Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO BAHIANO CURSO: ARTES VISUAIS COMPO.: História da Arte PROF.: Suzane Pinho ALUNO: Gilmar Nascimento O ESTILO ARCAICO E A ARTE NAS CORTES DOS TIRANOS O coral aristocrático e a lírica subjetiva. As estátuas dos vencedores olímpicos. Os primórdios do individualismo na poesia e na arte. As cortes dos tiranos. Cultura e arte. A autonomia das formas. Só 700 anos A. C., quando tipos urbanos de vida começaram, mesmo no continente, a suplantar os de uma sociedade rural, a rigidez das formas geométricas começou a afrouxar. O novo estilo arcaico, que agora vai suceder ao geométrico, tem a sua origem numa síntese dos estilos do Oriente e do Ocidente, da Jônia urbanizada, por um lado, e do continente ainda quase completamente agrícola, por outro. Entre o fim do período micênico e o princípio do período arcaico na Grécia, não se ergueram palácios nem templos, nem, aliás, existe arte monumental de qualquer espécie; deste período tudo quanto nos resta são os raros vestígios de uma arte inteiramente restrita ao campo da cerâmica. Mas com o estilo arcaico, produto de um comércio florescente, de cidades ricas e de uma colonização próspera, começa um novo período de escultura e de arquitetura monumental. É esta a arte de uma sociedade cuja elite se elevou do nível de camponeses ao de magnatas de cidade, de uma aristocracia que começa a gastar as suas rendas nas cidades e que intervém na indústria e no comércio. Esta arte nada revela acerca das concepções estreitas e estáticas do camponês. É citadina, não apenas nos empreendimentos monumentais em que se lança, mas no seu desapego da tradição e na sua permeabilidade a influências estranhas. Sem dúvida, governam-na ainda certo número de princípios formais, principalmente os princípios do frontalidade e da simetria, da forma cúbica e dos quatro aspetos fundamentais de modo que mal se pode dizer que o estilo geométrico haja desaparecido quando o estilo clássico nasceu. Mas dentro destas limitações, as tendências do estilo arcaico são muito variadas e dão um largo passo no sentido do naturalismo. Tanto o elegante, ligente estilo artístico do Koray jónico, como as maciças, fortes for mas dinâmicas da escultura dórica primitiva, tendem sempre, apesar da sua arcaica rudeza, para uma expansão e diferenciação dos meios de expressão ao dispor do artista. No Leste, dominava o elemento jônico; toda a evolução se dá no sentido do requinte, da virtuosidade e do formalismo; o seu ideal tem realização na arte certeza dos tiranos A mulher é aqui, como em Creta, o assunto principal; a arte das costas da Jónia e das suas ilhas tem plena expressão naquelas estátuas votivas de donzelas, de roupagens elegantes, cabelos cuidadosamente penteados, adornadas de joias ricas e sorrindo com decoro, de que, a julgar pela abundância dos achados, os templos deviam estar cheios. É de se notar o fato de os artistas arcaicos, como os seus predecessores cretenses, nunca representarem a mulher nua; buscam os seus efeitos plásticos não no nu, mas nas roupagens e na sugestão do corpo sob as vestes que se lhe colam. A aristocracia detestava as representações do nu, 'democrático como a morte' (Julius Lange); inicialmente, mesmo o nu masculino só era tolerado, parece, como propaganda dos jogos atléticos, por virtude do culto do corpo e do mito da raça que ele simbolizava. Olímpia, onde se erguiam essas estátuas de mancebos, era certamente o local por excelência dessa propaganda na Grécia, pois que era lá que se formavam, promovidos pela sua aristocracia, a opinião pública do país e o sentimento de unidade nacional. A arte arcaica nos séculos VII e VI A.C., é a arte de uma nobreza ainda muito rica e com o controle completo da máquina do governo, mas cuja posição econômica e política já estava ameaçada. O processo por que ela foi apeada do seu comando econômico pela burguesia das cidades, e as suas rendas em gênero, desvalorizadas em consequência dos enormes lucros alcançados com a nova economia monetária, continuou ininterruptamente durante a era arcaica. É só mente nesta situação de crise, que de fato, a aristocracia toma consciência das suas caraterísticas essenciais é agora que ela começa a dar relevo às suas caraterísticas próprias, como compensação da sua evidente inferioridade na luta econômica. Caraterísticas de classe e de raça de que até aí quase não havia tomado consciência, porque eram pressupostos indiscutíveis, são agora reivindicadas como virtudes especiais e especiais excelências que justificam. A crise que então desponta está no fundo da trágica visão do mundo de Pindaro. É a fonte onde o maior dos poetas nobres vai beber a sua inspiração, na realidade, a fonte da própria tragédia grega. Os trágicos, é certo, só puderam entrar na posse da herança de Pindaro depois de a terem expurgado das suas inferioridades - o culto mesquinho das grandes famílias, o ideal unilateral do desporto, os 'louvores a ginastas e palafreneiros depois, enfim, de terem libertado da estreiteza de Pindaro, a concepção trágica da vida, de modo que ela pudesse agradar ao seu público mais vasto e mais variado. As formas da escultura e da pintura desse período são, da mesma maneira, determinadas pela ética de nobreza e pelo ideal aristocrático de beleza corporal e espiritual, ainda que tal não seja, talvez, tão evidente como na poesia. As estátuas habitualmente catalogadas como 'Apolos', de mancebos nobres que haviam vencido os Jogos Olímpicos, ou as figuras, como as dos frontões da Egina, de orgulhoso vigor corpóreo e de nobre porte, são a réplica perfeita do estilo aristocrático, heroicizante e da obsoleta altivez de Pindaro. O mesmo másculo ideal baseado no conceito de vida que a considera um torneio, o mesmo típico produto de casta e perfeito treino atlético, constituem o assunto tanto da escultura como da poesia. A participação nos Jogos Olímpicos era reservada aos nobres; só eles dispunham dos meios necessários para o treino e para a própria competição. A primeira lista de vencedores data do ano 776 A.C., mas a primeira estátua de um vencedor, segundo Pausanias, foi erigida em 536 A.C. No intervalo destas duas datas, a aristocracia atingiu o seu esplendor. Deveremos concluir que as estátuas dos vencedores tiveram por fim estimular as gerações mais débeis, menos ambiciosas, menos ativas, que vieram depois. As estátuas de atletas não pretendem ter semelhança com o modelo, são retratos idealizados, cujo único fim era, ao que parece, conservar a memória de determinada vitória e fazer propaganda dos jogos. Em muitos casos, provavelmente o artista nunca teria visto o vencedor a imortalizar, e tinha de basear o retrato numa descrição superficial do retratando a observação de Plínio segundo a qual os atletas tinham direito a que o seu retrato tivesse semelhanças pessoais depois da terceira vitória, deve referir-se a datas posteriores; não há razão para pensar que qualquer das estátuas durante o período arcaico tivesse 'semelhança' com os modelos; mas, mais tarde é perfeitamente possível que os gregos usassem da mesma distinção que hoje se faz, quando um prêmio menor é, habitualmente, completamente impessoal, ao passo que um grande prêmio tem gravado o nome do vencedor e os pormenores da competição. Seja como for, a ideia de retrato, no sentido que hoje se lhe dá, era completamente alheia à arte grega durante o período arcaico, a despeito do progresso considerável no sentido do individualismo que nesse período se verificou. O princípio deste individualismo econômico marca o fim da compilação das épicas e o início de uma tendência subjetiva na poesia, com predomínio da lírica. Esta tendência revela-se não apenas no assunto, que nas líricas é normalmente de caráter mais pessoal do que nas épicas, mas ainda numa reivindicação da parte do poeta, do reconheci mento de que éele o autor dos seus poemas. A ideia de propriedade intelectual privada aparece então pela primeira vez, e enraíza. A poesia dos rapsodos era uma obra coletiva, propriedade comum e indivisível de uma escola, corporação ou grupo. Nunca nenhum deles considerou como propriedade sua os poemas que recitava. Os poetas do período arcaico não só aqueles, como Alceu e Safo, que escreveram líricas de sentido pessoal, mas também os autores de líricas discursivas e corais dirigiam-se ao seu público na primeira pessoa. Os tipos estabelecidos de poesia diluem-se agora numa multiplicidade de estilos individuais; em cada poema é o poeta que exprime direta mente os seus modos de ver e de sentir ou que faz uma comunicação Pela mesma época, 700 A.C., aparecem as primeiras obras de arte plástica com inscrições a começar no vaso de Aristonotos, que é a mais antiga obra de arte firmada, conhecida. No século VI entra em cena um tipo de homem até então praticamente desconhecido: o artista com uma personalidade pronunciadamente individual. Nem na Época pré-histórica nem na Oriental primitiva, nem durante o período geométrico da arte grega, havia qualquer coisa como um estilo individual, ou ideias ou ambições pessoais, pelo menos não há o menor vestígio de o artista alimentar quaisquer sentimentos dessa natureza. Soliloquios como os poemas de Arquilocusou Safo pretensão de se tornar distinto de todos os outros artistas apresentada por Aristonotos, tentativas de dizer qualquer coisa já dita, de um modo diferente, ainda que não necessariamente melhor, tudo isto é completamente novo e proclama uma evolução que daí em diante continua sem retrocesso (à parte a primeira Idade Média) até ao presente. A aristocracia não favorece, em geral, o individualismo; fundamenta as suas reivindicações de privilégio em virtudes comuns a toda a classe ou pelo menos a todo o clã. E a nobreza dórica do período arcaico tinha particular aversão aos impulsos e ideias individualistas, em contraste, particularmente, com a nobreza da idade heroica ou dos centros comerciais jônicos. O herói ambiciona fama, o comerciante, o lucro; ambos são individualistas; mas na nobreza territorial dórica os antigos ideais heroicos haviam perdido o vigor, enquanto, simultânea mente, a procura do dinheiro e do lucro lhe inspirava mais temor do que esperança. Deste modo é perfeitamente natural que ela se haja entrincheirado por detrás das tradições da sua classe e tentado de ter a irrupção do individualismo. Os tiranos, que nos fins do século VII tinham por toda a parte passado a dominar, primeiro nos principais Estados jônicos e a seguir no continente, representam uma vitória decisiva do individualismo sobre a ideologia do sangue. Se comparamos a arte dos tiranos com a de épocas anteriores, o que mais nela impressiona é a superficialidade do motivo religioso. Parece que suas criações sacudiram de si todas as ligações com o hieratismo e conservaram-se numa relação meramente exterior à religião. Quer se lhes chame estátuas culturais, ofertas votivas ou monumentos funerários, o seu ritual é apenas o mero pretexto da sua existência. A sua real intenção e o seu objetivo são realizar a perfeita representação do corpo humano, uma interpretação da sua beleza, a compreensão da sua forma sensível, liberta de todo o sentido mágico ou simbólico. O erigirem-se estátuas de atletas pode ter tido qualquer relação com o ritual religioso, as donzelas jônicas podem ter sido utilizadas como ofertas votivas, mas basta olhar para elas para se ficar convenci do de que nem umas nem outras têm nada que ver com sentimento religioso e muito pouco com tradições culturais. Comparem-se com qualquer obra da arte do Oriente Antigo, e verificar-se-á a liberdade e até o que há de deliberado na sua concepção. No antigo Leste uma obra de arte, tenha ela a forma dum deus ou dum homem, é um requisito de ritual religioso. Qualquer ilustração das cenas mais triviais da vida cotidiana está intimamente relacionada com a fé na imortalidade e o culto dos mortos. Esta correlação entre arte e culto, ainda que nunca tão intima, encontra-se ocasionalmente na arte grega; as mais antigas obras de arte podem talvez ter sido puramente ofertas votivas, embora isso possa surpreender-nos, como Pausanias faz notar a respeito das esculturas da Acrópole em geral. Mas no período arcaico mais recente, a íntima correlação anterior entre arte e religião desaparece, e a produção de obras de arte seculares aumenta constantemente, enquanto diminuem as obras religiosas. A religião vive e exerce a sua influência, mesmo quando a arte deixa de servi-la; de fato, a época dos tiranos é a cena de um renascimento religioso que por toda a parte faz erguer em êxtases novas profissões de fé, no vos cultos secretos e novas seitas; mas, de princípio, estes desenvolvem-se a ocultas e por enquanto não alcançam a luz da arte. Deste modo, já não se vê a arte recebendo encomendas da religião e sendo por ela estimulada, mas pelo contrário, assiste-se ao fenômeno de, neste período, o zelo religioso ser inspirado pela habilidade evoluída do artista. O costume de ofertar aos deuses representações dos seres vi vos como dons votivos, vai beber nova vida ao poder de o artista tornar essas representações mais imponentes, mais atraentes e mais ver dadeiras e, em consequência, mais capazes de agradar aos deuses. Os templos começam, agora, a povoar-se de esculturas, mas o artista deixa de estar na dependência dos sacerdotes, sob a sua tutela, e não é deles que recebe encomendas; os seus patronos são agora as cidades, os tiranos e, para trabalhos menos dispendiosos, também particulares ricos. As obras que executa para eles não se pretende que possuam poderes mágicos ou salvadores, e mesmo quando sirvam um fim sagrado não pretendem ser elas próprias sagradas. Estamos aqui em presença de uma concepção da arte completamente nova; ela já não é um meio de atingir um fim, mas um fim em si mesma. E assim a arte, que começou por ser uma mera servidora da magia e ritual, um instrumento de propaganda e panegirico, um meio de influenciar deuses, espíritos e homens, torna- se, até certo ponto, uma atividade pura, autônoma 'desinteressada, praticada pelo seu próprio valor e pela beleza que revela. Semelhantemente, os mandamentos e interdições, as obrigações e os tabus. Nos séculos VII e VI A.C., os gregos da Jónia, ao mesmo tempo que descobriam a ideia de ciência como investigação pura, criavam as primeiras obras de uma arte pura, desinteressada, primeira sugestão de l'art pour l'art. Mas uma mudança de ponto de vista desta grandeza não se realiza numa única geração ou mesmo num período que se possa identificar com o domínio dos tiranos ou com o estilo arcaico. Talvez mesmo tal mudança não se possa localizar em qualquer período de tempo; talvez ela seja a erupção de um impulso primevo, cujas primeiras manifestações sejam tão antigas como a própria arte. Com a separação destas funções espirituais umas das outras e da totalidade da vida, a unidade original do senso prático no homem, o seu conhecimento discriminante e a sua visão global enfraquecem e fragmentam-se em esferas ético-religiosa, científica e artística. A resposta à questão de saber porque é que a transformação se deu neste momento e neste ponto tem claramente de se procurar nas consequências da colonização e nas reações que a vida entre povos e culturas estranhas deve ter provocado nos gregos. Os povos estranhos que na Ásia Menor os rodeavam por todos os lados deram-lhes consciência do seu próprio gênio, e esta consciência própria, acompanhada de autoafirmação, isto é, a descoberta e a exageração dos seus traços especiais, levou-os inevitavelmente à ideia de espontaneidade e autonomia. Uma atenção habituada a notar a cultura de povos diferentes passa gradualmente a distinguir os vários elementos à custa dosquais cada povo forma a sua visão do mundo. Quando se verifica que o deus da fertilidade, o deus da tempestade ou o deus da guerra são retratados de maneira diferente por esses povos, o espírito vai gradualmente dando conta da maneira de representação utilizada; cedo ou tarde é provável que venha a tentar-se produzir qualquer coisa à maneira estrangeira, muito embora não se professem as crenças religiosas do estrangeiro, ou mesmo não se professando qualquer crença. Neste momento estamos a um passo das concepções de formas independentes, não relacionadas com qualquer visão unitária do mundo. O tomar-se consciência de si próprio a concepção geral de que 'Eu existo' independentemente das circunstâncias do momento assinala o primeiro grande esforço de abstração do homem; a segunda abstração consiste em destacar da sua função, na totalidade da sua própria existência e na unidade da sua visão do mundo, as várias atividades espirituais. A arte só se torna independente de magia e de religião, de preceito e de prática, quando a casta que detém o poder pode permitir-se o luxo de pagar uma arte sem objetivo prático.