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CATOLICISMO ROMANO E FORMA POLÍTICA- Carl Schmitt

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CATOLICISMO ROMANO E FORMA POLÍTICA 
 
Carl Schmitt 
 
 
Tradução de Menelick de Carvalho Netto 
 
 Há aqui um sentimento anti-romano que alimentou a luta contra o 
jesuitismo, o papismo e o clericanismo, nas forças religiosas e políticas, que 
impulsionou a história européia por séculos. Não apenas sectários fanáticos, 
mas gerações inteiras de pios protestantes e de cristãos gregos ortodoxos viram 
em Roma o anti-Cristo ou a prostituta babilônica do Apocalipse. O poder mítico 
dessa imagem é mais profundo e mais forte que qualquer cálculo econômico; 
seus efeitos de longa duração. Consideremos as memórias de Gladstone ou de 
Bismarck 1 , onde uma inquietude nervosa é evidente, sempre que jesuítas ou 
prelados misteriosamente intrigantes surgem em cena. Mesmo o arsenal 
emocional, até mesmo mítico, do Kulturkampf (a luta cultural alemã, 
desenvolvida por Bismarck) e toda luta contra o Vaticanum 2, bem como a 
separação francesa entre Igreja e Estado, são inofensivas, em comparação com 
a fúria contra o demônio de Cromwell. Desde o século XVIII, a argumentação 
tornou-se cada vez mais racionalista ou humanitária, utilitária e superficial. 
Apenas com a adesão da ortodoxia russa, com Dostoievski em seu retrato do 
Grande Inquisidor, o temor anti-romano surge mais uma vez como uma força 
secular. 
 Em todas essas várias nuances e gradações, há sempre o persistente 
medo do incompreensível poder político do Catolicismo Romano. É 
compreensível que um anglo-saxão protestante possa encontrar todas as suas 
antipatias expressas na “máquina papal” se concebê-la como um aparato 
hierárquico monstruoso vinculado ao controle da vida religiosa, e dirigido por 
homens que em princípio, se recusam a ter uma família, em outros termos, uma 
burocracia celibatária. Com a sua refinada sensibilidade doméstica e aversão a 
qualquer controle burocrático, essa maquinária certamente o amedontra. No 
entanto, esse é sobretudo um sentimento indizível. 
 Por todo o século XIX parlamentar e democrático, ouviu-se 
frequentemente a acusação de que a política católica não é nada mais do que 
um oportunismo sem limites. A sua elasticidade é realmente espantosa; ela se 
une a movimentos e grupos opostos, milhares de vezes ela foi acusada de 
assumir uma causa comum com vários governos e partidos nos diferentes 
países. Os críticos demonstraram como ela sempre busca coalizões políticas, 
seja com monarcas absolutos seja com monarcômanos; como durante a 
Sagrada Aliança, após 1815, ela se tornou um centro de reação e uma inimiga 
de todas as liberdades liberais e em outros países um expoente dessas mesmas 
liberdades, especialmente da liberdade de imprensa e da liberdade de 
educação; como nas monarquias européias ela prega a aliança do trono com o 
altar, e nas democracias camponesas dos cantões suíços ou na América do 
Norte, ela se posta integralmente do lado de uma democracia firme. Homens da 
estatura de Montalembert,3 Tocqueville e Lacordaire 4 representaram o 
catolicismo liberal, em uma época em que muitos de seus companheiros 
católicos ainda viam no liberalismo o anti-Cristoou ou pelo menos o seu 
precursor. Os realistas católicos e legitimistas surgem de mãos dadas com os 
defensores católicos da república. Alguns católicos são taticamente alinhados ao 
socialismo, outros acreditam que o socialismo encontra-se em coligação com o 
demônio. Eles até mesmo negociaram com os Bolcheviques em uma época em 
que a burguesia defensora da santidade da propriedade privada ainda via nos 
socialistas um bando de criminosos hors la loi (fora da lei). 
 Diante de toda mutabilidade da situação política, todos os princípios 
parecem mudar, menos um, o poder do catolicismo: “pretende do adversário 
todas as liberdades em nome dos princípios deste e lhe nega qualquer liberdade 
em nome dos princípios católicos.” Vê-se com freqüência o quadro delineado por 
pacifistas burgueses, socialistas e anarquistas; altos dignatários da Igreja 
abençoando as armas de nações guerreiras; ou intelectuais neo-católicos 
parcialmente monarquistas, parcialmente comunistas ou, finalmente, para citar 
um outro tipo de impressão sociológica, o abade francês, favorecido por damas 
da corte, ao lado do franciscano irlandês, que encoraja os trabalhadores em 
greve a permanecerem firmes. Pode-se sempre dar novos exemplos de figuras e 
associações contraditórias similares. 
 Em alguma medida essa diversidade e ambiguidade - a dupla face de 
Jano, a natureza hermafrodita (como Byron caracterizou Roma) - pode ser 
explicada simplesmente mediante analogias políticas ou sociológicas. Nas 
táticas da luta política, qualquer partido com uma visão de mundo estabelecida 
pode constituir coalizões com os grupos mais disparados. Isso vale também 
para o socialismo ortodoxo, na medida em que ele tem um princípio radical, e o 
mesmo pode-se dizer do catolicismo. Dependendo do estado de coisas nos 
diferentes países, o movimento nacional tem se aliado por vezes à monarquia 
legítima, por vezes à república democrática. A partir de uma visão visão global, 
todas as formas e possibilidades políticas tornam-se meros instrumentos da 
realização de uma idéia. O fato de que algumas delas pareçam inconsistentes é 
apenas a conseqüência e manifestação de um universalismo político. 
 De todos os ângulos há um consenso notável acerca de que a Igreja 
Católica Romana, como complexo histórico e aparato administrativo perpetuou o 
universalismo do Império Romano. Os nacionalistas franceses, como Charles 
Maurras, os teóricos raciais alemães, como H.Stewart e Chamberlain, os 
professores germânicos de procedência liberal como Max Weber, um poeta pan 
eslavo e observador como Dostoievski, todos fundamentam suas interpretações 
nessa continuidade da Igreja Católica e do Império Romano. Todo império 
mundial tem como característica um certo relativismo no que se refere à plêiade 
de visões possíveis, um desconsideração rude das peculiaridades locais, bem 
como uma tolerância oportunista para as questões que não são de importância 
central As similaridades entre o Império Romano e o Império Britânico são 
espantosamente suficientes. Todo imperialismo é mais do que um patriotismo e 
envolve antíteses - conservadorismo e liberalismo, tradição e progresso, e até 
mesmo militarismo e pacifismo. Na história da política inglesa, das antíteses 
entre [Edmund] Burke e Warren Hastings até a antítese entre Lloyd George e 
[Winston] Churchill ou Lord Curzon - quase toda geração evidenciou essas 
antíteses. 
 Apesar da alusão às peculiaridades do universalismo, a idéia política do 
catolicismo, ainda não definida, foi apenas mencionada, em razão do sentimento 
de ansiedade no que se refere ao aparato administrativo universal, e 
freqüentemente emerge de uma reação justificável dos movimentos locais e 
nacionais. É comum que um patriota nacionalista deva se sentir ignorado e 
trapaceado pelo sistema romano fortemente centralizado. Um irlandês, ao refletir 
sobre a amargura de sua consciência nacional gaélica opinou que a Irlanda era 
apenas “a pinch of snuff in the roman snuff box” (uma pitada de rapé na caixa de 
rapé romana) (ele teria dito melhor uma galinha jogada pelo prelado no caldeirão 
fervente de um restaurante cosmopolita)5. No entanto, nações católicas, como o 
Tirol, a Espanha, a Polônia e a Irlanda, devem ao catolicismo a maior parte de 
sua força nacional de resistência, e, com certeza, não apenas quando o 
opressor era um inimigo da Igreja. O cardeal Mercier 6 de Mechelen bem como 
o bispo Korum 7 de Trier representaram a honra e a autoconfiança nacionais de 
uma maneira mais majestosa e impressionante do que o fizeram em relação ao 
comércio e à industria, e isso frente a um oponente que, de modo algum se 
apresentava como um inimigo da Igreja mas que, ao contrário, buscava uma 
aliança com ela. Não se pode mais avaliar tais manifestações mediante 
explicações políticasou sociológicas derivadas da natureza do universalismo, 
nem tampouco interpretar o sentimento anti-romanista como uma reação 
nacional ou local contra o universalismo e o centralismo, uma vez que não se 
pode negar que todo império na história mundial provocou tais reações. 
 Ao mesmo tempo acredito que esse sentimento se tornaria infinitamente 
mais profundo se bem compreendessemos o quanto a Igreja Católica é um 
complexo de opostos, um complexio oppositorum. Parece não haver antítese 
que ela não tenha encorporado. De há muito, e orgulhosamente, ela proclamou 
haver unido em seu interior todas as formas de estado e de governo; ela é uma 
monarquia aristocrática, cujo líder é eleito pela aristocracia de cardeais, mas na 
qual no entanto tanta democracia que, como Dupanloup 8 diz, mesmo o mais 
humilde clérigo de Abruzzi, independentemente de seu nascimento e posição, 
tem a possibilidade de se tornar este soberano autocrático. A história da Igreja 
revela exemplos de surpreendente acomodação, bem como de obstinada 
intransigência, a habilidade masculina de resistir e a conformação feminina - 
uma curiosa mistura de arrogância e humildade. Não é facilmente compreensível 
que um filósofo rigoroso da ditadura autoritária como o diplomata espanhol 
Donoso Cortés e um “bom samaritano” dos pobres com vinculações 
sindicalistas, como o rebelde irlandês Padraic Pearse, fossem ambos católicos 
convictos. 
 Mas esse complexio oppositorum também equilibra-se sobre tudo que é 
teológico: o Antigo e o Novo Testamento são igualmente cânones das Sagradas 
Escrituras; o marcionítico 9 “tudo ou nada” é respondido com um “mais ou 
menos.” Na doutrina da Trindade, ao monoteísmo hebraico e de sua absoluta 
transcendência são reunidos tantos elementos de imanência divina que aqui 
também pode-se pensar em muitas mediações. Os ateus franceses e os 
metafísicos alemães redescobriram o politeísmo no século XIX - louvavam a 
Igreja por seu culto, porque acreditavam haver descoberto um paganismo 
razoável. A tese fundamental, segundo a qual todos os dogmas de uma filosofia 
anarquista coerente do Estado e da sociedade retorna, especificamente, à 
antítese do homem “mau por natureza” e “bom por natureza”- essa questão 
decisiva para a teoria política não é de modo algum respondida por um simples 
“sim” ou “não” do credo tridentino.NT1 Em contraste com a doutrina protestante 
da total depravação do homem natural, esse credo fala de uma natureza 
humana como apenas ferida, enfraquecida e problematizada, permitindo assim o 
uso de algumas gradaçõe e adaptações. A união de antíteses se amplia até às 
últimas raízes sócio-psicológicas dos motivos e percepções humanas. O papa é 
denominado o pai; a Igreja é a mãe dos crentes e a noiva de Cristo. Essa é uma 
maravilhosa união do patriarcado com o matriarcado, apta a dirigir ambas as 
correntes dos complexos e instintos mais elementares - o respeito pelo pai e o 
amor pela mãe - em direção a Roma. Alguma vez já houve uma revolta contra a 
mãe? Enfim, o mais importante é que essa ambiguidade ilimitada combina-se 
com o dogmatismo mais preciso e com uma vontade de decisão que culmina na 
doutrina da infalibilidade papal. 
 Do ponto de vista da idéia política do catolicismo, a essência do 
complexio oppositorum católico-romano reside em uma tal superioridade formal 
específica na questão da vida humana que nenhum outro império jamais 
conheceu. Ela obteve sucesso em constituir uma configuração sustentável da 
 
NT1 
realidade social e histórica que, apesar de seu caráter formal mantem sua 
existência concreta a um só tempo vital e ainda racional em seu mais alto grau. 
Esse caráter formal do catolicismo romano funda-se em uma realização estrita 
do princípio da representação, cuja especificidade torna-se mais evidente em 
antítese com o pensamento técnico-econômico hoje dominante. Antes de 
prosseguir, no entanto, é necessário eliminar ainda um mal entendido. 
 A partir da promiscuidade espiritual que busca uma fraternidade 
romântica ou hegeliana com o catolicismo, como de resto com tantas outras 
idéias e indivíduos, uma pessoa poderia tomar o complexio oppositorum católico 
como uma de suas muitas sínteses e apressadamente concluir que teria então 
reconstruido a essência do catolicismo. Os metafísicos da filosofia especulativa 
pós-kantiana conceberam a vida histórica e orgânica como um processo eterno 
de antíteses e sínteses, atribuindo os respectivos papéis à vontade. Quando 
Goerres 10 retrata o catolicismo como o princípio masculino e o protestantismo 
como o princípio feminino, ele faz do catolicismo nada mais do que um extremo 
antitético e vê a síntese em um “terceiro mais elevado”.11 É obvio que o 
catolicismo poderia muito bem ser considerado o princípio feminino e o 
protestantismo o princípio masculino. É igualmente concebível que os 
construtores de siatemas especulativos tenham por uma vez ou outra 
considerado o catolicismo o “terceiro nível”. 
 Isso é típico dos românticos católicos, ainda que estes não se furtaram, 
voluntariamente, à veleidade de exortar a Igreja a se libertar do jesuitismo e da 
escolástica e a criar uma unidade “orgânica” (o terceiro termos mais elevado) a 
partir da externalidade esquemática do catolicismo formal e da internalidade 
invisível do protestantismo. Aqui encontra-se a base desse mal entendido típico. 
Muito embora pareça improvável, essas construções são mais do que fantasias 
saídas do nada. Elas estão em perfeita harmonia com o espírito de nossa época, 
porque sua estrutura intelectual corresponde a uma realidade. O ponto de 
partida dessas construções é efetivamente uma clivagem e uma divisão reais: 
uma antítese que reclama uma síntese ou uma polaridade que tem um “ponto de 
indiferença”; uma condição de desunião problemática e de profunda indecisão, 
da qual a única saída é a auto-negação para se chegar a posições (positivas). 
 Todos os âmbitos da época contemporânea são regidos por um dualismo 
radical. Referências às várias manifestações dessa dualidade serão necessárias 
na medida em que se avance. PARAMOS AQUI ecessário nos referirmos 
freqüentemente às suas várias manifestações na medida em que avançarmos. A 
base comum em que se assenta esse dualismo é um conceito de natureza que 
encontrou sua realização em um mundo transformado pela tecnologia e pela 
indústria. A natureza surge hoje como o polo antitético ao do mundo mecânico 
das grandes cidades, cujas estruturas de pedra, ferro e vidro repousam sobre a 
face da Terra como colossais configurações cubistas. A antítese desse império 
de tecnologia e a natureza intocada pela civilização, selvagem e bárbara - uma 
reserva na qual “o homem com suas aflições não pisa.” Uma tal dicotomia entre 
um mundo racionalista mecanizado do trabalho humano e um estado romântico-
virginal de natureza é absolutamente estranho ao conceito romano católico de 
natureza. 
 O povos católicos parecem amar o solo, a mãe terra, de um modo 
diferente; todos eles têm seu próprio “terrismo” (lealdade à terra). A natureza 
não é para eles a antítese da arte e do empreendimento, nem do intelecto e do 
sentimento ou do coração; o trabalho humano e o desenvolvimento orgânico; 
natureza e razão, são um. O vinhedo é o mais belo símbolo desta união. Mas as 
cidades que se desenvolveram a partir deste tipo de espírito também parecem 
ser produtos naturais do solo, tornando-se parte da paisagem e permanecem 
verdadeiras à terra. No seu conceito essencial de “urbanidade” elas têm uma 
humanidade que permanece eternamente inacessível ao preciosismo 
mecanicista de uma cidade industrial moderna. Precisamente como o credo 
tridentino pouco conhece da ruptura protestante entre natureza e graça, o 
catolicismo romano compreende muito pouco os dualismos natureza/espírito, 
natureza/intelecto, natureza/arte, natureza/máquinae o seu pathos variável. As 
sínteses de tais antíteses permanecem tão estranhas quanto a antítese entre a 
forma vazia e a matéria destituída de forma. 
 A Igreja Católica é categoricamente algo distinto do “terceiro elemento 
superior” da filosofia alemã da natureza e da história (no caso, dela sempre 
ausente). A ela não pertencem nem o desespero das antíteses nem o ilusório 
otimismo de suas sínteses. Por isso, a Igreja Católica deve considerar uma 
honra questionável quando alguém busca fazer de sua igreja um pólo 
antagônico da época mecanicista. É uma contradição espantosa, que 
novamente demonstra o curioso complexio oppositorum, o fato de que uma das 
mais fortes percepções protestantes seja considerada no catolicismo romano 
uma degradação, uma redução, e um emprego impróprio da cristandade por que 
essa percepção mecaniciza a religião em uma formalidade desprovida de alma, 
ao mesmo tempo em que os protestantes retornam em romântica revoada à 
Igreja Católica em busca de salvação contra uma época racionalista e 
mecanicista destituída de alma. 
 Se a Igreja tivesse se contentado placidamente em ser nada mais do que 
a polaridade plena de alma da ausência de alma, ela teria esquecido o seu 
verdadeiro ser; ela teria se tornado o desejado complemento do capitalismo - 
uma instituição higiênica para se suportar os rigores da competição, o domingo 
de folga ou as férias de verão para os moradores das grande cidades. 
Naturalmente, é claro, a Igreja tem uma importante função terapêutica. Mas a 
essência de uma tal instituição deve consistir em algo mais. O rousseanismo e o 
romantismo são capazes de fruir prazer de muitas coisas, inclusive do 
catolicismo, tal como de uma magnifica ruína ou de uma antigüidade 
autenticada; e “no fauteuil (confortável poltrona) dos acontecimentos de 1789” 
também transformar essas coisas em mercadorias de consumo de uma 
burguesia relativista. 
 Muitos católicos, em especial os católicos alemães, parecem ter orgulho 
de terem sido descobertos pelos historiadores da arte. O seu prazer, de 
pequena relevância em si mesmo, não precisaria ser mencionado se não fosse 
pelo fato de que um pensador tão original e prolífico, fecundo, quanto Georges 
Sorel tenha buscado a crise do pensamento católico na nova aliança da Igreja 
com o irracionalismo. Ao seu ver, a argumentação desenvolvida pelos teólogos 
católicos até o século XVIII foi no sentido de demonstrar a fé como fundada na 
razão, mas no século XIX a Igreja valeu-se de correntes irracionalistas. De fato, 
qualquer tipo de oposição ao Iluminismo e ao racionalismo revigorou o 
catolicismo. Tendências tradicionalistas, místicas e românticas realizaram muitas 
conversões. Hoje, tanto quanto eu possa avaliar, os católicos encontram-se 
profundamente insatisfeitos com a teologia católica estabelecida, que, para 
muitos, parece plena de sofismas e formas vazias. Mas tudo isso constitui um 
desvio do aspecto essencial, porque identifica-se o racionalismo com o 
pensamento das ciências naturais e menospreza-se o fato de a argumentação 
católica fundar-se em um modo especial de pensamento cujo método de 
comprovação é uma lógica jurídica específica e cujo foco de interesse é a 
regência normativa da vida humana social. 
 Em quase toda discussão pode-se observar o quanto a metodologia das 
ciências técnico-naturais domina o pensamento contemporâneo. Por exemplo, o 
Deus da evidência teológica tradicional, o Deus que rege o mundo como o rei 
governa o Estado, torna-se subconscientemente o motor propulsor da máquina 
cósmica. A quimera dos moradores das grandes cidades modernas é 
preenchida até o seu último átomo por concepções tecnológicas e industriais, 
que são projetadas nos domínios cosmológico e metafísico. Neste mecanicismo 
e nesta mitologia matemática ingênuos, o mundo torna-se um gigantesco 
dínamo no qual não há nem mesmo distinção de classes. 
 A visão de mundo do moderno capitalista é a mesma do proletário 
industrial, como se uma fosse a irmã-gêmea da outra. Assim ambos concordam 
quando lutam, cada um por seu lado, no pensamento econômico. Na medida em 
que o socialismo tornou-se a religião do proletariado industrial das grandes 
cidades, ele contrapõe um mecanismo fabuloso ao do mundo capitalista. O 
proletariado com consciência de classe considera a si mesmo legítimo, ainda 
que apenas como o mestre logicamente qualificado deste aparato, enquanto a 
propriedade privada do capitalista é vista como o remanescente logicamente 
adverso de uma época tecnicamente atrasada. O grande industrial não tem 
outro ideal senão o de Lênin - o de “uma Terra eletrificada.” Eles discordam 
essencialmente apenas sobre qual seria o método de eletrificação correto. Os 
financistas norte-americanos e os russos bolcheviques encontram-se em uma 
luta comum pelo pensamento econômico, ou seja, na luta contra os políticos e 
os juristas. Georges Sorel também pertence a esta irmandade. Aqui, portanto, 
no pensamento econômico de nossa época, reside uma antítese fundamental se 
o tomamos em face da idéia política do catolicismo, porque esta idéia contradiz 
tudo que seja sinônimo à objetividade, integridade e racionalidade no 
pensamento econômico. 
 O racionalismo da Igreja Romana envolve moralmente a natureza 
sociológica e psicológica do homem e, distintamente da indústria e da 
tecnologia, não se preocupa com o domínio e a exploração da matéria. A Igreja 
tem a sua racionalidade própria. O dito de Renan12 é bem conhecido: Toute 
victoire de Rome est une victoire de la raison.13 A Igreja, nas lutas contra o 
fanatismo sectário, sempre se colocou do lado do senso comum. Por toda a 
Idade Média, como Duhem muito bem demonstrou,14 ela suprimiu a superstição 
e a feitiçaria. Mesmo Max Weber afirmou que o racionalismo romano vive na 
Igreja Romana, que ela de forma consciente e magnífica logrou superar os 
cultos dionisíacos, as extases e os perigos de submersão da razão na 
meditação. O racionalismo reside nas instituições e é essencialmente jurídico; 
sua maior conquista foi ter transformado o sacerdócio em um cargo (office) - um 
tipo muito específico de cargo (office). 
 O papa não é o profeta mas o Vigário de Cristo. Uma tal função 
cerimonial elimina todos os excessos de fanatismo de um profetismo ilimitado. O 
fato de se tornar o cargo (office) independente do carisma significa que o padre 
detém uma posição que parece ser completamente aparte de sua personalidade 
concreta. No entanto, ele não é o funcionário ou o comissário do pensamento 
republicano. Em contraposição ao moderno detentor de cargo (modern official), 
sua posição não é impessoal, porque o seu cargo (office) é parte de uma cadeia 
ininterrupta ligada ao mandato pessoal e à pessoa concreta de Cristo. Esta é, na 
verdade, a mais espantosa complexio oppositorum. É nestas distinções que 
reside a criatividade racional e a humanidade do catolicismo. Ambas 
permanecem no âmbito interno e direcionam o espírito humano, sem exibir o 
irracionalismo escuro da alma humana. Elas não fornecem fórmulas para a 
manipulação da matéria, como o faz o racionalismo da economia e da 
tecnologia. 
 O racionalismo econômico encontra-se tão distante do racionalismo 
católico que pode despertar uma ansiedade católica. A tecnologia moderna pode 
facilmente tornar-se serva deste ou daquele desejo ou necessidade. Na 
economia moderna, um consumo absolutamente irracional conforma-se a uma 
produção totalmente racionalizada. Um mecanismo maravilhosamente racional 
serve todas os tipos de demanda, sempre com a mesma seriedade e precisão, 
seja a demanda por uma blusa de seda, por gás venenoso, ou por qualquer 
coisa que seja. O racionalismo econômico acostumou-se a lidar apenas com 
algumas necessidades e a só reconhecer as necessidades que ele pode 
“satisfazer”. Na metrópole moderna, ele erigiu um edifício no qual tudo ocorre 
estritamentecomo planejado - tudo é calculável. Um católico devoto, 
precisamente por seguir a sua própria racionalidade, pode muito bem ficar 
horrorizado com este sistema de irresistível materialidade. 
Hoje, pode-se dizer que talvez seja mais dentre os católicos que a imagem do 
anticristo esteja mais viva. Se Sorel vê a evidência de uma força vital na 
capacidade de tais “mitos”, ele é injusto ao afirmar que os católicos não mais 
acreditam em sua escatologia e que nenhum deles ainda espera o juízo final. 
Esta afirmativa é factualmente incorreta, embora no Soirées of St. Petersburg15 
de Maistre um senador russo diga praticamente a mesma coisa. A expectativa 
do Juízo Final continua tão viva em um espanhol como Donoso Cortés, nos 
católicos franceses como Louis Veuillot16 e Léon Bloy,17 em um inglês 
convertido como Robert Hughes Benson,18 quanto em qualquer protestante dos 
séculos XVI e XVII que via em Roma o anticristo. O aspecto central, no entanto, 
é que o aparato econômico-tecnológico moderno gerou um medo similar e uma 
intensa aversão em muitos grandes católicos. Uma verdadeira ansiedade 
católica decorreu do conhecimento de que aqui o conceito do racional foi 
fantasticamente destorcido, de uma maneira completamente estranha à 
sensibilidade católica, porque um mecanismo de satisfação de necessidades 
materiais arbitrárias foi chamado de “racional” sem colocar em questão o que é 
mais importante - a racionalidade do fim deste mecanismo supremamente 
racional. 
O pensamento econômico é absolutamente incapaz de apreender esta 
ansiedade católica. Ele se contenta com tudo que ele mesmo possa fornecer 
com os seus meios tecnológicos. Ele nada sabe sobre qualquer temperamento 
antiromano, nem sobre o anticristo e o apocalipse. A Igreja é vista como um 
fenômeno estranho, mas não menos do que outras coisas tidas por ele como 
“irracionais.” É bom que haja homens que tenham necessidades religiosas para 
que essas sejam satisfeitas de uma forma racional. O que pode ser tão irracional 
quanto os muitos caprichos sem sentido da moda, que também requerem 
satisfação? Quando as lâmpadas de santuário que estão à frente de todos os 
altares são alimentadas pela mesma companhia elétrica que fornece energia 
para os teatros e os cabarés da cidade, o catolicismo torna-se então algo 
instintiva e logicamente compreensível para o pensamento econômico, algo 
aceito como um problema de percurso. 
O pensamento econômico tem a sua razão própria e a sua própria veracidade 
absolutamente materiais, pertinentes apenas às coisas. O político é considerado 
imaterial porque ele precisa se ocupar de outros valores além dos econômicos. 
Em agudo contraste com essa materialidade econômica absoluta, o catolicismo 
é eminentemente político. Mas não é político no sentido da manipulação e da 
dominação dos fatores de poder sociais e internacionais fixos, tal como 
apreende-se na concepção de Maquiavel (que faz da política uma mera técnica 
na qual ela isola um único fator extrínseco da vida política). O mecanismo 
político tem as suas próprias leis, que o catolicismo como qualquer outra força 
histórica imbricada na política tem que obedecer. O fato de que o “aparato” da 
Igreja tornou-se mais rígido desde o século XVI, que (apesar do romantismo, ou 
talvez para viciá-lo) a Igreja seja uma burocracia e uma organização mais 
centralizada do que na Idade Média - tudo o que se caracteriza 
sociologicamente pelo termo “jesuitismo” - é explicado não somente pela luta 
contra o protestantismo mas também pela reação negativa ao mecanismo da 
época. 
O príncipe absoluto e o seu “mercantilismo” foram os precursores do tipo 
moderno de pensamento econômico e de um estado político de coisas situado 
em algum lugar no ponto de indiferença entre a ditadura e a anarquia. No século 
XVII, um aparato de poder político desenvolveu-se conjuntamente com o 
conceito mecanicista de natureza e com a freqüentemente reputada 
“funcionalização” de todas as relações sociais. Neste milieu, neste cenário, a 
organização da Igreja também tornou-se mais densa e mais dura, como uma 
concha protetora. Nela mesma, não há ainda evidências de fracasso ou de 
envelhecimento políticos; ela apenas levanta a questão de se saber se ali dentro 
ainda haveria uma idéia viva, uma living idea. Nenhum sistema político pode 
sobreviver, nem mesmo uma geração, apenas com técnicas nuas de 
manutenção do poder. À política pertence a idéia porque não há política sem 
autoridade e nem autoridade sem um ethos de crença. 
O político, ao pretender ser algo mais do que econômico, é obrigado a se fundar 
em outras categorias distintas das de produção e consumo. Para repetir: é 
curioso que o empresário capitalista e o proletário socialista estejam de acordo 
em considerar o suposto do político um pressuposto e, do ponto de vista de seu 
pensamento econômico, ver o domínio dos políticos como “imaterial.” O que, 
visto de uma ótica estritamente política, só pode significar que determinados 
agrupamentos sócio-políticos - poderosos empresários privados ou os 
trabalhadores organizados de determinadas fábricas ou ramos da indústria - 
exploram sua posição no processo de produção no sentido de deter as rédeas 
do poder estatal. Quando eles se voltam contra os políticos e a política como tal, 
eles os vêem como a força concreta a bloquear seu próprio caminho de acesso 
ao poder político. Se tiverem sucesso em removê-los, também se perderá o 
interesse em formular antíteses entre o pensamento econômico e o político. Um 
novo tipo de política emerge conjuntamente com o novo poder fundado na 
economia. Mas, no entanto, eles serão políticos, e isso significa a promoção de 
um tipo específico de validade e de autoridade. Eles irão se justificar com base 
em sua indispensabilidade social, vão recorrer à salut public e já estarão, assim, 
subscrevendo a idéia. 
Nenhuma grande antítese social pode ser resolvida pela economia. Quando o 
empregador diz aos trabalhadores: “eu sustento vocês”, os trabalhadores 
respondem: “nós sustentamos vocês.” Esta não é uma luta de produção ou de 
consumo, em nenhum sentido é algo econômico; ela decorre de uma convicção 
distinta acerca do que é moral ou jurídico, legal. Ela diz respeito à determinação 
ética ou jurídica de quem seria efetivamente o produtor, o criador, e, portanto, o 
proprietário da riqueza moderna. Tão logo a produção torne-se completamente 
anônima e uma rede de companhias, de sociedades anônimas e de outras 
“pessoas jurídicas” faça referência a pessoas concretas individuais impossíveis, 
a propriedade privada do protótipo do capitalista será descartada por ter perdido 
sua evidência. Isto ocorrerá, muito embora hoje ainda haja capitalistas que 
saibam como ter sucesso com base em sua alegada indispensabilidade. 
 Enquanto ambas as facções pensarem em termos econômicos, o 
catolicismo pode ser quase ignorado nesta luta. O seu poder não se funda em 
meios econômicos, muito embora a Igreja tenha muitas propriedades territoriais 
e vários “interesses financeiros.” Estes são inócuos e idílicos comparados com 
os interesses das grandes indústrias nas matérias primas e nos mercados. A 
posse dos depósitos de petróleo da Terra pode virtualmente decidir a luta pela 
supremacia mundial. Mas o Vigário de Cristo na Terra não tomará parte nesta 
luta. O papa está disposto a ser soberano no Estado Pontifício. O que isso 
significa em face do grande clamor do comércio internacional e do imperialismo? 
 O poder político do catolicismo não reside nem nos meios econômicos 
nem nos militares mas, ao contrário, na absoluta realização da autoridade. 
Também a Igreja é uma “pessoa jurídica”, embora não no mesmo sentido de 
uma sociedade anônima. O produto típico da era da produção é um método de 
avaliação, enquanto que a Igreja é uma representação pessoal concreta de uma 
personalidade concreta. Todo testemunho reconhecíveladmitiu que a Igreja é a 
instância perfeita do espírito jurídico e a verdadeira herdeira da ciência jurídica 
romana. Assim, em sua capacidade de assumir a forma jurídica, reside um de 
seus segredos sociológicos. Mas ela só tem poder para assumir esta ou 
qualquer outra forma em virtude de ela ter o poder da representação. Ela 
representa a civitas humana. Ela representa a todo momento a vinculação 
histórica com a encarnação e a crucificação de Cristo. Ela representa a pessoa 
do próprio Cristo: do Deus que se fez homem na realidade histórica. Aí reside a 
sua superioridade sobre uma época de pensamento econômico. 
 A Igreja Católica é o único exemplo sobrevivente contemporâneo da 
capacidade medieval de criar figuras representativas - o papa, o imperador, o 
monge, o cavalheiro, o mercador. É certamente o último exemplar do que um 
acadêmico19 uma vez denominou os quatro pilares remanescentes - a Câmara 
dos Lordes, O Staff Geral Prussiano, a Academia Francesa e o Vaticano. Ela se 
destaca tão isoladamente que quem quer que veja apenas a sua forma externa, 
brincando, deve dizer que ela não representa nada mais do que a própria idéia 
de representação. O século XVIII ainda teve algumas figuras clássicas, como o 
“législateur.” Em vista da pobreza, da improdutividade, do século XIX até mesmo 
a Deusa Razão parece ser uma representante. 
 No sentido de obtermos um quadro claro do tanto que a capacidade 
representativa desapareceu, temos apenas que considerar a tentativa de 
rivalizar a Igreja Católica com uma empresa haurida do moderno espírito 
científico. Augusto Comte queria fundar uma igreja “positivista.” O resultado de 
seus esforços foi uma imitação embaraçosamente reveladora. Contudo, não se 
pode deixar de admirar a nobre intenção deste homem e mesmo a sua imitação, 
que é ainda magnífica em comparação com outras tentativas similares. O maior 
dos sociólogos discerniu os tipos representativos da Idade Média - o clérico e o 
cavalheiro - e os comparou aos tipos representativos da sociedade moderna - o 
sábio e o mercador. Mas foi um erro sustentar o sábio moderno e o mercador 
moderno como tipos representativos. O sábio foi representativo apenas no 
período de transição da luta com a Igreja; o mercador, somente enquanto 
puritano individualista. Uma vez que as engrenagens da indústria moderna 
começam a girar, ambos tornam-se servos da grande máquina. É difícil dizer o 
que eles verdadeiramente representam. 
 Os estados, os estamentos, são coisa do passado. A burguesia francesa 
do século XVIII - o terceiro estado - proclamou-se a “nação.” O famoso mote, “le 
tiers État c’est la Nation,” foi mais revolucionário do que se suspeita. Quando um 
único estamento se identifica com a nação, ele abole a própria idéia de 
estamentos, que requer uma pluralidade de estamentos para constituir a ordem 
social. A sociedade burguesa, assim, não era mais capaz de representação. Ela 
sucumbiu ao inexorável (desastroso - fateful) dualismo da época e desenvolveu 
suas “polaridades”: de um lado, a burguesia; de outro, o boêmio (quem, se 
representa algo, representa a si mesmo). O resultado lógico foi o conceito-de-
classe de proletariado, que agrupa a sociedade materialisticamente - de acordo 
com a posição da pessoa no processo de produção - e assim conforma o 
pensamento econômico. Daí em diante ele demonstra que a renúncia a toda 
representação é inerente a este tipo de pensamento. O sábio e o mercador 
tornaram-se fornecedores ou supervisores. O mercador assenta-se em seu 
escritório; o sábio, em seu estúdio ou laboratório. Se eles são efetivamente 
modernos, ambos servem uma fábrica - ambos são anônimos. É sem sentido 
pretender que eles representem algo. Eles ou são indivíduos privados ou 
expoentes; não representantes. 
 O pensamento econômico conhece apenas um tipo de forma, 
especificamente a precisão técnica, e nada poderia ser mais distante da idéia de 
representação. A associação do econômico com o técnico ( a sua disparidade 
inerente ainda está por ser notada) requer a efetiva presença das coisas. Os 
termos correspondentes como “reflexo”, “radiação” ou “reflexão”, que se referem 
à matéria, denotam distintos estados de agregação do mesmo substrato 
material. Com tais imagens faz-se de algo existente uma idéia compreensível ao 
incorporá-la no próprio pensamento material de alguém. Por exemplo, segundo 
a famosa concepção econômica da história, as visões políticas e religiosas são 
“reflexos” ideológicos das relações de produção. Ao se tomar esta teoria em 
seus próprios termos, isso não pode significar senão que os produtores 
econômicos ocupam uma posição mais elevada do que os “intelectuais” em sua 
hierarquia social. Nas discussões psicológicas, uma palavra como “projeção” soa 
bem. Todas as metáforas como projeção, reflexo, reflexão, radiação e 
transferência buscam expressar a base material “imanente.” 
 A idéia de representação, em contraposição, é tão completamente regida 
pelas concepções de autoridade pessoal que o representante bem como a 
pessoa representada deve manter uma dignidade pessoal - esta idéia não é um 
conceito materialista. A representação em sentido eminente só pode ser feita por 
uma pessoa, ou seja, não simplesmente por um “deputado”, mas por uma 
pessoa com autoridade (authoritative) ou por uma idéia que, se representada, 
também se torna personificada. Deus ou o “povo” na ideologia democrática ou 
idéias abstratas como liberdade e igualdade podem todas no nível da concepção 
constituir uma representação. Mas isto não é verdade no que se refere à 
produção e ao consumo. 
 A representação investe a pessoa representada de uma dignidade 
especial, porque o representante de um valor nobre não pode ser sem valor. 
Não somente o representante e a pessoa representada requerem um valor, 
também o requer o terceiro a quem eles se dirigem. Não se pode representar a 
si mesmo para autômatos e máquinas, do mesmo modo que as máquinas não 
podem representar ou serem representadas. Uma vez que o Estado torna-se um 
Leviatã, ele desaparece do mundo das representações. Este mundo das 
representações tem a sua própria hierarquia de valores e a sua própria 
humanidade. Ele é o lar para a idéia política do catolicismo e para a sua 
capacidade de incorporar a grande trindade da forma: a forma estética da arte; a 
forma jurídica do Direito; e, finalmente, a gloriosa conquista de uma forma 
histórico-mundana do poder. 
 O que primeiramente chama a atenção de uma época devotada ao gozo 
artístico é o que vem por último no desenvolvimento histórico e natural - o 
crescente cumprimento e a recompensa final, a beleza estética da forma. A 
forma, a figura e o simbolismo visual surgem independentemente da grande 
representação. A fábrica moderna, destituída de representação e imaginário, 
assume seus símbolos de uma outra época porque a máquina não tem tradição. 
Ela é tão pouco capaz de criar uma imagem que mesmo a República Soviética 
Russa não encontrou outro símbolo para o seu selo de domínio do que a foice e 
o martelo. O que era adequado para a tecnologia de mil anos atrás, mas que 
não retrata o mundo do proletariado industrial. Pode-se enfocar este emblema 
satiricamente, como a sugerir que a propriedade privada do camponês 
economicamente atrasado triunfou sobre o comunismo do trabalhador industrial, 
a economia agrária de pequena escala triunfou sobre a empresa de grande 
escala técnica e mecanicamente desenvolvida. Ainda mais, este primitivo 
simbolismo carece de algo na mais avançada tecnologia da maquinária, de algo 
especificamente humano, de uma linguagem. 
 Não é de surpreender que a época econômica sucumba primeiramente às 
belezas externas, pois ela carece sobretudo de beleza. Ainda assim, também na 
estética está-se usualmente mais confortável com o superficial. A habilidade de 
criar formas, que é essencial para a estética, tema sua essência na habilidade 
de criar a linguagem de uma grande retórica. Isto é o que deve ser considerado; 
não as vestes esnobemente veneradas dos cardeais nem as vestimentas de 
uma magnifica procissão e tampouco toda a beleza poética que as acompanha. 
Tampouco são os critérios da habilidade de criar formas o que nos interessa na 
grande arquitetura, nas pintura e na música eclesiásticas e nem nas obras 
poéticas significativas. 
 É inegável que hoje o vínculo entre a Igreja e as artes criativas rompeu-
se. Um dos poucos grandes poetas católicos da última geração, Francis 
Thompson, registra essa ruptura em seu maravilhoso ensaio sobre Shelley: a 
Igreja, que já foi a mãe dos poetas tanto quanto dos santos, tanto de Dante 
quanto de São Domingos, agora reserva para si apenas a glória da santidade e 
deixa as artes para aqueles fora da fé. Ninguém poderia dizê-lo de forma mais 
adequada e correta do que o fez Thompson em seu magnifico ensaio sobre 
Shelley: “A separação tem sido maléfica para a poesia e não tem sido boa para 
a religião.”20 O que é verdade; a atual situação não é boa para a religião. Mas 
no que se refere à Igreja, esta não é uma doença incurável. Ao contrário, o 
poder da fala e do discurso - a retórica em seu sentido maior - é um índice da 
vida humana. 
 Talvez hoje esta seja uma afirmação perigosa. A ausência de 
compreensão do significado da retórica é tão somente uma manifestação do 
dualismo polar de nossa época, expresso aqui, de um lado, por uma música 
extasiante hiperpoderosa; de outro, por uma praticidade muda. Ela busca 
transformar a “verdadeira” arte em algo romântico, excessivamente musical e 
irracional. Sabe-se bem, em grande parte graças ao privilegiado discernimento e 
poder apreensão de Taine, que há uma intima relação entre a retórica e o poder 
de espírito clássico. Mas Taine destruiu a idéia viva do classicismo ao fazer dele 
a antítese do romantismo. Sem que nem ele próprio efetivamente acreditasse 
em si mesmo, ele se esforçou por identificar o clássico com o retórico e assim 
com a artificialidade, a simetria vazia, a ausência de vida trabalhada. Todo um 
manancial de antíteses com o qual se jogar. 
 Nesta comparação do racionalismo com algo “irracional,” o classicismo é 
atribuído ao racional; o romântico ao irracional. À retórica é atribuído o rótulo de 
clássica e racional. No entanto, mais decisiva é a retórica no sentido que se 
pode denominar discurso representativo, do que no que toca ao debate e à 
discussão. Ela se move em antíteses. Mas essas antíteses não são 
contradições; elas são os vários e diversos elementos moldados em um 
complexio e assim dão vida ao discurso. Será que as categorias de Taine nos 
ajudam a compreender Bossuet?22 Ele era mais inteligente do que muitos 
racionalistas e mais intuitivo do que todos os românticos. Mas sua eloqüência só 
é possível contra o pano de fundo de uma autoridade imperativa, que não 
resvala nem para o discurso nem para a ordem, mas que encontra ressonância 
na arquitetura da linguagem. O grande estilo desta eloqüência é mais do que 
música; é uma forma de dignidade humana que se manifesta em uma forma 
racional de linguagem (speech). Tudo isso pressupõe uma hierarquia, porque a 
ressonância espiritual da grande retórica deriva da crença na representação 
pretendida pelo orador. Ele é uma testemunha do fato de que o padre tem um 
lugar na história mundial ao lado do soldado e do estadista, do homem de 
Estado. Como eles, o padre é uma figura representativa. Seu lugar não é ao 
lado do mercador e do técnico, os quais lhe dão apenas esmolas e confundem 
sua representação com um adorno, uma decoração. 
Uma aliança da Igreja católica com a atual forma do capitalismo industrial não é 
possível. À aliança do trono com o altar não se seguirá uma aliança da 
burocracia (office) com o altar, nem tampouco da fábrica com o altar. Se o 
grosso do clero católico europeu não fosse mais recrutado da população 
campesina mas das grandes cidades, conseqüências imprevisíveis poderiam 
ocorrer. Mas nenhuma eventualidade tornaria possível uma aliança da Igreja 
com o capitalismo industrial. Contudo, o catolicismo continuará a se acomodar a 
qualquer ordem política ou social, ainda que seja uma ordem dominada por 
empresários capitalistas ou por sindicatos e conselhos proletários. Mas as 
acomodações somente serão possíveis se e quando o poder economicamente 
fundado se tornar poder politicamente fundado, ou seja, se e quando capitalistas 
ou trabalhadores que tenham chegado ao poder assumirem a representação 
política com todas as suas responsabilidades. A nova autoridade soberana será 
obrigada então a reconhecer uma situação distinta daquela que se refere 
apenas à economia e à propriedade privada. A nova ordem não poderá se limitar 
ao controle do processo de produção e de consumo, porque ela deve ser, 
precisa ser, formalmente constituída: toda ordem é uma ordem jurídica; todo 
Estado, um Estado constitucional. Uma vez que este passo tenha sido dado, a 
Igreja pode se aliar à nova ordem, tal como o fez com qualquer ordem. Ela não é 
de modo algum obrigada a se aliar apenas a Estados em que a nobreza 
territorial ou o campesinato sejam as classes governantes. 
A Igreja requer uma forma política. Sem ela não há nada que corresponda à sua 
conduta intrinsecamente representativa. O domínio oculto do “capital” , 
conquanto possa subverter uma forma política vigente e torná-la uma fachada 
vazia, ainda não é uma forma. Se ele tiver sucesso, ele terá “despolitizado” 
completamente o Estado. Se o pensamento econômico realizar o seu objetivo 
utópico e fizer emergir uma condição da sociedade humana absolutamente 
apolítica, a Igreja permaneceria a única organização de pensamento político e 
da forma política. A Igreja teria então um monopólio estupendo: sua hierarquia 
estaria mais próxima da dominação política do mundo do que na idade média. A 
Igreja, de acordo com a sua própria teoria e estrutura hipotética, não desejaria 
uma tal situação. Ela pressupõe sua coexistência com o Estado político, uma 
societas perfecta; não um consórcio de interesses conflitantes. Ela deseja viver 
com o Estado em uma comunidade especial na qual duas representações se 
confrontem como parceiras. 
 Pode-se observar como a compreensão de qualquer tipo de 
representação desaparece com a expansão do pensamento econômico. Ainda 
assim, a base hipotética e teorética do parlamentarismo contemporâneo inclui 
pelo menos a idéia de representação. Ele é até mesmo sustentado pelo que 
tecnicamente se denomina “princípio da representação.” Na medida em que o 
princípio significa apenas uma representação (a do eleitorado), ele não conota 
nada de diferente. Na literatura constitucional e política do século passado, este 
termo significa uma representação do povo em contraste com um outro 
representante, especificamente, o rei, embora ambos conjuntamente 
representem “a nação” (ou apenas o parlamento quando há uma constituição 
republicana). Assim é que se diz que a Igreja não tem “instituições 
representativas” porque ela não tem parlamento e porque seus representantes 
não obtêm sua autoridade do povo. Consequentemente, ela representa “a partir 
de cima.” 
 A ciência do Direito perdeu tanto o seu sentido quanto o conceito 
especifico de representação ao longo da luta popular contra o rei pela 
representação no século XIX. A teoria alemã do Estado, especificamente, 
desenvolveu uma mitologia acadêmica a um só tempo monstruosa e confusa; o 
parlamento enquanto um órgão político secundário representa um outro 
primário, o povo, mas este órgão primário aparte do secundário não tem 
vontade, a não ser que seja por “special proviso”; as duas pessoas jurídicas são 
uma única, constituem dois órgãos mas uma só pessoa. É suficiente ler-se o 
curioso capítulo da Teoria Geral do Estado de Jellinek sobre “Representação e 
ÓrgãosRepresentativos.”23 O sentido simples do princípio da representação é 
de que os membros do parlamento são representantes de todo o povo e assim 
têm uma autoridade vis-à-vis os eleitores. Ao invés de derivarem sua autoridade 
do eleitor individual, eles continuam a derivá-la do povo. “O membro do 
parlamento não se vincula a instruções e ordens e é responsável apenas 
perante sua consciência.” O que significa que a personificação do povo e a 
unidade do parlamento como o representante do povo importa pelo menos na 
idéia de um complexio oppositorum, ou seja, a unidade da pluralidade dos 
interesses e partidos. Ela é concebida em termos representativos e não em 
termos econômicos. O sistema proletário dos sovietes busca, portanto, eliminar 
este resquício de um tempo destituído de pensamento econômico e enfatiza que 
os delegados parlamentares são apenas emissários ou agentes dos produtores, 
com um “mandat impératif” (revogável por quebra de confiança a qualquer 
tempo - liable to be recalled at any time), são empregados administrativos do 
processo de produção. O povo “como um todo” é apenas uma idéia; o processo 
econômico “como um todo”, uma realidade material. 
 A consistência intelectual do anti-intelectualismo é certamente marcante. 
Na “maré cheia” do socialismo, jovens bolcheviques tornaram a luta pelo 
pensamento técnico-econômico em uma luta contra a idéia, mesmo em uma luta 
contra toda idéia. E isso porque no mínimo o fantasma de uma idéia existe, bem 
como o conceito de que algo precedeu a realidade dada das coisas materiais, 
isto sempre significa uma autoridade que vem de cima. Para um tipo de 
pensamento que deriva suas normas da esfera técnico-econômica, esta parece 
ser uma interferência externa, um distúrbio da máquina autopropulsora. Uma 
pessoa inteligente dotada de instintos políticos que lute contra os políticos 
imediatamente reconhecerá em qualquer recurso à idéia uma pretensão à 
representaçào e à autoridade - uma pressuposição que vai além da ausência de 
forma proletária e da massa compacta de realidade en”carnada” na qual os 
homens não precisam de governo e “as coisas regem a si próprias.” . 
 As formas política e jurídica são igualmente imateriais e irritantes para a 
consistência do pensamento econômico. Mas apenas ali onde surge uma 
situação paradoxal e este pensamento é assumido por fanáticos (o que 
provavelmente só poderia acontecer na Rússia) ele revela a sua total 
animosidade contra a idéia e toda inteligência não-econômica e não-técnica. O 
que demonstra sociologicamente o verdadeiro instinto revolucionário. 
Inteligência e racionalismo não são por si sós revolucionários. Mas o 
pensamento técnico é estranho a todas as tradições sociais: a máquina não tem 
tradição. Uma das descobertas sociológicas inovadoras, seminais, de Marx foi a 
de que a tecnologia é o verdadeiro princípio revolucionário, em comparaçào com 
o qual todas as revoluções fundadas no direito natural são formas antiguadas de 
recreação. Uma sociedade construída exclusivamente sobre a tecnologia 
progressista não seria senão revolucionária; mas ela logo destruiria a si mesma 
e a sua tecnologia. 
O pensamento econômico não é tão extremamente radical. Apesar de sua atual 
aliança com o tecnicismo absoluto, eles podem se opor mutuamente. Pertencem 
também ao econômico determinados conceitos jurídicos, como os de 
propriedade e de contrato. Muito embora o econômico circunscreva esses 
conceitos a um mínimo; sobretudo ao mínimo do direito privado. 
Nesse contexto, só pode ser notada de passagem a flagrante contradição 
entre o objetivo de transformar o econômico em um princípio social e o esforço 
em perpetuar o direito civil, especialmente o direito de propriedade. O que nos 
interessa, aqui, é que a tendência do econômico de perpetuar o direito civil 
significa, de fato, uma limitação [da capacidade (manter?)] da forma jurídica. 
Espera-se que a vida pública regule a si mesma. Ela deveria ser regida pela 
opinião pública, ou seja, a opinião dos indivíduos privados. A opinião pública, por 
sua vez, é regida por uma imprensa livre que está sob domínio privado. Neste 
sistema nada é representativo; tudo é uma questão privada. A “privatização”, 
historicamente considerada, tem suas origens na religião; o primeiro direito 
individual, no sentido da ordem burguesa liberal, foi a liberdade de religião; ela 
permanece como fonte e princípio de todo aquele rol de liberdades - liberdade 
de crença e de consciência, liberdade de livre associação e de reunião, 
liberdade de imprensa, liberdade de troca e de comércio. Mas qualquer que seja 
o lugar atribuído à religião, ela sempre e em todo lugar manifesta sua 
capacidade de absorver e de absolutizar. Se a religião for uma questão privada, 
segue-se daí que o “privado” será santificado religiosamente. Essas duas 
dimensões não podem ser separadas uma da outra. Assim, a propriedade 
privada é sacralizada precisamente por ser uma questão privada. O 
desenvolvimento sociológico da sociedade européia moderna é explicado por 
essa correlação, ainda não inteiramente reconhecida. Também na sociedade 
moderna existe religião, aquela do “privado”: sem ela, a estrutura desta ordem 
social entraria em colapso. O fato de que a religião seja considerada uma 
questão privada dá ao “privado” uma sanção religiosa. Em seu verdadeiro 
sentido, a garantia, imune a quaisquer riscos, da propriedade privada absoluta 
só pode existir ali onde a religião seja uma questão privada; isso ocorre, 
portanto, no universo burguês, mas também em qualquer outra dimensão 
política. O trecho freqüentemente citado sobre a religião como uma questão 
privada do Programa Erfurt do Partido Social-Democrata Alemão[24-nota da 
edição em inglês] é um interessante desvio rumo ao liberalismo. Karl Kautsky, o 
teólogo deste programa, procedeu a uma correção (em seu panfleto de 1906 
sobre a Igreja Católica e a cristandade25) tão sintomática quanto inocuamente 
incidental, especificamente, que a religião é menos uma questão privada do que 
uma simples questão do coração. 
 A fundamentação jurídica da Igreja católica na esfera pública contrasta 
com a fundamentação do liberalismo na esfera privada. /<<<<>>>>/ O que 
também é consistente com o caráter representativo da Igreja católica e 
possibilita que a religião seja concebida de uma tal maneira jurídica. Assim um 
escrupuloso protestante como Rudolf Sohm26 pode definir a Igreja católica 
como algo essencialmente jurídico, ao mesmo tempo em que considerava a 
religiosidade cristã essencialmente não jurídica. De fato, a permeação com 
elementos jurídicos é muito profunda. Muito do comportamento político católico 
aparentemente contraditório, tão freqüentemente reprovado, pode ser explicado 
por seu caráter jurídico-formal. No mundo social, a ciência do direito secular 
também revela um determinado complexio de interesses e tendências 
concorrentes. Como no catolicismo, esse complexio também evidencia uma 
curiosa mistura de conservadorismo tradicional e de resistência revolucionária 
em consonância com o direito natural. Qualquer movimento revolucionário 
confirma que os juristas, os “teólogos da ordem vigente”, são vistos como 
inimigos. Os juristas, por sua vez, são os que apoiam a revolução e a imbuem 
de paixão pelos direitos dos oprimidos e ofendidos. 
 Devido à sua superioridade formal, a ciência do Direito pode facilmente 
assumir uma postura similar à do catolicismo no que se refere à alternação de 
formas políticas em que ela possa positivamente se alinhar a vários e distintos 
complexos, desde que haja apenas um mínimo suficiente de forma “para 
estabelecer a ordem.” Uma vez que a nova situação permita o reconhecimento 
de uma autoridade, esta fornece uma base para uma ciência do direito - a 
fundação concreta para uma forma substantiva. Mas apesar de toda essa 
afinidade no nível da forma, ocatolicismo vai bem mais longe porque ele 
representa algo mais e distinto da ciência do direito secular - não somente a 
idéia de justiça mas também a pessoa de Cristo - que consubstancia a sua 
pretensão a um poder e a uma autoridade únicos. Ele pode deliberar como um 
parceiro igual em relação ao Estado, e assim criar novo direito, enquanto a 
ciência do direito é apenas uma mediadora do direito estabelecido. A lei, o 
direito, que um juiz deve aplicar no Estado é mediatizada pela nação, 
pelo que uma norma mais ou menos fixa se coloca entre a idéia de justiça e o 
caso individual. 
 Um tribunal internacional de justiça, independente no sentido de que não 
é vinculado por instruções políticas mas apenas pelos princípios fundamentais 
do direito, encontra-se mais próximo da idéia de justiça. Dado à sua separação 
do Estado individual, o que o distingue de um tribunal estatal, ele pretenderia 
representar algo autônomo em face do Estado, ou seja, especificamente, a idéia 
de justiça independente da vontade e do juízo dos Estados individuais. Sua 
autoridade basearia-se, portanto, na representação direta desta idéia, não na 
autoridade delegada dos Estados individuais, muito embora ele pudesse dever 
sua existência a um acordo entre estes Estados. Em conseqüência, ele deve se 
apresentar como um tribunal de justiça universal e, assim, também original. Esta 
seria a ampliação natural da consistência lógica; psicologicamente, ela seria 
uma inferência da situação original de poder fundada sobre a condição jurídica 
originária. 
 Pode-se compreender muito bem os desvios dos publicistas dos Estados 
poderosos em relação a um tribunal como esse, todos decorrentes do conceito 
de soberania. O poder de decidir quem é o soberano significaria uma nova 
soberania. Um tribunal investido de tais poderes constituiria uma instância 
supraestatal e suprasoberania que, por si só, poderia criar uma nova ordem, se, 
por exemplo, ele tivesse autoridade para decidir sobre o reconhecimento de um 
novo Estado. Não é um tribunal de justiça, mas sim uma Liga de Nações quem 
pode ter tais pretensões. Mas ao exercê-las, ele se tornaria um agente 
independente. Conjuntamente com a função de executar o Direito, a lei, de gerir 
a administração, etc.(que pode requerer independência no que toca às questões 
financeiras, orçamentárias e em relação a outras formalidades), significaria 
também algo em si e de si mesmo. A sua atividade não se limitaria à aplicação 
das normas jurídicas vigentes, tal como seria a de um tribunal que fosse uma 
autoridade administrativa. Ele também seria mais do que um árbitro, porque em 
todos os conflitos decisivos ele teria que afirmar os seus próprios interesses. 
Assim, ele deixaria de sustentar exclusivamente a justiça - em termos políticos, o 
status quo. Se ele tomasse a situação política permanentemente mutável como 
seu princípio retor, ele teria que decidir com base em seu próprio poder qual 
nova ordem, qual novo Estado deveria ou não ser reconhecido. O que não 
poderia ser determinado pela ordem jurídica pré-existente, porque a maior parte 
dos novos Estados passaram a existir em oposição à vontade de seu soberano 
governante anterior. Devido aos princípios lógicos fundantes da auto-afirmação 
é concebível que possa surgir um conflito com a lei, com o direito. Um tal tribunal 
não somente representaria a idéia de justiça impessoal, mas também uma 
personalidade poderosa. 
 Na orgulhosa história da Igreja Romana, o ethos de seu próprio poder 
coloca-se ao lado do ethos da justiça. Ele é até mesmo envolto no prestígio, na 
glória e na honra da Igreja. Enquanto a noiva de Cristo a Igreja ordena, exige, 
reconhecimento; ela representa Cristo reinando, governando e conquistando. A 
sua pretensão ao prestígio e à honra repousa sobre a nobre idéia de 
representação; ela engendra a eterna oposição entre justiça e beleza. O 
antagonismo é inerente à condição geral da natureza humana, muito embora os 
cristãos pios vejam-na como uma forma peculiar de uma malícia ainda mais 
peculiar. A grande traição perpetrada pela Igreja Católica é que ela não concebe 
Cristo como uma pessoa privada, não concebe a cristandade como uma questão 
privada, como algo sagrado e internamente espiritual, mas ao contrário deu à 
cristandade forma como uma instituição visível. Sohm acreditava que “o cair em 
desgraça”, “a queda da graça”, poderia ser percebida na esfera jurídica; outros 
viram-na de um modo mais grandioso e profundo como a vontade de poder 
mundial. Como qualquer outro imperialismo mundial que tenha alcançado seu 
objetivo, a Igreja busca pacificar o mundo. O que, para os inimigos de todas as 
formas, delineia o espectro do demônio triunfante. 
 O personagem central de “O Grande Inquisitor” de Dostoyevsky confessa 
que ele voluntariamente sucumbiu aos ardis de satã, porque sabia que o homem 
é por natureza vil e mau, um rebelde covarde que precisa de um mestre. 
Somente o padre romano encontra a coragem de assumir sobre si toda a 
condenação devida a um tal poder. Com o “O Grande Inquisitor”, Dostoyevsky 
projeta de forma decisiva o seu próprio ateísmo latente na Igreja Romana. Todo 
poder é algo mau e desumano para o seu instinto fundamentalmente anarquista 
( o que sempre significa também ateísmo). Na esfera temporal, a tentação do 
mau inerente a todo poder é certamente incessante. Apenas em Deus o conflito 
entre o poder e o bem é resolvido em última instância. Mas o desejo de escapar 
deste conflito pela rejeição de todo poder terreno conduziria à pior 
desumanidade. 
 Há um temperamento sombrio e prevalente que percebe o 
institucionalismo frio do catolicismo como o mal e a remota ausência de forma 
de Dostoyevsky como a verdadeira cristandade. O que é tão superficial quanto 
qualquer outra coisa no nível da emoção e do sentimento. Ele nem mesmo tem 
consciência da natureza pagã da noção de que Cristo poderia surgir (de maneira 
experimental, por assim dizer) uma ou muitas vezes entre a Sua existência 
histórica e o Seu glorioso retorno no Dia do Juízo. De um modo ainda mais 
conciso do que o de Dostoyevsky, o gênio de um católico francês vislumbrou um 
quadro que a um só tempo inclui toda a tensão do antagonismo e (através da 
formulação de um apelo direto à justiça divina) força dialeticamente a justiça à 
sua conclusão lógica em que ela preserva a lei, o direito, conjuntamente com as 
formas de juízo e de recurso. É um quadro desprezível do Dia do Juízo, que 
Ernest Hello27 teve a coragem de pintar. Quando o Julgador-do-mundo tiver 
pronunciado a sua sentença, um dos condenados, coberto de injúria, avança 
rapidamente e, para horror da criação, diz para o Juiz: J’en appelle.28 “Com 
essas palavras as estrelas deixam de brilhar.” Segundo a idéia do Juízo Final, no 
entanto, o veredicto Dele é eternamente irrevogável, effroyablement sans 
appel.29 Para quem apelas de Minha sentença? Indaga Jesus, o juiz. Em meio 
ao terrível silêncio que se seguiu, o condenado responde: “J’en appelle de ta 
justice à ta gloire.”30 
 Em cada uma das três grandes formas de representação, o complexio da 
vida em todas as suas contradições é moldado em uma unidade de 
representação pessoal. Assim, cada uma das três formas pode evocar uma 
determinada ansiedade e perplexidade, e dar vida nova ao temperamento anti-
romano. Todos os sectários e heréticos se recusaram reconhecer o quanto o 
personalismo é inerente à idéia representação, que é uma idéia humana no 
sentido mais profundo. Precisamente por isso, um tipo de luta singularmente 
novo foi demarcado quando a Igreja Católica no século XVIII encontrou um 
oponente que zelosamente a confrontou com a idéia de humanidade. O fogo e a 
chama deste oponente eram especialmente nobres. Mas ali mesmo onde ele se 
elevou em um sentido histórico, ele também sucumbiu ao antagonismo 
predestinado, fatal, cujo surgimentolevantou tantas forças contra a Igreja. 
Enquanto a idéia de humanidade preservou um poder espontâneo, seus 
representantes também encontraram a coragem para terem sucesso com o 
poder desumano. Os filósofos humanitaristas do século XVIII pregavam o 
despotismo esclarecido e a ditadura da razão. Eles são aristocratas 
autoconfiantes. Assim, eles fundamentam sua autoridade e suas sociedades 
secretas (i. e., associações estritamente esotéricas) na pretensão de que eles 
representam a idéia de humanidade. Aqui, como em toda construção esotérica, 
reside uma superioridade desumana sobre o não iniciado, o homem comum e a 
massa democrática. Quem ainda hoje teria a coragem de assumir uma tal 
convicção? 
 Será altamente instrutivo recordarmos a sorte de um certo monumento 
alemão da lavra do grande gênio humanitarista Mozart: a Flauta Mágica. Não é 
essa ópera hoje considerada algo mais do que uma música alemã genial, uma 
obra idílica, uma precursora da opereta vienense? Todos afirmam que ela é 
também um hino do iluminismo, da luta do sol contra a noite, da luz contra as 
trevas. E, é claro, esta afirmativa estaria em completa harmonia com o 
sentimento de uma época democrática. Em comparação, seria menos aceitável 
dizer que a Rainha da Noite, contra quem o padre maçônico luta, seria a mãe 
em um sentido específico. Mas, em última análise, quão alarmante para os 
homens dos séculos XIX e XX é a arrogância viril e a autoritária autoconfiança 
destes padres, quão diabólico é o desprezo pelo homem comum retratado no 
caráter de Papageno, o naturalmente bom pater familias, que se preocupa com 
a satisfação de suas necessidades econômicas e é dispensado quando seus 
desejos se realizaram e suas necessidades foram satisfeitas. Não há nada mais 
amendrontador do que esta amada ópera, bastava que se gastasse tempo para 
compreendê-la no contexto mais amplo da história das idéias. Deve-se compará-
la com a Tempestade de Shakespeare e reconhecer como Próspero tornou-se 
um padre maçônico e Caliban um Papageno. 
 O século XVIII firmou-se muito na autoconfiança e no conceito 
aristocrático de segredo. Em uma sociedade que não tem mais esta coragem, 
não pode haver “arcana,” não pode haver hierarquia, nem mais diplomacia 
secreta; de fato, não pode mais haver política. O “arcanum” pertence a todas as 
grandes políticas. Tudo ocorre em um palco (diante de uma platéia de 
Papagenos). Será que os segredos comerciais e industriais ainda serão 
permitidos? O pensamento técnico-econômico parece ter uma compreensão 
peculiar deste tipo de segredos. Aí pode residir mais uma vez o começo de um 
novo e incontrolado poder. No que se refere ao presente, no entanto, o 
pensamento técnico-econômico permanece completamente na esfera 
econômica, sabidamente pouco representativa. Ele tem que se rebelar contra 
tais segredos, o que até agora, ocorreu apenas aos conselhos proletários, aos 
sovietes. Sempre se ouvirá falar apenas de humanidade; e portanto não se vê 
que uma vez que a idéia de humanidade tenha se realizado ela também se 
tornará sujeita à dialética de toda realização. Ela deve deixar de não ser nada a 
não ser humana. 
 A Igreja Católica hoje não tem adversários que a desafiem aberta e 
vigorosamente como inimigos, como o fez o espírito do século XVIII. O pacifismo 
humanitarista é incapaz de nutrir inimizade, porque o seu ideal se perdeu na 
justiça e na paz. Muitos pacifistas, embora não os melhores deles, lidam apenas 
com o cálculo plausível de que a guerra é ruim para os negócios - a afirmação 
racionalista inabalável de que na guerra desperdiça-se muita energia e muito 
material. A liga das Nações,31 tal como existe hoje, pode se provar uma 
instituição útil. Mas ela não surge como uma adversária da Igreja universal, e 
muito menos como líder espiritual da humanidade. 
 O último adversário do catolicismo foi a maçonaria (freemasonry). Eu não 
sou capaz de avaliar se ela ainda corporifica o fogo de sua idade heróica. Mas 
quaisquer que sejam as pretensões espirituais que ela possa ter, essas 
pretensões são tão irrelevantes para o pensamento econômico consistente 
quanto a Liga das Nações ou o catolicismo. Para este tipo de pensamento tudo 
isso não passa de miragens: a primeira, talvez uma miragem do futuro; o 
segundo, talvez uma miragem do passado. Como já se disse: se uma miragem 
alcança uma outra é algo tão inconseqüente quanto whether they come to blows. 
A humanidade é uma idéia tão abstrata que mesmo o catolicismo, em 
comparação parece compreensível, porque pelo menos ele apresenta vantagens 
possíveis para o consumo estético. Reitero, pela terceira vez, que a 
materialidade do pensamento econômico dos capitalistas é muito próxima da 
materialidade de um comunismo radical. Nem pessoas nem coisas requerem um 
“governo” se se permitir ao mecanismo técnico-econômico dar curso à sua 
própria regularidade imanente. 
 Se toda autoridade política é rejeitada em tais argumentos racionalmente 
fundados, então Bakunin,32 um dos maiores anarquistas do século XIX, parece 
ter sido um ingênuo guerreiro nórdico que se encontrava gerações à frente de 
seu tempo na batalha contra a idéia e o espírito. Ele dissipou todos os 
obstáculos metafísicos e ideológicos e, então, voltou-se com um poder 
scynthiano (antigo nome de uma região no sudeste da Europa e da Ásia entre os 
mares Negro e Aral - Scynthia) contra a religião, a política, a teologia e a 
jurisprudência. Sua luta contra o italiano Mazzini33 surge como remota batalha 
simbólica de um colossal levante da história mundial de maiores dimensões do 
que o Völkerwanderung.34 Para Bakunin, o ateísmo do maçom Mazzini era 
apenas, como toda crença teísta, uma evidência de servidão e a verdadeira 
fonte de todo o mau - de toda autoridade política e estatal. Era um centralismo 
metafísico. 
 Marx e Engels também foram ateus. Mas aqui o critério último era o 
conflito entre os educados e os não-educados. A antipatia insuperável que esses 
homens, vindos da metade ocidental da Alemanha, nutriam por Ferdinand 
Lasalle, que vinha da metade oriental, era mais do que um descuidado capricho. 
Mas o ódio que eles tinham dos russos vinha de seus instintos mais enraizados 
e se manifestou na luta interna na Primeira Internacional. Inversamente, tudo no 
anarquista russo elevou-se em revolta contra o “judeu alemão” (nascido em 
Trier) e contra Engels. O que continuamente provocou Bakunin foi o 
intelectualismo deles. Eles tinham “idéias” por demais, “matéria cinzenta” por 
demais. O anarquista só podia pronunciar a palavra “cervelle”35 com uma fúria 
sibilante. Por detrás desta palavra ele corretamente suspeitava que se 
encontrava a pretensão à autoridade, à disciplina e à hierarquia. Para ele, todo 
tipo de comportamento cerebrino era hostil à vida. 
 O indomável instinto bárbaro de Bakunin chocou-se com certeira precisão 
contra um conceito aparentemente incidental, mas, na verdade, muito decisivo, 
ao qual os revolucionários alemães devotavam um estranho fervor moral 
quando, ao criarem a belicosa classe do “proletariado,” batizaram o 
“Lumpenproletariat.” Esta designação, a um só tempo mésprisant et 
pittoresque,36 pode ser efetivamente considerada como um sintoma, uma vez 
que ela é inextrincavelmente vinculada a tantas conotações valorativas 
diferentes. O pensamento social em todas as suas manifestações relaciona-se 
de algum modo com esta notável mistura denominada Lumpenproletariat. É um 
“proletariado,” mas a ele pertencem também o boêmio da época burguesa, o 
mendigo cristão e todos os insultados e injuriados. Ele exerceu um papel algo 
nebuloso mas essencial em todas as revoluções e rebeliões. Os escritores 
bolcheviques recentemente o redimiram. 
 Quando Marx e Engels estavam em dificuldades para distinguir o seu 
verdadeiro proletariado desta turba “podre,” eles traem o quão fortemente 
influenciadospela moral e concepções ocidental-européias tradicionais de 
educação eles eram. Eles queriam imbuir o seu proletariado de um valor social. 
Mas isto só é possível com conceitos morais. Mas aqui Bakunin teve a incrível 
coragem de ver o Lumpenproletariat como o arauto do futuro e de recorrer à 
canaille.37 Que retórica fulminante: “Ao meu ver, a flor do proletariado encontra-
se é sobretudo nas grandes massas - os milhões de pessoas incivilizadas, 
deserdadas, miseráveis e iletradas que o Sr. Engels e o Sr. Marx confiariam à 
dominação paternal de um governo muito forte. Ao meu ver, a flor do 
proletariado é precisamente a inesgotável bucha de canhão de todos os 
governos - esta grande malta, ainda praticamente intocada pela civilização 
burguesa, que porta em seu útero, em suas paixões e instintos, todas as 
sementes do socialismo do futuro.” Em nenhum outro lugar o decisivo 
antagonismo educacional foi tão poderosamente revelado como neste 
enunciado. Ele fixa o palco em que a essência da atual situação é claramente 
reconhecível e o catolicismo se destaca como uma força política. 
 Desde o século XIX, há na Europa duas grandes massas opostas à 
tradição e à educação ocidental-européias, duas grandes torrentes inundando 
suas margens: o proletariado com consciência de classe das grandes cidades e 
as massas russas alienadas da Europa. Do ponto de vista da cultura ocidental-
européia tradicional, ambas são bárbaras. Onde elas têm uma noção de seu 
próprio poder, elas orgulhosamente se denominam bárbaras. O fato de elas 
terem se encontrado no solo russo, na República Soviética Russa, tem uma 
profunda justificativa na história das idéias. Não importa quão dissimilares e até 
mesmo antagônicos sejam os dois grupos, quão inexplicável seja todo o 
processo nos termos de todas as construções ideológicas prévias e da teoria 
específica do marxismo, esta aliança não é um acidente da história mundial. 
 Eu sei que pode haver mais cristianismo no ódio russo da cultura 
ocidental-européia do que no liberalismo e no marxismo alemão. Eu sei que 
grandes pensadores católicos consideraram o liberalismo um inimigo mais 
malevolente do que o ateísmo socialista declarado. Eu sei que essa ausência de 
forma pode conter o potencial de uma nova forma que pode também conformar 
a época técnico-econômica. Ao ter resistido a tudo, a Igreja Católica não precisa 
decidir estas questões. Também aqui, haverá o complexio de tudo o que resiste. 
Ele é o herdeiro. 
 Há, no entanto, um tipo de decisão que a Igreja não pode evitar - um tipo 
de decisão que precisa ser tomada hoje, na situação concreta, em cada uma 
das gerações. No que toca a tais decisões, a Igreja opta por um lado ou por 
outro, muito embora ela não se declare a favor de nenhum dos lados da 
contenda. Assim, ela ficou do lado dos contrarevolucionários na primeira metade 
do século XIX. Com base nisto eu sustento que na remota batalha de Bakunin, a 
Igreja Católica e o conceito católico de humanidade ficaram do lado da idéia e 
da civilização ocidental-européia, mais próxima de Mazzini do que do ateísmo 
socialista do anarquista russo. 
 
 
 
 
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1 
2A Kulturkampf , a luta cultural, foi iniciada quando Bismarck aprovou leis em 
1871/72 que objetivavam o veto estatal ao clero. Estas leis foram uma resposta 
ao Conselho do Vaticano ou Vaticanum (1869-1870), quando elevou-se o 
papado ao status de uma monarquia absoluta e assim mudou-se a relação entre 
a Igreja e o Estado - não apenas com a exigência do Vaticano de liberdade 
absoluta para treinar o clero, mas também no seu pressuposto de superioridade 
ética em face do estado. Em 1887 Bismarck pôs um fim à luta cultural 
Kulturkampf ao capitular diante da Cúria. 
3 
4 
5 
6 O Cardeal Desiré Joseph Mercier (1851 - 1926) pregou o renascimento da 
filosofia de São Tomás de Aquino. 
7 Michael Felix Korum (1840 - 1921) trabalhou pela fixação da Kulturkampf. 
8 Felix Antoine Philibert Dupanloup (1802-1878), se opôs ao dogma da 
infalibilidade papal tanto antes quanto durante o Concílio Vaticano, mas foi um 
dos primeiros a aceitá-lo quando foi decretado. 
9 O marcionismo é uma seita formada pelo líder herético romano Marcion 
(170?), não aceitava as escrituras, a não ser as dez epístolas de São Paulo e 
um evangelho alterado por Lucas. O marcionismo rejeitava as doutrinas da 
encarnação e da ressurreição e ensinava uma forma de dualismo em que o 
Deus dos judeus era diferente do Deus dos cristãos. O marcianismo praticava 
uma forma extrema de ascetismo e durou até o século sétimo. 
11 Na análise de SCHMITT do romantismo político, ele salienta que nunca foi 
parte do romantismo conceitual ou da realidade efetiva buscar mudar o mundo, 
mas, ao contrário, para resolver o seu alegado dualismo por um salto para um 
“terceiro reino mais elevado.” 
12 Joseph Ernest Renan (1823 - 1892), um filólogo e crítico religioso francês. 
13 “Toda vitória de Roma é uma vitória da razão.” 
14 Pierre Maurice Marie Duhem (1861 - 1916), um médico francês que escreveu 
sobre religião. 
15 
16 Louis Veuillot (1813 - 1883), um católico leigo que defendeu a supremacia 
papal absoluta. 
17 Léon Bloy (1846 - 1917), um católico leigo que pregou o renascimento 
espiritual através do sofrimento e da pobreza. 
18 Robert Hughes Benson (1871 - 1914), um padre e escritor que se tornou 
privy chamberlain do Papa Pio X. 
19 Paul Charles Joseph Bourget (1852-1935), um romancista e crítico literário 
francês. 
20 
22 
23 “R 
24 
25 
26 Rudolf Sohm (1841 - 1917) foi provavelmente o mais brilhante jurista 
dogmático de sua época. Trabalhou em uma época em que o conflito entre 
romanistas e germanistas não era mais tão agudo quanto havia sido, foi atraído 
por ambos o Direito Romano e o Germânico e, mais tarde, também pelo Direito 
Canônico, e alcançou fama em todos três. 
27 
28 
29 
30 
31 
32 
33 
34 A migração de povos, especialmente o movimento para o sul e o oeste da 
Europa dos povos teutônicos, hunos e eslavos, do segundo século D. C., que 
alcançou o seu pico nos séculos sexto e sétimo com o assentamento dos 
nórdicos na Inglaterra e na França. 
35 Cérebro. 
36 Desprezível e pitoresca. 
37 Turba. 
 
	Carl Schmitt

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