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AN02FREV001 99 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA Portal Educação CURSO DE DIREITO CIVIL – PARTE GERAL Aluno: EaD - Educação a Distância Portal Educação AN02FREV001 100 CURSO DE DIREITO CIVIL (PARTE GERAL) MÓDULO VI Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização ou distribuição do mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas. AN02FREV001 101 MÓDULO VI 6 ATOS LÍCITOS E ATOS ILÍCITOS 6.1 ATOS LÍCITOS Segundo o art. 185 do CC: O ato lícito decorre da vontade lícita de uma pessoa, cujo efeito decorre da lei, ou seja, a pessoa manifesta a vontade, mas não com o intuito de atingir determinado efeito jurídico, o efeito é uma imposição da lei. (CC, art. 185). Diante disso, o ato jurídico é o que gera consequências jurídicas previstas em lei. É acontecimento de vontade, que produz efeitos jurídicos. Tem de ser um acontecimento lícito fundado em direito. Um exemplo de ato lícito no qual se introduzam apenas alguns detalhes poderá tornar-se um exemplo de ato ilícito. Assim, se a compra e venda de um imóvel é feita por partes legítimas e capazes, obedecendo-se a forma exigida na lei, isto é, por escritura pública, e observados todos os demais aspectos que a legislação determina, temos aí um exemplo de ato lícito. Porém, se quem vende não é legítimo proprietário, ou não obtém deste a indispensável procuração com poderes específicos para efetuar a venda, e ainda assim pratica o ato, e por instrumento particular, temos agora um caso típico de ato ilícito. Simples detalhes, portanto, são suficientes para modificar toda a configuração de um caso. O ato meramente lícito ou mero ato jurídico é aquele ato que, embora sendo ação humana, produz efeitos jurídicos sem que tenha havido por parte do agente (o que pratica o ato) qualquer manifestação ou declaração de vontade nesse sentido. Produz efeitos jurídicos sem que o agente tenha AN02FREV001 102 manifestado qualquer intenção de realizá-los. Por exemplo, um homem cavando um buraco em terreno que lhe pertence para ali fazer plantação, encontra um tesouro enterrado há dezenas de anos e de cujo dono não haja memória. Adquire, assim, a propriedade desse bem, sem que, ao escavar, tivesse objetivamente qualquer intenção de achar algo de valor. Sendo assim, o ato lícito é aquele que resulta da obediência ao determinado pela lei. O ato ilícito é, ao contrário, o praticado violando o preceituado pela lei. 6.2 ATOS ILÍCITOS Quando o ato produz efeitos jurídicos contrários ao ordenamento jurídico, haverá um ato ilícito. O ato ilícito é um instituto integrante dos fatos jurídicos, em que o Código Civil expressa em seus artigos 186 a 188. São ações contrárias à lei, que geram o dever de reparação do dano causado, visando a manutenção da ordem social. Diante disso, o ato ilícito é praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direito subjetivo individual, conforme o art. 186 do CC: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Sendo assim, o ato comissivo ou omissivo, violador de direito outrem ou causador de dano a bem jurídico alheio, pelo qual fica o agente compelido a efetuar a reparação do dano. Segundo o art. 187, “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Paulo Nader (2010) ensina que “ato ilícito é a conduta humana violadora da ordem jurídica. Só pratica ilícito quem possui dever jurídico. A ilicitude implica sempre na lesão a um direito pela quebra do dever jurídico”. AN02FREV001 103 Assim, atos Ilícitos são aqueles em que a manifestação da vontade humana ofende ou viola a norma jurídica. Igualmente, são aqueles em que o agente agiu dolosa ou culposamente e, assim procedendo, causou dano a outrem. Ou seja, aquele que violar o direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. Então, a ilicitude está em se ter um procedimento em sentido oposto ao determinado pelo dever jurídico, violando o ordenamento jurídico ou a lei. 6.3 ELEMENTOS DO ATO ILÍCITO Os elementos objetivos são: a ação ou a omissão humana (conduta) causadora de dano e a violação do direito de outrem ou a lesão a bem jurídico alheio (antijuridicidade). Já os elementos subjetivos são: a responsabilidade do agente em face do ato comissivo ou omissivo praticado (imputabilidade) e a intenção do agente ao praticar o ato ilícito (culpabilidade). A seguir, iremos analisar esses elementos. • Conduta É a ação ou omissão humana. Quando há uma atuação violadora da lei, diz-se que o ato é comissivo, ou seja, resultante de uma ação do agente. Quando, ao contrário, há uma omissão violadora da lei, diz-se que o ato é omissivo, resultante de uma inércia do agente. A conduta pode causar dano por meio de um fazer o não fazer, isto é, ação ou omissão. • Dano Não existe ato ilícito sem o dano. Ele constitui uma lesão a um direito do lesado, podendo ser patrimonial ou extrapatrimonial. O dano patrimonial pode ser: Emergente (é o prejuízo efetivo, por exemplo, o dono do veículo AN02FREV001 104 atingido em acidente provocado por outrem), lucro cessante (é o que se deixa de ganhar, por exemplo, o motorista de táxi que deixa de trabalhar em função de acidente causado por outrem), dano direto (advém imediatamente da conduta ilícita do agente), dano indireto (decorre de circunstâncias posteriores à conduta que aumentam o prejuízo), dano, previsível e imprevisível. Assim, o dano sofrido pela vítima, seja ele moral ou material, tem que ser reparado pelo agente causador do dano. • Antijuridicidade É a atuação contrária ao dever jurídico, resultando em violação do direito de outrem ou lesão a bem alheio juridicamente protegido. Atuar antijuridicamente é contrapor-se ao ordenamento jurídico. • Imputabilidade A imputabilidade é a responsável atribuível ao agente em face do ato comissivo ou omissivo por ele praticado. Ser imputável é ter-se responsabilidade segundo o critério determinado pela lei, do mesmo modo que ser inimputável é desfrutar-se de irresponsabilidade conforme a lei. Assim, a conduta humana, para ser ilícita, pressupõe que o agente esteja no pleno uso de suas faculdades mentais, ou seja, que tenha capacidade de entender e querer. Exige-se, portanto, a imputabilidade. Quando é praticado o ato por absolutamente incapazes o responsável legal responde pelos danos. • Culpabilidade É a intenção, real ou presumida, do agente ao praticar o ato. Quem tem culpabilidade é quem age com culpa. Nesse caso, a conduta do agente não é querida nem desejada, mas apesar disso, por sua negligência, imprudência ou AN02FREV001 105 imperícia, vem a violar norma jurídica, lesando outrem, observe que também se exige, além de um dever jurídico, o dano ocasionado à vítima. • Nexo de causalidade; Deve existir nexo causal entre a conduta ilícita e o dano sofrido pela vítima. Para Maria Helena Diniz (2004, p. 460), “a responsabilidade civil não pode existir sem a relação de causalidade entre o dano e a conduta ilícita do agente”. Mas não há esse nexo se o evento se deu por culpa exclusiva da vítima, caso em que se exclui qualquer responsabilidade por culpa concorrente da vítima (RT, 477:111; 481:211; 480:88; AJ,107:604). Segundo Orlando de Almeida Secco (2000, p. 112): Cumpre assinalar-se que, modernamente, não mais se torna suficiente o denominado nexo causal para caracterizar o ato ilícito. A relação entre causa e efeito, isto é, praticar-se um ato, comissivo ou omissivo, ensejando um resultado danoso não é o bastante. (SECCO, 2000, p. 112). Dizendo, assim, que não é suficiente a presença de elementos objetivos. Hoje se exige também a vinculação do agente, no que concerne ao seu animus (intenção) e à sua imputatio (imputação). Exige-se, portanto, que sejam levados em consideração os elementos subjetivos. Deste modo, há ocasiões em que o nexo de relação desaparece ou mesmo é interrompido quando a conduta da vítima é o motivo exclusivo do evento ocorrer. O assunto em tela está disciplinado no art. 945 do Código Civil, que estabelece: “Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”. (CC, art. 945). AN02FREV001 106 6.4 CONSEQUÊNCIA DO ATO ILÍCITO A obrigação de indenizar é a consequência jurídica do ato ilícito, conforme os artigos 186 e 927 e os artigos 944 a 954 do CC. O Código civil, ao prever hipóteses de responsabilidade civil por atos ilícitos, consagrou a teoria objetiva em vários momentos, como por exemplo, nos artigos 927, § único; 929; 931; 933; 938. Quando a responsabilidade é determinada sem culpa, o ato não pode ser considerado ilícito. Apesar dos progressos dessa teoria, a necessidade de culpa para haver responsabilidade, preconizada pela teoria subjetiva, continua a ser regra geral. O ato ilícito poderá produzir consequências jurídicas em duas áreas do nosso direito, quais sejam: direito civil e direito penal. Se deixar imprudentemente um vaso de plantas no parapeito da janela de um apartamento e, com a ventania forte, ele despenca e danificar um veículo estacionado na rua, sou o responsável pela reparação do dano ocorrido, e o caso vincula-se ao ramo do Direito Civil. Se, em comemoração à passagem do ano, solto foguetes estrondosos da janela e um deles atinge alguém, causando lesões corporais leves, sou responsável pela minha ação criminosa, e o caso será da esfera do Direito Penal. E se em uma estrada, imprudentemente, faço com o meu carro uma ultrapassagem na curava, invadindo a pista oposta e colidindo de frente com um veículo que trafega em sentido contrário, sou responsável pelos danos materiais que tenha causado em tal veículo, além de responder pelos ferimentos que tenha causado no motorista do mesmo. Nesse caso, há duas ilicitudes, vinculadas, respectivamente, ao direito civil e ao direito penal. Assim, ato ilícito ao contrário ao direito, praticado com dolo ou culpa, em prejuízo de alguém, gera a obrigação de reparar o dano, conforme o art. 927 do CC. AN02FREV001 107 6.5 ATOS LESIVOS QUE NÃO SÃO ILÍCITOS Há casos excepcionais que não constituem atos ilícitos, apesar de causarem lesões aos direitos de outrem, como prevê o art. 188, incisos I e II do CC: “I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”. Assim, a legítima defesa é considerada como excludente de responsabilidade civil e também criminal, conforme o art. 188, I do CC e art. 25 do CP. O exercício regular de direito, previsto também no art. 188 do CC, que lesar direitos alheios, exclui qualquer responsabilidade pelo prejuízo, por não ser um procedimento prejudicial ao direito, como por exemplo, um credor que penhora os bens do devedor, proprietário que ergue construção em seu terreno, prejudicando não intencionalmente a vista do vizinho. Com isso, só haverá ato ilícito se houver abuso do direito ou seu exercício irregular. O procedimento lesivo do agente, por motivo legítimo estabelecido em lei, não acarreta o dever de indenizar, porque a própria norma jurídica lhe retira a qualificação de ilícito: “II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente”. Em relação ao inciso II, o estado de necessidade consiste na ofensa do direito alheio ou na deterioração ou destruição de coisa pertencente a outrem para remover perigo eminente. Por exemplo, o sacrifício de um automóvel alheio para salvar vida humana, matar o cão de outrem, atacado de hidrofobia e que ameaça morder várias pessoas, etc. Agora, não se caracteriza como estado de necessidade o motorista que, preocupado com um princípio de incêndio em seu veículo, perca a direção e invada a contramão, provocando colisão em outro: “Parágrafo único - No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo”. Portanto, pelo CC, art. 188, I e II, não são atos ilícitos (a legítima defesa, o exercício regular de um direito e o estado de necessidade) previsto no art. 23 do CP. AN02FREV001 108 6.6 ATO ILÍCITO DE NATUREZA CIVIL OU PENAL O ato ilícito pode ser de natureza civil ou criminal. A diferença entre eles é apenas quanto à natureza do bem jurídico ofendido ou então em função dos efeitos do ato. Enquanto o Direito Penal vê no ilícito a razão de punir o agente, o Direito Civil nele enxerga o fundamento da reparação do dano. Por isto mesmo a responsabilidade civil é independente da criminal, por exemplo, o furto, que tanto constitui ilícito civil como criminal, do mesmo modo que o delito de lesões corporais ou no de homicídio. 6.6.1 Ilicitude Civil Para o Direito Civil, o ilícito é um atentado contra o interesse privado de outrem, cujo efeito será a obrigatoriedade da reparação do dano sofrido, como forma indireta de restauração do equilibro rompido. Diante disso, ilícito civil é o descumprimento de um dever jurídico imposto por normas de direito privado, causando danos, a cuja recuperação se fica obrigado. A prática de um ato ilícito, violando direito, ou causando prejuízo a outrem, obriga o agente a reparar o dano. Em termos, bem mais esclarecedor, isso quer dizer que ao agente são impostas obrigações, em decorrência da ilicitude do seu ato. Se o agente fica obrigado a reparar o dano causado, ele tem, portanto, responsabilidade. Conforme seja a natureza do ilícito, a responsabilidade correlacionada será, então, civil ou criminal. Como do ato ilícito civil resulta um dano a bem jurídico de outrem, a responsabilidade civil é a vinculação do autor ou autores do dano, como também dos demais responsáveis (ainda que não tenham sido autores), à obrigação de repará-lo, como nos mostra o art. 942 do CC: “Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à AN02FREV001 109 reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”. Assim, a responsabilidade civil é a determinação do sujeito obrigado a reparar o prejuízo causado sob garantia do patrimônio que possua. Sendo a responsabilidade civil eminentemente patrimonial, ou seja, o agente há de garantir com o seu patrimônio a reparação pelos danos causados. São responsáveis civis, além dos autores do dano, como nos mostra o art. 932, incisos I a V: “I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia”. Por exemplo, uma criança lança uma pedra e quebra a vitrine de uma loja. Os pais arcarão com os gastos necessários à substituição do vidro quebrado e das mercadorias danificadas: “II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições”. Um menor, órfão de pai e mãe, sob tutela do avô paterno, risca com um prego a pintura de um automóvel novo do vizinho. O tutor custeará as despesas necessárias à reparação: “III - o empregadorou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”. Um motorista particular de um empresário, dirigindo imprudentemente, derruba o muro de uma casa ao subir com o carro na calçada. O empresário pagará os prejuízos causados pelo seu empregado: “IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos”. O hóspede deixa sob a guarda da recepcionista valores declarados e por este conferidos, os quais desaparecem do cofre destinado a esse fim. O hoteleiro ressarcirá os prejuízos do seu hóspede: “V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia”. Um jovem retira os faróis e os pneus de um carro estacionado na rua, cujo proprietário se encontra no exterior, presenteando os seus amigos com os objetos. Cada amigo, beneficiário das doações, responderá pela importância correspondente aos objetos que tenha recebido, sendo todos responsáveis, mesmo inexistindo ocorrência de culpa. AN02FREV001 110 Caso mais comum e fácil de compreensão, de fato, é aquele em que o agente pratica o ato ilícito culposamente, respondendo pelas suas consequências. Trata-se de culpa em virtude de ato próprio. Ocorre com as pessoas dotadas de capacidade, por exemplo, uma pessoa, maior e capaz, no seu carro, avança um sinal de trânsito e danifica um veículo alheio. Será obrigado a reparar o dano, em razão da culpa pelo ato próprio. Caso mais raro e difícil de compreensão, é aquele em que ocorre a culpa em razão de fato praticado a outrem. Trata-se aí de culpa em virtude de ato alheio. Nessa hipótese, prevalece o princípio da culpa decorrente de certa omissão ou de falta de fiscalização a que estaria implicitamente obrigada a pessoa responsabilizada. Podemos citar três espécies de culpa: a primeira, seria a culpa in vigilando (culpa pela falta de vigilância), de que são exemplos as responsabilidades dos pais, tutores e curadores. A segunda, seria a culpa in eligendo (culpa pela má escolha), de que é exemplo a responsabilidade do patrão pela má seleção de seus empregados. E por fim, a culpa in custodiendo (culpa pela falta de segurança ou de proteção), de que é exemplo, a responsabilidade de uma construtora pelos danos causados ao prédio vizinho por ocasião de uma construção. Nossos tribunais admitem a teoria de risco, por exemplo, ação de responsabilidade civil por danos sofridos em virtude de disparos de arma de fogo feitos por policiais durante uma diligência. Aplicação do princípio do risco administrativo consagrado pelo art. 107 e § único da CF. E, ainda, uma empresa locadora de veículos responde civil e solidariamente, com o locatário, pelos danos por este causados a terceiro, no uso do carro locado. (Súmula n° 492 do STF). Diante disso, podemos concluir que existem duas teorias acerca da responsabilidade civil, como veremos a seguir: • Teoria subjetiva ou teoria da culpa, que só existe se houver culpa do sujeito. Não havendo culpa, inexistirá qualquer responsabilidade, porque não AN02FREV001 111 houve ato ilícito. Sendo essa teoria mais usada, ou seja, mais adotada pela nossa legislação. • Teoria objetiva ou teoria de risco, que independe da culpa do sujeito, pois se alguém tirar proveito de alguma coisa é justo que também suporte os prejuízos que dela decorram, isto é, os ônus provenientes do risco do seu uso ou exploração. Sendo assim, pela teoria subjetiva, o que importa é determinar-se ter havido culpa. Inexistindo esta, inexistirá também a responsabilidade. Pela teoria objetiva, é relevante não saber se houve culpa, mas sim, se houve dano. Existindo dano, ausente a culpa, existirá também a responsabilidade. Por exemplo, as estradas de ferro serão sempre responsáveis pela perda total ou parcial, furto ou avaria das mercadorias que receberem para transportar. Será sempre presumida a culpa e contra esta presunção só se admitirá alguma das seguintes provas: caso fortuito ou força maior. Nos transportes aéreos, o transportador também responde pelo dano resultante de destruição, perda de bagagem despachada, nos acidentes ocorridos. 6.6.2 Ilicitude Penal Ilícito penal é o crime ou delito. Ou seja, é o descumprimento de um dever jurídico imposto por normas de direito público, sujeitando o agente a uma pena. No Direito Penal, o delito é um fator de desequilíbrio social, que justifica a repressão como meio de restabelecimento da ordem. Vimos na ilicitude civil que a antijuridicidade é a atuação contrária ao dever jurídico, resultando em violação do direito de outrem ou lesão a bem alheio juridicamente protegido. Na ilicitude penal, a antijuridicidade é a contradição entre uma conduta e o ordenamento jurídico. O fato típico, até prova em contrário, é um fato que, ajustando-se a um tipo penal, é antijurídico. Existe também, na ilicitude penal, a exclusão da antijuridicidade, pois o direito prevê causas que excluem a AN02FREV001 112 antijuridicidade do fato típico. Segundo o art. 23 do CP, não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular do direito. Diante disso, as causas legais de exclusão de ilicitude que a lei penal brasileira dispõe são: • Estado de necessidade, onde o art. 24 do CP, diz que: Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. (CP, art. 24). Assim, de acordo com o art. 23, I, não há, nessa hipótese, crime; há um excludente da antijuridicidade. Quanto ao estado de necessidade, trata-se de causa de exclusão da ilicitude da conduta de quem, não tendo o dever legal de enfrentar uma situação de perigo atual, a qual não provocou por sua vontade, sacrifica um bem jurídico ameaçado por esse perigo para salvar outro, próprio ou alheio, cuja perda não era razoável exigir. É sempre causa de exclusão da ilicitude, pois nosso Código Penal adotou a teoria unitária. • Legítima defesa é a causa de exclusão da ilicitude que consiste em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando moderadamente dos meios necessários. Quando falamos em agressão, é a conduta humana que ataca um bem jurídico. Só os seres humanos, portanto, praticam agressões. Ataque de animal não configura agressão, logo, não autoriza a legítima defesa. Se a pessoa se defender do animal, estará em estado de necessidade. Veremos as diferenças entre o estado de necessidade e a legítima defesa. No estado de necessidade há conflito entre titulares de interesses jurídicos lícitos e nesta uma agressão a um bem tutelado. Aquele se exerce contra qualquer causa de terceiros, caso fortuito, etc. Mas só há legítima defesa contra a conduta do homem. AN02FREV001 113 No estado de necessidade há ação e na legítima defesa, reação. Naquele o bem jurídico é exposto a perigo, nesta é exposto a uma agressão. Só há legítima defesa quando se atua contra o agressor; há estado de necessidade na ação contra terceiro inocente. No estado de necessidade a ação é praticada ainda contra agressão justa, como no estado de necessidade recíproco; na legítima defesa a agressão deve ser injusta. • Estrito cumprimento de dever legal trata-se de causa de exclusão da ilicitude que consiste na realização de um fato típico, por força do desempenho de uma obrigação imposta por lei. Ela dirige-se aos funcionários ou agentes públicos, que agem por ordem da lei. Não ficando excluído, o particular que exerce função pública, como perito, mesário da Justiça Eleitoral, etc.Quem cumpre regularmente um dever não pode, ao mesmo tempo, praticar ilícito penal, uma vez que a lei não contém contradições. Não se admite estrito cumprimento do dever legal nos crimes culposos. A lei não obriga a imprudência, negligência ou imperícia. Entretanto, poder-se-á falar em estado de necessidade na hipótese de motorista de uma ambulância que dirige velozmente e causa lesão a bem jurídico alheio. • No exercício regular de direito, não há crime também quando ocorre o fato de acordo com o art. 23, III do CP. Trata-se de causa de exclusão da ilicitude que consiste no exercício de uma prerrogativa conferida pelo ordenamento jurídico caracterizado como fato jurídico. Por exemplo, uma intervenção médica cirúrgica constitui exercício regular de direito. Mas, é preciso do consentimento do paciente ou de seu representante legal. Sendo ausente, poderá caracterizar-se estado de necessidade em favor de terceiro. A excludente é prevista expressamente para que se evite qualquer dúvida quanto à sua aplicação, definindo-se na lei os termos exatos de sua caracterização. Além das normas permissivas da parte geral, todavia, existem algumas na parte especial, como por exemplo, a possibilidade de o médico AN02FREV001 114 praticar aborto se não há outro meio de salvar a vida da gestante ou se a gravidez resulta de estupro, conforme o art. 128 do CP. O autor, para praticar fato típico que não seja antijurídico, deve agir no conhecimento da situação de fato justificante e com fundamento em uma autorização que lhe é conferida por meio disso, ou seja, querer atuar juridicamente. No que concerne à responsabilidade criminal, decorrente da prática de ilícito penal, a teoria objetiva não é aplicável. A responsabilidade criminal admite somente a teoria subjetiva, em virtude da relação de causalidade, prevista no art. 13 do CP, segundo o qual o resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu a causa. Logo, ninguém mais, além do agente, poderá ser imputado. Finalmente, devemos assinalar que a responsabilidade civil e a penal são independentes entre si. Significa que ser declarado irresponsável em um processo criminal não impede que se venha a ser obrigado a pagar uma indenização na área cível. Por exemplo, uma criança de 7 anos atinge com uma prancha de surf uma criança de 3 anos na praia. Criminalmente, será irresponsável em virtude da menoridade. Civilmente, porém, os pais dela serão responsabilizados pelo pagamento da indenização pelos danos físicos causados à outra criança. Finalizando, denomina-se ato ilícito aquele praticado por omissão voluntária, negligência ou imprudência, resultando em violação de direito ou em prejuízo de outrem. Por negligência se deixa de tomar os cuidados necessários à causação de um dano. Age por imprudência ao abandonar as cautelas normais que devia observar. Atua por imperícia quando descumpre as regras a serem observadas na disciplina de qualquer arte de ofício. Vimos que o delito civil configura-se muito diferente do delito penal. Este é um delito especificado, resultante de violação da lei que proibia um ato sob sanção de determinada penalidade. Para haver delito penal necessário se torna que esteja previsto em lei. Quanto ao delito civil, sua existência depende fundamentalmente do prejuízo que a ação ou conduta do agente tenha causado à esfera jurídica de outra pessoa. AN02FREV001 115 Um indivíduo pode ser civilmente responsável e, todavia, não responder por crime. A diferença entre os ilícitos reside na aplicação do sistema sancionatório, pois o direito penal pode afetar a liberdade da pessoa do infrator, como o direito de ir e vir, enquanto que o âmbito civil irá atingir sua esfera pessoal, sua subjetividade, o seu patrimônio. No campo penal, há uma série de condutas denominadas típicas, previstas na lei, que se constituem nos crimes. Quando alguém pratica alguma dessas condutas, insere-se na esfera penal. Assim, o ato ilícito no campo penal é denominado crime ou delito. 6.7 ATO ILÍCITO E ABUSO DE DIREITO Abuso significa uso excessivo ou incorreto. Portanto, o abuso do direito seria o uso incorreto do direito pelo seu titular. A definição precisa do que seja abuso de direito é difícil. Se conceituarmos pelos motivos que lhe determinam o exercício, corre-se o risco de expor-se a intenção do agente ao exame e controle do juiz, o que tornaria duplamente subjetivo o problema de esclarecer a noção de abuso de direito. O abuso de direito não pode identificar-se com aquilo que parece chocante à consciência dos juízes. Assim, seu estudo não é tão simplório quanto aparenta. Os conflitos acerca do tema eram tão vastos que foram alçadas, inclusive, discussões quanto à terminologia da expressão. Para Orlando Gomes, A concepção de abuso do direito é uma construção doutrinária destinada a tornar mais flexível a aplicação das normas jurídicas inspiradas numa filosofia que deixou de corresponder às aspirações sociais da atualidade. Nesse sentido, é um conceito amortecer. Sua função precípua é amortecer os choques frequentes entre a lei e a realidade. Trata-se de uma técnica de reanimação de uma ordem jurídica que está esgotando. Em última análise, o conceito nega a tese que pretende reanimar, mas, ainda assim, assegura a estabilidade do sistema em que se introduz. (GOMES, 2000, p. 95- 96). AN02FREV001 116 Segundo Menezes Cordeiro, O abuso de direito foi uma expressão consagrada por Laurent para definir determinadas relações jurídicas que eram levadas aos tribunais franceses. Nessas relações, os julgadores, embora reconhecessem a efetiva existência do direito do réu, não acolheram suas pretensões, por entender que havia irregularidade no exercício desse direito. (CORDEIRO, 2002 p. 670). Juridicamente, abuso de direito pode ser entendido como o fato de se usar de um poder, de uma faculdade, de um direito ou mesmo de uma coisa, além do que razoavelmente o Direito e a sociedade permitem. O abuso de direito deve ser tratado como categoria jurídica simplesmente porque traz efeitos jurídicos. O exercício de um direito não pode afastar-se da finalidade para a qual esse direito foi criado, pois aquele que transborda os limites aceitáveis de um direito, ocasionando prejuízo, deve indenizar. De todas as definições acerca do abuso de direito, a que melhor sintetiza o real conteúdo desse instituto é a acepção trazida por Cristiano Chaves de Farias (2007, p. 127), ao assegurar que o abuso de direito é constatado “no instante da violação do elemento axiológico da norma”. Esse caráter axiológico é formado pela boa-fé, bons costumes e a função social e econômica, compreensão firmada no art. 187 do CC. Ocorre abuso quando se atua aparentemente dentro da esfera jurídica, daí ser seu conteúdo aplicável em qualquer esfera jurídica. Portanto, é preciso saber quais as situações em que se configura o abuso de direito, quais suas consequências, quais os sujeitos ativo e passivo dessa relação jurídica e, ainda, qual sua natureza jurídica. No Brasil, o nosso sistema jurídico repele o abuso de direito em várias passagens, como se nota no art. 188, I, ao considerar que não constituem atos ilícitos no exercício regular de um direito reconhecido. Logo, a contrário senso, o exercício irregular, isto é, abusivo, constitui ato ilícito. Com a vigência da CF de 1988, o legislador constitucional emitiu regra genérica que reprime o abuso AN02FREV001 117 de poder ao estabelecer que: “São a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder”. O vigente CC incluiu texto sobre o abuso de direito, na categoria dos atos ilícitos, com a seguinte redação: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária,negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (CC, art. 186 e 186). Assim, a colocação do atual CC é correta e merece elogios. O fato de a matéria estar inserida no capítulo dos atos ilícitos em nada o prejudica. De fato, se o abuso de direito não constitui propriamente um ato ilícito e transcende os limites da responsabilidade civil, razão prática impõe que as consequências do abuso sejam as mesmas da reparação por responsabilidade civil. Podemos citar alguns exemplos de Abuso de Direito como no direito de família, principalmente, nos casos de abuso do pai de família. No direito de trabalho, defrontamo-nos com o direito de greve, que pode desviar-se da legalidade, pois não pode ser exercido senão com propósitos de beneficiar os trabalhadores. Resumindo, do ponto de vista da antijuridicidade, o ato humano pode ser ilegal, ilícito ou excessivo. Ilegal, o realizado sem direito. Ilícito, o de que resultou violação do direito alheio ou prejuízo de outrem. Excessivo, o que resultou do uso imoderado de prerrogativas jurídicas. Modalidade do ato ilícito, o abuso de direito, porém, com ele não se confunde, pois o abuso decorre do exercício de um direito. É ilícito na sua morfologia, mas não o é na sua gênese. Assim, pode alguém exceder-se na prática da legítima defesa, no exercício regular de um direito, ir além do que fora necessário à proteção de sua pessoa ou de seu patrimônio. Na apreciação da anormalidade do exercício do direito, o juiz AN02FREV001 118 atenderá não apenas a intenção, mas a natureza e importância dos interesses que se visavam resguardar em confronto com os interesses de terceiros. -------------------------FIM DO MÓDULO VI-------------------------- AN02FREV001 119 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL, Francisco. Direito Civil – Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, v. 300. São Paulo: RT, 1961. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. BATALHA, Wilson de S. Campos. Introdução ao Direito. Rio de Janeiro: RT, 1986. BEVILAQUA, Clóvis. Introdução ao Direito Civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria geral do direito civil. 2. ed. (Edição histórica). Rio de Janeiro: Editora Rio, 1980. 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