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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Clowney, Edmund P. Pregando Cristo em toda a Escritura / Edmund P. Clowney ; tradução de A. G. Mendes - São Paulo : Vida Nova, 2021. recurso digital; 3,8 MB Bibliografia ISBN 978-65-86136-92-0 (recurso eletrônico) Título original: Preaching Christ in all of Scripture 1. Jesus Cristo - Personalidade e missão 2. Pregação 3. Bíblia - Sermões 4. Bíblia - Uso homilético I. Título II. Mendes, A. G. 21-0540 CDD 251 Índices para catálogo sistemático 1. Pregação ©2003, de Edmundo P. Clowney Título do original: Preaching Christ in all of Scripture, edição publicada por Crossway Books (Wheaton, Illinois, EUA). Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Sociedade Religiosa Edições Vida Nova Rua Antônio Carlos Tacconi, 63, São Paulo, SP, 04810-020 vidanova.com.br | vidanova@vidanova.com.br 1.ª edição: 2021 Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo em citações breves, com indicação da fonte. As citações, sempre com indicação da versão in loco, foram traduzidas diretamente da American Standard Version (ASV), da English Standard Version (ESV), da New International Version (NIV), da New King James Version (NKJV), da King James Version (KJV) e da The Holy Scriptures According to the Masoretic Text: A New Translation (JPS). Citações bíblicas com a sigla TA se referem a traduções feitas pelo autor a partir do original grego/hebraico. http://vidanova.com.br Direção executiva Kenneth Lee Davis Coordenação Editorial Jonas Madureira Edição de Texto Marcia B. Medeiros Cristina Ignácio Preparação de texto Rafael Caldas Copidesque Marcelo Brandão Cipolla Revisão de Provas Ubevaldo G. Sampaio Coordenação de Produção Sérgio Siqueira Moura Diagramação Aldair Dutra de Assis Capa Douglas Lucas Produção do arquivo ePub Booknando Sumário Prefácio 1. Cristo em toda a Escritura 2. Preparando um sermão que apresente Cristo 3. Partilhando as boas-vindas do Pai (Lucas 15.11-32) 4. Analisando o custo (Gênesis 22.1-19) 5. Quando Deus desceu (Gênesis 28.10-22) 6. A estranha vitória do campeão (Gênesis 32) 7. É possível que Deus esteja entre nós? (Êxodo 34.1-9) 8. Apresento-lhe o capitão (Josué 5.13-15) 9. Surpreendido pela devoção (2Samuel 23.13-17) 10. O senhor da manjedoura 11. Jesus prega a liberdade (Lucas 4.16-22) 12. O lamento do Salvador abandonado por Deus (Salmos 22.1) 13. Nosso hino internacional (Salmos 96.3) 14. Jesus Cristo e o homem perdido 15. Ouvir é crer: o senhor da palavra Índice de passagens bíblicas Índice remissivo PREFÁCIO O leitor e o professor da Bíblia sabem que ela é um livro de histórias. Quando eu era criança, meu professor de escola dominical me recomendou que lesse a Bíblia, e foi o que fiz. Quando entrei em crise na faculdade, sabia que minha única esperança era ler a Bíblia. Eu a lia, não uma vez ou outra, mas durante horas e dias movido pelo desespero. Comecei por Gênesis, capítulo 1. Quando cheguei ao livro de Jonas, deparei com o versículo “a salvação pertence ao Senhor!” (Jn 2.9). Foi quando me dei conta de que a Bíblia não oferece a história completa de Israel, mas, sim, a história da obra de Deus ao salvar seus escolhidos. Tudo gira em torno do que Deus fez. Aquele que tem o mundo em suas mãos desceu para nos salvar. A Bíblia é a história de como Deus desceu e nasceu da virgem Maria, a fim de viver e morrer por nós e ressuscitar em triunfo da sepultura. Minha esperança não estava em meu apego a Deus; mas, sim, no fato de que ele se apegou a mim. À medida que eu prosseguia no estudo e no ensino da Bíblia, percebia cada vez mais que a promessa de Deus no Antigo Testamento fora preservada no Novo Testamento. Ela se manteve na vinda de Deus Filho. O Evangelho de João testemunha da divindade de Jesus Cristo, a Palavra que se fez carne. Jesus, conforme nos conta João, é aquele a quem Isaías viu em sua visão de Deus sentado em seu trono entre os querubins (Jo 12.41). O anjo que apareceu a Moisés na sarça ardente no deserto se identificou como o Deus “Eu Sou”. Os quatro Evangelhos não são os únicos livros que contam a história de Jesus. Os cinco livros de Moisés, que narram a promessa divina do Profeta por vir, também o fazem, bem como os demais livros do Antigo Testamento. Lembremo-nos de que o apóstolo Paulo, ao pregar as Escrituras nas sinagogas, estava pregando o que lia nos manuscritos do Antigo Testamento. Paulo deu testemunho apostólico de Jesus, em quem se cumpria toda a Escritura do Antigo Testamento. O pregador que ignora a história da redenção em seus sermões ignora o testemunho que o Espírito Santo deu de Jesus em toda a Escritura. Este livro tem dois capítulos iniciais seguidos de mais de uma dezena de sermões que refletirão o testemunho integral que o Antigo e o Novo Testamentos dão de Cristo. O capítulo 1 procura mostrar que Cristo está presente em todo o Antigo Testamento. O capítulo 2 oferece ajuda para a preparação de um sermão que apresente a Cristo. Os sermões seguintes são apresentados como exemplos de mensagens que demonstram de que forma textos específicos, analisados em seu contexto, apresentam Cristo. Outras passagens bíblicas que venham a ser mencionadas nos sermões não serão identificadas, exceto nos casos em que haja citação específica. Esses sermões são oferecidos como mensagens que devem ser lidas como se estivessem sendo ouvidas, e não como teses de estudo cheias de nota de rodapé. Oro para que os leitores se sintam encorajados a consultar as Escrituras e conheçam, por experiência própria, a alegria de ouvir Jesus enquanto caminham com ele para Emaús na manhã da Páscoa. Edmund P. Clowney 1 CRISTO EM TODA A ESCRITURA Pregar Cristo no Antigo Testamento não é pregar um sermão voltado às sinagogas, mas um sermão que leva em conta todo o drama da redenção e sua realização em Cristo. Ver como o texto se relaciona com Cristo é vê-lo em seu contexto mais amplo, que é o contexto do propósito de Deus na revelação. Não devemos ignorar a mensagem específica do texto, assim como não bastará também redigir a conclusão de um sermão cristocêntrico de aplicação geral e recomendar sua aplicação durante a semana. Devemos pregar Cristo tal como o texto o apresenta. Se nos sentirmos tentados a achar que a maior parte dos textos do Antigo Testamento não apresentam Cristo, convém refletir sobre a unidade da Escritura e a plenitude de Jesus. Cristo está presente na Bíblia como Senhor e Servo. Cristo, o Senhor da aliança O Novo Testamento aplica o título kurios (Senhor) a Cristo (e.g., em Hb 1.10; 1Pe 3.15). O termo grego usado na versão da Septuaginta do Antigo Testamento para traduzir “Yahweh” se tornou a designação abreviada do Senhor Jesus Cristo. Tanto o Antigo Testamento quanto o Novo usam o termo “Senhor” para designar “o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo”, tal como na citação que Pedro faz do salmo 2 em Atos 4.26 (NKJV): Os reis da terra se levantaram, e as autoridades se juntaram contra o Senhor e contra o seu Cristo. A maior parte das designações dadas a Deus no Antigo Testamento refere-se ao Deus vivo sem nenhuma distinção das pessoas da Trindade. Contudo, a Segunda Pessoa da Trindade aparece como “Senhor” em várias passagens. O Evangelho de João mostra que é isso o que ocorre quando João cita Isaías 6.10 e acrescenta: “Isto disse Isaías porque viu a sua glória e falou dele” (Jo 12.41, ASV). Uma vez que a citação remete à visão que Isaías teve da glória de Deus no templo, é evidente que João vê essa glória do Senhor entronizado como glória de Cristo, o Logos. Paulo faz o mesmo em Efésios 4.8, quando cita Salmos 68.18 (NKJV), aplicando à ascensão de Cristo as palavras ditas acerca da exaltação do Senhor: Quando subiu ao alto, ele levou cativo o cativeiro e deu dons aos homens. O Deus vivo revelado no Antigo Testamento é o Deus triúno. Evidentemente, a Encarnação trouxe à luz o ensino do Antigo Testamento que ainda estava nas sombras. Contudo, o Anjo da presença do Senhor revelouo mistério daquele que tanto podia ser distinguido de Deus como ser identificado com ele. Quando o comandante do exército do Senhor confrontou Josué perto de Jericó com a espada desembainhada, disse-lhe que tirasse as sandálias porque a terra em que pisava era santa. O comandante se revelou a Josué como o próprio Senhor (Js 5.13—6.5). O Senhor Deus havia feito a mesma admoestação quando chamou Moisés na sarça ardente. O Anjo do Senhor falou a Moisés na sarça, mas se identificou como Eu Sou, o Deus de seus pais. Esse é um padrão muito bem estabelecido nas teofanias do Antigo Testamento. O Anjo era, na verdade, Deus Filho, o Senhor. Ele é o Anjo da presença de Deus que falou com Abraão (Gn 18.1,2,22,23); que lutou com Jacó (Gn 32); que foi à frente de Israel (Êx 23.20); a quem Moisés desejava conhecer (Êx 33.12,13); e que apareceu a Manoá para anunciar o nascimento de Sansão (Jz 13). O Anjo fala como Senhor, traz o nome de Deus e revela a sua glória (Êx 23.21). Ao vislumbrar seu rosto na manhã que despontava, Jacó afirma ter visto a face de Deus (Gn 32.30). Anthony T. Hanson disse que “a afirmação central [dos autores do Novo Testamento] é que o Jesus preexistente estava presente em boa parte da história do Antigo Testamento, e que, portanto, não se trata de buscar tipos no Antigo Testamento para acontecimentos do Novo, mas, sim, de rastrear a atividade desse mesmo Jesus na antiga e na nova dispensação”.¹ A favor de sua tese, Hanson analisa as referências paulinas, o livro de Hebreus, o discurso de Estêvão em Atos, o quarto Evangelho e as Epístolas Católicas. Ele analisa os relatos paulinos em 1Coríntios 10.1-11 a respeito das experiências de Israel sob a liderança de Moisés. Em seguida, Hanson apela ao Antigo Testamento grego, a Septuaginta, e chama a atenção para o uso de kurios em Êxodo 14. Kurios ou ho kurios é usado no capítulo todo, ao passo que theos (Deus) aparece nos versículos 19 e 31. Para Hanson, esses versículos sustentam a distinção que Paulo faz entre Deus e Cristo, o Senhor, nesse capítulo. Ele diz que Paulo lia “Cristo” sempre que kurios aparecia na passagem da Septuaginta. Cristo era o Senhor que libertou Israel do Egito. Como o Anjo de Deus na coluna de nuvem, o Senhor guiou e guardou os israelitas no Êxodo. Ele ia à frente conduzindo-os, depois ficava na retaguarda deles a noite toda. Ali, ele os protegeu dos egípcios que os perseguiam (Êx 14.19): E Israel viu a mão poderosa, as coisas que kurios fez aos egípcios; e o povo temeu kurios e creu em Deus e em Moisés, seu servo (Êx 14.31, TA). A nuvem da qual Paulo fala (1Co 10.1) é a nuvem de Êxodo 14, mas é importante notar que na Septuaginta, em Êxodo 13.21, é Deus (theos) que “os guiou, durante o dia com uma coluna de nuvem, para lhes mostrar o caminho; e à noite com a coluna de fogo”.² (Em hebraico, o nome de Deus é “Yahweh” nessa passagem.) Ao insistir no argumento de que Paulo pensava em “Cristo” quando lia kurios no relato do Êxodo, Hanson interpreta da mesma forma 1Coríntios 10.9: “Não tentemos, pois, a Cristo, como alguns deles tentaram e foram destruídos por serpentes” (NKJV). Paulo, diz ele, simplesmente identificou o Senhor que guiou Israel pelo deserto como o Senhor Cristo. Em 1Coríntios 10.9, lê-se preferivelmente Christon (com o peso do papiro Chester Beatty) a kurion (Sinaítico, Vaticano). Seja qual for a leitura, Hanson parece estar certo ao argumentar que Paulo está pensando em Cristo como o Senhor que libertou Israel do Egito, guiando-os por meio de sua presença manifesta no Anjo. Hanson menciona um comentário importante de C. H. Dodd sobre Romanos 10.12,13. “Sempre que o termo Kyrios, Senhor, é aplicado a Jeová no AT, Paulo parece sustentar que ele aponta para o futuro, para a revelação vindoura de Deus no Senhor Jesus Cristo”.³ Para Hanson, tal afirmação é “a um só tempo abrangente e contida demais”. É muito abrangente porque Paulo nem sempre identifica kurios no Antigo Testamento grego com Cristo (e.g., Rm 9.28; 11.3).⁴ E é contida demais porque, para Paulo, kurios não apenas aponta para Cristo, mas nomeia Cristo, presente como Senhor. Talvez não estejamos convencidos de toda a complexidade do raciocínio exegético que Hanson constrói para demonstrar sua tese. Podemos concluir que ele, por vezes, enfatiza uma identificação do Senhor com Cristo no pensamento de Paulo que é muito dependente do uso da Septuaginta, ou é superficial demais para a teologia profunda de Paulo. A teologia trinitária ortodoxa levou séculos buscando fazer a distinção de pessoas e a unidade do ser (ou “substância”) implícitas na forma de Paulo adorar o Deus único de seus pais na revelação plena do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Foi mais fácil para Paulo passar do Pai para o Filho, ou do Filho para o Espírito, do que para os estudiosos que tentaram formular o mistério. Nas passagens em que Hanson traçou o forte reconhecimento de Cristo como kurios em Paulo ou Hebreus, outros estudos poderiam equilibrar o quadro ao demonstrar como a teologia de Paulo está firmemente centrada no Pai, ou ao descobrir outra vez em Paulo um teólogo do Espírito Santo. Hanson, porém, bem alerta para uma compreensão mais neotestamentária da centralidade de Cristo no Antigo Testamento. Jesus Cristo é um com o Senhor. Foi o Espírito de Cristo que falou por meio dos profetas (1Pe 1.10-12). Ao interpretar uma passagem da Septuaginta segundo a qual não se deve temer coisa alguma, exceto o nome do próprio Senhor dos Exércitos, Pedro substitui “o Cristo” por “ele próprio” (1Pe 3.15; Is 8.12,13). Hanson, porém, usa a presença clara de Cristo como Senhor no Antigo Testamento para minimizar a tipologia. Para ele, é evidente que não podemos ter em nenhuma passagem em particular a presença real de Cristo como Senhor e também um tipo de Cristo. Isso pode parecer evidente, mas ignora a riqueza da revelação do Antigo Testamento. Um texto apropriado aqui é aquele que Hanson analisa sem levar em conta o simbolismo naquilo que ele tem de central — a passagem em que Moisés fere a Rocha sob a ordem de Deus (Êx 17.1-7). Ali o Senhor está presente, por sobre a rocha, mas a própria Rocha torna-se um símbolo associado ao nome de Deus e, portanto, com Deus, a Rocha, de forma simbólica (Dt 32.4). Simbolicamente, a Rocha representava o Cristo encarnado, conforme diz Paulo (1Co 10.4). O Evangelho de João ressalta a divindade plena de Jesus Cristo como o Logos, a Palavra que não apenas está com Deus, mas é Deus (Jo 1.1). Jesus diz: “Antes que Abraão existisse, Eu Sou” (Jo 8.58, NKJV). João, portanto, fala da glória que Isaías contemplou em sua visão do Senhor entronizado no templo como a glória de Cristo: “Isaías disse isso porque viu a glória de Jesus e falou sobre ele” (Jo 12.41, NIV). Paulo afirma a divindade de Cristo quando escreve: “Pois em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2.9, NIV). O Filho de Deus tem todos os atributos de Deus. Ele é “Espírito, infinito, eterno e imutável em seu ser, sabedoria, poder, santidade, justiça, bondade e verdade” (Breve Catecismo de Westminster, pergunta 4). A Segunda Pessoa da Trindade se tornou homem para ser um com suas criaturas. Por esse motivo, o senhorio de Cristo não começa com a glória da sua ressurreição e seu governo elevado. O senhorio divino é seu eternamente. Por esse motivo, não entendemos o senhorio de Cristo primeiramente de acordo com os termos da aliança. Antes, entendemos a aliança como algo estabelecido pelo Senhor. A teologia reformada tradicional fala da “aliança da redenção”. O termo tem sido usado para a aliança entre o Pai e o Filho que estabeleceu o plano divino da redenção. O Pai quis enviar o Filho ao mundo para redimir aqueles que o Pai deu ao Filho (Jo 17). O Filho quis vir ao mundo e completar a obra de salvação. Jesus, portanto, fala em vir do seio do Pai e em retornar ao Pai (Jo 3.13). A promessa da aliança divina é o objetivo da história do Antigo Testamento. Ela está fundamentada em seu juramento seguro de que o Filho de Deus se tornaria homem para salvar o povo deseus pecados. John Murray, nas conversas que tivemos, ressaltou acertadamente que João 3.16 fala da entrega do Filho divino, uma vez que fazia parte dessa entrega o envio do Filho ao mundo (Rm 11.33- 36). A promessa da aliança de Deus com Abraão exigia sua vinda na pessoa do seu Filho. A história da redenção está estruturada na promessa da aliança de Deus e avança nos tempos da obra salvífica de Deus. Depois da ressurreição, os discípulos perguntaram a Jesus: “Senhor, é neste tempo que vais restaurar o reino a Israel?” (At 1.6, NIV). Jesus respondeu: “Não compete a vocês saber os tempos ou as datas que o Pai estabeleceu pela sua própria autoridade” (v. 7, NIV). O autor de Hebreus também fala dos tempos na história da revelação divina. As temporadas ou épocas são marcadas por grandes eventos no desenrolar do plano divino. A conhecida Bíblia de estudo Scofield refere-se aos períodos da história da redenção como dispensações. De acordo com a edição de 1917, o período referente a Israel se estendeu do chamado de Abraão ao início da igreja em Atos 2. O dispensacionalismo ensina que Deus oferece diferentes meios de salvação em diferentes períodos. A salvação pelas obras foi o meio de salvação no período de Israel, e o será novamente no milênio. A “era da igreja” foi uma interrupção não prevista na história da salvação. Portanto, os quatro Evangelhos são para Israel, e não para a igreja. Nenhuma profecia do Antigo Testamento a previu. O relógio profético parou. Sob esse aspecto, a Oração do Senhor não foi dada à igreja, mas a Israel. Uma nota da Bíblia Scofield explica que o trecho “perdoa-nos nossas dívidas assim como nós perdoamos nossos devedores” não pode ser uma oração dada à igreja, já que o pedido repousa sobre “bases legais”. Israel pede perdão com base na boa obra do perdão. A teologia dispensacionalista de Scofield foi durante muitos anos a teologia evangélica tradicional em muitas igrejas e escolas bíblicas. Atualmente, teólogos dispensacionalistas influentes se deram conta de que o Antigo Testamento, assim como o Novo, ensina a salvação pela graça. Poucos estudiosos hoje em dia seguem essa divisão obras/graça entre o Antigo Testamento e o Novo. Em contrapartida, a disseminação, nos círculos reformados, de um entendimento da Escritura que leva em conta a história da redenção trouxe uma ênfase nova sobre os períodos dessa história. Deve ser motivo de alegria o fato de que a divisão entre teólogos reformados e dispensacionalistas venha diminuindo à medida que ambos se voltam para as Escrituras.⁵ Antes que Geerhardus Vos, do Princeton Theological Seminary, trouxesse para o calvinismo americano a história da redenção e da revelação, a teologia reformada clássica usava textos de prova isolados para estabelecer doutrinas bíblicas. John Murray, do Westminster Seminary, na Filadélfia, porém, havia recebido o ensino de Vos em Princeton. Murray deu um curso sobre teologia bíblica em que discorreu sobre os períodos da história da redenção: da Criação à Queda; da Queda ao dilúvio; do dilúvio ao chamado de Abraão; de Abraão a Moisés; de Moisés a Cristo. Ele sintetizou a teologia de cada período e demonstrou como cada um deles preparava e apontava para toda gama da teologia sistemática no Novo Testamento. Comentários bíblicos recentes como, por exemplo, a série Word, usam os insights da teologia bíblica em suas exposições. Alguns desses comentários fazem concessões exageradas às teorias críticas e às hipóteses documentais, mas proporcionam uma bibliografia exaustiva e uma erudição condensada para o entendimento bíblico-teológico dos textos. As épocas da história da redenção mostram o senhorio da Segunda Pessoa da Trindade. A vinda do Senhor é o clímax das épocas da redenção. O Senhor vem para tomar posse de seu povo. Na bênção da aliança, ele toma posse do povo para que o povo tome posse dele. “Andarei entre vocês e serei o seu Deus, e vocês serão o meu povo” (Lv 26.12, NIV). A promessa de sua vinda cresce como uma onda do mar na história do Antigo Testamento. O Senhor sempre toma a iniciativa na redenção. Do pecado de Adão no jardim ao triunfo do mal na geração do dilúvio, a promessa permanece e é marcada pelo sinal do arco-íris. O Senhor chamou Noé e jurou sua fidelidade a Abraão. Ele se revelou a Jacó em Betel e desceu as escadas do céu para velar por Jacó e repetir a promessa. Ele chamou Moisés e exigiu que faraó deixasse seu povo ir para que pudesse servi-lo em adoração. Ele é Senhor. Ele liberta seu povo para que seja seu servo. Moisés declarou-lhes a bênção do Senhor se a ele permanecessem fiéis; porém, seriam amaldiçoados caso se rebelassem. Depois que Josué os conduziu à terra que Deus lhes dera, o povo virou as costas e adorou Baal dos cananeus. O Senhor enviou invasores como juízo, porém os livrou repetidas vezes desses invasores até que, por fim, abandonou-os à sua idolatria. O período dos juízes mostrou que Israel precisava de um rei. Samuel ungiu Saul como rei de Israel e depois ungiu Davi. Este subjugou as nações ao redor e preparou a construção do Templo onde o Senhor habitaria no meio do seu povo. Quando Salomão dedicou o Templo, confessou que Deus havia cumprido todas as promessas que fizera a Moisés. Israel havia recebido a paz e a prosperidade que o Senhor lhe prometera na terra (1Rs 8.56). As bênçãos foram concedidas. Metade das tribos as recitou no monte Gerizim. Mas então vieram as maldições que foram recitadas no monte Ebal (veja Dt 11.29). Cristo, o Servo da aliança Cristo que é Senhor é também Servo do Senhor. Ele é a videira verdadeira, o Filho verdadeiro, o verdadeiro Israel. Sempre que um servo justo do Senhor aparece na história do Antigo Testamento, é o verdadeiro Servo que é prefigurado. Deus faz sua aliança, reivindicando para si seu povo, dando-lhe também a reivindicação de si mesmo. “Senhor” e “Servo” expressam essa relação. A exigência do Senhor a faraó foi: “Deixa meu povo ir, para que possa me servir” (Êx 10.3). Servir o Senhor significa adorá-lo e obedecer-lhe. Jesus Cristo consuma a relação de aliança de ambos os lados. O Antigo Testamento promete a vinda do Senhor e também a vinda do Servo do Senhor. Quando o Senhor condena a incapacidade dos pastores de Israel de cuidar de suas ovelhas, declara que ele mesmo virá pastoreá-las (Ez 34.11-16). Afirma ainda que estabelecerá sobre eles um pastor, seu servo Davi, que os alimentará: “Eu, o Senhor, serei o seu Deus, e o meu servo Davi será o líder no meio delas” (Ez 34.24, NIV).⁷ A história do Antigo Testamento é profética e descreve as bênçãos da aliança, suas maldições e a maravilha da grande salvação de Deus que virá nos últimos dias. Para que venha o “dia do Senhor”, para que venha o reino de Deus, a aliança deve ser cumprida de ambos os lados. Hanson procura reduzir a tipologia do Novo Testamento com sua interpretação dos termos que a expressam. Ele conclui que isso estava apenas começando a contagiar os autores do Novo Testamento. Onde parece ter chegado, como no sinal de Jonas no relato de Mateus (Mt 12.38-41), ele está pronto a sugerir que sua origem remete ao estudo do Antigo Testamento pela igreja primitiva. Ele defende, até, no que diz respeito à referência de Jesus à serpente que foi erguida no deserto (Jo 3.14,15), que como não se usa palavra alguma para “tipo”, “cabe a nós tirarmos a conclusão”.⁸ É verdade que o Novo Testamento nem sempre fala como interpreta o Antigo Testamento, por isso muitas vezes nos resta tirar nossas próprias conclusões. Contudo, a estrutura principal é clara. O que Jesus faz como Servo do Senhor não pode ser descrito como mero “fenômeno de ‘situação paralela’”, um termo que Hanson usa para explicar em detalhes a referência típica. Ele está certo em insistir que a atividade do Senhor no Antigo Testamento não é meramente um tipo de sua atividade como Senhor no Novo Testamento. Contudo, as ações e papéis de Adão, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, José, Moisés, Aarão, Josué, Davi e os demais não devem ser postas ao lado da pessoa e obra de Jesus Cristo como desempenhosmenos eficazes do mesmo tipo de serviço. Leonhard Goppelt, em seu artigo “typos”, no Theological dictionary of the New Testament [Dicionário teológico do Novo Testamento], e em seu livro intitulado Typos, demonstrou a especificidade da tipologia de Paulo em Romanos 5. Há, em Paulo, uma preocupação escatológica. A vinda do Messias não nos transporta de volta a uma era de ouro do passado, restaurando suas glórias. Antes, a vinda de Cristo traz consigo o cumprimento, a realização daquilo que foi antecipado pelos servos de Deus, os redentores, profetas, reis, sacerdotes e juízes da antiga aliança. Contrariando outras perspectivas, diz Goppelt: “Em vez disso, a ideia tipológica da consumação do plano redentor de Deus parece ser o coração da escatologia veterotestamentária”. Ele reconhece o tema da restauração, mas insiste que “a ideia tipológica de consumação da salvação é o núcleo; o conceito de restauração proporciona a roupagem apropriada”¹ (veja Sidney Greidanus, Sola Scriptura, The modern preacher and the ancient text, e Preaching Christ from the Old testament).¹¹ Simbolismo e tipologia A história da aliança que leva a Cristo também antecipa Cristo em seu simbolismo. O simbolismo tem má fama na exegese reformada atual. É bem sabido que Orígenes cedeu às alegorias fantásticas para tirar lições espirituais úteis de histórias do Antigo Testamento que nada pareciam ter de edificantes.¹² Nisso ele seguia o padrão dos filósofos estoicos e platônicos, que haviam transformado em alegorias a mitologia grega. Filo usou o mesmo método para recomendar o Antigo Testamento aos helenistas letrados. Os gnósticos se excederam ainda mais ao usar o método das alegorias para extrair doutrinas secretas que não só estavam ausentes da Escritura, mas também a contradiziam. Contudo, conforme Francis Foulkes destaca, a alegoria como método difere da tipologia, uma vez que trabalha comumente com a exegese de palavras e não de textos.¹³ Ao atribuir sentidos arbitrários às palavras, o alegorista pode evitar ou subverter o sentido do texto. A hermenêutica bíblica, entretanto, deve levar em conta o texto da Escritura, incluindo-se aí o simbolismo encontrado nele. O Senhor nos criou à sua imagem, e o princípio da analogia é fundamental na criação e na revelação de Deus. A analogia sempre combina a identidade e a diferença. A interpretação pode, dessa forma, pressionar de tal modo a identidade a ponto de reduzir ou remover a diferença. É o caso da doutrina católica romana da transubstanciação: a hóstia é identificada com o corpo físico de Cristo. Pelo mesmo motivo, muitos se sentiram ofendidos pelo ensino de Cristo depois que ele alimentou os cinco mil. “Como pode este homem nos dar sua carne para comer?”, indagaram (Jo 6.52, NIV). Para esses intérpretes literais, Jesus estava pregando o canibalismo. Por outro lado, o aspecto da identidade não pode ser ignorado. Essa é a razão de ser da comparação. Às vezes, o texto atribui certo sentido a uma palavra, um fato explorado pelo uso arbitrário da alegoria. Quando o Senhor mostra a Jeremias um ramo de amendoeira para simbolizar a certeza do cumprimento de sua Palavra (1.11,12), o ponto central aí é a palavra “amendoeira”, que significa “sentinela” (shāqēd: a amendoeira é a árvore “sentinela”, porque anuncia a aproximação da primavera). Deus vigiará (shāqēd) sua palavra a fim de cumpri- la. Assim também, a possibilidade maravilhosa de chamarmos Deus de Pai flui do elemento de identidade na figura da paternidade. A linguagem está fundamentada no simbolismo, e a capacidade humana de empregar símbolos em contraste com a resposta do animal aos sinais continua a ser a grande diferença entre a linguagem humana e a comunicação entre os animais.¹⁴ Na linguagem, constantemente usamos metáforas. Não só falamos de um homem valente que comparamos a um leão (símile), como o chamamos de leão (metáfora). Algumas se tornaram “metáforas mestras” organizando todo um corpo de pensamento e de prática. O termo “corpo” tem sido usado como metáfora sacramental mestra na eclesiologia católica romana. No Concílio Vaticano II, a descrição da igreja como povo de Deus e corpo de Cristo inaugurou o abandono do uso exclusivo da metáfora do corpo. Podemos falar de símbolos discursivos e de símbolos apresentativos.¹⁵ Os símbolos discursivos são linguísticos. Embora reúnam esferas incompatíveis de pensamento e transmitam sugestões além do sentido preciso, eles, não obstante, comunicam um sentido compartilhado que pode ser expresso em forma proposicional. O simbolismo apresentativo, por outro lado, é o simbolismo da arte e da música: simbolismo que é mais intuitivo do que discursivo, que tem poder emocional em vez de comunicar um sentido racional. Embora os símbolos da Escritura evoquem efetivamente uma resposta emocional, eles também estão cheios de sentido discursivo. A visão de Ezequiel no vale de ossos secos é uma imagem poderosa. Chegamos a ouvir o ruído dos ossos que se juntam em obediência à Palavra do Senhor. Contudo, o sentido da visão é perfeitamente claro: o Senhor tem poder para libertar seu povo do exílio e enchê-lo com vida espiritual renovada. No livro do Apocalipse, as imagens são discursivas. Elas prolongam imagens do Antigo Testamento. A visão de Cristo no início do livro não é uma representação de alguma imagem onírica arquetípica, e sim um mosaico de alusões ao Antigo Testamento que adquirem sentido ao revelar a glória de Cristo. Embora seja preciso reconhecer a dificuldade de se fazer uma separação absoluta entre sentido e significado, E. D. Hirsch Jr. defende acertadamente a necessidade de distinção.¹ Sem dúvida, como intérpretes da Palavra de Deus, cabe-nos descobrir o sentido do texto e mostrar seu significado para nossos ouvintes. A Palavra de Deus tem um sentido consolidado, estabelecido por seu Autor principal à medida que se expressa por meio da inspiração do Espírito. Além disso, o Espírito também interpreta a Palavra para o nosso entendimento. Ao interpretar o simbolismo da Bíblia, defendemos a doutrina da clareza da Escritura. Há passagens complexas; podemos não ter certeza ou nos equivocar quanto ao sentido de uma passagem, mas a Escritura é a revelação de Deus, portanto os operários da Palavra devem buscar sua bênção iluminadora. Simbolismo cerimonial O simbolismo cerimonial no Antigo Testamento recorre à distinção fundamental entre o puro e o impuro. A comparação do pecado à sujeira está associada à necessidade de limpeza para que seja possível a aproximação das coisas santas ou do Senhor santo. O poder dominante do pecado se mostra no fato de que o impuro polui o puro, jamais o contrário. A mensagem de Ageu foca esse aspecto (Ag 2.10-14). Em ação, o poder dominante de Cristo reverte esse princípio. Quando Jesus toca o leproso, ele não se contamina, e o leproso é purificado e fica habilitado a reivindicar seu novo status junto ao sacerdote e por meio de sacrifício. Essa mesma inversão ocorre quando Paulo ensina que não se deve exigir dos convertidos ao cristianismo que se separem de seu cônjuge descrente, conforme se exigia no Antigo Testamento. (Lembre da reforma entre os judeus que retornaram sob a liderança de Neemias, quando aqueles que haviam tomado para si esposas gentias tinham de se divorciar delas.) Cabe ao crente buscar a conversão do descrente; mas, enquanto isso não acontece, não se deve imaginar que a união conjugal torne impuro o cristão. Pelo contrário, o descrente é purificado no que diz respeito a essa união, porque os filhos, frutos dela, são santos (1Co 7.14). Todo o sistema sacrifical, associado como está à habitação de Deus no Templo entre seu povo, é sacramentalmente simbólico, pois simboliza a participação do ofertante em benefício da oferta. O autor de Hebreus descreve em profundidade o sentido do simbolismo cerimonial e da construção do tabernáculo “como figura do verdadeiro”. O simbolismo profético também deve ser reconhecido no Antigo Testamento. Pensamos nas relações entre Oseias e Gômer; em Jeremias comprando um campo em Anatote (Jr32.9); em Ezequiel escavando a parede de sua casa para levar seus pertences, como se estivesse em fuga para o exílio (Ez 12.5). Simbolismo “oficial” O que podemos chamar de simbolismo de ofício aparece por toda parte no Antigo Testamento. Um homem pode ser apresentado como sinal (Zc 3.8, mophet, quase = typos). O papel de um rei confere importância simbólica às suas ações. Davi escreve nos salmos, não como um indivíduo particular, mas como servo ungido pelo Senhor. Davi se torna uma figura de seu Filho que viria, o Messias (Is 55.3-5; cf. 11.1; Jr 23.5,6; Ez 34.23). Deus repreende Miriã e Aarão: “Por que, então, não temeram falar contra o meu servo Moisés?” (Nm 12.8, NIV). O ofício do sacerdote, associado como está ao simbolismo cerimonial, é particularmente destacado, e também aponta para o futuro (Zc 3.8; 6.11-13). Até mesmo a nação de Israel tem um papel como filho de Deus, sua posse pessoal entre as nações; ou ela santificará o nome de Deus, ou vai difamá-lo com seu comportamento (Ez 36.16-38). Simbolismo histórico O Antigo Testamento também diferencia o aspecto simbólico dos eventos históricos, especialmente quando estes revelam o progresso da obra divina de redenção. Deus passa entre as carcaças divididas para fazer um juramento sobre a aliança feita com Abraão. As ações de Abraão contribuem para o simbolismo (Gn 15). O simbolismo histórico aparece no sacrifício de Isaque por Abraão. Por um lado, é evidente que a ordem de Deus de sacrificar Isaque foi dada para testar Abraão. A passagem começa com a afirmação do propósito de Deus (Gn 22.1). Perto do fim do episódio, Deus diz que abençoará Abraão porque ele não poupou seu único filho (v. 16,17). Há quem diga, portanto, que imaginar algum simbolismo nesse sacrifício significa introduzir no texto um sentido que não está ali. Contudo, não pode passar despercebido o nome que é dado ao evento no texto. Abraão chamou aquele lugar Jehovah Jireh, “o Senhor proverá”. Há uma explicação: “Pelo que se diz até o dia de hoje: no monte do Senhor se proverá” (v. 14, NKJV). O verbo jireh é a forma de um verbo comum para “ver”. O significado de “prover” ou “providenciar” é derivado do contexto no versículo 8, em que se diz que Deus “vê” o cordeiro, e com isso se entende que ele o provê. Há mais aqui do que simplesmente um teste de fé para Abraão. O ponto central é o significado do sacrifício de Isaque. Ele, e não Ismael, é a semente da promessa. É impossível que Isaque seja destruído: “... tua descendência será reconhecida por meio de Isaque” (Gn 21.12, NKJV). A redenção virá por meio da semente prometida. O autor de Hebreus leva a sério a palavra de Abraão aos servos quando promete a eles que nós voltaremos (Gn 22.5). Para o autor, isso significa que Abraão esperava recuperar o filho, se necessário fosse, pela ressurreição dos mortos (Hb 11.17,19). O autor acrescenta que Abraão, por sinal, de maneira figurada (en parabolēi), assim o acolhe. O lugar para o qual Deus direciona Abraão é significativo. O primeiro uso do verbo “ver” em Gênesis ocorre no versículo 4: “Ao terceiro dia, Abraão levantou os olhos e viu o lugar de longe” (NIV). O local é novamente enfatizado na expressão “no monte do Senhor se verá”, ou “ele será visto”. É evidente que tanto o lugar quanto o ato de ver são importantes. Juntando-se a isso a importância de Isaque, percebemos que o Senhor vê, ou provê, um sacrifício como substituto do filho amado de Abraão, em determinado lugar, e por meio de um sacrifício, que é significativo. Haveria alguma dúvida em relação ao que Paulo está aludindo quando ele diz: “Aquele que não poupou nem o próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos dará também com ele todas as coisas, de forma graciosa?” (Rm 8.32, NIV). A expiação final de Deus pelo pecado não foi um carneiro preso no meio do mato, mas o Filho da promessa. Isaque poderia ser poupado, devia ser poupado, porque embora fosse a semente da promessa, ele o foi apenas na sombra, pois apontava para a verdadeira Semente, não de Abraão, mas do Pai celestial. Deus Pai poupou o filho amado de Abraão, mas não o seu próprio Amado. Memoriais significativos A narrativa do teste de Abraão é uma entre as várias no Pentateuco em que o nome de um lugar ou de um altar serve de memorial, não apenas do evento em si, mas do seu significado, da sua importância. Foi o que aconteceu quando Jacó identificou o sonho que Deus lhe deu em Betel e a luta que travou no Jaboque, local em que seu nome também foi mudado (Gn 28.19; 32.28,30). A Páscoa proclama o evento em que Deus poupou as casas ameaçadas de Israel por causa do sangue do cordeiro. Esse evento é entrelaçado com o significado da salvação de Deus (Êx 12.11-14). O cântico de Moisés do outro lado do mar Vermelho mais uma vez marca a lembrança de um evento e se torna uma promessa de libertação futura. Por esse motivo, a grande salvação divina vindoura é descrita como um segundo êxodo (Is 40.3; 43.16; 52.12; Jr 23.7,8; Os 2.14). No deserto, o Senhor faz com que a experiência de Mara se torne uma ordenança para Israel, cheia de promessa futura e de advertência presente (Êx 15.22-27). A dádiva do maná, pão do céu, tornou-se um memorial por ordem divina. Uma vasilha com o maná foi colocada perante as tábuas do testemunho na Arca da Aliança (Êx 16.33,34). Mais tarde, a vara de Aarão que floresceu também foi colocada ali, como sinal contra os rebeldes que rejeitaram a escolha divina do sumo sacerdote (Nm 17.10 [em hebr., Nm 17.25]). De igual modo, Moisés chama o altar que celebra a vitória sobre os amalequitas de Yahweh Nissi, “O Senhor é a minha bandeira” (Êx 17.15). Ele explica a razão do nome: “Uma mão foi erguida perante o trono do Senhor! De geração em geração o Senhor guerreará contra os amalequitas” (v. 16). O termo nēs, “bandeira” ou “estandarte”, remete à vara de Moisés, que ele erguia com a ajuda de Aarão e Hur, sentado sobre uma pedra no cume do monte, acima da batalha. Enquanto mantinha a mão que a segurava erguida no decorrer do dia, o exército de Israel era vitorioso. “O Senhor é minha bandeira” é a confissão de que, não a vara, mas o Senhor é o sinal da vitória. A explicação mostra isso ao afirmar: “Uma mão foi erguida perante o trono de Deus”, isto é, não era a vara do juízo na mão de Moisés que infligia a derrota aos amalequitas, mas a mão erguida do Senhor, empunhando, por assim dizer, sua vara do juízo.¹⁷ (O Senhor está em seu trono; provavelmente, Moisés, sentado sobre a pedra, parecia estar entronizado acima da batalha.) A mão do Senhor está erguida para realizar o juízo completo e final sobre Amaleque. O simbolismo do padrão de elevação prossegue com os profetas. Isaías o aplica à Raiz de Jessé, o Messias (Is 11.10). Mais uma vez, o nome do memorial confere importância simbólica ao evento. Outra passagem que mostra o poder do simbolismo histórico é o relato em que Moisés fere a Rocha em Massá/Meribá (Êx 17). A chave para compreender essa passagem é encontrada nos nomes dados ao acontecimento. As duas palavras são tiradas do relato. Ao viajar sob as ordens divinas pelo deserto, Israel acampou em Refidim, onde não havia água. Dois termos são usados para descrever sua queixa. O primeiro verbo é rîb (raiz de “Meribá”), traduzido como “queixar” e “reclamar” nos versículos 2 e 7 da NIV. “Contender” seria melhor. O verbo descreve uma ação legal. Significa processar, fazer acusações em uma ação judicial.¹⁸ O nome será usado posteriormente para descrever a ação judicial do Senhor contra seu povo (Jr 25.31; Mq 6.1-8). O cenário é a relação de aliança entre Deus e seu povo, já evidente em sua caminhada em direção ao Sinai. O povo acusa Deus de quebrar a aliança: “O Senhor está conosco ou não?” (Êx 17.7, NKJV). Diz Moisés: “Por que contendem comigo? Por que tentam o Senhor?” (v. 2, NKJV). “Contender” é rîb novamente, ao passo que “tentar” é o verbo nasa (no particípio, “Massá”), que significa “testar, tentar, incitar”. No contexto, isso implica colocar Deus em julgamento.¹ Israel acusa Deus de abandoná-lo para morrer no deserto.O povo exige justiça. Uma vez que Deus não pode ser julgado, Israel acusa Moisés em seu lugar. Eles estão prontos para apedrejá-lo. O apedrejamento, é claro, não é uma violência praticada por uma multidão; antes, trata-se de execução judicial pela comunidade em que as testemunhas lançam as primeiras pedras. Moisés, naturalmente, indaga por que querem apedrejá-lo. Eles foram levados a Refidim pela palavra do Senhor. Na verdade, é contra Deus que lançam suas acusações. A análise desse cenário judicial nos permite compreender o que se segue. O Senhor diz a Moisés que tome consigo anciãos dentre o povo e que pegue sua vara. Os anciãos são os juízes de Israel; eles deverão servir de testemunhas do caso no tribunal. A vara de Moisés é identificada com a vara com que ele feriu o rio Nilo, transformando-o em sangue. É a vara do juízo: um símbolo de autoridade e um instrumento para infligir penalidades. Lembramos o fasces [molho de varas] carregado pelos lictores romanos. Esse conjunto de varas simbolizava a autoridade e os meios de punição. Deuteronômio 25.1-3 descreve o procedimento para aplicação da penalidade ao malfeitor sempre que um caso a ser julgado pela lei é levado perante os juízes. Estes absolverão o inocente e condenarão o culpado. Se o culpado merecer o açoite, o limite será de quarenta chicotadas.² Moisés tinha de se apresentar perante o povo na companhia dos anciãos para presidir o julgamento público. Ele levantava a vara do juízo para desferir um golpe de justiça sobre o culpado. Isaías descreve a vara do Senhor descendo em julgamento sobre a Assíria: “Cada pancada que com a vara o Senhor desferir sobre ela para a castigar será dada ao som de tamborins e harpas, enquanto a estiver combatendo com os golpes do seu braço” (Is 30.32, NIV). Israel é culpado, mas a vara de Moisés não se levanta contra Israel. Em vez disso, temos uma das afirmações mais surpreendentes da Bíblia. Deus diz: “Eu estarei diante de ti na rocha do Horebe” (Êx 17.6a).²¹ Nessa cena de julgamento, Moisés se coloca com a vara do juízo na mão, e Deus vem para se colocar diante dele! No julgamento, os homens se colocam diante de Deus; Deus não se coloca diante de um homem. Diz a lei: “Os dois que estiverem em desentendimento se apresentarão diante do Senhor, diante dos sacerdotes e dos juízes que houver naqueles dias. E os juízes farão uma investigação cuidadosa...” (Dt 19.17,18, NKJV). Israel pediu justiça, e o Senhor leva o caso a julgamento. Ele, o acusado, se coloca no banco dos réus. Ele ordena a Moisés: “Ferirás a Rocha”. Moisés não deve ferir a glória do Shekiná da presença divina. Mas ele deverá golpear a Rocha sobre a qual Deus se encontra, e com a qual ele se identifica. No Cântico de Moisés, o nome de Deus é “a Rocha”: “Porque proclamarei o nome do Senhor. Engrandecei o nosso Deus! Ele é a Rocha! Sua obra é perfeita” (Dt 32.3,4a, NKJV). Jesurum “abandonou a Deus, que o fez, e desprezou a Rocha da sua salvação” (v. 15, NKJV). “Abandonaste a Rocha que te gerou e te esqueceste do Deus que te formou” (v. 18, NKJV). “Porque a rocha deles não é como a nossa Rocha; até nossos inimigos sabem disso” (v. 31, NKJV).²² Nos dois salmos que mencionam Massá e Meribá, Deus é chamado de Rocha (Sl 78.35; 95.1). Deus é a Rocha; ele não é culpado, mas se apresenta para receber o golpe do juízo. “Em toda a angústia deles, ele também ficou angustiado, e o Anjo da sua Presença os salvou; no seu amor e na sua compaixão ele os redimiu, e os tomou, e os carregou por todos os dias da antiguidade” (Is 63.9, NKJV). Deus, que é o Pastor do seu povo, não apenas o conduz pelo deserto; ele se coloca em seu lugar para que a justiça seja feita. A penalidade é perdoada: Moisés fere a Rocha. O Senhor salva suportando o julgamento. Da Rocha ferida flui a água da vida em direção ao deserto mortal. Quando Paulo diz que a Rocha era Cristo (1Co 10.4), ele percebe o simbolismo da passagem. Cristo está presente na pessoa e no símbolo. Naquele episódio, Cristo, o Senhor, se coloca sobre a Rocha como o Anjo teofânico, mas o símbolo da Rocha é necessário para que se tenha o símbolo da natureza humana que ele deve assumir para que receba o golpe expiador do julgamento. Não há por que se surpreender com a severidade da censura do Senhor a Moisés quando este por sua própria vontade feriu a Rocha uma segunda vez (Nm 20.9-12). Ações e palavras do Senhor Os pilares do simbolismo histórico são claros e se aplicam além daqueles episódios em que o simbolismo é especificamente nomeado. Deus se revela em seus atos salvíficos, que são acompanhados de suas promessas. Nesse cenário, quando Deus liberta Israel, ele antecipa a libertação final cumprindo todas as suas promessas. A forma da aliança estrutura o futuro; o cumprimento do futuro está em Cristo, o Senhor e o Servo. Francis Foulkes enuncia o testemunho do Antigo Testamento quanto à sua importância tipológica. Ele enfatiza o caráter histórico da revelação do Antigo Testamento e a coerência da natureza de Deus e de suas ações. Deus repete efetivamente as ações em que confere bênçãos e dispensa juízo. Na estrutura da aliança, as ações salvíficas de Deus no passado são rememoradas pelos profetas, bem como a sinalização de lugares por meio de pedras ou de altares, eventos e observâncias. A fidelidade da aliança divina se torna o fundamento das promessas dos profetas inspirados na futura graça divina. Os atos de Deus são constantemente acompanhados por sua palavra, que declara o sentido do que ele fez e fará. A história profética é instrutiva, porque avisa das consequências da quebra da aliança, mas amplia mais uma vez o caráter assombroso do plano e da promessa de Deus. O engrandecimento da promessa de Deus se torna a chave da tipologia. Deus não apenas repetirá seus feitos do passado; ele fará coisas maiores, de uma magnitude muito mais abrangente: um segundo êxodo, em que haverá libertação espiritual; uma nova aliança, uma nova criação, um novo povo, que inclui judeus e gentios; e alguém maior do que Moisés, do que Davi, do que Elias. A promessa maior significa que o próprio Deus deve vir, e o Servo de Deus deve vir, trazendo consigo o nome divino. Foulkes conclui que um tipo é “um evento, uma série de circunstâncias ou um aspecto da vida de um indivíduo ou de uma nação que encontra uma concretização paralela e mais profunda na vida encarnada de nosso Senhor, em sua provisão para as necessidades dos homens ou em seus juízos e reino futuro”.²³ “Mais profunda” não é forte o bastante aqui. Trata-se de algo necessariamente final e apoteótico, escatológico, cristocêntrico. Cientes das alegorias arbitrárias de Orígenes, os expositores reformados com frequência procuraram evitar a tipologia. Um professor do seminário onde estudei nos ensinou a identificar como tipos no Antigo Testamento somente aquelas coisas identificadas como tipos no Novo Testamento. Sem dúvida é uma regra segura. Se o Novo Testamento identifica algo como um tipo, podemos interpretá-lo assim. Contudo, isso é mais ou menos como dizer que só é possível encontrar soluções para os problemas de matemática olhando as respostas no final do livro, já que você não tem a mínima ideia do que fazer para resolvê-los. Chegar à conclusão de que jamais conseguiremos ver um tipo em que o Novo Testamento não o identifica como tal é confessar a falência hermenêutica. Sabemos que os autores do Novo Testamento de fato identificaram tipos, mas admitimos que não é possível saber como o fizeram. Parece não haver princípios discerníveis a serem seguidos. Contudo, há um princípio. Geerhardus Vos o enunciou quando disse que a porta para a tipologia se encontra no outro extremo da casa do simbolismo. Ou seja, se houver simbolismo, podemos inferir corretamente a tipologia. Se não houver simbolismo algum, não pode haver tipologia. O simbolismo, porém, conforme vimos, não é esporádico no Antigo Testamento, e sim estrutural. Os atos divinos que apontam para o futuro, para sua salvação/juízo final, e suas relações com seu povo aguardam a restauração e a renovaçãoda nova aliança. Desse modo, podemos criar um diagrama que mostre a relação do simbolismo com a tipologia (veja a Figura 1). Onde o simbólico aparece, como nos acontecimentos examinados, o evento ou instituição (E no diagrama) simboliza uma verdade da revelação divina. Podemos chamar essa verdade de “verdade em primeira potência” (V1). Essa verdade leva à revelação em Cristo, que podemos chamar de verdade à enésima potência (Vⁿ). Nenhuma verdade revelada fica de lado no decurso da redenção e da revelação divinas. Todas as verdades chegam à concretização em relação a Cristo. Se, portanto, pudermos construir uma linha de simbolismo do evento ou cerimônia para a verdade revelada, essa verdade nos conduzirá a Cristo. Aqui, em Cristo, está a Verdade em sua plenitude. Tendo construído dois lados de um triângulo em nossa geometria teológica, definimos também a hipotenusa, que é a linha da tipologia. Temos de traçar igualmente uma linha para baixo, de Vⁿ (revelação plena em Cristo) até os ouvintes atuais da mensagem. Ela começa com o sentido em Cristo e é a linha significado. Essa é a linha identificada pelo intérprete. Richard Craven, do Westminster Seminary, na Filadélfia, certa vez me sugeriu duas outras linhas que podem ser incluídas no diagrama. Destaquei ambas em cinza porque representam linhas ilegítimas. A primeira desce na diagonal em direção à linha do significado e se origina diretamente da verdade revelada do Antigo Testamento para nós, sem nenhuma referência ao cumprimento da verdade em Cristo. É a linha do moralismo. Ela apresenta a verdade separada da história da redenção e, portanto, separada da cruz, da ressurreição, da ascensão e do senhorio de Cristo. Inconscientemente, presume que podemos voltar para o Pai sem o Filho. Tal estratégia foi a perdição de boa parte da pregação no passado, e a forma consagrada de contar histórias na escola dominical. Davi é apresentado como um jovenzinho valente que não teve medo de um gigante malvado, derrubando-o com uma pedra de sua funda de confiança. Essa estratégia enfrenta uma dificuldade um pouco maior com a história de Davi e de Urias, marido de Bate- Seba. Mas é claro que podemos encontrar exemplos morais que são mais negativos do que positivos. Seja corajoso, como Davi, mas não seja um adúltero assassino como ele. Evidentemente a Bíblia demonstra forte desaprovação ao pecado de Davi com Bate-Seba e sua ordem de matar Urias. O verdadeiro problema, porém, surge quando os personagens da Bíblia parecem ser elogiados por fazerem coisas pavorosas. Saul desobedece ao Senhor ao não destruir completamente os amalequitas quando chega o dia do juízo divino contra eles (1Sm 15). Saul diz que foi cem por cento obediente e então Samuel lhe pergunta: “Que quer dizer este balido de ovelhas e o mugido de bois que ouço?”. Quando Samuel fica sabendo que Saul poupou o rei Agague, exige que lhe tragam o prisioneiro e faz ao rei o que Saul deixara de fazer. Ele o despedaça perante o Senhor. A ação de Samuel e a aprovação que lhe é dada na narrativa provocam perplexidade sob a ótica moralista. Para compreendê-las, é preciso levar em conta a história da redenção. A aplicação da maldição divina por Samuel deve ser entendida no contexto da conquista pelo Senhor dos inimigos do seu reino. O simbolismo do juízo final aparece, assim como em todas as guerras de Israel, as verdadeiras “guerras santas” que Israel trava, não pelos espólios, mas como anjo vingador de Deus que traz seu julgamento. A “jihad” ou guerra santa que os terroristas islâmicos moveram contra os Estados Unidos se baseia no Alcorão, que amplia a doutrina do Antigo Testamento, mas nega a transformação do seu cumprimento em Jesus Cristo. Jesus, o Juiz ressurreto e que reina, retém o julgamento para seus propósitos de graça. Davi enfrenta Golias, não para manifestar a coragem de um jovem, mas para cumprir o papel de ungido de Deus. Ele já havia sido ungido por Samuel. Por esse motivo, não pode suportar as blasfêmias de Golias. Ele descreve a terrível armadura do gigante, mas diz: “Eu venho a ti em nome do Senhor dos exércitos, o Deus dos exércitos de Israel” (1Sm 17.45). O que Davi manifesta é fé. O autor de Hebreus apresenta sua lista de homens e mulheres de fé do Antigo Testamento (Hb 11). Fé e graça caminham juntas. Davi, como ungido do Senhor, é um tipo de Jesus Cristo, o Messias, que encontra e vence Satanás, o homem forte, libertando os cativos do Diabo (Lc 11.14-19). O moralismo é uma explicação inadequada da Escritura; a alegoria também é inadequada. O pregador que recorre à alegoria tentará explicar um texto tirando algo dele e lhe dando uma explicação que não está relacionada a seu contexto e sentido. Por exemplo, suponhamos que um pregador pegue as palavras “e uma lâmpada” (2Rs 4.10). As palavras descrevem parte do mobiliário de um pequeno quarto no alto de uma casa que uma mulher rica de Suném mandou construir para Elias, para que ele tivesse onde se acomodar quando passasse por ali em suas viagens. A interpretação alegórica poderá se ocupar da necessidade de luz para o profeta e, em seguida, fazer todo tipo de aplicação usando o texto como desculpa para uma mensagem temática a respeito da luz espiritual, de Gênesis ao Apocalipse usando, é claro, o candelabro do tabernáculo e assim por diante. Do mesmo modo, “uma cadeira” também pode sugerir a cadeira de balanço de um pai ou mãe de idade avançada, o cadeirão de um neto, a cadeira do pai na cabeceira da mesa, a cadeira vazia do filho pródigo etc. Sidney Greidanus fez avançar enormemente a compreensão e a prática da pregação cristocêntrica em seu Preaching Christ from the Old Testament.²⁴ Ele expõe seis maneiras ou vias usadas pelos autores do Novo Testamento para identificar tipos de Cristo no Antigo Testamento. A essas, Greidanus acrescenta uma sétima. Com a conclusão do Novo Testamento, ele nos oferece uma sétima via, a saber, seguir sua interpretação do Antigo Testamento. As vias que ele lista não são do tipo que nos permitem elaborar um olhar retrospectivo sobre o Antigo Testamento a fim de identificar Cristo ali. Pelo contrário, são vias nas quais o Antigo Testamento nos encaminha em direção a Cristo. São elas: (1) a via da progressão histórica redentora; (2) a via do cumprimento da promessa; (3) a via da tipologia; (4) a via da analogia; (5) a via dos temas longitudinais; (6) a via do contraste; (7) a via das referências do Novo Testamento. O tratamento que Greidanus dá a essas vias é repleto de ricos insights. Suas distinções, porém, se sobrepõem, e podem ser mais facilmente compreendidas a partir do ensino central do Antigo Testamento a respeito do plano salvífico de Deus. Esse plano incluía a promessa de Deus no começo da história da redenção, seguida por épocas ou períodos em que se desenrolavam tais atos e palavras de redenção. As épocas devem ser enfatizadas, já que os temas longitudinais encontram expressão no contexto de cada uma. O dispensacionalismo fracassa em ver a continuidade da obra redentora de Deus, mas a teologia bíblica vê acertadamente a importância das eras ou épocas. A Bíblia fala de Deus: de seus atos redentores e de suas palavras, as quais interpretam seus atos. A história da redenção é sempre acompanhada da história da revelação. Somos informados, por exemplo, de que no triste período dos juízes, a revelação não era frequente (1Sm 3.1). O ministério profético dado a Samuel mostrou que Deus não havia abandonado seu povo errante. “O Senhor continuou aparecendo em Siló, onde havia se revelado a Samuel por meio de sua palavra. E a palavra de Samuel espalhou-se por todo o Israel” (1Sm 3.21b–4.1a, NKJV). A história da redenção é sempre acompanhada pela história da revelação. A interpretação divina de seus próprios atos dá à teologia bíblica e à sistemática os temas que elas reúnem e resumem. Os temas longitudinais que Greidanus identifica são temas encontrados na história da revelação. Todas as revelações que Deus faz de si mesmo envolvem necessariamente a analogia, conforme Cornelius Van Til sempredestacou. Somos criaturas, não somos o Criador e, no entanto, fomos criados à sua imagem. Conforme vimos anteriormente, o simbolismo recorre à analogia. O contraste para o qual Greidanus chama a nossa atenção é o grande tema escatológico que une a nova aliança à antiga. O núcleo do contraste é marcado pela vinda do Senhor. Nossa situação é absolutamente desesperadora. Só Deus pode lidar com ela. Sua promessa traz esperança para além de toda esperança, pois ele virá em pessoa nos redimir. O Filho de Deus apareceu a Samuel, assim como havia aparecido a Moisés na sarça ardente. O Senhor que falou a Moisés falou também a Samuel e a outros profetas. Isaías fala da libertação de Israel do cativeiro assírio como análoga à libertação no êxodo (Is 10.24-27). Essa profecia, porém, está imersa na total concretização e no cumprimento da vinda do Messias, a Raiz (não apenas o Renovo) de Jessé, que traz o Nome, e é Senhor e também Servo. A reunião de Israel depois do fim do exílio trará também o remanescente das nações que se juntarão ao Israel de Deus. A promessa maravilhosa de Isaías 19 revela o triunfo dos propósitos salvíficos de Deus. No dia do Senhor, haverá um altar a ele no Egito. Os assírios adorarão no Egito, e os egípcios adorarão na Assíria, ambos passando por Jerusalém, porque a adoração em Jerusalém transcenderá em seu cumprimento. Os nomes preciosos com os quais Deus se dirige ao seu povo serão então dedicados às nações inimigas: “Bendito sejam o Egito, meu povo, a Assíria, obra de minhas mãos, e Israel, minha herança” (Is 19.25, NIV). O desenrolar da história da redenção e da revelação une constantemente as palavras e os feitos do Senhor. Deus é seu próprio intérprete, e o clímax do dia do Senhor previsto nos profetas mostra um cumprimento que não se limita à restauração e à renovação, mas à compreensão profunda. O Senhor virá, e fará novas todas as coisas. Só a vinda do Senhor — e nada menos que isso — poderá trazer tal compreensão. É célebre a expressão de Agostinho sobre o pecado de Adão no Jardim do Éden, “felix culpa”, “feliz transgressão”! Sob a perspectiva da realidade do desastre do pecado e da morte, tais palavras podem parecer blasfemas. Contudo, a ideia de Agostinho era também a de Paulo: “E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder, suportou com grande paciência os objetos de sua ira, preparados para destruição? Que dizer, se ele fez isso para tornar conhecidas as riquezas de sua glória aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para glória, ou seja, a nós, a quem também chamou, não apenas dentre os judeus, mas também dentre os gentios?” (Rm 9.22-24, NIV). Para Jesus, o testemunho do Antigo Testamento era um testemunho dos seus sofrimentos e da glória que se seguiria. Só Deus poderia proporcionar bênçãos aos objetos de sua ira infinita; só Deus poderia pagar o preço da redenção. O Antigo Testamento segue o grande plano de Deus na história e redenção humanas, e o plano não apenas provém dele, mas também está centrado nele: na sua presença em seu Filho encarnado. A história da redenção e da revelação existe por causa da vinda de Cristo. Se Jesus Cristo não tivesse sido escolhido no plano eterno de Deus, não teria havido história humana de modo algum. Adão e Eva teriam caído mortos ao pé da árvore do conhecimento do bem e do mal. A graça da promessa da aliança de Deus é a fonte e o coração da história da redenção. Diz Deus: “Andarei entre vocês e serei o seu Deus, e vocês serão o meu povo” (Lv 26.12, NIV). A posse marca a relação de aliança. Deus redime seu povo para possuí-lo. “Pois a porção do Senhor é o seu povo, Jacó é a herança que lhe coube” (Dt 32.9, NIV). Deus reivindica Israel como seu filho primogênito e avisa faraó que trará juízo sobre os primogênitos do Egito se ele não deixar o povo ir (Êx 4.22,23). O Senhor requer especialmente os primogênitos de Israel. Eles representavam todas as demais famílias do povo. Ele os poupou da décima praga do Egito mediante o sinal do sangue na ombreira das portas. Os levitas, uma tribo separada para servir o Senhor em seu Tabernáculo, eram contados como substitutos dos seus primogênitos. Além do seu número, todo pai israelita pagava cinco siclos para comprar de volta seu primogênito (Êx 13.15,16; Nm 3.14,16,42-51). O Senhor escolheu o povo de sua posse em amor, não porque eram em maior número do que os demais povos, mas porque os amava. Ouvimos a linguagem do amor divino: ele os amou porque os amou! (Dt 7.7,8). Além disso, Deus selou seu amor com o povo por seu juramento. O termo do Antigo Testamento é chesed, um compromisso selado por juramento que expressa um amor livremente concedido. “Devoção” talvez seja a melhor tradução em português. Esperaríamos que fosse usada em referência à devoção do povo de Deus por ele. O judaísmo usa o termo. Os chasidim são os devotos. Contudo, o Antigo Testamento usa o termo quase que exclusivamente para se referir à devoção soberana de Deus aos seus. Por outro lado, o povo de Deus o possui, mas somente porque Deus se dá a ele: “Eu sou o Senhor teu Deus...”. Deus celebrou uma aliança com Israel no monte Sinai. O Senhor proferiu as palavras dos Dez Mandamentos ao povo lá embaixo. Durante quarenta dias, Moisés ficou no topo da montanha recebendo do Senhor o projeto do tabernáculo, que seria sua tenda no meio das tendas do povo. Ali Deus habitaria entre eles. Ele os possuiria, e eles a Deus. No entanto, quando Moisés desceu da montanha, ele encontrou Israel adorando um bezerro de ouro que o povo havia transformado em deus. Somente a tribo de Levi, a tribo de Moisés, ficara ao lado do Senhor. Todas as demais rebelaram-se completamente contra Yahweh, o Senhor a quem haviam prometido servir. Os levitas lutaram contra as tribos irmãs para pôr fim à sua revolta. Deus disse a Moisés que não poderia habitar no meio de Israel. Eles eram um povo obstinado. Ele os conduziria a Canaã e lhes daria a terra, mas não poderia habitar entre eles. Seria perigoso demais para o povo. A ira santa de Deus os consumiria a qualquer momento. Moisés orou. Ele não podia prometer que Israel mudaria de comportamento. Ele só podia apelar a Deus que revelasse seu nome a Moisés, e que lhe mostrasse sua glória. Deus o fez. Ele disse que se chamava Yahweh, o Deus cheio de chesed (devoção pela aliança) e de verdade — cheio de fidelidade. Ele prometeu caminhar no meio do povo, e não apenas à frente dele. Moisés orou e deu graças a Deus. Ele repetiu exatamente o que Deus lhe havia dito. Ele disse: “Vocês são um povo obstinado e rebelde. Se eu os acompanhasse, mesmo que só por um momento, eu os destruiria” (Êx 33.5, ASV). Moisés orou: “Ó meu Senhor, que se digne o meu Senhor de caminhar conosco, pois este é um povo obstinado...” (34.9, ASV). A NIV muda o trecho para “embora seja este um povo obstinado”, mas com isso a retomada da expressão perde a razão de ser. Não, Moisés repete as palavras de Deus e acrescenta: “... perdoa, porém, a nossa iniquidade e o nosso pecado e aceita-nos como tua herança”. É precisamente porque Israel é um povo obstinado que ele precisa da graça soberana do Deus que é “cheio de graça e de verdade”. O povo precisa da morada de Deus, o tabernáculo onde repousa a glória divina. Sim, o Santo deve ficar isolado, porém ele providenciou uma forma de se aproximar: o altar do sacrifício, a bacia das abluções, a luz do candeeiro, o pão da proposição, o altar de incenso e a Arca da Aliança para seu trono. Portanto, João reflete sobre o cumprimento da revelação do Senhor a Moisés: “A Palavra se tornou carne e tabernaculou entre nós (e vimos a sua glória, glória como a do unigênito do Pai), cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14, margem da ASV). Greidanus indaga de forma incisiva: “Onde os autores do Novo Testamento, em contraste com seus congêneres judeus não cristãos, foram buscar a ideia de interpretar o Antigo Testamento com base na realidade de Cristo?”.²⁵ Sua resposta é óbvia. Os discípulos haviam estado com Jesus e tinham encontrado o Senhor ressurreto. “Contudo, uma respostamais completa é que o próprio Jesus os ensinara a ler o Antigo Testamento desse modo”. Aqui está a chave da nossa interpretação do Antigo Testamento. Jesus a deu a seus discípulos na manhã da Páscoa. Ele caminhou sem se dar a conhecer com Cleopas e outro discípulo, que voltavam a Emaús depois de terem estado em Jerusalém. Ao ver sua tristeza e perplexidade, Jesus disse: “Como vocês são tolos e como demoram a crer em tudo o que os profetas falaram! Não devia o Cristo sofrer estas coisas, para entrar na sua glória? E começando por Moisés e todos os profetas, explicou-lhes o que constava a respeito dele em todas as Escrituras” (Lc 24.25-27, NIV). Mais tarde, no cenáculo, Jesus apareceu aos discípulos. Comeu peixe assado na presença deles para mostrar a realidade de seu corpo ressurreto e disse: “Foi isso que eu lhes falei enquanto ainda estava com vocês: Era necessário que se cumprisse tudo o que a meu respeito estava escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos salmos. Então lhes abriu o entendimento, para que pudessem compreender as Escrituras” (Lc 24.44,45, NIV). Lucas então relata o que ele disse. Jesus fez um resumo do evangelho e de sua difusão entre as nações (v. 46,47), tudo tirado das Escrituras. Essa deve ser a mensagem dos discípulos como testemunhas dele a todos os povos. Eles devem esperar pelo revestimento do poder do Espírito (v. 48,49). De que Escrituras Jesus falava, então, durante seu ministério, quando dizia que elas se cumpririam? Do começo de seu ministério à sua ascensão, Jesus falou constantemente do cumprimento das Escrituras, ele sobe ao céu e é “erguido”, assim como Moisés ergueu a serpente no deserto, e como Isaías falou que ele seria erguido (Jo 3.14; 12.33,34; Pv 30.4; Is 52.13). O anúncio de Jesus da vinda do reino deve ser entendido em cotejo com o clímax do Antigo Testamento em referência às promessas da vinda do reino de salvação do Senhor. Jesus tomou de Daniel 7.13,14 seu título de Filho do Homem que viria nas nuvens do céu (Mt 24.30; Mc 14.62). Na profecia de Daniel, os reinos deste mundo são comparados a bestas que emergem do mar. Surge então alguém semelhante a um filho de homem, vindo nas nuvens do céu. A ele é concedido um reino eterno. Jesus associou seu título de Filho do Homem também aos seus sofrimentos. O contraste de seus sofrimentos com a nuvem de glória é parte do aparente paradoxo já evidente em Isaías 52.13,14. Jesus também falou de si mesmo como o Servo sofredor de Isaías 53: “Jesus respondeu: De fato, Elias vem primeiro e restaura todas as coisas. Então, por que está escrito que é necessário que o Filho do Homem sofra muito e seja rejeitado? Mas eu lhes digo: Elias já veio, e fizeram com ele tudo o que quiseram, como está escrito a seu respeito” (Mc 9.12,13, NIV). Na cruz, Jesus bradou as palavras de Salmos 22.1: “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste? (NIV). O brado não foi tirado do salmo; ele cumpriu o salmo. A linguagem gráfica do salmo parece ir além de qualquer experiência de Davi e figura como profecia da crucificação. Embora Jesus não falasse especificamente de dividir suas vestes, os discípulos sabiam que ele havia cumprido esse salmo. O autor de Hebreus cita o salmo para mostrar que Jesus fala de nós como seus irmãos: “Proclamarei o teu nome a meus irmãos; na presença da congregação cantarei teus louvores” (Sl 22.22, conforme citado em Hb 2.12, NIV). É significativo que a passagem atribua a Jesus as palavras de Davi em todo o salmo (e não apenas o clamor da cruz). A estrutura do salmo 22 começa com o clamor, em seguida alterna entre o clamor e as confissões de confiança, culminando com o apelo por libertação: “Vem depressa [...] Livra minha vida [...] Socorre-me...”. Os salmos que apresentam o lamento de alguém geralmente incluem um voto de agradecimento quando a resposta vier (veja Sl 66.13-15). Esses salmos expressam também a certeza de que o Senhor ouviu o lamento e o voto: “Tu me ouviste quando eu estava entre os chifres dos bois selvagens” (Sl 22.21, margem da NIV). Em geral, a certeza de ser ouvido é seguida por versículos de louvor. O cumprimento do salmo 22 por Jesus nos mostra muita coisa sobre a cristologia de Salmos. Esse salmo de lamentação do indivíduo apresenta elementos que podem ser encontrados em outros salmos, incluindo expressões de confiança, devoção no louvor, bem como um lamento e um clamor por libertação. O salmo 117 é um breve salmo de louvor. Lá pelo final do saltério, há muitos salmos de louvores. O salmo 23 é um salmo especial de confiança. Há também salmos “coletivos” de lamentações (Sl 79). Uma vez que o salmo 22 apresenta esses elementos variados, isso nos serve de orientação para compreendermos as referências a Cristo em salmos semelhantes. O gênero literário dos salmos nos ajuda a ver a continuidade de formas, o que dá unidade à orientação da adoração em Israel. Além da forma literária, é preciso também que levemos em conta o lugar de um salmo na história da redenção. Aqui os títulos dos salmos nos servem de orientação, capacitando-nos a adequar o salmo em sua história. Uma série de salmos de Davi, do 51 ao 63, acompanham suas experiências (embora não em ordem histórica). Jesus citou Salmos 110.1 para comprovar sua divindade. Davi chamou seu Filho de Senhor. Jesus perguntou a seus críticos como eles explicariam essa passagem. Como pode o filho de Davi ser seu Senhor? (Mt 22.42-45; Mc 12.35-37; Lc 20.41-44). Quando Jesus defendeu seus discípulos da acusação de violar o Sábado, ele não quis dizer de modo algum que aquelas espigas que eles colhiam e debulhavam ao atravessar o campo de trigo era coisa pequena demais para que fosse tomada como colheita e debulha. Em vez disso, ele os defendeu assinalando os privilégios de Davi como ungido do Senhor, e os privilégios maiores que lhe pertencem como Senhor do Sábado. Assim também, os sacerdotes não tinham culpa ao trabalhar no Sábado. Os que seguiam a Jesus no Sábado eram seguidores daquele que é maior do que o Templo. Jesus via a si mesmo como a concretização do simbolismo do Templo como habitação de Deus com seu povo (Mt 12.1-8; Jo 2.21). Jesus disse que Abraão se alegrara ao ver seu dia (Jo 8.56). Pensemos na alegria de Abraão com o nascimento de Isaque. Nada é impossível para Deus (Gn 18.14; Lc 1.37). Abraão se regozija novamente quando Isaque é poupado da condição de cordeiro sacrificial. Jesus, porém, não se identificou meramente como filho de Davi ou filho de Abraão. Ele é o Senhor de Davi e disse: “Antes que Abraão existisse, Eu Sou!” (Jo 8.58, NKJV). O ensino de Jesus sobre si mesmo trazia também consigo a literatura sapiencial do Antigo Testamento. Quando Jesus disse que a sabedoria é comprovada por suas obras, ele usou o gênero feminino para falar da sabedoria (Mt 11.19). A literatura sapiencial veterotestamentária personificava a sabedoria como mulher (chokmâ é feminino). A Sabedoria é contrastada com a Loucura, a prostituta. A Sabedoria, atributo personificado de Deus, estava com Deus na criação. Jesus louvou o Pai por ocultar os mistérios da salvação aos sábios e prudentes e revelá- los às crianças de peito. Em seguida, ele reivindicou para si a sabedoria divina infinita. “Todas as coisas me foram entregues por meu Pai. Ninguém conhece o Filho a não ser o Pai, e ninguém conhece o Pai a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11.27, NIV). Quando Jesus chama para si os cansados e oprimidos, ele anuncia o chamado da sabedoria. Ele usa a linguagem do filho do Sirácida, no Eclesiástico 51.23-27: Aproximai-vos de mim, ignorantes, e habitai na casa da instrução. Por que dizeis que ela vos falta, quando estão sedentas vossas almas? Abri minha boca e falei: Comprai-a sem dinheiro, ponde a cerviz sob seu jugo, e receba vossa alma a instrução; podeis encontrá-la bem perto! Vede com vossos olhos como pouco trabalhei e encontrei grande tranquilidade. Compare com as palavras de Jesus: Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso. Tomem sobre vocês o meu jugo e aprendamde mim, pois sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para as suas almas. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve (Mt 11.28-30, NIV). Contudo, embora a linguagem seja parecida, as palavras de Jesus fazem uma declaração muito maior. Jesus não é mais um mestre de sabedoria em busca de discípulos. Ele nos chama, não para que tomemos o fardo da sabedoria, como fez o filho do Sirácida, mas para tomarmos o seu fardo. Ele chama os oprimidos para si como Filho do Pai, que é a Sabedoria de Deus. Ouça novamente o que ele declara: “Todas as coisas me foram entregues por meu Pai. Ninguém conhece o Filho a não ser o Pai, e ninguém conhece o Pai a não ser o Filho e aqueles a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11.27, NIV). Em Cristo todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento estão ocultos (Cl 2.2). A busca de sabedoria por Jó chegou ao fim, pois a sabedoria divina chama (Jó 28). Jesus é maior do que Salomão. Ele cumpre os livros de sabedoria do Antigo Testamento. As formas de ensino que Jesus usava são formas de sabedoria do Antigo Testamento, mas ele tira de seus tesouros coisas novas e velhas (Mt 13.52). Nele, o Antigo Testamento se faz novo no cumprimento, e a novidade do evangelho justifica o velho, pois ela o cumpre e vai além dele. Em qualquer parte em que lemos as palavras de Jesus nos Evangelhos, ouvimos ecos da Escritura do Antigo Testamento. No monte da transfiguração, Jesus conversa com Moisés e Elias sobre seu “êxodo”, que deve se realizar em Jerusalém. Aquilo sobre o que falaram e anteciparam, ele cumpriu. Quando entrou em Jerusalém, as criancinhas o saudaram e o seguiram até o Templo exclamando: “Hosana ao Filho de Davi”. Quando os sacerdotes e os estudiosos disseram a ele que afastasse as crianças, Jesus citou o salmo 8: “Dos lábios das crianças e dos recém-nascidos ordenaste louvor” (Mt 21.16, NIV). Uma vez mais, Jesus viu o cumprimento da Escritura e, de fato, desde seus louvores na infância até suas bênçãos enquanto ascendia, todas as palavras de Jesus foram cumprimento das Escrituras. Embora Greidanus possa ter reunido de forma vantajosa suas diferentes “vias”, ele abre as portas para a interpretação textual que se ocupa do significado do texto para Israel, os ouvintes originais. Nem mesmo essa dedicação ao significado original pode estar acima de qualquer outra coisa na aplicação da Palavra de Deus. A riqueza profética da cristologia do Antigo Testamento vai além de qualquer fundamentação voltada para Israel. Havia muita coisa que nem mesmo o rei Davi compreendia em seus próprios escritos. O testemunho que as Escrituras dão de Cristo é a razão pela qual foram escritas, e dele e por meio dele e para ele são todas as coisas (Rm 11.36). Greidanus insiste corretamente na explicação literária cuidadosa, mas no que diz respeito a Jesus Cristo, tenho certeza de que Greidanus sabe melhor do que eu que existe uma plenitude que não pode jamais ser compreendida. ¹Anthony Tyrrell Hanson, Jesus Christ in the Old Testament (London: SPCK, 1965), p. 172.↩ ²The Septuagint version of the Old Testament (London/ New York: Bagster & Sons/ Harper, s.d.).↩ ³C. H. Dodd, Romans, Moffatt New Testament Commentaries (London: Hodder & Stoughton, 1942), citado em Hanson, Jesus Christ in the Old Testament, p. 39.↩ ⁴Pode-se acrescentar muitos outros exemplos a este. Paulo, em outra ocasião, se refere ao “homem a quem Deus atribui a justiça sem as obras” (Rm 4.6, ASV) e fundamenta sua afirmação com a citação de Salmos 32.2: “Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não atribui culpa e em quem não há engano!” (ESV).↩ ⁵Lewis Sperry Chafer, o primeiro teólogo do seminário de Dallas, era calvinista em sua teologia.↩ Word biblical commentaries (Waco: Word, 1980,1990).↩ ⁷F. F. Bruce estudou o tema do Rei Pastor no Antigo Testamento, principalmente na profecia de Zacarias. Ali, o Pastor real é geber ‘ǎmîtî, “o homem que está próximo de mim” (13.7); cf. “o homem à tua direita” (Sl 80.17).↩ ⁸Hanson observa que Barnabas Lindars destaca o uso de sēmeion para a vara de Moisés em Números 21.9, na Septuaginta. Ele argumenta com base no fato de que tal termo não é usado na passagem do evangelho (Hanson, Jesus Christ in the Old Testament, p. 175-6; citando Barnabas Lindars, New Testament Apologetic [London: SCM, 1961], p. 266).↩ Hanson, Jesus Christ in the Old Testament, p. 175.↩ ¹ Leonhard Goppelt, Typos: the typological interpretation of the Old Testament in the New, tradução para o inglês de D. H. Madvig (Grand Rapids: Eerdmans, 1982), 28, nota 99.↩ ¹¹Sidney Greidanus, Sola Scriptura: problems and principles in preaching historical texts (Eugene: Wipf & Stock, 2001); The modern preacher and the ancient text: interpreting and preaching biblical literature (Grand Rapids: Eerdmans, 1988, 1994) [edição em português: Pregador contemporâneo e o texto antigo, interpretando e pregando literatura bíblica, tradução de Edmilson Ribeiro (São Paulo: Cultura Cristã, 2006)]; e Preaching Christ from the Old Testament: a contemporary hermeneutical method (Grand Rapids: Eerdmans, 1999) [edição em português: Pregando Cristo a partir do Antigo Testamento: um método hermenêutico contemporâneo (São Paulo: Cultura Cristã, 2006)].↩ ¹²Veja o quarto volume do seu De principiis, em que o autor lida com a interpretação literal, moral e alegórica da Escritura.↩ ¹³Francis Foulkes, “The acts of God: a study of the basis of typology in the Old Testament”, in: G. K. Beale, org., The right doctrine from the wrong texts? Essays on the use of the Old Testament in the New (Grand Rapids: Baker, 1994), p. 367.↩ ¹⁴Ernst Cassirer, Essay on man (New Haven: Yale University Press, 1944), p. 26 [edição em português: Ensaio sobre o homem, tradução de Tomás Rosa Bueno (São Paulo: Martins Fontes, 2012)]. Essa posição tem sido ratificada em estudos recentes com primatas.↩ ¹⁵Veja Susanne K. Langer, Philosophy in a new key (Cambridge: Harvard University Press, 1957), capítulo 4 [edição em português: Filosofia em nova chave, tradução de J. Guinsburg; Janete Meiches (São Paulo: Perspectiva, 2004)].↩ ¹ E. D. Hirsch, Jr., Validity in interpretation (New Haven: Yale University Press, 1967); The aims of interpretation (Chicago: University of Chicago Press, 1976). Veja tb. Dan McCartney; Charles Clayton, Let the reader understand (Wheaton: Victor, 1994).↩ ¹⁷As diversas traduções dessa afirmação explicativa devem-se a diferentes interpretações do que significa a mão erguida de Deus. Parece mais simples relacioná-la às imagens da cena.↩ ¹⁸H. B. Huffmon, “The covenant lawsuit in the prophets”, Journal of Biblical Literature 78 (1959): 285-295; B. Gemser, “The RiB or controversy pattern”, in: Wisdom in Israel and the Ancient Near East, Vetus Testamentum supplement III (Leiden: Brill, 1955).↩ ¹ Em Salmos 78.15-20, Israel põe Deus à prova no tocante à água e ao alimento em tom de desafio: “Por acaso pode Deus preparar uma mesa no deserto? É verdade que ele feriu a rocha e as águas fluíram, ribeiros jorraram a valer, mas ele poderá dar-nos alimento?” (NKJV). Cf. Dt 6.16. ↩ ² A tradução da NVI entende que sejam golpes de chicote (“chicotadas”), mas o hebraico fala apenas de golpes aplicados.↩ ²¹Ao pé da letra, “Vê a mim, aquele que se coloca diante de tua face sobre a rocha do Horebe”.↩ ²²Cf. esse versículo deixa implícito, o termo “Rocha” foi usado como título divino no antigo Oriente Médio.↩ ²³Foulkes, “Acts of God”, p. 366.↩ ²⁴Sidney Greidanus, Preaching Christ from the Old Testament [edição em português: Pregando Cristo a partir do Antigo Testamento: um método hermenêutico contemporâneo, 2. ed. (São Paulo: Cultura Cristã, 2006] e The modern preacher and the ancient text.↩ ²⁵Greidanus, Preaching Christ from the Old Testament, p. 202.↩ 2 PREPARANDO UM SERMÃO QUE APRESENTE CRISTO A pregação do evangelho apresenta Jesus Cristo. O apóstolo Paulo pergunta aos gálatas insensatos: “... Quem os enfeitiçou? Não foi diante dos seus olhos que Jesus Cristo foi exposto como crucificado?” (Gl 3.1, NIV). Paulo investe contra os “falsos apóstolos”
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