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Cultura e linguagem 4

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Cultura e Linguagem
Responsável pelo Conteúdo:
Prof.ª Me. Natalia Mendonça Conti
Prof. Me. Bruno Pinheiro Ribeiro
Revisão Textual:
Prof.ª Esp. Aline Gonçalves
Cultura e Arte: Aproximações e Afastamentos
Cultura e Arte: Aproximações 
e Afastamentos
 
 
• Observar os atravessamentos da arte e da cultura em três momentos históricos distintos; 
• Entender a relevância da arte grega e ateniense para a cultura em suas diferentes lingua-
gens: pintura, escultura, arquitetura e teatro; 
• Estudar a relação da forma mercadoria com a produção artística moderna e seu impacto 
na cultura; 
• Refletir sobre a conexão das artes e das culturas negras brasileiras contemporâneas e sua 
importância crítica. 
OBJETIVOS DE APRENDIZADO 
• Introdução;
• Algumas Experiências Gregas;
• O Mundo da Mercadoria e as Formas Artísticas e Culturais;
• Artes e Culturas Negras Brasileiras Contemporâneas.
UNIDADE Cultura e Arte: Aproximações e Afastamentos
Introdução
Nossa quarta unidade se assenta sobre alguns debates das fronteiras e dos atra-
vessamentos das noções de arte e cultura. Para Williams (2007), a cultura em al-
guns momentos se confunde com as atividades artísticas, como teatro, dança, artes 
plásticas, cinema, música etc. Contudo, em outros momentos, as artes parecem 
se destacar do corpo da cultura, ou pelo menos se postulam como distantes. Para 
tentar estudar com mais foco essas questões, caminharemos por três experiências 
sócio-históricas olhando-as sob o prisma da arte e da cultura, suas aproximações 
e afastamentos. 
O primeiro estudo de caso se refere à sociedade grega, chamada de clássica. Esse 
período nos leva a refletir sobre o imbricamento entre arte e cultura, a partir de 
perspectivas políticas, religiosas, éticas e estéticas. O caráter público das dimensões 
culturais e artísticas chama a atenção e revela a dinâmica coletiva dessas elabora-
ções; além disso, as experiências helênicas serviram de base para modelações cul-
turais e artísticas posteriores, inclusive com reverberações atuais, fazendo com que 
haja a possibilidade de discutir se o fenômeno grego clássico se constitui como um 
paradigma ocidental. 
O segundo momento histórico que nos servirá de base para estudo é a moderni-
dade, entendendo-a a partir dos processos sociais e políticos que a fundaram, a sa-
ber: a revolução liberal burguesa e o modo de produção capitalista. Balizado, sobre-
tudo, pelos estudos dos teóricos Theodor Adorno e Walter Benjamin, analisaremos a 
ascensão da forma mercadoria e sua implicação na arte e na cultura, transformando 
ambas e destacando-as. A reprodutibilidade das obras de arte e o decaimento de 
sua áurea, bem como a massificação da arte e da cultura, destituindo-as a partir da 
indústria cultural, aparecem como elementos críticos fundamentais. 
Nosso terceiro pórtico da caminhada se refere às produções e reflexões das artes 
negras brasileiras contemporâneas. Imersas em um contexto de histórico escravocrata 
com cicatrizes sociais profundas, ainda abertas em nosso tempo, as artes negras 
contemporâneas tentam elaborar seus trabalhos em contato intenso com as cultu-
ras negras afrodescendentes. Em nosso estudo, focalizaremos algumas experiências 
estéticas que dialogam com esse vínculo entre arte e cultura negras, tomando como 
horizonte duas linhas fundamentais: uma que tenta elaborar a memória afrodescen-
dente, afirmando-lhe importância e validade diante do imaginário sociossimbólico; 
a outra tenta escovar nossa história a contrapelo e revelar como nossas estruturas 
sensíveis, que constituem nossos padrões estéticos e culturais, pautam-se em mode-
los brancos, eurocêntricos e que, portanto, alijam à margem as experiências negras. 
Essas duas linhas se cruzam, se emaranham e formam uma teia crítica importante e 
necessária para o debate de arte e cultura em nosso tempo. 
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9
Figura 1 – Olga Albizu, Impression #1
Fonte: wikiart.org
Algumas Experiências Gregas
Três Formas: Pintura, Arquitetura e Escultura
Para organizarmos as experiências estéticas e culturais gregas, começaremos 
estudando – a partir das noções de Janson e Janson (1996) – três manifestações 
estético-culturais em diversos momentos históricos da sociedade grega: pintura, 
arquitetura e escultura.
Nas artes plásticas, um dos estilos mais antigos é conhecido como geométrico, si-
tuado por volta dos 800 a.C. (antes de Cristo). Esse estilo é conhecido, pela historio-
grafia especializada, em larga medida pelas pinturas cerâmicas. Antes desse período, 
as pinturas em cerâmica se caracterizavam por desenhos abstratos, como triângulos, 
formas em xadrez e círculos concêntricos. Mas, por volta de 800 a.C., essas pintu-
ras cerâmicas passaram a incorporar figuras humanas e animais, tendo como base 
estética uma concepção geométrica, que posteriormente foi amadurecendo, abrindo 
espaço para outras cenas mais elaboradas. Nota-se que parte dessas pinturas estava 
em grandes vasos atenienses que serviam de ornamento para túmulos e que tinham 
a função de receber oferendas para os mortos, cruzando de maneira ritualística a 
arte e a cultura em sua dimensão sagrada. 
A relevância desse trabalho da pintura dos vasos era tamanha que os melhores 
pintores passaram a ser estimados a ponto de assinarem suas obras. Em meados 
do século VI a.C., a complexificação das pinturas era nítida, como expressa pela 
cena de Hércules estrangulando o leão de Nemeia na ânfora de Psiax. Essa e outras 
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UNIDADE Cultura e Arte: Aproximações e Afastamentos
pinturas já se afastavam do estilo geométrico, com as figuras pintadas em preto e, 
posteriormente, por volta de 500 a.C. em vermelho, aprimorando a visualidade do 
desenho. A evolução da técnica revela uma habilidade do escorço e um conhecimento 
anatômico sofisticado, projetando as figuras no vaso na ilusão de três dimensões. 
Além do progresso técnico, esses vasos continham uma narrativa de mitos e lendas 
gregas em seus traços, dando às obras uma importância cultural, como referência 
histórica para a sociedade grega de então. 
Assim como a pintura, a arquitetura teve papel de suma importância para a anti-
guidade helênica. O desenvolvimento artístico de suas formas e técnicas foi notável e 
estava vinculado ao ambiente público, fazendo com que sua dimensão sociocultural 
se mostrasse relevante. 
Essa arquitetura é classificada a partir de três ordens clássicas: a jônica, a dórica 
e a coríntia. Duas edificações históricas se destacam em um primeiro momento, a 
Basílica de Pesto e o Templo de Poseidon, tendo a segunda sobrevivido com mais 
elementos constituintes do que a primeira. 
Posteriormente a esses monumentos foi criado o Partenon em Atenas, por volta 
de 460 a.C. O fato de ter sido construído em Atenas, que, na época, vivia seu mo-
mento mais glorioso e imponente, fez com que esse projeto arquitetônico tivesse 
a seu dispor o melhor em relação ao material e à mão de obra. O Partenon é tido 
como uma edificação que caminhava para uma integridade harmoniosa, tendo em 
seu domínio um equilíbrio gracioso e agradável. Um pouco mais tarde, entre 427 e 
424 a.C., foi criado o Templo de Atena Nike. Um de seus elementos novos é a coluna 
jônica, que se diferencia da dórica em termos materiais e espirituais, concedendo-
-lhe apreciações e fruições novas para aquele tempo. Essas e outras construções 
lograram a arquitetura grega ao patamar de base referencial para a cultura ocidental. 
Os templos gregos são regidos por uma lógica estrutural que os faz pare-
cer estáveis devido à organização harmoniosa de suas partes. Os gregos 
tentaram regular seus templos de acordo com a harmonia da natureza, 
construindo-os segundo unidades calculadas, tão proporcionais que esta-
riam em perfeita harmonia. (JANSON; JANSON, 1996, p. 56)
Nessa primeira caminhada pela sociedade grega clássica, aportaremos, em nossa 
terceira estação, a escultura. 
O primeiro estilo escultórico é chamado de arcaico e guarda relação com as for-
mas egípcias, ao mesmo tempo que se diferencia com avançostécnicos. A diferença 
é que as esculturas gregas arcaicas, ao contrário das egípcias, não tinham uma pa-
rede como suporte. Esse destaque da escultura de sua matéria (a parede de pedra) 
coloca em evidência o corpo esculpido e assim se “aproximava” do ser vivo ao qual 
ela representava. Portanto, esse avanço técnico também desempenhava uma função 
estética, fazendo com que a possibilidade representacional ampliasse seus recursos. 
Outro aspecto relevante dessas esculturas é sua dimensão cultural religiosa, como a 
figura do jovem Kouros, que foi produzida em larga escala e era destinada aos túmu-
los e às oferendas nos templos gregos. 
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Posteriormente, passamos para o chamado estilo clássico, que se singulariza pela 
afirmação de alguns preceitos fundamentais para a arte grega subsequente. As for-
mas passam a ter como base proporções harmoniosas orientadas pelo naturalismo, 
no qual as figuras escultóricas tinham uma expressão mais séria e meditativa. Essas 
formas, feitas dessa maneira, se amalgamavam com as aspirações idealistas da cultura 
grega daquele momento e ganharam enorme força, sendo, inclusive, influência para 
experiências ulteriores que ultrapassam os limites gregos. Um dos exemplos mais su-
blimes é a estátua de bronze de Zeus, que é representado em um exercício contínuo, 
remetendo a um atleta que exprime sua força, seu poder e sua magnitude, todas essas 
características afirmadas por uma magnitude com ares de estabilidade e fluidez. 
O último dos estilos escultóricos que estudaremos nesta unidade é o helenístico. 
Comparado ao estilo clássico, ele se distinguiria a partir de um realismo e uma ex-
pressividade mais acentuados, incluindo também uma maior experimentação com 
as formas, conferindo-lhes mais movimentos de torsão a partir de mais investimen-
tos técnicos no drapejamento e na postura. O período helenístico, ao contrário do 
apogeu clássico, representou o declínio da sociedade grega, com sua desintegração 
e perda de poder político, e essa experiência histórica foi absorvida pelas esculturas. 
Dentre outras coisas, essas formas helenísticas substituíram a serenidade clássica por 
semblantes mais perturbados, dando uma possibilidade de interpretação psicológica 
a essas esculturas, mediando-as com o mundo que as envolvia. Mais uma vez, a cul-
tura e a arte se fundem, como duas instâncias que produzem intercâmbio constante e 
vigoroso, podendo uma ser causa e consequência da outra, em uma relação dialética 
importante e produtiva. 
Figura 2 – Vitória de Samotrácia, escultura grega
Fonte: Wikimedia Commons
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UNIDADE Cultura e Arte: Aproximações e Afastamentos
A Tragédia
A tragédia é considerada uma das primeiras formas teatrais. Produzida na Grécia, 
mais especificamente em Atenas, neste estudo, no final do século VI a.C. e atingindo 
seus contornos mais importantes no século V a.C.
Essa sociedade grega ateniense compreendia o teatro como parte de seu todo. 
Diferentemente do que ocorre majoritariamente nos dias de hoje, as apresentações 
teatrais gregas eram realizadas por meio de concursos e articulavam-se com ou-
tras atividades; juntas, davam corpo a um evento festivo denominado “dionisíacas”. 
O nome nos dá uma pista importante da pré-história desse evento e até do teatro: 
trata-se de uma homenagem ao deus Dionísio, cultuado na Grécia Antiga como 
portador da fertilidade. Sendo assim, as festas dionisíacas mantinham a tradição de 
oferta ao deus que proveria a boa colheita da sociedade. 
Esse traço ritualístico é fundamental para se compreender as origens da tragédia, 
sobretudo no que diz respeito a sua proporção pública. As dionisíacas não eram 
meros eventos destacados de maior importância, ao contrário, eram festas situadas 
no calendário oficial, que ocorriam nos espaços mais importantes da cidade e mobi-
lizavam grande parte da sociedade. 
Ao mesmo tempo que se filiava a aspectos sagrados, a tragédia no interior de 
sua forma e em sua relação com o mundo que a produzia e que ela mesma ajudava 
a produzir representava uma cisão com as instâncias míticas. As peças, em larga 
medida, confrontavam os desígnios mitológicos enraizados na cultura ática com os 
preceitos democráticos centrados na figura humana que começavam se sedimentar. 
Esse embate de mundos que se manifestava na forma trágica era produto de seu 
próprio tempo, sendo, portanto, a tragédia não só o registro das primeiras peças de 
teatro que o ocidente convencionou, mas também um documento histórico que nos 
ajuda a compreender a cultura grega em seus impasses e potências. 
A tragédia não é apenas uma forma de arte, é uma instituição social que, 
pela fundação dos concursos trágicos, a cidade coloca ao lado de seus 
órgãos políticos e judiciários. Instaurando sob a autoridade do arconte 
epônimo, no mesmo espaço urbano e segundo as mesmas normas insti-
tucionais que regem as assembleias ou os tribunais populares, um espaço 
aberto a todos os cidadãos, dirigido, desempenhado por representantes 
qualificados das diversas tribos, a cidade se faz teatro; ela se toma, de 
certo modo, como objeto de representação e se desempenha a si própria 
diante do público. (VERNANT; NANQUET, 2005, p. 10)
Como descrito, a tragédia é um elemento incorporado à gênese social, um dispo-
sitivo que fundamenta a sociedade grega. Sociedade que se distingue radicalmente 
da nossa, e que um de seus traços de distinção é a figura do cidadão. A ideia de 
indivíduo não frequenta o ambiente ático, sendo produto posterior, vindoura da mo-
dernidade. Nesse sentido, o cidadão é aquele que conjuga e delibera com outros 
cidadãos valores, normas, leis e regras, e é reconhecido como tal por sua dimensão 
coletiva. Ou seja, a democracia é formada por cidadãos que afirmam sua identidade a 
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partir do que é público, e não do que lhes é íntimo e privado. Contudo, é muito impor-
tante que se diga que somente os homens atenienses tinham o estatuto de cidadãos; 
a democracia grega, em múltiplas de suas instâncias, excluía radicalmente mulheres 
e estrangeiros e escravizava outras pessoas para a manutenção de sua vida material. 
S e analisarmos as dramaturgias que sobreviveram à ação do tempo e da história hu-
mana, podemos compreender com mais clareza a importância da tragédia para a cul-
tura grega. U m dos elementos que as tragédias continham em sua forma artística eram 
os coros. Os coros, simplificadamente falando, eram como se fossem a reunião de 
muitos personagens em um só, contudo, preservando a sua dimensão coletiva. E ram, 
portanto, representados por muitos atores que evoluíam conjuntamente no interior da 
cena e respondiam aos demais personagens em bloco. Por essas características, pode-
-se interpretar que os coros eram a representação dos cidadãos dentro da encenação, 
eram a manifestação de seus conflitos, a ação que interrogava os protagonistas, a voz 
da cidade na cena. Voz essa que até hoje ecoa em teatros pelo mundo afora. 
Mas se a tragédia parece assim, mais do que qualquer outro gênero en-
raizada na realidade social, isso não significa que seja um reflexo dela. 
Não reflete essa realidade, questiona-a. Apresentando-a dilacerada, dividi-
da contra ela própria, torna-a inteira problemática. (...) A tragédia nasce, 
observa com razão Walter Nestle, quando se começa a olhar o mito com 
olhos de cidadão. Mas não é apenas o universo do mito, que sob esse 
olhar, perde sua consistência e se dissolve. No mesmo instante, o mundo 
da cidade é submetido a questionamento e, através do debate, é contestado 
em seus valores fundamentais. (VERNANT; NANQUET, 2005, p. 10 -11)
O Mundo da Mercadoria e as 
Formas Artísticas e Culturais 
O segundo movimento de nossa unidade se refere ao processo contínuo e cons-
tante de mercantilização da produção e da reprodução das obras de arte na moderni-
dade, e até mesmo a formas de recepção, ou seja, a maneira como nos relacionamos 
com elas. Apesar de algumas significativas distinções, esse movimento ainda perdura 
nos dias de hoje, e suas raízes e elementosconstitutivos foram analisados com pre-
cisão e afinco em dois ensaios importantes, que servirão de base para nossos estu-
dos. Tratam-se dos ensaios “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, 
de Walter Benjamin, e “Indústria Cultural: O Esclarecimento como Mistificação das 
Massas”, de Theodor W. Adorno e Max Horkheimer. 
A forma mercadoria foi descrita de maneira seminal por Karl Marx em seu livro 
“O Capital”; ali o autor alemão analisa como essa forma se constitui e como ela se mani-
festa no interior do modo de produção capitalista, sendo, ao mesmo tempo, o seu funda-
mento objetivo particular e universal, abrangendo do mais elementar ao mais complexo 
dos produtos e se espalhando aos quatro cantos do mundo. Essa descrição e análise de 
Marx continha em seu bojo um prognóstico ainda não realizado em seu tempo, mas 
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UNIDADE Cultura e Arte: Aproximações e Afastamentos
que posteriormente viria a se confirmar: no mundo dominado pelos modos de produção 
capitalista, quase tudo pode vir a ser mercadoria. É nesse sentido que caminham Walter 
Benjamin, Theodor W. Adorno e Max Horkheimer ao perceberem que a modernidade 
transformou em mercadoria experiências sociais subjetivas que até então jamais pode-
riam ser concebidas dessa forma, e uma delas é justamente a obra de arte. 
No interior de grandes períodos históricos, a forma de percepção das 
coletividades humanas se transforma ao mesmo que seu modo de exis-
tência. O modo pelo qual se organiza a percepção humana, o meio em 
que ela se dá, não é apenas condicionado naturalmente, mas também 
historicamente. (BENJAMIN, 1994, p. 169)
Para Walter Benjamin, a modernidade a partir da organização do modo de pro-
dução capitalista atingiu em cheio o estatuto da obra de arte a ponto de transfigurar 
algumas de suas características fundamentais, das quais destacamos três: a autenti-
cidade, a aura e o culto. 
Benjamin (1994) avalia que a autenticidade de uma obra de arte se define pelo 
seu “aqui e agora do original”, que consegue se enraizar socialmente a ponto de se 
constituir como uma tradição. Esse “aqui e agora do original” se atualiza constante-
mente, sempre “igual e idêntico a si mesmo”, na medida em que essa obra de arte 
toma contato com o público. Ou seja, esses objetos – as obras de arte – guardam 
consigo uma espécie de carimbo que lhes outorga a capacidade da originalidade, que 
os distingue de pretensas cópias e/ou falsificações. 
Em suma, a autenticidade de uma obra de arte lhe confere autoridade de tal. Até a 
modernidade, essa autenticidade mantinha-se firme, determinando assim a condição 
geral da obra de arte e a consequente percepção humana. Contudo o fenômeno 
da reprodutibilidade técnica destronou essa autoridade autêntica. Apesar de a cópia 
ser um recurso utilizado antes da modernidade, é nessa época que a cópia pode ser 
massificada, destinada a milhares de pessoas e, mais ainda, é nesse tempo histórico 
que a cópia vira uma forma, um modo de produção artístico emancipado da ori-
ginalidade. Como exemplo, podemos pensar na fotografia e no cinema. São duas 
expressões modernas que contêm em si mesmas a necessidade da reprodução em 
larga escala, da disseminação, da multiplicação, ou seja, da destituição da pretensão 
do original e da assunção de sua dimensão serial. 
O outro elemento estudado por Benjamin é aura, que seria “uma figura singular, 
composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, 
por mais perto que ela esteja” (BENJAMIN, 1994, p. 170). Benjamin apresenta 
como exemplo de aura o tipo de contato que é possível estabelecer com fenôme-
nos da natureza, e como as obras de arte autênticas, providas de originalidade, 
continham esse elemento conectivo destruído pela modernidade. A capacidade da 
reprodutibilidade técnica faz com que as obras de arte possam ser disseminadas em 
múltiplos vetores e que possam se aproximar de seu público de maneira jamais vista. 
O consumo massivo da arte, por exemplo, nos coloca diante dessa aproximação 
que esse modo de produção artística fez vigorar. O decaimento da aura faz com 
que as obras percam seu invólucro especial, que seu estatuto anterior lhe garantia. 
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Agora, postas em circulação de larga escala, as obras reposicionam-se no interior 
da sociedade, a elas são dadas outras possibilidades de contato com o público, suas 
implicações no imaginário social se alteram radicalmente e sua natureza passa a ter 
em grande medida o objetivo do consumo. 
A força do consumo como mola propulsora da produção artística, vinculada a sua 
capacidade de reprodutibilidade, faz com que o culto da obra de arte – nosso último 
elemento de estudo – se esvaia e passe a dar lugar para a exposição. No assim cha-
mado período arcaico, a produção de obras de arte estava intrinsecamente ligada ao 
seu caráter mágico, suas formas eram devotas de cultos, de eventos culturais de sig-
nificância social, de modo que sua existência enquanto obra una, individual e singular 
não se sustentava. C om inúmeras transformações históricas, as obras passaram a 
figurar em outras dinâmicas sociais. Elas passam a ser expostas, a ter um espaço 
específico e separado para sua apreciação, passam, portanto, a se autonomizar em 
relação aos eventos de culto que as sustentavam, passam a ter instâncias próprias, 
passam a ser chamadas pelo nome próprio e passam a desempenhar um papel 
singular no âmbito cultural. Esse caráter de exposição se intensifica com a moderni-
dade, porque a reprodutibilidade técnica possibilita que as obras circulem e, portan-
to, sejam expostas em mais lugares e com maior velocidade. Contudo, ao mesmo 
tempo que a emancipação do culto e a consequente singularização da obra de arte 
se verticalizam com a modernidade, a reprodutibilidade técnica passa a vigorar como 
um fim em si mesma, fazendo com que as obras de arte passem a ter seu sentido de 
existência validado por sua capacidade de exposição. Logo, se o valor está na expo-
sição, na sua propriedade de disseminação, e a sociedade se estrutura a partir dos 
princípios da mercadoria, a condição para que as obras circulem e cumpram seu pa-
pel expositivo se assegura em sua capacidade de se transmutar na forma mercadoria. 
Esse amálgama da reprodutibilidade técnica com a mercadoria, que vigora hoje de 
forma ainda mais contundente, faz com que uma obra de arte percorra o mundo em 
uma fração de segundos, ao mesmo tempo que é disposta em uma prateleira para 
competir com outros objetos artísticos e ser consumida como uma fatia de pizza. 
Figura 3 – Marcel Duchamp, Fountain
Fonte: wikiart.org
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UNIDADE Cultura e Arte: Aproximações e Afastamentos
Os critérios objetivos da reprodutibilidade técnica na ênfase de Walter Benjamin alça-
vam ares outrora vistos na relação das obras de arte com a sociedade. Para Theodor W. 
Adorno e Max Horkheimer, essa relação passa a ser denominada como indústria cultural. 
Sob o poder do monopólio, toda cultura de massas é idêntica, e seu es-
queleto, a ossatura conceitual fabricada por aquele, começa a se delinear. 
Os dirigentes não estão mais sequer muito interessados em encobri-lo, seu 
poder se fortalece quanto mais brutalmente ele se confessa de público. 
O cinema e o rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verda-
de de que não passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia 
destinada a legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles se defi-
nem a si mesmos como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos 
de seus diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade so-
cial de seus produtos. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 100) 
Se em Benjamin a relação entre culto e exposição ainda continha um pressuposto 
de autonomia da obra de arte, agora, para Adorno e Horkheimer, com a consolida-
ção da indústria cultural, as obras de arte se destituem de sua natureza artística e pas-
sam a vigorar como mercadorias servindo aos seus princípios, habitando o mundo a 
partir de suas regras e desejos. 
Como a obrapassa a ser produzida como uma mercadoria, todas as etapas de sua 
existência passam a orbitar nesse sentido. Sendo assim, Adorno e Horkheimer obser-
vam como, por exemplo, a cultura do consumo artístico passa a ser preponderante. 
As obras são expostas segundo critérios de vendagem e distribuição, atendendo a 
demandas de nichos de consumo, como se estivessem dispostas em prateleiras como 
qualquer produto. A infinitude de classificações em gêneros para os filmes é um 
desses exemplos de mercantilização extrema, na qual uma obra se encaixa em uma 
tipificação que está à espera de um consumidor que confirme a sua trajetória. Nesse 
ciclo, portanto, o sentido da obra não está em sua própria existência, como expe-
riência sensível consequente de uma elaboração artística que guarda relação com a 
história social e a história formal daquela linguagem, a obra passa a ser produzida 
com a finalidade de ser exposta para o consumo, é a partir de sua efetivação como 
produto que sua natureza se realiza na dinâmica da indústria cultural. 
Outro aspecto relevante desse processo, analisado por Adorno e Horkheimer, é a 
uniformização que a industrialização impõe às produções. Os produtos, dados o seu 
modo de produção e sua necessidade de circulação, passam a se assemelhar entre 
si, em um processo de afirmação modelar, no qual se presume pelo consumo uma 
espécie de fórmula do sucesso. Observa-se que esse sucesso não é fruto mesmo da 
natureza artística em si, de sua elaboração formal a partir de critérios de sua lingua-
gem artística, o fenômeno de sua excelência passa pela capacidade de racionalização 
do seu processo de produção e circulação. É nesse esteio que os especialistas pas-
sam a ganhar importância, são eles que conseguem apreender as “leis de mercado” 
e conferir à produção sua efetividade mercantil. Então assistimos a uma contradição 
importante: por um lado, as prateleiras estão repletas de produções que atendem a 
inúmeros nichos de consumo, por outro lado, a forma de produção, o cerne de sua 
natureza se uniformiza, retirando das obras sua singularidade. 
16
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Um exemplo dessa uniformização destacado por Adorno e Horkheimer é a sobrepo-
sição do efeito como norma fundamental da composição das produções artísticas que 
vigoram na indústria cultural. Esse efeito fala por si mesmo, ele domina as condicionan-
tes da obra, à revelia de qualquer outra camada e elemento. Essa lógica do efeito tem a 
necessidade de que a obra reduza o mundo a si mesma, da qual destacamos duas ações. 
A primeira delas é a tentativa de supressão da distância entre a obra e o mundo, 
entre sua dimensão representacional e a realidade na qual está inserida. O exemplo 
mais concreto dessa relação é visto no cinema, com o desenvolvimento da tecnologia 
da imagem, que a cada salto técnico se aproxima mais da realidade, quase como se 
dissesse que não há mais separação entre as duas. Essa indistinção entre a ficção e a 
realidade se consolidou com a indústria cultural e reduz a um tempo as duas instân-
cias. Com mundo real e representado em similitude, a forma da obra passa a operar 
no sentido dessa perpetuação, ou seja, seu objetivo enquanto obra de arte passa a 
ser técnico: o de se parecer cada vez mais com o real. Muitas consequências podem 
ser depreendidas dessa relação, e talvez uma das mais importantes é que a sociedade 
que não consegue distinguir os limites entre o ficcional e o real pode acabar tendo no 
real aquilo que pareceria figura do ficcional. Nesse sentido, um processo ideológico 
de naturalização de ações, de comportamentos passa a vigorar. 
A vida não deve mais, tendencialmente, deixar-se distinguir do filme sonoro. 
Ultrapassando de longe o teatro de ilusões, o filme não deixa mais à fantasia e 
ao pensamento dos espectadores nenhuma dimensão na qual estes possam, 
sem perder o fio, passear e divagar no quadro da obra fílmica permanecendo, 
no entanto, livres do controle de seus dados exatos, e é assim precisamente 
que o filme adestra o espectador entregue a ele para se identificar imedia-
tamente com a realidade. Atualmente, a atrofia da imaginação e da espon-
taneidade do consumidor cultural não precisa ser reduzida a mecanismos 
psicológicos. Os próprios produtos – e entre eles em primeiro lugar o mais 
característico, o filme sonoro – paralisam essas capacidades em virtude de 
sua própria constituição objetiva. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 104)
Mas esse processo autorreferenciado não se faz apenas pelo encurtamento das 
fronteiras entre real e ficcional. É preciso que a estrutura desse tipo de produção não 
deixe brechas para o inesperado, para a ação de quem se relaciona com elas. A dorno 
e Horkheimer observam como a indústria cultural vai encontrando um modelo for-
mal de operação do sensível, a partir da construção de produtos que são fechados 
em si mesmo e que são capazes de despertar a atenção de qualquer um para seus 
pressupostos. A velocidade da montagem de um filme, de uma peça publicitária, 
bem como o encadeamento de seus fatos são feitos de modo que o sentido se esta-
beleça de maneira única e inequívoca e parta sempre da produção para a recepção. 
Essa forma, ao induzir a recepção, retira dela aquilo que era próprio da obra de arte: 
sua abertura interpretativa e sensível. D e uma só vez, a indústria cultural nos impele 
um jeito de fruir sensivelmente com sua produção, a partir dessa frenética forma que 
não deixa espaço para qualquer possibilidade de devaneio e divagação; e nos coloca, 
diante da produção, em uma posição de assimilação passiva de seus conteúdos e 
contornos, dando-nos pouco espaço para uma ação ativa, reflexiva, que preencha a 
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UNIDADE Cultura e Arte: Aproximações e Afastamentos
obra com nossas impressões e interpretações. É como se fôssemos tragados e, no 
meio dessa torrente, só a sua lei intempestiva vigorasse. 
A violência da sociedade industrial instalou-se nos homens de uma vez 
por todas. Os produtos da indústria cultural podem ter a certeza de que 
até mesmo os distraídos vão consumi-los alertamente. Cada qual é um 
modelo da gigantesca maquinaria econômica que, desde o início, não 
dá folga a ninguém, tanto no trabalho quanto no descanso, que tanto se 
assemelha ao trabalho. (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p. 104)
Contudo essa relação não se dá sem algum tipo de prazer. Atolados em um mundo 
de exploração do trabalho, a indústria cultural age como um expurgo, como uma espé-
cie de ação compensatória para essa exaustação. E aí reside a sua dialética, porque ela, 
ao mesmo tempo que nos alivia da tensão, do exaspero, da extenuação do trabalho, 
repõe nossas energias para que no dia seguinte retomemos a rotina da exploração. 
Assim se conforma como uma distração, que recompensa a exploração dos modos 
de produção capitalistas na mesma medida que os sustenta e sofistica suas formas de 
dominação. A cultura massificada, portanto, além de esfacelar os princípios constituti-
vos da obra de arte, se vincula com a totalidade da dominação social, incluída em sua 
dimensão técnica e produtiva, atuando na esfera do sensível, funcionando como uma 
espécie de anestesia conveniente, organizado a experiência dos sentidos e o imaginá-
rio social a partir de seus critérios e objetivos. Como se observa, portanto, a indústria 
cultural, mais do que apenas refletir a cultura de seu tempo, é uma das indutoras da cul-
tura de seu tempo, mesmo que esse processo se forje na base da perpetuação da do-
minação e da exploração, o que nos põe a refletir sobre o próprio conceito de cultura. 
Artes e Culturas Negras 
Brasileiras Contemporâneas
Autorretrato
Eu sou a noite 
Sem destino 
Esbofeteada pelo vento
Nesta selva branca
Noite
Que procura caminho
Como o faminto
Procura o pão 
Noite 
Que conserva
Orgulhosamente 
A despeito de tudo
Um punhado de estrelas
Em cada mão 
(Carlos de Assumpção)
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O terceiro movimento de nossa unidade se refere à produção artística e cultural 
negra brasileira contemporânea. Discutiremos algumas características dessa enormee fecunda constelação a partir de conceitos e experiências, levando em conta sua 
multiplicidade e sua conexão com a constituição da cultura social brasileira. 
O primeiro ponto a ser tratado é a noção de racismo. O processo de colonização 
que sustentou o desenvolvimento econômico europeu e sedimentou as possibilida-
des de estruturação das bases capitalistas foi forjado, dentre outras coisas, a partir 
do genocídio das populações nativas nas Américas e na África, e da escravização 
e do comércio de pessoas escravizadas. Esse processo escravista, apesar de extinto 
formalmente, por meio de leis, não deixou de lograr consequências para a produção 
social da vida, mesmo em nossos dias, passados mais de cem anos de sua extinção. 
O racismo, portanto, se espraiou para as formas sociais, mesmo que a abolição da 
escravatura tenha sido referendada oficialmente. Ele permanece como prática social 
e, segundo o teórico brasileiro Silvio Almeida, ele é estrutural, ou seja, ele não se 
resume a uma instância individual ou institucional, ele permeia as relações sociais de 
modo generalizado e enraizado, fazendo com que as práticas racistas se naturalizem 
no interior do corpo social. 
Em resumo: o racismo é uma decorrência da própria estrutural social, ou 
seja, do modo “normal” com que se constituem as relações políticas, eco-
nômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem 
um desarranjo institucional. O racismo é estrutural. Comportamentos in-
dividuais e processos institucionais são derivados de uma sociedade cujo 
racismo é regra e não exceção. O racismo é parte de um processo social 
que “ocorre pelas costas dos indivíduos e lhes parece legado pela tradição”. 
Nesse caso, além de medidas que coíbam o racismo individual e institu-
cionalmente, torna-se imperativo refletir sobre mudanças profundas nas 
relações sociais, políticas e econômicas. (ALMEIDA, 2018, p. 38-39)
Como aponta Almeida (2018), o racismo se apresenta e se estrutura como regra, 
como modo de organização da produção social, sendo assim, ele também normatiza 
os modos como pensamos o mundo, a produção dos saberes e as artes e a cultura. 
Nesse sentido, podemos dar um passo atrás para nos lembrarmos da ideia do 
universal. O universal, como conceito, se desenvolve e se sedimenta no interior da 
sociedade burguesa, branca e europeia, e se alastra pela modernidade como índice, 
como premissa a ser seguida pela vida social. Sua promessa é que a centralidade do 
mundo está no indivíduo e nele reside a universalidade, ou seja, todos podemos ter 
acesso ao desempenho de nosso destino e direito à construção de nossa liberdade. 
Contudo, essa premissa se esfacela porque o tempo de sua produção como conceito 
norteador é o tempo da colonização e da exploração do trabalho. S endo assim, sua 
promessa de liberdade universal colide vertiginosamente com os processos que ela 
própria engendra: colonização, escravização, genocídio e exploração da força de tra-
balho. E as perguntas não calam: quem é livre? A que preço a liberdade é realizada? 
Quais os processos históricos e sociais que garantem a liberdade de uns e a subju-
gação de outros? Quais as ideias que contribuem para que a liberdade seja restrita?
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UNIDADE Cultura e Arte: Aproximações e Afastamentos
Como se vê, então, o universalismo contém uma fissura. Uma fissura profunda, 
uma contradição latente em relação ao seu pressuposto de identificação genérica 
da humanidade. Em contraponto a essa ideia universalista, há um campo de es-
tudos situado especialmente na filosofia africana que vai desenvolver o conceito 
de pluriversal. 
Em termos pluriversais, filosofia é o conjunto da multipilicidade de filo-
sofias particulares (RAMOSE, 2011, p. 12). Pois bem, em termos bem 
simples: a filosofia entendida como universal estaria ligada à educação 
entendida como um território com centro e periferias. Por outro lado, a 
pluriversalidade filosófica aqui defendida concebe a educação como um 
exercício policêntrico, perspectivista, intercultural que busca um polidiá-
logo considerando todas as particularidades. (NOGUERA, 2012, p. 65) 
Na medida em que a dinâmica centro e periferia, na qual o centro emana o saber 
para a periferia, é contestada, torna-se possível que outros saberes circulem e tenham 
relevância para o debate público e para a produção dos modos de vida da sociedade. 
É no cerne dessa contestação que as produções artísticas negras brasileiras se con-
solidam na contemporaneidade, tendo como horizonte prático e reflexivo duas linhas 
que se cruzam: a crítica do cânone europeu e sua pretensão universalizante e a re-
memoração de saberes, práticas, culturas e modos de ser afro-brasileiros. Esse caldo 
se mistura e dá corpo a produções artísticas fundamentais para a compreensão de 
nosso passado e para a construção de nosso futuro. 
Um dos movimentos artísticos de nosso tempo é o assim chamado teatro negro. 
Com espetáculos diversos entre si, conseguiu-se se firmar como movimento dada a 
sua capilaridade e relevância para a reflexão de nossa sociedade, como destaca José 
Fernando Peixoto de Azevedo.
Se, por um lado, a ideia de um teatro negro hoje abarca aquele devir 
negro do mundo, antevisto Achile Mbembe, estágio conflagrado de um 
processo de desumanização programada, por outro, a fórmula ultima-
mente retomada, segundo a qual o negro como “raça” é uma invenção do 
capitalismo, exige a consideração de que o negro é, depois disso, sujeito 
de uma posição do mundo. A palavra “negro” não designa apenas a 
vítima, mas também aquele que se afirma sujeito de luta, forma radical 
de uma consciência em explosão. Antes reificada num processo de des-
tituição dos corpos e das almas, essa consciência projeta-se no tempo, 
agora, tensionando memória e história. (AZEVEDO, 2018, p. 7) 
Azevedo destaca a importância da luta e a dialética da construção da ideia de 
negro, construção branca que designou, a partir da colonização e da escravidão, um 
espaço para o negro na sociedade. Mas, como se observa, esse espaço, além de 
abjeto, é artificial, construído no interior do processo histórico, portanto, passível de 
ser transformado. O teatro negro brasileiro contemporâneo é então um desses locais 
para a reflexão desse espaço que a sociedade engendrou para o negro e, ao mesmo 
tempo, é uma possibilidade de invenção de outro espaço para a sociedade, no qual 
o racismo seja definitivamente superado. 
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Imagem da peça “Três Pretos: Valor de uso”, com direção de José Fernando Peixoto de Azevedo. 
Disponível em: https://bit.ly/2HdXQwp
Para encerrar nossa unidade, apresentamos o trabalho da artista visual, pesqui-
sadora e professora Rosana Paulino. Paulino é doutora em artes visuais pela Univer-
sidade de São Paulo e vem se destacando por uma elaboração poética sofisticada 
produzida em conexão com questões sociais, étnicas e de gênero. 
S eu trabalho se destaca pela variedade artística, manifestada pelos usos de múl-
tiplas linguagens, como a escultura, a gravura, a instalação, a fotografia, a pintura. 
Usos esses que servem ao experimento e ao intercâmbio dessas próprias linguagens, 
amparados por um processo de r ememoração das raízes afro-brasileiras e da reflexão 
crítica da condição de nosso passado escravocrata e patriarcal que ainda sedimenta 
chagas em nossa sociedade. 
Figura 4 – Rosana Paulino, sem título, 1997
Fonte: mam.org.br
Em alguns trabalhos, observamos uma organização poética a partir de fotografias 
antigas, nas quais são costuradas linhas, de modo que a imagem produzida seja a de 
mulheres negras com pescoços, olhos, bocas, testas costuradas. Esse arranjo poético 
nos coloca diante da história dessas mulheres, da quantidade de violência a que fo-
ram submetidas e, ao mesmo tempo, nos interroga sobre como as estruturas racistas 
ainda seguem perpetuando a violência sobre as mulheres negras. O trabalho com a 
fotografia e a linha, a partir de sua própria materialidade e da conexão desta com o 
sentido social, aguçam e intensificam o processoreflexivo e crítico, fazendo como 
que a história seja contada e recontada por outros fios, por outras linhas perspectivas. 
Figura 5 – Rosana, Paulino, Parede da memória, 1994/2015
Fonte: ceert.org.br
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UNIDADE Cultura e Arte: Aproximações e Afastamentos
A obra intitulada “Paredes da Memória” é uma das mais emblemáticas de Rosana 
Paulino. Ela marca o início da trajetória da artista e ali podemos observar mani-
festados os princípios poéticos e críticos que seriam traços de sua trajetória, como 
destacados por Pollyana Quintella. 
As peças se assemelham aos patuás – amuletos utilizados por alguns 
praticantes do candomblé. Usualmente confeccionados com tecidos da 
cor correspondente a cada orixá, os patuás são trouxinhas que carregam 
ervas ou outras substâncias com a finalidade de proteger aqueles que 
os portam. Aqui, no entanto, a função do amuleto é deslocada. O que 
confere proteção não é alguma matéria ou elemento da natureza, mas 
a própria reconfiguração dessas imagens, na busca por compor uma 
memória coletiva.
Com as fotos ocupando um grande painel, o que parecia restrito à histó-
ria pessoal passa a ser um exercício de interpretação mais amplo. Paulino 
não estava apenas interessada em narrar a história de sua família, mas a 
de tantos negros e negras anônimos, representados e objetificados por 
outrem. Para a artista, trata-se de conferir o direito à dignidade a esses 
corpos, sendo necessário investigar outros modos de autorrepresentação 
e subjetivação. (QUINTELLA, 2020, n.p.) 
O processo de rememoração desempenhado por Rosana Paulino se consolida 
a partir de uma composição e recomposição da memória coletiva e com objetivos 
múltiplos e variados, dentre os quais podemos destacar a necessidade de investiga-
ção de outros modos de autorrepresentação e subjetivação. Essa pulsão crítica de 
suas obras não se dá apenas pela temática abordada, ela nos afeta a partir de suas 
elaborações formais, são fruto do modo como a artista maneja seus materiais, da 
maneira como organiza os elementos que constituem suas obras. É, então, na dialé-
tica dos sentidos – afetando nosso campo sensível e organizando significados – que 
sua obra se realiza e se espraia socialmente, como elemento de importância ímpar. 
Portanto é no interior da experimentação da linguagem artística que Rosana Paulino 
extrai a beleza e a potência, revelando-nos a importância da arte como agente de 
produção da cultura, como reconstrução e recontagem de nosso passado para que 
imaginemos outro futuro. 
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Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:
 Vídeos
Onde estão xs negrxs? Com Elisa Lucinda, José Fernando Peixoto de Azevedo e Ana Maria Gonçalves
https://youtu.be/8taHSKTLjDQ
Adorno e a indústria da cultura
https://youtu.be/F98LqQt0Rd8
 Leitura
Ser artista negra: o olhar de Rosana Paulino sobre passado, presente e futuro
https://bit.ly/3dymvrp
Rosana Paulino: a mulher negra na arte
https://bit.ly/34ZidFu
O mito na tragédia grega, por Flávio Ribeiro de Oliveira, para a Revista Cult
https://bit.ly/3o0eFv8
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UNIDADE Cultura e Arte: Aproximações e Afastamentos
Referências
ADORNO, T. W.; HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos 
filosóficos. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. 
ALMEIDA, S. L. de. O que é racismo estrutural?. Belo Horizonte: Letramento, 
2018. 
ASSUMPÇÃO, C. de. Não pararei de gritar: poemas reunidos. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 2020. 
AZEVEDO, J. F. P. de. Eu, um crioulo. N1-edições, 2018. Disponível em: <https://n-
-1edicoes.org/eu-um-crioulo>. Acesso em: 16/11/2020. 
BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história 
da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994. 
JANSON, H. W; JANSON, A. F. Iniciação à história da arte. 2. ed. São Paulo: 
Martins, 1996.
NOGUERA, R. Denegrindo a educação: um ensaio filosófico para uma pedagogia da 
pluriversalidade. Revista Sul-Americana de Filosofia e Educação, n. 18, p. 62-73, 
mai./out. 2012. 
QUINTELLA, P. Rosana Paulino: quando imagem vira corpo. Revista Continente, 
ed. 238, jun. 2020. Disponível em: <https://www.revistacontinente.com.br/edico-
es/234/rosana-paulino>. Acesso em: 16/11/2020. 
VERNANT, J. P.; NAQUET, P. V. Mito e tragédia na Grécia Antiga. São Paulo: 
Perspectiva, 2005.
WILLIAMS, R. Palavras-chave: um vocabulário sobre cultura e sociedade. Trad. 
Sandra Guardini Vasconcelos. São Paulo: Boitempo, 2007. 
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