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André Cechinel - Literatura, ensino e formação em tempos de Teoria (com T maiúsculo)-Appris (2020)

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Prévia do material em texto

LITERATURA, ENSINO 
E FORMAÇÃO EM TEMPOS DE TEORIA 
(COM “T” MAIÚSCULO)
Editora e Livraria Appris Ltda.
Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês
Curitiba/PR – CEP: 80810-002
Tel. (41) 3156 - 4731
www.editoraappris.com.br
Printed in Brazil
Impresso no Brasil
Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT
Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
 Cechinel, André 
C387l Literatura, ensino e formação em tempos de teoria (com “T” maiúsculo) / André 
2020 Cechinel. - 1. ed. – Curitiba : Appris, 2020.
 207 p. ; 23 cm. – (Linguagem e literatura).
 
 
 Inclui bibliografias
 ISBN 978-85-473-4522-8
 
 
 1. Literatura – Estudo e ensino. I. Título. II. Série. 
 
 
 CDD – 807 
Editora Appris Ltda.
1.ª Edição - Copyright© 2020 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 
9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organi-
zadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 
10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.
LITERATURA, ENSINO 
E FORMAÇÃO EM TEMPOS DE TEORIA 
(COM “T” MAIÚSCULO)
André Cechinel
FICHA TÉCNICA
EDITORIAL Augusto V. de A. Coelho
Marli Caetano
Sara C. de Andrade Coelho
COMITÊ EDITORIAL Andréa Barbosa Gouveia - UFPR
Edmeire C. Pereira - UFPR
Iraneide da Silva - UFC
Jacques de Lima Ferreira - UP
Marilda Aparecida Behrens - PUCPR
ASSESSORIA EDITORIAL Evelin Kolb
REVISÃO Pâmela Isabel Oliveira
PRODUÇÃO EDITORIAL Lucas Andrade
DIAGRAMAÇÃO Bruno Ferreira Nascimento
CAPA Fernando
COMUNICAÇÃO Carlos Eduardo Pereira
Débora Nazário
Karla Pipolo Olegário
LIVRARIAS E EVENTOS Estevão Misael
GERÊNCIA DE FINANÇAS Selma Maria Fernandes do Valle 
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA
DIREÇÃO CIENTÍFICA Maria Aparecida Barbosa (USP)
Erineu Foerste (UFES)
CONSULTORES Alessandra Paola Caramori (UFBA) Leda Cecília Szabo (Univ. Metodista)
Alice Maria Ferreira de Araújo (UnB) Letícia Queiroz de Carvalho (IFES)
Célia Maria Barbosa da Silva (UnP) Lidia Almeida Barros (UNESP-Rio Preto)
Cleo A. Altenhofen (UFRGS) Maria Margarida de Andrade (UMACK)
Darcília Marindir Pinto Simões (UERJ) Maria Luisa Ortiz Alvares (UnB)
Edenize Ponzo Peres (UFES) Maria do Socorro Silva de Aragão (UFPB)
Eliana Meneses de Melo (UBC/UMC) Maria de Fátima Mesquita Batista (UFPB)
Gerda Margit Schütz-Foerste (UFES) Maurizio Babini (UNESP-Rio Preto)
Guiomar Fanganiello Calçada (USP) Mônica Maria Guimarães Savedra (UFF)
Ieda Maria Alves (USP) Nelly Carvalho (UFPE)
Ismael Tressmann (Povo Tradicional 
Pomerano)
Rainer Enrique Hamel (Universidad do 
México)
Joachim Born (Universidade de Giessen/
Alemanha)
AGRADECIMENTOS
Se é verdade que as preocupações em relação à dinâmica de aplicação de 
pressupostos teóricos aos artefatos literários caminham comigo há bastante 
tempo, as formulações que tomam corpo neste livro só me foram possíveis a 
partir da leitura, nos últimos anos, dos ensaios do Prof. Dr. Fabio A. Durão 
(Unicamp), em particular do livro Teoria (literária) americana: uma introdução 
crítica, publicado em 2011. A minha dívida para com o volume em questão 
e demais textos de Durão revela-se nas constantes menções à sua obra ao 
longo de todos os capítulos que compõem o presente volume. Agradeço 
ao Prof. Fabio, pois, tanto pela interlocução aqui evidenciada quanto pelas 
recentes contribuições para os volumes que organizei sobre o tema.
Devo agradecer, ainda, a amigos e parceiros intelectuais cuja presença se 
faz direta ou indiretamente sensível nos ensaios aqui reunidos. Além dos 
colegas do Programa de Pós-Graduação em Educação e do Curso de Letras 
da Unesc, bem como de seus respectivos alunos, gostaria de agradecer ao 
Prof. Dr. Rafael Rodrigo Mueller, coautor de dois dos capítulos deste livro 
e interlocutor constante; ao Prof. Dr. Sérgio Luiz Rodrigues Medeiros, 
para sempre il miglior fabbro; ao Prof. Dr. Fábio Luiz Lopes da Silva, amigo, 
mestre e máquina conceitual; à Prof.a Imaculada Kangussu, companheira 
de leituras, textos e viagens; ao Prof. Dr. Eduardo Subirats, eterno defensor 
da literatura, do ensaio e de um circuit circus para as humanidades; ao Prof. 
Dr. Victor Luiz da Rosa, leitor criterioso e crítico certeiro; e ao Prof. Dr. 
Cristiano de Sales, poeta, ensaísta e amigo. Agradeço, ainda, o convívio 
diário e as conversas sempre produtivas com os amigos Prof. Dr. Ismael 
Gonçalves Alves, Prof. Dr. Gladir da Silva Cabral e Prof.ª Dr.ª Ângela 
Cristina Di Palma Back. Sem a presença e o diálogo com todas essas pessoas, 
o presente volume não teria acontecido.
Por fim, agradeço à Michelle Maria Stakonski Cechinel, minha leitora mais 
rigorosa e gentil, ponto de convergência de todos os meus textos e de todo 
o resto: “Love is most nearly itself/When here and now cease to matter”.
O autor
PREFÁCIO
Uma adolescente brilhante que ama os livros, mas não consegue 
dedicar-se tanto quanto queria a eles em meio às obrigações escolares e às 
pressões decorrentes da relativa pobreza em que sua família se encontra. 
Um jovem, atormentado por um trauma terrível, que decide deixar tudo 
para trás, inclusive a carreira promissora como estudioso da literatura. Um 
sessentão nova-iorquino às voltas com a falência iminente da editora que 
dirige há quatro décadas. Um autor famoso acossado pelo fantasma de uma 
paralisia criativa permanente. Uma aluna de doutorado que, à noite, depois 
do trabalho, tenta terminar sua tese no cenário sombrio da casa abando-
nada que ocupa irregularmente. Em Sunset Park, romance de Paul Auster 
(2012), a literatura está por toda parte, mas em condições invariavelmente 
precárias, abrindo caminho com dificuldade na rotina das pessoas ou sendo 
continuamente emparedada pelas incertezas da vida.
Essas incertezas, em certa medida, são as de sempre, fruto do simples 
fato de existirmos e de seus riscos inerentes. “Viver é muito perigoso”, já 
disse alguém (só não exageremos no recurso autocomplacente a tal citação: 
esse alguém, não custa lembrar, era um jagunço, enquanto nós...). Mas as 
incertezas que rondam os personagens de Auster são também as de um tempo 
e um lugar específicos: o ano de 2008 nos Estados Unidos, quando, como 
se sabe, a maior economia nacional do planeta conheceu um abalo de pro-
porções catastróficas, com consequências dramáticas para o mundo inteiro.
Como bem aponta o ensaísta Thomas Frank, os blue collars americanos 
até hoje não saíram da situação encalacrada em que os grandes especula-
dores os meteram. É verdade que, de acordo com as estatísticas oficiais, 
o país voltou a crescer. Só que a transferência dos lucros para o andar de 
baixo simplesmente não acontece: “os salários não aumentam; a renda 
média no país permanece bem abaixo do ponto em que estava em 2007; a 
parcela representada pelos ganhos dos trabalhadores no produto interno 
bruto bateu o recorde negativo em 2011 e desde então não se recuperou” 
(FRANK, 2016, p. 1). Em favor de seu argumento, Frank menciona uma 
esclarecedora pesquisa de acordo com a qual, em 2014, quase três quartos 
dos americanos ainda pensavam que os Estados Unidos continuavam em 
recessão. “Porque, para eles, estava mesmo”, arremata Frank (2016, p. 2).
Timothy Snyder, professor de História em Yale, vai ainda mais longe. A 
seu juízo, a crise de 2008 é um divisor de águas. Sob seus efeitos disruptivos, 
os americanos finalmente ligaram os pontos (o 11 de setembro, o desastre 
da segunda guerra no Iraque, a perda ininterrupta de direitos, o ocaso dos 
sindicatos etc.) e concluíram que o futuro de paz e prosperidade prometido 
pelas democracias liberais estava cada vez mais irremediavelmente distante 
deles. Nasceu daí um novo tempo, marcado por descrença e desesperança, à 
mercê de projetos autoritários. Ou mais que isso: para Snyder, a mais recente 
recessão é, para muitos americanos, o anozero de uma outra concepção de 
tempo, um modo radicalmente novo de as pessoas compreenderem a História, 
uma maneira de enquadrar a vida em cujos termos o futuro simplesmente 
desaparece do horizonte, sendo substituído pela ideia de que tudo o que 
há, no fim das contas, é a repetição infatigável de um único e mesmo ciclo, 
no qual “nós”, supostos inocentes, seríamos perpetuamente atacados por 
algum inimigo externo ou interno (os chineses, os comunistas, os negros, 
os mexicanos, os corruptos etc.) (cf. SNYDER, 2018). 
Ainda segundo Snyder, o que acontece nos Estados Unidos é, na verdade, 
só um exemplo, entre muitos outros, de um fenômeno global. Com pequenas 
diferenças cronológicas e sob a influência de diferentes acontecimentos além 
da crise de 2008, a humanidade toda está rendendo-se a essa percepção de 
que estamos presos a um ciclo em que seríamos perpetuamente atacados 
justamente porque somos puros, e o destino da pureza é ser violada pelos 
homens maus. Ora, em circunstâncias dominadas por uma narrativa geral 
tão medíocre e deprimente, como esperar que a literatura seja valorizada?
No livro que o leitor agora tem nas mãos, André Cechinel revela imensa 
clareza de que a literatura existe hoje exatamente como é capturada no romance 
de Auster: aos pedaços e sempre prestes a desaparecer. O autor, além disso, 
mostra total consciência de que esse despedaçamento foi produzido por e faz 
sistema com os circuitos do capital e a sucessão de dramas políticos e tensões 
socioeconômicas que marcaram o século XX e se prolongam pelo século 
XXI. Cechinel não cita Snyder, mas converge para a mesma conclusão de que 
o cortejo de crises nos últimos 100 anos foi matando a ideia de progresso, 
até nos submeter a uma nova temporalidade, alheia à noção de futuro. Uma 
temporalidade decerto não apenas esteticamente deplorável, mas, a rigor, 
incompatível com as lentidões que a opacidade do literário solicita para ser 
interpretada e assimilada às nossas vidas. Basta pensar no que hoje, nas redes 
sociais, é chamado de “textão”: algo que, no seu suposto excesso e exigência 
cognitiva, não encheria, contudo, meia página de Guerra e Paz. Quem pode ler 
Tolstói quando passa, como no caso do brasileiro médio, quase 10 horas por 
dia conectado à internet, na maior parte desse período sendo bombardeado 
por postagens que, como certas drogas, felicitam-nos ou ultrajam de modo 
miseravelmente solitário e de uma maneira tal que imediatamente demanda 
um novo choque, uma nova felicitação ou ultraje?
Cechinel bem sabe, de resto, que, embora não seja necessariamente 
eterno e inexpugnável, o conjunto atordoante de condições a que estamos 
hoje submetidos tem uma força opressiva e acachapante o suficiente para 
nos impedir de sonhar, mesmo no longo prazo, com um destino para a 
literatura que não seja o de uma existência parasitária, menor, residual. São 
esses restos literários que Cechinel recolhe, e é a partir deles que ele tenta 
pensar – nos termos de uma posição próxima à que Nietzsche chamou de 
pessimismo de força – o ensino da literatura. 
Um apóstolo do pessimismo de força. Assim é André Cechinel. Afinal, 
apesar de estar convencido de que a literatura cedo ou tarde se extinguirá, ele 
reitera o compromisso de lutar para que ela ao menos possa seguir operando 
como “lembrança anacrônica de um significado mais verdadeiro da palavra 
formação”. Para Cechinel, a literatura humaniza não por seus conteúdos 
específicos, por mensagens que venha a carregar, mas pelo simples fato de 
que, com sua dificuldade, sua resistência à digestão imediata, lança-nos em 
outra temporalidade e rasga a bolha do eterno presente em que vivemos. A 
literatura humaniza porque inventa a possibilidade do futuro, esse outro 
nome para a humanidade.
Em uma época em que mesmo os teóricos da área parecem não mais 
nutrir um sentimento profundo pela literatura, Cechinel continua a amá-la 
incondicionalmente. Neste livro – que é, no fundo, a sua profissão de fé 
–, ele reitera a certeza de que há coisas que só a literatura é capaz de fazer 
(mesmo que ela quase já não consiga de fato fazê-las; mesmo que, para que ela 
pudesse fazê-las, precisasse contar com uma abertura e uma disponibilidade 
dos leitores que se apresentam cada vez menos). Cechinel, nesse sentido, é 
parecido com Pilar, a adolescente bibliófila de Sunset Park mencionada na 
frase de abertura desta apresentação. Com os parcos recursos aprendidos 
nas aulas de Inglês na escola, ela se demora sobre o que lê e está de tal 
modo atenta a isso que é capaz de perceber algo tão sutil e sublime como a 
força que uma simples mudança de foco narrativo pode ter: “ela começou 
a argumentar”, escreve Auster (2012, p. 14) sobre a garota, 
[...] que o personagem mais importante [de O Grande Gatsby, 
de F. Scott Fitzgerald] não era Daisy, nem Tom [Buchanan, o 
marido dela], nem mesmo Gatsby, mas Nick Carraway [primo 
de Daisy e narrador do romance]. [...] É porque é ele que conta 
a história, disse Pilar. Ele é o único personagem que tem os 
pés no chão, o único personagem capaz de olhar para fora 
de si mesmo. Todos os outros são pessoas perdidas, rasas, e 
sem a compaixão e a compreensão de Nick, não seríamos 
capazes de sentir nada por eles. O livro depende de Nick. 
Se a história fosse contada por um narrador onisciente, não 
seria nem a metade do que é.
Não por acaso, O Grande Gatsby é uma das obras preferidas de André 
Cechinel. Com Nick Carraway (e alguns outros), ele certamente aprendeu o 
ofício tão bem compreendido – e exercido – por Pilar: o de olhar para cada 
um de nós com compreensão. Este livro – que, ao insistir na literatura, não 
desiste do futuro, isto é, de nós – é a prova disso.
Fábio Lopes da Silva
Professor titular da UFSC
Florianópolis, 7 de maio de 2019
REFERÊNCIAS
AUSTER, Paul. Sunset Park. São Paulo: Cia. das Letras, 2012.
FRANK, Thomas. Listen, Liberal: Or What ever happened to the Party of the People? 
Nova York: Metropolitan Books, 2016.
SNYDER, Timothy. The Road to Unfreedom. Nova York: Tim Duggan Books, 2018.
SUMÁRIO
PRÓLOGO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .13
USOS DA LITERATURA
1
LITERATURA E FORMAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .19
Da dificuldade de dizer “literatura” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
Da necessidade de dizer “literatura” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
2
SEMIFORMAÇÃO LITERÁRIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .39
A nova BNCC e a semiformação literária . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
Literatura e formação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
3 
O IMPÉRIO DAS FAKE NEWS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .53
As fake news e o paradigma da sensação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
A literatura e o paradigma da supressão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62
4 
LITERATURA E NEGATIVIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .71
A literatura e a sociedade excitada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
A literatura e a ética espetacular. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
5 
UM NOVO REGIME DE PERCEPÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .83
Mutações sensoriais e os usos da atenção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85
Pluralidade midiática, literatura e atenção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
USOS DA TEORIA (LITERÁRIA)
6
A LITERATURA AUSENTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .99
Da literatura como objeto ausente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
Da “crítica prática” ao desaparecimento do objeto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
O desaparecimento do objeto e o espaço de trabalho acadêmico . . . . . . . . . . . . . . 108
Teoria – com “t” minúsculo – e a restituição dos objetos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112
7 
RASTROS AUTORAIS DA TEORIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .115
A fórmula como potência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
A fórmula como fórmula . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
8
O CARÁTER DESTRUTIVO DA LITERATURA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .127
Literatura, alteridade e a “virada ética” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
Literatura e destruição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
O outro da teoria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142
9 
A PERSISTÊNCIA DA FORMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .147
EDUCAÇÃO E OUTROS USOS
10 
UM BRINQUEDO IMPROFANÁVEL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .165
A brincadeira como profanação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167
Câmara Mirim e o mundo adulto improfanável. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170
11 
A EDUCAÇÃO COMO FALSO NEGATIVO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .177
Educação para além do espetáculo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
Educação como falso negativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186
REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .195
13
PRÓLOGO
Os ensaios reunidos neste livro, sob o título Literatura, ensino e formação 
em tempos de Teoria (com “T” maiúsculo), buscam discutir, em linhas gerais, 
alguns dos impasses que atravessam o lugar da literatura nas instituições 
e nos processos formativos, seja na educação básica ou mesmo no ensino 
superior. Em poucas palavras, pode-se dizer que os capítulos constituem 
diferentes formas de responder à seguinte pergunta: o que de fato significa 
dizer, ainda hoje, que o ensino de Literatura “humaniza” os sujeitos, prin-
cipalmente em um contexto de claro encolhimento das humanidades e de 
reformas educacionais que estrangulam qualquer possibilidade formativa 
alheia à lógica da aplicação imediata ou à dinâmica de meios e fins? Nesse 
sentido, de certa forma, o livro não deixa de ser uma reafirmação radical 
da defesa do literário feita por Antonio Candido em seu célebre ensaio “O 
direito à literatura”, mas, ao mesmo tempo, uma tentativa de indicar que 
esse mesmo literário – que arrasta consigo toda a positividade atribuída 
a seu suposto conteúdo formativo –, destituído de uma predicação mais 
clara ou desvinculado dos processos específicos aqui discutidos, permanece 
sem rumo, à deriva, podendo ser, inclusive, prontamente apropriado pelo 
seu inverso.
O exemplo mais claro disso, isto é, de um conceito de literatura que, 
mesmo sob o propósito de reafirmar a importância da imaginação, da inte-
ratividade e da construção de significados na e com a linguagem – “huma-
nizando”, pois, o ser humano –, acaba por neutralizar o que lhe é singular 
em relação às demais formas de escrita, mergulhando todos os gêneros 
em um mar de objetos indistintos e potencialmente equivalentes, pode ser 
visto nas formulações dos Parâmetros curriculares nacionais (PCN), de 2000: 
como tudo não passa de texto, ou de textos muitas vezes acolhidos por uma 
noção genérica de “gêneros textuais”, a ideia de um artefato propriamente 
literário torna-se problemática. A consequência dessa linha argumentativa é 
a própria destruição da área, mesmo sob ares pretensamente democráticos 
e elogiosos à literatura: já não há mais diferenças relevantes, por exemplo, 
entre Paulo Coelho e Machado de Assis, e Drummond não é de todo dis-
tante de Zé Ramalho – isso para nos limitarmos aos casos debatidos pelo 
próprio documento, restando-nos imaginar até onde as equivalências podem 
ir. Mais recentemente, a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) 
14
ANDRÉ CECHINEL
brasileira, de 2018, sem a mesma virulência dos PCNs, reduziu a literatura 
fundamentalmente a um jogo de mídias e dispositivos tecnológicos: se o 
nome de autores, obras e movimentos artísticos, por um lado, praticamente 
desaparece do documento, as assim chamadas “culturas juvenis contempo-
râneas”, por outro, parecem bem representadas por meio do vínculo entre o 
literário e o midiático na profunda democracia da web. Para a BNCC, mais 
que o desafio reflexivo imposto pelas obras, o importante é eventualmente 
“produzir playlists, vlogs, vídeos-minuto, escrever fanfics, produzir e-zines” 
ou tornar-se “um booktuber”, sempre, é claro, “reconhecendo o potencial 
transformador e humanizador da experiência com a literatura” (BRASIL, 
2018, p. 87). Seja como for, os itálicos da citação podem desde já indicar de 
onde vem essa concepção de literatura e ensino.
Como pano de fundo para toda essa discussão, assombra o campo da 
Literatura uma noção fantasmática de Teoria (literária), com “T” maiúsculo 
e sem delimitação de campo de atuação, ou melhor, sem objetos específi-
cos. Conforme a definição de Fabio A. Durão (2011b), a Teoria pode ser 
caracterizada tanto pela multiplicação dos princípios e procedimentos, 
escolas e movimentos interpretativos quanto pela desvinculação desse 
mesmo quadro teórico plural e abundante de qualquer delimitação de 
área de estudo. A Teoria, portanto, é marcada pelo signo do paradoxo: de 
um lado, as possibilidades teóricas multiplicam-se indefinidamente, em 
uma política do excesso que alarga ou rompe quaisquer fronteiras entre as 
disciplinas e campos; de outro, em decorrência disso, a Teoria resulta não 
raro em procedimentos de análise apriorísticos ou mecanizados, que sem se 
preocupar com a singularidade dos objetos dirige-se a eles em uma dinâmica 
de mera aplicação ou testagem fadada a sempre funcionar. Nas palavras de 
Durão (2011b, p. 3), a influência da Teoria “se dá primordialmente por meio 
por meio de uma dissociação cada vez maior entre texto literário e código 
interpretativo”. Logicamente, a desvinculação entre “texto literário e código 
interpretativo” muitas vezes reduz a literatura a um campo estritamente 
temático, a que se podem colar as questões teórico-políticasmais amplas 
discutidas pelos grandes Teóricos. Não resta dúvida de que esse quadro 
intelectual precariza a noção de obra ou artefato literário ou artístico, cuja 
organicidade anterior agora se desfaz para acomodar os conceitos que 
habitam o universo dos diferentes Studies ou da Teoria. 
Para discutir essas questões, o presente volume encontra-se dividido 
em três seções fundamentais. A primeira seção, intitulada “Usos da litera-
15
LITERATURA, ENSINO E FORMAÇÃO EM TEMPOS DE TEORIA (COM “T” MAIÚSCULO)
tura”, reúne cinco capítulos que abordam assuntos que vão desde a relação 
entre literatura e a ideia de formação humana, até temas como as chama-
das fake news e um conceito de “negatividade” para os estudos literários, 
tudo isso vinculado ao debate acerca de um regime de atenção específico 
solicitado pela área. A segunda seção, “Usos da Teoria (literária)”, volta-se 
mais particularmente para a discussão sobre o modus operandi da Teoria e 
as possibilidades de surgimento de uma política de restituição da singula-
ridade dos objetos para a Teoria Literária, dessa vez sem parênteses e com 
uma delimitação clara do âmbito de atuação do teórico. Por fim, uma vez 
que os problemas debatidos nas duas primeiras seções não dizem respeito 
somente à literatura tomada isoladamente, mas também à educação e seus 
processos formativos como um todo, a última seção do volume, intitulada 
“Educação e outros usos”, debate os laços entre a educação e o neolibe-
ralismo contemporâneo, de modo a indicar, na contramão da formação 
para o espetáculo e das instituições educacionais como meras empresas, 
um conceito de educação verdadeiramente crítico, capaz de ressignificar 
e potencializar os resíduos daquilo que ainda chamamos de emancipação 
e esclarecimento. Os dois capítulos da última seção foram redigidos com 
o professor Rafael Rodrigo Mueller, a quem agradeço o diálogo intelectual 
permanente. 
Se é verdade que as humanidades e a literatura estão em crise na 
estrutura universitária e escolar, a saída para essa crise, se possível, encon-
tra-se não na mera positivação de seus processos – ou em uma politização 
suspeita, muitas vezes importada, que se dá na contramão das áreas e de seus 
objetos, como costuma ser o caso nos procedimentos da Teoria contempo-
rânea –, mas sim na revisitação teórica e crítica de toda uma tradição que 
nos fez e nos faz falhar, bem como de um conceito de educação e formação 
há muito distante de si mesmo. É em nome do direito de tentar mais uma 
vez, e possivelmente falhar, que agora falamos.
Usos da literatura
19
1
LITERATURA E FORMAÇÃO
“Para dizer-te em uma palavra: instruir-me a mim mesmo, tal como 
sou, tem sido obscuramente meu desejo e minha intenção, desde a infância” 
(GOETHE, 2006, p. 284). O projeto de formação (Bildung) vislumbrado por 
Wilhelm Meister e explicitado naquelas que talvez sejam as páginas mais 
famosas do livro de Goethe, Os anos de formação de Wilhelm Meister (1795-
1796), jamais poderia ser pensado sem o diálogo com a literatura e as demais 
artes. Com efeito, ao longo de suas mais de 600 páginas, o célebre Bildungs-
roman (“romance de formação”) goethiano faz desfilar diante do leitor uma 
imensa trupe de artistas apaixonados pela arte e pela literatura, artistas cuja 
tragicomicidade de suas vidas confunde-se com aquela das várias peças que 
encenam em seu percurso errante. Em Wilhelm Meister, a formação apresen-
ta-se atrelada a certo abandono de si em meio a uma trajetória incerta que, 
diferentemente do ideal de vida burguês retratado no romance, não prevê 
meios e fins específicos garantidores da acomodação do sujeito em um mundo 
de negócios, bens, dinheiro e lucro. Nesse sentido, “autonomia” e “liberdade”, 
elementos mínimos da imagem de formação aqui em pauta, significam, em 
última instância, a abertura ao risco e a uma intransitividade artística sem a 
qual a razão instrumentaliza-se de tal modo a negar-se a si mesma.
Ora, que a aliança entre formação, arte e intelectualidade não possa 
ser hoje simplesmente convocada nesses mesmos termos é algo desde há 
muito anunciado.1 No célebre texto de 1915 intitulado “A vida dos estudan-
tes”, Walter Benjamin já apontava a melancolia resultante de um processo 
formativo estritamente escolarizado e submetido a uma lógica enrijecida 
de meios e fins e a uma concepção linear e progressista de tempo: 
Na medida em que se direciona para a profissão, a universi-
dade desencontra-se forçosamente da criação imediata como 
forma de comunidade. A estranheza hostil, a incompreensão 
da escola perante a vida exigida pela arte pode ser realmente 
1 Sobre o tema, cf. “Sobre a relevância dos estudos literários hoje”, de Fabio A. Durão, disponível em: http://
www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao02/02e_fad.php. 
20
ANDRÉ CECHINEL
interpretada como recusa da criação imediata, não relacio-
nada com o cargo (BENJAMIN, 2002, p. 40). 
A formação, dissociada das artes e voltada para o mercado de tra-
balho a partir de um mundo de títulos, qualificações, ranqueamentos e 
muita competição, afasta o indivíduo do espírito comunitário e degrada a 
própria ciência. Se a vida do estudante deve pressupor a produção de um 
atrito mínimo com o mundo estabelecido, o império das profissões con-
verte o estudantado em um corpo passivo à espera de um lugar ao sol, ou 
melhor, um corpo disposto a adaptar-se justamente às demandas sociais 
que deveriam ser o objeto de suas críticas. Publicado há mais de 100 anos, 
o texto de Benjamin está condenado a ver o seu diagnóstico diariamente 
reafirmado e naturalizado nos mais variados espaços de ensino, a ponto de 
constituir um retrato verdadeiro, talvez quase que idílico, de uma realidade 
agora convertida na mais violenta regra. Se o ensaio de 1915 lamentava o 
abandono das artes ou mesmo de Eros em nome de uma formação mais 
estreita dirigida para a vida profissional, hoje podemos lamentar, então, 
o abandono da própria ideia de educação e, paralelamente a isso, a mera 
sobrevivência do artístico-literário como ilhas-simulacro de intransitividade 
em meio a uma formação utilitária e pragmática.
A literatura é precisamente uma dessas ilhas-simulacro que habitam 
o centro desse impasse. Não raro destina-se a ela um papel grandioso no 
âmbito da educação formal, porém a grandiloquência com que é anunciada 
sua suposta tarefa contrasta vivamente com as condições e contradições 
concretas para a sua realização. Assim lemos, por exemplo, nas Orientações 
Curriculares para o Ensino Médio, documento de 2006 publicado pelo MEC 
que estabelece as diretrizes gerais para o ensino de Literatura no Brasil: “o 
ensino de Literatura (e das outras artes) visa, sobretudo, ao cumprimento 
do Inciso III dos objetivos estabelecidos para o ensino médio [...]”, que diz 
respeito ao “aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo 
a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pen-
samento crítico” (BRASIL, 2006, p. 53). São citadas, a seguir, as conhecidas 
palavras de Antonio Candido sobre o aspecto “humanizador” do texto lite-
rário: “a literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em 
que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o 
semelhante” (apud BRASIL, 2006, p. 54). Para além do desconforto que de 
pronto provoca a tese de um “aprimoramento” do educando como pessoa 
“humana”, as condições objetivas para o ensino de Literatura não são nada 
animadoras e desnudam, em muitos casos, não a emancipação do “sujeito 
21
LITERATURA, ENSINO E FORMAÇÃO EM TEMPOS DE TEORIA (COM “T” MAIÚSCULO)
humano”, mas sim a sua captura quase que integral à dinâmica mais agressiva 
daquele mesmo mundo das mercadorias de que ele haveria de se libertar se 
bem formado: ali onde a literatura, por ser “difícil”, não é substituída por 
resumos, versões adaptadas dos clássicos ou mesmo textos e gêneros mais 
palatáveis, ela então se vê submetida ao mundo dos vestibulares e avaliações, 
cujo intento, cabe insistir, não é a promoçãoda liberdade e da autonomia 
dos sujeitos, mas sim a divisão e distribuição dos espaços que cada um pode 
pleitear na vida social produtiva. Nesse último caso, em particular, o contato 
com o literário inscreve-se em uma lógica de competição mais ampla que 
domestica a potência supostamente disruptiva atribuída à literatura nos 
documentos oficiais. Encarar de frente esse quadro embaraçoso constitui, 
antes de mais nada, um gesto de coragem e honestidade.
O presente capítulo intenta discutir justamente o cenário de profunda 
precariedade que regula o (não) lugar dos estudos literários hoje nas ins-
tituições de ensino. Para tanto, o argumento divide-se em dois momentos 
fundamentais: primeiramente, busca-se rememorar de modo sucinto – e 
sob o risco de certa superficialidade – alguns dos golpes desferidos contra 
o espaço formativo ocupado pela literatura ao longo do século XX e que 
demandam uma reconfiguração discursiva capaz de justificar o porquê de 
sua presença nas escolas e, por que não dizer, nas universidades. Refiro-me 
aqui, entre outros, à crise do discurso de nação, à insuficiência do conceito 
de literariedade, ao império da ideia de texto e gêneros textuais e, por con-
sequência, à crise do objeto nos estudos literários. A seguir, atravessado 
esse “balanço” inicial, o texto debate brevemente a necessidade de uma 
conceituação forte para as noções de “obra”, “leitor” e “tradição”, operadores 
mínimos que, implícita ou explicitamente, conduzem o ensino de Literatura 
e que se apresentam uma vez mais como desafios teóricos urgentes para a 
teoria literária. Longe desses desafios, os objetos e a própria área aqui em 
pauta, ao menos tal como encarnados sob a forma de disciplinas curricu-
lares, tendem a entrar em sintonia com o fluxo infinito e desgovernado 
de estímulos e trocas do tempo presente e, dessa forma, a se traduzir em 
práticas distantes da tão propalada “formação humana”.
Da dificuldade de dizer “literatura”
É sob a sombra do discurso de nação ou a partir de seus destroços que 
se dá muito do que ainda hoje ocorre no domínio do ensino de Literatura, 
22
ANDRÉ CECHINEL
isso tanto no nível médio quanto universitário. Como se sabe, “no século 
XIX, quando ela [a literatura] se tornou disciplina autônoma (sob a forma 
de história literária), seu estudo servia como cimento das nacionalidades” 
(PERRONE-MOISÉS, 2016, p. 76). Decorre desse instinto de nação do século 
XIX, portanto, a forma como os currículos organizam e estruturam o estudo 
do literário a partir das literaturas nacionais, distribuindo os “conteúdos”, 
autores e obras ao longo de uma faixa temporal que segue linearmente 
desde o “surgimento” de determinada tradição local até o balanço contem-
porâneo de sua situação, em constante contraste com o fundo histórico e 
estético do desenvolvimento literário de outras nações, principalmente as 
europeias, como França, Inglaterra e Alemanha. A noção de tempo subja-
cente a esse encarceramento classificatório, aliás, encontra-se em profunda 
sintonia com o próprio espírito positivista do século XIX, um tempo que 
segue cumulativa e progressivamente até culminar no momento presente. 
Seja por meio dos períodos literários ou estilos de época no ensino médio 
– “Quinhentismo” (ou Renascimento), “Barroco”, “Arcadismo” (ou Classi-
cismo), “Romantismo” etc. –, seja por meio da conhecida grade curricular 
que tece cortes geográfico-temporais relativamente estáveis e harmônicos 
nessa mesma sequência histórica e estética – “Literatura brasileira I, II, III 
etc.”, “Literatura portuguesa I, II, III etc.” –, o fator de organização é no fim 
o mesmo, a expressão do caráter tipicamente nacional de certas obras e o 
papel decisivo por elas desempenhado na formulação e consolidação das 
conquistas literárias de um dado povo. É como tal, em sua aliança com a 
história da literatura e sob a égide de impulsos nacionalistas e patrióticos, 
que os estudos literários firmam-se como disciplina.
São inúmeras as críticas tecidas a esse modelo orientador que, no 
entanto, sobrevive institucionalmente sob um funcionamento autômato, 
como algo incapaz de, mesmo desfeito, simplesmente desaparecer. Em 
primeiro lugar, realizar a leitura dos textos literários a partir de escolas e 
estilos de época, por via de regra, é obedecer a uma agenda conceitual pré-
via e enrijecida que impede o imprevisto de surgir no contato efetivo com 
os artefatos artísticos. Em outras palavras, lê-se José de Alencar como um 
escritor romântico, Machado de Assis como um escritor realista, quando 
sabemos perfeitamente que, em muitos casos, o que há de mais potente 
em um autor é aquilo que ele escreve contra o seu tempo, surpreendendo e 
confundindo a própria temporalidade que busca controlar sua produção. 
Nesse esquema, a leitura da obra na sua integralidade pode ser, inclusive, 
substituída por excertos capazes de ilustrar a acomodação de um autor em 
23
LITERATURA, ENSINO E FORMAÇÃO EM TEMPOS DE TEORIA (COM “T” MAIÚSCULO)
um determinado período e em suas respectivas características dominantes 
– no caso do Romantismo, por exemplo, os autores costumam ser lidos nas 
escolas a partir de noções prêt-à-porter como “subjetivismo”, “escapismo”, 
“individualismo”, entre outras, termos que servem ao propósito da cate-
gorização, mas dificilmente à formação do leitor crítico. É por isso que 
as OCEM alertam: “não se deve sobrecarregar o aluno com informações 
sobre épocas, estilos, características de escolas literárias, etc., como até hoje 
tem ocorrido” (BRASIL, 2006, p. 54). O alerta, contudo, não se transfere de 
pronto para o âmbito da prática, como provam os diferentes livros didáticos 
e vestibulares que enclausuram as obras justamente nesse cenário de listas 
e classificações.
Em segundo lugar, com as experiências totalitárias do século XX, a 
crise do modelo iluminista e centralizador de Estado-Nação, as frequentes 
críticas voltadas à noção excludente de “origem” nas ciências humanas, 
o descentramento do sujeito cartesiano, a “morte” do autor como figura 
reguladora da crítica literária, a globalização, a circulação de mercadorias e 
a suposta porosidade das fronteiras nacionais, o bombardeio de denúncias 
dirigidas à parcialidade de um cânone branco, masculino, elitista e eurocên-
trico, entre outros, torna-se muito difícil insistir ainda hoje na validade da 
defesa do nacional ou nas versões teleológicas da história da literatura como 
princípios legítimos para a organização curricular do ensino de Literatura 
na educação básica ou no ensino superior. Seja qual for o motivo elencado 
na lista apresentada, o fato é que um dos mecanismos mais importantes e 
comumente acionados para conferir coesão e um fio condutor ao tratamento 
do literário viu sua estrutura interna corroer até desmoronar, restando 
apenas os destroços ou restos que, contudo, na falta de um outro princípio 
articulador mais forte, estamos condenados a revisitar mecanicamente em 
meio aos vários alertas dos perigos de, ao fazê-lo, reproduzir no âmbito 
formativo os autoritarismos totalizantes de um passado recente. Enfim, o 
discurso de nação e a história da literatura, além de por vezes contornarem 
ou prescindirem do contato direto com as obras, projetam as sombras de 
uma falsa e perigosa totalidade que apaga a arbitrariedade de seu centro 
de operação, fazendo passar por neutro aquilo que na verdade resulta de 
violentas disputas ideológicas.
***
24
ANDRÉ CECHINEL
Ora, uma alternativa a esses modelos extrínsecos de entrada no lite-
rário seria a possibilidade de atuar a partir de elementos balizadores do que 
é propriamente constitutivo da literatura, os artifícios ou componentes de 
sua maquinaria interna que a singularizariam em relação ao demais gêneros 
textuais ou à linguagem cotidiana. O “formalismo russo”, como sabemos, 
foi precisamente uma tentativa de afastar a literatura da “fala prosaica”, ou 
melhor, de enfrentar a “[...] má compreensão da diferença que opõe as leis da 
linguagem cotidiana às da linguagem poética”(CHKLÓVSKI, 2013, p. 89). A 
chamada “literariedade”, isto é, o traço definidor do literário como literário, 
estaria posta, pois, no processo de “desautomatização” do uso da linguagem 
e de singularização dos objetos, procedimento que “consiste em obscurecer a 
forma, em aumentar a dificuldade e a duração da percepção” (CHKLÓVSKI, 
2013, p. 91). Em outras palavras, literatura é “estranhamento” (ostranenie), 
um modo organizado de agredir ou violar o caminho automatizante que 
a vida cotidiana impõe à nossa relação com as formas linguísticas. Se, por 
um lado, a nossa tendência no dia a dia é lidar com os objetos de maneira 
habitual, inconsciente ou mesmo acelerada, a forma literária é aquela que 
nos faz frear e olhar para as coisas como se pela primeira vez, estranhando 
o que se nos apresentava até então como familiar: “a arte é um meio de 
experimentar o vir a ser do objeto, o que já ‘veio a ser’ não importa para a 
arte” (CHKLÓVSKI, 2013, p. 89).
A arte como um procedimento, nesse sentido, recorre a ferramentas 
próprias dela e das quais deve se ocupar o crítico literário para apreender 
o seu funcionamento. A sucessão de períodos literários é substituída agora 
por uma “gramática” específica da literatura e por formas – versos, sons, 
ritmos, imagens, rimas, esquemas métricos, tipos narrativos etc. – que 
surgem, deformam ou “desautomatizam” a fala cotidiana, convertendo-se 
elas também paulatinamente em funções dominantes e solicitando, por sua 
vez, desvios posteriores. Nas palavras de Jakobson (2002, p. 517), “desvios 
contínuos no sistema de valores artísticos levam a desvios contínuos na 
avaliação de diferentes fenômenos artísticos”, ou seja, formas antes tomadas 
como imperfeitas, diletantes ou simplesmente equivocadas podem ressurgir 
em um outro momento, sob um novo registro, como capazes de alterar 
ou transformar as funções então dominantes e de, nesse caso, demandar 
avaliações críticas antes imprevistas. Em resumo, portanto, a literatura 
opera historicamente por meio de um processo dialético de diálogo com 
a tradição e crítica dela: “manter a tradição e fugir dela compõem a essên-
cia de todo novo trabalho artístico” ( JAKOBSON, 2002, p. 518, grifo do 
25
LITERATURA, ENSINO E FORMAÇÃO EM TEMPOS DE TEORIA (COM “T” MAIÚSCULO)
autor). Logicamente, ao contrário da simples sucessão de períodos literários 
organizados desde princípios históricos e estéticos “externos” às obras, o 
formalismo russo insiste na internalidade de sua base analítica, partindo de 
um corpo teórico capaz de permitir o enfrentamento com o “fato literário” 
em sua suposta imanência.
A renúncia à tese de literariedade nos estudos literários, isto é, à 
tentativa de depreender as características internas definidoras da litera-
tura na sua relação de diferença para com a fala cotidiana, parece hoje um 
ponto pacífico ou um dado autoevidente, conforme atesta o próprio tom 
casual com que as OCEM descartam o assunto em apenas três linhas do 
documento: “Houve diversas tentativas de estabelecimento das marcas da 
literariedade de um texto, principalmente pelos formalistas e depois pelos 
estruturalistas, mas essas não lograram muito sucesso, dada a diversidade de 
discursos envolvidos no texto literário” (BRASIL, 2006, p. 55). Curiosamente, 
entretanto, algumas linhas depois, o documento vai recorrer justamente ao 
“estranhamento”, possivelmente a partir de um uso pré-conceitual do termo, 
para estabelecer o traço definidor da experiência estética: 
Qualquer texto escrito, seja ele popular ou erudito, seja 
expressão de grupos majoritários ou de minorias, contenha 
denúncias ou reafirme o status quo, deve passar pelo mesmo 
crivo que se utiliza para os escritos canônicos: Há ou não 
intencionalidade artística? [...] Proporciona ele o estranha-
mento, o prazer estético? (BRASIL, 2006, p. 55, grifo do autor). 
Como no caso do periodismo e da defesa da tradição nacional como 
narrativas plausíveis para os estudos literários, as noções formalistas, des-
cartadas ou consideradas insuficientes em suas implicações conceituais, 
sobrevivem nos manuais de literatura destituídas do substrato que lhes 
adensaria em um uso verdadeiramente crítico, circulando na condição de 
resíduos de um passado teórico distante. Afinal de contas, o que significa 
“proporcionar estranhamento” no contexto do documento? A tentativa de 
responder à pergunta nos faria retornar aos impasses que as OCEM não 
enfrentam até as últimas consequências e que pediriam uma teorização 
mais contundente.
Em linhas gerais, as várias críticas lançadas contra o “formalismo russo” 
e a ideia de literariedade podem ser aqui resumidas, para fins didáticos, em 
dois pontos fundamentais. Em primeiro lugar, as premissas formalistas 
em torno da arte como “estranhamento” da realidade parecem funcionar 
26
ANDRÉ CECHINEL
melhor quando coladas aos movimentos de vanguarda ou ao gênero poé-
tico, em particular, do que quando dirigidas a formas narrativas como o 
conto e o romance. Prova disso é o fato de que as principais teses, exercí-
cios críticos ou argumentos apresentados por nomes como Iuri Tynianov, 
Osip Brik e o próprio Roman Jakobson decorrem, na verdade, do contato 
com o verso. Muito embora de modo apressado, essa é a crítica que Terry 
Eagleton tece aos formalistas russos na introdução de sua conhecida obra 
Teoria da literatura: uma introdução: “pensar na literatura como os forma-
listas o fazem é, na realidade, considerar toda a literatura como poesia. De 
fato, quando os formalistas trataram da prosa, simplesmente estenderam 
a ela as técnicas que haviam utilizado para a poesia” (EAGLETON, 2006, 
p. 9). Nesse sentido, a sensação de estranhamento ou de desvio da norma 
resultaria muito mais de uma maneira de se relacionar com os objetos do 
que exatamente de artifícios literários que os fariam produzir diferença em 
relação aos usos comuns ou cotidianos da linguagem. Em outras palavras, a 
literatura depende de dispositivos exteriores à dimensão da forma para ser 
tomada como tal – o que sugere, em suma, que o critério da internalidade 
não apenas não se sustenta por si só, como parece insinuar-se de modo mais 
convincente quando sob a forma do verso, cuja associação histórica com a 
imagem da literatura ocorre de imediato. A perspectiva da recepção ou do 
leitor, deixada de lado pelos formalistas em seus estudos, aqui surge em cena.
Em segundo lugar, como no caso de outras experiências formalistas 
posteriores, que se concentraram antes nos aspectos linguísticos do que na 
dimensão mais imediatamente temático-política da experiência literária 
– insistindo na internalidade do funcionamento da maquinaria artística e 
assim preterindo aspectos contextuais até então considerados indispensá-
veis para a compreensão da literatura –, o formalismo russo produziu uma 
“gramática” imanente para a crítica que, se em um primeiro momento abriu 
novos caminhos e afastou as análises extrínsecas silenciadoras das espe-
cificidades dos objetos com que se deparavam, em um segundo momento 
passou a apresentar sinais de esgotamento, girando em falso em torno da 
forma literária e fechando-se para o conjunto vivo de problemas que essa 
mesma forma evoca a todo momento. Essa crítica aos excessos “instru-
mentalizadores” de certas teorizações formalistas encontra-se formulada 
mais recentemente no livro A literatura em perigo, de Tzvetan Todorov, ele 
próprio um teórico com produção fortemente voltada para a questão da 
forma e estrutura literária: “não apenas estudamos mal o sentido de um texto 
se nos atemos a uma abordagem interna estrita [...]. É preciso também que 
27
LITERATURA, ENSINO E FORMAÇÃO EM TEMPOS DE TEORIA (COM “T” MAIÚSCULO)
nos questionemos sobre a finalidade última das obras que julgamos dignas 
de serem estudadas” (TODOROV, 2009, p. 32). 
Atentos somente a aspectos formais, reduzimos a literatura “ao 
absurdo”, isto é, a um conjunto artificial de técnicas e procedimentos que 
perdem inteiramente a razão de ser se dissociados do serhumano e do 
mundo por eles invocados ou fabricados.
***
Eis a nova tarefa da crítica literária: libertar o leitor das amarras de 
um formalismo que, a essa altura, passa a estar ele também vinculado ao 
autoritarismo do sentido único ou de uma maquinaria analítica para a qual 
devemos sempre convergir. Fenômenos complexos, o novo “império do 
leitor” e a abertura a uma “interpretação plural” poderiam ser aqui lidos, a 
título de exemplo, a partir de dois célebres ensaios de Roland Barthes: “A 
morte do autor” e “Da obra ao texto”.2 O primeiro, datado sintomaticamente 
de 1968, anuncia já em suas linhas iniciais a distância mantida em relação 
ao fechamento do sentido resultante da materialidade imediata da obra ou 
mesmo do seu lugar de origem: “[...] a escritura é a destruição de toda voz, 
de toda origem. A escritura é esse neutro, esse composto, esse oblíquo pelo 
qual foge o nosso sujeito, o branco-e-preto em que vem se perder toda 
identidade, a começar pela do corpo que escreve” (BARTHES, 2004, p. 57). 
A literatura caracteriza-se, fundamentalmente, não pelos procedimentos 
formais que a organizam em sua singularidade ou pela relação de tensão 
que mantém com o real, mas pela radicalidade de uma condição intransitiva 
capaz de fazê-la desligar-se de qualquer função ou uso específico. Embora 
o ensaio refira-se ao império da figura autoral como exemplo maior do 
significado único, esse Autor-Deus alude, na realidade, não apenas a uma 
figura biográfica de “carne e osso”, mas sim a qualquer obstáculo que impeça 
o leitor de exercer livremente a sua tarefa: 
[...] o leitor é o espaço onde se inscrevem, sem que nenhuma 
se perca, todas as citações de que é feita uma escritura; a 
unidade do texto não está em sua origem, mas no seu des-
tino, mas esse destino já não pode ser pessoal: o leitor é um 
homem sem história, sem biografia, sem psicologia (BAR-
THES, 2004, p. 64). 
2 A discussão que segue mantém um diálogo implícito e explícito com o texto de Fabio A. Durão intitulado “Do 
texto à obra”. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-106X2011000100005.
28
ANDRÉ CECHINEL
Em resumo, a linguagem (literária) e os sentidos que ela libera no 
contato com o leitor são abertos, plurais, livres, infinitos, desierarquizados e 
produzidos sob o signo do prazer que impulsiona a atividade de um receptor 
“sem história, sem biografia, sem psicologia”, ou seja, de um receptor ele 
próprio livre de demandas teleológicas ou teologizantes.
É claro, para emancipar verdadeiramente o leitor faz-se necessário 
desobstruir o fluxo de sua atividade de qualquer materialidade imediata que 
se apresente como obstáculo, e isso significa, em última instância, dissolver 
a concretude ou totalidade inscrita na própria ideia de obra. É exatamente 
isso que Barthes empreende no ensaio de 1975 intitulado, não por acaso, “Da 
obra ao texto”: “Diante da obra – noção tradicional, concebida durante muito 
tempo, e ainda hoje, de maneira por assim dizer newtoniana –, produz-se 
a exigência de um objeto novo, obtido por deslizamento ou inversão das 
categorias anteriores. Esse objeto é o Texto” (BARTHES, 2004, p. 66, grifo 
do autor). Ao contrário da obra, cujo autocentramento encerra um problema 
imediato para o livre exercício interpretativo do leitor, o texto caracteriza-se 
pelo fluxo, pelo deslizamento contínuo e por um conceito de interdisciplinari-
dade que varre do mapa qualquer resquício de origem ou fim específicos que 
estabeleçam limites definitivos para o horizonte da recepção. Se a obra, de um 
lado, associa-se a termos como “estrutura”, “centro”, “monismo”, “fechamento”, 
“significado”, “simbolismo”, “consumo”, “metáfora” etc., o texto, de outro, vin-
cula-se a categorias como “pluralidade”, “paradoxo”, “descentramento”, “jogo”, 
“significante”, “travessia”, “abertura”, “gozo”, “metonímia”, entre outros. É essa a 
estrutura binária (cf. DURÃO, 2011a) que dita a celebração da multiplicidade 
interpretativa defendida por Barthes no ensaio-manifesto em pauta. Em seu 
procedimento desierarquizante, o texto infinito vislumbrado pelo ensaísta 
termina por desierarquizar, enfim, os traços que deveriam singularizar a 
literatura entre os demais usos da linguagem: “o Texto participa a seu modo 
de uma utopia social; [...] ele é o espaço em que nenhuma linguagem leva 
vantagem sobre outra, em que as linguagens circulam (conservando o sentido 
circular do termo)” (BARTHES, 2004, p. 75).
Ora, para o lugar institucional ocupado pela literatura, os perigos que 
rondam esse uso genérico do conceito de texto começam não por acaso 
justamente aí, na profunda equivalência estabelecida entre todos os tipos de 
linguagem. No volume dos Parâmetros curriculares nacionais que se intitula 
sintomaticamente Linguagens, códigos e suas tecnologias – observe-se que não 
há referência alguma à literatura no título –, o “gênero literário” não só é 
29
LITERATURA, ENSINO E FORMAÇÃO EM TEMPOS DE TEORIA (COM “T” MAIÚSCULO)
visto como apenas um entre os vários “gêneros do discurso”, como a literatura 
apresenta-se destituída de qualquer traço básico dela definidor, o que con-
duz a considerações, por assim dizer, embaraçosas ao longo do documento: 
“O conceito de texto literário é discutível. Machado de Assis é literatura, 
Paulo Coelho não. Por quê? As explicações não fazem sentido para o aluno” 
(BRASIL, 2000, p. 16). Segundo esse cálculo, a dificuldade de definir o que é 
literatura deve levar-nos à improvável conclusão de que todos os textos são 
potencialmente literários e em certa medida se equivalem, de modo que em 
sala de aula não deveria haver nenhuma preferência a priori entre Machado 
de Assis e... Paulo Coelho. O fiel da balança aqui é o leitor, figura silenciada 
em virtude de escolhas ou obras impositivas e inacessíveis: “Quando deixamos 
o aluno falar, a surpresa é grande, as respostas quase sempre surpreendentes. 
Assim pode ser caracterizado, em geral, o ensino de Língua Portuguesa no 
Ensino Médio: aula de expressão em que os alunos não podem se expressar” 
(BRASIL, 2000, p. 16). A potência da literatura não está no desafio que lança 
aos alunos por meio de sua construção específica e complexa de sentidos, 
mas sim no convite que lhes faz para que se “expressem”. Evidentemente, se 
o objetivo é a “expressão”, é certo que os alunos podem se “expressar” a partir 
da literatura, mas também por meio de qualquer outro objeto ou gênero do 
discurso, ou melhor, por meio de qualquer outro “texto”, uma vez que, em sua 
conduta democrática, o texto não aceita que linguagem alguma leve vantagem 
sobre outra, como Barthes nos ensina.
Seja como for, ainda que as OCEM tenham posteriormente corrigido 
a vagueza e permissividade com que os PCNs encerram essas questões, os 
riscos que a noção de texto reserva para o desenvolvimento dos estudos 
literários são inúmeros, conforme Fabio A. Durão comenta em um ensaio 
que propõe a mudança de direção na travessia conceitual sinalizada por 
Barthes, defendendo a passagem ou retorno “Do texto à obra”. Vale a pena 
recuperar aqui o argumento ou crítica central que Durão tece contra a 
fluidez da ideia de texto formulada pelo francês, e que diz respeito, em 
síntese, à incapacidade do conceito de gerar objetos. Em outras palavras, 
o texto não permite a valoração de diferentes artefatos, o que também 
“[...] aponta para o problema de se lidar com o conceito de verdade na prá-
tica textual” (DURÃO, 2011a, p. 71). O deslizamento incessante de uma 
escritura a outra e o fato de que o texto “não deve ser entendido como um 
objeto computável” (BARTHES, 2004, p. 67) ou como uma materialidade 
específica ou determinável impedem o estabelecimento de um limite que 
possibilite a diferenciação dos objetos; nesse caso, como algo que não pode 
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ANDRÉ CECHINEL
ser interrompido em seu deslocamento incessante, pode-se dizer que “a 
realização mais plena do Texto é a de um fluxo linguístico/semiótico” 
(DURÃO, 2011a, p. 75), um fluxo que, como tal, não se diferenciade outras 
textualidades nem se apresenta para o escrutínio sem de saída desviar-se de 
si mesmo. Emblema, pois, de uma abundância linguística, o conceito perde 
sua força política e literária e acaba por se aproximar “[...] da superprodução 
que caracteriza o capitalismo atual” (DURÃO, 2011a, p. 75). A liberdade 
do leitor converte-se, ao fim da jornada, em sua prisão maior: a liberdade 
para o consumo de fragmentos descartáveis.
***
O vasto alcance do conceito de texto e o subsequente abandono 
parcial da ideia de literatura como um conjunto relativamente estável 
de obras que partilham de traços comuns e dialogam com determinada 
tradição histórica, acompanhados das frequentes críticas a um cânone 
conservador e excludente, dos avanços acelerados dos meios de comunica-
ção e das mídias digitais, da abrangência de uma indústria da cultura que 
oferece ao público itens fabricados sob demanda, da redução dos vários 
usos da linguagem a uma concepção vaga de “gêneros discursivos”, entre 
tantos outros fenômenos que aqui não haveria espaço suficiente para 
investigar, tudo isso converteu a área dos estudos literários em um campo 
ao mesmo tempo profundamente amplo e aberto, porém sem fronteiras 
mínimas visíveis e, dessa forma, destituído de um objeto imediato que 
justifique ou especifique o seu lugar institucional. Diante desse quadro 
de incertezas e indefinições, o professor de Literatura, por sua vez, per-
cebe tão somente um mar de textualidades indiferenciadas, e como lhe é 
insistentemente dito, afinal de contas, que tudo é texto e que “não há nada 
fora do texto”, tudo pode ser potencialmente abordado em suas aulas. O 
desfecho melancólico da seção “Conhecimentos de Língua Portuguesa” 
dos PCNs é por si só suficientemente elucidativo desse cenário: “Ao ler 
este texto, muitos educadores poderão perguntar onde está a literatura, a 
gramática, a produção do texto escrito, as normas. Os conteúdos tradicio-
nais forma incorporados por uma perspectiva maior, que é a linguagem 
[...]” (BRASIL, 2000, p. 23). Conforme Leyla Perrone-Moisés (2000, p. 
347) assinala, “a única maneira de aderir a essa nova situação é abando-
nar de vez tudo o que justificava o ensino anterior da literatura, desde o 
mais elementar: o livro, a leitura solitária, seletiva e reflexiva”. Cabe aqui 
31
LITERATURA, ENSINO E FORMAÇÃO EM TEMPOS DE TEORIA (COM “T” MAIÚSCULO)
ressaltar que esse abandono não é precisamente uma impossibilidade ou 
mesmo uma novidade: para além do evidente fato de que a literatura vem 
sendo gradativamente excluída dos currículos escolares, a própria teoria 
literária já não parece muito convencida de que possui de fato um objeto, 
e assim, de “teoria literária” passa a se chamar simplesmente Teoria, com 
“T” maiúsculo.3 Nas palavras de Durão (2016a, p. 14):
A Teoria (com “T” maiúsculo) representa o resultado de um 
processo de autonomização, de separação vis-à-vis a teoria 
literária, que, como o próprio nome atesta, ainda guardava 
alguma espécie de vínculo necessário, por mais tênue que 
fosse, com a literatura. Embora a Teoria hoje ainda oca-
sionalmente lide com obras ficcionais, isso já não é mais 
imprescindível: seu escopo de atuação confunde-se com o 
das práticas significantes e suas metodologias são variadas, 
o que faz com que não mais respeite as divisões disciplinares 
usuais das ciências humanas.
Com efeito, um dos sintomas característicos dessa renúncia ao 
literário por parte da Teoria decorre da redução das obras poéticas e 
ficcionais, por exemplo, a aspectos estritamente Teóricos ou mesmo 
temáticos que poderiam ser perfeitamente encarados a partir de outros 
artefatos quaisquer. A Norton Anthology of Theory and Criticism (2001) 
– célebre antologia de ensaios teóricos frequentemente utilizada em 
cursos de introdução à teoria (literária) nos Estados Unidos – mantém, 
desde o título, que sequestra a palavra Literary ali diretamente implicada, 
uma relação problemática com a literatura. Suas mais de 2.500 páginas4 
debruçam-se sobre um objeto que vai gradativamente evaporando ao 
longo das seções, até ser tomado em sua dimensão estritamente temática, 
como prova a lista final do “índice alternativo” que o volume oferece aos 
leitores: na seção IV, intitulada “Problemas e temas” [Issues and Topics], 
convivem lado a lado questões linguísticas e estéticas que desde sempre 
marcaram os estudos literários até temas contemporâneos como “O 
corpo” [The Body], “Gênero e sexualidade” [Gender and Sexuality], “O 
pós-moderno” [The Postmodern], “Subjetividade e identidade” [Subjectivity 
and Identity], entre outros que incidem apenas lateral ou acidentalmente 
3 Sobre o tema, cf. o livro de Durão (2011) intitulado Teoria (literária) americana: uma introdução. 
4 Como Peter Barry (2016) comenta, há nessas “medidas elefantinas” dos manuais da Teoria um sintoma evi-
dente de sua falência, uma vez que esse número desproporcional de páginas indica, em certa medida, o recuo 
de um objeto que, ao se tornar ausente, desregula o próprio dispositivo da sua teorização, que passa a girar 
intransitivamente em torno de si mesmo.
32
ANDRÉ CECHINEL
sobre a literatura. Outros manuais não menos famosos, como Literary 
Theory: an anthology (2004), da Blackwell, e Literary Theory and Criticism 
(2006), da Oxford, são igualmente claros ao indicar a acomodação da 
literatura no âmbito temático: embora preservem o “Literário” no título, 
os volumes mostram-se em sintonia com as atualizações mais recentes da 
Teoria, listando vários ensaios que passam à margem da literatura, embora 
ofereçam temas decisivos e debates políticos que estão na ordem do dia. 
De todo modo, vale esclarecer de uma vez por todas: desdobramen-
tos recentes da Teoria (literária) tais como a “ecocrítica” [Ecocriticism], os 
“estudos da deficiência” [Disability Studies], os “estudos urbanos” [Urban 
Studies], os “estudos animais” [Animal Studies], os “estudos transnacionais” 
[Transnational Studies], os “estudos pós-humanos” [Posthuman Studies], os 
“estudos do meio-ambiente” [Environmental Studies], os “estudos oceânicos” 
[Oceanic Studies] etc., além de estabelecer uma dinâmica de dependência 
intelectual em relação à “Teoria de ponta” produzida, por via de regra, 
nos Estados Unidos, como evidencia o dispositivo dos Studies a que se 
colam as “novas” áreas de estudo recém-fundadas, reduzem o fenômeno 
literário a um campo textual em que se testam ou a que se aplicam as 
demandas teóricas mais recentes. Mais uma vez, o que testemunhamos 
nessas operações é a lógica do consumo e uma dinâmica de produção 
semelhante àquela que conhecemos no mercado internacional: os textos 
literários funcionam como matéria-prima (cf. DURÃO, 2011b, 2015) 
submetida ao funcionamento complexo de uma maquinaria importada 
sob altos custos, entre os quais o de terceirizar os compromissos inte-
lectuais diante dos desafios lançados pela literatura e o de, ainda que 
sob pressupostos políticos, reproduzir sem nenhum tensionamento, no 
campo teórico, os mesmos laços de dependência que a própria Teoria por 
vezes denuncia. De resto, do ponto de vista da formação intelectual dos 
futuros professores, o quadro também não é muito animador: os alunos 
dedicam-se fielmente a um desses Studies – áreas muitas vezes fadadas 
a um desaparecimento precoce, haja vista as constantes atualizações de 
seus modelos temáticos ou a flutuação de determinados nomes no mer-
cado de valores da Teoria – para, como no caso da formação tecnicista 
ou da educação para o trabalho, encontrar um posto futuro na condição 
de especialista – não especialista em literatura, vale lembrar, mas sim em 
um dos domínios da Teoria aplicada.
33
LITERATURA, ENSINO E FORMAÇÃO EM TEMPOS DE TEORIA (COM “T” MAIÚSCULO)
Da necessidade de dizer “literatura”
Habitando incoerentemente os destroços de argumentos que já não 
mais lhe oferecem uma sustentação ou estrutura elementar sobre a qual 
se organizar, o ensino de Literatura mantém-se à deriva. Sem um rumo 
claro ou uma regra forte,a presença do literário tende a se reduzir aos 
princípios do consumo rápido e descartável que imperam na “sociedade do 
espetáculo”, uma “sociedade excitada” que é também a sociedade da fadiga: 
resumos, teorias explicativas ou aplicadas, versões adaptadas, filmes, fichas 
de leitura, entre outras formas de desvios que evitem o embate direto com 
as obras em sua integralidade, confronto que demanda tempo e reflexão 
que poderiam ser destinados a formas mais “produtivas” ou menos intran-
sitivas, com indícios de resultados posteriores mais rápidos ou “lucrativos”. 
Nessas condições, em que a literatura, para não desaparecer, mimetiza a 
expectativa de utilidade – uma utilidade por vezes “política”, como no caso 
dos Studies – a que se veem submetidos os mais diversos conteúdos que 
habitam a escola ou universidade como empresa, torna-se um exercício 
improvável insistir no argumento da “formação humana” a que aludem os 
documentos oficiais. A “formação humana” – se é que a expressão ainda 
tem lugar nas instituições supracitadas ou caso queiramos ressignificá-la e 
defendê-la – tem de resultar de um processo, não de acomodação, mas de 
tensão contínua com a realidade. Como no exemplo de Wilhelm Meister, 
“formar-se” significa submeter-se ao risco contínuo do desamparo, do 
abandono, da improdutividade, da intransitividade, enfim, submeter-se ao 
risco de um mundo artístico-literário que já não reserva grandes promessas, 
mas que exige muito.
Diante desse quadro, difícil permanecer no terreno das metodologias 
para o ensino de Literatura. Necessária, antes de mais nada, é uma teori-
zação capaz de oferecer conceitos consistentes e firmes de “obra”, “leitor” 
e “tradição” que estejam em dissintonia com as exigências do tempo pre-
sente e sejam capazes de produzir um tensionamento de fato formativo. 
Esses conceitos poderiam recomeçar a partir de preceitos ou pressupostos 
básicos, porém não raro deixados de lado. Para a noção de “obra”, por 
exemplo, em confronto com a ideia de uma textualidade deslizante, cabe 
lembrar ou acentuar a singularidade irredutível sob a qual ela se apresenta, 
ou seja, cabe lembrar que a obra só funciona como tal se vinculada a um 
determinado modo específico de apresentação, em que o “o quê” do arte-
fato confunde-se simultaneamente com o seu “como”, sem que um possa 
34
ANDRÉ CECHINEL
ser acionado sem ativar também o outro. Em outras palavras, afastada de 
sua construção particular, isto é, de sua singularidade ou especificidade, a 
literatura tende a migrar para o campo apenas temático ou então para for-
mas mais toleráveis como aquelas citadas anteriormente. Preservados em 
sua apresentação singular, os artefatos literários resistem ao mero processo 
de predicação ou aplicação que caracteriza as operações da Teoria, girando 
uma vez mais e produzindo novos ruídos somente se lidos sob o signo da 
atenção e da abertura à sua alteridade imediata. Como afirma Durão (2011a, 
p. 80): “A obra [...] não pode ser submetida a um modelo, ou ser usada para 
exemplificar o que quer que seja. Há algo de irredutivelmente antididático 
em si”. É nesse “antididatismo” da obra que se encontra a possibilidade de 
formação para o leitor. 
Sobre o “leitor”, em vez de figura que dita livremente e a partir de si 
mesmo os sentidos dos textos ou suas relações intertextuais infinitas, faz-se 
importante, ao contrário, defender a sua desconstrução parcial diante da 
concretude de uma obra que, quanto mais potente, mais resiste ao seu intuito 
de colar-se a ela por meio da interpretação. No lugar de um diálogo em que, 
a rigor, nem texto nem leitor conversam, a leitura potente decorre antes de 
um embate, de uma disputa violenta e irreconciliável, em que o leitor quer 
calar a obra por meio de uma análise precisa, “definitiva”, e a obra desvia-se 
de si mesma e termina por invocar o leitor uma vez mais, provando ser mais 
complexa do que a interpretação sobre ela projetada. Ali onde imperava a 
explicação, a clareza, a identidade, o reconhecimento e a decodificação, surge 
agora uma imagem estilhaçada, uma obra que se despedaça e obscurece a 
forma, retirando-se silenciosamente e expondo uma ausência de saber, um 
vazio profundo que habita o centro de nossos dispositivos interpretativos 
reconciliadores. Na escola ou universidade como empresa, a “gestão de si”, 
assegurada pelo contato apriorístico com os textos, é substituída, então, pela 
“desconstrução de si”, resultado de um gesto de entrega e atenção à singu-
laridade do artefato intimidante que ali se apresenta à leitura sem nunca se 
esgotar. Ora, para ser de fato ameaçadora, para poder eventualmente retirar 
o leitor do lugar por ele ocupado quando do instante da recepção, a obra 
não pode originar-se diretamente das demandas desse leitor ou se limitar a 
satisfazê-las. Nesse sentido, fica parcialmente respondida a questão volta e 
meia lançada quanto à escolha de materiais a partir dos quais trabalhar com 
os alunos: cânone ou anticânone, a seleção tem de desafiar o leitor e desarmar 
seus desejos de consumo iniciais. O critério da facilidade, quando um fim em 
si mesmo, gera consumidores, não leitores críticos. 
35
LITERATURA, ENSINO E FORMAÇÃO EM TEMPOS DE TEORIA (COM “T” MAIÚSCULO)
Por fim, para evitar o risco de terceirizar a tarefa de tecer um fio 
argumentativo ou narrativo coerente e produtivo para o diálogo entre as 
várias obras – terceirização que ocorre via vestibulares, livros didáticos 
ou recortes meramente temáticos –, seria importante restituir a ideia de 
“tradição” ao lugar que lhe cabe. Ora, isso certamente não quer dizer fazer 
o elogio da “grande tradição”, da genialidade do cânone, ou recorrer a uma 
esteticidade fixa e imobilizadora, mas sim pensar o conceito de tradição 
muito mais como um operador narrativo inicial e, dessa forma, para sempre 
incompleto, porém capaz de conferir tanto um sentido histórico e político 
para os estudos literários quanto de negar-se a si mesmo interna e externa-
mente. Para dizer de outra maneira, o cânone desestabiliza-se internamente, 
quando uma obra do passado, velha conhecida nossa, é submetida a um 
exercício interpretativo capaz de lhe conferir nova mobilidade, e externa-
mente, quando novas obras, vozes silenciadas do passado ou não e do pre-
sente, violentam a suposta completude dessa tradição, abrindo uma ferida 
em seu seio capaz de fazer com que tudo que era até então familiar vibre 
novamente de modo a produzir atritos criativos e potentes. Diferentemente 
da mera negação do cânone, o conceito de “tradição negativa” reconhece 
que o passado nunca se nos apresenta de forma integral, exigindo, pois, 
uma postura ativa de revisitação, confronto e convívio com as suas ruínas.
Se a formação tem que ver menos com adequação, instrumentalização, 
e mais com a produção de algum dissenso mobilizador – “Onde cargo e 
profissão constituem, na vida dos estudantes, a ideia dominante, esta não 
pode ser a ciência” (BENJAMIN, 2002, p. 40) –, e se o fluxo contínuo de 
estímulos caracteriza o paradigma central da “sociedade da sensação”, então 
trabalhar com as noções de “obra”, “leitor” e “tradição” nos termos mínimos 
concebidos significa viabilizar um espaço de interrupção e atenção aos obje-
tos que pode assumir tonalidades de fato formativas nos espaços de ensino. 
Que os conceitos de “literatura”, “autor”, “leitor”, “obra”, “interpretação” etc. 
são infinitamente mais complexos do que faz parecer o tratamento que 
aqui lhes foi brevemente conferido, não resta dúvida. De todo modo, abrir 
mão desses operadores, no momento, é não apenas abandonar a literatura 
à própria sorte – gesto que, a longo prazo, pode conduzir ao seu próprio 
desaparecimento institucional –, mas colocá-la a serviço de um utilita-
rismo que não sustenta relação alguma com ela. Restabelecer um contato 
“improdutivo” com a literatura é a única forma de restituí-la minimamente 
ao âmbito da formação e à temporalidade que lhe cabe e que ela solicita. 
36
ANDRÉ CECHINEL
***
O estrangulamentogradual da literatura nos espaços formativos é um 
fenômeno complexo, que em grande parte escapa ao funcionamento interno 
da disciplina e que, portanto, conforme indicado anteriormente, deve ser 
teorizado para além do que ocorre de imediato no âmbito das metodologias 
ou dos conceitos que pairam sobre a área. O caso da escola, em particular, 
é emblemático: de instituição que deveria promover o espírito crítico, a 
autonomia dos sujeitos, a emancipação por meio da apropriação dos conhe-
cimentos historicamente acumulados, a “humanização” como resultado do 
convívio com o outro e da abertura à alteridade etc., a escola passa a ser lida 
como estabelecimento responsável por assegurar a sobrevivência e inclusão 
posterior dos alunos no mercado de trabalho e na vida produtiva. Quando 
deixa de cumprir a tarefa de destinar a cada um a parte que lhe cabe no uni-
verso adulto, ela vê sua legitimidade questionada de todos os lados, sofrendo 
intervenções e constantes reformas educacionais que vislumbram, então, 
restituí-la a esse lugar antecipador do mundo de postos, ofícios, profissões e 
competição. Conforme Christian Laval (2004, p. xi) resume a questão, “a escola 
neoliberal designa um certo modelo escolar que considera a educação como 
um bem essencialmente privado e cujo valor é, antes de tudo, econômico”. 
Segundo esse modelo privado e competitivo, a escola deve, em primeiro 
lugar, instrumentalizar os alunos, prepará-los para a entrada no mercado de 
trabalho, algo que a literatura não só não faz, como por vezes coloca-se até 
mesmo como um obstáculo para esse fim. Em resumo, a literatura solicita um 
tempo “improdutivo” já indisponível ou não mais viável, e assim, no mundo 
da utilidade e aplicabilidade, ela é simplesmente “inútil”.
Diante desse cenário instrumentalizante e em busca de uma sobrevida 
no campo da formação, a literatura por vezes ressurge colada àquelas mes-
mas forças utilitárias e produtivas que estimulam a natureza mercadológica 
a que a escola hoje se vê reduzida. Em poucas palavras, sem uma reflexão 
consistente a respeito de seus (não) lugares, a literatura coloca-se como 
mercadoria à disposição de uma apropriação mais pragmática, abrindo mão 
da sua capacidade de obstruir o curso normal do funcionamento escolar – 
atributo que poderia lhe conferir uma potência realmente formativa, o que 
significa, nesse esquema, uma potência negativa – para se apresentar como 
espetáculo. Com efeito, talvez a literatura só possa sobreviver institucional-
mente, em uma cultura de mercado, a partir de certa “espetacularização de 
si”, ou melhor, oferecendo-se também como produto por meio de promessas 
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LITERATURA, ENSINO E FORMAÇÃO EM TEMPOS DE TEORIA (COM “T” MAIÚSCULO)
redentoras ou autoelogiosas que em muitos casos beiram lições extraídas 
diretamente de manuais de autoajuda: “A literatura pode muito. Ela pode 
nos estender a mão quando estamos profundamente deprimidos, nos tornar 
ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos cercam, nos fazer 
compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver” (TODOROV, 2009, p. 
76). De todo modo, uma coisa é certa: quando não alienada de si mesma, 
quando desacompanhada de frases de efeito ou mesmo de um utilitarismo 
ainda mais vulgar, a literatura tende ao desaparecimento institucional, pois 
sua “inutilidade” é flagrante e incontornável. A literatura não nos ajuda 
a achar um emprego nem nos capacita para um trabalho ou profissão; a 
literatura não nos torna “melhores” nem nos “humaniza”, pelo menos não 
no sentido pragmático costumeiramente associado a esses termos; por fim, 
a literatura certamente não nos ensina a viver; talvez possamos, inclusive, 
dizer o contrário, isto é, que a literatura muitas vezes confunde ou nos faz 
estranhar o nosso modo de viver, colocando dúvidas ali onde havia convicção, 
muito embora nem mesmo isso seja um traço dela constitutivo. Em suma, 
a literatura não se oferece a uma apropriação pedagógica ou didatizante 
muito clara, e o espectro de sua força formativa só se apresenta, sempre de 
maneira precária ou inesperada, por meio dessa rebeldia primeira.
Assim, as categorias de “obra”, “leitor” e “tradição”, tal como aqui 
rapidamente tratadas, não intentam conferir uma utilidade específica à 
literatura ou uma função formativa que a faça sobreviver em meio a outras 
mercadorias, mas buscam, antes, retirá-la de vez da esfera do uso ou da cir-
culação fluida a que se vê submetida e que facilita a sua instrumentalização, 
mergulhando ainda mais profundamente na mesma intransitividade ou 
inutilidade radical que ameaça fazê-la desaparecer. A temporalidade a partir 
da qual esses conceitos foram aqui concebidos contrasta frontalmente com 
o tempo produtivo e econômico que controla a passagem das instituições 
de ensino e da própria literatura para a lógica do mercado. Há nisso tudo, 
é claro, uma grande contradição, uma conduta como que suicida: pode-se 
argumentar que esse tratamento conduzirá a um desaparecimento ainda 
mais precoce e integral da literatura dos espaços de formação, e isso parece 
ser verdade. Por outro lado, resta lançar a inevitável pergunta: em sua ver-
são espetacularizada, sob a forma de resumos, fichas de leitura, questões 
de vestibular, adaptações, filmes etc., não é verdade que a literatura ali já 
desapareceu? Seja como for, no presente momento, a literatura ainda é o 
“inútil” habitando o coração das instituições; cabe lutar por esse espaço, 
ou seja, cabe lutar para que ela ali surja como tal e que, com isso, constitua 
38
ANDRÉ CECHINEL
sempre a lembrança anacrônica de um significado mais verdadeiro da pala-
vra formação, até que ela enfim simplesmente desapareça, junto às demais 
“inutilidades” fundamentais à nossa existência.
39
2
SEMIFORMAÇÃO LITERÁRIA
O entendido e experimentado medianamente – semi-entendido 
e semi-experimentado – não constitui o grau elementar da for-
mação, e sim seu inimigo mortal. Elementos que penetram na 
consciência sem fundir-se em sua continuidade, se transformam 
em substâncias tóxicas e, tendencialmente, em superstições, 
até mesmo quando as criticam [...] (ADORNO, 2005, p. 13). 
As discussões em torno de regras, orientações, diretrizes e parâmetros 
para o trabalho com a literatura são sempre atravessadas por um mal-estar 
inevitável. Seja pela impossibilidade de uma distinção apriorística, estável e 
imanente do que chamamos de “literatura”, seus gêneros e formas, seja pelo 
entendimento de que o literário institui um pensamento do exterior em 
relação ao discurso, um devir que instaura zonas de indiscernibilidade ou 
indiferenciação, ou mesmo uma escritura infinita, um texto que remete a 
outros textos em uma travessia intertextual permanente, o certo é que essas 
posições teóricas parecem pouco convidativas à fixação de fronteiras, limi-
tes, seleções, juízos e normas, como o fazem, por exemplo, os documentos 
oficiais que estabelecem o que deve ou não ser realizado em sala de aula 
com o espaço destinado à área. Aliás, talvez seja justamente por isso que os 
Departamentos de Literatura mostrem-se tão refratários aos debates teóricos 
e/ou metodológicos sobre o vínculo entre literatura e ensino. Em poucas 
palavras, torna-se difícil atribuir concretude e estabilidade “pedagógica” a 
um conceito que, em vez de comunicar a materialidade de seus objetos, é 
antes continuamente informado e alterado por eles, sem integrar um corpo 
específico a cuja presença se possa conferir um determinado tratamento. 
No campo das bases, diretrizes, planos e parâmetros curriculares, 
entretanto, a linguagem da discussão é outra, por vezes meramente prag-
mática, e o problema é debatido também em outros termos: ali a literatura, 
essa “conversa infinita”, plural e desconstrutora, está submetida ao mesmo 
regime político de divisão, partilha, distribuição e ocupação de lugares a que 
estão sujeitos os demais objetos, assuntos e disciplinas, sob o risco, portanto, 
de uma eventual redução a conteúdo palatável, simulacro inofensivo, ou 
40

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