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2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 3 2 AS TEORIAS DAS RELAÇÕES OBJETAIS ............................................... 4 3 AS RELAÇÕES OBJETAIS NA PSICANÁLISE TRADICIONAL ................. 6 4 A NOÇÃO DE SUJEITO EM PSICANÁLISE ............................................. 10 4.1 Sujeito dividido: sujeito assujeitado pelo outro; sujeito do significante 18 5 POSSÍVEIS ORDENAÇÕES PARA A NOÇÃO DE OBJETO ................... 21 6 O CONTATO FÍSICO NA RELAÇÃO MÃE-BEBÊ .................................... 24 6.1 Início do contato com a realidade: apresentação de objetos .............. 28 7 AS RELAÇÕES OBJETAIS NA TEORIA DE RONALD FAIRBAIRN ........ 29 7.1 As primeiras relações objetais ............................................................ 30 7.2 Fairbairn e a teoria da libido de Freud ................................................ 31 7.3 As relações com objetos parciais ....................................................... 32 7.4 As relações objetais da personalidade ............................................... 33 8 A PSICOLOGIA DO SELF ........................................................................ 36 9 LACAN E A RELAÇÃO DE OBJETO ........................................................ 39 10 KARL ABRAHAM E O OBJETO PARCIAL ............................................ 43 10.1 A TEORIA DO OBJETO COMBINADO DE MELANIE KLEIN ......... 45 10.2 O OBJETO TRANSICIONAL DE DONALD WOODS WINNICOTT . 50 10.3 O ambiente e as relações objetais na teoria de winnicott ............... 56 10.4 A teoria do amadurecimento ........................................................... 57 11 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................... 58 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 AS TEORIAS DAS RELAÇÕES OBJETAIS Fonte: alexandremattosaulas.com.br A compreensão da psicologia do self tem sua fundamentação nas teorias das relações objetais que consistiram em revisões teóricas da teoria de Freud sobre o “objeto”. “Este aplicava o termo ‘objeto’ em relação a qualquer pessoa, objeto ou atividade com capacidade para satisfazer ao instinto” (SCHULTZ, 2011, p. 393 apud FONSÊCA A; et al., 2013). Na teoria psicanalítica ortodoxa, Freud relaciona o objeto a algo que só tem sentido enquanto relacionado à pulsão e ao inconsciente e não na esfera da consciência (GARCIA-ROZA apud FONSÊCA A; et al., 2013). Assim, o objeto torna- se um meio para o foco da satisfação, podendo esse objeto ser uma pessoa, objeto ou atividade, real ou imaginário. Greenberg e Mitchell (1994, p. 5 apud FONSÊCA A; et al., 2013) salientam que “todo conhecimento psicanalítico deve começar com as relações do indivíduo com os outros”. Esse entendimento tem base na teoria da pulsão de Freud, onde não existe uma pulsão sem um objeto implícito ou explícito. Assim, o objeto da pulsão seria a pessoa, objeto ou atividade, a qual a pulsão tem como objetivo, foco ou alvo. Essa sistemática segue o modelo estrutural/pulsional. Para Freud o primeiro objeto na vida do bebê, capaz de satisfazer ao instinto, era o seio materno. Mais tarde, a própria mãe como pessoa torna-se um objeto de satisfação do instinto. E, à medida que a criança 5 cresce, outras pessoas tornam-se objetos de satisfação do instinto (SCHULTZ apud FONSÊCA A; et al., 2013). Greenberg e Mitchell (1994, p. 7 e 8 apud FONSÊCA A; et al., 2013) ainda afirmam que o termo “teoria das relações objetais”, em seu sentido amplo, refere-se a tentativas de responder a situação onde as pessoas interagem e reagem com objetos externos e internos, e em que medida suas relações influenciam o funcionamento psíquico. Importante relatar que os objetos internos são entendidos como representações psíquicas de outras pessoas que influenciam as reações, percepções, os estados afetivos do indivíduo (aspectos internos), bem como suas reações comportamentais externas, conforme FONSÊCA A; et al., (2013). Conforme FONSÊCA A; et al., (2013), os teóricos das relações objetais trazem concepções diferenciadas, o que torna o entendimento dos termos “objeto” e “relações objetais” bastante complexo. Para a primeira “objeto” refere-se a uma “entidade que existe no tempo e no espaço”, para a segunda está relacionada à pulsão. Na psicanálise de Freud, é o objeto libidinal (foco da pulsão sexual), havendo também o objetivo de autopreservação e, mais tarde surgindo o objetivo da pulsão agressiva. Freud afirma que, Os objetos e as relações objetais são importantes primariamente como meios e veículos de descartes de pulsões libidinais e agressivas. A esse respeito, os primeiros na verdade têm um status secundário e derivado [...] nós não desenvolveríamos nenhum interesse por objetos ou relações objetais e nenhuma das funções de ego de teste de realidade se os objetos não fossem necessários para gratificação das pulsões e se a gratificação imediata fosse possível [...] somos forçados a nos relacionar com objetos. Mas [...] o nosso interesse pelos objetos e o nosso relacionamento com eles continuam direta ou indiretamente ligados ao seu uso e à relevância na gratificação pulsional. (EAGLE apud HALL, LINDZEY E CAMPBELL, 2000, p. 158 apud FONSÊCA A; et al., 2013). Assim, Freud propôs que a “escolha objetal” ocorre quando as pessoas “catexizam” ou investem energia instintual em objetos que podem ser usados para gratificar impulsos instituais (HALL, LINDZEY E CAMPBELL, 2000, pág. 158 apud FONSÊCA A; et al., 2013). Diferentemente da concepção de Freud que considerou a relação do objeto principalmente com a pulsão sexual, os teóricos das relações objetais consideram as relações interpessoais entre esses objetos. Há, portanto, ênfase no contexto social e ambiental na formação da personalidade, destacando como principal influência a interação entre mãe e filho. A existência das relações 6 interpessoais indica que a construção da personalidade na infância se estabelece de forma mais precoce do que Freud idealizava. As teorias das relações objetais se caracterizam pela sua forma de integrar questões que dizem respeito à formação da personalidade buscando seus princípios na infância, desta forma, apresentam seu enfoque crucial na compreensão de que no desenvolvimento e formação da personalidade pode-se incluir a capacidade e a necessidade da criança perder o vínculo com a mãe, ou seja, o seu objeto primário, objetivando desta forma, obter uma compreensão de si própria e articular vínculos com outros objetos, que são as outras pessoas (SCHULTZ, 2009, p. 390 apud FONSÊCA A; et al., 2013). 3 AS RELAÇÕES OBJETAIS NA PSICANÁLISE TRADICIONAL Fonte: percursoempsicanalise.com Para compreender melhor a concepção freudiana sobre os objetos sexuais, torna-se necessáriofazer um breve retrospecto de sua trajetória até a criação da psicanálise (termo que criou em 1896 apud BICHUETTI L; 2011). Serão abordadas algumas formulações iniciais, enfatizando-se o momento em que ele, a partir de suas primeiras experiências no tratamento das neuroses, chega ao tema da sexualidade, ao conceito de pulsão e posteriormente às concepções de objeto e objetivo sexual. 7 No inverno de 1885, Freud consegue uma bolsa e faz um curso com Charcot, um psiquiatra que pesquisava as causas da histeria. Freud fica entusiasmado com esses estudos, o grande desafio que ambos enfrentavam era o de estabelecer uma sintomatologia regular para a histeria, a fim de que ela pudesse ser incluída no campo das doenças neurológicas porque, caso contrário, os histéricos seriam diagnosticados como loucos (Garcia-Roza, 2001 apud BICHUETTI L; 2011). Nesse momento, Freud elabora sua teoria inicial do trauma psíquico e seu conteúdo sexual. Ele acreditava que o neurótico teria sido vítima de uma sedução sexual real na infância, exercida por um adulto e que esse trauma teria sido recalcado e se transformado em núcleo patogênico. A sua remoção somente poderia se dar pela ab-reação e elaboração psíquica da experiência traumática (idem), conforme BICHUETTI L; (2011). Como o trauma nessas doenças não era de ordem física, surgiu a necessidade de o paciente narrar sua história pregressa para que o médico pudesse localizar o momento traumático responsável pelos sintomas histéricos. Foi a partir dessas experiências que Charcot e Freud puderam perceber que o componente sexual desempenhava um papel preponderante nas histórias narradas. Surgia uma correlação sistemática entre a histeria e a sexualidade, que foi desprezada por Charcot, mas que se tornou o ponto de partida e o núcleo central das investigações de Freud, conforme BICHUETTI L; (2011). Nessa época, Freud ainda não havia descoberto a sexualidade infantil e acreditava que a criança sofria a sedução sem perceber seu caráter sexual e que esse acontecimento não lhe produzia nenhuma excitação de natureza sexual. Suas investigações posteriores o levariam a abandonar esses pressupostos e culminariam na descoberta da sexualidade infantil, no papel da fantasia e posteriormente no complexo de Édipo, conforme BICHUETTI L; (2011). Seus trabalhos caminham em direção à constatação de que as causas da histeria poderiam ter uma origem psicológica. Então ele começa a pensar na possibilidade de processos inconscientes de memória e na ideia da repressão. Algum tempo depois, ele abandona a hipnose e desenvolve uma nova técnica, a da associação livre, que lhe permitirá chegar à noção de defesa, à teoria do recalque e construir o arcabouço teórico da psicanálise, conforme BICHUETTI L; (2011). 8 Os resultados do seu trabalho que foram publicados, desde o “Projeto para uma psicologia científica” (1895 apud BICHUETTI L; 2011) até o “Esboço de psicanálise” (1938 apud BICHUETTI L; 2011), expressam uma concepção da vida mental que Freud “não parou de formalizar num esquema lógico, um certo automatismo do pensamento, um mesmo esquema básico, expresso segundo diversas variantes” (Nasio, 1995, p. 15 apud BICHUETTI L; 2011). Os temas fundamentais desse esquema elementar são o inconsciente, o recalcamento, a sexualidade, o complexo de Édipo e a transferência no tratamento analítico. Para Freud, A aceitação de processos psíquicos inconscientes, o reconhecimento da doutrina da resistência e do recalcamento e a consideração da sexualidade e do complexo de Édipo são os conteúdos principais da psicanálise e os fundamentos de sua teoria, e quem não estiver em condições de subscrever todos eles não devem figurar entre os psicanalistas. (Freud apud Nasio, 1995, p. 15 apud BICHUETTI L; 2011) Loparic, em seu texto “Elementos da teoria winnicottiana da sexualidade”, mostra que, em Freud, “o modelo ontológico do ser humano, explicitado na parte metapsicológica da teoria, comporta um aparelho psíquico individual, movido por pulsões libidinais, forças psíquicas determinadas por leis causais” (Loparic, 2006, p. 313 apud BICHUETTI L; 2011). No sistema teórico freudiano, o funcionamento do aparelho psíquico é regido por um princípio que visa reabsorver a excitação e reduzir a tensão. Para Freud, esse princípio de redução da tensão podia ser encarado como uma tendência da vida psíquica, já que essa tensão nunca se esgota completamente, porque a estimulação constante mantém o aparelho psíquico carregado de tensão, conforme BICHUETTI L; (2011). Esse estado de tensão é vivenciado de forma penosa pelo sujeito pois provoca um desprazer que o leva a almejar uma descarga permanente. Por outro lado, o estado hipotético de prazer absoluto (no qual o aparelho conseguisse escoar imediatamente toda a energia e eliminar a tensão) não tem como ser obtido. Dessa forma, o desprazer seria a manutenção ou aumento da tensão e o prazer, a supressão da tensão e a esse princípio Freud chamou de Princípio desprazer- prazer, e ele rege o sistema inconsciente, conforme BICHUETTI L; (2011). 9 O inconsciente para Freud, é composto exclusivamente de representações pulsionais, as quais ele chamou de representações inconscientes ou representações de coisa, que seriam imagens acústicas, visuais ou táteis de coisas ou pedaços de coisas impressas no inconsciente. Essas representações inconscientes de coisa não respeitam os limites da razão, da realidade ou do tempo o inconsciente não tem idade. Elas atendem uma única exigência: buscar instantaneamente o prazer absoluto. Para esse fim, o sistema inconsciente funciona segundo os mecanismos de condensação e deslocamento, destinados a favorecer uma circulação fluente da energia. A energia é considerada livre, uma vez que circule com toda a mobilidade e com poucos entraves na rede inconsciente, conforme BICHUETTI L; (2011). Já em relação à pulsão, Menezes (2001 apud BICHUETTI L; 2011) salienta que Freud, mesmo em seus escritos mais tardios, manteve o conceito original da pulsão. A libido, enquanto apetite sexual encontra satisfação no corpo, nos genitais, em sensações das mucosas e da pele, na excitação do olhar ou da palavra dita ou ouvida; sendo esses caracteres sexuais do corpo determinados pela fisiologia hormonal. Freud criou o seguinte conceito de pulsão (trieb), por pulsão podemos entender, a princípio, apenas o representante psíquico de uma fonte endossomática de estimulação que flui continuamente, para diferenciá-la do “estímulo”, que é produzido por excitações isoladas vindas de fora. Pulsão, portanto, é um dos conceitos de delimitação entre3 o anímico e o físico. A hipótese mais simples e mais indicada sobre a natureza da pulsão seria que, em si mesma, ela não possui qualidade alguma, devendo apenas ser considerada como uma medida da exigência de trabalho feita à vida anímica. O que distingue as pulsões entre si e as dota de propriedades específicas é sua relação com suas fontes somáticas e seus alvos. A fonte da pulsão é um processo excitatório num órgão, e seu alvo imediato consiste na supressão desse estímulo orgânico. (Freud, 1996, v. 7, p. 159 apud BICHUETTI L; 2011). A plasticidade das pulsões, ou seja, a sua possibilidade de transformação, de voltar-se para objetos e representações substituíveis; a sua possibilidade de sofrer deslocamento e condensação, é o que torna possível o recalque, a formação e a resolução do sintoma, assim como também a transferência. Freud, ao tentar abarcar a complexidade da pulsão, considerou a atividade de sucção da criança como modelo do seu caráter autoerótico e a sublimação como modelo de seu caráter elevado, dessexualizado, mas ainda sendo pulsão, podendo ressexualizar- se, já que ainda permanece ligada ao corpo, conforme BICHUETTI L; (2011). 10 4 A NOÇÃO DE SUJEITO EM PSICANÁLISE Fonte: poiesispsicologia.wordpress.comO contexto de surgimento da ciência moderna no século XVII produziu uma ruptura com o mundo antigo, tendo como marca a mudança de paradigma acerca da queda dos corpos, isto é, o entendimento do conceito da gravidade. Por consequência, houve a rejeição do pensamento de que os corpos caem devido ao seu peso, como se esse fosse seu lugar natural, uma vez que, de acordo com a “formulação apreensível ao sentido da ‘compreensão’ humana”, o lugar daquilo que é pesado é no chão (Elia, 2010, p. 11, grifo do autor apud FREITAS I; 2018). Assim, a concepção de gravidade produziu uma ruptura com esta verdade estabelecida a priori, tendo como reflexo desse abalo a emergência da angústia. É no ponto de angústia, como indica Elia (2010 apud FREITAS I; 2018), que Descartes criou o método da dúvida, pois supunha que os sentidos humanos seriam a razão para nos enganar quanto a tudo o que vemos e sentimos tal como a compreensão de que os corpos caem devido ao seu peso. O procedimento deste método consistia em discriminar tais sensações por meio da avaliação de suas fontes e causas, forma e conteúdo, da falsidade e da veracidade de cada conhecimento do ser, de modo a se livrar de tudo o que fosse duvidoso. Ao duvidar de tudo, inclusive de que duvidava, pode-se chegar a uma conclusão como consequência desse processo: a existência do seu ser, um sujeito pensante; eis a origem da máxima: 11 Cogito, ergo sum – Penso, logo sou. Tal proposição inaugurou o lugar do sujeito moderno e com ele a tentativa de subtrair a angústia do desconhecido, uma vez que o procedimento se pautava pela busca de tudo saber, conforme FREITAS I; (2018). Neste contexto, o discurso do saber pela primeira vez se volta para seu agente, colocando-o como próprio objeto reflexivo, pois a compreensão humana mostrou-se passível de falhas. Neste ponto, o sujeito cartesiano se conecta ao sujeito da psicanálise, pois é no momento que se vê transbordar a angústia, mediante as incertezas do mundo que outrora era compreensível de algum modo pelo homem, que se pode falar da emergência do sujeito da psicanálise, conforme FREITAS I; (2018). Com a dúvida metódica de Descartes, concluiu-se a existência do ser pensante e da consciência, o sujeito da verdade, no entanto, sobre ele nada se soube. Pois, o discurso do saber busca tamponar tudo aquilo que não pode ser apreendido em sua natureza; ou seja, o ósseo deste sujeito da ciência que se apresenta nas falhas do discurso e que aparece apesar do Cogito (Meyer, 2008 apud FREITAS I; 2018). O sujeito da psicanálise é, portanto, contemporâneo à ciência moderna, mas é pensado para dar conta deste sujeito que nasce com ela, mas é excluído da mesma (Lacan, 1998 [1966] apud FREITAS I; 2018). Isto, pois, nada se opera sobre ele ou com ele, uma vez que o Cogito é pautado pela razão, enquanto a psicanálise opera não em uma pessoa humana simplesmente, mas no sujeito que se fundamenta por aquilo que não se sabe, com a angústia que o faz presente (Elia, 2010 apud FREITAS I; 2018). Deste modo, compreender a noção de sujeito tal como proposta por Lacan (1998 [1966] apud FREITAS I; 2018) é ponto chave, uma vez que a experiência da escuta analítica se norteia por perseguir os efeitos deste sujeito. Para compreendê-lo, faz-se necessário situar esse momento em que Lacan introduz a noção do sujeito em psicanálise, já que este se articula intimamente à gênese do sujeito cartesiano. Pois, a partir da filosofia de Descartes, fundamentada na máxima cogito, ergo sum, pode-se refletir sobre uma nova concepção de sujeito subvertida por Lacan. Tal concepção de sujeito é radicalmente diferente do que se pode dizer sobre o eu, este que é a instância da consciência e do saber. Dito isso, é necessário compreender a distinção entre o ‘eu’ e o ‘sujeito’, bem como o modo pelo qual se constituem, pois, a psicanálise opera nos efeitos deste último. Este que, como veremos, não pode se resumir ao indivíduo, a uma pessoa simplesmente ou a dimensão consciente do ser. Sendo assim, o próximo tópico busca esclarecer por 12 quais balizas o eu se constitui para depois diferencia-las daquilo que é constitutivo do sujeito da psicanálise, conforme FREITAS I; (2018). No que se refere ao início das experiências do bebê, pode-se dizer que este momento é marcado pela experiência de um corpo despedaçado, por isso há a impossibilidade de distinguir cada elemento de sua totalidade. Deste modo, como indica Safatle (2017 apud FREITAS I; 2018), não há a experimentação da unidade do eu que confira a ele uma sensação de reconhecimento e totalidade, nem mesmo a noção de individualidade e alteridade, limitando a ele a condição de extensão da própria mãe. Neste momento, como aponta Lacan (1998 apud FREITAS I; 2018), o filho do homem é superado em inteligência instrumental pelo chipanzé, uma vez que este já reconhece sua imagem no espelho, enquanto o bebê encontra-se ainda situado no registro do real e, por isso, tendo uma apreensão de completude (Castro, 2011 apud FREITAS I; 2018). Isto resulta que “ele tem apenas necessidades simples, que podem ser satisfeitas de forma imediata. ” (Castro, 2011, p. 1419 apud FREITAS I; 2018). Mas, esta condição do bebê possui fendas, fissuras próprias do campo da linguagem que caracterizam essa experiência de completude como mítica. Isso se deve ao fato de que suas necessidades vitais provenientes dos estímulos endógenos, tal como a nutrição, “cessam apenas mediante certas condições, que devem ser realizadas no mundo externo” (Freud, 1996 [1950], p. 357 apud FREITAS I; 2018). Portanto, devido ao estado prematuro biológico e simbólico da criança, ela dependerá da ação específica de um adulto próximo, isto é, alguém que lhe garanta sua sobrevivência – este adulto, o qual Freud identifica, apresenta-se a princípio no papel da mãe e Lacan irá nomeá-lo como Outro. Através da manifestação de desconforto da criança, há a correspondência da mãe para lhe confortar. Como resultado desta correspondência, na qual a mãe interpreta o comportamento da criança, se estabelece a comunicação. (Freud, 1996 [1950] apud FREITAS I; 2018). É mediante esta relação com o outro e o apelo a ele que a criança poderá se inscrever no registro Imaginário e estabelecer uma relação com a realidade, o que possibilitará a conquista da apreensão global de seu corpo. Lacan (1998 [1966] apud FREITAS I; 2018) compreende esse momento como o estágio do espelho, no qual a criança ainda não se reconhece como tal e relaciona-se imaginariamente com o outro. Mas, assinala que embora os papéis de eu-outro ainda não estejam estabelecidos, esse tempo se caracteriza como a prefiguração daquilo que será constituído como seu eu. 13 Isto surge como possibilidade quando há a báscula “em que se vê equivalerem-se, para a criança, sua ação e a do outro. (Lacan, 1986 [1954], p.196 apud FREITAS I; 2018). Isto é, uma confusão entre a imagem da criança e a do outro; por exemplo, quando uma criança diz que algum colega bateu nela, quando foi ela que bateu. É nesta indeterminação de quem é o agente e quem é o receptor do ato, na báscula expressa pela troca de papel com o outro, atribuindo a ele suas próprias ações, que o ser poderá se assumir como um corpo. Essa báscula é constituinte do eu, uma vez que a princípio ele mesmo não tem o domínio de suas ações, mas, pela mediação da imagem do outro, é possível que ele a assuma (Lacan, 1986 [1954] apud FREITAS I; 2018). Por isso podemos dizer, junto a Safatle (2017 apud FREITAS I; 2018), que o eu é o lugar de alienação, uma vez que sua gênese é fundamentalmente formada a partir de identificações, sendo através da imagem do outro que o eu orientará sua relação com o mundo para aprender a se situar nele. É a partir desta relação dual, num estado especular, que o sujeito poderá se reconhecer como um eu além de aprender a reconhecer o seu desejo,que a princípio só pode ser apreendido no “desejo do desaparecimento do outro como suporte do desejo do sujeito. ” (Lacan, 1986 [1954], p. 198 apud FREITAS I; 2018). Para tanto, é imprescindível a inscrição no simbólico, este é o momento em que há a resolução do estágio do espelho e Lacan assinala como o mais importante, pois nota-se que é neste tempo que a criança se reconhece na imagem, pois está investida de um novo valor: o Outro, o valor simbólico. É este Outro como referência que irá introduzir a criança num sistema sócio simbólico, condição essa necessária para a emersão do sujeito (Safatle, 2017 apud FREITAS I; 2018). A saída do estágio do espelho é caracterizada, portanto, pela ordem do simbólico, pois neste momento há a junção deste com o registro imaginário. Diante disso, pode-se compreender a alusão que Freud faz à brincadeira do carretel em Além do Princípio de Prazer (1996 [1920] apud FREITAS I; 2018). A brincadeira corresponde a um jogo de um menininho de um ano e meio que enquanto arremessava um carretel de madeira com um pedaço de cordão em volta dele, emitia um longo o-o-o-ó, sua mãe concluíra que o ato não representava somente uma expressão de sentimento e emoção, mas, sobretudo, representava a palavra alemã 14 ‘fort’ (longe). O segundo momento da brincadeira consistia no reaparecimento do brinquedo, que fora puxado de volta pelo garoto enquanto saudava o reaparecimento dele, expressando alegremente a palavra ‘da’ (aqui). A vocalização dos movimentos que a criança faz proporciona que ela se situe a partir de uma dicotomia própria da linguagem que é seu fundamento, a saber, no jogo, a oposição entre fort/da (longe/aqui). Essa vocalização é importante, não simplesmente pelo seu enunciado, mas, sobretudo, pela possibilidade que a criança cria de simbolizar a ausência e a presença do objeto amado – neste caso a ausência da mãe (Quinet, 2012 apud FREITAS I; 2018). Ao se tornar mestre deste movimento através do fort/da o ser assume sua privação em relação a ela, de modo a se reconhecer como um corpo distinto do outro. Assim, inaugura a possibilidade também de se fazer sujeito, uma vez que através da imagem do outro e da orientação que este possibilita, pode apreender um lugar para si no mundo do símbolo, além de aprender a desejar (Safatle, 2017 apud FREITAS I; 2018). Vemos, então, como a imagem do outro é substancial na constituição do eu, já que inaugura um lugar para o ser se assumir como um corpo consciente. Porém, este lugar é também fonte de alienação, uma vez que este se inscreve a partir de imagens do outro e por isso nada tem de singular na sua composição (Safatle, 2017 apud FREITAS I; 2018). Através da inserção na linguagem há garantia da existência e da possibilidade de falar deste ser alienado, na medida em que, não sendo por ela, o ser seria um corpo entregue ao vazio. Só há ser, pois, estamos imersos em significantes que reconfigura algo de nossa experiência. Diante disso, não há como restringir essa experiência ao mundo da necessidade, nos considerando somente como um corpo biológico. Pois, por sermos seres da linguagem, sendo esta condição para a vida humana, nunca a experienciamos como tal. Pois mesmo o bebê já está imerso no campo da linguagem, o que caracteriza essa vivência como algo de outra ordem. Isso, pois, o apelo das necessidades vitais do bebê passará pelo campo do Outro, lugar que a mãe ocupa num primeiro momento, caracterizando-o como o tesouro dos significantes (Lacan, 1973 [1964] apud FREITAS I; 2018) diante disso, não há como restringir essa experiência ao mundo da necessidade, nos considerando somente como um corpo biológico. Pois, por sermos seres da linguagem, sendo esta condição para a vida humana, nunca a experienciamos como tal. Pois mesmo o bebê já está imerso no campo da linguagem, o que caracteriza essa vivência como algo de outra ordem. Isso, pois, o apelo das necessidades vitais do bebê passará pelo campo do Outro, lugar 15 que a mãe ocupa num primeiro momento, caracterizando-o como o tesouro dos significantes (Lacan, 1973 [1964] apud FREITAS I; 2018). Deste modo, fala-se da criança previamente dando um lugar a ela: seu nome, o sexo, a religião, sua classe social, o time para o qual torcerá, os preconceitos que ela sofrerá, dentre outros (Quinet, 2012] apud FREITAS I; 2018). A ‘mãe’, portanto, vai se oferecer a partir de um lugar não só de atender as necessidades biológicas da criança, mas também de dizê-la, dizer o mundo, o corpo e a cultura na qual estão mergulhadas. Esse tempo de ‘enxame’ de significantes sustentará o Outro para ela, a constituindo ao mesmo tempo como sujeito. Este, portanto, nascerá sendo falado pelo Outro, o qual, por sua vez, encarnará para o sujeito a ordem num mundo já constituído social e culturalmente (Elia, 2010] apud FREITAS I; 2018). Podemos pensar, então, que o ser só se constitui na relação com o Outro do simbólico, através de alguém que se ofereça a partir deste lugar. Assim, as necessidades vitais do bebê ao serem atendidas pelo ser da linguagem irá separar a criança da condição de mamífero, uma vez que ela não recebe simplesmente o leite, mas, sobretudo, é apresentada ao significante da mãe (Elia, 2010 apud FREITAS I; 2018). Essa experiência reconfigura a existência do ser, uma vez que ao considerar o Outro, campo da linguagem, não há como reduzir o sujeito a uma pessoa simplesmente, ao indivíduo com suas necessidades, tampouco a uma relação dual estabelecida entre o eu-outro. Pois, há o terceiro que é constitutivo da posição do sujeito, o Outro (Lacan, 1999 [1958] apud FREITAS I; 2018). Nesse contexto, é necessário entender a diferenciação entre o sujeito do inconsciente, sustentado por uma divisão que o torna desejante, para um ser da articulação da demanda, consciente e que desconhece o desejo. Pois a psicanálise persegue os efeitos deste primeiro que emerge do campo simbólico e que se apresenta a partir da falta do Outro; enquanto o eu, consciente, trata-se de uma função do imaginário. Esta busca no Outro uma apreensão de completude ao supor que ele é onipotente e pode atender a todas suas demandas, conforme FREITAS I; (2018) No entanto, nossa experiência como seres da linguagem nos atesta que a demanda se encerra nela mesma, uma vez que nunca nos satisfazemos por completo, pois não há quem possa corresponder a ela, já que o outro também falta. Deste modo, “a mentira estrutural da demanda consiste em fazer crer que ela é formulada para ser satisfeita. ” (Elia, 2010 apud FREITAS I; 2018). Ou, como diria Lacan (1985 [1973], p.152) ao propor uma fórmula para a demanda: “eu lhe peço que você recuse o que lhe ofereço porque não é isso". 16 Neste sentido, podemos dizer que o eu, o ser da articulação da demanda, é alienado, pois, ao se constituir a partir da imagem do outro, desconhece o seu próprio desejo e se restringe ao nível da demanda, supondo a possibilidade de sua satisfação. Como aponta Pequeno (2000, p.79 apud FREITAS I; 2018), o eu “desconhece que nada é produzido no seu próprio nível”, de modo a ter a ilusão de autonomia, da certeza do ser e de sua consciência. Por isso, o ser consciente se limita a dimensão do que é enunciado, isto é, do dito, do significado (Schãffer, 1999 apud FREITAS I; 2018). No entanto, é noutro campo que podemos situar a verdade do sujeito e aquilo que é próprio dele, que não se inscreve pela imagem do outro. Trata-se do inconsciente, sendo através dos significantes que o compõe que o sujeito pode se fazer representar. Neste contexto, podemos afirmar junto a Pequeno (2000 apud FREITAS I; 2018), que o inconsciente é o discurso do Outro, este por quem nascemos sendo falados e que se constitui como possibilidade de nos fazermos sujeito do inconsciente, pois é através dos significantes dele que o sujeito pode advir, conforme FREITAS I; (2018). Dito isso, Pequeno(2000 apud FREITAS I; 2018) o compreende como o sujeito do significante, pois ao estar submetido a eles, só pode emergir como efeito de sua articulação, se situando nas entrelinhas do discurso. Neste sentido, podemos pensar que se o eu é o lugar do enunciado, o sujeito está para além dele, sendo a partir da enunciação que ele pode surgir. Como aponta Schãffer (1999, p. 21 apud FREITAS I; 2018) “é no processo de enunciação que um sujeito se produz e é produzido”, ou seja, através do ato de criação do enunciado, o sujeito poderá se inscrever entre as linhas dos significantes. Com isso, se o eu tem a ilusão de sua autonomia, logo esta é abalada, agitada e bagunçada por produções inconscientes que se fazem presentes à revelia do consciente. Vemos, então, que se através da filosofia de Descartes, a partir da dúvida metódica, o indivíduo pode chegar à máxima do Cogito, ergo $um, isto é, da certeza de sua consciência, “infelizmente, mesmo que ele saiba que é, não sabe absolutamente nada daquilo que é.” (Lacan, 1985 [1955], p. 281 apud FREITAS I; 2018). Pois, como diria Lacan (1998 [1966], p. 521 apud FREITAS I; 2018), “sou onde não penso! ”. Sua precisão diante do Cogito é tomada a partir da subversão freudiana de considerar algo que está para além da consciência, que é marcada pela estrutura do desejo e que se chama inconsciente. Neste sentido, a psicanálise opera num sujeito clivado, e destitui da consciência seu papel central, colocando como centro de gravidade o inconsciente, o qual independe dos processos do pensamento. É por essa 17 dicotomia que subverte o Cogito que Lacan (1998 [1966] apud FREITAS I; 2018) formula a divisão própria deste sujeito: o saber e a verdade. Pautada por essa divisão do ser, a psicanálise vai à contramão do que se pode chamar de alienação, esta que está circunscrita à instância do eu (Safatle, 2017 apud FREITAS I; 2018). Ao supor essa alienação, coloca-se o problema de que haveria a perda de uma essência que seria interior a si mesmo. Logo, neste sujeito do pensamento engendrado pela filosofia de Descartes, marcado pela consciência e por processos de identificação, encontra-se um ‘si mesmo’ chamado por Lacan de sujeito, sendo nele onde se inscreve o desejo. “É por isso que o sujeito em Lacan é irremediavelmente ‘descentrado’, ou seja, ele nunca se confunde com o Eu. ” (Safatle, 2017, p. 37, grifo do autor apud FREITAS I; 2018). Pois, trata-se de um sujeito que se articula à consciência, mas que se identifica ao desejo, este que nada tem de racional. Deste modo, se o sujeito é escamoteado pelo eu, o homem nada sabe sobre seu desejo. Conforme aponta Lacan (1986 [1954], p. 193 apud FREITAS I; 2018), o adulto, com efeito, tem de procurar seus desejos. Sem o que não teria necessidade de análise. O que nos indica suficientemente que está separado do que se relaciona ao seu eu, a saber, do que se pode reconhecer de si mesmo. Assim, parafraseando Lacan (1986 [1954] apud FREITAS I; 2018), a ignorância implica uma noção dialética na medida em que ela só se faz presente se houver como contraponto a perspectiva de verdade. Deste modo, a ignorância está para a verdade, assim como o verdadeiro está para o falso ou, ainda, como a realidade está para a aparência. Se o eu nada sabe sobre o desejo; logo, o processo de análise o implicará numa busca por este, através de uma noção de que haveria, em algum lugar, a perspectiva da verdade. Para tanto, é o analista que engendra essa dialética ao constituir sua ignorância, na medida em que ele a contrapõe ao conhecimento da verdade ao favorecer o sujeito barrado. Neste sentido, este processo se encaminha para um desconhecimento. Como indica Lacan (1986 [1954], p. 194 apud FREITAS I; 2018), “o desconhecimento representa uma certa organização de afirmações e de negações, a que o sujeito está ligado. Não se conceberia, pois, sem um conhecimento correlativo. ” Logo, a possibilidade do desconhecer implica, necessariamente, determinado conhecimento sobre aquilo o que se desconhece, assim como o verdadeiro está para o falso, o desconhecimento também está para o conhecimento. Pode-se dizer, de acordo com Quinet (2012, p.15 apud FREITAS I; 2018), que “a consciência é a instância do desconhecer”, de modo que o eu, fonte de desconhecimento, sucumbe o lugar do 18 sujeito, sendo este inconsciente e que se chama desejo (Safatle, 2017 apud FREITAS I; 2018). Este é o ponto em que se situa a verdade do sujeito, a qual a ciência tampona pela busca de tudo saber; aqui “separam-se os encaminhamentos da psicanálise e da ciência”, uma vez que “a psicanálise fica do lado da verdade e a ciência, do saber. ” (Pequeno, 2000, p.14 apud FREITAS I; 2018). Pode-se dizer, então, que a psicanálise busca a verdade do sujeito, e não o sujeito da verdade, este que se resguarda na razão. Para tanto, a psicanálise se serve do dispositivo da associação livre para apreender os efeitos deste sujeito. Ao submeter o analisando a experiência analítica, desqualifica-se sua fala acompanhada de valores e significações compartilhadas para que o inconsciente possa se fazer presente através do discurso concreto do sujeito (Elia, 2010 apud FREITAS I; 2018). Portanto, a partir da fala endereçada ao outro, enquanto seu semelhante, a escuta analítica possibilita identificar os efeitos desse sujeito barrado e cerne do desejo; é no tropeço das falas e nas falhas de seu discurso que se dá luz a ele. Isto é, o sujeito escamoteado pelo eu, marcado pela estrutura da linguagem, aparece na articulação da cadeia significante fazendo-se escutar em seus efeitos, conforme FREITAS I; (2018). 4.1 Sujeito dividido: sujeito assujeitado pelo outro; sujeito do significante Vemos, então, como é necessária a relação com o ser falante para que o sujeito advenha. Pois, este, além de garantir a sobrevivência da criança amparando suas necessidades biológicas, apresenta o mundo do significante para a mesma. No entanto, para, além disso, é necessária uma terceira figura na relação simbiótica entre a mãe e a criança para que esta se inscreva como sujeito, colocando-se não mais como um corpo entregue ao gozo da mãe e à sua lei arbitrária (Lacan, 1999 [1958] apud FREITAS I; 2018). Esta terceira figura é responsável por inscrever no Outro, também chamado de tesouro dos significantes, essa barra da qual falamos anteriormente, que marca a posição do sujeito e tem como função produzir uma diferenciação entre o Outro e o sujeito. 19 Podemos nomear este terceiro como a figura paterna que ao se inscrever no Outro, garante que a criança não esteja submetida à lei deste Outro não castrado – a ‘mãe’. Se no primeiro momento a lei está sob o arbítrio da mãe, submetendo o sujeito a ela, o segundo momento é marcado, portanto, pela presença da intervenção paterna, esta que se situa para além da mãe (Lacan, 1999 [1958] apud FREITAS I; 2018). É necessário, neste momento, frisar que esta intervenção não se trata de aspectos biográficos, pois a mesma não está simplesmente dada a partir de um ponto de vista social, a julgar pelas características do pai. Ou seja, a questão desta intervenção, tal como sua carência, não deve se delimitar por questionamentos tais quais: “O pai estava ou não estava presente? Será que viajava, que se ausentava, será que voltava com frequência? ” (Lacan, 1999 [1958], p. 172 apud FREITAS I; 2018). Pois, ao contrário disso, Lacan insiste que a problemática se trata, sobretudo, de uma função simbólica e por isso não está circunscrita à relação mamãe e papai. Ou seja, o pai é simbólico e qualquer outra interpretação que o situe de algum modo num registro biográfico serão de outro nível, que não o da psicanálise. Tendo isso em vista, podemos afirmar junto a Lacan (1999 [1958] apud FREITAS I; 2018), que a intervenção paterna é consequência da operação da linguagem e consiste na substituição do significante do paipor outro significante. Trata-se de uma metáfora na qual um significante é substituído por outro; neste caso, o Nome-do-Pai (NDP) vem no lugar do significante da mãe/significante fálico, de modo a operar produzindo um corte na relação com o Outro invasivo. Por consequência, o Outro, como o tesouro dos significantes, torna-se barrado mediante a inscrição do NDP, configurando-o como o lugar da Lei. É com a possibilidade de simbolização mediante a inclusão do NDP no Outro que a criança poderá situar a mãe alhures de forma suportável, por meio da simbolização da sua alternância entre ausência-presença. Neste contexto podemos retomar o jogo fort/da, pois este indica o tempo em que a criança “consegue doravante controlar fundamentalmente o fato de não ser mais o único e exclusivo objeto de desejo da mãe, isto é, o objeto que preenche a falta do Outro, ou seja, o falo. ” (Dor, 1989, p. 89 apud FREITAS I; 2018). Por consequência dessa passagem exclusivamente imaginária para simbólica, a criança pode apreender que a mãe deseja em outros lugares. Como aponta Lacan, para a criança, a pergunta é: qual é o significado? O que quer essa mulher aí? Eu bem que gostaria que fosse a mim que ela quer, mas está muito claro que não é só a mim que ela quer. Há outra coisa que mexe com ela – é o x, o significado. E o significado das idas e vindas da mãe é o falo (1999 [1958], p.181, grifo do autor apud FREITAS I; 2018). 20 Deste modo, ao simbolizar, a criança poderá abrir mão do lugar que ocupa de ser o falo, para representa-lo em outra dimensão, a de ter o falo. Para tanto, é necessário que ela se coloque como sujeito na relação para deixar de ser o objeto de gozo do Outro e distinga sua vivência dos objetos simbólicos substitutivos (Dor, 1989 apud FREITAS I; 2018). Dada essa intervenção do NDP, a criança experimenta o evento traumático de separar-se da mãe. Ou seja, de acordo com Guimarães (2007, p. 34 apud FREITAS I; 2018), este é o momento em que há o “corte na suposta unidade que haveria entre o sujeito e o Outro”. Por meio desta operação se inaugura a falta no Outro, tal como Freud nomeou de castração, e, simultaneamente, abre-se espaço para que o sujeito se constitua como um ser faltante. “Esta falta é falta de ser, propriamente falando. Não é falta disto ou aquilo, porém falta de ser através do que o ser existe. ” (Lacan, 1985 [1955], p. 280 apud FREITAS I; 2018). Vemos, então, que é necessário abdicar da relação com o Outro marcado por sua suposta completude para a conquista da posição do sujeito como falta-a-ser, o que implicará na inscrição do sujeito na ordem significante. Pois, ao se situar no furo do Outro, o sujeito pode se apropriar dos significantes que ele dispõe para se fazer representar, já que o Outro barrado não se constitui como um “universo completo” responsável por dar um sentido a história de determinado sujeito encerrando-a por isso mesmo (Quinet, 2012, p. 30 apud FREITAS I; 2018). Este furo implica que falta ao Outro um significante por excelência, já que o lugar de ‘tesouro’ se torna incompleto dada à intervenção paterna. Deste modo, não há uma sentença que diga o que o sujeito ‘é’, pelo contrário, o sujeito é marcado por sua indefinição, pois sendo sua morada o furo do Outro, ele desliza nas cadeias significantes se fazendo representar pelos significantes que compõem o campo do Outro (Quinet, 2012 apud FREITAS I; 2018). Assim, “na neurose, o sujeito é o que um significante representa para um outro significante” (Pequeno, 2000, p. 66 apud FREITAS I; 2018), situando-se no intervalo entre S1 e S2 (Quinet, 2012 apud FREITAS I; 2018). Isto implica que ele não é isso ou aquilo, podendo ser apreendido somente em seu efeito, e não em sua natureza – tal como vimos na seção anterior. 21 Trata-se, neste caso, do sujeito da enunciação (Schãffer, 1999 apud FREITAS I; 2018), que encontra as vias necessárias para se fazer presente através do que os campos do Outro dispõem. Podemos pensar, então, que o sujeito do significante (Pequeno 2000 apud FREITAS I; 2018), marcado como falta-a-ser, estabelece uma relação dialética com o Outro ao inscrever nele a dimensão da falta, de modo a operar na cadeia significante para ‘concretizar’ seu discurso. 5 POSSÍVEIS ORDENAÇÕES PARA A NOÇÃO DE OBJETO Fonte: exame.com Na psicanálise Freudiana é possível estabelecer diferentes ordenações da noção de objeto na obra freudiana a partir do que já foi exposto. Nenhuma delas é definitiva, mas escolhas precisam ser feitas se quisermos avançar na compreensão de um pensamento tanto no que diz respeito a seus acertos quanto a seus erros, conforme JR N; (2001). É inevitável, nas tentativas didáticas de ordenação de um conceito em uma obra tão complexa como a de Freud, algum grau de esquematismo e simplificação. A partir da ordenação proposta, para além dela em direção a uma re-complexificação mais sistemática do conceito de objeto e da relação sujeito/objeto na obra freudiana, conforme JR N; (2001). 22 Assim, de acordo com JR N; (2001), uma ordenação possível seria a seguinte: O objeto é objeto da pulsão - considerando a teoria pulsional, Freud afirma que se constitui como objeto da pulsão todo objeto no qual ou através do qual a pulsão consegue atingir seu alvo. O objeto não é fixo, nem previamente determinado, é o que há de mais contingente no conjunto de elementos e processos presentes nos atos pulsionais. O objeto é variável e indeterminado, mas é o que permite satisfação às pulsões. Os objetos pulsionais tendem a ser objetos parciais, como por exemplo partes do corpo. Não precisam ser objetos reais presentes, podem ser objetos fantasiados, o importante é que sejam objetos que garantam a satisfação. Nesse sentido, o objeto estará sempre a serviço dos movimentos das pulsões sexuais, tal como Freud as define em sua primeira teoria das pulsões, conforme JR N; (2001). O objeto é objeto de atração e de amor - os objetos de atração e objetos de amor são em geral indivíduos que se articulam não apenas a relações pulsionais, mas sobretudo a relações do ego total com os objetos. É através dos objetos de amor que Freud (1910/1972 apud JR N; 2001) elabora as passagens de fantasias infantis inconscientes para as experiências na assim chamada “vida real”. Parte-se, na infância, de objetos visados pelas pulsões parciais para se atingir, posteriormente, objetos totais, visados pelo ego adulto. É possível apreender, a partir dessa noção de objeto, uma certa concepção de desenvolvimento psicossexual sugerida por Freud, na passagem de objetos da pulsão parciais e pré-genitais, para objetos totais objetos de amor e genitais. No entanto, as próprias investigações posteriores de Freud (1917/1972 apud JR N; 2001), e principalmente os trabalhos de Abraham (1924/1980 apud JR N; 2001) e Klein (1932 apud JR N; 2001), tornarão essas relações muito mais complexas, envolvendo a experiência do fetichismo e os processos de incorporação, introjeção e projeção, fazendo com que a relação com objetos parciais assuma um papel central. Objeto e narcisismo: o ego torna-se objeto da pulsão – a introdução do ego como objeto da pulsão abre espaço para uma grande transformação na obra freudiana, que culminará com uma nova teoria das pulsões. A complexidade das relações entre as pulsões e seus objetos recoloca a questão sobre as formas de vinculação entre os objetos das pulsões sexuais e os objetos de necessidade, vinculados às pulsões de autoconservação. A própria noção de prazer e objetos de prazer precisará ser questionada, ao lado da noção de identificação. E ainda mais, o 23 ego, nos processos narcísicos é definido como um objeto de amor. Será o ego um objeto de amor como qualquer outro? Conforme JR N; (2001). Objeto e identificação: principalmente a partir de Luto e melancolia, Freud passa a dar mais ênfase à importânciados objetos de identificação na constituição do sujeito. Na experiência melancólica há a introjeção de uma relação ambivalente entre o ego e o objeto, objeto que nesse caso é inconsciente. A identificação parcial entre o ego e o objeto “perdido” resulta em um processo de grande destrutividade para o ego, na medida em que o ego não consegue igualar o objeto introjetado e assim partir em busca de novos objetos, conforme JR N; (2001). Freud estabelece também, com clareza, que o objeto pode ter sua existência no psiquismo mesmo depois de não estar mais presente como objeto da percepção. As múltiplas dimensões psíquicas e empíricas que se desdobram a partir da concepção freudiana das identificações têm papel preponderante nas formulações da noção de objeto de autores pós-freudianos. Pode-se dizer que o objeto jamais será o mesmo para a psicanálise a partir da ênfase nas identificações como elemento central na constituição da subjetividade, conforme JR N; (2001). Percepção e objeto. O objeto da percepção é objeto real? A formulação sobre o vínculo entre percepção e objeto, presente sobretudo nos textos iniciais de Freud, apresenta o objeto como sendo por um lado um objeto externo e real, oferecendo ao sujeito — ou à consciência — o critério de realidade, e de outro lado como sendo um objeto psíquico e então trata-se fundamentalmente de representações (Vorstellungen), conforme JR N; (2001). Nesse plano, Freud não se distingue de boa parte da tradição psicológica, em que objeto é objeto empírico e a representação seria uma representação do objeto real externo. A percepção seria uma função da consciência, ou do ego, que por sua vez deveria ser definido como sede das funções psicológicas (atenção, cognição, etc.). Mas Freud (1915/1972 e 1923/1972 apud JR N; 2001) introduz uma novidade, em termos de teorias clássicas da percepção, ao deixar aberta a possibilidade de percepções inconscientes. E nesta medida permite que se postule o reconhecimento de que nenhuma percepção garante um acesso objetivo à realidade, não cabendo, assim, reconhecimentos definitivos sobre a objetividade das percepções. 24 Apesar destas diferentes acepções, podemos considerar que na teoria freudiana, de uma forma geral, o objeto está sempre ligado ao processo da história de vida do sujeito, ou seja, se o objeto é determinado por algo, não o é simplesmente por elementos constitucionais de cada sujeito, mas sim pela história de vida (fundamentalmente a história de vida infantil). Neste sentido, mesmo a assim chamada “escolha de objeto” presente na adolescência e na vida adulta, se não ocorre por acaso, também não pode ser concebida como completamente determinada, seja constitucionalmente, seja por uma decisão soberana da consciência ou do ego, conforme JR N; (2001). 6 O CONTATO FÍSICO NA RELAÇÃO MÃE-BEBÊ Fonte: uol.com.br A relação que se instala entre mãe-bebê vem sendo estudada há muitos anos, com todas as divergências de teorias e teóricos. Há a unanimidade em reconhecer que é a primeira relação humana da criança, a pedra fundamental onde será edificada sua personalidade, porém não existe uma natureza ou origem dessa relação, não há um momento exato para se dizer onde ela começa, com que rapidez se estabelece, por que é mantida, por quanto tempo é mantida e qual a função exata dessa relação. 25 Existe um bebê com necessidades fisiológicas a serem satisfeitas e essa relação com a mãe se dá dessa satisfação de necessidades, onde a mãe é a fonte de satisfação (BOWLBY, 2002; SPITZ, 2004; WINNICOTT, 2012b apud KONRATZ R; 2017). É essencial para a saúde mental do bebê que se viva uma relação calorosa, íntima e contínua com a mãe, onde consiga atingir satisfação e prazer, por ambas as partes. É através dessa relação com a mãe que muitos julgam estar a base do desenvolvimento da personalidade e saúde mental do bebê (BOWLBY, 2006; WINNICOTT, 2012b apud KONRATZ R; 2017). Em concordância, pode-se afirmar dentro da teoria de Winnicott que essa é a primeira relação do bebê com o mundo, a mãe é para ele o seu mundo, parte integral dele, responsável pela satisfação, porém não há uma separação do bebê e da mãe, na visão dele são um só. Não há nada de místico nisso, mãe e bebê são um só, pois ela está voltada inteiramente para ele. Isso dá ao bebê a possibilidade de ser, de caminhar na linha do amadurecimento de maneira saudável e se desenvolver (LOPARIC, 2001; WINNICOTT, 2012a apud KONRATZ R; 2017). O período que é considerado neste trabalho é chamado de dependência absoluta (da parte da criança) e preocupação materna primária (da parte da mãe), que vai do nascimento aos seis primeiros meses de vida do bebê, onde como já foi dito, a mãe está inteiramente voltada a ele para satisfazer suas necessidades (LOPARIC, 2001; DIAS, 2002; GOELLNER, 2009 apud KONRATZ R; 2017). Cabe a essa mãe proporcionar o ambiente para o bebê se desenvolver e ao mesmo tempo ser esse ambiente de desenvolvimento. Sendo assim, a mãe suficientemente boa é aquela que possibilita ao bebê a ilusão de que o mundo é criado por ele, concedendo-lhe, assim, a experiência da onipotência primária, que exerce na sua relação com o filho qualidades essenciais de apoio, proteção e aceitação. Como dito anteriormente, são três as funções que devem estar presentes na figura materna para classificá-la como “suficientemente boa” de acordo com Winnicott, sendo elas conceituadas como holding, handling, e a apresentação dos objetos (DIAS, 2002; WINNICOTT, 2007; GOELLNER, 2009 apud KONRATZ R; 2017). Vários acontecimentos ocorrem nos primeiros seis meses de vida da criança e o desenvolvimento emocional tem parte desde o princípio num esboço da evolução da personalidade e do estilo e é imprescindível os eventos dos primeiros dias e horas de vida e até o nascimento pode ser significativo (WINNICOTT, 2011a apud KONRATZ R; 2017). 26 Verificamos, na mãe grávida, cada vez mais uma identificação com o seu filho, somente a mãe consegue saber como o bebê pode estar se sentindo. Ocorrendo essa identificação, a mãe é capaz e tem anseio de dar ajuda no momento em que for necessário (WINNICOTT, 2011a apud KONRATZ R; 2017). Vale ressaltar a importância de se examinar o relacionamento entre mãe eu bebê, pois é preciso haver distinção do que pertence a um e ao outro, nesse jogo há a identificação da mãe com seu bebê e do mesmo para com sua mãe, sendo, nesse caso, importantíssimo que a mãe se posicione de maneira madura (WINNICOTT, 2011a apud KONRATZ R; 2017). Conforme Winnicott propõe, é importante observar as transformações que acontecem na mulher que está em vésperas de ter um bebê ou que recentemente teve um. São mudanças fisiológicas começando com o sustento físico do bebê no útero - essas mudanças devem ser acompanhadas, pois podem ser distorcidas por não haver saúde mental na mulher (WINNICOTT, 2007 apud KONRATZ R; 2017). De diversas maneiras ela é encorajada pelo seu próprio corpo a ficar interessada em si. A mãe transmite algo de sua importância para o bebê que está se desenvolvendo dentro dela. De um modo ou de outro, há a identificação com o bebê que está se formando, o que acarreta em uma percepção muito afetuosa do que precisa o bebê, sendo isso uma identificação projetiva, onde permanece por algum tempo após o parto, depois gradativamente perde importância (WINNICOTT, 2007 apud KONRATZ R; 2017). Segundo Winnicott, a proteção suficientemente boa do ego, pela mãe (na relação à ansiedade inimaginável) permite ao novo ser humano estabelecer uma personalidade no modelo da sequência existencial. As falhas que de certa forma podem causar a ansiedade inimaginável acabam acarretando uma reação que corta a continuidade existencial, findando em um padrão de fragmentação do ser, o que gera na criança uma tarefa de desenvolvimento sobrecarregada que vem a favorecer no surgimento da inquietação,falta de atenção e hipercinesia, que mais tarde acarretam em incapacidade de se concentrar (WINNICOTT, 2007 apud KONRATZ R; 2017). Torna-se relevante entender os períodos iniciais para a constituição do vínculo mãe-bebê, levando em conta o período da gestação ao puerpério como momento favorável para este entrosamento. Após o nascimento a mãe depara-se com as inúmeras mudanças em sua rotina, abre mão de muitos momentos e cuidados próprios, passa a ter mais preocupações, volta toda a atenção ao bebê e são esses 27 fatos que garantem, de certa forma, a qualidade do vínculo. (BORSA, 2007 apud KONRATZ R; 2017). A ação de amamentar concede o contato físico entre mãe e bebê, estimulando pele e sentidos, beneficiando ao bebê, não só o consolo de ter suas necessidades atendidas, mas o prazer de ser segurado pelos braços de sua mãe. Tornando-as cada vez mais tranquilas e facilitando a socialização durante a infância. (GOELLNER, 2009; COSTA e QUEIROZ, 2013 apud KONRATZ R; 2017). Para Winnicott (2012a apud KONRATZ R; 2017) juntamente com Rosario, Pitombo e Nogueira (2006) esse ato de segurar o bebê, manipulá-lo e prestar cuidados durante a amamentação é mais importante em termos vitais do que a experiência concreta da amamentação, pois o bebê se sente seguro, protegido e de certa forma saciado. Norman (2004 apud KONRATZ R; 2017) e Anzieu-Premmereur (2017 apud KONRATZ R; 2017) corroboram com Winnicott quando se trata da importância da relação inicial mãe-bebê, explanando sobre o respeito que a mãe tem que ter com o espaço do filho para não se tornar invasiva ou acabar superprotegendo o bebê de coisas necessárias para o seu desenvolvimento. A mãe deve ter consciência das consequências dos seus atos, sejam eles bons ou ruins, mas isso não deve ser feito de maneira a fazer se sentirem culpadas, e sim esclarecer onde devem mudar, o que devem realmente suprir e como suprir isso no bebê sem fazê-lo de forma invasiva ou deixando muitas falhas. Rappaport, Herzberg e Fiori (2014 apud KONRATZ R; 2017) salientam que para que haja um desenvolvimento psicológico sadio, é necessário um seio real. A maternagem é um procedimento inteiro que envolve mãe-bebê. Mesmo a mãe não possuindo leite, ou no caso de filho adotivo, é a relação amorosa e corporal que nutrirá os processos da criança. Pois é tomando o filho no colo que se dá o contato pele a pele prazeroso e configurador, o ato de prestar-lhe atenção, embalá-lo, acariciá-lo o ajudará a se organizar e passar a amar o objeto primordial de toda sua evolução afetiva, que é a mãe. Isso são as “solicitações paralelas” do bebê sendo atendidas, onde ele não está incorporando apenas o leite materno, mas sua voz, embalos e carícias. É fato que os bebês reconhecem suas mães pelo cheiro e voz, já que o rosto humano só é reconhecido por ele do quarto mês de vida em diante, conforme KONRATZ R; (2017). 28 Segurar o bebê no colo favorece a experiência sensorial e tátil do corpo, possibilitando uma delimitação corporal e a noção de existência. Tal atitude da mãe propicia ao bebê o sentimento de confiança, fator fundamental para a base do ego e o sentimento de continuidade do ser (a partir do sentimento de confiança, surge o sentimento de amor), além de fortalecer a relação da mãe com o seu bebê (WINNICOTT, 1990; DIAS, 2002 apud KONRATZ R; 2017). 6.1 Início do contato com a realidade: apresentação de objetos De acordo com ROCHA M; (2006), o bebê ao conquistar a integração por períodos mais longos e ter sua psique inserida no corpo, atinge um momento delicado, pois um novo fenômeno se coloca a sua frente a realidade externa. Como explica Dias, assim que nasce, o bebê não tem nem o sentido da externalidade nem qualquer outro sentido da realidade. Para que algum sentido de realidade se inicie, é necessário que lhe seja propiciado o único que lhe é possível nesse ponto do amadurecimento: a realidade do mundo subjetivo. Sem o estabelecimento da realidade subjetiva não há como prosseguir nas conquistas graduais do amadurecimento (Dias 2003:213 apud ROCHA M; 2006). E também acrescenta que a conquista do sentido de externalidade será possível por meio do estabelecimento das relações objetais. Nesse momento, o meio ambiente se apresenta ao bebê. A mãe traz um pedacinho do mundo até ele, de forma compreensiva e de um modo limitado, proporcionando lhe uma experiência de onipotência ao lhe permitir que tenha a ilusão de que o que foi encontrado seja algo por ele criado, conforme ROCHA M; (2006). Para Winnicott, o início das relações objetais é complexo. Somente ocorre se o meio ambiente propiciar a apresentação de um objeto, de maneira que o bebê acredite que quem cria objeto é ele. Isto ocorre da seguinte forma, nas palavras do autor, O bebê desenvolve a expectativa vaga que se origina em uma necessidade não- formulada. A mãe, em se adaptando, apresenta um objeto ou uma manipulação que satisfaz as necessidades do bebê, de modo que o bebê começa a necessitar exatamente o que a mãe apresenta. Deste modo o bebê começa a se sentir confiante em ser capaz de criar objetos e criar o mundo real. A mãe proporciona ao bebê um breve período em que a onipotência é um fato da experiência (Winnicott 1965n [1962], p.56 apud ROCHA M; 2006). 29 O pensamento de Winnicott sobre a questão da apresentação de objetos pode também ser verificado no momento da amamentação que é por ele usado para ilustrar o processo que pode resultar na primeira experiência de afetividade feita pelo bebê com um objeto externo e que acontece em algum momento do início do desenvolvimento infantil. Diante dessa questão, em seu artigo “Alimentação do Bebê”, ainda escreve mais: “[...] a alimentação da criança é uma questão de relações mãe- filho, o ato de pôr em prática a relação de amor entre dois seres humanos” (Winnicott 1945c [1944], p.31 apud ROCHA M; 2006). Com base nos autores citados, conforme dito anteriormente, a relação de objeto está intimamente vinculada à apresentação que a mãe faz de cada pedacinho do mundo ao bebê. Gradativamente, a mãe vai aumentando a porção de realidade compartilhada que apresenta ao bebê, aumentando a capacidade de ele usufruir o mundo, tendo o cuidado de preservar certa porção de ilusão. Winnicott parte da concepção de que o bebê possui a ilusão que aquilo que ele encontra no mundo, no período inicial de vida, foi por ele criado, conforme ROCHA M; (2006). Para o autor, no entanto, esse estado de coisas só ocorre quando a mãe age de maneira suficientemente boa. Na perspectiva desse pensamento, infere-se que, se a mãe for bem-sucedida em capacitar o bebê a usar a ilusão, ele estará preparado para aceitar, com facilidade, os momentos de desadaptação gradual o desmame. À medida que o bebê consegue lidar com a separação, inicia-se seu caminho em direção à dependência relativa e à conquista da independência, conforme ROCHA M; (2006). 7 AS RELAÇÕES OBJETAIS NA TEORIA DE RONALD FAIRBAIRN Na apresentação que Ernest Jones faz do livro de Fairbairn (1970 apud BICHUETTI L; 2011), “Estudos psicanalíticos da personalidade” ele declara que, se pudesse condensar as ideias de Fairbairn em uma frase, ele diria: Em vez de partir, como fez Freud, da estimulação do sistema nervoso originada pela excitação das zonas erógenas e da tensão interna provocada pela atividade gonádica, ele parte do centro da personalidade, o Eu, e descreve as suas tensões e dificuldades na sua tentativa para alcançar um objeto onde possa encontrar apoio. (1970, p. 9 apud BICHUETTI L; 2011). 30 Ronald Fairbairn foi um psicanalista que partiu das formulações freudianas, empregando-as no tratamento de seus pacientes. Durante algum tempo, ele manteve- se fiel aos postulados de Freud. No entanto, quando se deparou com alguns quadros psicopatológicos, especialmente com pacientes esquizoides, ele afirmou que não conseguia avançarno tratamento destes pacientes utilizando a teoria da libido. Então, ele considerou que, a teoria clássica freudiana era insuficiente, não só para explicar o funcionamento psíquico de alguns pacientes, como também para tratá-los, conforme BICHUETTI L; (2011). Foi a partir da análise de pacientes que manifestavam características esquizoides que Fairbairn constatou a importância das relações objetais. Isso porque, nesses pacientes, as dificuldades relativas ao relacionamento com os objetos se apresentavam mais claramente, conforme BICHUETTI L; (2011). Fairbairn explica que o significado do termo esquizoide está ligado à concepção da clivagem do Eu (1970, p. 22 apud BICHUETTI L; 2011). Para ele, “todos sem exceção devem ser considerados esquizoides [...] O fenômeno esquizoide fundamental é a presença de clivagens do Eu [...] alguma medida de clivagam do Eu está invariavelmente presente ao nível mental mais profundo” (idem, p. 21). Desse modo, segundo Fairbairn, qualquer indivíduo pode manifestar alguma característica esquizoide sob condições extremas, outros podem manifestar provas de uma clivagem do Eu apenas em situações que envolvem reajustamentos, enquanto alguns indivíduos podem manifestar essa clivagem em situações comuns da vida, conforme BICHUETTI L; (2011). A análise terapêutica dos casos esquizoides, atendidos por Fairbairn, deram- lhe uma oportunidade de estudar e compreender uma grande variedade de processos psicopatológicos. Na verdade, ele começou a se interessar pelos processos mentais de natureza esquizoide, justamente pela compreensão psicopatológica que esses casos lhe proporcionavam, conforme BICHUETTI L; (2011). 7.1 As primeiras relações objetais Fairbairn aponta que a qualidade de dependência do objeto é o fator mais importante nas primeiras relações. Os objetos podem ser parciais ou totais e no desenvolvimento da primeira infância existe apenas um objeto natural parcial: o seio 31 da mãe; sendo que o objeto total mais significativo é a mãe, estando o pai em plano secundário, conforme BICHUETTI L; (2011). Para o autor, na primeira infância, o caminho de menor resistência ao objeto reside quase exclusivamente através da boca, devido às necessidades do organismo humano nessa época, de ser amamentado pela mãe. É por isso que a boca se torna o órgão libidinal dominante nessa fase da vida, conforme BICHUETTI L; (2011). Nesse estágio inicial “o Eu da criança pode ser descrito, sobretudo, como um Eu oral” (1970, p. 24 apud BICHUETTI L; 2011). Isso porque a boca da criança é seu principal órgão de desejo, o principal instrumento de atividade, o principal meio de satisfação e frustração, o principal canal de amor e de ódio e mais importante do que tudo, o primeiro meio de contato social íntimo. Fairbairn ressalta que: A primeira relação social estabelecida pelo indivíduo, é entre ele mesmo e a mãe; e o foco da sua relação é a situação de aleitamento, na qual o seio da mãe fornece o ponto focal de seu objeto libidinal, e a sua boca, o ponto focal da sua própria atitude libidinal. Consequentemente, a natureza da relação assim estabelecida exerce uma profunda influência sobre as relações subsequentes do indivíduo, e sobre sua atitude social em geral. (Fairbairn, 1970, p. 24 apud BICHUETTI L; 2011) Percebe-se então que, para Fairbairn, o primeiro objeto libidinal da criança é o seio da mãe, mas a forma da mãe como pessoa, gradualmente começa a tomar forma em redor do núcleo original desse órgão materno (o seio), conforme BICHUETTI L; (2011). Essa relação oral da criança com a mãe na situação de aleitamento representa a sua primeira experiência de relação de amor, e é por isso, a fundação sobre a qual se baseiam todas as suas futuras relações com os objetos de amor. Representa também, a sua primeira experiência de uma relação social; e por isso, forma a base da sua atitude subsequente para com a sociedade, conforme BICHUETTI L; (2011). 7.2 Fairbairn e a teoria da libido de Freud De acordo com BICHUETTI L; (2011), apesar de Fairbairn reconhecer o valor histórico da teoria da libido, ele considera que, com o avanço do conhecimento psicanalítico, a teoria da libido tornou-se limitada para o entendimento de algumas 32 definições psicopatológicas. Depois de analisar profundamente a teoria da libido ele chega às seguintes conclusões: em primeiro lugar, a libido é essencialmente a procura de objeto; as zonas erógenas não são elas mesmas determinantes fundamentais de finalidades libidinais, mas canais mediadores dos objetivos principais da procura de objeto do Eu; qualquer teoria do desenvolvimento do Eu, para ser satisfatória, deve ser concebida em termos de relações com objetos, e em particular relações com objetos que foram interiorizados durante os primeiros tempos de vida sob pressão de privação e frustração [...] (Fairbairn, 1970, pp. 207- 208 apud BICHUETTI L; 2011). A partir dessa constatação, Fairbairn passou a ter como objetivo a construção de uma teoria mais abrangente, capaz de abordar e explicar os processos mais básicos da constituição do psiquismo. Assim, ele começou a se questionar sobre os momentos iniciais da constituição psíquica e do desenvolvimento da personalidade, procurando localizar as causas da dimensão psicopatológica da vida mental, conforme BICHUETTI L; (2011). 7.3 As relações com objetos parciais Fairbairn constatou que os indivíduos com características esquizoides, nas suas relações objetais, possuem uma tendência para tratar os objetos libidinais como mero meio de satisfações das suas exigências e não como pessoas possuidoras de valor próprio. Esta tendência se origina na orientação oral primitiva do bebê para o seio como um objeto parcial, conforme BICHUETTI L; (2011). Essa orientação do indivíduo para objetos parciais é vista pelo autor como “um fenômeno amplamente regressivo, determinado por relações emocionais insatisfatórias com os pais e mais especificamente com as mães, numa fase da infância subsequente à primitiva fase oral na qual é originada esta orientação” (Fairbairn, 1970, p. 27 apud BICHUETTI L; 2011). Fairbairn observou que as mães mais propensas a provocar esta regressão são as mães que falham em convencer o filho, através das suas expressões espontâneas de afeto, de que elas o amam como uma pessoa. Quando a mãe fracassa em manter uma relação emocional com a criança numa base pessoal, a criança tende regressivamente a restaurar a relação com a mãe na sua forma mais pura e simples, 33 revivendo sua relação com o seio da mãe como um objeto parcial (idem), conforme BICHUETTI L; (2011). Esse movimento de regressão visa buscar uma simplificação das relações e toma uma forma de substituição de contatos físicos por emocionais e a esse movimento Fairbairn denominou de "desemocionalização da relação de objeto" e nele observa-se uma predominância do "receber" sobre o "dar", conforme BICHUETTI L; (2011). 7.4 As relações objetais da personalidade Diante da ineficácia da teoria clássica da libido para o tratamento dos pacientes com características esquizoides, Fairbairn passou a considerar então que, em prol do progresso e evolução do campo psicanalítico, a teoria freudiana deveria ser substituída por uma teoria de desenvolvimento baseada nas relações de objeto. Ele salienta que, somente tendo como base “uma psicologia das relações objetais, na qual as relações entre o Eu e os objetos interiorizados assim como os objetos externos eram tomados em conta, se poderia conseguir qualquer integração entre os conceitos de impulsos e de estrutura do Eu” (Fairbairn, 1970, p. 209 apud BICHUETTI L; 2011). Fonte: amenteemaravilhosa.com.br 34 De acordo com BICHUETTI L; (2011), para defender essa tese, ele explica que a teoria da libido confere o estatuto de atitudes libidinais a várias manifestações que surgem meramente como técnicaspara a regulação das relações objetais do Eu. Isso significa que as relações objetais iniciais são independentes do investimento libidinal, pois elas são determinadas pela dependência inicial do bebê em relação aos objetos que satisfazem suas necessidades. Desse modo, uma dependência infantil caminha para uma capacidade para a mutualidade adulta. Fairbairn afirma que: [...] as zonas erógenas são simplesmente canais através dos quais passa a libido, e que uma zona erógena só se torna erógena quando a libido passa através dela. O fim último da libido é o objeto; e na sua procura do objeto a libido é determinada por leis semelhantes ás que determinam a corrente de energia elétrica, isto é, procura o caminho de menor resistência. A zona erógena deveria, por isso, ser simplesmente considerada como um caminho de menor resistência; e a sua real erotogeneidade pode ser comparada ao campo magnético estabelecida pela passagem de uma corrente elétrica. (Fairbairn, 1970, p. 49 apud BICHUETTI L; 2011) A partir de seus estudos, Fairbairn chega à conclusão de que “o desenvolvimento das relações de objeto é essencialmente um processo por meio do qual a dependência infantil do objeto dá gradualmente lugar à dependência madura em relação ao objeto” (idem, p. 53). Para ele, o desenvolvimento emocional se caracteriza por uma sequência natural de diferentes modos de se relacionar com os outros que vai se modificando durante os estágios psicossociais, conforme BICHUETTI L; (2011). Fairbairn então, elabora sua teoria das relações objetais e divide-a em três estágios que se caracterizam por uma mudança gradual na natureza da relação de objeto. O primeiro estágio, denominado de dependência infantil, se baseia numa identificação primária6 e é caracterizado predominantemente por uma atitude de receber, isto é, esse estágio envolve duas fases orais, em que o objetivo oral original é o sugar, que incorpora e predominantemente tira, conforme BICHUETTI L; (2011) O segundo estágio, denominado de dependência adulta ou madura, caracteriza-se por uma relação objetal baseada numa diferenciação do objeto do self, ou seja, uma distinção entre objeto e o eu. Aqui existe uma predominância da atitude de dar, mais compatível com a sexualidade genital desenvolvida. Entre esses dois estágios de dependência infantil e dependência adulta, existe um estágio de transição, que se caracteriza por uma tendência para abandonar a atitude de dependência infantil e adotar a atitude de dependência madura. Esse estágio transicional começa 35 a despontar quando a ambivalência começa a ceder perante uma atitude baseada na dicotomia do objeto, conforme BICHUETTI L; (2011) Fairbairn entende que essa dicotomia do objeto se refere ao “processo por meio do qual o objeto original para o qual tanto o amor como o ódio foram dirigidos, é substituído por dois objetos: um objeto aceite, para o qual é dirigido o amor e um objeto rejeitado, para o qual é dirigido o ódio”. Fairbairn chegou a essa teoria do desenvolvimento das relações objetais, baseada na qualidade da dependência do objeto, por meio da análise de indivíduos em que se pode observar, um grande conflito entre uma extrema relutância para abandonar a dependência infantil e uma enorme ânsia de renunciar a ela, conforme BICHUETTI L; (2011) De acordo com BICHUETTI L; (2011), Fairbairn pôde observar que a maior necessidade de uma criança é conseguir a segurança de que é amada como pessoa pelos pais, e a de que os pais aceitam genuinamente o seu amor. Ele diz que: É apenas na medida em que esta segurança está prestes a aparecer numa forma suficientemente convincente para lhe permitir depender sem perigo dos seus objetos reais que é capaz de gradualmente renunciar à dependência infantil sem receios. Na ausência desta segurança, a sua relação com os objetos está cheia de demasiada ansiedade de separação para lhe permitir renunciar à atitude de dependência infantil; porque esta renúncia seria equivalente a seu ver a perder toda a esperança de alguma vez obter satisfação para as suas necessidades emocionais insatisfeitas. A frustração do seu desejo de ser amada como pessoa e de que o seu amor seja aceito é o maior traumatismo que uma criança pode experimentar [...] (Fairbairn, 1970, p. 59 apud BICHUETTI L; 2011). 36 8 A PSICOLOGIA DO SELF Fonte: psicologiaunifafibe.com A base dos estudos de Freud sobre o “objeto” foram as neuroses. Já Kohut partiu dos distúrbios narcisistas, visto que suas primeiras investigações e percepções em torno dos fenômenos conhecido como self-objeto, ocorreram após análises clínicas desenvolvidas com um grupo específico de pacientes com transtornos narcisistas. Kohut trata o narcisismo como a própria energia vital, aquilo que lhe impulsiona, nutre a vida psíquica, conforme FONSÊCA A; et al., (2013). Voltando sua atenção a estes pacientes, Kohut obteve a oportunidade de reformular ideias iniciais, conceitos e apurar técnicas, como também, concluir que o narcisismo não é uma condição incompatível com as relações objetais, visto que para a psicanálise ortodoxa o narcisismo consistia na escolha do próprio eu como objeto de satisfação sexual, excluindo as relações objetais, conforme FONSÊCA A; et al., (2013). Quando se busca entender o processo da constituição e formação do self, Kohut trouxe uma reflexão acerca do posicionamento das famílias na época de Freud, e como a mesma se demonstra no contexto atual. As famílias na época de Freud eram ameaçadoras por serem excessivamente próximas e íntimas. Hoje em dia, ao contrário, as famílias são ameaçadoras por serem excessivamente distantes e não- envolvidas (HALL, LINDZEY e CAMPBELL, 2000 apud FONSÊCA A; et al., 2013). 37 Ao analisar este contexto das famílias, identificando que as mesmas hoje diferentemente da época de Freud são elementos cada vez mais distantes, desta forma, os pais voltam-se sua preocupação para suas próprias necessidades narcísicas. Esta posição da família traz uma consequência empática, pois, eles tornam-se padrões com menor satisfação, e não demonstram uma condição sadia de “ser si mesmo”, não estabelecendo relacionamentos interpessoais gratificantes. Na análise de Kohut, os nossos medos mais profundos refletem não a ansiedade de castração ou os impulsos conflituais do id, mas o potencial de perda dos objetos de amor, conforme FONSÊCA A; et al., (2013). No livro intitulado a “Restauração do Self”, de autoria de Heinz Kohut, este descreve o self da seguinte forma: O self é como a realidade, não conhecido em sua essência. Nós só podemos descrever as várias formas coesas nas quais ele se apresenta, podemos demonstrar os vários constituintes que compõem o self... e explicar suas gêneses e funções. “Podemos fazer tudo isso, mas, ainda assim nós não conheceremos a essência do self enquanto diferenciado de suas manifestações”. Se nos indagarmos empaticamente o que vem a ser o self temos algumas suposições: “sentimentos de sermos um centro independente de iniciativa e percepção, sentimentos de estarmos integrados com nossas ambições e ideais mais centrais e com a experiência de que nosso corpo e mente formam uma unidade no espaço e um continuum no tempo”. (KOHUT apud GANG, 2008, p. 7 apud FONSÊCA A; et al., 2013). Importante ressaltar que na teoria das relações objetais as primeiras relações vivenciadas pela criança são internalizadas em seu inconsciente, e acumulam-se no plano psicológico, sendo transformadas em imagens que no futuro entrarão em conflito. Perturbações as quais darão estrutura aos relacionamentos interpessoais no futuro adulto, visto que, estas relações interpessoais vivenciadas pela criança neste processo objetal, são pontos determinantes na constituição do self do indivíduo maduro (HALL; LINDZEY E CAMPBELL; 2000 apud FONSÊCA A; et al., 2013). Sarkis (ANO) comenta que, o self nascente de um bebê necessita
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