Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
.5REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 30, p. 5-18, outubro 2011 40 ANOS DA TEORIA DA DEPENDÊNCIA A estrutura da dependência Theotonio dos Santosi Resumoii Este artigo procura demonstrar que a dependência dos países da América Latina em relação a outros países não pode ser superada sem uma mudança qualitativa em suas estruturas internas e suas relações externas. Pretendemos mostrar que as relações de dependência às quais esses países estão sujeitos conformam-se a um tipo de estrutura internacional e interna que os leva ao subdesenvolvimento ou, mais precisamente, a uma estrutura dependente que aprofunda e agrava os problemas fundamentais de suas populações. Palavras chaves: teoria da dependência; Theotonio dos Santos; desenvolvimento da América Latina; marxismo latino-americano. &ODVVL¿FDomR�-(/: B24; B51; O10 O que é a dependência? Por dependência nos referimos a uma situação na qual a economia de certos países é condicionada pelo desenvolvimento e pela expansão de outra economia à qual está subordinada. A relação i Em 1970, o autor pertencia à Universidade do Chile. De volta ao Brasil, radicou-se na Universidade Federal Fluminense. ii Este artigo expande um estudo preliminar desenvolvido em um projeto de pesquisa sobre as relações de dependência na América Latina, orientado pelo autor no Centro de Estudos 6RFLRHFRQ{PLFRV� GD�)DFXOGDGH� GH�&LrQFLD�(FRQ{PLFD� GD�8QLYHUVLGDGH� GR�&KLOH��$�¿P�GH� abreviar a discussão de diversos aspectos, o autor viu-se forçado a citar algumas de suas obras precedentes. O autor expressa sua gratidão aos pesquisadores Orlando Caputo e Roberto Pizarro por parte dos dados utilizados e a Sérgio Ramos por seus comentários críticos ao artigo. Nota do Editor: Tradução do artigo The structure of dependence, originalmente publicado na American Economic Review, vol. 60(2), 1970, p. 231-236. A publicação desse texto clássico, em SRUWXJXrV��QR�SUHVHQWH�PRPHQWR��MXVWL¿FD�VH�WDQWR�SRU�VXD�UHOHYkQFLD�FRPR�SHOD�FRPHPRUDomR� dos 40 anos da teoria da dependência. R E V IS TA S oc. B ras. E conom ia P olítica, S ão P aulo, nº 30, p. 5-18, outubro 2011 6. .7 R E V IS TA S oc. B ras. E conom ia P olítica, S ão P aulo, nº 30, p. 5-18, outubro 2011 de interdependência entre duas ou m ais econom ias, e entre estas e o com ércio internacional, assum e a form a de dependência quando alguns países (os dom inantes) podem se expandir e ser auto-sustentáveis, HQTXDQWR�RXWURV��RV�GHSHQGHQWHV��Vy�SRGHP �ID]r�OR�FRP R�XP �UHÀH[R� daquela expansão, o que pode ter um efeito positivo ou negativo sobre seu desenvolvim ento im ediato (D os Santos, 1968, p. 6). O conceito de dependência perm ite que vejam os a situação interna desses países com o parte da econom ia global. N a tradição m arxiana, a teoria do im perialism o foi desenvolvida com o um estudo do processo de expansão dos centros im perialistas e de sua dom inação m undial. Em um período de m ovim entos revolucionários no Terceiro M undo, tem os de desenvolver a teoria das leis do desenvolvim ento interno nos países que são o objeto dessa expansão e naqueles que são governados por elas. Esse passo teórico transcende a teoria do desenvolvim ento que busca explicar a situação dos países subdesenvolvidos com o um produto de sua lentidão RX�GH�VHX�IUDFDVVR�HP �DGRWDU�RV�SDGU}HV�GH�H¿FLrQFLD�FDUDFWHUtVWLFRV� dos países desenvolvidos (ou em se “m odernizar” ou se “desenvolver”). Em bora a teoria do desenvolvim ento capitalista adm ita a existência de um a dependência “externa”, é incapaz de perceber o subdesenvolvim ento da m aneira com o a presente teoria o com preende, com o consequência e com o parte do processo de expansão global do capitalism o – parte necessária e intrinsecam ente vinculada a esse processo. A o analisar o processo de constituição de um a econom ia global que integra as cham adas “econom ias nacionais” num m ercado m undial de m ercadorias, capital e, até m esm o, de força de trabalho, vem os que as relações produzidas por esse m ercado são desiguais e com binadas – desiguais porque o desenvolvim ento de certas partes do sistem a ocorre em detrim ento de outras partes. A s relações com erciais baseiam -se no controle m onopólico do m ercado, que leva à transferência do excedente gerado nos países dependentes para os países dom inantes; as relações ¿QDQFHLUDV��GR�SRQWR�GH�YLVWD�GRV�SRGHUHV�GRP LQDQWHV��EDVHLDP �VH�HP � em préstim os e na exportação de capital, o que lhes perm ite receber juros e lucros, aum entando assim seu excedente dom éstico e fortalecendo seu controle sobre as econom ias dos outros países. Para os países dependentes, essas relações representam um a exportação de lucros e juros que leva junto parte do excedente gerado dom esticam ente e conduz a um a perda do controle sobre seus próprios recursos produtivos. Para perm itir relações tão desvantajosas, os países dependentes têm de gerar grandes excedentes, não por m eio da criação de tecnologias de nível m ais elevado, m as pela superexploração da força de trabalho. O resultado disto é a lim itação do desenvolvim ento de seu m ercado interno e de sua capacidade técnica e cultural, bem com o da saúde m oral e física de sua população. Isto se denom ina desenvolvim ento com binado, pois é a com binação dessas desigualdades e a transferência de recursos dos setores m ais atrasados e dependentes aos m ais avançados e dom inantes o que explica e aprofunda a desigualdade, e a transform a em um elem ento necessário e estrutural da econom ia global. Form as históricas de dependência A s form as históricas de dependência são condicionadas: (1) pelas form as básicas dessa econom ia m undial que possui suas próprias leis de desenvolvim ento; (2) pelo tipo de relação econôm ica dom inante nos centros capitalistas e pelos m odos com o estes se expandem , e (3) pelos tipos de relações econôm icas existentes nos países periféricos que são incorporados à situação de dependência no âm bito da rede de relações econôm icas internacionais gerada pela expansão capitalista. O propósito deste texto não é estudar essas form as detalhadam ente, m as som ente distinguir características gerais de seu desenvolvim ento. C om base em um estudo precedente, podem os distinguir (1) a dependência colonial, a exportação com ercial in natura, na qual o FDSLWDO�FRP HUFLDO�H�¿QDQFHLUR��HP �DVVRFLDomR�FRP �R�(VWDGR�FRORQLDOLVWD�� dom inava as relações econôm icas dos europeus e das colônias, por m eio de um m onopólio com ercial com plem entado pelo m onopólio colonial da terra, das jazidas e da força de trabalho (servil ou escrava) nos países FRORQL]DGRV������$ �GHSHQGrQFLD�¿QDQFHLUR�LQGXVWULDO��TXH�VH�FRQVROLGRX� DR�¿QDO�GR�VpFXOR�; ,; ��FDUDFWHUL]DGD�SHOD�GRP LQDomR�GR�JUDQGH�FDSLWDO� nos centros hegem ônicos, e sua expansão no estrangeiro m ediante o investim ento na produção de m atérias-prim as e produtos agropecuários para consum o nos centros hegem ônicos. D esenvolveu-se nos países dependentes um a estrutura produtiva dedicada à exportação de tais R E V IS TA S oc. B ras. E conom ia P olítica, S ão P aulo, nº 30, p. 5-18, outubro 2011 R E V IS TA S oc. B ras. E conom ia P olítica, S ão P aulo, nº 30, p. 5-18, outubro 2011 8. .9 produtos (Levin denom inou-os “econom ias de exportação” (Levin, 1964); sobre outras análises em outras regiões, (M yrdal, 1968; N krum ah, �������JHUDQGR�DTXLOR�TXH�D�& (3$ /�TXDOL¿FRX�GH�³GHVHQYROYLP HQWR� voltado para fora” (desarrollo hacia afuera) (C EPA L, 1968). (3) N o período pós-guerra, consolidou-se um novo tipo de dependência, baseado em corporações m ultinacionais que com eçaram a investir em indústrias voltadas ao m ercado interno dos países subdesenvolvidos. Esta form a de dependênciaé basicam ente a dependência tecnológico- industrial (dos Santos, 1968a). C ada um a dessas form as de dependência corresponde a um a situação que condicionou não apenas as relações internacionais desses países, m as tam bém suas estruturas internas: a orientação da produção, as form as de acum ulação de capital, a reprodução da econom ia e, sim ultaneam ente, sua estrutura social e política. A s econom ias de exportação N as form as de dependência ‘1’ e ‘2’ supracitadas, a produção volta-se para os produtos destinados à exportação (ouro, prata e produtos tropicais na época colonial; m atérias-prim as e produtos DJUtFRODV�QD�pSRFD�GD�GHSHQGrQFLD�LQGXVWULDO�¿QDQFHLUD���LVWR�p��D� produção é determ inada pela dem anda dos centros hegem ônicos. A estrutura produtiva interna se caracteriza por um a rígida especialização e pela m onocultura em regiões inteiras (o C aribe, o nordeste brasileiro etc.). Junto com esses setores de exportação, surgiram determ inadas atividades econôm icas com plem entares (a criação de gado e certas m anufaturas, por exem plo) que eram dependentes, em geral, do setor de exportação ao qual vendiam seus produtos. H avia um a terceira econom ia, de subsistência, que fornecia força de trabalho para o setor de exportação sob condições favoráveis e para a qual a população excedente se transferia em períodos desfavoráveis ao com ércio internacional. Em tais condições, o m ercado interno existente era restrito por quatro fatores: (1) a m aior parte da renda nacional derivava-se da exportação, e era usada para adquirir os insum os necessários para a m esm a (escravos, por exem plo) ou artigos de luxo consum idos pelos proprietários das haciendas e das m inas e pelos funcionários m ais abastados. (2) A força de trabalho disponível estava sujeita a form as m uito severas de superexploração, o que lim itava sua capacidade de consum o. (3) Parte do consum o desses trabalhadores era suprida pela econom ia de subsistência, que funcionava com o um com plem ento de sua renda e com o um refúgio em períodos de depressão econôm ica. (4) H avia um quarto fator nos países em que as terras e as jazidas estavam nas m ãos de estrangeiros (casos de econom ia de enclave): um a grande parte do excedente acum ulado destinava-se a ser rem etida ao exterior sob a form a de lucros, lim itando não apenas o consum o interno com o tam bém as possibilidades de reinvestim ento (B aran, 1967). N o caso das econom ias de enclave, as relações das com panhias estrangeiras com o centro hegem ônico eram até m ais exploratórias, acrescentando-se o fato de que as aquisições eram feitas pelos enclaves diretam ente no estrangeiro. A nova dependência A nova form a de dependência – form a ‘3’ acim a citada – está em processo de desenvolvim ento e é condicionada pelas exigências dos m ercados internacionais de produtos e capitais. A possibilidade de gerar QRYRV�LQYHVWLP HQWRV�GHSHQGH�GD�H[LVWrQFLD�GH�UHFXUVRV�¿QDQFHLURV�HP � m oeda estrangeira para a aquisição de m aquinário e m atérias-prim as processadas não produzidas dom esticam ente. Tais aquisições estão sujeitas a duas lim itações: a lim itação dos recursos gerados pelo setor H[SRUWDGRU��UHÀHWLGD�QD�EDODQoD�GH�SDJDP HQWRV��TXH�LQFOXL�QmR�DSHQDV� o com ércio, m as tam bém relações de serviços) e as lim itações do m onopólio de patentes que levam as em presas m onopolistas a preferir transferir seus m aquinários na form a de capital do que com o m ercadorias para a venda. É necessário analisar essas relações de dependência para com preenderm os os lim ites estruturais fundam entais que im põem ao desenvolvim ento dessas econom ias. 1. O desenvolvim ento industrial depende de um setor de exportação para obter m oeda estrangeira para adquirir insum os utilizados pelo setor industrial. A prim eira consequência dessa dependência é a necessidade de R E V IS TA S oc. B ras. E conom ia P olítica, S ão P aulo, nº 30, p. 5-18, outubro 2011 R E V IS TA S oc. B ras. E conom ia P olítica, S ão P aulo, nº 30, p. 5-18, outubro 2011 10. .11 preservar o setor exportador tradicional, o que lim ita econom icam ente o desenvolvim ento do m ercado interno ao conservar relações retrógradas GH�SURGXomR�H�TXH�VLJQL¿FD��SROLWLFDP HQWH��D�P DQXWHQomR�GR�SRGHU� nas m ãos de oligarquias decadentes tradicionais. N os países em que HVVHV�VHWRUHV�VmR�FRQWURODGRV�SHOR�FDSLWDO�HVWUDQJHLUR��LVVR�VLJQL¿FD� a rem essa de altos lucros para o estrangeiro e a dependência política de tais interesses. Som ente em casos raros o capital estrangeiro não controla ao m enos a com ercialização desses produtos. Em resposta a essas lim itações, os países dependentes nas décadas de 1930 e 1940 desenvolveram um a política de restrições cam biais e taxação do setor exportador nacional e estrangeiro; hoje, tendem à gradual nacionalização da produção e à im posição de algum as tím idas restrições ao controle estrangeiro da com ercialização de produtos exportados. A lém disso, de m odo ainda um tanto acanhado, procuram obter m elhores condições para a venda de seus produtos. Em décadas recentes, criaram m ecanism os para acordos internacionais de preços, e hoje a U N C TA D e a C EPA L pressionam para obter condições tarifárias m ais favoráveis para esses produtos por parte dos centros hegem ônicos. É im portante destacar que o desenvolvim ento industrial desses países depende da situação do setor de exportação, cuja existência perm anente são forçados a aceitar. 2. O desenvolvim ento industrial é, portanto, fortem ente condicionado SRU�ÀXWXDo}HV�QD�EDODQoD�GH�SDJDP HQWRV��,VVR�FRQGX]�D�XP �Gp¿FLW�GHYLGR� jV�SUySULDV�UHODo}HV�GH�GHSHQGrQFLD��$ V�FDXVDV�GR�Gp¿FLW�VmR�WUrV� a) A s relações com erciais ocorrem em um m ercado internacional altam ente m onopolizado, o que tende a reduzir o preço das m atérias- prim as e a elevar o preço de produtos industriais, especialm ente insum os. Em segundo lugar, há um a tendência, na tecnologia m oderna, a substituir diversos produtos prim ários por m atérias-prim as sintéticas. C onsequentem ente, a balança com ercial nesses países tende a ser m enos favorável (ainda que exibam um excedente geral). A balança com ercial geral da A m érica Latina de 1946 a 1968 m ostra um excedente em todos os anos. O m esm o ocorre em quase todos os países subdesenvolvidos. C ontudo, as perdas em virtude da deterioração dos term os de troca (com base em dados da C EPA L e do Fundo M onetário Internacional), excluindo-se C uba, foram de 26.383 m ilhões de dólares no período de 1951 a 1966, tom ando-se com o base os preços de 1950. Se excluirm os C uba e Venezuela, o total é de 15.925 m ilhões. b) Pelas razões citadas, o capital estrangeiro m antém o controle dos setores m ais dinâm icos da econom ia e repatria um grande volum e dos OXFURV��SRU�FRQVHJXLQWH��RV�ÀX[RV�GH�FDSLWDLV�VmR�DOWDP HQWH�GHVIDYRUiYHLV� para os países dependentes. O s dados revelam que o volum e de capital que deixa o país é m uito m aior que a quantia que entra. Isto gera um Gp¿FLW�QRV�ÀX[RV�GH�FDSLWDLV�TXH�p�HVFUDYL]DQWH��' HYH�VH�DFUHVFHQWDU� DLQGD�R�Gp¿FLW�HP �GHWHUP LQDGRV�VHUYLoRV�TXH�HVWmR�SUDWLFDP HQWH�VRE� total controle estrangeiro, com o transporte de m ercadorias, pagam entos de royalties, apoio técnico etc. C onsequentem ente, produz-se um LP SRUWDQWH�Gp¿FLW�QD�EDODQoD�GH�SDJDP HQWRV�WRWDO��OLP LWDQGR�DVVLP �D� possibilidade de im portação de insum os para a industrialização. F��2 �UHVXOWDGR�GLVVR�p�TXH�VH�WRUQD�QHFHVViULR�R�³¿QDQFLDP HQWR� HVWUDQJHLUR´��GH�GXDV�IRUP DV��SDUD�FREULU�R�Gp¿FLW�H[LVWHQWH�H�WDP EpP � SDUD�³¿QDQFLDU´�R�GHVHQYROYLP HQWR�SRU�P HLR�GH�HP SUpVWLP RV�SDUD�R� estím ulo de investim entos e para “suprir” um excedenteeconôm ico interno que foi em grande m edida descapitalizado pela rem essa, com o lucro, de parte do excedente gerado dom esticam ente. D esse m odo, o capital estrangeiro e o “auxílio” estrangeiro preenchem as lacunas que eles próprios criaram . O valor real desse auxílio é, porém , duvidoso. Se os ônus resultantes das condições restritivas GD�DMXGD�IRUHP �VXEWUDtGRV�GR�P RQWDQWH�WRWDO��R�ÀX[R�OtTXLGR�P pGLR�� segundo os cálculos do C onselho Econôm ico e Social Interam ericano, p�GH�DSUR[LP DGDP HQWH���� �GR�ÀX[R�EUXWR��& ,(6��������� Se levarm os em conta ainda os fatos de que um a alta proporção desse auxílio é pago em m oedas locais, de que os países latino-am ericanos ID]HP �FRQWULEXLo}HV�D�LQVWLWXLo}HV�¿QDQFHLUDV�LQWHUQDFLRQDLV�H�GH�TXH�RV� créditos são m uitas vezes “vinculados”, encontram os um “com ponente real de auxílio estrangeiro” de 42,2% , num a hipótese m uito favorável, e de 38,3% , num a avaliação m ais realista (C IES, 1969, II-33). A JUDYLGDGH�GD�VLWXDomR�¿FD�DLQGD�P DLV�FODUD�TXDQGR�FRQVLGHUDP RV�TXH� HVVHV�FUpGLWRV�VmR�XVDGRV��HP �JUDQGH�SDUWH��SDUD�¿QDQFLDU�LQYHVWLP HQWRV� norte-am ericanos, para subsidiar im portações estrangeiras que com petem com os produtos nacionais, para introduzir tecnologias não adaptadas às necessidades dos países subdesenvolvidos e para investir em setores de baixa prioridade das econom ias nacionais. Em últim a R E V IS TA S oc. B ras. E conom ia P olítica, S ão P aulo, nº 30, p. 5-18, outubro 2011 R E V IS TA S oc. B ras. E conom ia P olítica, S ão P aulo, nº 30, p. 5-18, outubro 2011 12. .13 análise, a verdade é que os países subdesenvolvidos têm de pagar por todo o “auxílio” que recebem . A situação está gerando um enorm e m ovim ento de protesto por parte dos governos latino-am ericanos, que buscam ao m enos um a liberação parcial dessas relações negativas. ���3RU�¿P ��R�GHVHQYROYLP HQWR�LQGXVWULDO�p�IRUWHP HQWH�FRQGLFLRQDGR� pelo m onopólio tecnológico exercido pelos centros im perialistas. Vim os que os países subdesenvolvidos dependem da im portação de m aquinário e de m atérias-prim as para o desenvolvim ento de suas indústrias. C ontudo, esses bens não estão livrem ente disponíveis no m ercado internacional; eles são patenteados e, usualm ente, pertencem às grandes com panhias. Estas não vendem m aquinários e m atérias-prim as processadas com o m ercadorias sim ples: elas exigem o pagam ento de royalties etc. para essa utilização ou, na m aioria dos casos, convertem tais bens em capital, introduzindo-os sob a form a de seus próprios investim entos. D esse m odo o m aquinário que é substituído nos centros hegem ônicos por tecnologias m ais avançadas é enviado a países dependentes com o capital SDUD�D�LQVWDODomR�GH�D¿OLDGDV��' HWHQKDP R�QRV�HQWmR�SDUD�H[DP LQDU�HVVDV� UHODo}HV��D�¿P �GH�FRP SUHHQGHU�VHX�FDUiWHU�RSUHVVRU�H�H[SORUDWyULR� 2 V�SDtVHV�GHSHQGHQWHV�QmR�WrP �P RHGD�HVWUDQJHLUD�VX¿FLHQWH�� SHODV�UD]}HV�FLWDGDV��2 V�HP SUHViULRV�ORFDLV�HQIUHQWDP �GL¿FXOGDGHV�GH� ¿QDQFLDP HQWR��H�WrP �GH�SDJDU�SHOD�XWLOL]DomR�GH�GHWHUP LQDGDV�WHFQRORJLDV� patenteadas. Esses fatores obrigam os governos burgueses nacionais a facilitar a entrada de capital estrangeiro para suprir o m ercado nacional restrito, que é fortem ente protegido por altas tarifas com o objetivo de prom over a industrialização. A ssim , o capital estrangeiro ingressa com todas as vantagens: em m uitos casos, ganha isenção de controles de câm bio SDUD�D�LP SRUWDomR�GH�P DTXLQiULR��FRQFHGH�VH�¿QDQFLDP HQWR�SDUD�RV�ORFDLV� GH�LQVWDODomR�GDV�LQG~VWULDV��DV�DJrQFLDV�¿QDQFLDGRUDV�GR�JRYHUQR�IDFLOLWDP � a industrialização, bancos estrangeiros e dom ésticos, que têm preferência por esses clientes, disponibilizam em préstim os, auxílios estrangeiros P XLWDV�YH]HV�VXEVLGLDP �WDLV�LQYHVWLP HQWRV�H�¿QDQFLDP �LQYHVWLP HQWRV� públicos com plem entares, e, após a instalação, altos lucros obtidos em circunstâncias tão favoráveis podem ser livrem ente reinvestidos. D esse m odo, não é de surpreender que os dados do D epartam ento de C om ércio dos Estados U nidos revelem que a percentagem de ingresso de capital trazido de fora por tais com panhias é apenas um a parcela da quantia total do capital investido. O s dados m ostram que, no período entre 1946 e 1967, os novos ingressos de capital na A m érica Latina para investim ento direto chegaram a 5.415 m ilhões de dólares, enquanto a som a dos lucros reinvestidos foi de 4.424 m ilhões. Por outro lado, as transferências de lucros da A m érica Latina aos Estados U nidos chegaram a 14.775 m ilhões de dólares. Se estim arm os os lucros totais com o aproxim adam ente iguais às transferências som adas aos reinvestim entos, tem os a som a de 18.983 m ilhões. A despeito das im ensas transferências de lucros aos Estados U nidos, o valor contábil do investim ento direto dos Estados U nidos na A m érica Latina passou de 3.045 m ilhões de dólares, em 1946, para �������P LOK}HV��HP �������& RP �EDVH�QHVVHV�GDGRV��¿FD�FODUR�TXH������GRV� investim entos feitos por com panhias norte-am ericanas na A m érica Latina no período entre 1946 e 1967, 55% correspondem a novos ingressos de capital, e 45% correspondem a reinvestim ento dos lucros; em anos recentes, a tendência está m ais acentuada, com os reinvestim entos entre 1960 e 1966 representando m ais de 60% dos novos investim entos; (2) as rem essas perm aneceram em torno de 10% do valor contábil durante todo o período; (3) a razão entre capital rem etido e novos ingressos gira em torno de 2,7 no período entre 1946 e 1967 – ou seja, para cada dólar que entra, 2,7 dólares saem . N a década de 1960, essa razão praticam ente dobrou, e, em certos anos, foi consideravelm ente m aior. O s dados do levantam ento Survey of Current Business acerca das fontes e usos dos fundos para investim ento direto norte-am ericano na A m érica Latina entre 1957 e 1964 m ostram que, de todas as fontes de investim ento direto na A m érica Latina, som ente 11,8% vieram dos Estados U nidos. O restante é, em grande m edida, resultado das atividades GDV�¿UP DV�QRUWH�DP HULFDQDV�QD�$ P pULFD�/DWLQD������� �GH�UHQGD�OtTXLGD�� 27,7% a título de depreciação), e de “fontes situadas no exterior” ������ ���e�VLJQL¿FDWLYR�TXH�RV�IXQGRV�REWLGRV�QR�HVWUDQJHLUR�H[WHUQRV�jV� com panhias sejam m aiores que os fundos originários dos Estados U nidos. Efeitos sobre a estrutura produtiva e�IiFLO�FRP SUHHQGHU��DLQGD�TXH�DSHQDV�VXSHU¿FLDOP HQWH��RV�HIHLWRV� que essa estrutura de dependência tem sobre o próprio sistem a produtivo R E V IS TA S oc. B ras. E conom ia P olítica, S ão P aulo, nº 30, p. 5-18, outubro 2011 R E V IS TA S oc. B ras. E conom ia P olítica, S ão P aulo, nº 30, p. 5-18, outubro 2011 14. .15 QHVVHV�SDtVHV�H�R�SDSHO�GHVVD�HVWUXWXUD�QD�GHWHUP LQDomR�GH�XP �WLSR�HVSHFt¿FR� de desenvolvim ento, caracterizado por sua natureza dependente. O sistem a produtivo nos países subdesenvolvidos é essencialm ente dom inado por essas relações internacionais. Em prim eiro lugar, a necessidade de conservar a estrutura agrária ou de exportação de m inérios gera um a com binação entre centros econôm icos m ais avançados que extraem valor excedente dos setores m ais atrasados, e tam bém entre centros internos “m etropolitanos” e centros internos “coloniais” interdependentes (Frank, 1968). O caráter desigual e com binado do desenvolvim ento capitalista no nível internacional é reproduzido internam ente de form a aguda. Em segundo lugar, a estrutura industrial e tecnológica responde m ais diretam ente aos interesses das corporações m ultinacionais que às necessidades internas de desenvolvim ento (concebidas não apenas em term os dosinteresses globais da população, m as tam bém do ponto de vista dos interesses de um desenvolvim ento capitalista nacional). Em terceiro lugar, a m esm a concentração tecnológica e econôm ico- ¿QDQFHLUD�GDV�HFRQRP LDV�KHJHP {QLFDV�p�WUDQVIHULGD�VHP �XP D�DOWHUDomR� substancial a diferentes econom ias e sociedades, dando origem a um a estrutura produtiva altam ente desigual, um a alta concentração da renda, o subaproveitam ento da capacidade instalada, intensa exploração dos m ercados existentes concentrados nas grandes cidades etc. A acum ulação de capital em tais circunstâncias assum e suas próprias características. Em prim eiro lugar, caracteriza-se por profundas diferenças entre os níveis salariais dom ésticos, no contexto de um m ercado de trabalho local de baixo custo, com binado com um a tecnologia de capital intensivo. O resultado disso, do ponto de vista do valor excedente relativo, é um alto grau de exploração da força de trabalho. (Sobre a m edição das form as de exploração (C asanova, 1969)). Essa exploração é ainda m ais agravada pelos altos preços dos produtos industrializados, im postos pelo protecionism o, pelas isenções e pelos subsídios concedidos pelos governos nacionais, e pelo “auxílio” fornecido pelos centros hegem ônicos. A lém disso, um a vez que a acum ulação dependente está necessariam ente vinculada à econom ia internacional, é profundam ente condicionada pelo caráter desigual e com binado das relações econôm icas capitalistas internacionais, pelo FRQWUROH�WHFQROyJLFR�H�¿QDQFHLUR�GRV�FHQWURV�LP SHULDOLVWDV��SHODV�UHDOLGDGHV� da balança de pagam entos, pelas políticas econôm icas do Estado etc. O papel do Estado no crescim ento do capital nacional e estrangeiro m erece um a análise m ais com pleta do que se poderia realizar aqui. Tendo com o ponto de partida a análise aqui apresentada, é possível com preender os lim ites que esse sistem a produtivo im põe ao crescim ento dos m ercados internos desses países. A sobrevivência das relações tradicionais na região rural é um a séria lim itação ao tam anho do m ercado, um a vez que a industrialização não oferece perspectivas prom issoras. A estrutura produtiva criada pela industrialização dependente lim ita o crescim ento do m ercado interno. Em prim eiro lugar, essa estrutura subm ete a força de trabalho a relações altam ente exploratórias que restringem seu poder aquisitivo. Em segundo lugar, ao adotar um a tecnologia de uso intensivo do capital, cria m uito poucos em pregos em com paração com o crescim ento da população e lim ita a geração de novas fontes de renda. Essas duas lim itações afetam o crescim ento do m ercado de bens de consum o. Em terceiro lugar, a rem essa de lucros ao estrangeiro leva em bora parte do excedente econôm ico gerado no país. D e todas essas m aneiras são im postos lim ites à possível criação de indústrias de base nacionais que possam suprir o m ercado com os bens de capital que tal excedente possibilitaria se não fosse rem etido ao exterior. C om base nessa breve análise, vem os que o suposto atraso dessas econom ias não se deve a um a falta de integração com o capitalism o, m as que, pelo contrário, os m ais poderosos obstáculos ao seu pleno desenvolvim ento provêm da m aneira com o estão inseridas nesse sistem a internacional e das leis de desenvolvim ento desse sistem a. A lgum as conclusões: a reprodução dependente $ �¿P �GH�FRP SUHHQGHU�R�VLVWHP D�GH�UHSURGXomR�GHSHQGHQWH�H�D� instituições socioeconôm icas criadas por ele, é preciso entendê-lo com o parte de um sistem a de relações econôm icas globais baseado no controle m onopolista do capital de grande escala, no controle de determ inados FHQWURV�HFRQ{P LFRV�H�¿QDQFHLURV�VREUH�RXWURV��QR�P RQRSyOLR�GH�XP D� tecnologia com plexa que conduz a um desenvolvim ento desigual e R E V IS TA S oc. B ras. E conom ia P olítica, S ão P aulo, nº 30, p. 5-18, outubro 2011 R E V IS TA S oc. B ras. E conom ia P olítica, S ão P aulo, nº 30, p. 5-18, outubro 2011 16. .17 com binado nos níveis nacional e internacional. Tentativas de analisar o atraso com o um a falha em assim ilar m odelos m ais avançados de produção ou em m odernizar-se não são m ais que ideologia disfarçada de ciência. O m esm o é verdade acerca das tentativas de analisar essa econom ia internacional em term os das relações entre elem entos em livre com petição, com o a teoria dos custos com parativos, que procura MXVWL¿FDU�DV�GHVLJXDOGDGHV�GR�VLVWHP D�HFRQ{P LFR�P XQGLDO�H�RFXOWDU�DV� relações de exploração nas quais se baseia (Palloix, 1969). N a verdade, só podem os entender o que está ocorrendo nos países subdesenvolvidos quando percebem os que se desenvolvem dentro do esquem a de um processo de produção e reprodução dependente. Esse sistem a é dependente porque reproduz um sistem a produtivo cujo desenvolvim ento é restringido por aquelas relações m undiais que necessariam ente conduzem ao desenvolvim ento de apenas alguns setores econôm icos, ao com ércio sob condições desiguais (Em m anuel, 1969), à com petição dom éstica com o capital internacional sob condições desiguais, à im posição de relações de superexploração da força de trabalho dom éstica, visando dividir o excedente econôm ico assim gerado entre as forças de dom inação internas e externas. (Sobre o excedente econôm ico e sua utilização nos países dependentes (Levin, 1964)). A o reproduzir esse sistem a produtivo e essas relações internacionais, o desenvolvim ento do capitalism o dependente reproduz os fatores que o im pedem de alcançar um a situação vantajosa nacional e internacionalm ente, e, assim , reproduz o atraso, a m iséria e a m arginalização social em seu território. O desenvolvim ento que ele SURGX]�EHQH¿FLD�VHWRUHV�P XLWR�UHVWULWRV��HQIUHQWD�LP SODFiYHLV�REVWiFXORV� internos ao crescim ento econôm ico constante (com referência aos P HUFDGRV�LQWHUQR�H�H[WHUQR��H�FRQGX]�DR�SURJUHVVLYR�DF~P XOR�GH�Gp¿FLWV� na balança de pagam entos, o que, por sua vez, gera m ais dependência e m ais superexploração. A s providências políticas propostas pelos desenvolvim entistas da CEPA L, U N CTA D , BID etc. não parecem perm itir a destruição desses terríveis grilhões im postos pelo desenvolvim ento dependente. Exam inam os as form as alternativas de desenvolvim ento apresentadas para a A m érica Latina e os países dependentes em condições sim ilares alhures (D os Santos, 1969). Tudo agora indica que o que se pode esperar é um longo processo de intensos confrontos políticos e m ilitares e de profunda radicalização social que levarão esses países a um dilem a: governos da força que abram cam inho para o fascism o ou governos revolucionários populares que abram cam inho para o socialism o. A s soluções interm ediárias m ostraram - se, nessa realidade tão contraditória, vazias e utópicas. Tradução de Luciana Pudenzi A bstract This paper attem pts to dem onstrate that the dependence of Latin A m erican countries on other countries cannot be overcom e w ithout a qualitative change in their internal structures and external relations. W e shall attem pt to show that the relations of dependence to w hich these countries are subjected conform to a type of international and internal structure w hich leads them to under-developm ent or m ore precisely to a dependent structure that deepens and aggravates the fundam ental problem s of their peoples. . H\�Z RUGV��D ependency theory; Theotonio dos Santos; Latin-am erican developm ent; Latin-A m erican m arxism . R eferências B aran, Paul – Political Econom y of G row th. In: M onthly R eview Press, 1967. B alogh, Thom as – U nequal Partners. B asil B lackw ell, 1963. C asanova, Pablo G onzalez– Sociología de la explotación. M exico: Siglo X X I, 1969. C EPA L – La C EPA L y el A nálisis del D esarrollo Latinoam ericano. Santiago de C hile: C EPA L, 1968. C onsejo Interam ericano Econom ico Social (C IES) – O .A .S., Interam erican Econom ic and Social C ouncil – External Financing for D evelopm ent in Latin A m erica. In: El Financiam iento Externo para el D esarrollo de A m érica Latina. W ashington: Pan-A m erican U nion, 1969. D os Santos, Theotônio – El nuevo carácter de la dependencia. In: B oletin del C ESO . Santiago de C hile, 1968a. REVISTA Soc. Bras. Economia Política, São Paulo, nº 30, p. 5-18, outubro 2011 18. –––––––– – La crisis de la teoría del desarrollo y las relaciones de dependencia en America Latina. In: Boletin del CESO, nº 3. Santiago de Chile, 1968b. –––––––– – La dependencia económica y las alternativas de cambio en América Latina. In: IX Congreso Latinoamericano de Sociología. México, nov. 1969. Emmanuel, Aguirre – L’Echange Inegal. Paris: Maspero, 1969. Frank, Andre Gunter – Development and Underdevelopment in Latin America. In: Monthly Review Press, 1968. Levin, I. V. – The Export Economies. Harvard University Press, 1964. Myrdal, Gunnar – Asian Drama. Pantheon, 1968. Nkrumah, K. – Neocolonialismo, última etapa del imperialismo. México: Siglo XXI, 1966. Palloix, Cristian – Problèmes de la Croissance en Economie Ouverte. Paris: Maspero 1969.
Compartilhar