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Revista Brasileira de Ensino de F́ısica, v. 29, n. 3, p. 447-454, (2007) www.sbfisica.org.br F́ısica moderna no ensino médio: o que dizem os professores (Modern physics in secondary schools: what teachers say about it) Fabio Ferreira de Oliveira1 , Deise Miranda Vianna2 e Reuber Scofano Gerbassi3 1Fundação de Amparo à Escola Técnica do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Colégio pH Ltda, Rio de Janeiro, RJ, Brasil 2Instituto de F́ısica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil 3Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil Recebido em 21/11/2006; Aceito em 12/4/2007 O ensino de f́ısica no ńıvel médio não tem acompanhado os avanços tecnológicos ocorridos nas duas últimas décadas e tem se mostrado cada vez mais distante da realidade dos alunos. O curŕıculo obsoleto, desatualizado e descontextualizado representa um problema tanto para os professores quanto para os estudantes e torna a prática pedagógica, que normalmente se resume ao quadro de giz, monótona e desinteressante para os atores envolvidos nesse processo. Nesse sentido, pesquisas estão sendo realizadas a fim de desenvolver estratégias que possam promover a motivação e o diálogo nas aulas de ciências , especificamente nas de f́ısica. Uma das vertentes que tem se destacado é a introdução de tópicos de f́ısica moderna (FM) na grade curricular do ensino médio (EM). Esse trabalho tem por objetivo apresentar o resultado de uma pesquisa realizada com professores de f́ısica que atuam no ensino público e privado sobre a introdução de tópicos de FM no EM. Com base nos resultados da pes- quisa elaboramos uma proposta metodológica para ensinar raios-X com ênfase em Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS) e submetemos o texto à validação dos pares, obtendo um resultado bastante satisfatório em termos de aceitação e disponibilidade para utilização desse material. Palavras-chave: ensino de f́ısica, f́ısica moderna. The teaching of physics in secondary schools has not been able to follow the technological advances that took place in the last decades and has proved to be farther from student’s reality than ever. Obsolete and out of context programs represent a problem to teachers and students, turning teaching and learning into a tedious and uninteresting experience for those involved in the process. Many researches have been carried out with the objective of developing strategies that can promote motivation and dialogues in science classes, specifically in physics. One of the most outstanding trends has been to introduce modern physics topics in secondary school curriculum. The present paper aims at presenting the results of a research on public and private school teachers regarding the introduction of modern physics topics in secondary classrooms. Based on the research results, we have developed a methodology to teach about X-ray by emphasizing its scientific, technologic and social aspects (STS). We have submitted the present text to our peers and have obtained very good results in terms of the acceptance of and readiness to adopt the material. Keywords: physics teaching, modern physics. 1. Introdução Nas últimas décadas os avanços cient́ıficos e tecnoló- gicos têm despertado nos jovens olhares mais atentos sobre temas relacionados às ciências de uma forma ge- ral. A f́ısica, em particular, tem contribúıdo de forma significativa nesse sentido, principalmente para o desen- volvimento da medicina e das engenharias. Porém é preocupante como o ensino de ciências, par- ticularmente a f́ısica no ensino médio, não tem acom- panhado esse desenvolvimento e cada vez mais se dis- tancia das necessidades dos alunos no que diz respeito ao estudo de conhecimentos cient́ıficos mais atuais. Um dos fatores que contribuem para esse quadro é a defasagem em termos de conteúdo do atual curŕıculo de f́ısica e aquilo que o aluno é informado, pela mı́dia es- crita e falada, sobre os avanços e descobertas cient́ıficas no campo da f́ısica no Brasil e no mundo. É comum, nas aulas de f́ısica, os alunos trazerem discussões sobre assuntos que leram ou ouviram em re- vistas, jornais e telejornais e que, por serem mais atuais e/ou estarem presentes no seu no dia a dia, desper- 1E-mail: deisemv@if.ufrj.br. Copyright by the Sociedade Brasileira de F́ısica. Printed in Brazil. 448 Oliveira et al. tam neles um interesse em conhecer e entender que prinćıpios f́ısicos explicam dado fenômeno. A lacuna provocada por um curŕıculo de f́ısica de- satualizado resulta numa prática pedagógica desvincu- lada e descontextualizada da realidade do aluno. Isso não permite que ele compreenda qual a necessidade de se estudar essa disciplina que, na maioria dos casos, se resume em aulas baseadas em fórmulas e equações ma- temáticas, excluindo o papel histórico, cultural e social que a f́ısica desempenha no mundo em que vive. O quadro se agrava à medida que esse aluno, quando termina o ensino médio, pára de estudar ou envereda por carreiras onde não há mais ênfase numa formação cient́ıfica. Nesses casos, o ensino médio constitui o último contato formal com a f́ısica. Dessa forma, os problemas encontrados nesse segmento do ensino, no que diz respeito a uma formação cient́ıfica mais atual e mais presente no dia a dia, contribuem de forma ne- gativa para a formação da cidadania de boa parte dos alunos. O objeto de estudo desse artigo foi a realização de uma pesquisa com os professores de f́ısica do EM, a fim de saber sua opinião sobre a introdução de tópicos de f́ısica moderna e contemporânea, particularmente os raios-X, no curŕıculo desse segmento do ensino. Esse trabalho serviu de base para a construção de uma pro- posta metodológica2 onde o tópico escolhido foi contem- plado num enfoque em ciência, tecnologia e sociedade (CTS), proposta essa destinada a ser aplicada no EM público e privado. 2. A f́ısica moderna e contemporânea no ensino médio 2.1. O que dizem as pesquisas Algumas pesquisas na área de ensino de f́ısica têm con- tribúıdo com propostas que apontam caminhos para um ensino de f́ısica mais atual, eficaz e contextualizado. Duas vertentes foram analisadas: a necessidade de uma atualização curricular [1-4] e a introdução de conceitos de f́ısica moderna e contemporânea na grade curricular do ensino médio [3-4, 7-13.]. Ostermann e Moreira [4, p. 391], apoiados numa re- visão de literatura sobre a atualização do curŕıculo de f́ısica do ensino médio, destacam algumas razões: • Despertar a curiosidade dos alunos e ajudá-los a reconhecer a f́ısica como um empreendimento humano; • Os estudantes ouvem falar em temas como buracos negros e big bang na te- levisão ou em filmes de ficção cient́ıfica, mas nunca nas aulas de f́ısica. • O ensino de temas atuais da f́ısica pode contribuir para transmitir aos alunos uma visão mais correta dessa ciência e da natureza do trabalho cient́ıfico, su- perando a visão linear do desenvolvi- mento cient́ıfico, hoje presente nos li- vros didáticos e nas aulas de f́ısica. É importante ressaltar que a atualização do curŕıculo não pode ser desvinculada da preocupação com a formação inicial e continuada de professores. Não basta introduzir novos assuntos que proporcionem análise e estudos de problemas mais atuais se não hou- ver uma preparação adequada dos alunos das licencia- turas para esta mudança e se o profissional em exerćıcio não tiver a oportunidade de se atualizar. Os professo- res precisam ser os atores principais no processo de mu- dança curricular, pois serão eles que as implementarão na sua prática pedagógica. Terrazzan [1] afirma que a divisão curricular3 ado- tada no ensino de f́ısica nas escolas do EM segue, ba- sicamente, a seqüência ditada pelos modelos estrangei- ros, o que na prática exclui a f́ısica desenvolvida no último século e não permite que os alunosa compreen- dam como um empreendimento humano. Adverte ainda que qualquer proposta que vise uma reformulação no curŕıculo dessa disciplina deve respeitar a inserção dos professores que atuam nesse ńıvel de ensino no desen- volvimento dessa tarefa. Ostermann e Moreira [3, p. 11], num estudo sobre a introdução de dois tópicos de FMC (part́ıculas elemen- tares e supercondutividade) com alunos da graduação em f́ısica, nas aulas dessa disciplina em escolas públicas e particulares, conclúıram que: [...] É viável ensinar FMC no EM, tanto do ponto de vista do ensino de atitudes quanto de conceitos. É um engano dizer que os alunos não têm capacidade para aprender tópicos atuais. A questão é como abordar tais tópicos [...] Se houve dificuldades de aprendizagem não foram muito diferentes das usualmente enfrentadas com conteúdos da f́ısica clássica [...] Os alunos podem aprendê-la se os professores estiverem ade- quadamente preparados e se bons materiais didáticos estiverem dispońıveis. A discussão sobre a necessidade de atualização cur- ricular, com base nas pesquisas analisadas, parece cons- tituir um assunto esgotado. Os principais problemas que surgem dessa análise referem-se ao ‘como fazer’, a fim de que os tópicos de FMC não se tornem apenas mais um “tópico problemático” num curŕıculo que ne- cessita de uma reforma urgente. 2A proposta metodológica encontra-se dispońıvel em http://www.uniescola.ufrj.br/fisica/teses/fabio.pdf. 3Apesar dessa tese ter 13 anos, suas referências continuam atuais, o que mostra a inércia em termos de mudança nos curŕıculos de f́ısica do EM atual. F́ısica moderna no ensino médio: o que dizem os professores 449 O caráter formativo desses tópicos deve ser prio- rizado e faz-se necessário buscar propostas que fujam da mera informalidade do assunto, a fim de que não sejam inseridos como pontos isolados em um curŕıculo que já é bastante extenso. 2.2. Quais os tópicos de FMC mais importan- tes? Numa pesquisa realizada entre f́ısicos, pesquisadores em ensino de f́ısica e professores de f́ısica do EM, Oster- mann e Moreira [5] elaboraram uma lista consensual sobre quais tópicos de FMC deveriam ser abordados no EM no intuito de atualizar o curŕıculo de f́ısica deste ńıvel. Assim, os tópicos mais importantes na opinião dos entrevistados foram: efeito fotoelétrico, átomo de Bohr, leis de conservação, radioatividade, forças fundamen- tais, dualidade onda-part́ıcula, fissão e fusão nuclear, origem do universo, raios-X, metais e isolantes, semi- condutores, laser, supercondutores, part́ıculas elemen- tares, relatividade restrita, big bang, estrutura molecu- lar e fibras ópticas. O resultado dessa pesquisa delimita um quadro favorável em termos de quantidade e diversidade de tópicos de FMC que podem ser utilizados no curŕıculo do EM e que traduzem a vontade da comunidade cient́ıfica. 2.3. O que consta na legislação Uma análise dos textos da Lei de Diretrizes e Ba- ses da Educação Nacional [14], dos Parâmetros Cur- riculares Nacionais - PCN [15] e, mais recentemente, das Orientações Curriculares Nacionais Complementa- res aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o En- sino Médio – PCN+ [16], mostra que o ‘Novo Ensino Médio’ deve priorizar “[...]a formação geral em oposição à formação espećıfica; o desenvolvimento de pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-las; a capa- cidade de aprender, criar, formular, ao invés do simples exerćıcio de memorização” [15, p. 5]. Com relação ao ensino de f́ısica nesse ńıvel de en- sino, indicam que a escolha dos temas a serem aborda- dos deve ser feita de modo que o conhecimento de f́ısica deixe de se estruturar como um objeto em si mesmo, passando a ser entendido como um instrumento para a compreensão do mundo. Os textos assinalam que os conhecimentos de f́ısica são fundamentais para a formação cient́ıfica do cidadão contemporâneo e que o estudo dos conceitos f́ısicos deve ser contextualizado e interagir com outras disciplinas de forma a ganhar sentido quando aplicado ao dia a dia de jovens e adolescentes. Apontam ainda para o fato de que alguns aspectos da chamada f́ısica moderna são indispensáveis para que os alunos possam adquirir uma compreensão mais abrangente dos conhecimentos f́ısicos necessários para o entendimento das tecnologias mais recentes. Assim, habilidades e competências precisam ser constrúıdas no ensino de f́ısica de forma a dar significa- dos aos conhecimentos adquiridos e “...os critérios que orientam a ação pedagógica deixam, portanto, de tomar como referência primeira ‘o que ensinar de f́ısica’, pas- sando a centrar-se sobre o ’para que ensinar f́ısica’...” [16, p. 78.], visando uma formação cient́ıfica mais cŕı- tica e, conseqüentemente, mais adequada à formação da cidadania”. Com relação ao que o texto do PCN+ chama de Temas Estruturadores, onde seis deles foram privilegia- dos para organizar de forma mais abrangente o ensino de f́ısica, nos interessa, mais particularmente, o tema Matéria e Radiação. Como justificativa para escolha desse tema, ressal- tamos a importância do estudo das radiações e suas in- terações com a matéria, tomando como base os modelos de constituição da matéria e o espectro eletromagnético que proporciona uma abordagem e compreensão dos fenômenos associados a essas interações e assim pode ampliar o entendimento do universo f́ısico microscópico. ...O cotidiano contemporâneo depende, cada vez mais intensamente, de tecnologias baseadas na utilização de radiações... Intro- duzir esses assuntos no ensino médio signi- fica promover nos jovens competências para, por exemplo, ter condições de avaliar riscos e benef́ıcios que decorrem da utilização de diferentes radiações, compreender os recur- sos de diagnóstico médico (radiografias, to- mografias, etc.)... [16, p. 77] Na sugestão das unidades temáticas relacionadas ao tema Matéria e Radiação, gostaŕıamos de ressaltar a unidade temática Radiações e suas Interações, onde parte do conteúdo programático foi escolhido por nós para elaborarmos nossa proposta metodológica: Identificar diferentes tipos de radiações pre- sentes na vida cotidiana, reconhecendo sua sistematização no espectro eletromagnético (das ondas de rádio aos raios gama) e sua utilização através de tecnologias a elas as- sociadas (radar, rádio, forno de microon- das, tomografia etc.) [...] Compreender os processos de interação das radiações com os meios materiais para explicar os fenômenos envolvidos em, por exemplo, fotocélulas, emissão e transmissão de luz, telas de mo- nitores, radiografias [16, p. 78]. Dessa forma, nosso trabalho adotou como referen- cial teórico as pesquisas em ensino de f́ısica, citadas anteriormente, em especial, a pesquisa de Ostermann e Moreira [5] e os documentos oficiais: Lei de Diretrizes Reinaldo Destacar Reinaldo Destacar Reinaldo Destacar Reinaldo Destacar Reinaldo Destacar Reinaldo Destacar Reinaldo Destacar Reinaldo Destacar 450 Oliveira et al. e Bases da Educação Nacional [14], Parâmetros Cur- riculares Nacionais [15] e, mais recentemente, as Ori- entações Curriculares Nacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino mé- dio [16]. 3. A escolha do tópico - raios X Alguns fatores importantes nos influenciaram a esco- lher os raios-X como tópico principal na construção da proposta metodológica. Primeiramente, na pesquisa de Ostermann e Moreira [5], onde foi elaborada uma lista consensual de tópicos eleitos como mais importantes dentro do assunto f́ısica moderna (FM)4 para serem implementados na educação básica, os raios-X figuram como um dos mais importantes. Um outro fator justifica-se pelo fato de que o seu estudo permite uma abordagem sobre f́ısica moderna através de assuntos como os modelos atômicos e o espectro eletromagnético, que já fazem parte do atual curŕıculo de qúımica e def́ısica, respectivamente. Dessa forma, devido à abrangência do assunto, pode-se relacionar a f́ısica com outras áreas do conhe- cimento, além da qúımica, como a história, através da compreensão do momento histórico em que se deu a divulgação cient́ıfica de Röntgen, por exemplo, influ- enciando rapidamente os diagnósticos na medicina, e a biologia, através dos efeitos nocivos da exposição exces- siva das células aos raios-X. Busca-se, assim, fugir do ensino compartimenta- lizado e mnemônico dessa disciplina nos dias atuais, permitindo ao aluno uma visão mais integrada de mundo. Mesmo considerando o referencial teórico para a construção da proposta metodológica satisfatório, opta- mos por fazer uma pesquisa com os professores de f́ısica que atuam na cidade do Rio de Janeiro para verificar se compartilhavam destas mesmas opiniões com relação a atualização curricular através da introdução de tópicos de f́ısica moderna e contemporânea, particularmente os raios-X. 4. A pesquisa com os professores Com o objetivo de verificar a opinião dos professores de f́ısica do EM sobre a introdução de tópicos de FM, parti- cularmente os raios-X, no curŕıculo formal, optamos por uma pesquisa qualitativa, nos termos de Triviños [17], onde buscamos na fala dos professores subśıdios que ra- tificassem as hipóteses iniciais, além de fornecer resulta- dos importantes que confirmaram o referencial teórico analisado. A pesquisa realizada procurou ampliar e aprofun- dar a questão do ensino de f́ısica e por isso ela constitui também um estudo exploratório. Triviños argumenta que estudos ...permitem ao investigador aumentar sua experiência em torno de determinado pro- blema. O pesquisador parte de uma hipó- tese e aprofunda seu estudo nos limites de uma realidade espećıfica, buscando antece- dentes, maior conhecimentos para, em se- guida, planejar uma pesquisa descritiva ou de tipo experimental. Este tipo de inves- tigação, por exemplo, não exime a revisão de literatura, as entrevistas, o emprego de questionários etc., tudo dentro de um es- quema elaborado com a severidade carac- teŕıstica de um trabalho cient́ıfico. Para Selltiz, esse tipo de estudo envolve: ...(a) levantamento bibliográfico; (b) entre- vistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema pesquisado; e (c) análise que ‘estimulem a compreensão’ [18]. Assim, a pesquisa procurou basicamente fazer um reconhecimento da amostra (professores), saber suas opiniões sobre a questão da FM na educação básica de uma forma geral e particularmente em relação aos raios- X, verificar a questão do enfoque metodológico em CTS e ainda analisar suas disponibilidades para utilizar um material didático com essas caracteŕısticas (raios-X com enfoque em CTS). Trabalhamos com uma amostra seletiva de dez pro- fessores de f́ısica que atuam no ensino médio, público e privado, da cidade do Rio de Janeiro. O grupo foi composto por sujeitos que estavam cursando ou tinham conclúıdo algum curso de pós-graduação (seis sujeitos) e sujeitos que possúıam somente a graduação (quatro sujeitos). O número de professores escolhido para a amostra (dez) está respaldado na metodologia de pesquisa ado- tada. Entretanto, esse não foi o único fator para tal escolha. O tempo do trabalho também influenciou de forma decisiva visto que visávamos construir uma proposta metodológica e não aplicá-la na prática pe- dagógica. Elaboramos como guia de entrevista um ques- tionário com nove perguntas que serviram de base para dar suporte às entrevistas realizadas no peŕıodo entre julho e setembro de 2004. Seguem abaixo as perguntas do questionário de pesquisa de opinião com os profes- sores e a análise das respostas obtidas. 4.1. Análise dos dados das entrevistas com os professores de f́ısica do EM 1- Em que série(s) do ensino médio você atua? 4No desenvolvimento desse trabalho tomamos como base a divisão de Ostermann e Moreira [5], que apresenta a f́ısica moderna tendo seu ińıcio com Becquerel no final do século XIX e indo até meados da década de 40 do século XX. Reinaldo Destacar F́ısica moderna no ensino médio: o que dizem os professores 451 A maioria dos professores entrevistados (8) atua nas três séries do EM; um atua na 1a e 2a séries e outro apenas na 3a série. 2- Em algum momento você já trabalhou com tópicos de f́ısica moderna, como por exemplo, as ra- diações eletromagnéticas? Quais tópicos já foram abor- dados? (Caso seja não a resposta: Você gostaria de trabalhar com esses tópicos?) Apesar de nunca terem trabalhado formalmente com tópicos de f́ısica moderna, a maior parte dos pro- fessores se mostrou favorável à sua utilização no ensino médio. Outros, entretanto, apontam problemas como o programa dos exames vestibulares e a carga horária reduzida de f́ısica no ensino público como fatores de li- mitação para a abordagem desses tópicos na atual con- juntura. Dos 10 professores entrevistados, 7 nunca trabalha- ram com FM e, como exemplo, apontamos algumas falas importantes: ...não, nenhum momento. Gostaria, falta mais é... oportunidade né. Porque as coisas são corridas, o tempo corrido e áı você acaba tendo vestibular e priorizando a matéria do vestibular em detrimento das outras. (pro- fessor 5) Os outros 3 professores que trabalharam com alguns tópicos de FM fizeram uma abordagem bastante super- ficial, como se pode perceber: ...algumas coisas de radiação, comprimen- tos de onda e do laser. Foi o ponto máximo que nós chegamos. (professor 4) 3- Existem orientações oficiais (PCN’s e PCN+) e pesquisas na área de ensino de f́ısica que indicam ser importante a introdução de tópicos de f́ısica moderna no ensino médio, no sentido de formar um cidadão mais inserido no contexto tecnológico atual através de uma abordagem mais interdisciplinar, contextualizada e apoiada em competências. O que você acha disso? Você já leu as orientações oficiais? Você acha que isso é realmente importante? O texto oficial, seja a parte geral ou a espećıfica de f́ısica, é de desconhecimento da maior parte dos profes- sores entrevistados, onde apenas quatro dentre todos os professores afirmam ter conhecimento do texto. Desses, percebemos ainda que a interpretação do conteúdo das diretrizes propostas é limitada e muitas vezes equivo- cada, como podemos verificar: ...já, mas há muito tempo atrás. Eu sei que o PCN aborda... ele faz uma aborda- gem de você tentar introduzir esses tópicos mais modernos como refrigeração, coisas do dia a dia deles. Acho os parâmetros muito importantes, só que vejo um problema pelo fato do PCN vir focado no ensino médio e ensino fundamental, e ele não vem disposto a fazer nada com o ensino superior. (pro- fessor 3) 4- Um dos tópicos em pauta são os raios-X. Você acha que seria importante para o aluno estudar esse tópico? Por quê? A quase totalidade dos professores (9 entre 10) acham o tópico raios-X muito importante. Apontam para o fato de o tópico fazer parte do dia a dia dos alu- nos e servir como fator de motivação para seu estudo e o estudo de outras partes da f́ısica em geral, como podemos perceber em suas colocações: ...é, o raio-X.... É importante, primeiro, vira e mexe todo mundo tira quase uma ra- diografia por ano, então tem que saber o que está influenciando... como corre essa radio- grafia, é... o que que ela vai influenciar na vida dele. Saber que tirar muitas radiogra- fias pode causar lesões, né? Então eu acho importante. (professor 1) Apenas um professor (professor 9) não achou o tópico importante pelo fato de seus alunos nunca te- rem feito nenhuma pergunta sobre o assunto e terem mostrado interesse por outras partes da f́ısica, como a relatividade. Entretanto, quando questionado sobre usar o assunto como uma estratégia motivacional para a introdução de novos conteúdos, acabou mudando de idéia. 5- E você, trabalharia esse tópico? A totalidadedos professores entrevistados se mostrou favorável à abordagem do tópico raios-X em sala de aula. Entretanto, fatores como uma aborda- gem conceitual do assunto, falta de tempo e ausência de material adequado são limitações que precisam ser consideradas na implementação desse conteúdo didático no curŕıculo, como podemos perceber em suas falas: ...só a parte mesmo conceitual da coisa. Não precisa entrar na parte... só a qualitativa. Só analisar qualitativamente o fenômeno. (professor 5) 6- Apesar das restrições matemáticas, como você usaria em sala de aula os conceitos sobre raios-X? Em que parte do conteúdo seriam úteis? Os professores se dividem quanto ao momento de introdução do tópico. Metade dos professores entre- vistados (5) acha que o melhor momento é associá-lo ao conteúdo de ondas, quando estiverem abordando as ondas eletromagnéticas. Quatro professores acham que o melhor momento é durante a abordagem do conteúdo de eletromagne- tismo. Alguns exemplos: Reinaldo Destacar Reinaldo Destacar Reinaldo Destacar 452 Oliveira et al. ...já nos casos áı... do raio-X, mesmo se você fosse trabalhar é... isso em sala de aula, eu acho que isso áı tinha que passar por uma coisa... o mais conceitual posśıvel, né. É claro que a matematização em al- gum momento vai ter que entrar, mas isso áı também cabe... é... vai ser... tem que ter um estudo anterior numa base ma- temática... eu acho que deixaria pro final realmente... depois do eletromagnetismo você inserir esse assunto. Apenas um professor usaria exemplos práticos do dia a dia sem entrar no conteúdo formal. De uma forma geral os professores sinalizaram a ma- tematização do tópico como um problema e, portanto, trabalhariam apenas a parte conceitual. Além disso, indicam a terceira série do ensino médio como o melhor momento para trabalhar o tópico e apontam a necessi- dade de um material didático para auxiliá-los em sala. 7- Você acha que a parte histórica da descoberta dos raios-X seria útil como introdução do assunto em sala de aula? Como você começaria? Deixaria essa parte de lado e começaria logo pela f́ısica dos raios-X? Todos os professores entrevistados acham que a parte histórica é fundamental para o estudo do tópico raios-X, sendo que 5 professores destacam esse mo- mento para contextualizar a história da descoberta. ...eu acho que a parte histórica é importante em qualquer assunto que a gente venha tra- balhar. A contextualização histórica é fun- damental. O aluno às vezes pega o conceito que o professor tenta passar e vira aquela coisa muito solta no ar. E essa contextua- lização histórica é fundamental. E a do raio- X é uma das mais bonitas porque o Röent- gen que descobriu o raio-X ele publicou isso áı e um mês depois tava todo mundo fazendo e 2 meses depois os médicos já estavam apli- cando e etc. então é uma coisa fundamental. (professor 8) Dois professores acreditam que o estudo da evolução da teoria desde a descoberta até os dias atuais seja um fator primordial para que os alunos possam compreen- der a contextualização histórica dos fatos. Um dos professores acha a parte histórica um fator importante para o aluno entender o momento histórico em que se deu o processo de elaboração da teoria cient́ıfica. Uma outra opinião interessante, com relação à parte histórica, diz respeito a incentivar o estudo dos alunos em relação à área cient́ıfica: ...lógico por que... é tem... eu sempre incen- tivo a experimentação... a descoberta que entre aspas por acaso né, mas que mostra que a ciência está tão presente que a gente não... às vezes a natureza tem que dar um pontapé na gente... o histórico das desco- bertas possibilitam a... mostrar o aluno... que todo mundo está apto talvez a desco- brir se estiver envolvido com novas coisas... (professor 4) 8- Você acha que seus alunos se sentiriam interessa- dos por um tópico desses? Todos os professores entrevistados acham que seus alunos se sentiriam motivados a estudar o tópico raios- X. Desses, 5 professores acreditam que o fato dos raios- X fazerem parte do dia a dia dos alunos despertaria o interesse pelo seu estudo: ...acredito que sim porque quando você en- sina f́ısica, em várias partes eles não conse- guem visualizar... não conseguem seguir o contexto do dia a dia deles e os raios-X está totalmente inserido. (professor 1) Na opinião de outros dois professores, o interesse viria porque o assunto desperta uma motivação para o estudo das ciências, como citado abaixo: ...eu acredito que sim. Que é mais uma motivação, né, pra o estudo de ciências, o estudo de f́ısica em particular. (professor 6) Com relação ao material dispońıvel sobre o assunto, 2 professores acreditam que o interesse dos alunos vai depender do material que será utilizado em sala de aula: ...com certeza dependendo do material que você tenha dispońıvel pra mostrar isso. Não adianta ficar no cospe e giz, né? Você teria que ter recursos pra poder tornar uma aula agradável, nesse caso, v́ıdeo, algum experi- mento, sei lá. (professor 5) Fazendo uma análise mais direcionada para o ensino público, um professor acredita que o interesse dos alu- nos desse segmento se daria por ser uma novidade no conteúdo formal: ...o aluno do ensino público se interessa por algumas coisas, de repente como é um as- sunto novo, ele poderia ter o interesse me- lhor... (professor 2) 9- Se houvesse um material já dispońıvel e depen- dendo da possibilidade de inserção na sua programação, você gostaria de usar esse material? Todos os 10 professores entrevistados, dependendo de suas possibilidades, gostariam de ter um material dispońıvel para trabalhar com o tópico raios-X. Entre- tanto, alguns problemas são apontados como limitado- res nesse processo. Questões como impossibilidade de Reinaldo Destacar Reinaldo Destacar F́ısica moderna no ensino médio: o que dizem os professores 453 utilização no ensino particular devido ao fato do tópico não ser assunto de vestibular, atualização e capacitação dos professores para abordar o “novo” tópico, disponi- bilidade de tempo são exemplos de problemas aponta- dos pelos professores que necessitam ser analisados para que se possa incorporar essa proposta metodológica à sua prática pedagógica. 4.2. Considerações sobre a opinião dos profes- sores Para os participantes de nossa pesquisa, o tema propos- to – raios-X –, mesmo constituindo uma novidade em termos de conteúdo, foi bem aceito pela maioria. Eles ratificaram sua escolha pelo fato de ser um assunto que pertence ao dia a dia do aluno, por servir como incen- tivo para o estudo da f́ısica e, além disso, poder rela- cioná-lo com outras disciplinas do curŕıculo do ensino médio. Isto está referenciado pelo enfoque adotado em CTS. Não há maioria de opinião quanto ao momento da inserção desse assunto no curŕıculo atual. Alguns pro- fessores acreditam ser melhor inseŕı-lo no conteúdo de ondas, enquanto os outros preferem inseri-lo quando es- tiverem abordando o eletromagnetismo. Há ainda su- gestões que partem das aplicações do dia a dia do aluno para introduzir a parte relativa aos conceitos iniciais. Quanto à série do ensino médio em que deve ser inse- rida, a maioria concorda que o aluno deve ter uma boa base de conhecimentos prévios, não só de f́ısica, para que esse estudo não seja prejudicado. Assim, a série escolhida foi a terceira série. Nesse sentido, a maio- ria dos professores concorda que a matematização deve ser feita de forma superficial (quando houver), priori- zando a parte qualitativa (conceitual) e fenomenológica do assunto. Com relação à parte histórica, há unanimidade quanto à proposta servir de base para contextualizar o desenvolvimento da teoria cient́ıfica no tempo e no espaço, além de fazer com que o aluno entenda sua evolução até os dias atuais, propiciando até mesmo, mo- tivação para o desenvolvimentode habilidades e com- petências para a área de ciências. Houve uma distinção bem clara quanto à utilização do tema no ensino público e no ensino particular. Os professores em sua maioria indicam as instituições públicas como o melhor local para se introduzir o as- sunto. Mostram que fatores como o descompromisso com o vestibular, principalmente no ensino público no- turno, flexibilidade curricular e a autonomia dos pro- fessores contribuem de forma significativa para essa es- colha, apesar de indicarem que a carga horária de dois tempos por semana em cada turma para a disciplina f́ısica na grade curricular do Rio de Janeiro é muito pouco para trabalhar mais um item no curŕıculo. Quanto ao ensino particular em geral, onde a pre- paração dos alunos para os exames vestibulares é prio- ridade e tópicos de f́ısica moderna e contemporânea não fazem parte da grade curricular das escolas do estado do Rio de Janeiro, a maioria dos professores considera imposśıvel trabalhar esse assunto em detrimento dos tópicos que são cobrados nessas provas. Todos os professores acham importante ter dis- pońıvel algum material didático sobre os raios-X e concordam que há necessidade de um curso de ca- pacitação/atualização para que possam trabalhar com esse material em sala de aula. Indicam ainda a neces- sidade de se associar ao material recursos pedagógicos como v́ıdeo, retroprojetor, etc. 5. A proposta do tópico de raios-X para o ensino médio O resultado da análise de dados mostra um quadro favorável para a introdução de uma proposta me- todológica com tópicos de f́ısica moderna e contem- porânea, particularmente os raios-X (pode ser con- sultada no endereço de nota de rodapé 1), no atual curŕıculo de f́ısica do ensino médio do Estado do Rio de Janeiro. Este material foi criado privilegiando o en- foque em CTS. Todas as precauções a serem adotadas foram citadas pelos entrevistados, o que entendemos que, se adotadas, poderão dar bons resultados. O conteúdo foi dividido em módulos didáticos que são independentes mas se complementam. No ińıcio de cada módulo é sugerida uma metodologia de tra- balho, mas fica a cargo do professor decidir a melhor estratégia. Os tópicos são: Os raios-X e suas aplicações, A descoberta dos raios-X, A f́ısica dos raios-X e Efeitos biológicos das radiações. Após concluirmos o material foi feita a validação por um grupo de professores de f́ısica e ele está agora dis- pońıvel para utilização junto às turmas do EM regular público e privado, constituindo, ao nosso ver, uma ferra- menta importante de atualização curricular e motivação para uma aula de f́ısica mais próxima da realidade dos alunos. Referências [1] E.A. Terrazzan, Caderno Catarinense de Ensino de F́ısica 9, 3 (1992). [2] M.A. Cavalcante, Revista Brasileira de Ensino de F́ısica 21, 4 (1999). [3] F. Ostermann e M.A. Moreira, Anais do VII Encontro de Pesquisa em Ensino de F́ısica, Florianópolis, 2000. [4] F. Ostermann e M.A. Moreira, Enseñanza de las Ciências 3, 18 (2000). [5] F. Ostermann e M.A. Moreira, Investigações em Ensino de Ciências 5, 1 (2000). [6] N.M.D. Garcia, Anais do IV Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, Bauru, 2003. Reinaldo Destacar Reinaldo Destacar Reinaldo Destacar 454 Oliveira et al. [7] F. Ostermann e C.J. de H. 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Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacio- nais do Ensino Médio, 2002. [17] A.N.S. Triviños, Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: a Pesquisa Qualitativa em Educação (Atlas, São Paulo, 1987), p. 109-110. [18] A.C. Gil, Como Elaborar Projetos de Pesquisa (Atlas, São Paulo, 2002), p. 41. << /ASCII85EncodePages false /AllowTransparency false /AutoPositionEPSFiles true /AutoRotatePages /All /Binding /Left /CalGrayProfile (Dot Gain 20%) /CalRGBProfile (sRGB IEC61966-2.1) /CalCMYKProfile (U.S. Web Coated \050SWOP\051 v2) /sRGBProfile (sRGB IEC61966-2.1) /CannotEmbedFontPolicy /Warning /CompatibilityLevel 1.4 /CompressObjects /Tags /CompressPages true /ConvertImagesToIndexed true /PassThroughJPEGImages true /CreateJDFFile false /CreateJobTicket false /DefaultRenderingIntent /Default /DetectBlends true /DetectCurves 0.0000 /ColorConversionStrategy /LeaveColorUnchanged /DoThumbnails false /EmbedAllFonts true /EmbedOpenType false /ParseICCProfilesInComments true /EmbedJobOptions true /DSCReportingLevel 0 /EmitDSCWarnings false /EndPage -1 /ImageMemory 1048576 /LockDistillerParams false /MaxSubsetPct 100 /Optimize true /OPM 1 /ParseDSCComments true /ParseDSCCommentsForDocInfo true /PreserveCopyPage true 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