Buscar

LIVRO PRÁTICAS DISCURSIVAS E PRODUÇÃO DE SENTIDOS NO COTIDIANO

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 278 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 278 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 278 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Mary Jane Spink 
Organizadora 
 
 
 
 
 
PRÁTICAS DISCURSIVAS 
E PRODUÇÃO DE SENTIDOS 
NO COTIDIANO 
Aproximações teóricas e 
metodológicas 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2013 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Esta publicação é parte da Biblioteca Virtual de Ciências Humanas do Centro 
Edelstein de Pesquisas Sociais – www.bvce.org 
 
 
Copyright © 2013, Mary Jane Spink. 
Copyright © 2013 desta edição on-line: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais 
Ano da última edição: 2004, Editora Cortez. 
 
 
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida ou transmitida por 
qualquer meio de comunicação para uso comercial sem a permissão escrita 
dos proprietários dos direitos autorais. A publicação ou partes dela podem ser 
reproduzidas para propósito não comercial na medida em que a origem da 
publicação, assim como seus autores, seja reconhecida. 
 
 
ISBN: 978-85-7982-068-7 
 
 
Centro Edelstein de Pesquisas Sociais 
www.centroedelstein.org.br 
Rua Visconde de Pirajá, 330/1205 
Ipanema – Rio de Janeiro – RJ 
CEP: 22410-000. Brasil 
Contato: bvce@centroedelstein.org.br 
 
 
 
 
http://www.bvce.org/
http://www.centroedelstein.org.br/
mailto:bvce@centroedelstein.org.br
 
I 
SOBRE OS SENTIDOS… 
 
 
 
 
 
 
 
Ao contrário do que em geral se crê, sentido e 
significado nunca foram a mesma coisa, o 
significado fica-se logo por aí, é directo, literal, 
explícito, fechado em si mesmo, unívoco, por 
assim dizer; ao passo que o sentido não é capaz 
de permanecer quieto, fervilha de sentidos 
segundos, terceiros e quartos, de direcções 
irradiantes que se vão dividindo e subdividindo 
em ramos e ramilhos, até se perderem de vista, 
o sentido de cada palavra parece-se com uma 
estrela quando se põe a projectar marés vivas 
pelo espaço fora, ventos cósmicos, perturbações 
magnéticas, aflições. 
 
José Saramago 
Todos os nomes 
 
 
II 
SUMÁRIO 
 
APRESENTAÇÃO .....................................................................................IV 
CAPÍTULO I 
Práticas Discursivas e Produção de Sentido: 
Mary Jane P. Spink e Rose Mary Frezza ............................................ 1 
CAPÍTULO II 
Produção de Sentido no Cotidiano: 
Mary Jane P. Spink e Benedito Medrado.......................................... 22 
CAPÍTULO III 
A Pesquisa como Prática Discursiva: 
Mary Jane P. Spink e Vera Mincoff Menegon ................................... 42 
CAPÍTULO IV 
Rigor e Visibilidade: 
Mary Jane P. Spink e Helena Lima .................................................. 71 
CAPÍTULO V 
Análise de Documentos de Domínio Público 
Peter Spink .................................................................................... 100 
CAPÍTULO VI 
Garimpando Sentidos em Bases de Dados 
Lia Yara Lima Mirim ..................................................................... 127 
CAPÍTULO VII 
Entrevista: uma Prática Discursiva 
Odette de Godoy Pinheiro .............................................................. 156 
CAPÍTULO VIII 
Por Que Jogar Conversa Fora? 
Vera Mincoff Menegon .................................................................. 188 
 
III 
CAPÍTULO IX 
Textos em Cena: 
Benedito Medrado ......................................................................... 215 
CAPÍTULO X 
Imagens em Diálogo: 
Carlos André F. Passarelli ............................................................. 242 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 252 
AUTORES .............................................................................................. 263 
 
 
IV 
APRESENTAÇÃO 
Esta coletânea é fruto de uma longa trajetória. De empreitada típica 
dos fazeres intelectuais, pautada pela interface entre leituras e pesquisas e 
tornada visível em texto e fala, assumiu, progressivamente, um caráter 
coletivo. Não se trata de uma proposta coletiva em sua origem, mas de um 
coletivismo resultante do próprio desenvolvimento teórico. Pensar, afinal, é 
uma prática social e como tal, perpassada por dialogia. 
Em retrospecto, seria possível propor que o caráter coletivo desta obra 
definiu-se a partir de várias etapas. Primeiramente, é claro, uma forma 
específica de pesquisar em Psicologia Social foi se definindo para mim a 
partir de leituras e de pesquisas. Não por acaso, esses interesses tinham na 
Saúde Pública o seu foco. Não por acaso, portanto, a perspectiva coletiva se 
fazia presente. Mas para que as ideias extrapolassem esse âmbito mais 
intimista foi preciso que fizessem sentido também para outros. Esses outros 
foram inicialmente os vários orientandos de Mestrado e Doutorado para quem 
as ideias encontravam ecos. Esses eram ainda fóruns acanhados: diálogos 
travados em momentos de orientação; leituras compartilhadas – ideias 
testadas, quando muito, nos encontros no Núcleo de Pesquisa em Psicologia 
Social e Saúde, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 
Emergiu dessas discussões a demanda de uma apresentação mais 
sistemática dessas ideias, gerando, a partir de 1996, as propostas de 
seminários avançados e as inúmeras participações em congressos, já em 
formas coletivas: mesas, papers e painéis em coautoria. Ampliavam-se as 
oportunidades para levar as ideias a passear e fazê-las conversar com outros 
autores, outros referenciais. Coletivizava-se paulatinamente a proposta 
através da disponibilidade de falar sobre e de escutar as dúvidas, as 
críticas, os encontros e desencontros. 
Sendo muitos os colaboradores, expandia-se a proposta. Mas crescia 
também a dificuldade de socializá-la. Eram poucos os textos escritos por 
 
V 
nós. As reflexões estavam confinadas às teses e dissertações – sempre de 
difícil circulação – ou às apresentações orais em congressos – de circulação 
ainda mais difícil. Tornava-se urgente, assim, uma apresentação mais 
sistemática das reflexões que fazíamos; surgiu dessa premência a proposta 
de elaboração de uma coletânea de textos que refletissem o que 
propúnhamos. Não um projeto acabado pois eles nunca o são. Mas como 
uma oportunidade para ampliar o debate. 
Sendo muitos os autores e novas as ideias, a própria elaboração do 
livro suscitou um rico debate. Não só entre os autores; muitas outras pessoas 
contribuíram, às vezes sem nem ao menos terem consciência da imensa 
contribuição que fizeram. Por exemplo, Pedrinho Guareschi, em seminário 
recente,1 inadvertidamente forneceu um conceito que se tornou central para 
nossos esforços de desfamiliarização das perspectivas essencialistas. Referia-
se ele à sociabilidade intrínseca do conceito de pessoa, elaborado no âmbito 
da Teologia, fornecendo uma pista valiosa para redefinir subjetividade (e o 
conceito de indivíduo aí abrigado) a partir da perspectiva construcionista. 
Mesmo sem compartilhar dos pressupostos que embasam nossa proposta, 
Pedrinho é uma voz que se faz presente neste livro. Também Rogério Costa, 
professor da PUC-SP cujas virtudes filosóficas tantas vezes nos iluminaram, 
teve um papel ativo para além do que ele possa estar ciente. 
Os debates, aí sim propiciando contribuições deliberadas, travaram-se 
em dois momentos. No início desse ano fomos convidados para discutir 
nossas ideias no 4
o
 Encontro Científico do Centro de Investigação Sobre 
Desenvolvimento e Educação Infantil – CINDEDI.
2
 Foi uma experiência 
muito rica. Não se tratava de fazer uma palestra, ou um seminário, mas de 
fornecer alguns textos por nós considerados básicos que foram lidos e 
discutidos anteriormente pelo grupo. Travou-se nesse contexto um rico 
debate visando problematizar conceitos e esclarecer dúvidas. Foi uma 
primeira oportunidade de testagem de conceitos e do inter-relacionamento 
 
1 Simpósio Internacional sobre Representações Sociais – Questões Epistemológicas; Natal, 
Rio Grande do Norte, 22 a 25 de novembro de 1998. 
2 Realizadono período de 2 a 5 de fevereiro de 1999 na FFCL da USP em Ribeirão Preto. 
 
VI 
desses em um ambiente receptivo e disposto a dialogar com o referencial 
em desenvolvimento. Foram muitas as pessoas presentes e muitas as 
contribuições; impossível, portanto, dar nomes às muitas vozes que se 
fizeram ouvir. Mas impossível também deixar de mencionar duas colegas – 
Maria Clotilde Rossetti Ferreira e Ana Maria Almeida Carvalho – pelo 
carinho com que acolheram nossos posicionamentos teóricos; de mencionar 
o nome de Carmem Craidy, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 
pela importante sugestão de leitura de um texto de Fernand Braudel; de 
agradecer a Ana Paula Soares da Silva e os membros do Grupo de Trabalho 
de Entrevista, que leram nossos textos com tanta atenção e conduziram o 
debate com tanta propriedade. 
Um segundo momento de debate ocorreu já na fase de elaboração dos 
capítulos desta coletânea. Tendo em vista a riqueza da experiência junto ao 
CINDEDI, achamos que seria interessante apresentar esses capítulos ao 
Núcleo de Pesquisa em Psicologia Social e Saúde de modo a usufruir das 
experiências que os membros do Núcleo já tinham no manuseio dos 
conceitos-chave que serão aqui discutidos. Como participam do Núcleo, 
direta ou indiretamente, alunos e pesquisadores de outras instituições, 
comunicamos a eles essa proposta. Ficamos encantados com a 
receptividade. Muitos compareceram às reuniões do Núcleo 
especificamente para a discussão dos quatro capítulos iniciais. Muitos não 
puderam comparecer, mas se fizeram ouvir enviando seus comentários por 
correio. Foram discussões preciosas. Uma experiência inesquecível de 
trocas pautadas pelo respeito mútuo – até mesmo quando os pressupostos 
não podiam ser compartilhados. 
Agradecemos muito especialmente as contribuições dos colegas que 
enfrentaram algumas horas de estrada para estarem presentes nessas 
discussões: Marisa Japur, professora da FFCL da USP de Ribeirão Preto; Ana 
Paula Silva, doutoranda; Emerson Fernando Rasera (o Mera), mestrando 
nessa mesma Instituição; e Daniel Gonzalo Eslava, doutorando na Faculdade 
de Enfermagem da USP de Ribeirão Preto. Reconhecemos também as 
contribuições de colegas da Faculdade de Saúde Pública da USP: Oswaldo 
 
VII 
Tanaka, professor do Departamento de Saúde Materno Infantil; Sônia 
Andrade e Cristina Melo, doutorandas nesse mesmo Departamento. E, ainda, 
os alunos do Mestrado e Doutorado da PUC-SP, membros atuais – ou futuros 
– do Núcleo. Agradecemos ainda os comentários de colegas que se fizeram 
presentes por vias eletrônicas, como Jacqueline Machado Brigagão, que da 
lonjura do Kentucky enviou tantas contribuições preciosas; e Marcos Reigota, 
que em suas perambulações globais encontrou tempo para nos enviar por 
correio (nada eletrônico) suas ponderações. 
Restou-nos, assim, o problema da autoria. O que vem a ser autoria 
quando tantas vozes se fazem presentes? Quando fazemos interlocução com 
tantos autores? Quem somos, o que fizemos? Talvez tudo o que podemos 
fazer é concordar com Dom Toríbio de Cáceres y Virtudes, personagem do 
conto de Gabriel Garcia Marquez, Do amor e outros demônios. 
Conversavam ele e o marquês de Casalduero, quando foram surpreendidos 
pelas badaladas das cinco. 
– É horrível – disse o bispo. – cada hora me ressoa nas entranhas 
como um tremor de terra. 
A frase surpreendeu o marquês, pois era o mesmo que ele pensara 
quando soaram as quatro. Ao bispo aquilo pareceu uma coincidência natural. 
– As ideias não são de ninguém – disse. Com o indicador, desenhou 
no ar uma série de círculos contínuos, e concluiu: – Andam voando por aí, 
como os anjos. 
Quiçá, como herdeiros de Bakhtin, não poderia ser de outra forma!! 
Mas vivendo em outras épocas, coloca-se, sim, a necessidade de 
contabilizar esforços. Trata-se de reconhecer as contribuições e o tempo 
despendido e de aceitar a responsabilidade pelas ideias formuladas no 
conjunto dos textos desta coletânea. Acatar a natureza coletiva das ideias 
não elimina a responsabilidade de cada um por fazê-las circular. Assumo 
eu, portanto, a responsabilidade pela organização desta coletânea. Deixo 
público meu reconhecimento pelo empenho e investimento de dois dos 
 
VIII 
meus colaboradores mais próximos – Benedito Medrado e Vera Menegon. 
Agradeço, ainda, a cuidadosa revisão dos textos feita por Teresa Cecília de 
Oliveira Ramos, Maria Helena de Carvalho e Rita de Cássia Q. Gorgati. 
De resto, as autorias definem as características do próprio livro. A 
primeira parte, mais coletiva e foco dos debates travados, compreende 
quatro capítulos escritos em coautoria. O primeiro, intitulado Práticas 
discursivas e produção de sentido: a perspectiva da Psicologia Social, foi 
escrito em coautoria com Rose Mary Frezza e visa fornecer o contexto 
histórico da perspectiva teórica endossada na coletânea como um todo. 
Situa a perspectiva construcionista e a forma de trabalhar com linguagem 
no âmbito da Psicologia Social. O segundo capítulo, Produção de sentido 
no cotidiano: uma abordagem teórico-metodológica para a análise das 
práticas discursivas, foi escrito em coautoria com Benedito Medrado e tem 
por objetivo discutir os pressupostos e definir os conceitos que vêm 
fornecendo subsídios para a compreensão da produção de sentidos no 
cotidiano a partir da análise das práticas discursivas. O terceiro capítulo, A 
pesquisa como prática discursiva: superando os horrores metodológicos, 
escrito em coautoria com Vera Mincoff Menegon, volta-se à discussão 
metodológica. Tem como objetivo problematizar o conceito instituído de 
pesquisa científica e apresentar a posição construcionista, buscando 
ressignificar, nesse processo, o conceito de rigor. O capítulo quatro, Rigor e 
visibilidade: a explicitação dos passos da interpretação, escrito em 
coautoria com Helena Lima, retoma a problemática do rigor à luz dos 
processos de interpretação. Fazendo uma ponte com os capítulos seguintes 
da coletânea, introduz algumas das técnicas que vêm sendo utilizadas por 
nós para dar visibilidade ao processo de interpretação. 
Os capítulos seguintes, fruto de reflexões e pesquisas realizadas pelo 
grupo, têm, como não poderia deixar de ser, autoria única. Buscam, em seu 
conjunto, abordar a diversidade de formas de coletar informações para dar 
subsídios à compreensão dos processos de produção de sentido a partir das 
práticas discursivas. Constituem por vezes exemplos de uso das técnicas 
apresentadas no capítulo quatro, sem ser esse entretanto seu objetivo 
 
IX 
explícito. Focalizam as diferentes maneiras em que a construção dialógica 
do sentido se faz presente no cotidiano. 
Assim, o capítulo cinco, intitulado Análise de documentos de 
domínio público, de autoria de Peter Spink, explora as possibilidades de 
trabalhar os documentos de domínio público (relatórios, arquivos, jornais 
etc.) como processos sócio-históricos de construção de saberes e fazeres. 
Chama a atenção para as importantes contribuições que os historiadores 
podem trazer para a Psicologia Social, seja pela forma de análise e 
identificação do material ou pelo tratamento que dão à temática do tempo. 
Mas pontua também a especificidade do tratamento que a Psicologia Social 
dá a esses documentos visto que eles refletem práticas discursivas que, para 
além do que está impresso em suas páginas, são parte do processo de 
construção da esfera pública. 
O capítulo seis, Garimpando sentidos nas bases de dados, de autoria 
de Lia Yara Lima Mirim, tem por objetivo discutir a utilização da literatura 
científica como recurso metodológico em pesquisa. Para isso, inicia com 
uma discussão sobre a ciência como linguagem social que tem formas 
peculiares de apresentação e circulação de discursos. Focaliza então a 
crescente importância das bases de dados como acesso à literatura científica 
e fornece um exemplo de uso de uma base específica (o Medline)utilizada 
em pesquisa sobre a construção social do sentido do teste HIV. 
O capítulo sete, Entrevista: uma prática discursiva, de Odette de 
Godoy Pinheiro, discute os aspectos teórico-metodológicos relacionados à 
(inter)ação dos interlocutores na situação de entrevista. Busca ainda 
exemplificar os procedimentos de análise e interpretação de dados relacionados 
à entrevista, entendida como prática discursiva, a partir de pesquisa focalizada 
na entrevista inicial de um Serviço de Saúde Mental da rede básica. 
O capítulo oito, intitulado Por que jogar conversa fora? Pesquisando 
no cotidiano, de Vera Mincoff Menegon, propõe que as conversas podem 
ser algo mais do que um mero hábito corriqueiro do cotidiano. Posiciona 
assim as conversas como modalidades privilegiadas para o estudo da 
 
X 
produção de sentido. Traz, dessa forma, algumas reflexões sobre as 
peculiaridades e a importância das conversas nas interações sociais de 
nosso cotidiano, baseando-se na pesquisa que realizou com conversas cujo 
assunto em pauta era a menopausa. 
No capítulo nove, Textos em cena: a mídia como prática discursiva, 
Benedito Medrado focaliza conceitos e processos que são centrais aos estudos 
em mídia. Discute a reconfiguração entre as dimensões do público e privado 
proporcionada pela mídia a partir de seu poder de dar visibilidade aos 
fenômenos sociais e de construir novas dinâmicas interacionais. De modo a 
ilustrar alguns processos que caracterizam a produção midiática, apresenta 
algumas experiências de pesquisa com jornais e comerciais de televisão. 
O capítulo dez, Imagens em diálogos: filmes que marcaram nossas 
vidas, de autoria de Carlos André F. Passarelli, busca discutir os 
pressupostos do processo de recepção de sons e imagens em movimento 
que constitui o campo de análise de filmes. Para tanto, apresenta os 
elementos que compõem a linguagem cinematográfica, buscando entendê-
los a partir da perspectiva teórica dos estudos de linguagem de Bakhtin. 
Com base nos conceitos de dialogia, enunciação e gêneros discursivos 
busca compreender que imagens podem se formar no campo da Psicologia 
Social a partir das que são projetadas na tela do cinema. 
São todos eles trabalhos estimulantes. Propostas de análise que 
buscam entender os fenômenos do cotidiano a partir de um olhar pautado 
pela dialogia dos processos sociais implícita nas práticas discursivas que 
permeiam nosso dia-a-dia. São olhares novos. Ou talvez apenas novas 
configurações de velhos olhares. 
Mary Jane Paris Spink 
São Paulo, 15 de junho de 1999 
 
 
1 
CAPÍTULO I 
PRÁTICAS DISCURSIVAS E PRODUÇÃO DE SENTIDO: 
A perspectiva da psicologia social 
Mary Jane P. Spink e Rose Mary Frezza 
 objetivo deste capítulo é fornecer o contexto histórico necessário para a 
compreensão da proposta teórico-metodológica do estudo da produção 
de sentido no cotidiano, que será apresentada nos capítulos que compõem esta 
coletânea. A contextualização a ser feita aqui busca situar, no âmbito da 
Psicologia Social, o estudo da produção de sentido a partir da análise das 
práticas discursivas. Busca, ainda, situar a produção de sentido como forma de 
conhecimento que se afilia à perspectiva construcionista e situar as práticas 
discursivas dentre as várias correntes voltadas ao estudo da linguagem. 
Faz-se necessário esclarecer que o objetivo é nos posicionarmos no 
debate contemporâneo. Não pretendemos, assim, fazer uma análise histórica 
da Psicologia Social, do construcionismo ou das correntes filosóficas que 
privilegiam a linguagem. Consideramos necessário, entretanto, esclarecer 
quais afiliações pautam nossa proposta. Do ponto de vista da Psicologia 
Social, buscaremos situar brevemente a genealogia da temática produção de 
sentido, aspecto que será explorado na primeira parte deste capítulo. 
Concebendo o sentido como uma construção dialógica, buscaremos, na 
segunda parte do capítulo, explicitar os fundamentos epistemológicos desta 
proposta a partir de uma breve apresentação da perspectiva construcionista 
em Psicologia Social. Finalmente, entendendo ser necessário também situar 
a noção de linguagem que embasa a proposta de trabalho com práticas 
discursivas, abordaremos essa temática na terceira parte do capítulo. 
Embora focando o estudo da produção de sentido na Psicologia Social, 
consideramos que a proposta teórico-metodológica em construção é 
O 
 
2 
necessariamente interdisciplinar. Buscando responder à pergunta: como 
damos sentido ao mundo em que vivemos?, tornou-se imprescindível 
estabelecer uma interface com a História e com a Antropologia – como 
resultado da necessária reflexão sobre o contingente e o universal –, e também 
com a Filosofia (e mais especificamente com a Epistemologia), a partir da 
reflexão sobre as formas possíveis de concretizar uma proposta metodológica. 
Essas interfaces serão expostas e discutidas ao longo dos capítulos seguintes. 
1. Psicologia Social e a compreensão do sentido na vida cotidiana 
A expressão dar sentido ao mundo nem sempre fez parte do projeto 
da Psicologia Social, ou pelo menos da ortodoxia da disciplina. Falava-se 
em percepção, em atitudes, em cognição, em interação, e até mesmo na 
força do grupo em direção à conformidade, uma espécie de tendência 
central operando socialmente em direção ‘a média. No afã de definir 
conceitos e mecanismos universais passíveis de demonstração empírica de 
cunho experimental, o interesse pela compreensão dos sentidos na vida 
cotidiana era, no mínimo, visto como suspeito. Até os anos setenta, vivia-se 
o sonho da Psicologia Científica, pensando ciência como um fazer pautado 
pela demonstração e generalização dos resultados. 
Ernest Hilgard,
1
 em influente obra publicada nos anos cinquenta, 
reiterava o discurso corrente na época, afirmando que a Psicologia, tal como 
outras ciências, busca compreender, predizer e controlar o comportamento 
de homens e outros animais. Para concretizar o projeto científico, apoiava-
se sobretudo no método, traduzido em sua prática, a partir da hegemonia do 
método científico: “... um procedimento regular, explícito e passível de ser 
repetido para conseguir-se alguma coisa”, na definição fornecida por Mario 
 
1 Hilgard, E. (1953), Introduction to Psychology. London: Methuen. 
 
3 
Bunge.
2
 Emerge, desse contexto, a influente vertente da Psicologia 
Experimental
3
 com suas ressonâncias na Psicologia Social Experimental.
4
 
Com raras exceções, falava-se pouco em bases filosóficas.
5
 É isso é o 
que aponta Rom Harré,
6
 em recente reavaliação da Psicologia Social 
contemporânea, quando afirma, de forma maliciosa, que os psicólogos são 
avessos à metafísica, visto que a ciência moderna define-se sobretudo pela 
contraposição à metafísica. Harré, ao usar o termo metafísica, faz um jogo 
de palavras; emprega-o no sentido de “reflexão crítica sobre a natureza do 
‘mundo’ a ser investigado”. Diz ele: 
ao contrário dos físicos, poucos psicólogos, com exceção de figuras 
notáveis como Jerome Bruner (...), Michael Billig (...) e John Shotter 
(...), engajam-se em investigações filosóficas de sua prática ou no 
exame crítico das bases metafísicas implícitas de suas teorias (1993:24). 
Eram essas as forças hegemônicas que empurravam os psicólogos 
sociais para o laboratório, abandonando as raízes mais sociais dos 
fundadores da disciplina (entre eles George Mead e Kurt Lewin) e 
fortalecendo a perspectiva individualista em Psicologia Social.
7
 O estudo 
das atitudes é um excelente exemplo desse movimento de progressiva 
individualização dos conceitos centrais da disciplina. Exploradas 
inicialmente por sociólogos e psicólogos, na tradição inaugurada em 1918 
 
2 Bunge, M. (1980), Epistemologia. São Paulo: T.A. Queiroz, p. 19. 
3 Veja-se, por exemplo: Woodworth, R. & Schlosberg,H. (1938). Experimental Psychology. 
London: Methuen (revisado em 1954); Osgood, C. (1953). Method and Theory in Experimental 
Psychology. New York: Oxford University Press (já na sétima edição em 1962). 
4 Em livro publicado em 1966, Robert Zajonc afirmava: “A Psicologia Social não é um ‘tipo’ 
ou uma ‘escola’ da Psicologia. É decididamente um ramo da Psicologia, e reconhece 
integralmente as leis da Psicologia Geral e Experimental”. Zajonc, R. (1966). Social 
Psychology: an Experimental Approach. Califórnia: Wadsworth, p. 2. 
5 Por exemplo, Piaget, J. (1970). L'Épistémologie Génétique. Paris: Presses Universitaires de 
France (traduzido para o português pela Editora Vozes). 
6 Psicólogo e filósofo que contribuiu para as obras iniciais de psicologia crítica. 
7 A esse respeito, ver Farr, R. (1996). The Roots of Modern Social Psychology. Oxford: 
Blackwell (traduzido para o português pela Editora Vozes, 1998). 
 
4 
pelo estudo de William Thomas e Florian Znaniecki
8
 sobre camponeses 
poloneses emigrados para os Estados Unidos, passaram primeiramente por 
uma purgação nominal, deixando de ser denominadas de atitudes sociais 
para adotar apenas a qualificação de atitudes.
9
 Passaram, a seguir, a ser 
estudadas preferencialmente por meio de escalas e situações experimentais 
em laboratório, abandonando, em larga medida, os estudos de campo. 
No final dos anos cinquenta e na década de sessenta, esboçava-se uma 
reação ao paradigma dominante de fazer ciência em Psicologia Social, 
impulsionada inicialmente em duas direções: a valorização da observação dos 
comportamentos em situações naturais e o estudo de comportamentos em seu 
ambiente natural. A valorização da observação minuciosa dos 
comportamentos pode ser exemplificada com o fortalecimento do ensino da 
Etologia nos cursos de graduação
10
 e com as pesquisas sobre comportamento 
infantil da Psicologia do Desenvolvimento.
11
 Já a perspectiva naturalista do 
estudo de comportamentos em seu ambiente natural tem na obra de Edwin 
Willems e Harold Rauch
12
 um marco importante. 
Inevitavelmente, sair do laboratório implicava acatar a visão do 
outro, o que levou a uma revalorização do estudo dos processos sociais – 
inspirada, por exemplo, no trabalho de Erving Goffman
13
 sobre dramaturgia 
 
8 Thomas, W. & Znaniecki, F. (1958). The Polish Peasant in Europe and America. New 
York: Dover Publ. 
9 Estamos nos referindo, aqui, ao artigo de G. W. Allport sobre atitudes, publicado em C. A. 
Murchinson (org.) (1935). Handbook of Social Psychology. Worcester, Mass.: Clark 
University Press. 
10 O fortalecimento do ensino de Etologia foi impulsionado pelo trabalho de Lorenz e 
Tinbergen, entre outros. Por exemplo, Lorenz, K. (1966). On Aggression. London: Methuen. 
11 Nesse contexto destaca-se John Bolwby como precursor. Ver Ferreira, M.C.R. (1986). 
Mães e Crianças – separação e reencontro. São Paulo: Edicon. 
12 Willems, E. P. & Rauch, H. L. (1969). Naturalistic Viewpoints in Psychological Research. 
New York: Holt. 
13 Os trabalhos de Goffman marcam uma distinção na produção do conhecimento em 
Psicologia Social, fazendo parte de uma vertente denominada Psicologia Social Sociológica 
que se constituiu em contraposição à Psicologia Social Experimental. Dentre eles 
destacamos: The Presentation of Self in Everyday Life. New York: Doubleday Anchor, 1959 
(traduzido para o português pela Editora Vozes), e Stigma. New Jersey, USA: Prentice Hall, 
1963 (traduzido pela Editora Zahar) 
 
5 
e de Serge Moscovici
14
 sobre o conhecimento do senso comum. Tratava-se, 
antes de mais nada, de uma virada metodológica, que reagia contra a 
psicologia de laboratório. 
Obviamente o impulso metodológico tem implicações para a própria 
definição do que vem a ser o objeto da Psicologia Social. A partir dos anos 
sessenta, e especialmente na década de setenta, surgiram importantes 
reflexões críticas focando tanto a naturalização do fenômeno psicológico (que 
faz perder de vista o fato de que os conceitos e teorias são produtos culturais, 
socialmente construídos e legitimados) como a despolitização da disciplina 
(que faz perder de vista o papel da disciplina, entendida como domínio de 
saber, na legitimação da ordem social). Dentre as obras importantes para esta 
reflexão destacamos (no contexto Europeu): The Context of Social 
Psychology, organizado por Joachim Israel e Henri Tajfel e publicado em 
1972; Reconstructing Social Psychology, organizado por Nigel Armistead e 
publicado em 1974; Radical Perspectives in Psychology, de Nick Heather, 
publicado em 1976. Essas obras congregam muitos dos autores que, na 
Europa, definiram as bases para a Psicologia Social Crítica, solo em que se 
ancoraram os teóricos pós-modernos da Psicologia Social.
15
 Um pouco mais 
tarde, com forte influência na América Latina, foram publicadas as obras de 
Ignacio Martín Baró (Acción e Ideología, 1983; e Sistema, Grupo y Poder, 
1989 e o livro Psicologia Social: o Homem em Movimento, organizado por 
Silvia Lane e Wanderley Codo, publicado pela primeira vez em 1984. São 
obras que focalizam, tal como os antecessores europeus, a naturalização e 
despolitização da Psicologia, mas que adquirem uma conotação singular por 
serem reflexões feitas a partir do ponto de vista dos dominados. 
É esse, portanto, o contexto histórico em que se apoia a proposta de 
estudo da produção de sentido por meio das práticas discursivas. Antes de 
adentrar a caracterização dos posicionamentos construcionistas e suas 
 
14 La Psychanalise – son image et son public. Paris: Presses Universitaires de France, 1961 
(traduzido para o português pela Editora Zahar). 
15 Ver, por exemplo, Parker, I. (1989). The Crisis in Modern Social Psychology – and how to 
end it. London: Routledge. 
 
6 
implicações para o trabalho com linguagem, é importante frisar que, como 
em tantos outros domínios de nossa vida, o novo e o velho convivem, lado a 
lado, na Psicologia Social. Nem toda a Psicologia Social é uma psicologia 
crítica; e também a psicologia crítica apresenta-se polissêmica: muitos são 
os seus sentidos. Nas palavras de Harré: 
A história da psicologia social nos últimos vinte anos tem sido (...) 
uma mistura desconcertante de desenvolvimentos e desapontamentos. 
Ocorreram expansões e aplicações vigorosas do “novo paradigma”, 
mas, paralelamente, em vários lugares, algumas das piores 
características do antigo programa persistiram praticamente 
inalteradas (1993:24). 
Há, segundo Harré, duas fontes de conservadorismo na Psicologia 
Social: uma filosófica e outra cultural. A primeira, como mencionamos 
anteriormente, decorre da falta de reflexão filosófica entre os psicólogos. A 
segunda, admite ele, é mais sutil e seus efeitos mais difíceis de identificar 
sem cair em afirmações tendenciosas. Trata-se da longa hegemonia norte-
americana na psicologia acadêmica, a qual tem exercido uma pressão 
contínua no sentido da incorporação do individualismo e do cientificismo 
na Psicologia Social e, como consequência, a resistência às inovações. 
2. Construcionismo e Psicologia Social 
A perspectiva construcionista é resultante de três movimentos: na 
Filosofia, como uma reação ao representacionismo; na Sociologia do 
Conhecimento, como uma desconstrução da retórica da verdade, e na 
Política, como busca de empowerment de grupos socialmente 
marginalizados. Os três movimentos são, obviamente, interdependentes, 
refletindo um movimento mais amplo de reconfiguração da visão de mundo 
própria a nossa época. Sendo impossível fazer uma discussão mais ampla 
no escopo deste trabalho, iremos focalizar o construcionismo a partir da 
Psicologia Social e da Sociologia do Conhecimento, apoiando-nos, para 
isso, em quatro autores: Peter Berger e Thomas Luckmann, Kenneth 
Gergen e Tomás Ibáñez. 
 
7 
Esses autores utilizam,preferencialmente, a expressão construção 
social para falar da ação, e construcionismo para referir-se à abordagem 
teórica. Há autores que empregam o termo construtivismo, como por exemplo 
aqueles vinculados às correntes teóricas da terapia familiar sistêmica, 
herdeiros de Gregory Bateson e Paul Watzlawick, da Escola de Palo Alto, 
Califórnia.
16
 O uso desse termo pode, entretanto, gerar confusões conceituais, 
uma vez que ele é empregado também pelos autores vinculados à escola 
piagetiana para referir-se à centralidade da atividade do sujeito no 
desenvolvimento cognitivo. O termo construtivismo, dessa forma, dá margem 
à adesão (ainda que não intencional) a uma perspectiva individualista, mesmo 
quando o indivíduo é concebido como um ser em sociedade; lembramos que, 
para o construcionismo, a própria noção de indivíduo é uma construção 
social.
17
 Decorre daí nossa opção por essa nomenclatura. 
2.1. O construcionismo na perspectiva da Sociologia do Conhecimento 
Quando falamos em construcionismo, vem à mente o nome de Peter 
Berger e Thomas Luckmann, e de seu livro, já um clássico, intitulado A 
Construção Social da Realidade, publicado originalmente em 1966. A 
Sociologia do Conhecimento tem ancestrais imponentes: Karl Marx, pela 
reflexão sobre a relação entre a atividade humana e a consciência, presente 
sobretudo nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos; Friedrich Nietzsche, 
pelo anti-idealismo ferrenho da Genealogia da Moral e de A Vontade de 
Potência, e Wilhem Dilthey, pelo historicismo marcante de sua obra. Mas a 
disciplina propriamente dita tem como fundadores Max Scheler, filósofo 
alemão que cunhou o termo Sociologia do Conhecimento na década de 
vinte, e Karl Mannheim, que lhe deu os contornos clássicos, centrados na 
relação entre ideologia e verdade. 
Em seus primórdios, a Sociologia do Conhecimento focalizava 
questões epistemológicas utilizando, como campo empírico, a história das 
 
16 Ver, por exemplo, Watzlawick, P.; Beavin, J. H. & Jackson, D. D. (1968). Pragmatics of 
Human Communication. London: Faber and Faber. 
17 Vide, por exemplo, a excelente análise de Nicholas Rose sobre o tema. Rose, N. (1992). 
Individualizing Psychology. Em J. Shotter & K. J. Gergen: Texts of Identity. London: Sage. 
 
8 
ideias ou a história das ciências. Berger e Luckmann subvertem essa ordem 
instituída partindo de uma reorientação da reflexão, centrando-se no 
conhecimento do homem comum. A crítica que fazem é com relação à 
compreensão intelectualista do conhecimento que o restringe ao 
pensamento teórico, pois, nessa dimensão, não se leva em conta o 
conhecimento que os homens comuns têm da realidade, ou seja, o 
conhecimento do senso comum. Para esses autores, a importância de focar 
essa dimensão do conhecimento se justifica à medida que “é precisamente 
este ‘conhecimento’ que constitui o tecido de significados sem o qual 
nenhuma sociedade poderia existir” (Berger & Luckmann, 1966/1976:30). 
Berger e Luckmann são inovadores, mas pertencem a sua época. 
Falam em homens para referirem-se às pessoas, não reconhecendo os 
avanços da reflexão feminista; usam e abusam de conceitos problemáticos 
como realidade e conhecimento, embora os usem entre aspas, e fazem uma 
distinção, hoje suspeita, entre ideias – domínio dos homens sábios – e senso 
comum – domínio do povo. 
Na obra acima referida, os autores partem do pressuposto de que a 
realidade é socialmente construída e que a Sociologia do Conhecimento 
deve analisar como isso ocorre. Eles operacionalizam sua proposta a partir 
da indagação: como é possível que os significados subjetivos se tornem 
facticidades objetivas? Essa indagação é respondida a partir de três 
conceitos centrais da proposta teórica dos autores: tipificação, 
institucionalização e socialização. A partir do conceito de tipificação, eles 
propõem que a sociedade é um produto humano (ou seja, a realidade é 
construída socialmente). Essa é uma proposta interacionista, à medida que a 
base da realidade da vida cotidiana são as interações face a face em que o 
outro é apreendido a partir de esquemas tipificadores. As heranças de Mead 
e Goffman são visíveis. Um exemplo de esquemas tipificadores são os 
preconceitos (de gênero, de raça etc.). 
Partindo do pressuposto de que a sociedade é uma realidade objetiva, 
usam o conceito de institucionalização para situar como essa objetividade é 
 
9 
construída. Defendem que os esquemas tipificadores, a partir dos quais o 
outro é apreendido, tornam-se habituais com o decorrer das gerações e, 
como hábitos, adquirem autonomia e institucionalizam-se. É justamente 
esse processo de institucionalização que gera a objetividade percebida. Essa 
objetividade instituída é internalizada por meio de processos de 
socialização primária e secundária. O pressuposto, aqui, é que o homem é 
um produto social. Mas não se trata de um modelo estático pois, se a 
socialização é um instrumento de conservação, os processos de 
ressocialização e as rupturas decorrentes do enfrentamento do não familiar 
possibilitam a ressignificação e a transformação social. 
2.2. O construcionismo na Psicologia Social 
Berger e Luckmann, como sociólogos, preocuparam-se sobretudo 
com os processos de conservação e transformação social: daí focalizarem os 
processos de tipificação, institucionalização e socialização. Já os autores da 
Psicologia Social, que são porta-vozes dessa perspectiva no âmbito da 
disciplina, tendem a focalizar justamente o momento da interação, ou seja, 
os processos de produção de sentido na vida cotidiana. Kenneth Gergen, um 
dos primeiros psicólogos sociais a focalizar o conhecimento nessa 
perspectiva, será nosso principal interlocutor com base em um artigo 
publicado no American Psychologist em 1985.
18
 Nesse artigo, ele define o 
que vem a ser a investigação construcionista: “A investigação 
socioconstrucionista preocupa-se sobretudo com a explicação dos processos 
por meio dos quais as pessoas descrevem, explicam ou dão conta do mundo 
(incluindo a si mesmos) em que vivem” (Gergen, 1985:266). 
A investigação, sob essa perspectiva, difere do enfoque tradicional 
por transferir o locus da explicação dos processos de conhecimento internos 
à mente para a exterioridade dos processos e estruturas da interação 
humana. Gergen afirma: 
 
18 Para uma versão mais recente da posição de Gergen, ver: Gergen, K. (1994). Realities and 
Relationships: soundings in social construction. Cambridge, Mass.: Harvard University Press. 
 
10 
Os termos em que o mundo é conhecido são artefatos sociais, produtos 
de intercâmbios historicamente situados entre pessoas (...). Nesse 
sentido, convida-se à investigação das bases históricas e culturais das 
variadas formas de construção de mundo (...). As descrições e 
explicações sobre o mundo são formas de ação social. Desse modo, 
estão entremeadas com todas as atividades humanas (1985:267-268). 
Essa forma de posicionar-se perante o conhecimento implica, por um 
lado, abdicar da visão representacionista do conhecimento, a qual tem como 
pressuposto a concepção de mente como espelho da natureza (Rorty, 
1979/1994); e, por outro, adotar a concepção de que o conhecimento não é 
uma coisa que as pessoas possuem em suas cabeças, e sim algo que constroem 
juntas. A adoção plena da perspectiva construcionista exige, assim, um esforço 
de desconstrução de noções profundamente arraigadas na nossa cultura. 
O termo desconstrução é utilizado, aqui, para se referir ao trabalho 
necessário de reflexão que possibilita uma desfamiliarização com 
construções conceituais que se transformaram em crenças e, enquanto tais, 
colocam-se como grandes obstáculos para que outras possam ser 
construídas. Damos preferência ao termo desfamiliarização porque 
dificilmente “des-construímos” o quefoi construído. Criamos espaço, sim, 
para novas construções, mas as anteriores ficam impregnadas nos artefatos 
da cultura, constituindo o acervo de repertórios interpretativos disponíveis 
para dar sentido ao mundo. Decorre daí a espiral dos processos de 
conhecimento, um movimento que permite a convivência de novos e 
antigos conteúdos (conceitos, teorias) e a ressignificação contínua e 
inacabada de teorias que já caíram em desuso. 
Para falar desses esforços de desfamiliarização nos apoiaremos nos 
escritos de Tomás Ibáñez, psicólogo social da Universidade Autônoma de 
Barcelona. Utilizaremos mais especificamente um texto publicado em 1994 
no qual Ibáñez aborda quatro temáticas que estão no cerne do realismo 
fundante da retórica da ciência na modernidade: a dualidade sujeito-objeto, 
a concepção representacionista do conhecimento, a retórica da verdade e o 
cérebro como instância produtora de conhecimento. 
 
11 
A crença na dualidade sujeito-objeto apoia-se em três posturas 
epistemológicas: o empirismo, o idealismo e o interacionismo. Para o 
empirismo, o objeto é a determinação última do conhecimento, de modo que o 
projeto científico consiste em aproximações, cada vez mais precisas, a esse 
objeto. Já para o idealismo, a possibilidade do conhecimento não se encontra 
do lado do objeto, mas sim do sujeito. Trata-se das categorias do entendimento, 
constitutivas da mente humana, as quais são universais e necessárias para o 
conhecimento. Por fim, para o interacionismo, o conhecimento é produzido na 
interação entre sujeito e objeto, apresentando, portanto, características de 
ambos. Essa é, a bem dizer, uma versão fraca de construcionismo. 
Na perspectiva construcionista, tanto o sujeito como o objeto são 
construções sócio-históricas que precisam ser problematizadas e 
desfamiliarizadas. Acatar essa afirmação, entretanto, implica problematizar 
a noção de realidade. Alguns dos pensadores construcionistas acabam por 
acatar uma dupla noção de realidade, pautada, por um lado, pelo realismo 
ontológico (ou seja, a postulação da existência da realidade) e, por outro, 
pelo construcionismo epistemológico, ou seja, a postulação de que a 
realidade não existe independente de nosso modo de acessá-la.
19
 Isso 
significa que é o nosso acesso à realidade que institui os objetos que a 
constituem. Dito de outra forma, só apreendemos os objetos que se nos 
apresentam a partir de nossas categorias, convenções, práticas, linguagem: 
enfim, de nossos processos de objetivação. 
Por sua vez, a crítica da concepção representacionista do 
conhecimento é uma decorrência da desfamiliarização da dicotomia sujeito-
objeto. Se os objetos da natureza são constituídos por nossas categorias, se 
essas categorias são artefatos humanos, produtos de interações 
historicamente situadas, então a hegemonia dos sistemas de categorias 
depende das vicissitudes dos processos sociais e não da validade interna dos 
constructos. Isso significa dizer que o conhecimento não é uma 
 
19 Por exemplo, Baskar, R. (1997). On the ontological status of ideas. J. for the Theory of 
Social Behavior 27: 2/3. 
 
12 
representação nem uma tradução de algo que pertence à realidade externa. 
Entretanto, essas construções não são ficções desenfreadas. Não se trata de 
um vale-tudo, porque elas têm como limite as próprias características dos 
humanos que as produzem, ou seja, as características sociais e biológicas de 
pessoas historicamente situadas. 
A obra Making Sex, de Thomas Laqueur (1990), é exemplar para 
ilustrar o que acaba de ser dito. Nesse livro, o autor focaliza a mudança de 
concepção que ocorreu nos últimos séculos sobre a anatomia dos órgãos 
sexuais femininos. Desde Galeno (130 a 200 a.C.) acreditou-se que os órgãos 
sexuais femininos eram, anatomicamente, iguais aos masculinos, só que 
internalizados. Essa concepção anatômica implicava uma série de restrições à 
vida da mulher, pois os exageros poderiam acarretar na expulsão desses 
órgãos e na consequente mudança de sexo. Com o advento da anatomia e 
com a dissecação sistemática de cadáveres, as evidências acabaram por mostrar 
que essa concepção era infundada. Daí, então, outro modelo interpretativo 
tornou-se possível. No entanto, apesar das evidências anatômicas, foi preciso 
ainda quase um século para a construção de uma nova concepção. A antiga 
desfez-se, perdendo sua coerência interna; entretanto, muitos de seus 
elementos ainda hoje estão presentes, reconfigurados numa teoria de gênero. 
Basta pensar no poder organizador da dualidade ativo-passivo. 
A desfamiliarização da objetividade implícita na retórica da verdade 
baseia-se na crítica da concepção de verdade como conhecimento absoluto. 
Trata-se, aqui, de perceber que não há uma verdade absoluta. A verdade é a 
verdade de nossas convenções, embora, nem por isso, menos impositiva. 
Segundo Ibáñez, se os critérios de verdade são estabelecidos socialmente, 
“não há portanto nada que seja verdade no sentido estrito da palavra” 
(1994:45). No entanto, Ibáñez não propõe que vivamos num mundo sem 
verdades; sugere apenas que elas são sempre específicas e construídas a partir 
de convenções pautadas por critérios de coerência, utilidade, inteligibilidade, 
moralidade, enfim, de adequação às finalidades que designamos 
coletivamente como relevantes. É importante observar que essa mudança de 
perspectiva sobre a verdade não significa que possamos abrir mão dela, 
 
13 
incondicionalmente, no sentido de que não existem diferenças entre 
enunciados verdadeiros e falsos ou de que alguém pode estabelecer o que é 
verdadeiro, de livre e espontânea vontade. O que a postura construcionista 
reivindica é a necessidade de remeter a verdade à esfera da ética; pontuar 
sua importância não como verdade em si, mas como relativa a nós mesmos. 
A concepção do cérebro como a instância produtora do conhecimento 
parte da constatação óbvia de que não podemos pensar se não possuímos um 
cérebro e de que o pensamento fica prejudicado quando lesionamos 
determinadas partes do cérebro. Com base nessas constatações, afirma-se, 
frequentemente, que os mecanismos do pensamento estão situados apenas na 
complexa estrutura de neurônios. Ibáñez procura mostrar que, embora o 
cérebro constitua uma condição de possibilidade para o pensamento, essa não 
é a única condição. O conhecimento é contingente, também, às ferramentas 
disponíveis – como, por exemplo, a própria estrutura linguística –, as quais são 
produções sociais. Entretanto, seria uma redução dizer que o pensamento é 
produto apenas das práticas sociais. Para Ibáñez, o mais correto seria dizer que 
o pensamento tem sua condição na interface entre cérebro e sociedade, “e, 
portanto, não numa substância, mas num processo” (1994:47). 
Consequentemente, se todo o corpo social se constitui a partir dos organismos 
que lhe dão sustento, sendo esse o nível que cabe às ciências biológicas (por 
exemplo, o estudo do cérebro), o pensamento, por se constituir na interface 
cérebro-social, deve se situar no nível das ciências sociais. 
Para entender a linha de argumentação utilizada por Ibáñez, basta 
pensar no impacto das tecnologias da inteligência – a escrita, a imprensa, a 
microinformática, entre outras. Entender o pensamento e o conhecimento 
como fenômenos intrinsecamente sociais possibilita superar três premissas 
que impedem uma adesão plena ao construcionismo: 1) o internalismo, que 
situa os processos cognitivos dentro da cabeça e reduz a explicação aos 
processos neurológicos; 2) o essencialismo, que faz da cognição um objeto 
natural, e 3) o universalismo, que faz da nossa forma atual de pensar a 
forma canônica de pensamento. 
 
14 
Os antipodianos, seres ficcionais que habitam um planeta em outra 
galáxia, utilizados por Richard Rorty (1979/1994) para desnaturalizar a 
perspectiva da mente como espelhoda natureza, constituem bons exemplos 
da possibilidade de outras formas de pensamento. Muito semelhantes a nós, 
eles diferiam num aspecto fundamental: não sabiam que tinham mentes, 
nem o que significavam os estados mentais. Como as disciplinas mais 
avançadas eram a neurologia e a bioquímica, grande parte da conversação 
entre as pessoas referia-se ao estado de seus nervos: diziam, “Isso faz o meu 
feixe neurônico G-14 estremecer”, mas não tinham noções como “sentir-se 
maravilhosamente bem”. Rorty imagina, então, a chegada de uma 
expedição vinda da Terra, trazendo consigo alguns filósofos, e a polêmica 
que se estabeleceria com a tentativa de traduzir os modos de apreensão 
antipodianos para os terráqueos. A possibilidade de ruptura com o habitual, 
de estranhamento, é, pois, o passo primeiro para a desfamiliarização de 
noções que foram naturalizadas. 
2.3. Objeções ao construcionismo 
Como toda proposta que se contrapõe ao que nos parece óbvio, 
natural e legítimo, a abordagem construcionista do conhecimento tende a 
ser ou absolutamente ignorada ou violentamente contestada. A contestação 
tem como principais alvos o relativismo e o reducionismo linguístico. 
A crítica endereçada ao relativismo associado ao construcionismo 
pauta-se numa definição específica do termo a partir da qual toda e 
qualquer crença sobre um dado tópico é igualmente aceitável. Crítica 
semelhante é endereçada ao pragmatismo, perspectiva filosófica 
intrinsecamente associada ao construcionismo. Richard Rorty (1996) 
comenta: “Os filósofos que são chamados de ‘relativistas’ são os que 
afirmam que as razões para a escolha entre tais opiniões [referindo-se a 
opiniões incompatíveis] são menos pautadas por algoritmos do que se 
pensava” (Rorty, 1996:166). A querela, diz ele, não é entre pessoas que 
acham que um ponto de vista é tão bom quanto qualquer outro e os que não 
pensam assim. A querela é “entre aqueles que pensam que nossa cultura, 
 
15 
nossos objetivos (purpose) e instituições não podem ser sustentados a não 
ser conversacionalmente, e as pessoas que ainda almejam outros tipos de 
suporte” (Rorty, 1996:167). Trata-se, em suma, da querela entre os que 
almejam atingir as essências, os princípios transcendentais – herdeiros de 
Platão, ressignificado por Kant – e os que enfatizam a conversação como 
princípio básico da liberdade – herdeiros da dialética,
20
 portanto. 
Sendo uma vertente do historicismo – de Hegel, reinterpretado por 
Dilthey –, o construcionismo incorpora a noção de que os critérios e 
conceitos que utilizamos para descrever, explicar, escolher entre as opções 
que se apresentam são construções humanas, produtos de nossas 
convenções, práticas e peculiaridades. Como construções históricas e 
culturais, elas não podem, por princípio, ser invariantes. Entretanto, esse 
relativismo histórico e cultural só se torna claro numa perspectiva de análise 
de “tempo longo”. No cotidiano de nossas vidas, somos, de fato, produtos 
de nossa época e não escapamos das convenções, das ordens morais e das 
estruturas de legitimação. A pesquisa construcionista é, portanto, um 
convite a examinar essas convenções e entendê-las como regras socialmente 
construídas e historicamente localizadas. É um convite a aguçar a nossa 
imaginação e a participar ativamente dos processos de transformação social. 
Impõe-se, em contrapartida, a necessidade de explicitação de nossas 
posições: não a escolha arbitrária entre opções tidas como equivalentes, mas 
a opção refletida a partir de nossos posicionamentos políticos e éticos. 
Quanto ao reducionismo linguístico, não há dúvida de que, para o 
construcionismo, algo adquire o estatuto de objeto a partir do processo de 
construção linguístico-conceitual. Isso não quer dizer, entretanto, que todos 
os fenômenos se reduzam à linguagem; que esse algo que adquire estatuto 
de objeto a partir da linguagem seja de natureza linguística. Quer dizer, 
apenas, que o construcionismo reconhece a centralidade da linguagem nos 
processos de objetivação que constituem a base da sociedade de humanos. 
Lembramos, ainda, que a centralidade da linguagem no pensamento não é 
 
20 Tomado, aqui, no sentido de “arte da conversação”, conforme o termo grego. 
 
16 
absolutamente um privilégio do construcionismo. Outras correntes 
focalizaram os processos linguísticos: por exemplo, Vygotsky,
21
 importante 
precursor de uma perspectiva que dá à linguagem papel central no 
desenvolvimento cognitivo e que, sobretudo, conceitua a linguagem numa 
perspectiva social. O próximo tópico busca, assim, situar a perspectiva 
linguística com a qual nos propomos a trabalhar. 
3. A linguagem como prática social 
A linguagem tornou-se um tópico moderno e, como tal, passou a ser 
moda falar na virada linguística e citar Wittgenstein ad nauseum. Trata-se 
de um terreno complexo por ser transdisciplinar e contar, portanto, com uma 
multiplicidade de abordagens, cada qual presa a seu sistema de referência 
teórico e metodológico. A proposta, aqui, não é dar uma visão de conjunto da 
linguagem no pensamento contemporâneo, até porque isso requereria um 
aprofundamento na Filosofia da Linguagem que extrapolaria o escopo deste 
capítulo. O objetivo é tão-somente situar a perspectiva linguística que vem 
sendo usada na Psicologia Social de cunho construcionista e, mais 
particularmente, os pressupostos linguísticos que vêm norteando esse 
trabalho. Destacaremos, assim, brevemente, duas correntes analíticas: a que 
focaliza as trocas linguísticas e a que focaliza o discurso. 
3.1. O foco nas trocas linguísticas 
Sem dúvida, o que está em pauta nas análises discursivas da Psicologia 
Social é a linguagem em uso. Fica mais fácil entender essa perspectiva 
apoiando-nos em autores que buscam, justamente, situá-la no conjunto dos 
trabalhos sobre linguagem. Esse é o caso de Jerome Bruner. Em um artigo 
publicado em 1984, Bruner propõe que, ao estudarmos a linguagem, nossos 
objetivos associam-se a três possíveis critérios, descritos a seguir. 
1) Foco na boa formatação (well formedness): “(...) perguntamos dos 
enunciados se eles são bem formados no sentido de conformar-se às 
 
21 Vygotsky, L. S. (1989). Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes. 
 
17 
regras gramaticais que governam a linguagem” (Bruner, 1984:969). 
Trata-se da esfera da sintaxe cuja análise refere-se às relações entre 
significantes, e que não busca entender o sentido dos enunciados ou 
o uso que deles é feito. 
2) Foco no sentido (meaningfulness): “(...) isso, como sabemos, é uma 
dupla questão. Um enunciado refere-se a algo no mundo ‘real’, ou 
em um mundo possível, e tem um sentido. Os dois aspectos juntos 
constituem o sentido (meaning)” (1984:971). Estamos, aqui, na 
esfera da semântica, cuja análise refere-se aos significados. 
Estritamente falando, o debate histórico principal centra-se na 
gênese primeira, se gramática (sintaxe) ou semântica. O contexto 
não foi problematizado até o filósofo H. Grice
22
 publicar um artigo 
em 1957 no qual propunha a existência de dois possíveis tipos de 
sentido: o sentido a-histórico (timeless) e o sentido ocasional, preso 
ao contexto de uso. Isso nos leva, assim, a um terceiro critério 
possível para a análise linguística, o performático. 
3) Foco na performática: “as regras da pragmática (ou melhor, as 
máximas da pragmática) têm a ver com quando, em que condições, 
com que intenção e, obviamente, de que modo devemos falar” 
(1984:972). Essa é a esfera da pragmática da linguagem, a qual se 
refere às condições de uso dos enunciados e que tem como figuras 
fundantes dois filósofos: John Austin, que em 1962 publicou o 
influente livro How to do Things with Words, e John Searle, que em 
1969 publicou o livro Speech Acts: an essay in the philosophy of 
language.Obviamente, são esses mesmos critérios que pautam as 
reflexões de outro influente filósofo da linguagem, Wittgenstein, 
cujo livro Philosophical Investigations foi publicado em 1953. 
Essa tipologia é útil à medida que possibilita situar as contribuições de 
filósofos e linguistas, contrapondo, por exemplo, Noam Chomsky, que 
focaliza a gramática generativa, e Mikhail Bakhtin, que focaliza os aspectos 
 
22 Grice, H. P. (1957). Meaning. Philosophical Review, 66. 
 
18 
performáticos subsumidos na perspectiva dialógica que será discutida mais 
tarde. Entretanto, sendo nosso foco o uso da linguagem, são as tramas e 
repercussões no âmbito das Ciências Humanas que mais nos interessam e, 
nesse sentido, há duas correntes importantes, centradas na linguagem em uso, 
que precisam ser mencionadas: a etnometodologia e a análise de conversação. 
A etnometodologia é uma abordagem desenvolvida por um sociólogo 
assaz hermético, de difícil leitura (o que, possivelmente, inibiu a difusão de 
sua obra). Trata-se de Harold Garfinkel, que publicou seu livro Studies in 
Ethnomethodology em 1967. A etnometodologia busca analisar a 
racionalidade do senso comum; ou seja, procura entender como os atores 
sociais obtêm uma apreensão compartilhada do mundo social. Garfinkel 
parte do pressuposto de que o compartilhamento cognitivo, do qual depende 
a interação e a comunicação, resulta de uma multiplicidade de métodos 
tácitos de formas de raciocinar. Esses métodos são socialmente organizados 
e compartilhados, e usados incessantemente no cotidiano para dar sentido a 
objetos e eventos sociais. Garfinkel desenvolveu uma série de métodos para 
estudar a compreensão compartilhada. Todos têm como cerne entender o 
poder normativo e o conteúdo moral das regras subjacentes à ação social. 
Como sair das normas gera raiva e frustração, tende a haver uma demanda 
pela justificação – o que os etnometodólogos chamam de accountability. 
Muitos dos métodos usados para entender essas normas consistem, 
justamente, em observar episódios de quebra das regras. 
A análise de conversação – uma derivação metodológica da 
etnometodologia – tem por objetivo entender as estruturas normativas do 
raciocínio que estão imbricadas na compreensão e produção de formas de 
interação inteligíveis.
23
 A análise visa a descrever os procedimentos usados 
para sustentar e negociar as relações sociais, tendo como foco a sequência 
de interações (turn of talk) na conversação, sobretudo as interações que 
ocorrem, preferencialmente, sem a intervenção do pesquisador. 
 
23 Por exemplo, Atkinson, J. & Heritage, J. (orgs.) (1984). Structures of Social Actions: 
Studies in Conversational Analysis. Cambridge: Cambridge University Press. 
 
19 
No entanto, ambas são abordagens minimalistas que focalizam as 
minúcias da interação linguística tão excessivamente que perdem de vista o 
contexto da interação. Em contraste com esse tipo de análise, a segunda 
corrente aqui considerada – a perspectiva discursiva – procura problematizar 
o contexto discursivo, sem perder de vista a interação. 
3.2. A perspectiva discursiva 
A linguagem também se tornou foco de interesse para autores voltados 
à compreensão do poder dos discursos emanados de diversas esferas de saber, 
cunhando-se aí a expressão análise de discursos. Dois autores servem de 
referência a essa área. O primeiro deles é Michel Foucault, que exerceu 
grande influência nos debates e investigações sobre as relações entre saber e 
poder, especialmente por meio de seus trabalhos de arqueologia, que têm no 
livro A Arqueologia do Saber, publicado em 1969, uma sistematização dos 
aspectos conceituais que orientaram suas obras anteriores: História da 
Loucura, Nascimento da Clínica e As Palavras e as Coisas
24
. O segundo 
autor, mais hermético, mas também essencial para entender o que vem a ser 
um esforço de desconstrução do texto, é Jacques Derrida. É dele a afirmação 
de que “não há nada além do texto”, o que o leva a um embate com as 
vertentes interpretativas que buscam o sentido do texto privilegiando o que 
está fora do texto, tomando o contexto como referente do sentido. 
Embora os autores teóricos mencionados venham de uma tradição 
pós-estruturalista, o termo análise de discurso tende a ser identificado com 
o método introduzido por M. Pêcheux – a análise automática do discurso –, 
que é essencialmente um empreendimento estruturalista. Para Pêcheux, um 
discurso é determinado pelas condições de produção e por um sistema 
linguístico. “Desde que se conheçam as condições de produção e o sistema 
linguístico, pode-se descobrir a estrutura organizadora ou processo de 
produção, através da análise da superfície semântica e sintática desse 
discurso (ou conjunto de discursos)” (Bardin, 1979:214). As condições de 
 
24 Publicação original em 1961, 1963 e 1966, respectivamente. 
 
20 
produção, para Pêcheux, são definidas pelos lugares ocupados pelo emissor 
e receptor na estrutura de uma formação social. 
Essa é uma proposta que se aproxima das configurações atuais da 
Psicologia Social Discursiva, que tem em Jonathan Potter (Potter & 
Wetherell, 1987; Potter, 1996a) e Ian Parker (Parker, 1989; Burman & 
Parker, 1993) seus mais loquazes teóricos. Parker, com certeza, identifica-se 
com a perspectiva pós-estruturalista, termo que ele emprega para referir-se às 
diversas abordagens que suspeitam da pretensão de que é possível 
experienciar um mundo que estaria para além da linguagem. Dentro dessa 
perspectiva, os pesquisadores buscam, segundo Parker, entender como os 
objetos (tais como personalidade, atitudes e preconceitos) são construídos no 
discurso e como são aí construídos os sujeitos – como nós nos 
experienciamos quando falamos e quando ouvimos outros falarem sobre nós. 
Potter e colaboradores aproximam-se dessa perspectiva ao incluírem 
entre os aspectos centrais de sua teoria a noção de repertórios interpretativos 
– o conjunto de termos, lugares-comuns e descrições usado em construções 
gramaticais e estilísticas específicas. Mas a ênfase de sua proposta é no uso 
da linguagem e, para isso, ancoram-se na tradição da etnometodologia. 
A análise de discurso, segundo Potter e colaboradores, focaliza três 
temáticas: a função, a construção e a variação. A função refere-se ao discurso 
tomado como ação, pois é tão produtor de realidade quanto qualquer ação 
concreta. Esse aspecto de sua teoria tem forte influência de Austin, Searle e 
Wittgenstein. Já a construção diz respeito ao uso dos recursos linguísticos 
preexistentes – os repertórios interpretativos –, o que implica seleção e 
escolha. Por fim, a variação é concebida como consequência da função e da 
construção, ou seja: se o discurso é construído para a ação, diferentes 
situações implicariam a construção de diferentes discursos. 
As práticas discursivas, assim situadas, constituem o foco central de 
análise na abordagem construcionista. Implicam ações, seleções, escolhas, 
linguagens, contextos, enfim, uma variedade de produções sociais das quais 
 
21 
são expressão. Constituem, dessa forma, um caminho privilegiado para 
entender a produção de sentido no cotidiano. 
Para concluir, é importante retomar em seus diversos aspectos o 
contexto histórico do qual emerge o projeto teórico-metodológico de estudo 
da produção de sentido a partir das práticas discursivas, pois é esse o solo que 
lhe dá sustentação e possibilita seus desenvolvimentos. Propor que a 
produção de sentido é uma força poderosa e inevitável da vida em sociedade 
e buscar entender como se dá sentido aos eventos do nosso cotidiano fez com 
que novos horizontes se abrissem e novas perspectivas pudessem ser 
consideradas. Quando a questão do sentido não pode mais ser respondidasomente no âmbito da língua, da sintaxe e da semântica; quando a produção 
do conhecimento começa a ser questionada por desconsiderar, justamente, 
aquilo que é sua base, o senso comum; quando a Psicologia Social começa a 
fazer sua própria crítica quanto ao que produz e quanto à despolitização daí 
resultante, tem-se, então, a configuração de um contexto propício para novas 
buscas: conceitos, métodos, epistemologia, teoria, visão de mundo. É, 
portanto, no bojo desse movimento que se vem construindo essa nova 
proposta que denominamos práticas discursivas e produção de sentido. 
 
22 
CAPÍTULO II 
PRODUÇÃO DE SENTIDO NO COTIDIANO: 
Uma abordagem teórico-metodológica 
para análise das práticas discursivas 
Mary Jane P. Spink e Benedito Medrado 
 sentido é uma construção social, um empreendimento coletivo, mais 
precisamente interativo, por meio do qual as pessoas – na dinâmica das 
relações sociais historicamente datadas e culturalmente localizadas – 
constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as 
situações e fenômenos a sua volta. Neste capítulo, pretendemos discutir 
pressupostos e conceitos que nos têm fornecido subsídios para apreender, por 
meio da análise das práticas discursivas, a produção de sentido no cotidiano. 
Em nossa perspectiva, dar sentido ao mundo é uma força poderosa e 
inevitável na vida em sociedade. Esse pressuposto está na base do 
desenvolvimento da Psicologia Social, seja na sua vertente sociocognitiva, 
seja na sua vertente interacional. Quanto à vertente sociocognitiva, basta 
recordarmos que, em suas raízes, estão as proposições da teoria da Gestalt e 
sua ênfase na seletividade dos processos perceptivos.
1
 Quanto à vertente 
interacional, lembramos que, nas bases das teorizações sobre a interação 
humana, estão os processos de comunicação e a atividade de interpretação 
que os acompanha.
 2
 
Coerentes com a perspectiva psicossocial, propomos, aqui, que a 
produção de sentido não é uma atividade cognitiva intraindividual, nem 
 
1 Ver, por exemplo: Codol, Jean Paul (1988). Vingt ans de cognition sociale. Bulletin de 
Psychologie. XLII (390), 472-491. 
2 Ver, por exemplo: Blumer, Herbert (1986). Symbolic Interactionism – perspectives and 
methods. Berkeley, Los Angeles e California: University of California Press. 
O 
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
 
23 
pura e simples reprodução de modelos predeterminados. Ela é uma prática 
social, dialógica, que implica a linguagem em uso. A produção de sentido é 
tomada, portanto, como um fenômeno sociolinguístico – uma vez que o uso 
da linguagem sustenta as práticas sociais geradoras de sentido – e busca 
entender tanto as práticas discursivas que atravessam o cotidiano 
(narrativas, argumentações e conversas, por exemplo), como os repertórios 
utilizados nessas produções discursivas. 
Essa abordagem teórico-metodológica está embasada no referencial 
do construcionismo social,
3
 como apresentado no capítulo um, e alia-se aos 
psicólogos sociais que trabalham, de formas variadas, com práticas 
discursivas,
4
 sendo melhor definida a partir de três dimensões básicas: 
linguagem, história e pessoa. 
1. Linguagem em uso: 
Introduzindo o conceito de práticas discursivas 
A concepção de linguagem que adotamos está centrada na linguagem 
em uso. Mais precisamente, entendemos a linguagem como prática social e, 
com base em nossa abordagem teórico-metodológica, buscamos trabalhar a 
interface entre os aspectos performáticos da linguagem
5
 e as condições de 
produção, entendidas tanto como contexto social e interacional, quanto no 
sentido foucaultiano de construções históricas. Usamos, portanto, 
terminologia distinta para trabalharmos em diferentes níveis de análise. É 
necessária, assim, uma distinção entre discurso e práticas discursivas. 
O discurso, em nossa perspectiva, remete às regularidades 
linguísticas, ou, para utilizarmos uma expressão de Bronwyn Davies e Rom 
 
3 Autores como Rorty (1979/1994), Gergen (1985) e Ibáñez (1993a) são alguns dos que se 
identificam com o referencial construcionista e que embasam nossa abordagem. 
4 Alguns desses autores(as) são: Moscovici (1961), Potter e Mulkay (1985), Potter e Reicher 
(1987), Potter e Wetherell (1987), Jodelet (1989), Parker (1989), Davies e Harré (1990), 
Potter et alli (1990), Billig (1991), Potter e Billig (1992), Shotter (1993), Potter (1996a). 
5 Sobre a linguagem e sua dimensão performática, ver capítulo um. 
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
 
24 
Harré (1990), ao uso institucionalizado da linguagem e de sistemas de 
sinais de tipo linguístico. Esse processo de institucionalização pode ocorrer 
tanto no nível macro dos sistemas políticos e disciplinares, como no nível 
mais restrito de grupos sociais. Diferentes domínios de saber – tais como a 
Psicologia, a Sociologia, a Antropologia, a História – têm seus discursos 
oficiais. Diferentes grupos sociais – como uma organização não 
governamental, um sindicato, um partido – têm seus discursos. Diferentes 
estruturas de poder têm seus discursos. 
Sendo institucionalizado, há uma tendência à permanência no tempo, 
embora o contexto histórico possa mudar radicalmente os discursos: basta 
atentarmos, por exemplo, para o discurso médico sobre a 
homossexualidade, ao longo dos anos. Além disso, num mesmo contexto 
histórico, é possível identificar, como defendem Davies e Harré (1990), 
discursos que podem competir entre si ou criar versões distintas e 
incompatíveis acerca de um dado fenômeno social. 
Assim concebidos, os discursos aproximam-se da noção de 
linguagens sociais, que, na definição de Mikhail Bakhtin (1929/1995), são 
os discursos peculiares a um estrato específico da sociedade – uma 
profissão, um grupo etário etc. –, num determinado contexto, em um 
determinado momento histórico. 
Além disso, o contexto – situação, interlocutores presentes ou 
presentificados, o espaço, o tempo etc. – molda a forma e o estilo ocasional 
das enunciações, isto é, os speech genres. Segundo Bakhtin (1995), os 
speech genres ou gêneros de fala, são as formas mais ou menos estáveis de 
enunciados, que buscam coerência com o contexto, o tempo e o(s) 
interlocutor(es). Por exemplo, ao se encontrarem, duas pessoas com 
frequência empregam enunciados típicos, como: 1. Oi, tudo bem? 2. Tudo 
bem, e você?; ou, num primeiro encontro: 1. Muito prazer! 2. O prazer é 
todo meu! Num enterro, é comum o enunciado Meus pêsames! E, raríssimas 
vezes, alguém dirá Meus parabéns!, embora, apesar da baixa probabilidade, 
isso não seja completamente improvável. 
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
 
25 
Assim, é inegável que existem prescrições e regras linguísticas 
situadas que orientam as práticas cotidianas das pessoas e tendem a manter 
e reproduzir discursos. Sem elas, a vida em sociedade seria impraticável. 
Mas, embora o conceito de discurso aponte para uma estrutura de 
reprodução social – ou seja, a linguagem vista a partir das regularidades –, 
ele não desconsidera a diversidade e a não regularidade presentes em seu 
uso diário pelas pessoas. É, antes de tudo, uma questão de foco, de distinção 
entre o que se elege como figura/fundo. Qualquer fenômeno social pode ser 
visto à luz das regularidades, como no caso, por exemplo, da 
Epidemiologia, em relação aos fenômenos do campo da saúde. Entretanto, 
se procurarmos entender os sentidos que uma doença assume no cotidiano 
das pessoas, passamos a focalizar a linguagem em uso. O olhar recai sobre a 
não regularidade e a polissemia (diversidade) das práticas discursivas. 
É interessante resgatar aqui a metáfora do binóculo. Se olharmosatravés desse instrumento, conseguimos visualizar uma cena composta de 
tal forma que a especificidade de seus elementos pouco interferem no 
conjunto, a totalidade aponta para além da soma de suas partes. Vemos, por 
exemplo, uma densa floresta. Ao invertermos esse mesmo instrumento, 
passaremos a visualizar não mais a primeira cena, mas uma outra imagem, 
uma outra cena. Vemos, por exemplo, uma formiga sobre uma pequena 
folha seca. A formiga estava lá, por certo, desde a primeira observação, 
porém nosso olhar, no primeiro momento, só nos permitiu nomear a 
floresta. Por meio desse exercício, é possível perceber que focos diferentes 
produzem objetos distintos, irredutíveis um ao outro. Não se trata, portanto, 
de observar a especificidade diante do global, nem de observar o global em 
detrimento da especificidade. 
Usualmente, é pela ruptura com o habitual que se torna possível dar 
visibilidade aos sentidos. É essa, precisamente, uma das estratégias centrais da 
pesquisa social. Por exemplo, numa entrevista, as perguntas tendem a focalizar 
um ou mais temas que, para os entrevistados, talvez nunca tenham sido alvo 
de reflexões, podendo gerar práticas discursivas diversas, não diretamente 
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
 
26 
associadas ao tema originalmente proposto. Estamos, a todo momento, em 
nossas pesquisas, convidando os participantes à produção de sentido. 
Discurso, linguagem social ou speech genre são conceitos que 
focalizam, portanto, o habitual gerado pelos processos de institucionalização. 
O conceito de práticas discursivas remete, por sua vez, aos momentos de 
ressignificações, de rupturas, de produção de sentido, ou seja, corresponde 
aos momentos ativos do uso da linguagem, nos quais convivem tanto a 
ordem como a diversidade. 
Podemos definir, assim, práticas discursivas como linguagem em 
ação, ou seja, as maneiras a partir das quais as pessoas produzem sentidos e 
se posicionam em relações sociais cotidianas. As práticas discursivas têm 
como elementos constitutivos: a dinâmica, ou seja, os enunciados 
orientados por vozes; as formas, que são os speech genres (definidos 
acima); e os conteúdos, que são os repertórios interpretativos. 
Os conceitos de enunciados e vozes caminham juntos na abordagem 
de Bakhtin: ambos descrevem o processo de interanimação dialógica que 
se processa numa conversação. Em outras palavras, os enunciados de uma 
pessoa estão sempre em contato com, ou são endereçados a, uma ou mais 
pessoas e esses se interanimam mutuamente, mesmo quando os diálogos 
são internos. As vozes compreendem esses interlocutores (pessoas) 
presentes (ou presentificados) nos diálogos. 
O enunciado é o ponto de partida para a compreensão da dialogia. 
Bakhtin (1994b) define os enunciados como expressões (palavras e 
sentenças) articuladas em ações situadas, que, associados à noção de vozes, 
adquirem seu caráter social. As vozes compreendem diálogos, negociações 
que se processam na produção de um enunciado. Elas antecedem os 
enunciados, fazendo-se neles presentes no momento de sua produção, tendo 
em vista que o próprio falante é sempre um respondente em maior ou menor 
grau. Na visão desse autor, é impossível pensar a ideia de um “primeiro 
locutor a quebrar o silêncio do universo”. 
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
 
27 
Na perspectiva bakhtiniana, linguagem é, por definição, uma prática 
social. A pessoa não existe isoladamente, pois os sentidos são construídos 
quando duas ou mais vozes se confrontam: quando a voz de um ouvinte 
(listener) responde à voz de um falante (speaker) (Wertsch, 1991). 
Entretanto, as vozes às quais um enunciado é dirigido podem estar espacial 
ou temporalmente distanciadas. Dessa forma, inclusive o pensamento é 
dialógico: nele habitam falantes e ouvintes que se interanimam mutuamente 
e orientam a produção de sentidos e enunciados. 
Se um entrevistado, por exemplo, ao ser indagado sobre um assunto 
qualquer, diz: “Pois é, eu me lembro da minha infância, quando meu 
pai…”, nesse momento, num esforço de produzir sentido, ele traz para a 
dialogia a voz do pai. Pode trazer também a voz da professora, do amigo, da 
mãe. Todas essas vozes permeiam essa prática discursiva e se fazem nela 
presentes, com maior ou menor ênfase, dependendo do tema em pauta, do 
local, de quem pergunta, enfim, do contexto em que são produzidas. A 
compreensão dos sentidos é sempre um confronto entre inúmeras vozes. 
Ao mesmo tempo, é preciso entender que a linguagem é ação e 
produz consequências.
6
 Nosso trabalho, como cientistas sociais que analisam 
práticas discursivas, é exatamente estudar a dimensão performática do uso da 
linguagem, trabalhando com consequências amplas e nem sempre 
intencionais. Num movimento constante de argumentação, de exercício 
retórico (Billig, 1991), quando falamos, estamos invariavelmente realizando 
ações – acusando, perguntando, justificando etc. –, produzindo um jogo de 
posicionamentos com nossos interlocutores, tenhamos ou não essa intenção. 
Esse processo, contudo, não se restringe às produções orais. Um 
texto escrito, por exemplo, constitui um ato de fala impresso, um elemento 
de comunicação verbal que provoca discussões ativas: pode ser elogiado, 
comentado, criticado, pode orientar trabalhos posteriores. Assim, nos dias 
 
6 As práticas discursivas, em seu caráter performático, constituem speech acts ou atos de 
fala, expressão cunhada pela etnometodologia para se referir à orientação do uso da 
linguagem para a ação. 
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
Megaware
Realce
 
28 
atuais, o rádio, a televisão, os sites da Internet etc. podem também ser 
considerados atos de fala. 
Além disso, um enunciado não surge, magicamente, do nada. Ele 
constitui uma unidade do ato de comunicação, um dos elos de uma corrente 
de outros enunciados, complexamente organizados. Em outras palavras, ao 
produzir um enunciado, o falante utiliza um sistema de linguagem e de 
enunciações preexistente, posicionando-se em relação a ele. O que estamos 
propondo é que, no cotidiano, o sentido decorre do uso que fazemos dos 
repertórios interpretativos de que dispomos. 
Os repertórios interpretativos são, em linhas gerais, as unidades de 
construção das práticas discursivas – o conjunto de termos, descrições, 
lugares-comuns e figuras de linguagem – que demarcam o rol de 
possibilidades de construções discursivas, tendo por parâmetros o contexto 
em que essas práticas são produzidas e os estilos gramaticais específicos ou 
speech genres. 
Jonathan Potter e Margareth Wetherell (1987), baseados nos trabalhos 
de Gilbert e Mulkay,
7
 definem os repertórios interpretativos como dispositivos 
linguísticos que utilizamos para construir versões das ações, eventos e outros 
fenômenos que estão a nossa volta. Eles estão presentes em uma variedade de 
produções linguísticas e atuam como substrato para uma argumentação. 
Os repertórios interpretativos, na visão desses autores, são 
componentes fundamentais para o estudo das práticas discursivas, pois é por 
meio deles que podemos entender tanto a estabilidade como a dinâmica e a 
variabilidade das produções linguísticas humanas. Em outras palavras, esse 
conceito é particularmente útil para entendermos a variabilidade usualmente 
encontrada nas comunicações cotidianas, quando repertórios próprios de 
discursos diversos são combinados de formas pouco usuais, obedecendo a 
uma linha de argumentação, mas gerando, frequentemente, contradições. 
 
7 Gilbert, N. e Mulkay, M. (1984). Opening Pandora’s’ Box: a sociological analysis

Outros materiais