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O ENSINO DE PSICOPATOLOGIA E OS DISCURSOS NA 
PÓS-MODERNIDADE. 
 
Conrado Neves Sathler
[1]
 
 
 
RESUMO 
O presente trabalho põe em pauta o problema do ensino da Psicopatologia em cursos de 
graduação de Psicologia. O cerne da questão aqui debatida será a introdução do 
Paradigma da Linguagem (linguistic turn), da concepção de Discurso e da noção de 
doenças psicológicas como Textos em seus enlaçamentos pós-modernos. A formação da 
subjetividade e o conceito de sujeito, a partir de Foucault, serão o ponto de partida para, 
em sala de aula, se formar psicólogos voltados à visão de Saúde Mental e à percepção 
de novos sintomas psicopatológicos como modos de existir na atualidade. 
A desconstrução da Psicopatologia - enquanto ciência que classifica transtornos mentais 
- com dados observados e descritos, com suas etiologias e prevalências que acometem 
parte da sociedade, embora tomados como exteriores a própria sociedade (como visto 
pelo DSM ou CID), será o pano de fundo para discussão dos problemas enfrentados no 
ensino dessa disciplina. 
 
INTRODUÇÃO 
 
O problema inicial que se põe ao professor de Psicopatologia em cursos de 
graduação de Psicologia é: qual caminho escolher para se ensinar um conteúdo tão 
requisitado, mas também tão carregado de sentidos relativos a outras disciplinas como, 
por exemplo: psicodiagnóstico, psiquiatria, criminologia, fenomenologia, neurociências, 
psicologia social, etc, e também de outros significados advindos das experiências 
pessoais dos alunos como: preconceitos, medos, estigmas, históricos familiares e 
institucionais, entre tantos conhecimentos prévios que formam, inclusive, a 
subjetividade dos próprios alunos que freqüentam o curso de psicologia, bem como e 
tanto quanto de qualquer outro estudante. 
 
O professor ao escolher uma linha de trabalho, selecionar alguns textos e atender 
alguns conteúdos, tangencia outros conhecimentos e outras formas de abordar a 
psicopatologia. Claro que os conhecimentos vindos de outras áreas geram conflitos e 
põem em suspense dados específicos e raciocínios próprios ao psicólogo. Quer dizer, a 
psicopatologia serve não só ao psicodiagnóstico, à clínica e à saúde mental, que são 
áreas clássicas da psicologia, mas serve também à psiquiatria na medicina, à 
criminologia no direito, e assim por diante. O uso da psicopatologia como 
conhecimento é, por sua diversidade, uma arena, visto que, epistemologicamente a 
Lingüística, a Medicina e o Direito partem de bases distintas de concepção do que vem 
a ser o próprio conhecimento. 
. 
Assim, a sala de aula torna-se um palco de conflitos de diversas naturezas. Entre 
esses conflitos, em primeiro lugar, lembramos os mais corriqueiros e pessoais. Os 
alunos se identificam com os sintomas; não somente com os diagnósticos, mas, também, 
com os demais discursos presentes em classe, como o discurso da luta anti-
manicomial e o discurso da anti-psiquiatria, entre outros freqüentemente apresentados 
pelo professor da disciplina. E esses discursos se entrelaçam e se misturam também aos 
discursos advindos das literaturas de divulgação científica (nos quais os cientistas falam 
como jornalistas e os jornalistas falam como cientistas), muito atraentes aos alunos. No 
entanto, talvez, esses não sejam os discursos mais presentes. 
 
A grande arena onde se luta pelo direito de falar e de ser aceito, característico da 
pós-modernidade, é a mídia. Aqui nos baseamos em Coimbra (2001) que nos mostra a 
centralização e a tentativa de controle social exercido pelos meios midiáticos e ressalta: 
 
“Partimos do pressuposto de que a mídia é atualmente um dos mais 
importantes equipamentos sociais no sentido de produzir esquemas 
dominantes de significação e interpretação do mundo e que os meios 
de comunicação, portanto, “falam pelos e para os 
indivíduos””.(Guattari e Rolink, 1985. in: Coimbra, 2001). 
 
 Pelas características, já tão discutidas em textos sobre a pós-modernidade, da 
Cultura do Narcisismo (Larch) e da Sociedade do Espetáculo (Debord) e, pela força de 
verdade postas nas montagens e, finalmente, pelo apagamento do “espelho da 
linguagem” operado pelos meios de comunicação, a luta que se vê em sala de aula é a 
luta que se vê produzida pela (ou reproduzida na) mídia. Aqui, quando falo em mídia, 
quero falar dos programas de entrevistas na TV e rádio que apresentam especialistas, 
dos sites na Internet de profissionais que se auto-promovem, de filmes do grande 
circuito do cinema internacional e de todos os demais programas que se utilizam do 
discurso psicológico para dar mais consistência as suas verdades. (Sobre isso verificar - 
Silva, Patrícia R.M.; Barros, C.; Ferreira, J.; Lima, M.C.:2006; e - Fischer, R.M.B.: 
2001). 
 
Com essa introdução, o que se almeja mostrar é que nesse texto retiramos os 
muros das escolas, visto que são ilusórios, e também reafirmamos a disseminação 
característica de todo discurso. Ou seja, os discursos estão presentes na sociedade e são 
proferidos de forma descontínua, fragmentária, dispersa e não controlada. A escola faz 
parte da sociedade e não é, de forma alguma, uma instituição isolada que cuida de seus 
conteúdos de maneira imune aos desejos do poder que a sustém. Quando falamos, 
então, do discurso na escola, como bem nos mostra Barthes (2004), estamos falando em 
Poder. 
 
Para esclarecer os termos que utilizamos neste texto vamos dividi-lo em: a- 
linguagem, b- pós-modernidade e modos de produção de existência, c- problemas de 
sala de aula. Isso para definirmos o que entendemos por paradigma da linguagem 
ou Linguistic turn, por subjetividade e modos de produção de sujeitos e, por 
fim, problemas de ensino e sala de aula. 
 
 
 
PARADIGMA DA LINGUAGEM 
“Il n’y a pas de hors-texte” 
Jacques Derrida 
 
 
 “Não existe nada fora do texto”. Essa frase de Derrida que tantas vezes é citada 
e, tantas vezes, acusada de nada significar, de ser vazia de sentido e de servir de forma 
pouco criteriosa para ampliar (a gosto de quem o usa) os textos escritos e conter algo 
não presente em seus traços é, para nós, de grande importância e vamos pontuar o 
porque nos é valiosa e paradigmática. 
 
 O que o paradigma da linguagem assume como pressuposto é que existe uma 
criação do mundo através da linguagem. No processo de nomeação dos objetos é que 
eles passam a ser percebidos, valorizados e identificados em suas funções. A linguagem 
não cria o mundo em si, mas permite alcançá-lo e condiciona o que dele vemos. 
 
“A verdade não pode estar diante de nós – não pode existir 
independentemente da mente humana – porque as frases não podem 
existir dessa maneira ou estar diante de nós dessa maneira. O mundo 
está diante de nós, mas as descrições do mundo não. Só as descrições 
do mundo podem ser verdadeiras ou falsas; o mundo por si próprio – 
sem auxílio das atividades descritivas dos seres humanos – não 
pode.” (Rorty, 1994: 25) 
 
 Assim, a linguagem cria verdades. Verdades que são criadas são verdades que 
nos dão sentidos, que permitem sentidos, ou seja, que permitem direções, orientações e 
significados. Abrindo um breve parêntese, só para exemplificar, e já revelando um 
sentido ideológico-colonialista implícito, direi: “só para nortear” – como se, haver um 
norte político fosse melhor que um sul – mas ninguém diz “só para sulear ou dar um sul 
para a vida”, enfim, direi: mar mediterrâneo. Sendo a terra esférica, não há sentido, se 
não o político, dar-lhe um meio, mas mediterrâneo significa exatamente isso – meio da 
terra. 
 
 A nomeação não só identifica e valoriza, mas põem em movimento,provoca um 
deslocamento e classifica. Cada nomeação carrega implicitamente uma separação, uma 
distinção, uma dicotomia e uma nova possibilidade de exclusão. Acima de tudo, como 
nos mostra Hacking (2001-2002), a linguagem cria algo que nos dá a ilusão de que um 
objeto qualquer possa ser chamado de natural, como se fosse algo verdadeiro que tenha 
sido descoberto e descrito pelas ciências naturais de forma incontestável e que é 
revelada neutra e objetivamente. 
 
 As regras ou normas de classificação dos objetos e a lógica da própria 
linguagem, ambas, também, criações humanas nos impõem uma crença. Permitam-me 
uma citação mais longa: 
 
“A tentação de procurar critérios constitui uma classe dentro da 
tentação mais geral de pensar que o mundo ou o eu do homem 
possuem uma natureza intrínseca, uma essência. Isto é, resulta da 
tentação de privilegiar algumas das várias linguagens com que 
habitualmente descrevemos o mundo ou nos descrevemos a nós 
próprios. Enquanto pensarmos que há uma relação 
chamada “adequação ao mundo” ou “expressão da natureza real do 
eu” que pode ser possuída por vocabulários-no-seu-todo ou faltar-
lhes, continuaremos a tradicional busca filosófica de um critério que 
nos diga quais os vocabulários que possuem essa desejável 
característica. Mas se alguma vez conseguíssemos adaptar-nos à idéia 
de que a realidade é em grande medida indiferente às descrições de 
que dela fazemos e que o eu humano é criado através da utilização de 
um vocabulário, em vez de, adequada ou inadequadamente, se 
exprimir através deste, estaríamos finalmente a assimilar o que havia 
de verdadeiro na idéia romântica de que a verdade é feita e não 
descoberta. A verdade dessa asserção reside precisamente no fato de 
as linguagens serem feitas e não descobertas e de a verdade ser 
propriedade de entidades lingüísticas, de frases.”(Rorty, 1994: 26-
27). 
 
 Tentamos esclarecer que do ponto de vista da virada lingüística, a nomeação é 
que gera os fenômenos. A psicopatologia se constrói da mesma forma e Foucault, ao 
longo de sua obra, vem mostrar como a loucura foi compreendida ao longo dos tempos, 
desde o fim da idade média até os tempos atuais. Sua obra consiste, principalmente, na 
investigação dos modos de dominação e sujeição que criam os sujeitos e seus objetos de 
estudo. Nesse campo, são mais freqüentes as classificações da sexualidade e da loucura. 
Para Foucault (1971[2000]), esses são os mais fortes índices de exclusão social. 
 
 Por mais que os conceitos de Foucault possam ser utilizados para demonstrar 
como a loucura foi compreendida através dos tempos, e isso pode parecer uma tentativa 
meramente descritiva, não se pode dissociar sua teoria de sua visão que não separa os 
enunciados das práticas sociais nem, tampouco, da criação e da administração dos 
corpos. 
 
Para Foucault (2002), o exercício do poder se faz pelo discurso e o discurso não 
é uma superfície de contato ou confronto entre uma realidade e uma língua, mas um 
conjunto de regras próprias de uma prática discursiva (p. 65), e mais adiante define: 
 
Chamaremos de discurso um conjunto de enunciados, na 
medida em que se apóiem na mesma formação discursiva; ele 
não forma uma unidade retórica ou formal, indefinidamente 
repetível e cujo aparecimento ou utilização poderíamos 
assinalar (e explicar, se for o caso) na história; é constituído de 
um número limitado de enunciados para os quais podemos 
definir um conjunto de condições de existência. (Foucault, 
2002, p. 135). 
 
 Então, podemos ver que os enunciados se ligam por regras especificas e põem 
em circulação um conjunto de verdades, verdades que se fundam em saberes aceitos e 
regulados. Esses saberes instalam o funcionamento social em práticas, em instituições 
através dos dispositivos de poder. Esses dispositivos designam as conexões entre o dito 
e o não-dito, ou seja, que põem em movimento as estratégias, as tecnologias e as 
formas de assujeitamento. Os dispositivos incluem os discursos, a arquitetura, as leis, as 
medidas administrativas, etc nos quais o sujeito se torna objeto de conhecimento e de 
produção. 
 
 Ao ligarmos esses elementos - o lingüístico e os processos de subjetivação - que 
formam o sujeito e permitem-no se tornar objeto de conhecimento, ligamos também o 
texto aos saberes. Não há nada fora do texto, isso implica uma compreensão de texto e 
de linguagem mais amplas. Tudo existe em forma de texto ou é compreendido segundo 
discursos, com suas regras, limitações e acoplamentos com os demais textos que o 
circundam. 
 
A partir desse ponto de vista, os transtornos mentais, bem como qualquer outro 
objeto de conhecimento, são textos construídos pela e na linguagem. Linguagem que 
instala o humano em um campo de saberes e práticas. 
 
 As ciências Psi são também um dispositivo de conhecimento. 
Segundo Nikolas Rose (2001), em artigo traduzido pelo prof. Tomaz Tadeu da Silva, a 
compreensão individualizada e psicologizada do ser humano é uma condição 
contingente do sujeito contemporâneo. Seu funcionamento é o de um “ideal regulatório” 
em nossos modos de existir, seja em nossos mínimos projetos pessoais, seja no 
funcionamento de nossas instituições, práticas sociais, artísticas, culturais ou políticas. 
As tecnologias do eu aliadas a esses dispositivos psi permitem a formação de novos 
sujeitos e permitem ao sujeito se enunciar como “sujeito da liberdade” ou “sujeito da 
auto-realização”, ou ainda, a estar ao alcance da governamentalidade, presente nos 
amplos programas governamentais que envolvem a família, o mercado, a escola e a 
sociedade civil. 
 
 Rose propõe, a partir de Foucault e Deleuze, entre outros pensadores, uma 
genealogia da subjetivação que compreenda o humano como resultado de uma 
“maquinação: um híbrido de carne, artefato, saber, paixão e técnica”. 
 
 
A PÓS-MODERNIDADE E SUAS CARACTERÍSTICAS DE PRODUÇÃO 
 
 A pós-modernidade será tratada aqui, nos seus efeitos sociais mais visíveis, 
pelos autores que escolhemos para fundamentar esta pequena discussão. Nosso foco 
não será o das raízes, não será o das variações das definições, nem dos campos de 
conhecimento que refletem essas mudanças. Escolhemos, para articulação entre pós-
modernidade e modos de produção de subjetividade, a centralidade da imagem e da 
corporeidade. 
 
 Para iniciarmos essa apresentação do tema da pós-modernidade ressaltamos, 
quanto nos chama atenção, a presença determinante da estética visual no mundo atual. 
Talvez isso seja discutível do ponto de vista filosófico e, principalmente, da lógica da 
definição do que seja um período histórico. Quer dizer, parece impossível discutir o 
barroco sem pensarmos em estética barroca, ou o modernismo sem a estética 
modernista. Logo, a imagem é componente intrínseco de qualquer obra ou conjunto de 
obras. 
 
 A despeito dessa característica, a saber, da estética ser inerente à obra - senão 
central nela -, o papel da imagem na pós-modernidade é algo a ser investigado. Peters 
(2000), aponta que o termo “pós-modernidade”, muitas vezes, é confundido com “pós-
modernismo”, sendo que “pós-modernismo” foi o primeiro termo a ser usado e 
nomeava um movimento artístico e dele derivou o termo “pós-
modernidade”. Maffesoli(2000), além de relacionar pós-modernismo e pós-
modernidade da mesma forma, avança para elucidar o que chama de “politeísmo de 
valores”. Para esse autor, há uma mestiçagem de valores que caracteriza a pós-
modernidade, assim como o pós-modernismo arquitetônico admite que, por exemplo,numa mesma obra haja citações góticas, romanas, modernas e barrocas. 
 
 A imagem se faz mais presente também nas leituras sociológicas que 
evidenciam quanto as sociedades capitalistas do séc. XX expõem os indivíduos a seus 
constantes bombardeios. Essas imagens não são somente fotos, desenhos, esquemas ou 
outras ilustrações, são principalmente bombardeios de logomarcas - pequenos símbolos 
que se associam a produtos de uma marca comercial. Teóricos como Jameson, F 
e Fontenelle,I (in:Bragaglia, 2005), chamam essa tendência de Sociedade das Imagens. 
 
 Outro autor que trata da radicalidade das imagens é Baudrillard (2002), que 
demonstra como as imagens da TV podem substituir a realidade no imaginário social, 
na medida em que apresenta na tela, de forma indiferenciada, como espetáculo, desde 
uma guerra até uma novela ou um documentário que apaga as marcas de suas 
montagens e tudo, indiferenciadamente, se mostra como real. 
 
 Logo, como podemos observar, a imagem não é somente um componente da 
obra, é sua finalidade, é o registro que marca a obra em sua especificidade e em seu 
valor. Esse valor se associa ao valor do consumo e, conseqüentemente, ao valor como 
fetiche – no sentido marxista do termo. Isso quer dizer que o sujeito valoriza aquilo que 
consome e que vale aquilo que pode consumir. É essa característica que Debord, G. 
(1977) identifica também como sociedade do espetáculo, ou seja, como o corpo, as 
vestes ou os hábitos pessoais se identificam com os objetos e se tornam, eles próprios, 
objetos em função do espetáculo que podem promover. 
 
 Essa sociedade formada pela imagem, pelo espetáculo e pelo consumo tem 
conseqüências profundas na formação da subjetividade. Essas conseqüências estão 
presentes nas observações que se fazem acerca do sujeito vazio, do sujeito do consumo, 
do sujeito da pulsão e do sujeito narcísico, entre tantas novas nomeações. Ao discutir 
esse tema, Birman (2005) apresenta-os com a seguinte característica: 
 
“O que justamente caracteriza a subjetividade na cultura do 
narcisismo é a impossibilidade de poder admirar o outro em sua 
diferença radical, já que não consegue descentrar de si mesma. 
Referido sempre a seu próprio umbigo e sem poder enxergar um 
palmo alem do próprio nariz, o sujeito da cultura do espetáculo 
encara o outro apenas como um objeto para seu usufruto. Seria 
apenas no horizonte macabro de um corpo a ser infinitamente 
manipulado para o gozo que o outro se apresenta para o sujeito no 
horizonte da atualidade”. (p 25) 
 
 Mesmo nesse pequeno texto podemos ver a associação do corpo, do espetáculo, do 
consumo e do gozo numa nova constituição subjetiva. Há efeitos imediatos dessas novas formas 
de subjetivação na psicopatologia enquanto estudo do pathos humano. Mudando a constituição 
subjetiva altera-se também o motivo, o modo e as características desse sofrimento. 
 
 Mas outra alteração também se constitui. A própria psicopatologia muda seus 
estatutos epistemológicos e metodológicos. Birman (2005), no capítulo “A 
psicopatologia na pós-modernidade: as alquimias do mal-estar na atualidade” (p 175 
ss), apresenta uma leitura de como se dão essas transformações, evidenciando a lógica 
que rege a presença da biologia e das neurociências em substituição às bases 
psicanalíticas da compreensão do fenômeno psicopatológico. 
 
 Essa mesma lógica, ainda segundo Birman (2005), traz a psicofarmacologia e as 
terapias cognitivas como alternativas de tratamento, pois são promessas de diminuição 
do sofrimento humano, funcionando como reparadores do desamparo originário e 
garantias do gozo. 
 
 Todo esse funcionamento constitui o presente que, conseqüentemente, instala 
subjetividades e instituições, ou seja, forma sujeitos e práticas. São esses valores, 
circunscritos nesse funcionamento social, que nos constituem, e nos permitem pensar, 
representar e perceber; e, por sermos formados dentro dessa bacia semântica, 
dessa episteme, julgamo-los naturais. 
 
Podemos notar que há uma concordância entre as teorias da virada lingüística 
com as teorias da subjetividade relacionadas com a teoria do discurso. 
 
A SALA DE AULA 
 
 Fundamentados numa possível Teoria do Discurso, o que podemos dizer da sala 
de aula é que ali se constitui um lugar que faz ouvir e faz falar. Há a tentativa de se 
formar sujeitos dentro de determinadas posições, ocupando lugares determinados. É, 
portanto, um lugar de articulação de verdades, logo, um lugar de poder/saber e, por isso 
mesmo, um lugar de resistências. 
 
 No entanto, mesmo que seja um lugar em que uma autoridade seja 
responsabilizada por uma determinada produção, enquanto produção discursiva e 
também produção de sujeitos, essa produção será marcada pela heterogeneidade, pela 
dispersão, pela descontinuidade, pelos conflitos e pela disputa. 
 
 Não se pode dizer que exista também uma autoridade em sala de aula, dando a 
essa autoridade um sentido unitário, ou seja, que essa autoridade seja identificada com 
um “alguém”, “uma pessoa”, uma entidade autônoma investida de um poder ou de um 
saber que se pretenda reproduzir. O lugar do professor é um lugar atravessado por 
inúmeros dizeres, e também por regimes administrativos, currículos, ementas, 
disciplinas e por outras práticas institucionais como: grades horárias, calendários, 
objetos decorativos (ou, mais freqüentemente, a ausência desses objetos), pela 
arquitetura da sala de aula e do prédio escolar, pela limpeza do ambiente e, por fim, 
tendo em vista a heterogeneidade do discurso e do sujeito, o professor é constituído, ele 
próprio, pela polifonia, quer dizer, dentro de sua fala há uma multiplicidade de 
discursos, dentro dos textos que seleciona para trabalhar há, inevitavelmente, outros 
discursos – há interdiscursividade e intertextualidade. 
 
 E ainda, para não cair no erro de atribuir tirania aos signos, pontuamos que as 
palavras são, elas mesmas, múltiplas e dispersam-se na espessura da linguagem, mudam 
de natureza e, além disso, os discursos são construções ligadas a objetos, a práticas e a 
estratégias que põem em relação conceitos, objetos e formam saberes dentro de uma 
regularidade determinada no espaço e no tempo, quer dizer, historicamente, com suas 
vertentes econômicas, geográficas, lingüísticas, políticas e sociais que permitem seu 
enunciado dentro de uma função enunciativa. 
 
Numa sala de aula, em curso de formação profissional, uma característica 
essencial é a disputa pelo direito de falar e ser reconhecido como autoridade sobre o 
dito. Quer dizer, há uma diferença reconhecida entre a fala do senso comum e a fala do 
meio científico. Ser reconhecido como pertencente à comunidade científica é que vai 
dar ao aluno o status de bom aluno ou de autoridade em um tema. Mas isso conduz os 
professores e os alunos a um paradoxo. 
 
Poder-se-ia dizer que existe um estranho paradoxo em querer 
agrupar em uma mesma categoria de saber dominado os conteúdos 
do conhecimento histórico, meticuloso, erudito, exato e estes 
saberes locais, singulares, estes saberes das pessoas que são saberes 
sem senso comum e que foram deixados de lado, quando não foram 
efetivamente e explicitamente subordinados. Parece-me que, de 
fato, foi este acoplamento entre o saber sem vida da erudição e o 
saber desqualificado pela hierarquia dos conhecimentos e das 
ciências que deu a crítica destes últimos anos a sua força essencial. 
(Foucault, 1988. p 170) 
 
 Mas nessa disputa, em termos de construção deconhecimento, o convite que se 
suscita em sala de aula, dentro de uma visão crítica do discurso, é que nos debrucemos 
sobre o que nos é apresentado, seja pela mídia, pelos livros ou pela nossa própria 
experiência e aceitemos pensar que, assim como a nossa história pessoal, o 
conhecimento que nos é dado e nos parece absolutamente evidente e natural é uma 
composição passível de ser pensada de outras formas. 
 
 A psicopatologia dos manuais (se assim podemos chamar o DSM e o CID) é 
detentora das verdades das descrições e classificações, deposita um referente poderoso 
sobre o qual o aluno deve ser capaz de esquadrinhar e enquadrar a população, mas a 
conseqüência disso é que ao classificar as populações, classifica-se a si mesmo e sendo 
esse o seu próprio referente, fica impedido de pensar uma transformação do 
conhecimento do mundo e de si. 
 
 A ausência de outro referencial em sala de aula que seja aceito socialmente e 
tenha algum peso como conhecimento científico em psicopatologia reforça a idéia de 
que nesses manuais estejam contidas todas as formas conhecidas de sofrimento humano 
e que outras serão classificadas na medida em que forem descobertas e descritas. 
 
 Nossa estratégia de ensino se fia na compreensão de um conhecimento 
formado na linguagem e pela linguagem, um conhecimento formado como texto e é 
precisamente porque estamos construindo e reconstruindo textos permanentemente que 
acreditamos poder desconstruí-los e transformá-los. 
 
O convite de Foucault é que, através da investigação dos discursos, 
nos defrontemos com nossa história ou nosso passado, aceitando 
pensar de outra forma o agora que nos é tão evidente.Assim, 
libertando-nos do presente e nos instalamos quase num futuro, numa 
perspectiva de transformação de nós mesmos. Nós e nossa vida, essa 
real possibilidade de sermos, quem sabe um dia, obras de arte. 
(Fischer, 2001). 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 
 
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 Baudrillard, J. Tela-Total: Mito-ironias do virtual e da imagem. P. Alegre: 
Sulina, 2002. 
 Birman, Joel. O Mal Estar na Atualidade. São Paulo: Civilização Brasileira, 2005. 
 Bragaglia, Ana Paula. A Sociedade das Imagens e Seus Modelos de 
Subjetividade. Semiosfera. Revista de Comunicação e Cultura – ECO/UFRJ. Ano 5, 
n.8. out/2005. 
 Coimbra, Cecília M.R. Mídia e Produção de Modos de Existência.Psicologia: 
Teoria e Pesquisa. V.17, n.1, Brasília Jan/Abr. 2001. 
 Debord, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro, : 1977. 
 Fischer, Rosa Maria Bueno. Foucault e a Analise do Discurso em 
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no collège de France pronunciada em 02 de dezembro de 1970. Tradução: Laura 
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 Foucault, Michel. Arqueologia do Saber. (6ª. Edição) Rio de Janeiro: Forense 
Universitária, 2002. 
 Foucault, Michel. Microfisica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1988. 
 Hacking, Ian. Philosophie et Histoire des Concepts Scientifiques. (online) 
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 Maffesoli, Michel. Um Desenho Geral da Pós-Modernidade. Líbero-
 Revista Acadêmica de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação 
Social Cásper Líbero. Ano III, vol 3, n.5. Primeiro Semestre - 2000. 
 Peters, Michael. Pós-estruturalismo e Filosofia da Diferença: Uma 
introdução. Tradução: Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. 
 Rorty, Richard. Contingência, Ironia e Solidariedade. Lisboa: Presença, 1994. 
 Rose, Nikolas. Como se deve fazer a história do eu? Revista Educação & 
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 Silva, Patrícia R.M.; Barros, C.; Ferreira, J.; Lima, M.C. Além dos muros e dentro 
da tela: o discurso psi, a mídia e o cotidiano. Revista Psicologia para a América 
Latina, n.5 :2006. 
 
 
 
 
[1]
 Professor de Psicopatologia da Infância e Adolescência e Psicopatologia na Vida Adulta 
na Unisal (Universidade Salesiana de São Paulo – Unidade de Ensino: Lorena) 
Psicólogo. Mestre em Psicopatologia e Psicologia Clinica – ISPA – Lisboa/Pt e Doutorando em 
Lingüística Aplicada – IEL/Unicamp – Laboratório Discurso e Identidade. 
E-Mail: c.sathler@uol.com.br

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