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Cidadania no Brasil - O longo caminho

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Cidadania no Brasil –
 o longo caminho
Obra de José Murilo de Carvalho, 
1ª edição 2001
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Apresentação da obra
Ao longo do livro o autor faz um percurso de como se desenvolveram os direitos civis, políticos e sociais no Brasil. A cada momento histórico, o autor fala dos fatos e sua ligação da construção da cidadania.
O que se trata – introdução
O esforço da construção da cidadania no Brasil intensificou-se a partir de 1985. Após o fim da ditatura se popularizou a palavra cidadania, tanto que nossa Constituição de 1988, foi considerada a Constituição Cidadã.
Percebeu-se uma exaltação da participação, da liberdade e de outros “progressos”. Entretanto, o ritmo da mudança lento e alguns problemas no país ainda não solucionados geraram um desgaste na confiança no sistema democrático e nos próprios políticos brasileiros. 
O autor procura a partir desta problemática: “refletir sobre o problema da cidadania, sobre seu significado, sua evolução histórica e suas perspectivas” (p.8). 
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A cidadania no Brasil se constitui como um fenômeno complexo: a liberdade e a participação não levam automaticamente, ou rapidamente, à resolução de problemas sociais. O exercício de certos direitos, não gera automaticamente o gozo dos outros. O que Bobbio falava na aula passada: às vezes, se um grupo da sociedade tem certo direito, deixa-se algum outro grupo sem o gozo de outro direito.
Cidadania plena – divide-se em direitos políticos, civis e sociais
A cidadania plena agruparia liberdade, participação e igualdade para todos. Foi um ideal desenvolvido no Ocidente. Esta utopia segue de parâmetro para perceber como a cidadania se comporta em cada país em um dado momento histórico.
Os direitos subdividem-se:
Civis (Liberdade)= direitos fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei (ir e vir, escolher o trabalho, de manifestar o pensamento). 
É possível haver direitos civis sem direitos políticos. Mas sem os direitos civis os direitos políticos, principalmente o voto, ficam esvaziados e servem apenas para justificar governos.
Políticos (autogoverno)= Participação do cidadão no governo da sociedade (fazer demonstrações políticas, de organizar partidos, de votar e ser votado).
Sociais (justiça social)= garantem a vida em sociedade. Garantem a participação na riqueza coletiva (direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde)
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As dimensões do cidadão
Pleno: deteria todos os direitos.
Cidadãos incompletos: apenas alguns direitos
Não-cidadãos: nenhum direito 
Marshall desenvolveu as dimensões da cidadania. Na Inglaterra, ela teria se desenvolvido lentamente. Primeiro, vieram os direitos civis, os direitos políticos e os direitos sociais, foram conquistados, por último.
Segue-se uma lógica: no exercício dos direitos civis (liberdade), os ingleses reivindicam o direito ao voto e a participar das decisões do governo, e, a partir da participação e a criação dos partidos trabalhistas, se deu a introdução dos direitos sociais.
O tema da cidadania é relacionado com a constituição dos Estados-Nação. A luta pelos direitos sempre se deu dentro das fronteiras geográficas e políticas de cada Estado-Nação.
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A cidadania no Brasil
A cidadania como um fenômeno histórico se comporta diferente em cada país. No Brasil, a diferença se pontua em dois aspectos: maior ênfase no direito social em relação aos outros, alteração na sequência dos direitos. Sendo que o social foi o primeiro.
1500 – 1822 – O peso do passado
1822-1930 – Primeiros passos
1930 – 1964 – Marcha acelerada
1964-1985 – Passo atrás, passo adiante
1985 – Cidadania após redemocratização
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O peso do passado - Características da colonização
Brasil colônia - 1500-1822
Os portugueses deixaram um enorme território, diversidade linguística, cultural e religiosa. E também uma população analfabeta, sociedade escravocrata, economia de monocultura e latifundiária. Na época da independência não havia cidadãos brasileiros, e nem um reconhecimento de pátria brasileira. 
O Brasil foi colonizado a partir da dominação e pelo extermínio, se conquistou o Brasil por conotação comercial – a produção de açúcar, tabaco – que demandava grandes extensões e muita mão-de-obra: o latifúndio, e a escravidão. 
Seguiu com a extração de minérios: que criou as áreas urbanas, e possibilitou maior mobilidade, mas controle fiscal do sistema colonial abafava qualquer tentativa de mobilização. 
Assim, a escravidão e a grande propriedade não constituíam ambiente favorável à formação de cidadãos. Chegou-se ao fim do período colonial com a grande maioria da população excluída dos direitos civis e políticos e sem o sentimento de pertencimento e nacionalidade.
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Primeiros Passos (1822-1930)
O único progresso para a cidadania neste período foi a abolição da escravatura (1888), que incorporou os ex-escravos aos direitos civis, mas foi mais formal do que real. 
1822 – os direitos políticos saem na frente
A principal característica política da independência foi a negociação entre elite nacional, a coroa portuguesa e a Inglaterra, como figura mediadora o príncipe D. Pedro. Foi uma independência pacífica, com conflitos muito limitados (apenas no Rio de Janeiro, e a resistência de tropas na Bahia e Maranhão). A dificuldade de se portar como cidadão foi justamente pela falta da participação da população na independência (imposta e negociada). 
Apesar da independência ter se constituído como um avanço no que se refere aos direitos políticos, a manutenção da escravidão, com uma Constituição (outorgada 1824), que a ignorava, trazia problemas para os direitos civis. 
A herança colonial pesou mais na área dos direitos civis. O Brasil herdou a escravidão, o modelo da grande propriedade rural (alheio às leis do Estado), e um Estado comprometido com o poder privado. Estas questões ainda permanecem nos debates sobre as consequências da escravidão (abolida em 1888), a grande propriedade (grandes latifúndios e a reforma agrária) e também a desprivatização do poder público.
O modelo de governo se baseou na representação do voto dos cidadãos e na separação dos poderes políticos (Executivo, Legislativo [senado e câmara], Judiciário). E ainda um quarto poder – moderador, privado ao imperador. 
A constituição regulou os direitos políticos (quem podia votar e quem não)= podiam votar todos os homens de 25 anos ou mais que tivessem renda mínima de 100 mil-réis (todos os cidadãos qualificados eram obrigados a votar). 
Para os padrões da época, a legislação brasileira era muito liberal, pois ampliava o direito ao voto em relação aos padrões dos países europeus e ainda permitia que os analfabetos votassem.
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Em 1881, houve uma lei mais rígida na questão da renda, aumentando para 200 mil réis e as formas de comprovação eram limitadas. 
Também excluiu a votação para analfabetos, a lei permaneceu até 1891. As mulheres (somente em 1932 o voto acabou sendo introduzido pressionado pelo movimento do voto femmoradores de rua, soldados, membros das ordens religiosas e escravos também não votavam.inino), 
Durante este período houve eleições sem suspensões de 1822 a 1930 e grande parte da população masculina votava. As eleições eram violentas e marcadas pela corrupção dos grandes proprietários, ainda a falta do exercício ao voto e a grande parcela da população analfabeta dificultavam o processo. 
O voto tinha um sentido completamente diverso daquele imaginado pelos legisladores. Não se tratava de uma ação de participação na vida política do país, mas sim relacionado com as lutas locais, dependente de um chefe local. Um ato de obediência. = Colonialismo
A conclusão desde cenário aponta que: “não houve experiência política prévia que preparasse o cidadão para exercer suas obrigações cívicas. Nem mesmo a independência do país teve participação popular significativa” (p.43). 
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Marcha acelerada: 1930-1964
Em 1930, houve uma aceleração nas mudanças sociais e políticas. A mudança mais significativa foi a criação do Ministério do Trabalho, Indústria
e Comércio. Em seguida (1943), houve a Consolidação das Leis do Trabalho.
Os direitos políticos entraram na fase de instabilidade, alternando ditaduras e regimes democráticos: a fase revolucionária até 1934, quando se votou uma nova Constituição e elegeu Vargas como presidente; de 1937-1945 o Golpe de Vargas (Estado Novo); em 1945 uma intervenção militar que derrubou Vargas. Pela primeira vez o voto popular começou a ter um peso importante; e em 1964 a interferência militar implantando uma ditadura. 
Os direitos civis progrediram lentamente, foram incluídos nas três constituições no período, inclusive a ditatorial de 1937. Mas na vida real muitos destes direitos foram suspensos, sobretudo a liberdade de expressão, do pensamento e de organização (os direitos civis sempre foram abafados). A organização sindical era cerceada pelo governo, os movimentos populares de participação avançaram lentamente – mas mesmo assim se criou a formação de uma identidade nacional.
Em 1946, foi expandida a constituição e o voto estendido a todos os cidadãos = homens e mulheres, com mais de 18 anos. O voto era obrigatório, secreto e direto, mas era ainda proibido para os analfabetos (em 1950, 57% da população era analfabeta) e soldados das forças armadas.
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Marcha acelerada: 1930-1964
Foi criada o Tribunal Superior Eleitoral que diminuiu as possibilidades de fraude nas eleições, esta legislação permaneceu até 1964. 
Decisões tomadas no período representaram um retrocesso democrático: o Partido Comunista teve o direito cassado (argumento – um dispositivo constitucional que proibia a organização de partidos políticos contrários ao regime democrático).
Apesar das limitações, 1945, a participação popular cresceu nas eleições como na ação política organizada (sindicatos, partidos). A cada eleição fortaleciam os partidos populares e aumentava o grau de autonomia dos eleitores. Este amadurecimento se refletia na criação de partidos políticos (PSD, PTB, UDN...).
Os direitos sociais quase não evoluíram, ficaram a cargo da CLT, da ampliação da cobertura da previdência e do Estatuto do Trabalhador Rural, que expandiu a legislação trabalhista.
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Ditadura militar: 1964-1985
Dado o golpe, os direitos civis e políticos foram duramente atingidos pelas medidas de repressão. Como era maior a mobilização em 1964 e como estavam mais desenvolvidos os meios de comunicação, a repressão política dos governos militares foi também mais extensa e mais violenta do que a do Estado Novo. 
Os instrumentos legais da repressão foram os “atos institucionais” (o nº 5 foi o mais radical e atingiu os direitos políticos e civis). Foram cassados os direitos políticos, pelo período de 10 anos, de grande número de líderes políticos, sindicais e intelectuais e de militares. 
Em outubro de 1969, tomou posse Médici e foi promulgada uma nova Constituição. Uma nova Lei de segurança foi introduzida incluindo pena de morte por fuzilamento. No início de 1970, foi introduzida a censura prévia em jornais, livros e outros meios de comunicação.
A censura à imprensa eliminou a liberdade de opinião. Não havia liberdade de reunião, os partidos eram regulados e controlados pelo governo, os sindicatos eram vigiados, era proibido fazer greve, não existia a inviolabilidade do lar nem de correspondência, a integridade física era violada. 
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Ditadura militar: 1964-1985
Todas estas restrições dos direitos civis e políticos eram justificados, pelos militares, com o que entendiam como fortalecimento dos direitos sociais: foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social, Fundo de Assistência Rural e o Fundo de Garantia por tempo de serviço (FGTS).
Do ponto de vista da construção da cidadania, o perídio militar ampliou os direitos sociais, restringiu os políticos e acabou com os civis. Com o “milagre” econômico, a classe média ficou satisfeita e não achou interessante lutar pelos direitos políticos. Parte dos trabalhadores rurais também se sentiram beneficiados pelo governo. Por volta de 1975, o apoio começou a decrescer e iniciou uma ampla mobilização e organização social para a queda do regime militar. 
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Redemocratização
Apesar da morte de Tancredo Neves ter representado uma tragédia para a retomada da democracia, a passagem se fez de maneira tranquila. A constituinte de 1988 aprovou uma nova constituição – considerada cidadã, ampliando os direitos sociais, e retomando os direitos civis à sociedade. Em 1989, houve a primeira eleição direta para presidente e os direitos políticos adquiriam amplitude nunca atingida.
Possibilidade de participação política.
Maior participação da sociedade civil.
Mobilizações sociais por direitos no Brasil.
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O que se entendeu: considerações sobre a cidadania no Brasil
A complexidade da cidadania no Brasil vem de nossa natureza histórica. Aqui primeiro vieram os direitos sociais, implantados em período de suspensão dos direitos políticos e de redução dos civis. Depois vieram os direitos políticos e por fim os civis. A cronologia de Marshall foi colocada de cabeça para baixo.
Na Inglaterra Marshall fala que primeiro se deram as liberdade civis (direitos civis) garantidos pelo Judiciário (julgam leis). Com base no exercício das liberdades vieram os direitos políticos, consolidados pelos partidos e pelo Legislativo (votam as leis). Com a ação dos partidos e do congresso votam-se os direitos sociais postos em prática pelo Executivo (executam as leis).
Esta inversão dos direitos no Brasil proporcionou uma valorização do Executivo e uma desvalorização do Legislativo. O Estado é visto como todo poderoso. Assim a ação política é vista como negociação direta com o Estado e não pelos representantes - uma cultura estatista. E outro fator foi a inversão dos direitos que trouxe uma visão corporativista, prevalecendo no Brasil uma pressão dos interesses corporativos com o Estado.
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Questões a partir da leitura/vídeo/aula
Segundo José Murilo de Carvalho, qual o principal limitador para o efetivo exercício da cidadania no Brasil ainda hoje?
Que fatos da história brasileira são apontados como determinantes para nossa experiência tardia de cidadania?
Como o autor relaciona, no final do texto, a cultura do consumo com a cidadania?
Ao abordar o cenário internacional, por que concluir o livro falando da cidadania na encruzilhada?
O que mudou no contexto brasileiro depois do período da redemocratização traçado por Murilo de Carvalho e quais as consequências para a construção de cidadania no Brasil?
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