Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE PAULISTA INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E COMUNICAÇÃO CURSO: COMUNICAÇÃO SOCIAL COMUNICAÇÃO E CIDADANIA UNIVERSIDADE PAULISTA – UNIP INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E COMUNICAÇÃO : COMUNICAÇÃO SOCIAL – JORNALISMO COMUNICAÇÃO E CIDADANIA SÃO PAULO 2015 INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E COMUNICAÇÃO UMA EXPLICAÇÃO SOBRE NOSSA DISCIPLINA (MÓDULO 0) Caro aluno, Seja bem-vindo à disciplina Comunicação e Cidadania. Nesta nossa disciplina você terá acesso a um conjunto de conhecimentos que o capacitará a refletir sobre a questão da cidadania, importante para que você se reconheça não como um mero receptor, mas acima de tudo como sujeito daquilo que pode conquistar no âmbito da vida em sociedade. Nesse sentido, são objetivos específicos da nossa disciplina: * conhecer a evolução do conceito de cidadania e seu redimensionamento na sociedade atual; * compreender o exercício da cidadania como condição fundamental para o aperfeiçoamento da democracia; * ser capaz de refletir criticamente sobre o papel da comunicação para fortalecer a prática da cidadania; * analisar de forma crítica o papel da comunicação frente às novas demandas da sociedade civil. Considerando que será você quem administrará seu tempo de estudo, nossa sugestão é que você dedique ao menos 2 (duas) horas por semana para esta disciplina, estudando os textos sugeridos e realizando os exercícios de auto-avaliação. Uma boa forma de fazer isso é já ir planejando o que estudar, semana a semana. Para facilitar seu trabalho neste sentido apresentamos, na tabela abaixo, os assuntos que deverão ser estudados e, para cada um, a leitura fundamental exigida e a leitura complementar sugerida. No mínimo você deve buscar entender bem o conteúdo da leitura fundamental, mas, como verá, a leitura complementar pode ajudá-lo a ter uma melhor compreensão dos assuntos abordados na disciplina. Além dos textos disponibilizados em cada um dos módulos, que sintetizam os conteúdos abordados, atente para as leituras sugeridas na tabela abaixo. a) Conteúdos e leituras sugeridas Assuntos/módulos Leituras sugeridas fundamental complementar 1. A cidadania no percurso histórico a) da pólis grega ao Estado de Direito Livro: “O que é cidadania”– Maria de Lourdes Manzini Covre Para uma teoria da cidadania (capítulo 1 do Cidadãos do Mundo, da Adela Cortina) 2. A cidadania no percurso histórico a) os direitos civis, políticos e sociais Livro: “O que é cidadania”– Maria de Lourdes Manzini Covre Para uma teoria da cidadania (capítulo 1 de Cidadãos do Mundo, da Adela Cortina) 3.A situação no Brasil Livro: “O que é cidadania”– Maria de Lourdes Manzini Covre CORTINA, Adelia. Cidadãos do mundo – para uma teoria da cidadania. São Paulo: Loyola, 2008. 4. A situação no Brasil Livro: “O que é cidadania”– Maria de Lourdes Manzini Covre CORTINA, Adelia. Cidadãos do mundo – para uma teoria da cidadania. São Paulo: Loyola, 2008. 5. Cidadania, ética e responsabilidade social A sociedade civil no espaço público (capítulo 3 de Os argonautas da cidadania, do Litszt Vieira; “Estado, sociedade civil e comunicação: uma reflexão sobre a possibilidade de democratização”, publicado no livro Comunicação e Cidadania, organizado por Amarildo Carnicel e Márcia Fantinatti. 6. A sociedade de consumo e a cidadania A sociedade civil no espaço público (capítulo 3 de Os argonautas da cidadania, do Litszt Vieira; “Estado, sociedade civil e comunicação: uma reflexão sobre a possibilidade de democratização”, publicado no livro Comunicação e Cidadania, organizado por Amarildo Carnicel e Márcia Fantinatti. 7. O papel dos meios de comunicação e a prática da cidadania - Direito à comunicação comunitária, participação popular e cidadania, da Cicilia Peruzzo, do livro “Comunicação Pública” – coleção Comunicação, Cultura e Cidadania, da Alínea, organizado Maria José da Costa Oliveira. “Estado, sociedade civil e comunicação: uma reflexão sobre a possibilidade de democratização”, publicado no livro Comunicação e Cidadania, organizado por Amarildo Carnicel e Márcia Fantinatti. 8. Democratização da comunicação e cidadania no Brasil - Direito à comunicação comunitária, participação popular e cidadania, da Cicilia Peruzzo “Estado, sociedade civil e comunicação: uma reflexão sobre a possibilidade de democratização”, publicado no livro Comunicação e Cidadania, organizado por Amarildo Carnicel e Márcia Fantinatti. Nota: ver as referências bibliográficas para maior detalhamento das fontes de consulta indicadas b) Avaliações Como é do seu conhecimento, você é obrigado a realizar uma série de avaliações. E atenção: cabe a você tomar conhecimento do calendário dessas avaliações e marcação das datas das suas provas, dentro dos períodos especificados pela Universidade. Por outro lado, é importante destacar que uma das formas de você se preparar para as avaliações é realizando os exercícios de auto-avaliação, disponibilizados neste sistema de disciplinas online. Mas, atenção: os exercícios que são requeridos em cada avaliação não são repetições dos exercícios de auto-avaliação. Para orientá-lo melhor neste processo de estudo, informamos na tabela a seguir os assuntos que serão requeridos em cada uma das avaliações que serão realizadas. Conteúdos exigidos nas avaliações Avaliações Assuntos Exercícios de auto-avaliação relacionados NP1 Módulos 1, 2, 3 e 4 Exercícios dos módulos + Exercícios de fixação NP1 NP2 Módulos 5, 6, 7 e 8 Exercícios dos módulos + Exercícios de fixação NP2 Substitutiva Toda a matéria Todos os exercícios Exame Toda a matéria Todos os exercícios c) Referências Bibliográficas Além dos livros citados abaixo, que compõem nossas bibliografias básica e complementar, peço sua atenção para as dicas de leitura incluídas nos textos de cada módulo, importantes para que você consiga aprimorar seu aprendizado. Bibliografia básica VII – BIBLIOGRAFIA Bibliografia básica CARNICEL, Amarildo B. e FANTINATTI, Marcia. Comunicação e Cidadania. São Paulo: Unicamp, 2008. CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 16ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. MOURA, Dione (org) et alli. Comunicação e Cidadania: conceitos e processos. Brasília: Francis, 2011. Bibliografia complementar COUVRE, Maria de Lourdes M. O Que é Cidadania. São Paulo: Brasiliense, 2007. CORTINA, Adelia. Cidadãos do mundo – para uma teoria da cidadania. São Paulo: Loyola, 2008. MEKSENAS, Paulo. Cidadania, poder e comunicação. São Paulo: Cortez, 2002 OLIVEIRA, Maria José da Costa. Comunicação Pública - coleção Comunicação, Cultura e Cidadania. São Paulo: Editora Alínea, 2004. VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania. Rio de Janeiro: Record, 2001. EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO - NP1 Uma explicação: Além dos exercícios encontrados em cada um dos módulos, incluímos aqui mais alguns testes para você avaliar seu conhecimento sobre o assunto abordado. Lembro que para a NP1 você deve se concentrar seu estudo nos módulos 1, 2, 3 e 4 e em seus respectivos exercícios. Exercício 1: Em termos mundiais, um dos marcos do debate sobre cidadania foi a assinatura da Carta de Direitos da ONU, que tem como matrizes as cartas de Direito dos Estados Unidos e da Revolução Francesa. A assinatura da Carta de Direito da ONU ocorreu em: A - a)1930B - b)1796 C - c)1798 D - d)1948 E - e)1980 Exercício 2: (Questão Enade - 2006) Nas duas últimas décadas, o cidadão brasileiro tem contado, especialmente para a sua proteção, com o amparo de dois códigos: o Código de Autoregulamentação Publicitária (Conar), de 1980, e o Código de Defesa do Consumidor, de 1990. Considerando os objetivos e as características de cada um deles, julgue os itens a seguir: I. A elaboração do Conar foi uma iniciativa não-governamental e a do CDC, governamental. II. O Conar está mais focado na mensagem publicitária; o CDC está focado tanto na mensagem quanto nos produtos, bens e serviços. III. O Conar é um dispositivo de natureza mais ética que legal; o CDC é um dispositivo mais legal que ético. IV. O Conar tem valor recomendatório, não amparando ações judiciais; o CDC é estritamente um documento legal e, portanto, não recomendatório. Assinale a opção correta: A - apenas o item I está certo. B - apenas o item IV está certo. C - apenas os itens II e III estão certos. D - apenas os itens III e IV estão certos. E - apenas os itens I, II e III estão certos. Exercício 3: Sobre a conceituação da cidadania, analise as afirmações e assinale a FALSA: A - a concepção de cidadania mais plena está sempre ameaçada pelo conceito de cidadania mais esvaziada, calcada no consumo e em certo imobilismo. B - é importante que os homens comuns, os trabalhadores, se apropriem também do espaço de construção de leis favoráveis à extensão da cidadania. C - os trabalhadores devem estar atentos ao papel que podem desempenhar em todos os poderes para melhor construir a cidadania e estendê-la a todos os níveis possíveis. D - a luta pela cidadania se restringe às leis. E - no mundo atual, as horas vagas de muitos trabalhadores são gastas em consumir, negligenciando o debate público, o exercício prático da cidadania. Exercício 4: Diversos processos históricos foram básicos para a afirmação da cidadania no mundo atual. Assinale a alternativa que possui esses processos fundamentais para se entender a dinâmica e afirmação da cidadania. A - Independência do Brasil, em 1822; Proclamação da República Federativa do Brasil, em 1889 e, a publicação da Constituição Brasileira de 1937. B - Independência dos E.U.A., em 1776; Revolução Socialista Russa de 1917 e, Guerra Civil pela unificação da Itália, em 1867. C - Carta dos Direitos do Homem, decorrente da independência dos E.U.A., em 1776; Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão , de agosto de 1789, decorrente da Revolução Francesa e, Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, de 1948. D - Final da Guerra de Secessão dos EUA, em 1865, conseguindo a abolição dos escravos; publicação do Tratado de Versalhes, assinalando a paz e o término, em 1918 da 1ª Grande Guerra Mundial, e término da 2ª. Grande Guerra Mundial, em maio de 1945 e a conseqüente criação da ONU. E - Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, decorrente da Revolução Francesa; Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas e, a publicação, em 1968, de parte do governo militar brasileiro, do Ato Institucional nº 5. MÓDULO 1 - A CIDADANIA NO PERCURSO HISTÓRICO - PARTE I Texto 1: 1.1. A cidadania no percurso histórico 1.1.1. As origens grega e romana O primeiro aspecto a ser observado quando nos propomos a analisar a questão da cidadania é que trata-se de um conceito muito mais complexo do que podemos imaginar num primeiro momento. Afinal, o que significa ser cidadão? Geralmente, quando propomos uma reflexão sobre o assunto, logo se pensa em boas práticas sociais – jogar lixo no lugar adequado, respeitar os assentos preferenciais no transporte coletivo, obedecer às leis etc. – e em demais atitudes relacionadas à civilidade, ou seja, comportamentos que facilitam a vida em sociedade. É comum, também, a associação com o civismo, o patriotismo. Neste caso, o que ocorre é uma valorização da questão da nacionalidade, de pertencer a um determinado lugar. Como veremos a seguir, apesar de cidadania ter relação com civilidade e civismo, é algo muito mais abrangente. Uma característica importante, defendida com ênfase por vários autores, é que não estamos nos referindo a algo estanque, já consolidado, mas a uma prática que precisa ser construída coletivamente. Em termos de percurso histórico, é interessante constatar que um tema que se mostra tão contemporâneo, por permear uma série de discussões sobre os atuais papéis do Estado e da sociedade civil, seja tão antigo. Este é o caso da cidadania. O termo voltou a ser empregado em diversas “falas” e multiplicaram-se nos últimos anos as “teorias da cidadania”, mas sua origem remonta da pólis grega. Havia naquele momento participação política, para os homens livres, que podiam debater seus direitos e deveres. São oriundos deste período, também, os primeiros debates sobre esferas privadas e públicas. Víamos neste momento o “espírito da democracia”, mas não se pode afirmar que a cidadania era plena, uma vez que incluía apenas os homens livres, deixando de fora mulheres, crianças e escravos. É importante refletirmos também sobre a “herança” deixada pelo Império Romano para esta discussão. Com a extensão do império, não era mais possível falar em participação direta, porém Roma proporcionava proteção jurídica para os membros do império que desejavam ser reconhecidos como cidadãos. Podemos afirmar que decorre desta experiência ocorrida em Roma o entendimento da cidadania como um estatuto jurídico. Mais que uma exigência de implicação política, teríamos então uma base para reclamar direitos, e não um vínculo que pede responsabilidades. E, como afirma Cortina (2005), de alguma forma, liberalismo e republicanismo prolongarão cada uma das duas tradições, embora em nossos dias nenhuma se mantenha em estado puro. Para avaliarmos sua compreensão sobre o que discutimos até o momento, segue um exercício de reflexão. Exercício: Analise as afirmativas abaixo sobre as origens do conceito de cidadania e responda: I. Houve um deslocamento da participação ativa para a questão da proteção jurídica II. Decorre da experiência ocorrida em Roma o entendimento da cidadania como estatuto jurídico III. Na sociedade ateniense eram dadas condições para a participação política de toda a população, que podia debater seus direitos e deveres. a) todas são corretas b) todas contêm algum tipo de incoerência c) apenas a I está correta d) apenas a II está correta e) a III está incorreta Resposta correta: e) A III está incorreta Comentário: Importante lembrar que a democracia ateniense tinha algumas limitações, uma vez que o exercício da cidadania era privilégio dos homens livres. Estavam excluídos, portanto, os escravos, bem como mulheres e crianças. _____________________________________________________________________________ _______________________________________________________________ Texto 2: 2.1 A cidadania no percurso histórico 2.1.1.da pólis grega ao Estado de Direito Esta breve síntese de como a questão da cidadania era tratada na Grécia e em Roma preparam o terreno para que possamos entender melhor a configuração atual do conceito, que procede dos séculos XVII e XVIII, das revoluções francesa, inglesa e americana e do nascimento do capitalismo. Assim como outros autores, Maria de Lourdes Manzini-Covre, em “O que é cidadania”, enfatiza o papel das revoluções burguesas, lembrando que as cartas constitucionais da França e dos Estados Unidos se opõem ao processo de normas difusas e indiscriminadas da sociedade feudal e às normas arbitrárias do regime monárquico e ditatorial, anunciando uma relação jurídicacentralizada, o chamado Estado de Direito. “Este surge para estabelecer direitos iguais a todos os homens, ainda que perante a lei, e acenar com o fim da desigualdade a que os homens sempre foram relegados. Assim, diante da lei, todos os homens passaram a ser considerados iguais, pela primeira vez na história da humanidade. Este fato foi proclamado principalmente pelas constituições francesas e norte- americanas, e reorganizado e ratificado, após a II Guerra Mundial, pela Organização das Nações Unidas (ONU), com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948)”. (Manzini- Covre, 2007, p. 17) Antes de discutirmos as contradições desse processo – que, como veremos, não são poucas e muito menos simples, até pelo fato de que na prática não houve a realização das promessas de universalização da igualdade –, vamos nos deter, ainda que brevemente, à contextualização destes importantes momentos históricos. Embora o ponto culminante deste processo sejam as revoluções burguesas, é importante lembrar que a ascensão da burguesia, com a constituição de um novo tipo de sociedade, fez-se através dos séculos. Como sintetiza Manzini-Covre (2007), mesmo antes de criar a nação, a burguesia vinha constituindo a cidade e, com isso, um tipo específico de viver (o urbano) e de homem (o cidadão). Temos que considerar também que estamos nos referindo a um período marcado por profundas transformações em várias outras áreas da atuação humana, como artes, ciência e tecnologia. Importante lembrar que as novas formas de pensar e agir da burguesia também alinhavam-se à necessidade de se libertar das amarras estabelecidas pelas monarquias absolutas, que não permitiam a livre iniciativa, a liberdade de comércio e a livre concorrência de salários, preços e produtos. Um aspecto a ser destacado ao se analisar o percurso histórico da cidadania, como defendem diversos autores, é que nesta evolução a cidadania, por um lado, desponta em sua proposta de igualmente formal para todos; porém, por outro lado, delineia-se o processo de exploração e dominação do capital. Ou seja, a Revolução Francesa traz efetivamente a proposta de cidadania, de igualdade para todos, em razão do rompimento profundo com o direito obtido pelo nascimento, característico da sociedade feudal, mas somente perante a lei. E, como se comprovaria nos séculos seguintes, esta “igualdade” seria relativizada em razão do atendimento das necessidades das classes dominantes. É por isso que diversos autores vão afirmar que uma forma de compreender a cidadania é ver como ela se desenvolve juntamente com o capitalismo, pois sempre estará, como argumenta Manzini-Covre (2007), vinculada à visão da classe que o instaurou: a classe burguesa. Vários teóricos clássicos são considerados fundamentais para compreendermos as implicações deste profundo processo de mudança. A preocupação deles, entre os quais se destacam John Locke, Jean Jacques Rousseau e Kant, era encontrar um mecanismo que regulasse as relações humanas e que fosse capaz de evitar o caos diante da natureza voraz do homem na sua condição de detentor da liberdade. Outro traço mais ou menos comum entre eles era o de rebater a concepção básica da visão de mundo feudal (o direito pelo nascimento), contrapondo a este o estado natural em que todos os homens nascem livres e com direitos. E, todos, em princípio, vão contemplar a questão da cidadania, ainda que por construções diversas. Não vamos nos detalhar nesta análise (mas você encontra uma boa síntese do conteúdo discutido por esses autores nos textos indicados na bibliografia), mas é importante o registro de que foi a partir da formulação proposta por esses pensadores clássicos que o Estado liberal se consolidou enquanto instituição composta pelos três poderes, além do braço armado e de um aparato burocrático, responsável pelo funcionamento cada vez mais complexo da máquina estatal. Atente para o fato de que, pelo menos na fase inicial do Estado Liberal, o foco das atenções, em termos de direitos, serão as questões relativas à área econômica. E ele pode ser caracterizado a partir de pelo menos três elementos básicos: o individualismo, a propriedade privada e a liberdade. A transformação deste Estado Iiberal – que acabaria por gerar drásticas desigualdades sociais – vai resultar, mais tarde, no Estado social, a partir do momento em que o Estado se vê diante da necessidade de incorporar os direitos sociais para além dos direitos civis (trataremos deste assunto mais detalhadamente no próximo módulo). Vamos fazer um exercício para avaliar seu aprendizado até o momento? Exercício: Refletindo sobre a evolução do conceito de cidadania na sociedade moderna, devemos reconhecer que suas práticas estão relacionadas à ascensão do: a) capitalismo b) comunismo c) sistema feudal d) estado monárquico e) mercantilismo Resposta correta: a) capitalismo Comentário: por mais que pareça contraditório, é no processo de ascensão do capitalismo que vamos assistir também à consolidação de muitas das práticas relacionadas à cidadania. MÓDULO 2 - A CIDADANIA NO PERCURSO HISTÓRICO - PARTE II Neste módulo, dando continuidade à análise do percurso histórico da cidadania, vamos nos deter à formação do Estado Social. Assim como no Módulo 1, além dos textos apresentados a seguir, é importante atentar para a importância dos textos complementares. De nossa parte, para ajudá-lo na compreensão dos temas tratados, trazemos abaixo uma breve síntese deste conteúdo. Texto 3: O Estado social É da transformação do Estado liberal – que acabaria por gerar drásticas desigualdades sociais – vai resultar, mais tarde, no Estado social. Há consenso entre os estudiosos do tema que isto ocorre a partir do momento em que o Estado se vê diante da necessidade de incorporar os direitos sociais para além dos direitos civis. Para você entender melhor: é da crítica das doutrinas igualitárias contra a concepção e a prática liberal do Estado que nasceram as exigências de direitos sociais, que transformaram profundamente o sistema de relações entre o indivíduo e o Estado e a própria organização do Estado, até mesmo nos regimes que se consideram continuadores, sem alterações bruscas, da tradição liberal do século XIX. Ao analisar este contexto histórico, Cortina (2005) concorda que é para fazer frente ao socialismo que são implantadas medidas como seguro-doença, seguro contra acidentes de trabalho ou aposentadorias por idade, agora assumidas por um Estado que até então só possui funções políticas – ela se refere às medidas implementadas por Bismarck, ainda na década de 1880, na Alemanha. E, a partir dos anos 1960, começa o megaestado, um tipo de Estado que vê a si mesmo executor adequado para todas as tarefas sociais e todos os problemas sociais. Neste sentido, vai se sustentar também a ideia do estado fiscal , sem limites, por exemplo, em termos de tributação. Uma questão que se discute é até que ponto as benfeitorias proporcionadas por determinado governo não poderiam ser empregadas na “compra de votos”. Interessante também observar as considerações de Cortina (2005) sobre as justificativas do surgimento do Estado social: uma de tipo ético, que consiste em perceber que a satisfação de certas necessidades fundamentais e o acesso a certos bens básicos exigem a presença do Estado sob formas diversas; e outra que surge por critérios de eficiência econômica. Veja, abaixo, o exercício que preparamos sobre este assunto. Questão dissertativa: Quais são os aspectos considerados decisivos para a formação do Estado do Bem-Estar Social? Padrão de resposta: Um dos principais pontos é o fato de que foramas críticas ao Estado Liberal, principalmente a partir das reivindicações da classe operária, que levaram governos – como o da Alemanha – a estudar formas de atender às demandas sociais. Estamos nos referindo a um período de acentuada disputa entre o capitalismo e o socialismo. Neste sentido, podemos afirmar que é para fazer frente ao socialismo que o Estado implanta medidas como seguro-doença, seguro contra acidentes de trabalho ou aposentadorias por idade, agora assumidas por um Estado que até então só possui funções políticas. Portanto, o que vemos são os direitos sociais sendo empregados de maneira oposta e como armas ideológicas, uma vez que ao mesmo tempo em que são defendidos como alicerces para o movimento revolucionário são também empregados para assegurar a continuidade do Estado de Direito, que se propõe a atender às demandas. Texto 4 Capitalismo versus socialismo Como vimos, as transformações advindas a partir da expansão do capitalismo foram prioritárias para fomentar os debates em torno da questão da cidadania. Em última instância, o que estava em discussão, afinal, era como seria possível garantir qualidade de vida para o cidadão. Para entender como os conceitos foram forjados temos que refletir também sobre as questões levantadas por Karl Marx, que propôs não apenas um novo método de abordar e explicar a sociedade, mas também um projeto para a ação sobre ela. Esse método, como observa Manzini-Covre (2007), contribuiu bastante para a construção do conceito de cidadania ao criticar o uso dos direitos pela burguesia para dominar os outros grupos sociais. Vale mais uma vez o alerta de que tratamos, no caso, apenas dos conceitos abordados por Marx que nos ajudam no debate sobre cidadania. As ideias liberais consideraram os homens, por natureza, iguais política e juridicamente. Liberdade e justiça eram direitos inalienáveis de todo cidadão. Marx, por sua vez, proclama a inexistência de tal igualdade natural e observa que o liberalismo vê os homens como átomos, como se estivessem livres das evidentes desigualdades estabelecidas pela sociedade. Segundo ele, as desigualdades sociais observadas em seu tempo eram provocadas pela relações de produção do sistema capitalista, que dividem os homens em proprietários e não- proprietários dos meios de produção. Ou seja, as desigualdades são a base da formação das classes sociais. Para Manzini-Covre, Marx denuncia, de forma mais funda que qualquer outro teórico, a exploração do capitalismo que, para existir, precisa da grande acumulação de capital. É também o marxismo que propõe a revolução socialista na sua forma mais bem acabada: a administração da sociedade pela classe trabalhadora, que toma o poder e planeja o acesso ao trabalho e aos bens necessários à vida. Não é o caso de discutirmos aqui todas as implicações deste processo e as experiências mal sucedidas neste sentido, mas vale atentar para as observações de Manzini-Covre: “Hoje, a luta entre trabalhadores e capitalistas se dá, de certa forma, pelos espaços do e no próprio Estado. Daí a conveniências de adotar a cidadania como categoria estratégica dessa luta. A valorização da luta pelos direitos. E mesmo a recente experiência do Leste europeu ilustra como as pessoas sobreviveram apegando-se a essa conquista, que deve ser irreversível: a questão dos direitos do cidadão contra a opressão stalinista e, até há pouco tempo, contra os campos de concentração, os hospitais de dissidentes etc.” (Manzini-Covre, 2007, p. 34) Vamos fazer um exercício sobre este tema? Questão: Maria de Lourdes Manzini Covre observa no livro O que é cidadania que o marxismo contribuiu bastante para a construção do conceito de cidadania, ao criticar o uso dos direitos pela burguesia para dominar outros grupos sociais. Esta afirmação está fundamentada no fato de Marx propor: a) o processo de participação nos lucros das empresas para neutralizar a ofensiva trabalhista. b) a separação entre o público e o privado. c) que os homens fazem sua história, mas sob certas condições. d) a ideologia do Estado do Bem-Estar. e) a transformação do trabalhador em consumidor no sentido pleno. Resposta: c) que os homens fazem sua história, mas sob certas condições. Esta afirmação traduz uma das premissas do marxismo: os homens fazem sua própria história, mas não como querem, sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas determinadas pela classe dominante. Uma de suas críticas refere-se, por exemplo, ao fato de a Revolução Industrial ter acentuado a alienação do trabalhador dos seus meios de produção. MÓDULO 3 - A SITUAÇÃO NO BRASIL - PARTE I Texto 5 A situação no Brasil – parte 1 Para fecharmos esta análise sobre a contextualização histórica do conceito de cidadania, vamos nos deter, ainda que de forma breve, à situação do Brasil. Primeiramente, como concordam os autores que têm se debruçado sobre o assunto, temos que reconhecer que as condições encontradas no Brasil e em países em situações similares em termos de desenvolvimento, é bem diferente da desfrutada nos Estados Unidos e na Europa. Não experimentamos, como alega Manzini-Covre (2007), o processo evolutivo de passagem do feudalismo para o capitalismo, que foi construindo pouco a pouco a democracia liberal. Nascemos no período de transição para o capitalismo, ainda que ordenado por relações feudais. Outra característica inegável é a de um povo explorado, em razão da posição subalterna no processo capitalista. Como comenta Manzini-Covre, “o que muda em nosso processo histórico é quem nos explora e como – Portugal ou Inglaterra, Estados Unidos ou os grandes oligopólios, como hoje”. Vale a pena a leitura da análise feita por esta autora, que sintetiza muito bem a situação- macro do país: “Poderíamos dizer, por exemplo, que em nome dos direitos humanos (e, portanto, da cidadania) a Inglaterra “ajudou” países como o Brasil a se livrar da condição de colônia e a lutar contra a escravidão. A Inglaterra interveio dessa forma em toda a América Latina. Vale novamente salientar a dubiedade dessa ação: serve à evolução da humanidade, mas também a uma forma mais organizada de exploração dos seres humanos. O Brasil livre de Portugal conheceu melhores condições de desenvolvimento, sem a exploração direta e as intervenções do estado português. Também a liberação – mesmo formal – dos escravos pôde ter um significado imenso para os direitos do homem. Mas a intervenção da Inglaterra teve outros significados, em especial o de organizar uma nova forma de dominação no mundo, a capitalista, que naquele momento dirigia. Tratava-se de liberar os mercados dos países da América Latina que passaram a comprar diretamente da Inglaterra produtos manufaturados, sem a mediação de Portugal. Quanto à libertação dos escravos, cuidava-se de se estender o trabalho assalariado, sem o qual não há capitalismo.” (Manzini-Covre, 2007, p. 34) Exercício Ao discutir a situação de países como o Brasil, Maria de Lourdes Mazini Couvre observa que a vigência da democracia liberal e da cidadania parece mais difícil. Sua afirmação está fundamentada em uma série de fatores. Analise as afirmativas sobre o assunto, classificando- as como VERDADEIRAS (V) ou FALSAS (F): I. Segundo a autora, a história do Brasil e de seus congêneres é a de povo explorado, porque tivemos e temos uma posição subalterna no processo capitalista. II. É um erro pensar que mesmo em processos como o da libertação dos escravos, movimento alinhado com o pensamento contemporâneo, cuidava-se também de se estender o trabalho assalariado, sem o qual não há capitalismo. III. Em diversos momentos da história do Brasil foi reafirmada a nossa posiçãosubalterna. Desde o início estamos nos referindo à uma economia agrária exportadora de matérias-primas imprescindíveis, por exemplo, para o processo industrial inglês. Assinale a alternativa correta: a) V, V e V. b) V, V e F. c) V, F, V d) F, F e F. e) F, V e V Resposta: alternativa C Comentário: A alternativa II é falsa porque também no processo de libertação dos escravos cuidava-se, em última instância, de assegurar a ampliação do trabalho assalariado, forma de ampliar o mercado consumidor. _____________________________________________________________________________ _______________________________________________ Texto 6 A situação no Brasil - parte 2 Considerando o cenário encontrado no Brasil para o debate sobre a cidadania, devemos lembrar que um dos movimentos de luta por igualdade e liberdade ocorrerá graças aos imigrantes italianos. Nas décadas de 1910 e 1920 vamos assistir, como relata Manzini-Covre (2007), as primeiras grandes lutas operárias. Um ponto importante, como nos alerta a autora, diz respeito ao fato de populações como a do Brasil perceberem que não eram atendidas em suas reivindicações não só porque as classes dominantes recusavam-se a isso, mas porque seus países eram explorados. Um dos problemas apontados por Manzini-Covre refere-se ao fato de a proposta de desenvolvimento do capitalismo liberal ter chegado ao Brasil “atrasada”, ou seja, aportou por aqui num momento em que as nações desenvolvidas empenhavam-se em trabalhar em prol dos oligopólios, o que pressupunha o predomínio de outras regras. Se pensarmos, por exemplo, no papel do Estado, temos que reconhecer que ele surge neste contexto como uma espécie de empresa maior para reger as lutas de classes. O local do poder – que no estado liberal burguês estava no legislativo – agora desloca-se naturalmente para o executivo, centralizando as decisões por meio de um corpo burocrático. De 1945 a 1964, desenvolveu-se no Brasil a chamada democracia populista. O Estado atendeu em parte às reivindicações populares, mas muito mais para desmobilizar a organização operária. Porém, apesar deste caráter ambíguo da situação, o fato é que conquistamos alguns direitos políticos: voto sistemático para todos os cargos e processo de revezamento mais ou menos assegurado. O período mais crítico, concordam todos, foi a partir do Golpe de 64. Diz Manzini-Covre: “Tomado o Estado na forma tecnocrático-militar, assegurou-se no Brasil o capitalismo monopolista, com todos os seus traços e conseqüências, no sentido da exploração, e sem quase nada do sentido emancipador do Welfare State”. Até porque, pela perversa lógica do capitalismo monopolista e nossa posição de país subalterno, não havia muito dinheiro para se aplicar internamente e, assim, viabilizar as propostas sociais do Welfare State. Outro aspecto importante, também citado pela autora, refere-se ao fato de que o financiamento dos benefícios sociais ocorreu a partir dos recursos dos próprios beneficiados. Foi o que ocorreu com o Plano Nacional de Habitação do BNH, financiado pelo FGTS e pelas cadernetas de poupança. A própria CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), redigida por Lindolfo Collor e editada por Getúlio Vargas, não resultou, igualmente, de nenhuma conquista do sindicalismo brasileiro por meio de lutas operárias e greves reivindicatórias. Tratou-se, como vão argumentar os especialistas, de ato de benevolência e generosidade do “Pai dos Trabalhadores” para com a massa sindical brasileira. Exercício: Analise as afirmações abaixo e assinale a FALSA em relação à situação do Brasil no debate frente à questão da cidadania: a) A ideologia nacionalista, com todos os seus equívocos, significou um avanço em ternos de repensar a cidadania. b) O período mais propício para o exercício da cidadania no Brasil foi durante o período de ditadura militar. c)Na libertação dos escravos, pesou também a necessidade de se ampliar o trabalho assalariado, sem o qual não há capitalismo. d) Foi crucial, no cenário mundial, o papel do Brasil como economia agrária exportadora de matérias-primas. e) No Brasil, a segunda metade do século 20 foi marcada por avanços importantes nos campos social e político Resposta: alternativa B Comentário: A alternativa B é falsa porque o exercício da cidadania não existe fora do regime democrático, uma vez que dependemos dos direitos civis e políticos para efetuar esta prática. MÓDULO 4 - A SITUAÇÃO NO BRASIL - PARTE II Texto 7 A situação no Brasil Há consenso entre os autores que, nas últimas décadas, registramos avanços importantes em diversas frentes, principalmente pela constituição na sociedade de uma rede de organismos autônomos de exercício democrático. Entretanto, como argumenta Manzini-Covre, para existir cidadania plena para a maior parte da população será preciso ainda muita luta social. Em termos de conquistas, é inegável que a Constituição de 1988 colocou novos instrumentos à disposição do cidadão. Além disso, houve avanços importantes em termos legais, com a promulgação, por exemplo, do CDC – Código de Defesa do Consumidor, do novo Código de Trânsito e do novo Código Civil. Com relação ao papel das ONGs, destacam-se o surgimento de entidades como Ação Cidadania Contra a Miséria e pela Vida, Movimento pela Ética na Política, entre muitos outros . Neste cenário, a segunda metade do século XX é marcada por avanços sócio-políticos, como o processo de transição democrática, a volta das eleições diretas e a Constituição de 1988 – batizada de “Constituição cidadã”. O discurso de Ulysses Guimarães na Constituinte, em 27 de julho de 1988, expressava este desejo: “Essa será a constituição cidadã, porque recuperará como cidadãos milhões de brasileiros, vítimas da pior das discriminações: a miséria. Cidadão é o usuário de bens e serviços do desenvolvimento. Isso hoje não acontece com milhões de brasileiros, segregados nos guetos da perseguição social”. Exercício: É comum a afirmação de que a cidadania no Brasil tem como marco a Constituição de 1988. Está afirmação está baseada no fato de o referido texto: I. instituir uma série de garantias sociais e políticas, além de qualificar como crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a tortura e as ações armadas. II. assegurar que os direitos obtidos no plano jurídico fossem efetivados no cotidiano da população imediatamente. III. determinar a independência entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Está (ao) correta (s): a) apenas a alternativa I b) apenas a alternativa II c) apenas a alternativa III d) apenas as alternativas I e III e) todas as alternativas Resposta Alternativa D Comentário: A alternativa II é falsa, uma vez que a efetivação dos direitos não pode ser assegurada apenas pela Carta Magna. Tanto é verdade que, até hoje, apesar dos inúmeros avanços nos campos social e político, não podemos dizer que todos os cidadãos brasileiros tenham seus direitos sociais garantidos. _____________________________________________________________________________ __________________________________________________ Texto 8 Para finalizarmos esta análise sobre a situação do Brasil frente ao debate sobre cidadania no Brasil gostaria de chamar a atenção a situação da mulher, importante para as discussões, por exemplo, sobre a questão da igualdade. A Constituição de 1988 trouxe ganhos significativo para as mulheres – graças aos vários movimentos feministas que organizaram suas reivindicações -, na medida em que definiu vários pontos que asseguram, por lei, a igualdade entre homens e mulheres, principalmente no âmbito da família. Joana Pedro, em artigo no livroO Brasil no Contexto, destaca entre os avanços obtidos na nova Constituição, o fato de a “chefia da família” poder ser ocupada pelo homem ou pela mulher; a ampliação da licença-maternidade para 120 dias; a proibição de diferença salarial baseada no sexo; a criação da licença-paternidade; e a integração das trabalhadoras domésticas à Previdência Social. Como reconhece a autora, a Constituição não foi suficiente para alterar a condição feminina. No plano jurídico, a situação tornou-se mais favorável apenas em 2002, com a promulgação do novo Código Civil, quando várias mudanças previstas na Constituição foram complementadas e regulamentadas. Entre os problemas que permanecem, como reconhece Joana, podemos citar a violência contra a mulher, bem como a dificuldade em equiparar os ganhos salariais, apesar de se constatar, por exemplo, que há algumas décadas as mulheres acumulam mais anos de estudo do que os homens. “Nos últimos 20 anos, muitas conquistas foram realizadas e reivindicações, concretizadas. Evidentemente, a igualdade ainda não foi alcançada”, diz a autora, lembrando que hoje a movimentação das mulheres está concentrada nas universidades, em ONGs, em atividades pontuais e específicas e em lobbies junto ao setor público. Exercício: A Constituição de 1988 é considerada um marco para o debate sobre a cidadania no Brasil por instituir uma série de garantias sociais e políticas. A propósito das conquistas obtidas pelas mulheres, são verdadeiras as afirmações, EXCETO: a) o referido texto definiu vários pontos que asseguram, por lei, a igualdade entre homens e mulheres, principalmente no âmbito da família. b) os ganhos obtidos pelas mulheres na Constituição de 1988 são resultado dos vários movimentos feministas que organizaram suas reivindicações naquele momento. c) foi este texto que definiu, por exemplo, que a “chefia da família” pode ser ocupada pelo homem ou pela mulher. d) a Constituição de 88 proibiu a diferença salarial baseada no sexo, estabeleceu a criação da licença-paternidade e ampliou a licença-maternidade. e) é notório que a Constituição de 88 foi suficiente para alterar a condição feminina no Brasil. Resposta Alternativa E Comentário: Como esclarecemos no texto, apesar dos avanços significativos, não se pode dizer que a Constituição de 88 tenha sido suficiente para alterar a condição feminina no país. No plano jurídico, a situação tornou-se mais favorável apenas em 2002, com a promulgação do novo Código Civil, quando várias mudanças previstas na Constituição foram complementadas e regulamentadas. MÓDULO 5 - ESTADO, SOCIEDADE CIVIL E CIDADANIA Nesta unidade vamos tratar de modo mais específico o redimensionamento do conceito de cidadania na sociedade contemporânea, o que envolve pensar nas novas dinâmicas assumidas pela sociedade civil e também um tema que desperta cada vez mais interesse, pela relevância para o processo de discussão das demandas da população: o papel da comunicação neste debate sobre cidadania. Liszt Vieira é um dos autores que têm se dedicado ao estudo, no Brasil, das novas articulações que ocorrem no campo político-social, tendo publicado “Os argonautas da cidadania”, “Cidadania e globalização” e “Cidadania e política ambiental”, responsáveis por discutir o assunto sob perspectivas diferenciadas. São obras importantes porque nos permitem entender melhor novos olhares sobre os conceitos de democracia, de cidadania e de sociedade civil. É a partir desses estudos que vamos tratar agora das contradições envolvidas na conceituação atual da cidadania. Citando o trabalho desenvolvido por Janoski, Vieira destaca três vertentes teóricas que se ocupam de fenômenos relacionados à cidadania: * a teoria de Marshall acerca dos direitos da cidadania; * a abordagem de Tocqueville/Durkeim a respeito da cultura cívica; * e a teoria marxista/gramsciana acerca da sociedade civil. Como observa o autor, fazendo referência aos processos que analisamos até aqui, as três grandes revoluções produziram práticas sociais voltadas à geração de novas instituições políticas e judicantes como corpo separado do Rei; repartiram o poder de Estado e criaram novos canais de participação política; restringiram a democracia à forma de governo; e decretaram o fim das desigualdades sociais, que se daria à medida que a expansão da igualdade civil se concretizasse. Autores como Vieira, valendo-se sobretudo dos estudos de Marx e Engels, entendem que a burguesia realizou os seus interesses de classe na medida em que os anunciou como propósitos da humanidade. Com isso, criou condições para a distensão dos espaços jurídicos- formais no momento em que as classes trabalhadoras começavam a impor suas bandeiras de luta. Os direitos civis, sociais e políticos O primeiro aspecto a ser analisado quando se discute as atuais concepções de cidadania são os pontos abordados por T.H. Marshall, no livro “Cidadania, Classe Social e Status”. Foi ele o primeiro a fazer a distinção entre os direitos civis, políticos e sociais. Os direitos civis surgiram na Inglaterra, no século XVIII. São chamados de direitos de primeira geração e correspondem ao conjunto de liberdades individuais estabelecidas por meio da igualdade jurídica. Estamos nos referindo, portanto, à liberdade individual em termos de propriedade e de igualdade, ao direito de ir e vir, o direito à vida, à segurança etc. São os direitos, como defende Vieira (2005), que embasam a concepção liberal clássica. Datados do século XIX, os direitos políticos fazem parte, assim como os civis, dos direitos de primeira geração. Inclusive, dizem respeito à liberdade de associação e reunião, de organização política e sindical, à participação política e eleitoral, ao sufrágio universal etc. São também chamados direitos individuais exercidos coletivamente e também acabaram se incorporando à tradição liberal. Os direitos sociais, também chamados de direitos econômicos ou de crédito, são considerados de segunda geração e foram estabelecidos no século XX, principalmente a partir da luta dos movimentos operários e sindicais. Tais direitos englobam educação, saúde, previdência, seguro-desemprego etc., e envolvem o acesso a bens e serviços que asseguram a tal da vida digna, o bem-estar social. Mais do que isso, como indica Covre (2007, p. 14), são todos direitos que devem repor a força de trabalho e, portanto, pode-se afirmar que tratam da necessidade de o trabalhador ter um salário decente e, por extensão, o chamado salário social. Para Marshall, ao garantir direitos civis, políticos e sociais a todos, o estado-providência asseguraria que todos os membros da sociedade poderiam participar plenamente na vida comum da sociedade. Esta teoria é classificada de “cidadania passiva", uma vez que enfatiza o papel do Estado, sem focar a questão dos deveres cívicos. A questão, como defendem autores como Vieira, é que esta teoria pode até ajudar a assegurar boas condições de vida à população, pelo menos para a maior parte dela, mas teria que ser complementada pelo exercício ativo de responsabilidades e virtudes. Covre (2007) concorda com esta análise, ao lembrar que é precisamente sobre os direitos sociais que os detentores do capital e do poder constroem a concepção de cidadania, procurando administrar a classe trabalhadora e mantendo-a “receptora” desses direitos, que supostamente devem ser agilizados pelos capitalistas e pelos governantes. Retomando as questões dos direitos, temos que considerar também o surgimento, na segunda metade do século XX, dos chamados direitos de terceira geração. Trata-se dos direitos que têm como titular não o indivíduo,mas grupos humanos como o povo, a nação, as coletividades étnicas ou a própria humanidade. É o caso do direito à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente etc. Vejamos a explicação de Vieira (2005, p. 23: “na perspectiva dos novos movimentos sociais, direitos de terceira geração seriam os relativos aos interesses difusos, como direito ao meio ambiente e direito do consumidor, além dos direitos das mulheres, das crianças, das minorias étnicas, dos jovens, anciãos etc.”. Hoje também já são mencionados, em várias obras, os direitos de quarta geração, relativos à bioética, de modo a impedir a destruição da vida e regular a criação de novas formas de vida em laboratório pela engenharia genética. Com base na teoria de Marshall, diversos autores analisaram suas respectivas realidades e acrescentaram a ela nuances teóricas. É o que vamos analisar no segundo texto deste módulo, na sequência. Agora, vamos a um exercício sobre o conteúdo trabalhado até aqui. Exercício: Com relação aos direitos sociais, assinale a alternativa FALSA: a) os direitos sociais dizem respeito ao direito ao trabalho, a um salário decente e, por extensão, ao chamado salário social. b) é sobre os direitos sociais que os detentores do capital e do poder têm construído a concepção de cidadania. c) os direitos sociais são uma das questões mais críticas para a discussão da cidadania, uma vez que faz parte de um conjunto de modificações do capitalismo contemporâneo. d) os direitos sociais são considerados de segunda geração e foram conquistados no século 20, a partir da luta do movimento operário e sindical. e) os direitos sociais também dizem respeito à liberdade de associação e reunião, de organização política e sindical. Resposta: e) os direitos sociais também dizem respeito à liberdade de associação e reunião, de organização política e sindical. Comentário: Essas questões citadas referem-se aos direitos políticos, que são de primeira geração. _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________ Módulo 5 - Estado, sociedade civil e cidadania – parte 2 Quando discutimos o redimensionamento da noção de cidadania, importante considerar que diversos autores, a partir da análise de suas respectivas realidades, acrescentaram novas nuances à teoria de Marshall. Litsz Vieira, ao abordar este processo, cita os casos de Reinhard Bendix, que enfocou a ampliação da cidadania às classes trabalhadoras por meio dos direitos de associação, educação e voto; e de Turner, que considera os movimentos sociais como força dinâmica necessária ao desenvolvimento dos direitos de cidadania. Para este teórico, haveria uma cidadania conservadora – passiva e privada – e uma outra revolucionária – ativa e pública. Importante citar, também, as contribuições de Norberto Bobbio nesta discussão. Ele vai destacar, como explica Meksenas (2002), a dimensão histórica da conquista dos direitos civis e de liberdade. A liberdade surge primeiramente nas guerras religiosas, como expressão da liberdade de crenças; e os direitos políticos se constituem nas lutas e movimentos sociais que emergem contra o despotismo. Daí a afirmação de que os direitos naturais são, portanto, direitos históricos, que podem ser vistos como indicadores do progresso social. É neste sentido que ele vai defender a tese de que os direitos são um produto da era moderna, nascendo junto, portanto, com a concepção individualista da sociedade. Ao abordar as teorias marxistas, Vieira explica que elas enfatizam a reconstituição da sociedade civil. Neste caso, teríamos tanto os conceitos desenvolvidos por Marx e Hegel, como os conceitos trabalhados por Gramsci. Para Vieira, a atual referência à sociedade civil traz o viés gramsciano de proteção contra os abusos estatais e do mercado. Segundo sua argumentação, em “Os argonautas da cidadania”, “esta terceira vertente teórica pode ser compreendida como uma intermediação entre o enfoque estatal adotado por Marshall e o enfoque da virtude cívica centrada na sociedade, característico das teorias durkheimianas”. Outro aspecto importante é a contribuição do marxismo para a construção do conceito de cidadania, principalmente em relação ao uso dos direitos pela burguesia para dominar os outros grupos sociais. Cidadania & regimes políticos Para entendermos o desenvolvimento deste conceito, é importante o registro do papel da cidadania frente aos diferentes regimes políticos. Para o liberalismo, o cidadão é concebido como um indivíduo dotado de liberdade e responsável pelo exercício de seus direitos. Como argumenta Vieira, “a cidadania encontra-se, assim, estreitamente relacionada à imagem pública do indivíduo como cidadão livre e igual, e não às características que determinam sua identidade”. Numa posição oposta, teríamos o comunitarismo, que prioriza a comunidade, sociedade ou nação, invocando a solidariedade e o senso de um destino comum como pedra de toque da coesão social. Assim, a sociedade sustenta-se pela ação e pelo apoio dos grupos, contrariamente às decisões atomistas do indivíduo no âmbito liberal. Viera explica bem a diferença entre as duas visões: “Na visão liberal, a cidadania é um acessório, não um valor em si mesmo. Na visão comunitarista, os indivíduos são membros de unidades maiores do que si mesmo, e uma delas é a comunidade política”. A preocupação contemporânea, diante deste quadro teórico e empírico, é compatibilizar a existência de diversas possibilidades e gradações de cidadania: a vida em pequenas comunidades e a reformulação da cidadania no Estado-nação ou mesmo em nível global. “A cidadania, no âmbito desse esforço coletivo, não pode mais ser vista como um conjunto de direitos formais, mas sim como um modo de incorporação de indivíduos e grupos ao contexto social. No intuito de solucionar a relação conflituosa entre as múltiplas tradições de cidadania, baseadas em status, participação e identidade, alguns autores pretendem formular um complexo sistema, com o acesso a direitos garantidos por instituições locais, nacionais ou transnacionais”. (Vieira, 2001, p. 48) Daremos continuidade à abordagem deste assunto no Módulo 6, quando vamos discutir o redimensionamento do papel da sociedade civil. Agora, segue um exercício. E não deixe de fazer, na sequência, os quatro exercícios deste módulo. Exercício Analise as afirmações sobre o papel da cidadania frente aos diferentes regimes políticos e indique a alternativa FALSA: a) para o liberalismo, o cidadão é concebido como um indivíduo dotado de liberdade e responsável pelo exercício de seus direitos, mas que depende da interferência do Estado para assegurar suas conquistas. b) no liberalismo, a cidadania encontra-se estreitamente relacionada à imagem pública do indivíduo como cidadão livre e igual, e não às características que determinam sua identidade. c) a visão é oposta no caso do comunitarismo, que vai priorizar a comunidade, sociedade ou nação, invocando a solidariedade e o senso de um destino comum como pedra de toque da coesão social. d) no comunitarismo, a sociedade sustenta-se pela ação e apoio dos grupos, contrariamente às decisões atomistas do indivíduo no âmbito liberal. e) na visão liberal, a cidadania é um acessório, não um valor em si mesmo; na visão comunitarista, os indivíduos são membros de unidades maiores do que si mesmo, e uma delas é a comunidade política. Resposta: a) para o liberalismo, o cidadão é concebido como um indivíduo dotado de liberdade e responsável pelo exercício de seus direitos, mas que depende da interferência do Estado para assegurar suas conquistas. Comentário:o liberalismo defende como premissa o mínimo de interferência do Estado. MÓDULO 6 - O REDIMENSIONAMENTO DO PAPEL DA SOCIEDADE CIVIL O redimensionamento do papel da sociedade civil Como vimos até aqui, o conceito de cidadania é muito mais abrangente do que parece num primeiro momento. Para entendermos como a questão dos direitos e dos deveres se operam na prática do cotidiano, é importante ter noção sobre o papel da sociedade civil. O primeiro aspecto a ser considerado são as esferas que compõem hoje o conceito de sociedade civil: · estatal: envolve o legislativo, o executivo e o judiciário; · privada: constituída pela vida familiar, rede de amizades e dispositivos de propriedade pessoal; · do mercado: constituída por organizações privadas e algumas públicas engajadas na produção de lucro e riqueza por meio de bens e serviços; · pública: inclui partidos políticos, grupos de interesse, associações de bem-estar social, movimentos sociais e grupos religiosos. Segundo Vieira, a mídia, foco deste nosso estudo, encontra-se, em geral, na esfera pública, em que pese a possível justaposição com as esferas do mercado ou estatal. Devemos nos lembrar, como explica o autor, que a mídia interpreta, influencia e mesmo constitui grandes segmentos do discurso público. E, enquanto propriedade estatal, as organizações têm um pé na esfera estatal e outro na pública. As privadas, por sua vez, encontram-se na justaposição entre esfera pública e a do mercado. Autores como Viera consideram de extrema importância o papel dos movimentos sociais, que podem contribuir para a democratização dos sistemas políticos, pela mudança nas regras de procedimento e nas formas de participação política, pela difusão de novas formas de organização e, sobretudo, pela ampliação dos limites da política, politizando temas que até então eram considerados da esfera privada. Como exemplo temos as questões de gênero envolvendo relações entre os sexos. Na visão de Vieira, as mudanças na cultura política trazidas pelo incremento do associativismo indicam a possibilidade de superação das formas tradicionais de clientelismo, populismo e corporativismo presentes na história política da América Latina. Segundo ele, “esta nova cultura associativa certamente contribuirá de forma significativa para a construção de uma estrutura institucional mais democrática, posto que ancorada na sociedade civil e não nas elites que tradicionalmente controlam a sociedade política”. Na visão deste autor, o renascimento da noção de sociedade civil, que teria ressurgido no cenário teórico e político nos anos 80, deve-se principalmente a três fatores: a) o esgotamento das formas de organização política baseadas na tradição marxista, com a consequente reavaliação da proposta marxista de fusão entre sociedade civil, Estado e mercado; b) o fortalecimento no ocidente da crítica ao Estado de bem-estar social, pelo reconhecimento de que as forças estatais de implementação de políticas de bem-estar não são neutras; e o surgimento dos chamados “novos movimentos sociais”, que centram sua estratégia não na demanda de ação estatal, mas na proposição de que o Estado respeite a autonomia de determinados setores sociais; c) os processos de democratização da América Latina e Leste europeu, onde os atores sociais e políticos identificaram sua ação como parte da reação da sociedade civil ao Estado. Vamos discutir o papel das ONGs no próximo texto. Agora, um exercício sobre o conceito de sociedade civil: Exercício Nas últimas décadas ocorreram mudanças importantes no conceito de sociedade civil. Podemos afirmar que ela se refere: a) a movimentos sociais e instituições localizadas na esfera privada. b) a movimentos sociais e instituições localizadas na esfera pública. c) a movimentos sociais e instituições localizadas tanto na esfera privada quanto na pública, com o objetivo de se contrapor às ações sistêmicas de mercado e do Estado. d) o objetivo das organizações da sociedade civil é contrapor as ações do mercado. e) o objetivo das organizações da sociedade civil é contrapor as ações do Estado. Resposta: c) a movimentos sociais e instituições localizadas tanto na esfera privada quanto na pública, com o objetivo de se contrapor às ações sistêmicas de mercado e do Estado. Comentário: um aspecto importante na discussão deste tema é que a sociedade está sendo chamada, cada vez mais, a formular alternativas. A mesma crise que enfraquece o Estado nacional tende a fortalecer as organizações da sociedade civil. Parte 2 - O papel das ONGs Vários autores, como o próprio Vieira, defendem que as entidades e movimentos da sociedade civil, de caráter não-governamental, não mercantil, não-corporativo e não-partidário podem assumir um papel estratégico quando se transformam em sujeitos políticos autônomos e levantam a bandeira da ética, da cidadania, da democracia e da busca de um novo padrão de desenvolvimento que não produza a exclusão social e a degradação ambiental. Outro aspecto importante é o fato de muitas dessas entidades terem características transnacionais, que desenvolvem objetivos comuns no plano internacional. Vale atentar para alguns dados importantes deste processo, citados por Vieira: segundo estimativas do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), a atuação das ONGs beneficia cerca de 250 milhões de pessoas nos países em desenvolvimento, tornando-se, portanto, um importante ponto de apoio para tais nações. É fato, também, que cada vez mais tais instituições ajudam a formular políticas públicas e, em muitos casos, ajudam a fiscalizar projetos, bem como denunciar arbitrariedades do governo, desde violação de direitos humanos até omissão no cumprimento de compromissos públicos, nacionais ou internacionais. Esta mesma prerrogativa é válida para o universo empresarial, alvo de denúncia das ONGs. Com relação a esta atividade, o próprio Vieira observa que de um lado as ONGs aliam-se com o Estado para exigir do mercado o equacionamento dos custos sociais e ambientais da produção exigido pelo desenvolvimento sustentável; e, de outro, aliam ao mercado para exigir do Estado a realização de reformas democráticas que aumentem sua eficácia administrativa. Com relação a este papel exercido pelas organizações da sociedade civil há exemplos elucidativos sobre como podem se operar na prática os diferentes níveis de pressão. No caso da indústria da publicidade, por exemplo, assistimos hoje no Brasil a um intenso debate entre governo, mercado e sociedade civil no que diz respeito aos limites que devem ser impostos à publicidade dirigida ao público infantil. É interessante observar como o Estado acaba atuando mais como um mediador neste processo, tentando conciliar os interesses da indústria e das ONGs que têm se organizado para tentar coibir algumas práticas. E, vemos, neste caso, instituições não-governamentais assumindo posições de frente na discussão. Em um exemplo atual, podemos citar o papel do Conar (Conselho de Auto- Regulamentação Publicitária), que recebe reclamações de consumidores relacionadas ao conteúdo da publicidade. Em 2010, diversas ações foram movidas no Conar pelo Instituto Alana, responsável pelo Projeto Criança e Consumo, contra campanhas publicitárias consideradas abusivas por conter apelo explícito ao público infantil. Nesses casos, o que chama a atenção é o fato de vermos as ações se operando longe do poder do Estado. A partir da demanda de uma entidade não-governamental, as campanhas podem ser suspensas – como ocorreu em vários casos –, atendendo à decisão de uma outra entidade, também não-governamental, dedicada à autorregulamentação de determinado setor. Como veremos a seguir, esses embates que ocorrem no âmbito da sociedade civil são de fundamentalimportância para entendermos o que está em jogo na intersecção entre comunicação e cidadania. Exercício Sobre o papel exercido pelas ONGs, assinale a FALSA: a) as ONGs têm ajudado a formular políticas públicas em muitos países. b) as ONGs têm se aliado ao Estado para exigir do mercado o equacionamento dos custos sociais e ambientais dos seus projetos. c) as ONGs também têm se aliado ao mercado para exigir do Estado a realização de reformas democráticas que aumentem sua eficácia administrativa. d) atualmente é comum a associação das ONGs em rede, o que aumenta a eficácia e o campo de atuação. e) apesar da importância, as ONGs ainda não podem participar de organismos internacionais, como a ONU, o que facilitaria os acordos mundiais sobre determinados temas, como meio ambiente. Resposta: e) apesar da importância, as ONGs ainda não podem participar de organismos internacionais, como a ONU, o que facilitaria os acordos mundiais sobre determinados temas, como meio ambiente. Comentário: As ONGs tiveram participação ativa na ONU desde a sua fundação, em 1945. Na Rio-92 foi dado o primeiro passo para a intensa participação das ONGs no processo de discussão e decisão das Nações Unidas. MÓDULO 7 - O PAPEL DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NA CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA Módulo 7 Texo 1 - O papel dos meios de comunicação na construção da cidadania “Homens e mulheres percebem que muitas das perguntas próprias dos cidadãos – a que lugar pertenço e que direitos isso me dá, como posso me informar, quem representa meus interesses – recebem suas respostas mais através do consumo privado de bens e dos meios de comunicação de massa do que nas regras abstratas da democracia ou da participação coletiva em espaços públicos”. (Canclini, 1995, p. 30) Este texto de Nestor García Canclini é importante para iniciarmos nossas considerações sobre a intersecção entre comunicação e cidadania. Com muita propriedade, o autor constata que as modificações ocorridas na maneira de consumo exerceram influência nas possibilidades e as formas de exercício da cidadania, modificando-as. Para o autor, isto se deveu à degradação das instituições e da política, de modo que as formas de participação popular se enfraqueceram, originando outras. Ou seja, como os mecanismos de participação política sempre foram bastante limitados, as pessoas, por meio do chamado poder de compra, pretendem se inserir na sociedade, contribuindo para a diminuição de sua exclusão. Eugênio Bucci, em “Sobre ética e imprensa”, também faz referência a este aspecto, observando que na sociedade contemporânea é como consumidor que o cidadão tem acesso, por exemplo, às informações que lhe ajudarão a decidir seu voto: “Numa certa perspectiva, é possível dizer que ele já não se engaja politicamente nas causas partidárias, mas ‘consome’ propostas administrativas – ‘compra-as’ com seu voto – como quem escolhe o melhor pacote turístico”. E acrescenta que, neste sentido, o livre debate das ideias políticas, que para Robespierre só era possível mediante a liberdade de imprensa, passa hoje mais pela publicidade e pelo marketing do que pela comunicação mediada pelo jornalismo. Igualmente fazendo referência à afirmação de Canclini, Bucci (2006) comenta que, além de mediar as relações sociais, o consumo transforma direitos fundamentais, como educação e saúde, em mercadorias de uma cidadania “privatizada”. Ele se refere, por exemplo, ao fato de escolas e hospitais públicos serem oferecidos, na publicidade eleitoral, com o mesmo tipo de recurso usado em campanhas publicitárias comerciais. E o mais grave, como argumenta o especialista, é que mesmo os eventos mais fundamentais da democracia, que vão desde a escolha de prefeito até ao processo de impeachment de um presidente, adquirem visibilidade à medida que se convertam em show de mídia. Para o contexto do nosso estudo, esta situação deve ser considerada com atenção, uma vez que a mídia é considerada a arena social, o espaço onde repercutem os debates das diversas esferas do poder e da sociedade. A partir do século XIX, diante da disseminação dos meios de comunicação, novas camadas da população passam a buscar a ascensão social e têm a imprensa como referência para a repercussão e a legitimação das ideias. Este “debate mediado” será marcado, ainda, pela adequação do estilo de consumo, ainda que no campo simbólico, como defende Habermas. Vejamos a análise de Gilberto Rodão sobre o assunto (o autor discute esta questão no artigo “Estado, sociedade civil e comunicação: uma reflexão sobre a possibilidade de democratização”, publicado no livro Comunicação e Cidadania, organizado por Amarildo Carnicel e Márcia Fantinatti, citado em nossa bibliografia): “Essa transformação cria um mundo simbólico para tudo o que existe na sociedade: bens materiais e não materiais. As propostas programáticas das mais diferentes organizações e agremiações partidárias são legitimadas ou rejeitadas conforme a presença delas nessa nova esfera pública. A publicidade passa a ter peso cada vez mais decisivo e as consciências são manipuladas e/ou moldadas de acordo com os interesses mercadológicos e políticos dos meios, quase sempre legitimadores da moral liberal”. Não vamos nos aprofundar no debate das diferentes teorias da comunicação, que nos dão conta de como as realidades vão ser construídas na sociedade contemporânea. O que nos interessa, sobretudo, é a ideia de que a noção de espaço público não pode mais se limitar à visão liberal de um mercado de opiniões em que os diversos interesses organizados buscam influenciar os processos decisórios. Como analisa Vieira (2001), citando o modelo de Habermmas, “a esfera pública atua como instância mediadora entre os impulsos comunicativos gerados na sociedade civil (no mundo da vida) e as instâncias que articulam, institucionalmente, as decisões políticas (parlamento, conselhos)”. Assim, ao superar as divisões entre o Estado e a sociedade, os influxos comunicativos da sociedade civil acabam influenciando as instâncias decisórias. Neste sentido é que podemos afirmar que é a partir do debate político que as questões se tornam públicas, possibilitando que os cidadãos exerçam a função crítica e o controle sobre o Estado. Neste contexto é que se defende que o acesso e o direito à informação tornam-se requisitos básicos para a construção da cidadania, pois apenas com a socialização da informação é que se poderá fornecer a cidadania de uma forma integral aos membros da sociedade civil. Em contrapartida, a ausência dessas práticas é que leva a uma cidadania mais passiva que ativa e a uma situação que garante a manutenção de uma minoria governante e a incapacidade do povo em organizar-se. A questão da representatividade em um sistema democrático parece fundamental quando se discute a possibilidade da participação e do exercício da cidadania. E é neste sentido que se defende que o direito à informação é uma liberdade democrática destinada a permitir uma autônoma e igualitária participação dos indivíduos na esfera pública. Em outras palavras, só a socialização da informação poderia dar ao cidadão a dimensão de um homem, formando a cidadania plena. Vamos trabalhar este aspecto no próximo texto. Agora, um exercício: Exercício Eugênio Bucci, em Ética na Imprensa, comenta que a existência dos monopólios nos meios de comunicação, as distorções deliberadas e os abusos de poder não são um problema ético exclusivo dos jornalistas, mas de toda a sociedade. Esta crítica sustenta-se na constatação de que muitas das perguntas próprias dos cidadãos são respondidas mais através do consumo privado de bens e dos meios de comunicação de massa do que das regras abstratas da democracia ou pela participaçãocoletiva em espaços públicos (Nestor Garcia Canclini, em Consumidores e Cidadãos – conflitos multiculturais da globalização). Analise as afirmações sobre o assunto e responda: I. A democracia deve assegurar um regime em que prevaleça, no mínimo, a pluralidade de veículos informativos e a competição entre órgãos de imprensa. II. No Brasil, no caso da televisão, felizmente a concessão dos canais de TV está subordinada a uma carta de princípios que, se desobedecida, justifica uma pena de suspensão ou mesmo a cassação da concessão. III. Nos Estados Unidos, a Comissão Federal de Comunicações é responsável pela regulação do setor. Por meio do estabelecimento de regras e também pela fiscalização, procura proteger a pluralidade e a diversidade de empresas e de opiniões da comunicação social. a) apenas a I e a II estão corretas b) a I, a II e a III estão corretas c) a I está incorreta d) apenas a I e a III estão corretas e) apenas a II está correta Resposta: d) apenas a I e a III estão corretas Comentário A afirmativa em relação à TV está incorreta. As atividades relatadas caberiam ao Conselho de Comunicação Social, instituído pela Constituição de 1988, mas que teve suas funções esvaziadas, atuando como um conselho consultivo para o Senado. O direito à informação Cicilia M. Krohling Peruzzo é uma das principais referências no Brasil quando se discute questões relativas ao acesso à informação e à comunicação como direito do cidadão. Nesta análise, bastante importante para entendermos a intersecção entre comunicação e cidadania, tomamos como base o artigo “Direto à comunicação comunitária, participação popular e cidadania”, publicado no livro Comunicação Pública, primeiro volume da coleção Comunicação, Cultura e Cidadania, que conta com o apoio institucional do CEPACCC – Centro de Estudos e Pesquisas Avançadas em Comunicação, Cultura e Cidadania. O primeiro aspecto considerado pela autora é o entendimento de que em seu processo de constituição os movimentos populares descobriram a necessidade de apropriação pública de técnicas e de tecnologias de comunicação para poderem fortalecer e realizar os objetivos propostos. Assim, num primeiro momento, descobriram a utilização da comunicação como uma necessidade, ou seja, como canais importantes para se comunicarem entre si e com seus públicos, sejam eles os usuários reais ou potenciais dos serviços oferecidos à imprensa, aos órgãos públicos aliados e ao conjunto da sociedade. Esta comunicação de cunho comunitário não chega a ser dominante, porém, desempenha um papel importante na democratização da informação e da cidadania, tanto no sentido da ampliação do número de canais de informação e na inclusão de novos emissores, como no fato de constituir em processo educativo, não só pelos conteúdos emitidos, mas pelo envolvimento direto das pessoas no “fazer comunicacional” e nos próprios movimentos populares. Este tipo de comunicação tem passado por mudanças importantes e, como enfatiza Peruzzo, é marcado também pela diversidade, uma vez que tem sido praticada por meio de múltiplas formas e linguagens, até para atender às necessidades de um país com tantos contrastes, como é o caso do Brasil. Um alerta importante, até em decorrência da vulgarização do termo comunitário, é que vão ser classificadas desse modo apenas as iniciativas gestadas no contexto dos movimentos populares e produzidas no âmbito das comunidades e de agrupamentos sociais com identidades e interesses comuns. Sintetiza a autora: “Implica em participação ativa, horizontal e democrática dos cidadãos, na propriedade coletiva, no sentido de pertença que desenvolve entre os membros, na co-responsabilidade pelos conteúdos emitidos, na gestão partilhada, na capacidade de conseguir identificação com a cultura e os interesses locais, no poder de contribuir para a democratização do conhecimento e da cultura”. Imprescindível, também, atentar para a análise feita por Peruzzo com relação ao papel exercido por esse tipo de comunicação. Se até a década de 1990 os meios de comunicação popular/comunitários eram vistos como uma necessidade de expressão dos movimentos sociais, hoje esta história é diferente: aos poucos vem sendo agregada a noção de que o acesso aos meios de comunicação deve ser entendido como um direito de cidadania. Tanto é verdade que esta premissa tem sido defendida por um movimento (o CRIS – Communication Rights in the Information Society), liderado por ONGs do campo da comunicação e dos direitos humanos, de diversos países, que reivindicam não só o acesso às tecnologias de informação e comunicação, mas o cumprimento de todos os direitos humanos nas suas dimensões civis, políticas, econômicas, sociais e culturais. Vale atentar para o que diz Peruzzo sobre o que se entende hoje por direito à comunicação: “Tal concepção vem sendo renovada ao incluir a dimensão do direito à comunicação enquanto acesso ao poder de comunicar. As liberdades de informação e expressão posta em questão na atualidade não dizem respeito apenas ao acesso da pessoa à informação como receptor, nem apenas no direito de expressar-se por ‘quaisquer meios’ – o que soa vago –, mas de assegurar o direito de acesso do cidadão e de suas organizações coletivas aos meios de comunicação social na condição de emissoras – produtores e distribuidores – de conteúdos. Trata-se, pois, de democratizar o poder de comunicar.” (Peruzzo, 2004, p. 57) Segundo a autora, do ponto de vista jurídico, há ordenamentos que balizam a democracia comunicacional, uma vez que a Declaração dos Direitos Humanos, de 1948, no Artigo 19, assegura que “todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por quais meios de expressão”. Essa mesma premissa é defendida na Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, e no caso do Brasil, no artigo 5º da nossa Constituição, que diz que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, e independente de censura ou licença. Apesar deste fato e de a ideia ser defendida com ênfase nos últimos anos, a própria Peruzzo reconhece que esta é uma mobilização ainda incipiente, ou seja, não é considerada prioritária por governos e pela sociedade civil. A justificativa é que há uma demora para se perceber as transformações trazidas por uma sociedade em mudança e que ainda tem como prioritárias outras discussões relativas à comunicação, como os aspectos legais das telecomunicações, as questões relativas à censura e aos direitos constitucionais das pessoas e dos grupos empresariais de mídia a expressar idéias, opiniões etc. A autora cita algumas das problemáticas advindas da presença da mídia na sociedade contemporânea, que têm demandado novos ordenamentos jurídicos. É o caso da proibição da publicidade subliminar, da problemática da violência na televisão, da difusão de informações que prejudicam as pessoas em sua vida profissional e pessoal e até mesmo o fato de a nova ordem da comunicação – cada vez mais sujeita à lógica do mercado – catalisar novos direitos do consumidor. No dia a dia, o que se tem visto é que o direito à comunicação tem dado sinais de existência, por exemplo, no movimento das rádios comunitárias. Muito antes da promulgação da lei 9.612/98, que regulamentou as atividades das rádios de baixa potência comunitária no Brasil, muitas têm operado sem licença e, neste caso, os argumentos que sustentam essa prática e amparam os processos judiciais movidos pelas diferentes associações do setor valem-se da noção de direito à comunicação. Para Peruzzo, o acesso à informação e aos canais de expressão é um direito de cidadania, configurando-se,
Compartilhar