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08/07/2022 AS TEORIAS CRIMINOLÓGICAS CRÍTICAS Prof. João Paulo Roberti Junior Psicologia Jurídica aplicada ao Direito Mudanças e rupturas Os anos 60 foram marcados por grandes e irreversíveis rupturas culturais. Também foram os anos em que os “movimentos sociais” entraram no cenário político e social em todo mundo. Novas ideias foram construindo um novo arsenal teórico para lutas de grupos até então à margem dos partidos políticos, sindicatos e preocupações acadêmicas. Estes movimentos tornaram visíveis sujeitos coletivos portadores de uma inédita identidade: estudantes, afro- americanos, imigrantes, homossexuais, mulheres, pacifistas, ecologistas etc. 08/07/2022 Consequências... Inúmeros foram os movimentos e reações a partir da década de 60 que deixaram à mostra os limites e insuficiências do sistema punitivo e que foram se aglutinando sob o genérico rótulo de “Criminologia Crítica”, expressão inspirada na tradição da Teoria Crítica. A Teoria Crítica busca chamar a atenção para o papel do intelectual como agente de transformação, eliminando o pressuposto metodológico da ciência tradicional, que é a separação entre indivíduo e sociedade. O projeto da Teoria Crítica não desejava ser messiânico no sentido de propor um novo modelo político, mas o de desalienação como possibilidade de emancipação. Criminologia crítica Criminologia Crítica é uma expressão que unifica distintas concepções que possuem em comum o questionamento e problematização do fenômeno da incriminação, bem como os fatores e variáveis subjacentes ao delito. Questiona a legitimidade, as relações de poder e as instâncias de controle da ordem social e econômica. 08/07/2022 Criminologia radical Trata-se de uma corrente desenvolvida a partir dos anos 70, nos Estados Unidos, Inglaterra, Itália e Espanha, que entende ser impossível uma solução para a “questão criminal” em uma sociedade capitalista. O objetivo, portanto, deve ser a transformação do sistema social, econômico e político como um todo e, por consequência, vê na lei penal um instrumento de garantia das classes dominantes e não um consenso social. Criminologia crítica os interesses que estão na base da formação e aplicação do Direito Penal são os dos grupos com poder de influência no processo de criminalização, cujos interesses são garantidos através da lei penal, portanto, seus interesses não são os interesses comuns a todos os cidadãos; A criminalidade é uma realidade social criada através do processo de criminalização, portanto, é sempre um produto político. 08/07/2022 Criminologia crítica Juarez Cirino dos Santos (2006, p. 10-1), destacado criminólogo e representante da Criminologia Radical no Brasil, explica o porquê de serem questionáveis as estatísticas oficiais os crimes da classe trabalhadora desorganizada (...), integrantes da “criminalidade de rua” (de natureza essencialmente econômica e violenta) são super-representados nas estatísticas criminais porque apresentam (em um primeiro nível de análise) os seguintes caracteres: constituem uma ameaça generalizada ao conjunto da população, são produzidos pelas camadas mais vulneráveis da sociedade e apresentam a maior transparência ou visibilidade, com repercussões e consequências mais poderosas na imprensa, na ação da polícia, do judiciário etc.; a criminalidade da pequena burguesia (profissionais, burocratas, administradores etc.), geralmente danosa ao conjunto da sociedade (a dimensão inferior da criminalidade de “colarinho branco”), raramente aparece nas estatísticas criminais, e a grande criminalidade das classes dominantes (as burguesias financeira, industrial e comercial), definida como “abuso de poder” (econômico e político), a típica criminalidade de “colarinho branco” (especialmente das corporações transnacionais), produtora do mais intenso dano à vida e à saúde da coletividade, e ao patrimônio social e estatal, está excluída das estatísticas criminais. As correntes abolicionistas Não há uma única Criminologia Abolicionista, mas várias versões sobre o abolicionismo penal. Algumas correntes defendem a abolição da pena (de prisão e de morte), outras, a justiça criminal se dividindo entre abolicionistas propriamente ditos e minimalistas (defesa de um direito penal mínimo). O ponto em comum das distintas correntes abolicionistas é a constatação da ilegitimidade dos mecanismos sociais de controle, dentre os quais o sistema penal. 08/07/2022 As correntes abolicionistas A tônica também comum dos abolicionistas é, a partir de premissas humanizadoras, a necessidade de substituição do sistema punitivo por outro mais efetivo, uma vez que o modelo atual, antes de ressocializar e restaurar o criminoso, serve mais como uma “fábrica” rotineira de mais violência, estigmatizando a personalidade do incriminado e, como consequência, criando e reproduzindo delinquência. a justiça criminal consiste, por um lado, nas atividades de certas agências, sendo elas o fruto da organização cultural e social descrita previamente e, por outro lado, na recepção e legitimação dessas atividades nos diferentes segmentos da ‘sociedade’. A abolição dirige-se a ambas as áreas: as atividades das organizações e sua recepção na ‘sociedade’ (HOULSMAN, 1997, p. 201). As correntes abolicionistas 08/07/2022 Com o objetivo de projetar novas alternativas culturais e ideológicas, substitui termos como: • situações de conflito ao invés de comportamento; • natureza problemática ao invés de natureza ilegal criminosa; • a entrada em cena do agressor quando a vítima define o ocorrido de forma a torná-lo irrelevante; • perspectiva de futuro (restauradora); • “o que pode ser feito?” para recompor agressor e vítima. Correntes Minimalistas ou Garantistas Na Europa, em meio ao confronto contra um Direito Penal autoritário herdado de regimes ditatoriais e a necessidade de mecanismos jurídicos e legais eficientes contra o terrorismo, surge, em fins da década de 70, o pensamento minimalista ou garantista. Como tentativa de manter uma tradição penal ilustrada e humanista frente à ameaça de retorno ao Estado com poderes ilimitados, juristas politicamente definidos passam a militar em favor de um constitucionalismo e ordem jurídica democrática através da defesa das garantias resguardadas pelo Estado de Direito. 08/07/2022 [...] a tutela daqueles valores ou direitos fundamentais, cuja satisfação, mesmo contra os interesses da maioria, constitui o objetivo justificante do direito penal, vale dizer, a imunidade dos cidadãos contra a arbitrariedade das proibições e das punições, a defesa dos fracos mediante regras do jogo iguais para todos, a dignidade da pessoa do imputado, e, consequentemente, a garantia da sua liberdade, inclusive por meio do respeito à verdade. É precisamente a garantia destes direitos fundamentais que torna aceitável por todos, inclusive pela minoria formada pelos réus e pelos imputados, o direito penal e o próprio princípio majoritário (FERRAJOLI, 2010, p. 312). Correntes Minimalistas ou Garantistas A seletividade, a reprodução da violência, a criação de condições para maiores condutas lesivas, a corrupção institucionalizada, a concentração de poder, a verticalização social e a destruição das relações horizontais ou comunitárias não são características conjunturais, mas estruturais do exercício de poder de todos os sistemas penais (ZAFFARONI, 1991, p. 15). 08/07/2022 Atividade reflexiva... Em fins de 2011 chegava às livrarias a obra “Justiça – pensando alto sobre violência, crime e castigo” de autoria de Luiz Eduardo Soares, lançada pela Editora Nova Fronteira. Soares é antropólogo, cientista político e escritor, considerado ainda um dos maiores especialistas em Segurança Pública no Brasil, razão pela qual foi Secretário de Segurança Pública no Rio de Janeiro – governo de A. Garotinho – e participou da Secretaria Nacional de Segurança Pública durante o governo Lula. Entretanto, é mais conhecido pela publicaçãodos livros “Elite da Tropa” e “Elite da Tropa 2”, que serviram de roteiro para filmes que abordaram a problemática questão que envolve os trabalhadores da Segurança Pública no Rio de Janeiro. [...] para domesticar o medo do desconhecido e do incontrolável (que a própria ideia de futuro encerra), precisamos acreditar piamente na grande ilusão da continuidade. É o mito da repetição por inércia, segundo o qual o passado é fiador do futuro. A fidelidade à rotina, o apego ao que fomos e acumulamos, ao que fizemos e construímos, seriam sufi cientes para nos garantir sua sequência. Ou seja, bastariam como garantias de previsibilidade e controle, reduzindo a angústia e a insegurança. Ao contrário da concepção predominante, custo mais conservar e repetir do que mudar, também por outro motivo: é a mudança – e não a preservação – que corresponde ao fluxo natural da existência dos seres e das coisas. Por isso, as instituições e seus representantes se enrijecem tanto, se armam tanto para proteger a continuidade, mantendo o status quo, qualquer que ele seja, em todos os domínios da experiência humana, individual e coletiva, familiar e social. 08/07/2022 Quando uma jovem ou um jovem vê-se embaraçado na prisão de um adjetivo, uma acusação, uma classificação jurídica ou um diagnóstico moral/psicológico (o atrapalhado, a rebelde, o problemático, a desequilibrada, o violento, a devassa, o criminoso), deve aprender esta lição: a sociedade, as instituições e seus agentes – família, escola, comunidade, rede de colegas, justiça, polícia, quando não profissionais da medicina e do mundo psi – tendem a trabalhar com enorme energia para bloquear o turbilhão vital das mudanças. Isso porque a estabilidade psicológica e a fé desses agentes – nas coisas como elas são e na continuidade e na previsibilidade de mundo – dependem das amarras desse jovem à sua sentença, ao seu diagnóstico, ao seu problema ou ao seu destino. Abrir-se à naturalidade da mudança é o desafio que se coloca aos que preferem apostar no desconhecido e aceitam conviver com a angústia do descontrole. Talvez eles sejam motivados por uma fé oposta àquela que ancora o mito da continuidade: a fé no potencial do ser humano para um convívio mais amoroso, mediado por valores e instituições mais generosas. Fonte: SOARES, Luiz Eduardo. Justiça – pensando alto sobre violência, crime e castigo. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira Participações S.A., 2011, p. 161-162. Há relação entre o considerado pelo autor no texto e a atitude intelectual que é proposta pelo pensamento crítico?
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