ao 
almoço me dão pêras, ao jantar pêras me dão, à merenda pão com pêras, à ceia pêras com 
pão». O escritor não fez mais do que transpor para termos de arte um modo expressivo 
empregado pelo povo.
Nem sempre, contudo, numa série de palavras de igual categoria, se trata de uma ordem 
ascendente ou descendente. Exemplo disso, o seguinte verso das Cartas Chilenas (ix, 352), 
a famosa sátira luso-brasileira do século xvm, da autoria de Tomás António Gonzaga:
Resistem, gritam, ferem, matam, prendem.
Alude-se a soldados que não obedeciam às ordens dos juizes, desrespeitando e agredindo os 
oficiais de justiça que
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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os iam prender. O primeiro editor, Luís Francisco da Veiga, entendeu alterar assim a ordem 
dos termos: «resistem, gritam, ferem, prendem, matam». Estaria assim regularizada, 
efectivamente, a ordem ascendente da série; mas o autor o que quis dizer foi isto, «matam 
ou prendem», não se tratando pois, em toda a extensão, de uma ordem ascendente.
É de notar que as diferenças quantitativas podem ter um carácter meramente intelectual, 
como uso - abuso, mar
- oceano, ribeiro - rio. Não intervém nestas séries o sentimento. Mas já em surpreendido - 
espantado, dócil-humilde, pensar - cismar, etc., facilmente vemos que o segumdo vocábulo, 
o termo intensivo, tem uma dose maior de sentimento. No geral, o que predomina nas séries 
é a intensidade afectiva; e é isso que verdadeiramente importa para a Estilística.
Isto, pelo que diz respeito aos caracteres quantitativos da expressão. Há porém uma noção 
qualitativa que não tem menor importância. É sabido que, quando nos referimos às coisas, 
actos, ideias, lhes damos um valor que eles em si podem não ter, mas que referimos quase 
sempre a nós próprios. Por exemplo, vão três amigos ao teatro ver uma
- É escapatória. Acode o terceiro: - Acho uma coisa insípida. peça. Ao sair, exclama um:-
É admirável! Diz o outro: O primeiro referiu-se à peça de um modo «melhorativo», o 
terceiro de um modo «pejorativo». O segumdo colocou-se em um meio-termo, 
sofrivelmente neutral.
É assim o nosso poder de apreciação: tendemos para achar boas ou más as coisas, segumdo 
nos causam prazer ou desgosto. E este facto necessariamente se há-de reflectir na 
linguagem. Suponhamos que Fulano vê o seu figadal inimigo, vestido a primor e montado 
num soberbo cavalo. Diz logo em tom de mofa para o vizinho: - Ali vai aquele pedante, 
escarranchado na sua pileca! Deu um sentido pejorativo às suas representações (pedante 
em vez de bem vestido, escarranchado por montado, pileca em lugar de cavalo), levado 
pelo seu sentimento pessoal.
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M. RODRIGUES LAPA
A língua está cheia destas expressões, que encerram numa série sinonímica valores 
melhorativos ou pejorativos: leito - catre; lábio - beiço; religioso - beato; fino - manhoso; 
económico - avarento, etc. É claro que as séries podem conter mais palavras, e várias delas 
podem ter um sentido mais ou menos pejorativo. Exemplo: palácio - solar •-vivendacasa 
-pardieiro - casebre-choupana-tugúrio-barraca.
A propósito justamente de casa escreveu Eça uma página cheia de graça, por ocasião da 
visita que o Imperador do Brasil fez a Herculano em 1872. Os jornais noticiaram o caso e, 
para acentuarem a honra prestada pelo soberano ao austero historiador, diminuíram a 
habitação deste a proporções ínfimas, empregando pejorativos literários, que têm aqui um 
efeito desnaturai e cómico:
«Sua Majestade Imperial visitou o Sr. Alexandre Herculano. O facto em si é inteiramente incontestável. Todos 
sobre ele estão acordes, e a História tranquila. No que porém as opiniões radicalmente divergem é acerca do 
lugar em que se realizou a visita do Imperador brasileiro ao historiador português.
O Diário de Notícias diz que o Imperador foi à mansão do Sr. Herculano. O Diário Popular, ao contrário, 
afirma que o Imperador foi ao retiro do homem eminente que... O Sr. Silva Túlio, porém, declara que o 
Imperador foi ao tugúrio de Herculano (ainda que linhas depois se contradiz, confessando que o Imperador 
esteve realmente na íebaida do ilustre historiador que...). Uma correspondência para um jornal do Porto 
afiança que o Imperador foi ao aprisco do grande, etc. Outra vem todavia que sustenta que o Imperador foi ao 
abrigo desse que... Algums jornais de Lisboa, por seu turno, ensinam que Sua Majestade foi ao albergue 
daquele que... Outros contudo sustentam que Sua Majestade foi à solidão do eminente vulto que... E um 
último mantém que o imperante foi ao exílio do venerando cidadão que...
Ora, no meio disto, uma cousa terrível se nos afigura: é que Sua Majestade se esqueceu de ir simplesmente à 
casa do Sr. Herculano!»- (Uma campanha alegre, n, 87-88).
9. Os efeitos evocativos. - Pelos exemplos apresentados até aqui, já temos visto que as 
palavras sinónimas podem
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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evocar certas formas de vida e actividade, certos meios sociais.
Por exemplo, alguém diz para um doente: - Então, vai melhor dos seus achaques? Aquela 
palavra não é a usual, em casos semelhantes. Costumamos dizer padecimentos, doenças, 
sofrimentos. A expressão, desusada, produz em nós certo efeito. Lembramo-nos de que 
ouvimos o termo a pessoas velhas, que já o encontrámos em livros antigos. Trata-se pois de 
um vocábulo antiquado, usado na literatura. O seu emprego choca-nos, evocando logo em 
nós um ambiente conservador e certa afectação literária. É a isto que se chama o «efeito por 
evocação» das palavras.
Esse efeito pode ser de natureza variada, como é de calcular. Vejamos estas quatro frases:
a) O pobre homem morreu cheio de sofrimento.
b) Às dez horas, o mariola esticava o pernil.
c) O estadista expirou com o pensamento no seu país.
d) Faleceu ontem o Sr. José dos Santos Abreu.
No primeiro exemplo, morreu é o termo usual e tambémo termo identificador, aquele que 
traduz a ideia geral, menos expressiva, por assim dizer. No segundo exemplo, pasmamos do 
atrevimento da expressão; sentimos imediatamente que esticar o pernil é um termo de gíria 
popular, que evoca esferas inferiores da população. No terceiro exemplo, expirar aparece-
nos como um vocábulo literário, só usado nos livros. Enfim, no último exemplo, faleceu 
dá-nos a impressão de um meio burocrático, jornalístico. A palavra, que tem carácter 
eufemístico, é empregada em estilo correcto, cerimonioso e levemente afectado.
Uma das coisas que melhor denumciam o aprendiz de estilo é o desconhecimento desta lei 
importante, que consiste em empregar as palavras que condigam com o ambiente
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M. RODRIGUES LAPA
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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psicológico ou social. Suponhamos esta frase: «Eurico, nas solidões do Calpe, não esquecia a 
mulher de quem gostara um dia». Aquele gostar introduz no discurso uma nota quase cómica, 
porque, sendo um termo familiar, de andar-por-casa, não se pode aplicar à paixão devoradora dum 
romântico tal como Eurico.
Se as palavras evocam o meio social, claro está que não poderemos pôr na boca dum campónio que 
conta um acidente, uma expressão como esta: «Quando o pedregulho caiu, fiquei um momento 
perturbado-». O que ele certamente diria era azoinado, aparvalhado, etc., palavras que 
correspondem aos seus hábitos linguísticos.
Note-se ainda que há também tendência de quem fala para se aproximar do entendimento daquele 
que ouve. Um cavador foi agradecer a um doutor um acto de generosidade. O doutor não lhe diz, se 
souber falar: - Penhorou-me a sua amabilidade; repito, porém, nada tem que me agradecer. Isso 
diria a um seu igual, em estilo epistolar, literário. Ao pobre homem, para que ele compreendesse 
bem, diria mais ou menos isto: - Ó homem, muito obrigado pela sua atenção, mas nada tem que me 
agradecer, valha-o Deus!
10. Os dicionários analógicos. - Acabámos de ver palavras que apresentam vários aspectos duma 
mesma noção; mas é natural que cada um dos elementos duma série sinonímica sugira por seu turno 
outras palavras, com que tem ou pode ter certas afinidades. Entra em jogo a chamada associação de 
ideias, que desempenha um papel importante no mecanismo do nosso espírito e portanto na técnica 
da expressão.
Os vocábulos belo, amor, frio, morrer, são conceitos abstractos, que se identificam e esclarecem no 
nosso espírito por meio da noção contrária :feio, ódio, calor, viver. Estas palavras, que designam o 
contrário ou a face oposta das coisas ou ideias, chamam-se antónimas. Estão implícitas nos
termos abstractos, como que fazem parte da sua definição. O povo diz com graça e com uma certa 
verdade: - Que vem a ser bonito? - É aquilo que não é feio. Fugindo da complicação das definições, 
sempre delicadas, define um termo pelo seu contrário. E procede com certa razão: a maneira mais 
prática de definirmos o belo e o feio é pô-los a par um do outro.
De modo que o princípio da analogia leva a considerar numa palavra em primeiro lugar o seu 
contrário; depois, todos os termos que se lhe ligam por associação de ideias. Para não sairmos da 
noção de belo, fixemos desde já o antónimo feio e vejamos os vocábulos e locuções mais correntes 
que se ligam aos dois termos:
BELO
Expressões substantivas: beleza, formosura, graça, encanto, atractivo, lindeza, boniteza, amabilidade, 
elegância, boa aparência, boa parecença, perfeição, majestade, Adónis, Narciso, narcisismo, Vénus, Helena, 
garridice, louçania, querubim, gentileza, donaire, etc.
Expressões verbais: ser belo, brilhar, luzir, resplandecer, aformosear, florescer, embelezar, alindar, enfeitar, 
adornar, ornar, parecer bem, transformar se de feia lagarta em linda borboleta, estar que nem um palmito, estar 
mesmo um amor, - um primor etc_
Expressões adjectivas: belo lindo, bonito, gentil, garrido, esPecioso, loução, vistoso, bem pro-
FEIO
Expressões substantivas: fealdade, monstruosidade, enormidade, deformidade, desproporção, má aparência, 
má catadura, suj idade, imumdície, Polifemo, Vulcano, Sileno, Quasímodo, diabo, bruxa chimpanzé, bode, 
sapo, osga, mostrengo, bicho, urso, macaco, estafermo, aleijão, etc.
Expressões vetbais: ser feio, ter má aparência,-má catadura, fazer caretas, ter a pele engelhada, ser um aleijão, 
ser estropiado; deformar, aleijar, estropiar, sujar, lambuzar, borrar, besumtar, deturpar, sarapintar, enfarruscar, 
ser feio como um bode,-como o diabo, etc.
Expressões adjectivas: feio, sem beleza, desengraçado, hediondo, feio de meter medo, caricatural,
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M. RODRIGUES LAPA
amores, etc.
rado, etc.
Se fizermos isto para todas as representações fumdamentais que possam arrastar outras 
ideias e por consequência outras formas de expressão, teremos feito um «dicionário 
analógico», ou «ideológico». São de grande benefício para o escritor, que por vezes procura 
a expressão mais adequada. Tê-la-á à sua disposição nesses repertórios, quando bem
elaborados.
Só em 1936, apareceu um dicionário desses para a nossa
língua, com certo desenvolvimento. É o Dicionário analógico Aã língua portuguesa, do 
P.e Carlos Spítzer (Porto Alegre, Livraria do Globo). Adopta uma sistematização muito 
discutível e embaraçosa para o estudioso e inclui, sem discriminação, os idiotismos 
portugueses e brasileiros, o que pode levar a algumas confusões. Mais claro, embora 
menos completo, é o Vocabulário analógico saído um pouco antes, da autoria do lexicólogo 
brasileiro Firmino Costa, o qual dá por vezes a abonação literária das expressões. 
Ultimamente, em 1950, foi publicado também no Brasil, o Dicionário analógico, de 
Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Padece dos mesmos defeitos, mas é talvez mais 
prudente e criterioso na escolha de termos de idêntico significado.
As duas colunas sobre belo e feio foram em grande parte aproveitadas de Spitzer; mas não 
incluímos algums termos nele contidos, por abusarem um pouco do conceito da analogia: 
careca, calvo, bexigoso, vermelhaço, cabelo de fogo, desaire, etc. É evidente que, a 
propósito de feio, se podem
ESTILÍSTICA DA UMGUA PORTUGUESA
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menos naturais,
íomfa nos bons diários anato-
gicos.
3.
O VOCABULÁRIO PORTUGUÊS
in
1. História e fisionomia do vocabulário português. -
A grande maioria, poderemos dizer a quase totalidade das palavras usuais portuguesas, provém do 
latim; não daquele latim polido, empregado pelos escritores da Roma imperial, mas da língua 
plebeia das tabernas e alfurjas, falada por soldados, por colonos e pequenos mercadores. Foram 
estes elementos da população romana que introduziram a sua língua na Península Hispânica, nos 
momentos da invasão e da conquista. Era a língua dos vencedores: ficou sendo pouco a pouco a 
língua dos vencidos, porque trazia consigo o prestígio duma grande civilização. A língua 
portuguesa, como afinal as outras línguas aparentadas, tem portanto, como se vê, uma origem bem 
humilde, caracteristicamente popular. Não nasceu em berço doirado.
Esse latim popular, que, mais tarde, por transformações de vária ordem, deu o português, era, como 
toda a linguagem plebeia, um instrumento de comunicação social, tosco, abreviado e sobretudo 
concreto. Usava um vocabulário em muitos pontos distinto do latim literário. Por exemplo, para 
designar «boca», dizia bucca e não ore; para «cavalo» dizia cábállu e não équu; para «casa» dizia 
casa e não dómu; para «grande» dizia grande e não mágnu.
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
43
Estamos vendo a importância deste facto: a escolha feita pelo latim vulgar ainda hoje vale para a 
língua comum. Efectivamente, em linguagem despretensiosa dizemos boca, cavalo, casa, grande; 
mas para os seus derivados já usamos ou podemos usar os termos literários: oral, equestre, 
doméstico, magnitude.
Durante algum tempo foi essa língua a usual na Península; mas o conquistador, por meio de escolas, 
foi derramando logo na terra conquistada o conhecimento da cultura latina, dos seus grandes 
escritores: de modo que,em breve, se deu um facto corrente em todos os idiomas: o lusitano 
começou a empregar duas línguas-uma, quando falava, outra, quando escrevia. Sempre que um 
povo se adianta na cultura, essa distinção é inevitável.
Veio depois a grande arremetida dos bárbaros germânicos. A Península é outra vez invadida e 
assolada. Mas os germanos possuíam uma civilização inferior; dominando pelas armas, deixaram 
intacta a velha cultura, imprimindo-lhe leves modificações, sobretudo no campo do direito. A língua 
continua a mesma; porém o vocabulário foi acrescido de um certo número de palavras, que 
denumciavam as preocupações guerreiras dos conquistadores. Termos de guerra, sobretudo, ou 
coisas aparentadas com a guerra, foi quanto a língua adquiriu com a invasão dos germanos: 
agasalhar, albergar, arreio, baluarte, banir, barriga, bradar, brandir, dardo, elmo, escaramuça, 
esgrimir, franco, galope, garbo, gastar, guerra, grinalda, luva, marchar, orgulho, raça, roubar, 
sala, tirar, trepar, etc.
Como vemos, a maioria destes vocábulos tem uma fisionomia acentuadamente militar. A 
acumulação dos rr parece dar-lhes a sonoridade dum tinir de armas; a natureza violenta e selvática 
dos germanos espelhou-se nas predilecções do seu vocabulário.
Três séculos depois, a Península sofre nova invasão: a dos árabes. A civilização dos árabes era 
talvez superior à
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M. RODRIGUES LAPA
cristã; não puderam porém conquistar toda a Ibéria. Ao norte, no Cantábrico, ficou um reduto 
cristão, de onde partiu, com implacável tenacidade, a guerra da reconquista. Tem-se hoje como 
certo que a maioria dos árabes sofreu logo de início e cada vez mais a influência da cultura e até da 
língua românica; mas não é menos verdadeiro que alguma coisa devia ficar da longa dominação 
islâmica. O vocabulário português de origem árabe denumcia bem em que medida se exerceu entre 
nós a influência dos sarracenos, que introduziram na Península novidades referentes à agricultura, 
indústria, ciências e artes, jogos, comércio, administração, etc.
Eis algums dos vocábulos mais usuais de origem árabe: açorda, alambique, álcool, alecrim, 
alfaiate, algarismo, alqueire, armazém, arroba, arrobe, azul, fatia, garrafa, mesquinho, oxalá, 
xadrez, xarope, etc. Pelo sentido destas palavras verificamos que o domínio da civilização árabe foi 
grande, pelo que respeita aos aspectos materiais da vida; mas dificilmente se encontrará na lista uma 
palavra abstracta, exceptuando a interjeição oxalá, que exprima ideias ou sentimentos da alma. Até 
mesmo aquele mesquinho parece ter sido ao princípio uma palavra concreta e significar «mendigo», 
«pedinte». Logo, a requintada cultura árabe não tocou na estrutura da língua; limitou-se a 
enriquecer o vocabulário de palavras que traduzem geralmente as aquisições da técnica e os gozos 
terrestres da vida.
Outras influências vieram depois enriquecer o nosso vocabulário. Acima de todas coloca-se a da 
língua francesa, que, por ser a expressão duma apurada cultura, logo de início, nos primeiros 
tempos da fumdação de Portugal, se fez sentir entre nós. Numca devemos esquecer que o primeiro 
chefe de Portugal foi um nobre francês, o conde D. Henrique de Borgonha, e que franceses ou gente 
afrancesada combateram por Portugal logo nos primeiros tempos da nossa existência de nação livre. 
Esses soldados franceses,
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
45
depois da guerra, estabeleciam-se no reino e nele constituíam família. Muitas das povoações da 
Estremadura e Ribatejo foram colonizadas por eles, então designados sob o nome geral de Francos.
2. O estrangeirismo; os galicismos. - Quando quisermos estudar o problema dos galicismos, assim 
se chamam os termos ou locuções afrancesadas que abumdam na nossa língua, devemos ter sempre 
presente o que acabamos de dizer: a verdade é que a nossa própria liberdade tem uma raiz francesa. 
Não é pois de estranhar que, acompanhando nós através dos séculos, com maior ou menor 
intensidade, o prestígio da cultura francesa, tenhamos recebido na nossa a marca da sua língua.
O problema é sobretudo um problema de ordem moral, que deve ser posto desta maneira: a 
influência duma cultura como a francesa, onde predominam a razão e a claridade, só pode ser 
benéfica para nós, com uma condição: que, em vez de nos escravizar ao estilo francês, estimule e 
clarifique as energias do nosso portuguesismo.
E, na verdade, é assim que ela tem operado entre nós. Dois exemplos: no século xui tivemos uma 
escola magnífica de poesia lírica. Foi a França que lhe deu o impulso inicial; a língua dos nossos 
trovadores acusa naturalmente um ou outro galicismo; mas essa influência estrangeira fez rebentar 
as fontes do nosso lirismo nacional, que se desentranhou em obras admiráveis. Outro exemplo: no 
primeiro quartel do século xix dá-se entre nós o movimento literário do Romantismo, sob o impulso 
de ideias que vieram de França, da Inglaterra e da Alemanha. Pois esse empurrão estrangeiro nada 
mais fez do que dar à nossa literatura uma orientação profumdamente nacionalista e humana. São 
disso prova as grandes figuras literárias de Garrett e Herculano.
Contudo, a nossa facilidade de imitação e aceitação de
M. RODRIGUES LAPA
modas estrangeiras pode conduzir-nos a excessos. E, de facto, sempre que surge uma vaga 
de francesísmo, há um período de imitação desordenada, efervescente. Logo depois se 
estabelece o equilíbrio, e na língua só ficam, por via de regra, os vocábulos que oferecem 
qualquer novidade. É inútil e até grotesco berrar contra isso. A adopção dos estrangeirismos 
é uma lei humana e particularmente portuguesa: constitui como que uma fatalidade, devida 
aos intercâmbios das civilizações. A língua, especialmente o vocabulário, só tem a lucrar 
com isso. O ponto está em que essa imitação não exceda os limites do razoável e não afecte 
a própria essência do idioma nacional.
Já atrás, no capítulo 2, nos referimos ao galicismo abandonar, que hoje está integrado 
definitivamente na língua e não é positivamente nela um «verbo-de-encher», como 
demonstrámos; corresponde a uma necessidade de expressão sentimental, que nenhum dos 
sinónimos preenche tão bem. Bastava isso para justificar o seu emprego. É essa, com efeito, 
a grande lei que rege ou deve reger a adopção de estrangeirismos: deverão ter acolhimento, 
quando correspondam efectivamente a necessidades de expressão.
Vejamos algums exemplos. A palavra bibeloí (leia-se bibelô) designa aqueles objectozinhos 
de arte, jarras, estatuetas, figuras, caixas, etc., com que embelezamos os aposentos da nossa 
casa. O termo sugere três ideias fumdamentais: o pequenino, o gracioso, o artístico. A moda 
dos bibelôs veio-nos de França, e é um produto com que a arte francesa adornava os salões 
fúteis e delicados do século xvm. Introduzida a moda e portanto o objecto em Portugal, 
veio com ele o nome, pois era coisa desconhecida entre nós. Assim se originam os 
estrangeirismos.
Pretendem os puristas, gente no geral pouco compreensiva e virada sempre para o passado, 
substituir esta palavra por outras, com sentido mais ou menos semelhante. No
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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fumdo, é a velha e errónea concepção do sinónimo. Já vimos que não há nem pode haver 
palavras com valor absolutamente igual. Procuram pois esses legisladores da república 
linguística substituir com vantagem o francesismo por palavras como: galantarias, 
bugigangas, brincos, brinquedos, objectos, artefactos, /utilidades. Um até, o professor 
brasileiro Carlos Gois, no seu Dicionário de galicismos, pretendeu substituí-lo pelo termo 
tetéia, que em luso-brasileiro significa mimo, brinquedo.
Um pouco de inteligência e de bom senso mostra-nos logo o ridículo e malfumdado de tais 
substituições. Nenhuma daquelas palavras é capaz de exprimir o conjumto de sugestões 
contido no vocábulo bibelô. O termo bugiganga é talvez o que mais se aproxima; mas 
contém uma ideia um pouco pejorativa de «coisa insignificante e não artística», que o 
distancia infinitamente de bibelô. A. diferençaentre os dois termos resulta claramente de 
um trecho de Fernando Namora, que nos representa o escultor Vasco Rocha, esperando sua 
amante Jacinta num quarto mobilado, cedido a esta por sua amiga Bárbara.
Enquanto aguardava a amante, estava ele «revendo e fixando as particularidades de cada 
bibelô, como se estivesse a desafiar e a exercitar a memória, propondo-se reconstituir de 
olhos fechados os pormenores mais ínfimos (um dos bibelôs, o campino, partira-se pela 
faixa vermelha que lhe cingia a cintura, num daqueles gestos desastrados de Jacinta, e fora 
colado com a perícia de um falsário - «vê se ela não dá por isso, senão tem para aí uma 
solipanta» -, para que Bárbara, ciosa da sua feira de bugigangas, não reparasse no 
estrago»).
- Os clandestinos, 2.a ed., pág. 81.
O sentido pejorativo de bugigangas é ainda reforçado por aquele nome, feira, que o 
antecede: era um objecto de quinquilharia, sem valor.
Uma outra palavra, que a moda francesa impôs ao nosso vocabulário: coquete, para 
designar a mulher que
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M RODRIGUES LAPA
veste bem e gosta de agradar. Tinha a língua, no seu velho fumdo, uma bonita palavra que 
designava quase a mesma coisa: garrida (garridice). Esse vocábulo foi caindo em desuso e 
passou umicamente a empregar-se como qualificativo de cor. Exemplo: «um vestido de 
cores garridas», isto é, berrantes, vistosas. Já o grande escritor português Almeida Garrett, 
que era um janota, dizia a respeito deste termo: «A palavra coquete não é portuguesa; mas 
não há remédio senão aceitá-la e dar-lhe carta de naturalização, desde que a cousa se aforou 
tanto entre nós.» Pode portanto quem quiser empregar a palavra garrida para qualificar a 
mulher janota e galante. Simplesmente, o vocábulo produz em nós certo efeito evocativo: 
conduz-nos a um mumdo antigo, de que estamos já desabituados. Soa como um arcaísmo, e 
perde nisso parte da sua força expressiva. É pena, talvez; mas é assim.
Um terceiro caso, o anglicismo lanche. Se disséssemos na cidade merenda em vez de 
lanche, como pretendem os puristas, cometeríamos uma falta de gosto, que nos tomaria 
ridículos. É que merenda evoca um ambiente rural, é quase uma expressão técnica das 
fainas do campo. Não serve portanto para a gente da cidade.
Há porém casos em que o estrangeirismo representa uma inovação escandalosa e 
indesejável, por absolutamente desnecessária. Está, por exemplo, muito em voga a forma 
estrangeira feminina massiva, do francês massive: «O partido socialista tem uma 
representação massiva no Parlamento». É um decalque disparatado, por desconhecer a 
forma correcta portuguesa, maciça, ou talvez melhor, na antiga ortografia, massiça, por se 
referir a massa = multidão.
Note-se que os nossos maiores estilistas, que se nutrem principalmente de literatura e ideias 
francesas, estão cheios de pecados contra o purismo do vocabulário. O próprio Camilo 
Castelo Branco, que é um formidável vernaculista,
ESTILÍSTICA DA LíNGUA PORTUGUESA
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e que tanto bramava contra o emprego dos estrangeirismos, abumda neles. Dois exemplos 
apenas:
1. «O destro jardineiro tira prodigiosas flores, redobrando e rajando as pétalas, que 
abrolhavam, anos antes, singelas, bem que formosas, na mesma tige» (Dispersos, m, 485).
2. «O que no ano passado corria despercebido escutou-se agora atentivamente (Dispersos, 
m, 325).
A palavra tige é um despropositado galicismo, por «haste», «caule», «pé»; e atentivamente 
está por «atentamente». Sem dúvida, para Camilo, num momento dado, tige não exprimia a 
mesma coisa que «haste», «caule».
No Brasil, Machado de Assis também não evitou os galicismos reprochar e reproche: 
«Ambos tinham que reprochar ( = censurar) um ao outro. O casamento absolvia-os» (laia 
Garcia, pág. 142). E teve até a coragem de justificá-los em nota do seu livro Papéis 
Avulsos, pág. 265. Abonando-se com Morais e Silva, não os considerava galicismos, e deu-
nos as razões pessoais do seu emprego: «Resta a questão de eufonia. Reproche não parece 
mal soante. Tem contra si o desuso. Em todo o caso, o vocábulo que lhe está mais próximo 
no sentido, exprobração, acho que é insuportável. Daí a minha insistência em preferir o 
outro, devendo-se notar que não o you buscar para dar ao estilo um verniz de estranheza, 
mas quando a ideia o traz consigo».
Em Eça de Queiroz e Fialho de Almeida, os pecados de francesia são frequentíssimos e por 
vezes até censuráveisVejam-se estes dois exemplos em Eça:
1. «Saíram enfim do hotel a fazer esse passeio a Sitiais» (Os Maias, i, 295).
2. «Estendeu a mão; mas o primeiro aperto foi gôche e mole» (Os M aias, i, 225).
4 - Estilística
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M. RODRIGUES LAPA
ESTILÍSTICA DA LÍNGUA PORTUGUESA
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No primeiro, fazer um passeio substitui desvantajosamente «dar um passeio», português de lei. 
Eça de Queiroz sentia mais força expressiva no verbo «fazer» e adoptou o modelo francês. No 
segundo, deu ao termo francês gaúche forma portuguesa; não se lembrou de um adjectivo português 
que traduzisse a ideia. Os puristas dão, como sinónimo de gaúche: canhestro, desajeitado, 
acanhado, azambrado, esquerdo, zambro, lorpa, bisonho, etc. Seria de mau gosto e ridículo 
substituir goche por «canhestro», forma já desusada; precisamente os repertórios de galicismos 
insistem nesse velho termo; mas poder-se-ia evitar o francesismo, usando palavras bem 
portuguesas, como: atrapalhado, desajeitado, desastrado, ou o afrancesado, mas já unanimemente 
admitido, embaraçado.
Em Fialho de Almeida:
1. «levando em pós de si o olhar fetichizadoi> (O País
das Uvas, 214).
2. «as mãos - uma maravilha de finura e esquisitice»
(O País das Uvas, 140).
No primeiro exemplo dá-se o caso engraçado de se imitar a forma francesa, quando o francês já 
tinha imitado a forma portuguesa. Efectivamente, os franceses tomaram o vocábulo fetiche do 
português feitiço; e é na verdade estranho que se adopte esse galicismo, tendo na nossa língua a bela 
palavra enfeitiçado. No segundo exemplo, aquele esquisitice está por encanto, delicadeza, e, nessa 
acepção, é também um galicismo. A palavra existiu e existe em português corn o sentido de «coisa 
invulgar, estranha».
Há portanto no estrangeirismo, e muito particularmente no galicismo, dois casos a considerar: a 
adopção de vocábulos, e o emprego de construções ou de grupos fraseológicos que contrariam a 
natureza da língua. Os primeiros são geralmente menos graves: porque, ou ficam no idioma, por 
representarem uma necessidade, e passam, nesse caso, a vestir a
rtuguesa: af)ím(lonar> atitude, sofá, boné, desporto, túnel, turismo, embaraçar, etc., ou são 
repudiados pela língua, corno coisa que não serve e só teve moda passageira no falar corrente ou no 
livro de um ou outro escritor (ex. goche,
Os segundos, que constituem propriamente um decalque da construção estrangeira, são mais 
perigosos, porque podem envolver uma desnaturação mais grave da forma de pensar 
portuguêsmente. Pertencem a este grupo certas locuções como: fazer a honra, fazer o conhecimento 
com alguém, fazer um passeio, ter lugar (por «efectuar-se, realizar-se»), de maneira a, enquanto 
que, o emprego abusivo da preposição em (vestido em seda), o uso irregular do gerúndio, etc. A seu 
tempo trataremos alguns destes casos, nos seus devidos lugares.
Não vá o leitor concluir de tudo isto que nem Camilo, nem Machado, nem Eça, nem Fialho 
conheciam bem o português, pois que o desfeavam com máculas de estrangeirismos. O emprego do 
estrangeirismo limita-se, por via de regra, nesses escritores, a casos de vocabulário, o qual eles 
procuram colorir com auxílio do termo estrangeirado. A expressão portuguesa tinha para eles, no 
momento da composição, qualquer coisa de desbotado e corriqueiro, que não correspondia já às 
necessidades do estilo. Ou bem ou mal, é o próprio sentimento da arte e a curiosa procura do termo 
exacto que os leva a empregar os estrangeirismos. No mais, a sua língua é portuguesíssima de lei; e 
as suas audácias expressivas, se tiveram inconvenientes, também tiveram as suas vantagens.

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