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Brasília-DF. Psicanálise Para carl Gustav JunG e DonalD W. Winnicott Elaboração Adriana Barbosa Sócrates Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APrESEntAção ................................................................................................................................. 5 orgAnizAção do CAdErno dE EStudoS E PESquiSA .................................................................... 6 introdução.................................................................................................................................... 8 unidAdE i FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG .......................................................................... 11 CAPítulo 1 HISTórIA E CONSTITUIçãO DA PSICANáLISE ............................................................................ 11 CAPítulo 2 O MéTODO PSICANALÍTICO ................................................................................................... 23 CAPítulo 3 A NATUrEzA DO INCONSCIENTE ............................................................................................. 26 unidAdE ii FUNDAMENTOS DA PSICANáLISE DE WINNICOTT ................................................................................... 32 CAPítulo 1 LUGAr DE WINNICOTT NA PSICANáLISE .................................................................................. 42 CAPítulo 2 AS TEOrIAS DO AMADUrECIMENTO, A rELAçãO MãE-bEbê E O brINCAr .............................. 45 unidAdE iii OS ASPECTOS DA PráTICA CLÍNICA ..................................................................................................... 51 CAPítulo 1 APArELHO PSÍqUICO ............................................................................................................. 51 CAPítulo 2 AS DIFErENTES PSICANáLISES ................................................................................................. 59 CAPítulo 3 TEOrIA DA PErSONALIDADE ................................................................................................... 64 unidAdE iV AS DIFErENTES FOrMAS DE ATUAçãO ................................................................................................. 68 CAPítulo 1 COMO TrAbALHA JUNG: ENTrEvISTA ...................................................................................... 68 CAPítulo 2 COMO TrAbALHA WINNICOTT: rELATO E DISCUSSãO DE UM CASO ........................................ 72 PArA não FinAlizAr ....................................................................................................................... 76 rEFErênCiAS .................................................................................................................................. 92 5 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 6 organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 7 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 8 introdução A presente disciplina tem o objetivo de introduzir os fundamentos da psicologia analítica de Carl Gustav Jung e os fundamentos psicanalíticos de Donald Woods Winnicott. Para compreender Carl Gustav Jung revisaremos a história e a constituição da psicanálise, o método psicanalítico e a natureza do Inconsciente. E para compreender Donald Woods Winnicott, discutiremos o lugar de Winnicott na Psicanálise, as teorias do amadurecimento, a relação mãe-bebê e o brincar, considerados pontos fundantes de sua teoria. Discutiremos também os aspectos da prática clínica a partir da concepção teórica do aparelho psíquico, das diferentes psicanálises e das teorias da personalidade. Neste cenário abordaremos como trabalha Jung por meio de uma entrevista com uma psicóloga junguiana. E como trabalha Winnicott por meio de um caso clínico atendido por ele. Para tanto, o estudo da teoria e da técnica psicanalítica sempre nos remete a Sigmund Freud, inventor da psicanálise e autor sempre referenciado nos diferentes rumos teóricos que nos propomos a estudar. Cabe, no entanto um breve resumo de seu percurso nesta introdução e, adiante nos capítulos deste Caderno de Estudos, referências aos principais marcos teóricos e técnicos de sua produção acadêmica e científica. Sigmund Freud nasceu em uma família judia na cidade de Friebir na Áustria em 1856. Viveu grande parte de sua vida em Viena e posteriormente, por conta da II Guerra Mundial e do Nazismo, mudou-se para Londres, onde veio a falecer em 1939. Freud formou-se em medicina, trabalhou com neurologia, especializando-se em Psicopatologias. Em sua época, a grande questão da psicopatologia era a histeria, levando-o a estudá-la em Paris entre 1885 e 1886. Desse estudo, Freud traz conceitos importantes para as estruturas da teoria (a qual Freud lutou para que fosse reconhecida como ciência) que nomeou de psicanálise. O interesse pelos fatores psíquicos que estavam representados nos sintomas histéricos moveu o instinto investigativo de Freud à descoberta da psicanálise. objetivos » Introduzir os fundamentos da psicologia analítica de Carl Gustav Jung e os fundamentos psicanalíticos de Donald Woods Winnicott. 9 » Compreender a história e a constituição da psicanálise, o método psicanalítico e a natureza do Inconsciente na perspectivade Carl Gustav Jung. » Compreender o lugar de Winnicott na psicanálise, as teorias do amadurecimento, a relação mãe-bebê e o brincar, considerados pontos fundantes da teoria de Donald Woods Winnicott. » Discutir os aspectos da prática clínica a partir da concepção teórica do aparelho psíquico, das diferentes psicanálises e das teorias da personalidade. » Compreender como trabalha Jung por meio de uma entrevista com uma psicóloga junguiana; » Compreender como trabalha Winnicott por meio de um caso clínico atendido por ele. 10 11 unidAdE i FundAMEntoS dA PSiCologiA AnAlítiCA dE Jung Iniciaremos nossos estudos pela história e constituição da teoria e da técnica psicanalítica que servirá de base necessária para a compreensão de Jung e Winnicott. Mesmo tendo havido ruptura teórica e técnica entre Freud e Jung, a base psicanalítica sempre parte das construções freudianas. Winnicot, por sua vez, partiu de achados freudianos e deu segmento ao que em sua prática clínica representou a base de sua teoria. Certamente essa releitura da descoberta da psicanálise ilumina cada vez mais os estudos psicanalíticos. A obra freudiana, por exemplo, deve ser lida e relida inúmeras vezes, no intuito de alargar cada vez mais a compreensão teórica e técnica. CAPítulo 1 História e constituição da psicanálise Iniciamos com algumas considerações acerca do estudo sobre histeria que, de acordo com o Freud descreveu no artigo Histeria (1888) escrito para a enciclopédia Villaret, teria sua origem nos primórdios da medicina significando “útero”, dado o preconceito de que essa patologia estaria vinculada a uma irritação nos genitais femininos. Nesse mesmo artigo, cita os principais sintomas do transtorno: os ataques convulsivos epilépticos, a presença de zonas histerógenas (zonas que, pressionadas, produziriam uma sensação análoga à convulsiva), distúrbios dos órgãos sensitivos, paralisias e contraturas. Freud era docente em neuropatologia e estudou em Paris entre 1885 e 1886, com uma bolsa de estudos da Universidade de Viena, realizando estudos sobre a histeria no Hospital da Salpêtrière com seu professor Jean-Martin Charcot. Conforme colocado no “Relatório sobre meus estudos em Paris e Berlim” (1886), Freud revelou sua admiração pela proposta de Charcot que buscava desconstruir a ideia de que os sintomas histéricos eram fingimento, de que a origem se dava por uma irritação genital e consideravam a existência e o tratamento da histeria masculina. Assumia, portanto, o conceito de etiologia não orgânica, ou de doença sem correspondência orgânica. É também de 12 UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG Charcot que Freud traz a técnica do hipnotismo, que não se tratava de “material raro e estranho” nem com “fins místicos”, mas terapêuticos. O primeiro método empregado por Freud na cura da histeria foi a sugestão hipnótica, descrita no artigo “Hipnotismo”, 1891. Tratava-se de hipnotizar o paciente com o intuito de rebaixar sua consciência e, durante esse estado, negar queixas apresentadas antes pelo paciente, assegurar que ele pode fazer algo do qual se sentia inibido ou dar uma ordem para que execute quando despertar. Em “Um caso de cura pelo hipnotismo” (1892-1893) Freud sugere a uma paciente que não consegue amamentar, durante a hipnose, que dali em diante, conseguirá amamentar e que as contraturas e dores que sentia durante a amamentação desapareceriam. Desse estudo, Freud analisou que as vontades e contra vontades em conflito naquela paciente deduz que o funcionamento psíquico neurótico, estando inclusos os histéricos, se dá a partir de um conflito entre ideias antitéticas. Sem muito sucesso com as sugestões, Freud então passa a pedir para que as pacientes se lembrassem do fenômeno que gerou os sintomas. Ao acordarem, não se recordavam do que haviam dito. Freud então percebe a existência nos indivíduos de uma instância psíquica onde a memória da origem dos sintomas era armazenada como em uma consciência dissociada, uma segunda condição paralela à consciência, o que viria a se formular como Inconsciente. Quando contava às pacientes o que elas lhe disseram sob hipnose, se dava uma forte resistência e uma repulsa ao conteúdo descobre-se o conceito de Resistência – aquele conteúdo apresentado se encontrava em outra instância psíquica justamente por ser incompatível à consciência de vigília. Apesar de representar o início da investigação psicanalítica, o método hipnótico era difícil de ser aplicado pelos médicos e nem todos os pacientes eram passíveis de hipnotização ou apresentavam melhora. Os que apresentavam melhora nos sintomas regressavam em curto prazo. O segundo método empregado por Freud, ainda nesses primeiros momentos, foi o Método Catártico. Ele consistia na associação livre de ideias associadas ao trauma que desencadeou o quadro histérico, conforme proposto nos “Estudos da Histeria” (1893-1895). Podendo ser útil uma retomada cronológica dos eventos anteriores ao aparecimento dos sintomas. Em “Comunicação Preliminar” (1893), Introdução aos Estudos, Freud, que já reconhecia uma etiologia não orgânica à histeria e propõe causas externas aos indivíduos e se dá na forma de vivência de um trauma psíquico. Nesse sentido, considerou a consciência dissociada como uma consequência do trauma-histeria traumática – ou como uma pré-disposição herdada dos pais – histeria disposicional. No caso da histeria traumática, 13 FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I Freud afirmava que a vivência do trauma se tornou patológica pelo fato de o indivíduo não ter associado o evento traumático a outros contextos, nem esqueceu ou ab-reagiu a ele, chorando, falando sobre, se vingando etc. Tanto porque não o pôde fazer no contexto em que ele aconteceu ou porque se encontrava em um estado alterado de consciência, como no estado hipnoide. O trauma, mesmo estando no passado, ainda pulsa dentro do indivíduo atuando na formação de sintomas, ou seja, as histéricas sofriam de reminiscências. Nesse modelo, os sintomas histéricos crônicos observados nas paralisias, dores sem etiologia orgânica, alucinações, se dariam pela passagem de material afetivo dessa segunda consciência para a consciência original – fenômeno da conversão, enquanto os sintomas agudos da histeria representavam uma consciência sobre o indivíduo. O método catártico nesses moldes funcionava pela vazão do afeto inconsciente por meio da fala, sem necessitar recorrer à conversão para tal. O método catártico promovia não apenas a consciência dos traumas, mas também dos fatores inerentes a ele. Freud, neste período apostava na divisão da consciência como patológica. Em “Neuropsicoses de Defesa” (1894), assume como pressuposto para classificar a histeria como fenômeno da conversão, mas passa a diferenciar os tipos de histeria de acordo com a forma como a consciência foi dividida. A histeria hipnoide corresponde à divisão pelo trauma, já a histeria de defesa, a divisão se daria por uma força de vontade do indivíduo em tirar da consciência o material traumático e, por fim, na histeria de retenção não ocorreu divisão da consciência, mas o afeto não foi ab-reagido. De uma forma mais clara, nesse texto, Freud diferencia a ideia de afeto em ideia traumática situada no inconsciente e o afeto poderia transitar entre a consciência e a inconsciência. Em relação ao método utilizado na psicanálise, formulou-se o método interpretativo pautado pelo método da livre-associação, reconhecido como a Regra de Ouro da Psicanálise. Neste método, o paciente deve dizer tudo o que lhe vier à mente sem pensar muito sobre o que irá dizer. A aposta reside na percepção de que tudo o que o paciente disser estará relacionado a conteúdos latentes. Por meio da análise dessas falas, é possível chegar ao conteúdo do material traumático, inclusive com emersão das lembranças traumáticas. A livre-associação do método interpretativo passou a ser reconhecido como possibilidadede acessar o inconsciente ao longo do processo de análise. Na evolução teórica e técnica de Freud, a interpretação dos sonhos (1900) também representou acesso ao inconsciente ou manifestação inconscientes de conteúdos presentes na inconsciência. A interpretação psicanalítica, portanto, não ocorria apenas através fala, mas também por meio dos sonhos, atos falhos e chistes, além dos próprios sintomas queixados pelo paciente. 14 UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG A primeira tentativa de Freud mapear o funcionamento do psiquismo afirmou-se como primeira tópica do aparelho psíquico, em que considerou as pulsões, o recalque, e o inconsciente pela organização de três instâncias: consciente, pré-consciente e inconsciente. Baseando-se no repertório de estudos sobre a histeria e nos estudos sobre os sonhos, a psicopatologia da vida cotidiana, os chistes e os atos falhos elaboram formalmente, em 1915, a primeira teoria do aparelho psíquico, ou primeira tópica, mesmo já tendo na “Interpretação dos Sonhos” lançado as bases de toda a teoria. Nesse sentido, Freud considerou o inconsciente como uma estrutura psíquica presente em todos os indivíduos com funcionamento neurótico que teria importância vital na vida em sociedade. O sujeito freudiano assume nesse momento as características que terá no restante da sua obra psicanalítica, ou seja, o sujeito tendo seu psiquismo dividido entre consciente e inconsciente. No artigo “O instinto e suas vicissitudes” (1915) houve uma problemática na tradução dos textos em alemão para o inglês e, consequentemente, da tradução inglesa para a portuguesa. A psicanálise portuguesa e a brasileira, contudo, preferem traduzir trieb por pulsão e instinkt por instinto. O instinto seria uma energia interna com a finalidade de sobrevivência relacionada a um regime de necessidade por autoconservação do organismo, ou melhor, uma resposta homeostática do indivíduo, aceitando apenas uma classe de objetos para sua satisfação, como fome que requer comida, sede que requer líquido, por exemplo. A pulsão, por sua vez, seria também uma energia interna, mas relacionada a um desejo tendo origem nele, sendo de ordem psíquica e se encontrando no circuito inconsciente. A pulsão possui caráter psicossexual e de autopreservação, caracterizando uma nova classe de pulsões, as pulsões de vida e as pulsões de morte. A pulsão, de uma forma geral, se constitui pela energia psíquica, pelo instinto, pela homeostase, como forma de direcionar e descarregar energia psíquica. A pulsão orienta-se pelo princípio da constância com finalidade de satisfação, de acordo com o princípio do prazer. Neste sentido a pulsão em busca de um objeto de satisfação, apresenta um espectro maior de possibilidades em relação ao instinto, podendo focar-se em qualquer objeto, na medida em que se relacione e satisfaça ao menos de forma parcial a pulsão, enquanto afeto ou pressão no aparelho psíquico, na forma de energia psíquica. O recalque, por sua vez, compõe uma barreira que divide a consciência do inconsciente, contudo, permite a expressão de um conjunto de operações que se realizam sobre as pulsões, conforme Freud coloca em seu artigo “Repressão” (1915). O recalque age de acordo com o princípio do prazer e o princípio da realidade. 15 FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I As vicissitudes como destinos da pulsão operam-se de três formas: 1. realizando a pulsão sem ceder ao princípio da realidade, sendo que a pulsão pode estar avessa ou de acordo como nas pulsões estritamente sexuais/genitais fala-se em perversão, ou seja, a execução de uma pulsão de forma integral, em desacordo ou não com o princípio da realidade; 2. sublimação, ou seja, realização de uma pulsão com o objeto deslocado para algo socialmente aceitável, realizar o princípio do prazer por meio do princípio da realidade, permitindo uma satisfação parcial, gerando material recalcado; ou 3. um bloqueio total da pulsão, gerando insatisfação e um grande acúmulo de material recalcado. A satisfação da pulsão através do recalque é muitas vezes parcial, ou seja, parte da energia psíquica original da pulsão permanece no inconsciente na forma de material recalcado e esse, por sua vez, se expressa por meio dos quatro derivados do inconsciente: sintoma, sonho, chiste e ato falho. A distorção realizada pelo recalque às pulsões e ao material recalcado pode ser de dois tipos: deslocamento, mudança do objeto original da pulsão para outro que esteja permitido pelo princípio de realidade, mas mantenha relação com o original e condensação que se configura na escolha de um objeto que satisfaça ao máximo de pulsões possíveis, compondo o que Freud chamou de processos primários. Em meio ao recalque primário pode haver um extravasamento de afeto inconsciente que resultar no recalque secundário ou repressão. Ao contrário do recalque que atua na pulsão e no recalcado, a repressão atua no derivado do recalcado presente na consciência. No texto O Inconsciente (1915), Freud avança para além da abstração teórica metapsicológica. E a análise do inconsciente passa a ser feita de três formas: 1. Topográfica que representa a localização e de onde advêm os materiais recalcados, as formações, os afetos, entre outros. 2. Dinâmica que denota a movimentação dos materiais psíquicos. 3. Econômico no nível de gasto e conteúdo energético das pulsões. A análise dinâmica do funcionamento do inconsciente origina-se o pré-consciente que seria o estado de afetos ou ideias que estão na instância consciente, mas em situação inconsciente, ou seja, acessíveis pelo sujeito, apesar de não estar pensando nelas naquele momento. Por exemplo, estudando para uma disciplina, o sujeito não está pensando no que comeu na última refeição, mas tem acesso a essa informação. 16 UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG O inconsciente possui características relevantes, como a isenção de contradição mútua, o que significa dizer que, por não ser regido por uma lógica consciente, pode haver pulsões contraditórias no inconsciente, como o sentimento de amor e de ódio pelo pai no complexo de Édipo, por exemplo. A atemporalidade do conteúdo inconsciente invoca diferentes vivências presentes ou passadas, como a reconstrução de um evento traumático da infância. O aparelho psíquico regido pelo inconsciente, pré-consciente e consciente conserva as duas primeiras instâncias separadas pelo recalque e as duas últimas pela repressão. A livre-associação, portanto, seria uma tentativa de suspensão da repressão, permitindo a expressão livre de um conteúdo do pré-consciente tendo em vista uma distorção direta do conteúdo latente do inconsciente. Em outras palavras, o conteúdo inconsciente sofreria uma ação dos processos primários do recalque, alcançaria o pré-consciente, que sob livre-associação, poderia ser dito sem maiores reflexões, permitindo que, de alguma forma, o analista possa tentar realizar o caminho de volta para entender o material recalcado de origem. Uma última contribuição importante desse texto, também presente nos artigos sobre a técnica consiste na diferenciação que Freud faz entre verdade como realidade externa compartilhada e, realidade psíquica que compõe a forma como sujeito interpreta a realidade externa. A realidade externa e sua interpretação podem ou não ser tangíveis ou sobrepostas, dependendo da análise possível, a partir da realidade psíquica do paciente. A partir dessa diferenciação entre verdade e realidade psíquica, Freud dedica-se ao tema da fantasia em Lembranças Encobridoras (1896). Para ele as lembranças encobridoras seriam um derivado do inconsciente como um constructo inconsciente a partir de uma realidade consciente que compõe a realidade psíquica do sujeito. Freud desenvolveu o conceito de fantasia para explicar o fato dos indivíduos não se recordarem com muita certeza os eventos que aconteceram na infância mais remota, ora não se lembrando defato, ora se recordando de eventos de forma mista. Trata-se de uma lembrança que possui um simbolismo suficiente para se manter viva, substituindo lembranças daquele período que, por algum motivo, são incompatíveis à consciência. Dentro desse modelo, Freud no texto O Instinto e suas Vicissitudes (1915) comenta as psicopatologias. Como a pulsão é tanto um objeto/ideia quanto uma pressão/afeto, quando esse afeto inconsciente passa para a consciência e não se liga a um objeto de lá, transforma-se em angústia. Porém, quando o afeto liga-se a uma ideia consciente trata-se de fobia, ansiedade ou obsessão, conforme o tipo de afeto ligante. Quando o excesso de afeto assume as inervações somáticas, convertendo esse afeto em sintomas, trata-se então da histeria. 17 FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I Em A Interpretação dos Sonhos (1900) e no artigo-síntese de suas análises, Sobre os Sonhos (1901), Freud descreve sobre o mecanismo onírico e qual sua função psíquica, diferentemente das visões filosóficas que consideram o sonho como libertador da alma, da visão médica em que os sonhos seriam consequências inúteis de processos fisiológicos e das visões populares, o sonho como predição do futuro. Freud afirma que no sonho se manifesta pelo conteúdo manifesto, apresentado de forma explícita, correspondendo a personagens, cenários e narrativas e, pelo conteúdo latente, que seria um fragmento inconsciente que sofre um trabalho do sonho, transformando-se em conteúdo manifesto. O trabalho do sonho prioriza a expressão inconsciente sem comprometer seu conteúdo por uma interpretação consciente. Ou melhor, corresponde aos processos de: 1. deslocamento: substituição de um objeto latente por outro manifesto que mantenham relações entre si; 2. condensação: deslocamento e substituição de objetos latentes por um objeto manifesto que, em alguma medida, represente cada um dos objetos latentes; 3. disposição pictórica: fornece a escolha dos objetos do sonho a partir de restos diurnos recordação de vivências importantes; e 4. composição: após a formação do conteúdo, o sonho é recoberto por uma fachada narrativa, como uma amarração lógica. A interpretação dos sonhos na perspectiva psicanalítica é um rico instrumento de trabalho no decorrer das sessões por representar o acesso ao inconsciente. As sensações emocionais após o sonho consistem em nortes importantes para sua análise, já que o conteúdo mostra-se bastante variável e com muitos elementos. Ao discorrer acerca da sexualidade infantil, nos Três Ensaios sobre a Sexualidade (1905), Freud indica envolver processos primários e desenvolve a teoria a partir do estudo da sexualidade infantil, incluindo as lembranças encobridoras que perpassam as fantasias como projeções a partir de um lugar vazio, poderiam muitas delas estar encobrindo lembranças de ordem sexual, o que causou espanto nos leitores de Freud ao debater o tema, nos primórdios da psicanálise. O assunto em questão precisaria estar relacionado ao movimento pulsional denominado sexual, o que ficou mais claro na medida em que Freud desenvolvia sua teoria. Em seguimento a isso, Freud propôs o desenvolvimento da libido em fases, onde há ênfase em uma zona erógena em detrimento das demais para satisfação da pulsão. 18 UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG A fase oral que pode ocorrer entre 0 a 2 anos, teria como objeto de satisfação a boca, pela necessidade de alimentação, o bebê descobre o seio que, além de objeto para satisfação do instinto de fome, gera satisfação sensorial. Nessa fase não há um elemento intermediário entre o indivíduo e os outros. Considera-se que os atos de prazer envolvendo a oralidade tem sua origem no deslocamento da fase oral, como comer, beber, fumar e beijar. A fase anal, que pode ocorrer dos 2 aos 5 anos, se inicia a partir do controle sobre os esfíncteres e as demandas que os pais fazem a partir disso. As fezes, dessa maneira, seria um objeto de comunicação entre os indivíduos e seus pais. O controle se torna não apenas dos esfíncteres, mas também do ambiente e da entrada e ou saída das emoções. A fase fálica, que pode ocorrer entre os 5 aos 10 anos aproximadamente, é marcada pelo autoconhecimento corporal, contato erótico com os genitais, satisfação masturbatória. No início, não há a necessidade de controle sobre o outro e a saída dessa fase é determinada pelo deslocamento da autossatisfação por algum objeto. A passagem pelas fases psicossexuais resultam no complexo de Édipo que possui papel estruturante e organizador psíquico e emocional para todo ser humano. A resolução edipiana acontece de forma distinta para o menino e para a menina. No caso do menino, a autossatisfação é acompanhada por uma identificação com o desejo do pai pela mãe. Havia previamente uma premissa fálica de que todos os indivíduos possuíssem pênis, que é quebrada pela observação das diferenças anatômicas entre os sexos. Nesse ponto, o objeto de desejo é deslocado de si para a mãe. Contudo, entra em jogo a figura do pai, que interdita o objeto libidinal de seu filho. O filho então vive uma relação de ambiguidade por seu pai, expressando um amor decorrente, entre outros, da identificação do filho com seu pai, mas também de ódio pelo fato de ambos competem pela mesma mulher. Na interdição da mãe, o filho cede ao complexo de castração representado pelo medo de ter o pênis castrado pelo pai e está então livre para deslocar seu desejo sexual para outro objeto ou outra mulher, ingressando na fase de latência. É por meio da interdição da mãe pelo pai que se funda o recalque, na teoria freudiana. E é por meio da resolução do complexo de Édipo que se funda a instância do superego, na segunda tópica, que consiste na segunda proposta acerca do funcionamento do aparelho psíquico elaborada por Freud. O superego é o herdeiro do complexo de Édipo. No caso da menina, a diferença anatômica entre os sexos é percebida e cria-se uma identificação com a mãe. Tendo sido castrada, ela passa a invejar o falo e observa como sua mãe lidou com a falta do mesmo, dirigindo-se ao seu objeto de desejo para o pai, detentor do falo, identificando-se com o objeto de desejo da mãe. A mãe realiza uma tentativa de interdição do pai, mas que não funciona como formação de recalque, 19 FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I apenas como ponto de rivalidade entre ambas. É a partir do não paterno que a menina, então, desloca o objeto do pai para outro homem e entra na fase de latência. Por fim, na fase genital, o prazer é deslocado da masturbação para o interesse na relação sexual com o outro. No garoto, pela busca da penetração em uma cavidade corporal que, friccionada com seu pênis ereto, gere prazer. Como forma de ilustrar suas teorias sobre a sexualidade, Freud estuda o caso do pequeno Hans, na descrição de caso Análise de uma Fobia em um Menino de Cinco Anos (1909). Uma grande importância é dada a esse caso por ter sido o primeiro momento de intervenção psicanalítica sobre uma sintomatologia infantil. Hans foi aconselhado por seus pais, que liam e se interessava pela psicanálise, supervisionados por Freud posteriormente, pelo fenômeno da transferência, talvez Freud tivesse recriminado essa prática. Em Além do Princípio do Prazer (1920), Freud retoma as conceituações que fez anteriormente acerca das pulsões sexuais ou pulsões de vida, como uma resposta homeostática frente a uma excitação psíquica. O alívio dessa excitação gera prazer, portanto as pulsões sexuais são determinadas pelo princípio do prazer. Contudo, dada a existência do princípio da realidade, nem todas as pulsões podem ser atendidas e poucas podem ser atendidas de forma plena. A não satisfação e/ou a não satisfação plena de uma pulsão geram desprazer. Freud indicou, contudo, que existe um tipo de desprazer que não tem origem na privação de um prazer, mas constitui um desprazer em si, como um grupo de artistas encenando umdrama de traição, morte ou abandono, sendo regidos por um princípio diferente do princípio da realidade. Esse desprazer tem origem na pulsão de morte. A pulsão de morte segue o princípio da compulsão à repetição, que consiste em uma tendência de seus pacientes repetirem os mesmos eventos traumáticos e a quebra dessa dinâmica é recebida com resistência. Nas pulsões de morte, se dá uma nova explicação. Há uma substância inerte e inorgânica que sofre uma força de forma a tornar-se viva e orgânica – Freud afirma que a psicanálise não consegue explicar as características dessa força criadora. A partir dessa ação, existe uma força de reação contrária, de forma a transformar essa substância viva e orgânica em inerte e inorgânica, de volta ao estado inicial, através da morte do organismo. Por isso que, para descrever as pulsões de morte, Freud retoma Schopenhauer em sua constatação de que o sentido da vida é a morte. Em termos de funcionamento, as pulsões sexuais teriam como objetivo a autoconservação e desenvolvimento do indivíduo, enquanto que as pulsões de morte teriam como objetivo a autodestruição. 20 UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG Freud afirma, contudo, que em termos estéticos, não há oposição entre as pulsões de vida e as pulsões de morte, mas convergência. Portanto, em toda ação pulsional estão atuando ambas as pulsões, integradas – em todas as ações pulsionais há sadismo e/ou masoquismo, que tanto se caracteriza por seguir o princípio de compulsão à repetição e de destruição, ou autodestruição, quanto ao princípio do prazer. No texto O Ego e o Id (1923), Freud propõe a Segunda Tópica do Aparelho Psíquico, já tendo estudado a dicotomia pulsional: pulsões de vida-morte, compreendendo as instâncias id, ego e superego ou ideal de ego. O id seria o motor do aparelho psíquico, que o movimenta e contém os instintos de vida e de morte, enviando uma integração deles para o ego. Por conta disso, o id seria uma instância puramente inconsciente e impulsiva. O superego tem sua origem na resolução do complexo de Édipo. Por meio de identificação que o menino realiza com seu pai, e a menina com sua mãe, há introjeção de valores familiares e sociais. O superego seria uma instância modelo/espelho do ego, orientando-o, como o eixo condutor do aparelho psíquico. O superego, em outras palavras, assume a função do princípio de realidade por herança edípica. Essa instância possui porções conscientes e inconscientes. O ego, por sua vez, seria a instância reguladora do aparelho psíquico, regulando as demandas do id com as ponderações e imposições do superego e, a realidade externa, portanto, também sendo orientado pelo princípio de realidade. O superego possui porções conscientes e inconscientes e essa regulação pode ser sintônica, havendo pouco ou nenhum endividamento do ego com as outras instâncias psíquicas, ou dissintônica. Tendo em mente a disseminação do movimento psicanalítico pelo mundo, em termos acadêmicos e na prática médica e temendo a desvirtualização da teoria, Freud escreve uma série de artigos sobre a técnica psicanalítica entre 1911 e 1915 visando orientar os profissionais da área da saúde que aplicavam o método interpretativo psicanalítico. Inclusive naquele momento, apenas os médicos podiam aplicar a psicanálise. Segue um breve relato de seis dos artigos de técnica trabalhados em aula e as principais contribuições de cada um deles: “O Manejo da Interpretação dos Sonhos em Psicanálise” (1911): não se deve “escavar” o sonho em cada um de seus elementos mínimos, mas buscar pontos centrais e favorecer a livre-associação do paciente, para que o paciente possa realizar conexões, favorecendo o trabalho analítico. Dentro disso, falar sobre os aspectos periféricos dos sonhos podem favorecer uma resistência ao tratamento. 21 FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I “Recomendação aos Médicos que exercem Psicanálise” (1912): não se deve ater à reconstrução histórica dos eventos traumáticos do paciente, como se fazia no método Catártico, mas favorecer a livre-associação e buscar interpretar o paciente a partir disso. Deve-se ater também, não à realidade externa ao paciente, mas sua realidade interna. Nesse artigo, Freud trabalha também a Regra Fundamental da Psicanálise: o analista deve se abster da análise, servindo como uma tela em branco que chamou de “Atenção Flutuante”. Quanto à formação em psicanálise, os profissionais deveriam passar por uma análise durante sua formação, realizar análises didáticas supervisionadas por um psicanalista formado, além de estudar a teoria. Freud também afirma a necessidade de se criar e manter regulamentado um instituto para formação em psicanálise, sendo o primeiro fundado em Viena em 1910. Quanto ao setting analítico, ou seja, todo o enquadramento presente na relação médico-paciente: as sessões deveriam ser de 50 minutos, o paciente deveria estar deitado, relaxado, pois assim o paciente estaria em estado mais próximo ao onírico, favorecendo a livre-associação. E sem contato visual com o analista, o que auxilia a introspecção. As anotações do caso deveriam ser feitas após a sessão, pois a escrita na sessão interrompe a “atenção flutuante”. “A Dinâmica Transferencial” (1912) e “Observações sobre o Amor Transferencial” (1915): a transferência seria o deslocamento provisório de afetos que um paciente tem em relação a figuras importantes de sua história para a figura do analista. Essa transferência pode ser positiva ou erotizada ou pode ser negativa. Nos casos de transferência, Freud afirma ser necessário que o analista o explicite ao paciente. Muitas vezes, por conta disso, o paciente pede conselhos ao analista, mas Freud afirma que eles não devam ser dados, ou seja, o analista deve apenas auxiliar o paciente a tomar suas próprias decisões. Nessa dinâmica transferencial, a “atenção flutuante” do analista também serviria para impedir a contratransferência, que seria o processo transferencial do analista pelo paciente que, para Freud, simplesmente não deveria existir. A regra geral, portanto, deveria ser a frustração da transferência. “Sobre o Início do Tratamento” (1913): nesse momento, Freud acredita que a psicanálise deveria se voltar para o tratamento e a cura, só após 1930 considera que pode servir também para autoconhecimento. Nas primeiras sessões, o terapeuta deve estudar se há possibilidade de cura. Quanto ao pagamento, o analista não deve trabalhar de forma gratuita e, mesmo na falta do paciente, a consulta deve ser cobrada porque seria uma forma de combater a resistência e a transferência. Freud também afirma que os pacientes não devem comentar o seu tratamento com outras pessoas, porque prejudicaria a análise delas. 22 UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG “Recordar, Repetir e Elaborar” (1914): trabalha os conceitos de repetição da transferência, dos sonhos e das ações pulsionais, mesmo ainda não tendo elaborado o conceito de compulsão à repetição e as pulsões de morte. Freud considerava que a repetição era uma forma de resistência atuante. Essa repetição deve ser explicitada ao analisando. 23 CAPítulo 2 o método psicanalítico Após uma breve passagem pelos principais achados de Sigmund Freud, precursor da psicanálise, neste capítulo trataremos do método psicanalítico empregado por Carl Gustav Jung, ao passo que discutiremos suas principais contribuições. “A minha história é a história de um inconsciente que se realizou”. Carl Gustav Jung (1875-1961) era médico psiquiatra, foi um dos mais fecundos e importantes pensadores da psicologia contemporânea. Fortemente influenciado pela mitologia, filosofia e antropologia, desenvolveu, a partir da psicanálise freudiana, novos rumos, desviando o foco essencialmente psicossexual para uma visão mais geral, intuitiva e espiritual. Jung sempre trabalhou a partir da sua intuição. Desde cedo, com seus sonhos e seu isolamento, demonstrava um profundo desejode compreender-se e à Humanidade. Sua vasta obra de valor inestimável e sua própria vida evidenciam a sua busca pelo seu “eu”, ou como ele chamava, a sua individuação. Sua teoria começa junto à psicanálise, adotando o modelo topográfico de psique freudiano. Em contato constante com o mestre, Jung logo passou a discordar das ideias deste, embora tenha tido dificuldade para desligar-se completamente. Apenas com a confecção do último capítulo do livro Metamorfoses e Símbolos da Libido, de 1912, ele teve coragem de expor suas ideias a respeito do inconsciente, libido e papel da sexualidade. Para ele, o inconsciente não é apenas um depositário de velhas lembranças, traumas e experiências. Traz também algo novo, algo desconhecido e não vivido, que remonta à gênese da Humanidade, o que ele chamou de Inconsciente Coletivo. Ali, existiriam impressões trazidas da nossa história genética, do nosso passado. Todas as representações universais, mitológicas, os Arquétipos. A mãe, o pai, o herói, o mártir, Deus, e muitas outras manifestações humanas seriam considerados arquétipos, e estes arquétipos surgiriam, na análise, após o tratamento dos traumas considerados “normais”. A análise, para Jung, não termina com a resolução dos traumas de infância e vida adulta. Na verdade, ela começa quando o paciente entra em contato com seus arquétipos, onde ocorre o seu “despertar” existencial. Os sonhos, que foram o seu material de estudo para a elaboração de sua teoria do Inconsciente, são, para ele, processos normais da 24 UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG economia psíquica, agindo como norteadores das atitudes, como a consciência no sentido de consciência moral. Embora os arquétipos sejam representações individuais e que não se manifestam todos numa mesma pessoa, existem alguns que são universais, e que são o caminho para a individuação. São eles a persona, a Sombra, a Anima, o Animus e o Self. A persona é um estado do Eu relativo aos papéis sociais, as convenções, e comportamentos construídos com o intuito de adaptar-se às normas da sociedade. Para que possamos nos desenvolver, é preciso que saibamos nos diferenciar dessa máscara construída desde a infância, saber equilibrar suas atitudes individuais e as necessidades do papel social. A Sombra começa a surgir à medida que nos distanciamos da persona. Ela corresponde aos nossos complexos reprimidos, ou seja, as nossas fraquezas, defeitos, aspectos em nós mesmos que não gostamos, enfim, à parte do nosso Eu que fica escondida sobre a máscara social. Fácil fica perceber que ela é correspondente ao inconsciente psicanalítico, e que o desenvolvimento do indivíduo consiste em superar esses complexos, evoluir as qualidades que ficaram reprimidas por tanto tempo. Anima e Animus são os arquétipos dos gêneros. Anima é a parte feminina presente em todos os homens, enquanto que Animus é a parte masculina das mulheres. São atitudes predominantes de um sexo que estão presentes no outro, e que, em maior ou menor grau, influenciam nas atitudes. O desenvolvimento consiste em saber diferenciar esse lado para que ele melhor se manifeste, seja consciente ou inconscientemente. O Self é o arquétipo central. Ele organiza e rege o organismo psíquico. À medida em que nos desenvolvemos, ou “individuamos”, o centro controlador da personalidade passa do Ego para o Self. Jung pesquisou representações simbólicas do Self em inúmeras culturas, em todos os continentes. Na sua obra Tipos Psicológicos (1920), Jung relaciona as duas principais atitudes presentes no sujeito. A Introversão e a Extroversão. São como “formas de encarar o mundo”, atitudes perante as coisas e à vida em geral. Os introvertidos agem de forma mais contida, “como se obedecessem a um ‘Não’ inaudível”, como dizia o próprio Jung. São mais contidos e pensam antes de agir. Já os extrovertidos têm uma atitude mais imediata, como se estivessem convencidos de que a sua primeira atitude é sempre a correta. Porém, mesmo entre uma mesma atitude, existem diferenças de comportamento e perspectiva. Jung postulou então, que deveria haver outros fatores, mais específicos, do que as duas atitudes principais, para nortear as relações das pessoas. Desenvolveu então as funções psíquicas. São elas o sentimento, a sensação, o pensamento e a intuição. 25 FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I Cada pessoa tende a reagir de acordo com a função que for mais desenvolvida em si, como um hábito forjado tanto pela hereditariedade quanto pelo meio social. Muito embora essa visão pareça, à primeira vista, redutiva e classificatória, Jung sempre deixou claro que ela é apenas descritiva, e que não encerra nenhuma verdade absoluta aplicável a todos os seres humanos. Pensamento e Sentimento são opostos entre si; são funções racionais, pois se relacionam a julgamentos e análises do objeto em questão. Sensação e Intuição são também opostas entre si; porém, são funções irracionais, pois não envolvem julgamento ou análise do objeto. Dessa relação entre as funções e as atitudes primárias, temos oito tipos psicológicos básicos: o pensamento extrovertido, pensamento introvertido, sentimento extrovertido, sentimento introvertido, sensação extrovertida, sensação introvertida, intuição extrovertida e intuição introvertida. Cada um possui características comuns e próprias, que o definem, mas não o limitam, como Jung sempre deixa claro. Enfim, tal como qualquer pensador, seja moderno ou antigo, Jung não tem começo e nem fim. É um fluxo constante de conhecimento, uma tentativa solitária mais belíssima de livrar-se da castração pseudo-místico-científica que se tornou a psicanálise. Pena é que seus discípulos parecem seguir o mesmo caminho dos de Freud. Figura 1. Carl Gustav Jung. Fonte: <http://pedagogiaaopedaletra.com/resenha-carl-gustav-jung/> http://pedagogiaaopedaletra.com/wp-content/uploads/2012/03/CGjung.jpg 26 CAPítulo 3 A natureza do inconsciente Serão definidos neste capítulo alguns conceitos da teoria analítica junguiana evocando a natureza do inconsciente na psicologia analítica de Carl Gustav Jung (JUNG, 1964, 1975, 1991, 2000, 2012). A consciência pode ser definida como função ou atividade que mantém a relação entre os conteúdos psíquicos e o ego, enquanto puderem assim ser entendidas pelo ego. Relações com o ego, porém não percebidas pelo mesmo, são inconscientes. Jung distingue conceitualmente consciência de psique, sendo que esta engloba tanto a consciência quanto o inconsciente: Consciência não é a mesma coisa que psique, pois a psique representa o conjunto de todos os conteúdos psíquicos; estes não estão todos necessariamente vinculados ao eu (ego), isto é, relacionados de tal forma com o eu que lhes caiba a qualidade de conscientes. Existe uma boa quantidade de complexos psíquicos que não estão necessariamente vinculados ao eu (JUNG, 2000). Na concepção junguiana da psique, a consciência individual é uma superestrutura que tem por base e origem o inconsciente. Além disso, não há consciência sem discriminação de opostos. O ego é o centro da consciência, ou o complexo central no campo da consciência, como afirma JUNG (1991), Entendo o “eu” como um complexo de representações que constitui para mim o centro de meu campo de consciência e que me parece ter grande continuidade e identidade consigo mesmo. Por isso, falo também de complexo do eu. O complexo do eu é tanto um conteúdo quanto uma condição da consciência, pois um elemento psíquico me é consciente enquanto estiver relacionado com o complexo do eu. Enquanto eu for apenas o centro do meu campo consciente, não é idêntico ao todo da minha psique, mas apenas um complexo entre outros complexos. Por isso distingo entre eu e si-mesmo. O eu é o sujeito apenas da minha consciência, mas o si-mesmo é o sujeito do meu todo, também da psique inconsciente. Neste sentido o si-mesmo seria uma grandeza (ideal) que encerraria dentro dele o eu (p.406).27 FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I Jung observou ainda que o conhecimento da personalidade egoica, muitas vezes, confunde-se com o conhecimento do self (si-mesmo). Dessa forma, uma pessoa que possua alguma consciência de sua identidade de ego, pode achar que conhece a si mesma de maneira completa, quando na verdade, o ego conhece apenas seus próprios conteúdos, e não o material psíquico real provindo do inconsciente, desconhecido pelo sujeito (SHARP, 1991). Em relação ao inconsciente, Jung considera que se trata da totalidade dos fenômenos psíquicos, destituídos da qualidade de consciência. Teoricamente é impossível fixar limites no campo da consciência, uma vez que ela pode estender-se indefinidamente. Empiricamente, o inconsciente sempre atinge seus limites, ao atingir o desconhecido. Este último é constituído por tudo aquilo que ignoramos, por aquilo que não tem qualquer relação com o eu, centro dos campos de consciência (JUNG, 1975). O inconsciente é, ao mesmo tempo, vasto e inexaurível. De fato vai além do desconhecido ou de um depósito de pensamentos e emoções conscientes que foram reprimidos. Inclui os conteúdos que podem ou que irão se tornar conscientes. Ou melhor, o inconsciente é a fonte de todas as forças instintivas da psique e encerra as formas ou categorias que as regulam, quais sejam precisamente os arquétipos (JUNG, 2000; SHARP, 1991). Além disso, Jung aponta a necessidade de se acrescentar ao conceito de inconsciente o sistema psicoide, que não é capaz de se tornar consciente, e do qual apenas temos algum conhecimento indireto, quando por exemplo, pesquisamos o relacionamento entre matéria e espírito. Como afirma Jung (2000), Assim definido, o inconsciente retrata um estado de coisas extremamente fluido: tudo o que eu sei, mas em que não estou pensando no momento; tudo aquilo que um dia eu estava consciente, mas de que atualmente estou esquecido; tudo o que meus sentidos percebem, mas minha mente consciente não considera; tudo o que sinto, penso, recordo, desejo e faço involuntariamente e sem prestar atenção; todas as coisas futuras que se formam dentro de mim e somente mais tarde chegarão à consciência; tudo isto são conteúdos do inconsciente (p. 123). Tal como Freud, Jung usa o termo inconsciente tanto para descrever conteúdos psíquicos que estão fora do campo de acesso do ego, como para delimitar um lugar psíquico com seu caráter, suas leis e funções próprias (SAMUELS, 1998). 28 UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG Jung (2000) define a existência de um relacionamento funcional compensatório entre a consciência e o inconsciente ao afirmar que De acordo com a experiência, o processo inconsciente traz à luz material subliminal constelado pela situação da consciência, portanto todos aqueles conteúdos que não poderiam faltar no cenário consciente, se tudo fosse consciente. A função compensatória do inconsciente se manifesta com tanto maior clareza quanto mais unilateral for a atitude consciente; e disso dá muitos exemplos a patologia (p.426). Com relação à natureza dos conteúdos do inconsciente, Jung propôs uma classificação geral que distingue um inconsciente pessoal que engloba todas as aquisições da existência pessoal, denominado como “o esquecido”, “o reprimido”, “o subliminalmente percebido”, “pensado e sentido”, e ao lado desses, a existências de outros conteúdos que não provêm das aquisições pessoais, mas da possibilidade hereditária do funcionamento psíquico em geral. Ou seja, conteúdos que provém da estrutura cerebral herdada que são as conexões mitológicas, os motivos e imagens que podem nascer de novo, a qualquer tempo e lugar, sem tradição ou migração históricas. Jung denominou esses conteúdos como pertencentes ao inconsciente coletivo (JUNG, 2000), uma camada mais profunda da psique, onde encontramos os instintos e os arquétipos. Se por um lado, essa divisão é válida teoricamente, por outro lado essas duas camadas do inconsciente não devem ser entendidas como divisões estanques. Como os conteúdos do inconsciente coletivo exigem o envolvimento de elementos do inconsciente pessoal para sua manifestação no comportamento, os dois tipos de inconscientes são, portanto, indivisíveis (SAMUELS, 1998). No entanto, são conceitos funcionais na prática. Vale acrescentar a essa discussão mais alguns pontos acerca do inconsciente pessoal e do inconsciente coletivo. O inconsciente pessoal é a camada pessoal ou individual do inconsciente que contém memórias perdidas, ideias dolorosas reprimidas, percepções subliminares consideradas percepções dos sentidos que não são suficientemente fortes a ponto de atingir a consciência. Além de conteúdos que ainda não estão maduros para a consciência (SHARP, 1991). Também é considerada como psique subjetiva. O inconsciente coletivo é uma camada estrutural da psique humana, mais profunda do que o inconsciente pessoal, que contém elementos herdados, ou seja, os instintos e os arquétipos. Também é considerada como psique objetiva. Sobre o inconsciente, Jung (1975) afirma que os conteúdos do inconsciente pessoal são parte integrante da personalidade individual e poderiam, pois, ser conscientes. Os conteúdos do inconsciente coletivo constituem como uma condição ou base da 29 FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I psique em si mesma, condição onipresente, imutável, idêntica a si própria em toda parte (JUNG, 1975). Neste sentido, Sharp (1991) adiciona que Encontramos também no inconsciente propriedades que não foram adquiridas individualmente; foram herdadas, assim como os instintos e os impulsos que levam à execução de ações comandadas por uma necessidade, mas não por uma motivação consciente. Nesta camada “mais profunda” da psique encontramos os arquétipos. Os instintos e os arquétipos constituem, juntos, o inconsciente coletivo. Eu o chamo coletivo porque, ao contrário do inconsciente pessoal, não é constituído de conteúdos individuais, mais ou menos únicos e que não se repetem, mas de conteúdos que são universais e aparecem regularmente (p.89). Jung define a psique como uma totalidade de todos os processos psicológicos, tanto conscientes quanto inconscientes. E arquétipos como padrões potenciais inatos de imaginação, pensamento ou comportamento que podem ser encontrados nos seres humanos em todos os tempos e lugares, e constituem junto com os instintos, os elementos primordiais e estruturais da psique (STEIN, 1998; SHARP, 1991). Conforme, a concepção junguiana, os arquétipos são sistemas de prontidão para a ação e, ao mesmo tempo, imagens e emoções (SHARP, 1991). São herdados junto com a estrutura cerebral por constituírem, de fato, o seu aspecto psíquico. Não se tratam de “ideias herdadas”, mas da “possibilidade” herdada das mesmas. Os arquétipos se apresentam como ideias e imagens, da mesma forma que tudo o que se torna conteúdo da consciência. Sobre isso, JUNG (1975) esclarece que, É muito comum o mal-entendido de considerar o arquétipo como algo que possui um conteúdo determinado; em outros termos, faz-se dele uma espécie de “representação” inconsciente, se assim se pode dizer. É necessário sublinhar o fato de que os arquétipos não têm conteúdo determinado; eles só são determinados em sua forma e assim mesmo em grau limitado. Uma imagem primordial só tem um conteúdo determinado a partir do momento em que se torna consciente e é, portanto, preenchida pelo material da experiência consciente. Poder-se-ia talvez comparar sua forma ao sistema axial de um cristal que preconfigura, de algum modo, a estrutura cristalina na água-mãe, se bem que não tenha por si mesmo qualquer existência material. Esta só se verifica quando os íons e moléculas se agrupam de uma suposta maneira. O arquétipo em si mesmo é vazio; é um elemento 30 UNIDADE I │ FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG puramente formal, apenas uma facultas praeformandi(possibilidade de preformação), forma de representação dada a priori. As representações não são herdadas; apenas suas formas o são (p.76). Considera-se na teoria junguiana que os arquétipos são, por definição, fatores e motivos que ordenam os elementos psíquicos em determinadas imagens, caracterizadas como arquetípicas, mas de tal modo que podem ser reconhecidas somente pelos efeitos que produzem. Jung (1975) afirma que O conceito de arquétipo deriva da observação reiterada de que os mitos e os contos da literatura universal encerram temas bem definidos que reaparecem sempre e por toda parte. Encontramos esses mesmos temas nas fantasias, nos sonhos, nas ideias delirantes e ilusões dos indivíduos que vivem atualmente. A essas imagens e correspondências típicas, denomino representações arquetípicas. Quanto mais nítidas, mais são acompanhadas de tonalidades afetivas vívidas. Elas nos impressionam, nos influenciam, nos fascinam. Têm sua origem no arquétipo que, em si mesmo, escapa à representação, forma preexistente e inconsciente que parece fazer parte da estrutura psíquica herdada e pode, portanto, manifestar-se espontaneamente sempre e por toda parte (p.79). Jung observa que não devemos entregar-nos à ilusão de que finalmente poderemos explicar um arquétipo e assim “liquidá-lo”. A melhor tentativa de explicação não será mais do que uma tradução relativamente bem-sucedida, num outro sistema de imagens (JUNG, 1975). Para psicologia junguinana, de uma maneira geral, destaca-se o equilíbrio entre os processos conscientes e inconscientes, além do aperfeiçoamento constante entre eles. Utiliza o termo individuação para definir o processo de desenvolvimento pessoal que inclui o estabelecimento de uma conexão entre o ego enquanto centro da consciência e self, centro da psique total (FADIMAN; FRAGER, 1986). O Self é o arquétipo central da ordem, da totalidade do homem. É o centro regulador da psique, e ao mesmo tempo o poder transpessoal que transcende o ego. Como conceito empírico designa o âmbito total de todos os fenômenos psíquicos no homem. Expressa a unidade e totalidade da personalidade global. Mas devido à sua participação inconsciente, só pode ser consciente em parte, razão pela qual o conceito de si-mesmo engloba o experimentável e o ainda não experimentado. Para Jung (1991), o si-mesmo é uma realidade “sobreordenada” ao eu consciente. Abrange a psique consciente e a inconsciente, constituindo por esse fato uma personalidade mais ampla, que também somos. Por mais consideráveis e extensas que sejam as 31 FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA ANALÍTICA DE JUNG │ UNIDADE I paisagens interiores e os setores apreendidos pela consciência, não desaparecerá a massa imprecisa e uma soma desconhecida de inconsciência, que também faz parte integrante da totalidade do si-mesmo. Outro ponto relevante refere-se à interpretação dos sonhos, Jung discordou da forma como Freud os interpretava, apesar de reconhecer seu mérito pela eficiência científica das descobertas da abertura do inconsciente presente no conteúdo onírico. O papel e a importância do sonho enfatizado por Freud conduziu Jung ao estudo do sonho a um nível mais alto. Para ele, o sonho é sempre um despertar do inconsciente em que formas que não foram conscientes acabam por emergir. Freud dizia que essas imagens eram “resíduos arcaicos”, porém Jung rejeitava essa expressão. Para ele, essas imagens primitivas tinham muita importância uma vez que podiam ser observadas em todas as partes do mundo. Não eram “resíduos”, mas tinham conteúdos valiosos. Jung não se surpreendeu quando via a reação de pacientes europeus e esclarecidos ficarem assustados com o aparecimento dessas formas primitivas enquanto que para um homem “primitivo”, com que ele conviveu na África, esse fenômeno era algo comum. Para Jung, o sonho era “um sopro da natureza” que tinha uma função compensadora. A mente não é no pensamento junguiano uma “folha em branco”, mas sim um reservatório de imagens coletivas que o homem acumulou desde eras primitivas quando a psique do homem e do animal andavam juntas. Pelo fato de o arquétipo não ter origem conhecida, por meio da análise dos sonhos de alguns pacientes angustiados com essas imagens primitivas, Jung os tranquilizava mostrando a eles como seus sonhos nada mais eram que uma ocorrência no mundo atual de imagens arquetípicas de tempos imemoriais. Jung acreditava e defendia que os antigos espíritos que tomavam posse do homem primitivo ainda existem. Essas forças do irracional ainda não estão sob o controle da consciência e o homem moderno não consegue controlá-las. Jung considera que o verdadeiro perigo está na presença de muitos elementos do consciente apresentarem-se como inconscientes. Isso se deve, segundo ele, ao fato de esses elementos terem sido reprimidos. Em relação à prática clínica junguiana, cabe ao psicólogo descobrir o que o paciente gosta ou teme. Um último ponto relevante para a compreensão da perspectiva junguiana reside no ponto em que se contrapõe a teoria freudiana. A concepção de Freud acerca da origem da repressão residir em traumas sexuais e o interesse pelos fenômenos mitológicos, espirituais e ocultos, os fizeram romper definitivamente em 1912, quando Jung publicou seu estudo sobre a transformação dos símbolos (FADIMAN; FRAGER, 1986). 32 unidAdE ii FundAMEntoS dA PSiCAnáliSE dE WinniCott Nesta Unidade trataremos do percurso pessoal e profissional de Donald Woods Winnicott, bem como sues principais conceitos e contribuições à Psicanálise. Figura 2. Donald Woods Winnicott. Fonte: <http://psicologandonanet.blogspot.com.br/2008/03/teorias-de-desenvolvimento-winnicott.html> Donald Woods Winnicott, nasceu em 7 de abril de 1896, em uma família metodista em Plymounth, na Inglaterra. Graduou-se em medicina, especializou-se em pediatria, e mais tarde, em psicanálise, ele desenvolveu o interesse entre a relação entre mãe e filho. Por ter o dom de falar bem, ele realizou incontáveis palestras e aulas, sendo convidado para expor suas ideias em público frequentemente, além de passar horas no trabalho clínico. No fim da Segunda Guerra Mundial, suas palestras foram transformadas em folhetos. Entre 1939 e 1962, Winnicott participou de cerca de 50 programas de rádio, convidado pela BBC, para falar com pais e mães sobre diversos assuntos, como conselhos, adoção, ciúmes, filho único e presença do pai na educação dos filhos. Até hoje, muitas pessoas ficam maravilhadas de ver a capacidade que o psicanalista tinha em compreender as crianças. Além de escrever muitos livros, Winnicott tinha uma mania na qual não conseguiu se libertar: escrever cartas. Ele escrevia cartas para tudo e para todos. Todas as palestras que seus colegas de trabalho ministravam, escrevia uma carta de congratulações. Quando faleceu, sua esposa divulgou muitas cartas inéditas que podem ser lidas em português no livro “O Gesto Espontâneo”. 33 Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ unidade ii Neste livro, aliás, consta uma preocupação de Winnicott referente à política de conciliação da Inglaterra com a Alemanha de Hitler. Winnicott interpelava o Primeiro Ministro da Inglaterra sobre suas posições democráticas. No seu percurso profissional e acadêmico, Winnicott foi, por duas vezes, presidente da Sociedade Britânica de Psicanálise. Para compreender a rica contribuição do autor à teoria e técnica psicanalítica, percorreremos seus conceitos fundamentais de forma analítica. Com foco na constituição psíquica, o ser humano, ao nascer, depende totalmente do cuidado do outro para se desenvolver e construir sua existência no mundo. As aprendizagens e vivências primordiais modelam a forma de ser e existir do ser humano como sujeito que, em diferentes contextos, absorve e é absorvido por experiências e vivências que favorecem ou não sua constituição como sujeito e sua diferenciação frente aos outros (WINNICOTT, 1990). O sujeito para se constituirnecessita da presença de outro ser humano já constituído, para se desenvolver a partir dessas relações primordiais. Pensar o sujeito nessa perspectiva nos impõe pensar em alguém instituído em uma família representada pelas funções materna e paterna, ordem primordial da organização social. Porém, para que o sujeito seja representado e represente sua família, existem mecanismos psíquicos e emocionais reguladores e possibilitadores dessa condição, tanto individual quanto socialmente instituídos (WINNICOTT, 1999). O sujeito, desde seu nascimento, estabelece relações afetivas e sociais essenciais para o seu desenvolvimento. As condições internas e externas ao sujeito para lidar com as situações da vida remetem-nos à sua constituição orgânica, psíquica, emocional e social, inerente a todos os seres humanos. Winnicott (1999) defende que, quando o estabelecimento dessas relações é satisfatório, ou seja, ocorreu em um ambiente familiar e social favorável, o sujeito passa a desenvolver suas principais capacidades emocionais, determinando, assim, a forma de lidar com diversas circunstâncias no decorrer de sua vida. Essas capacidades proporcionam o sentimento de confiança e pertencimento e instauram referências internas dessas relações, possibilitando o desenvolvimento de espaço interno e diferentes formas de lidar também com frustrações ou sentimentos adversos, resultado de um desenvolvimento favorável e satisfatório. No entanto, a impossibilidade do desenvolvimento favorável, quando existem dificuldades psíquicas e emocionais desde a relação mãe e bebê, pode instaurar o que Winnicott denominou como tendências antissociais, que assumem esse lugar, impossibilitando o sujeito de 34 UNIDADE II │ FUNDAmENtos DA PsIcANálIsE DE WINNIcott lançar mão de outras formas de lidar com sentimentos e emoções advindos de situações vivenciadas, por não possuírem internamente espaço para isso. As tendências antissociais, nas palavras de Winnicott (1999), permeiam atos delinquentes nos adolescentes e possíveis crimes na idade adulta, advindos do desenvolvimento desfavorável, ou seja, em ambiente familiar e social insuficiente. Essa tendência é observada quando ocorrem dificuldades psíquicas e emocionais nas relações primordiais que obstruem o crescimento e o desenvolvimento de condições para vivenciar sentimentos e emoções, restando à atuação disso em detrimento de pensamentos. Nesse sentido, sustenta-se a intolerância frente a sentimentos adversos como angústia, segurança, medo, sentimento de culpa, o que culmina na atuação dos mesmos, por não haver recursos para vivenciá-los e tolerá-los internamente como pensamento (BION, 1991). A tendência antissocial apresenta-se em sua funcionalidade análoga à ausência de abstração e representação mental proposta por Bion (1991), que inviabiliza o pensar, os pensamentos e o aprender com a experiência. Além disso, pode estar presente na conjugação psíquica e emocional que elegem inconscientemente o uso de drogas como resolução externa de conteúdos internos. Por outro lado, a tendência antissocial, ao passo que indica desenvolvimento desfavorável, apresenta-se como possibilidade de restauração, representando a esperança em obter do meio externo a continência de pulsões. Indica, a partir disso, invocar possíveis caminhos para alguma reversão da mesma, mas para isso é necessário ser devidamente reconhecida pelo contexto (KLEIN, 1996). A recusa da percepção desses aspectos pode inviabilizar uma forma mais adequada de acolhimento, principalmente quando é delegada em dicotomia ao sujeito e ao social. Em relação ao sujeito envolvido com a Justiça por uso de drogas, o olhar que circula suas experiências pode ampliar a forma como ele é percebido e se percebe nesse cenário, ainda mais quando invoca questões emocionais implicadas individual e socialmente. Winnicott (1999) aponta a tendência antissocial como indicadora de uma esperança e considera que a não percepção dessa esperança e o manejo inadequado dessa situação perpassam as intolerâncias humanas, sendo esse momento, muitas vezes, desperdiçado e esvaziado. Dessa forma, há uma relação direta entre a privação emocional de certas características essenciais das relações primordiais e a tendência antissocial, sendo algumas atitudes de tendência antissocial, uma tentativa de restauração, desvendando a esperança expressa em atos. Assinalamos, nesse sentido, a importância das relações primordiais de todo ser humano, por um lado, por influenciar as principais capacidades humanas, e, por outro lado, por instaurar vivências basilares que demarcam as relações sociais e afetivas do sujeito. 35 Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ unidade ii Retomando as relações primordiais, em especial as presentes na privação, faz-se necessário que haja entre a mãe e o bebê uma relação que proporcione adequadamente a privação e a satisfação, atendendo as necessidades do bebê e permitindo que possa conseguir aturar certa privação, cabendo então à mãe adaptar-se a essa flexibilidade e conduzi-la. Ou seja, ser a mãe suficientemente boa indicada pela teoria winnicottiana, que sustenta a frustração tanto quanto ensina seu bebê a sustentá-la. Essa mãe necessariamente reúne internamente essas vivências e poderá operacionalizá-las na relação com seu bebê. Caso contrário, empenhando-se em atender as demandas do bebê, sem proporcionar condições para lidar com a frustração, poderá incitar desajustes e sofrimentos psíquicos e emocionais, além da impossibilidade de aprender a lidar com a frustração ao longo da vida (WINNICOTT, 2001, 2002). A importância desse período inicial das relações humanas deve ser sempre destacada e tida como fundante e constitutiva do sujeito. A vivência de acolhimento em tenra idade institui possibilidades constitutivas do sujeito. A ausência ou insuficiência dessa vivência impõe um trânsito de sentimento desgovernado, gerando a voracidade como resposta ao vivenciado. Essa voracidade é a precursora de uma busca desenfreada daquilo que não fora internalizado e atualizado nas relações sociais, o que não fora acolhido apropriadamente. A voracidade, a desarrumação, a enurese e a destrutividade compulsiva podem ser manifestações da reação à privação e de uma tendência antissocial (WINNICOTT, 1999). Entretanto, de acordo com Winnicott (1999), na base da tendência antissocial, está uma experiência inicial boa que fora perdida. Num ambiente favorável, a criança produz tentativas de amar, percebe a situação externa a ela e testa o ambiente de diversas formas, buscando fornecer e preservar o objeto que deve ser buscado e encontrado. Por meio da percepção de uma nova situação de elementos confiáveis, experimentando o impulso de busca do objeto, incentiva o ambiente a se organizar para tolerar a frustração e ainda testa a capacidade do ambiente de suportar a agressão e impedir ou reparar a destruição. A criança pode se situar de forma diferenciada ou pode continuar sua busca por objetos substitutos em lugar do vivenciado como ausente, mediante rupturas das normas sociais, ou até mesmo de atos de destruição (KLEIN, 1996; FERRO, 2005). O reconhecimento do elemento positivo da tendência antissocial visa fornecer e preservar o objeto que deve ser buscado e encontrado e consiste na percepção da esperança que se instala nesse momento, quando há o manejo adequado dessa situação por parte dos pais, das autoridades, do Estado e da sociedade. A percepção do que um indivíduo pretende dizer com uma ação, que muitas vezes é interpelada de forma violenta e obscura pelo social, poderia revelar um convite a um caminho a ser trilhado em conjunto, para resgatar o sujeito que dali tenta se sobressair (WINNICOTT, 1999). 36 UNIDADE II │ FUNDAmENtos DA PsIcANálIsE DE WINNIcott Para o autor a criança percebe de maneira desorganizada os diferentes estímulos provenientes do exterior e necessita de apoio emocional para compreendê-los. O bebê nasce com uma tendência para o desenvolvimentoe a tarefa da mãe é oferecer um suporte adequado para que as condições inatas alcancem um desenvolvimento satisfatório. Figura 3. Holding. Fonte: <http://www.lussuosissimo.com/tag/festa-della-mamma/> Para Winnicott (2001) a sustentação ou holding protege contra a afronta fisiológica presente nos primeiros meses de vida. O holding deve levar em consideração a sensibilidade epidérmica da criança, presente no tato, temperatura, sensibilidade auditiva, sensibilidade visual, sensibilidade às quedas. Assim como o fato de que a criança desconhece a existência de tudo o que não seja ela própria. Inclui toda a rotina de cuidados ao longo do dia e da noite. A sustentação compreende não apenas o fato físico de sustentar a criança nos braços e os cuidados essenciais, mas principalmente emocionalmente que constitui uma forma de amar. A mãe funciona como um ego auxiliar. O autor (1998) propõe que, durante os últimos meses de gestação e primeiras semanas posteriores ao parto, produz-se na mãe um estado psicológico especial, ao qual chamou de “preocupação materna primária”. A mãe adquire graças a esta sensibilização, uma capacidade particular para se identificar com as necessidades do bebê e atendê-las. O holding efetuado pela mãe é o fator que decide a passagem do estado de não integração, que caracteriza o recém-nascido, para a integração posterior. O vínculo entre a mãe e o bebê assentará as bases para o desenvolvimento saudável das capacidades inatas do indivíduo (WINNICOTT, 2001, 1998). 37 Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ unidade ii O ser humano, para Winnicott (1983, 1990, 1998) nasce como um conjunto desorganizado de pulsões, instintos, capacidades perceptivas e motoras que conforme progride o desenvolvimento vão se integrando, até alcançar uma imagem unificada de si e do mundo externo. O papel da mãe é prover o bebê de um ego auxiliar que lhe permita integrar suas sensações corporais, os estímulos ambientais e suas capacidades motoras nascentes. Neste sentido, quando a mãe não fornece a proteção necessária ao frágil ego do recém-nascido, a criança perceberá esta falha ambiental como uma ameaça à sua continuidade existencial, a qual, por sua vez, provocará nela a vivência subjetiva de que todas as suas percepções e atividades motoras são apenas uma resposta diante do perigo a que se vê exposta. Pouco a pouco, procura substituir a proteção que lhe falta por uma “fabricada” por ela. O sujeito vai se envolvendo em uma casca, à custa da qual cresce e se desenvolve o self. O indivíduo vai se desenvolvendo como uma extensão da casca, como uma extensão do meio atacante, através de um falso self protetivo. Winnicoot (1998, 2001) afirma que a “mãe suficientemente boa” é a que responde a onipotência do lactante e, de certo modo, dá-lhe sentido. O “self verdadeiro” começa a adquirir vida, por meio da força que a mãe, ao cumprir as expressões da onipotência infantil, dá ao ego incipiente da criança. A mãe que “não é suficientemente boa” é incapaz de cumprir a onipotência da criança, pelo que repentinamente deixa de responder ao gesto da mesma, em seu lugar coloca o seu próprio gesto, cujo sentido depende da submissão ou acatamento do mesmo por parte da criança. Esta submissão constitui a primeira fase do self falso e é própria da incapacidade materna para interpretar as necessidades da criança. O falso self age como uma defesa ao verdadeiro self, a quem protege sem substituir. Nos casos mais graves, o self falso substitui o real e o indivíduo. Winnicott (1998, 2001) afirma que o falso self pode se encontrar representado por toda a organização da atitude social cortês e bem educada. Produziu-se um aumento da capacidade do indivíduo para renunciar a onipotência e ao processo primário, em geral, ganhando assim um lugar na sociedade que jamais se pode conseguir manter mediante unicamente o verdadeiro self. O falso self, especialmente quando se encontra no extremo mais patológico da escala, é acompanhado geralmente por uma sensação subjetiva de vazio, futilidade e irrealidade. Outro conceito importante é o objeto transicional que representa a primeira posse “não-ego” da criança, têm um caráter de intermediação entre o seu mundo interno e externo. Winnicott (1999, 2000) aponta que o conceito de objeto ou fenômeno transicional recebe três usos diferentes: um processo evolutivo, como etapa do desenvolvimento; vinculada às angústias de separação e às defesas contra elas; representando um espaço 38 UNIDADE II │ FUNDAmENtos DA PsIcANálIsE DE WINNIcott dentro da mente do indivíduo. Ele propõe ainda que em determinadas condições, o fenômeno ou objeto transicional pode ter uma evolução patológica, ou mesmo se associar a certas condições insatisfatórias. O objeto transicional é algo que não está definitivamente nem dentro nem fora da criança. Poderá servir para que o sujeito possa experimentar com essas situações, e para ir demarcando seus próprios limites mentais em relação ao externo e ao interno. Como se o objeto transicional estivesse situado em uma zona intermediária, na qual a criança se exercita na experimentação com objetos, mesmo que estejam fora, sente como parte de si mesma (BLEICHMAR; BLEICHAMAR, 1992). Para explicar a constituição do objeto transicional, Winnicott (1998, 2000, 2001) remonta ao primeiro vínculo da criança com o mundo externo, a relação com o seio materno. No princípio, a criança tem uma ilusão de onipotência, vivenciando o seio como sendo parte do seu próprio corpo. Mas, uma vez alcançada esta onipotência ilusória, a mãe deve idealmente, ir desiludindo a criança, pouco a pouco, fazendo com que o bebê adquira a noção de que o seio é uma “possessão”, no sentido de um objeto, mas que não é ele, “pertence-me, mas não sou eu”, papel da mãe suficientemente boa. O objeto transicional ocupa para um lugar que Winnicott (2000) denomina como ilusão. Ao contrário do seio, que não está disponível constantemente, o objeto transicional é conservado pela criança e quem decide a distância entre ela e tal objeto. Como os fenômenos transacionais “representam” a mãe, torna-se essencial que ela seja vivenciada como um objeto bom. Bleichmar e Bleichamar (1992) relatam que, quando dentro da criança, o objeto materno está danificado, é pouco provável que ela recorra, de maneira constante, a um fenômeno transicional. Winnicott propõe que a maturação emocional se dê em três etapas sucessivas: a da integração e personalização, a da adaptação à realidade e a de pré-inquietude ou crueldade primitiva. Para o autor (1990, 1998, 1999, 2000, 2001) as experiências iniciais são estruturantes do psiquismo, participam da organização da personalidade e dos sintomas. O bebê nasce em um estado de não integração em que os núcleos do ego estão dispersos e, para o bebê, estes núcleos estão incluídos em uma unidade que ele forma com o meio ambiente. A meta desta etapa é a integração dos núcleos do ego e a personalização, ou seja, adquirir a sensação de que o corpo aloja o verdadeiro self. O objeto unificador do ego inicial não integrado da criança é a mãe e sua atenção pelo holding. Na etapa inicial de desenvolvimento a questão primordial é a presença de uma mãe-ambiente confiável que se adapte às suas necessidades de maneira virtualmente perfeita. Winnicott inclui entre as “necessidades do ego” tanto os cuidados físicos 39 Fundamentos da Psicanálise de Winnicott │ unidade ii quanto os psíquicos. Nem a realização mecânica das tarefas físicas ligadas ao lidar com o bebê, e nem a resposta imediata às suas demandas pulsionais de forma isolada, implicam a satisfação das necessidades do ego (WINNICOTT, 1990, 1998, 2001, 2002). A integração é obtida a partir de duas séries de experiências. Por um lado tem especial importância a sustentação exercida pela mãe, que “recolhe os pedacinhos do ego”, permitindo que a criança se sinta integrada dentro dela. Por outro lado há um tipo de experiência que tende a reunir a personalidade em
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