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DIREITO CIVIL: DIREITO DAS SUCESSÕES OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Definir testamentos ordinários e especiais e a capacidade para testar. > Explicar a capacidade de adquirir por testamento e a indicação do testa- menteiro. > Apontar as espécies de herdeiros testamentários. Introdução O Direito romano previa a possibilidade de o cidadão romano deixar bens para seus descendentes ou terceiros, de modo que pudessem dar continuidade à tradição familiar e ao culto doméstico familiar. Na atualidade, o direito de testamento representa uma característica das sociedades capitalistas, em que há a valorização do trabalho e a possibilidade de transmitir os bens amealhados durante a vida. Neste capítulo, vamos diferenciar os testamentos ordinários dos especiais, definindo as principais características dos testamentos, as quais poderão ser abrandadas nos testamentos especiais. De forma complementar, vamos tratar dos herdeiros a título universal e singular. Os testamentos ordinários e especiais e a capacidade para testar O Direito Sucessório se caracteriza pelo direito fundamental à herança, cons- tante no art 5º, XXX, da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). A regra assenta a valorização do trabalho humano e do capital, em que os esforços de uma vida inteira poderão ser transmitidos para os sucessores do falecido, costumeiramente denominado de cujus. Testamento Eduardo Kucker Zaffari A possibilidade de deixar bens aos entes queridos, como forma de carinho e visando a garantir que não passarão por dificuldades financeiras após nosso falecimento, torna o processo de falecimento mais tranquilo e dá significado aos anos de trabalho. Legar bens às pessoas com quem nos importamos se fundamenta no princípio de solidariedade familiar e é característica das sociedades capitalistas, em que o Estado busca intervir o mínimo possível nas relações patrimoniais privadas. Nesse sentido, o ordenamento jurídico admite uma série de formas de legados de bens, assim como prescreve os legitimados para receber herança e os limites disponíveis que o falecido poderá deixar. Tipicamente romano, o testamento representa a última vontade do fale- cido e advém da palavra testatiomentis, que significa a atestação da vontade daquilo que se encontrava na mente do testador quando de sua confecção. Flávio Tartuce (2017) recorda que, embora o atual Código Civil não conceitue o instituto do testamento, o Código Civil de 1916, no art. 1.626, prescrevia que “[...] considera-se testamento o ato revogável pelo qual alguém, de conformidade com a lei, dispõe, no todo ou em parte, do seu patrimônio, para depois da sua morte” (BRASIL, 1916, documento on-line). A definição do Código Civil anterior padecia das críticas de seu caráter patrimonial, o que nem sempre ocorre com o testamento, e pelo silêncio quanto a ser um ato solene, unilateral e gratuito. Ao lecionar sua definição, Tartuce (2017, p. 211) afirma ser o “[...] testamento [...] um negócio jurídico unilateral, personalíssimo e revogável pelo qual o testador faz disposições de caráter patrimonial e extrapatrimonial, para depois de sua morte. Trata-se do ato sucessório de exercício da autonomia privada por excelência”. Francisco Cavalcante Pontes de Miranda (2012), em seu Tratado de Direito Privado, relata que o Direito portugês, na época medieval, prescrevia a necessidade de testamento como forma de conforto à alma por legar bens à Igreja. Mais do que a questão patrimonial, legar bens à Igreja representava resguardar a alma. Observe que o testamento não precisa dispor unicamente de patrimônio, como se constata no art. 1.857, 2º, do Código Civil, o qual prevê que o testador poderá realizar disposições testamentárias de caráter não patrimonial, a exemplo de reconhecimento de filhos, destinação de material genético para reprodução assistida ou do novo testamento afetivo, em que se manterão as memórias digitais do falecido (como o perfil na rede social, por exemplo). Testamento2 Tartuce (2017) sustenta, inclusive, o testamento ético, em que o falecido dis- poria sobre o projeto de vida dos filhos, valores éticos e espirituais a serem transmitidos aos sucessores. Como principais características, é possível afirmar que o testamento é um negócio jurídico, pois representa uma manifestação de vontade individual, que atesta a favor da autonomia de vontade do testador para dispor de certos interesses e cujo objeto lícito tem uma finalidade certa de dispor desses interesses. Ao contrário de outros negócios jurídicos, como os contratos, os quais se dão por atos inter vivos, o testamento jurídico é um negócio jurídico post mortem (na disposição de vontade do testador, que projeta para além do fim de sua existência). Outra característica do testamento é que se trata de negócio unilateral, visto que independe da vontade dos herdeiros ou legatários. O testamento vale por si, pela vontade exclusiva daquele que testa. A aceitação ou renúncia da herança por seus destinatários não descaracteriza o testamento nem altera sua natureza. Outra característica do testamento é sua gratuidade, visto que não há qualquer benefício para o testador, que o faz sem qualquer contraprestação. Nesse ponto, recorda Tartuce (2017) que os negócios benéficos devem ser interpretados restritivamente, nos termos do art. 114 do Código Civil (os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente). Isso significa, por exemplo, que, deixado um apartamento por testamento, não se poderia englobar o box de garagem que o testador eventualmente tenha esquecido de mencionar no testamento. A característica do testamento de ser mortis causa é típica de sua essência, posto que se trata de um instituto projetado para gerar efeitos após a morte do testador. O testamento é instituto formal e pressupõe a observância de uma série de formalidades para que se tenha a certeza da vontade projetada do testador. É de sua essência que se tenha a certeza do que realmente queria testar o falecido, o que impõe certas solenidades, sob pena de sua ineficácia. Ainda, é característica fundamental do testamento sua revogabilidade, em que o testador poderá alterar sua vontade, de modo que qualquer cláusula que disponha sobre a impossibilidade de sua alteração será considerada nula. Exceção à regra é o reconhecimento de filhos feito em testamento que, mesmo sendo considerado nulo, surtirá efeitos. A redação do art. 1.610 Testamento 3 do Código Civil deixa claro que o reconhecimento de filhos, mesmo quando revogado o testamento, não será revogável: “[...] o reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em testamento” (BRASIL, 2002, docu- mento on-line). Por essa razão, em que o testamento comporta disposição de caráter íntimo e unilateral, afirma-se que ele é de natureza personalíssima, não se podendo delegar a vontade testamentária a terceiros. Um testamento pode ser revogado expressa ou tacitamente. Dispor de certo bem em testamento posterior, diferentemente de testa- mento anterior, revogará tacitamente a disposição testamentária. Poderá, o testador, revogar expressamente o testamento por meio de disposição escrita em testamento posterior. A característica de ser um ato personalíssimo comporta a necessidade de permitir que mesmo pessoas em circunstâncias especiais disponham de seus bens, como no caso de pessoas engajadas em serviço pelas forças armadas ou com dificuldade para se expressar. Nesse diapasão, o ordenamento jurídico prescreve diferentes possibilidades de testar, conforme a circunstância em que se encontra o testador, dividindo-os em testamentos ordinários (comuns) ou especiais. Os testamentos ordinários são o testamento público, o testamento cerrado e o testamento particular, enquanto os especiais são o testamento marítimo, aeronáutico, militar e nuncupativo (essa última espécie é o testa- mento realizado pela pessoa engajada em combate pelo país, realizado de forma oral e confiando sua vontadea duas testemunhas). Os testamentos ordinários são de livre escolha do testador, enquanto os especiais apenas são possíveis quando não for possível testar em uma das formas ordinárias. Maria Berenice Dias (2019) recorda que cada uma das espécies de testamento tem pressupostos formais específicos, não sendo possível a utilização de elementos de uma forma em outra forma de testar. Assim, não se admite a forma híbrida de testamento, e a inobservância de qualquer das solenidades de uma forma de testamento não pode ser su- prida com a obediência das formalidades de outra forma de testamento. Em outras palavras, cada uma das espécies de testamento deverá observar suas solenidades próprias, de modo que não será permitida a adequação de outras formas como meio para validar um testamento que não observou a forma correta. Nos testamentos especiais, há a diminuição das formalidades em decor- rência de acontecimentos emergenciais que sujeitam o testar a situações Testamento4 de perigo de morte ou em razão da possibilidade de sua iminência. Nessas situações, diante da impossibilidade de acesso a um Tabelião, há facilitação de sua confecção, com a diminuição das formalidades, redução de seus requisitos e subtração das exigências que são usualmente exigidas para os testamentos ordinários. Essa redução de formalidades e requisitos restringe-se à forma do testamento. Dá-se nessa forma porque “[...] apenas determinadas pessoas capazes podem utilizá-los, e em certas circunstâncias, como quando em perigo de vida. Valem por um certo período” (RIZZARDO, 2019, p. 233). Capacidade de adquirir bens por testamento e indicação do testamenteiro A capacidade de adquirir bens por testamento se relaciona com a condição de quem poderá ou não receber bens deixados pelo falecido quando de seu testamento. Em outras palavras, quem são as pessoas legitimadas a receber a deixa testamentária. De início, é importante que se refira que apenas pessoas vivas à época do falecimento poderão receber herança ou legado, pois perderá a validade o testamento caso o beneficiário faleça antes do testador. No entanto, isso não significa que pessoas que vierem a nascer não podem ser beneficiárias de testamento, desde que já concebidas, conforme prescreve o art. 1.798 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line): “Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão” ou que venham a ser concebidas no período de dois anos do falecimento, nos termos do art. 1.799, combinado com art. 1.800, § 4º. É importante observar, porém, que não se trata de previsão de atribuição de capacidade para adquirir a pessoa ainda não concebida, mas tão somente do favorecimento de filhos de certas e determinadas pessoas, de forma que a capacidade para adquirir por testamento se dará para pessoas vivas, já concebidas ou com previsão de concepção no período de até dois anos do falecimento do de cujus. A previsão da capacidade para suceder vem descrita entre os arts. 1.798 a 1.803 do Código Civil brasileiro, cuja transcrição dos arts. 1.798 e 1.799 vale para o panorama geral (BRASIL, 2002, documento on-line): Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no mo- mento da abertura da sucessão. Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I — os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão; II — as pessoas jurídicas; III — as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação. Testamento 5 Observe que a capacidade para suceder é aferida quando da morte do testador, nos termos do art. 1.787 do Código Civil, que prescreve que “Regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela” (BRASIL, 2002, documento on-line). Isso significa que, se ao tempo de confecção do testamento, o beneficiário era incapaz de receber, mas, quando da morte do testador, já estava capaz de receber, será válido o testamento. Em outro sentido, se capaz o beneficiário quando da confecção da cédula testamentária, mas incapaz quando da morte do testador, será ineficaz a disposição de vontade feita pelo de cujus no testamento. Outro aspecto interessante é quando prevista condição no testamento, que se implementará em momento futuro e incerto, que deixa o testamento suspenso até sua implementação (um exemplo seria a previsão de compra e entrega de um veículo ao beneficiário caso este passe em universidade pública em até certo período após o falecimento do testador). Nessa condi- ção, sustenta Rizzardo (2019, p. 249) que “[...] no testamento condicional, já se altera a regra da capacidade, pois terá em conta a capacidade quando da realização da condição, e não do momento da abertura da sucessão”. Destinado um bem ao município, ao Distrito Federal ou à União por testamento, estes podem, em tese, renunciar ao legado. Entretanto, quando recebidos os bens por meio do procedimento de jacência e vacância, não poderão renunciar aos bens, pois não terão a qualidade de herdeiros. A primeira hipótese de capacidade passiva do testamento (os legitimados a receber) são os filhos ainda não concebidos, ou chamados “filiação eventual”. Maria Berenice Dias (2019) relata o debate havido sobre a possibilidade de nomeação de netos ou bisnetos eventuais como beneficiários de testamento, pois usava-se a expressão “prole eventual”, o que abarcaria a possibilidade de beneficiar netos (ou além) ainda não concebidos como legitimados a receber bens pelo testamento. Com a previsão legal de que serão “[...] os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador”, não há mais dúvida de que serão os descendentes em linha reta e em primeiro grau de parentesco (DIAS, 2019, p. 346). O nascituro (aquele que está prestes a nascer) tem legitimidade para suceder, seja como herdeiro legítimo quanto como testamentário, mas os filhos ainda não concebidos apenas poderão receber na forma testamentária. Na hipótese de filho ainda não concebido, o testador designará a pessoa (ou pessoas) cujo filho herdará, caso nascido até dois anos após a morte do Testamento6 testador. Dias (2019) sustenta que o prazo de dois anos poderá ser dilatado ou reduzido pela vontade do testador e que poderá, o falecido, quando da confecção do testamento, especificar qual filho da pessoa indicada receberá o bem deixado, como, por exemplo, o primeiro filho homem, a primeira filha mulher, os dois primeiros filhos nascidos no período determinado, etc. As pessoas jurídicas, igualmente, poderão ser destinatárias de bens dei- xados em testamento pelo falecido, sejam pessoas jurídicas existentes ou a se formarem, conforme desígnio do testador. A possibilidade prevista nos incisos II e III do art. 1.799 do Código Civil não diferencia serem as pessoas jurídicas de direito privado ou direito público, o que possibilita, ao falecido, deixar certo bem para a Administração Pública, inclusive. Há, apenas, a ne- cessidade da existência legal quando do falecimento, o que ocorre para as pessoas jurídicas de direito privado quando de sua inscrição no respectivo registro público, conforme prescreve o art. 45 do Código Civil: “[...] começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo” (BRASIL, 2002, docu- mento on-line). A previsão do inciso III do art. 1.799 do Código Civil possibilita a determi- nação de fundações como beneficiárias do testamento. Nessa hipótese, nos termos do art. 62 do Código Civil, “Para criar uma fundação, o seu instituidor fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la”(BRASIL, 2002, documento on-line). O testador deverá explicitar, em seu testamento, se a fundação terá destinação assistencial, cultural, reli- giosa ou moral, nos termos do parágrafo único do citado artigo do Código Civil. O inventariante será a pessoa designada para a administração da herança até sua partilha entre os herdeiros, diferentemente do testamenteiro, que objetivará cumprir as disposições testamentárias. O testamenteiro tem expressa previsão legal entre os arts. 1.976 e 1.990 do Código Civil brasileiro e, conforme Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho, “[...] é o sujeito — designado pelo testador ou nomeado pelo juiz — para fazer cumprir as disposições de última vontade” (GAGLIANO; PAMPLONA, 2017, p. 317). A designação do testamenteiro poderá ser realizada pelo próprio falecido, na pessoa do testamenteiro testamentário, conforme prescrito no art. 1.976 do Testamento 7 Código Civil: “O testador pode nomear um ou mais testamenteiros, conjuntos ou separados, para lhe darem cumprimento às disposições de última vontade” (BRASIL, 2002, documento on-line). Na falta de designação, pelo testador, de um testamenteiro, esse poderá ser o testamenteiro legítimo, considerado o cônjuge ou companheiro do falecido. A terceira hipótese de designação será realizada pelo Juízo, na pessoa do testamenteiro dativo, em que esse terá o papel de cumprir a última vontade do testador constante no testamento. Observe que os testamenteiros legítimo e dativo encontram previsão legal no art. 1.984 do Código Civil: “Na falta de testamenteiro nomeado pelo testador, a execução testamentária compete a um dos cônjuges, e, em falta destes, ao herdeiro nomeado pelo juiz” (BRASIL, 2002, documento on-line). Qualquer pessoa civilmente capaz estará apta ao exercício da função de testamenteiro, que se reveste de caráter personalíssimo e que não poderá ser delegada a terceiros, pois terá grande responsabilidade e prestará contas do exercício de sua função ao Juízo. Espécies de herdeiros testamentários O Direito Sucessório define diferentes espécies de herdeiros a serem bene- ficiados pelos bens deixados pelo falecido, considerando a posição que o beneficiário ocupa. Inicialmente, é importante que se distinga esses herdeiros conforme sua origem, posto que ele poderá ser um herdeiro testamentário, caso tenha sido instituído por testamento, legatário ou legítimo, caso sua instituição decorra de expressa disposição legal. Iniciando-se pelos herdeiros legítimos, é importante que se descreva a chamada ordem de vocação hereditária, constante no art. 1.829 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line): Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I — aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se ca- sado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II — aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III — ao cônjuge sobrevivente; IV — aos colaterais. A ordem prescrita no art. 1.829 do Código Civil prescreve os herdeiros que serão beneficiários pela herança deixada pelo falecido, em sua ordem, conforme as classes apresentadas desde os descendentes, passando pelos Testamento8 ascendentes, cônjuge e colaterais. Observe que, ao referir “cônjuge”, deve-se compreender, atualmente, a união estável, em decorrência do julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694 no Supremo Tribunal Federal, de Relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, que, em 31 de agosto de 2016, equiparou os direitos sucessórios dos cônjuges aos companheiros no Direito Sucessório. A ordem de vocação hereditária apresentada pelo artigo 1.829 do Código Civil segue o raciocínio de que as pessoas supostamente mais fragilizadas em razão do falecimento do de cujus são aquelas que têm a preferência no recebimento dos bens eventualmente deixados pelo morto. Os beneficiários, nesse caso, são instituídos por expressa disposição legal, pois receberão a herança deixada pelo falecido sem que este precise dispor sobre seus bens. É importante referir que a herança não será dividida entre as classes (descendentes, ascendentes, cônjuge/companheiro ou colaterais), mas será deferida à primeira classe que tenha sucessores vivos, com exclusão das clas- ses seguintes. Assim, recebida a herança pela classe dos descendentes, nada será destinado às demais classes. Caso não haja qualquer descendente, os ascendentes herdarão, excluindo as classes seguintes e assim sucessivamente. Outro ponto que merece destaque, é que, na sucessão legítima da ordem de vocação hereditária, dentro das classes, os parentes mais próximos afastam os mais remotos, conforme o grau de proximidade com o falecido: ou seja, os filhos recebem, excluindo os netos, bisnetos e seguintes. Caso não haja filhos, mas descendentes netos, eles receberão em detrimento dos bisnetos e assim sucessivamente. O mesmo se repetirá na classe dos ascendentes, em que os genitores do morto preferem os avós do morto, os avós do morto preferem os bisavós do morto e assim sucessivamente. Os colaterais são os parentes que descendem de um só tronco, sem descenderem um do outro, com a existência de um anscestral comum. Assim, irmãos, primos, tios e tios-avós são parentes colaterais. Na ordem de vocação hereditária, há distinção entre as classes de her- deiros não apenas em relação à posição de parentesco em relação ao morto. Não obstante, o dispositivo legal prescreve que, a estes, caberão a chamada legítima; ou seja, nem todos terão o mesmo direito, pois o falecido não po- derá dispor da integralidade de sua herança caso tenha alguns dos parentes constantes em certas classes. O art. 1.845 prescreve que “São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge” (BRASIL, 2002, documento on-line). Isso significa Testamento 9 que, na ordem de vocação hereditária, existem duas espécies de herdeiros: os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge/companheiro) e os herdeiros facultativos (que é a classe restante dos colaterais). A distinção entre essas duas espécies de herdeiros encontra-se no art. 1.846 do Código Civil (BRASIL, 2002, documento on-line): “Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima”. Combinado com o art. 1.850 do mesmo dispositivo (para excluir, da suces- são, os herdeiros colaterais, basta que o testador disponha de seu patrimônio sem os contemplar), tem-se que, aos herdeiros necessários, competirá a metade dos bens do falecido, independentemente da vontade deste (BRASIL, 2002). Haverá liberdade, ao falecido, para dispor da integralidade de seus bens apenas se não tiver nenhum dos herdeiros das três primeiras classes da ordem de vocação hereditária (ascendentes, descendentes ou cônjuge/ companheiro), quando poderá dispor da integralidade de seus bens para terceiros, excluindo os colaterais do recebimento da herança. Por essa razão, os colaterais são denominados “facultativos”, pois o falecido tem a faculdade de excluí-los da sucessão. As reduções testamentárias consistem na redução das disposições testamentárias que tenham excedido a metade disponível do patri- mônio do falecido, para que se preserve a legítima, que deverá ser destinada aos herdeiros necessários. Dispondo da integralidade de seus bens, quando não tinha herdeiros necessários e/ou optar por não agraciar os herdeiros facultativos, o falecido poderá dispor da integralidade de seu testamento para terceiros. Da mesma forma, dispondo de apenas metade de seu patrimônio, no caso da existência de herdeiros necessários ou facultativos não excluídos, poderá, o falecido, deixar a metade disponível por meio de testamento para terceiros. Daí surgem os herdeiros que poderão ser denominados testamentários ou legatários. Embora o ordenamento jurídico costume usar indistintamenteos termos, são coisas distintas, como explica Maria Berenice Dias (2019, p. 401): [...] ao legatário são deixados bens certos ou que podem ser determinados. Por isso, é herdeiro a título singular. Quem é contemplado com uma universalidade de bens identificada de forma percentual chama-se herdeiro testamentário. Tanto ele como o herdeiro que recebe a legítima, são chamados de herdeiros universais. Testamento10 Diferenciando apenas herdeiros e legatários, Arnaldo Rizzardo (2019) refere que a distinção entre herdeiros e legatários é singela, não oferecendo maiores indagações: o herdeiro sucede na totalidade da herança, ou em parte desta, sem bem delimitado, enquanto a legatária é a pessoa contemplada em testamento a quem o testador destina bens ou objetos específicos. Ainda, o autor afirma que os herdeiros se dividirão entre os legítimos, quando por expressa disposição legal (necessários e facultativos), e os testamentários, instituídos por disposição em testamento (RIZZARDO, 2019). Pode-se resumir, à vista das diferenciações, que poderão receber bens ou herança do falecido os seguintes sucessores: 1. os herdeiros necessários, constantes na ordem de vocação hereditária e a quem pertencerá a legítima (metade do patrimônio do falecido); 2. os herdeiros facultativos, que estão previstos na ordem de vocação hereditária e que poderão ser excluídos da sucessão por vontade do falecido; 3. os herdeiros testamentários, que receberão uma fração percentual da herança, a ser instituída por testamento; 4. os herdeiros legatários, a quem serão destinados bens certos ou de- termináveis, por meio de testamento. Nesse quadro, há todas as espécies de herdeiros sucessíveis possíveis. Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm. Acesso em: 22 abr. 2021. BRASIL. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. Coleção de Leis do Brasil, Rio de Janeiro, 1 jan. 1916. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/L3071impressao.htm. Acesso em: 22 abr. 2021. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 11 jan. 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/2002/l10406.htm. Acesso em: 22 abr. 2021. DIAS, M. B. Manual das sucessões. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2019. GAGLIANO, P. S.; PAMPLONA FILHO, R. Novo curso de Direito Civil: direito das sucessões. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. v. 7. PONTES DE MIRANDA, F. C. Tratado de direito privado: direito das sucessões – testa- mento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. (Coleção Tratado de Direito Privado). RIZZARDO, A. Direito das sucessões. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. TARTUCE, F. Direito das sucessões. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. Testamento 11 Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. Testamento12
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