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Anotações Psicopatologia
Aula 01 - A História da Loucura.
Referência: COUCIUFFO. Encontro marcado com a loucura. Cap. 1 e 2.
CAPÍTULO 01 - LOUCURA: de que se trata?
Quando iniciamos o estudo da Psicopatologia, deparamo-nos com concepções
teóricas distintas, às vezes opostas, de compreensão do fenomenos psicopatológico. A
questão do que é considerado normal ou anormal numa determinada época - a quem é
designado o poder para tratar do indivíduo mentalmente efermo - é complexa e tem sido
objeto de estudo de vários ramos da ciência, como a antropologia, a sociologia, a
psiquiatria, a psicologia, etc.
Para entender as origens de tais concepções, é necessário um breve resgate
histórico, considerando o momento cultural que representam e seus vínculos com o
processo de interpretação dos fenômenos psicopatológicos.
“Se entendermos a loucura como a perda das capacidades racionais ou a
falência do controle voluntário sobre as paixões, uma história da loucura
deveria começar, praticamente, com a história da espécie humana.”
Pessotti.
Os registros históricos sobre a loucura remonta à Grécia Antiga. Homero (700
a.C), considerado o primeiro e maior poeta épico da Grécia, apresenta em sua obra um
enfoque mitológico - religioso da loucura: todo ato insensato é determinado pela ação
dos deuses, ou porque seus caprichos determinam o rumo dos acontecimentos ou
porque deliberadamente roubam o homem a razão.
Essa concepção persiste nos dias de hoje, tanto na compreensão que alguns
doentes mentais têm da própria doença - quando atribuem sua etiologia a perturbações
causadas por espíritos.
Dois séculos depois de Homero, encontramos nos textos trágicos de Ésquilo,
Sófacles e Eurípides descrições de diferentes formas de loucura, bem como o uso de
termos como delírios, desvario, mania, etc. Eurípides compôs duas peças em que a
loucura deixa de ser concebida como originária dos caprichos e determinações dos
deuses, para se desenvolver a partir do interior do homem, com suas paixões
irresistíveis, sede de conflitos entre desejo e regra social.
Assim, o enfoque deixa de ser mítico - religioso passando, agora, a uma
concepção psicológica da loucura: o produto de conflitos passionais do homem. E esse
segundo modelo da loucura, que pode ser chamado de psicológico, encontrará,
posteriormente, na obra de Freud, iniciada com os estudos sobre a histeria, e dos pós
freudianos ecos que estarão presentes na noção de conflito, tão central na teoria
psicanalítica; na importância das paixões na constituição humana, como descreve
Melanie Klein ao falar de amor, ódio e reparação.
Platão (427 - 327 a.C), com sua concepção dualística, afirmava que a mente e a
matéria eram fenômenos separados. A alma racional seria imortal e estaria localizada no
cérebro. A alma irracional estaria localizada do tórax. Para ele, a psicopatologia
apresentava várias formas - melancolia, mania… - e acontecia quando a alma irracional
estava de alguma forma separada da sua parte racional. Isso ocorreria por uma má
distribuição dos “humores”, que alcançavam os órgãos da alma irracional.
Na sequência histórica, a partir de Hipócrates (460 a.C - 380 a.C), vemos surgir
gradualmente uma concepção organicista da loucura. Para ele, a loucura era uma doença
resultante da crise no sistema de humores; defendeu a importância do cérebro como
sede das emoções e pensamentos. Ele concebe a histeria como uma doença em que o
útero se desprendia da cavidade pélvica e propunha como tratamento o casamento
precoce, insinuando uma ligação entre frustração sexual e histeria.
Para Galeno (131 - 200 d.C), considerado generalista e eclético, a loucura era, em
essência, uma disfunção encefálica.
O modelo organicista, considerado aqui como a terceira forma de concepção da
loucura, persiste, evidentemente, na psiquiatria biológica, que busca a causa da doença
mental em alterações orgânicas.
Na concepção medieval, a loucura é associada à possessão diabólica, reeditando
o modelo mítico - religioso encontrado na obra de Homero, acrescido agora dos valores
do cristianismo.
No renascimento, acirrou-se a disputa entre médicos e teólogos pelas histórias.
Os médicos tentaram demolir a concepção demoníaca. Com o Renascimento (séculos XV
e XVI) e a Reforma (século XV), instalou-se gradativamente uma concepção científica da
loucura.
Para opor-se à tese de possessão diabólica apregoada pela Igreja, a comunidade
científica sustentava que a histeria era uma doença do cérebro, atingindo igualmente os
dois sexos. O médico Charles Lepois (1563 - 1633) foi o primeiro a diagnosticar a histeria
masculina.
Pinel, que teve como seguidor Esquirol (1772 - 1840), priorizou a importância dos
aspectos comportamentais da loucura. Essa posição contrariava a tendência da época,
que enfatizava a importância das alterações anátomo - fisiológicas como determinantes
das psicopatologias.
A psiquiatria, como especialidade médica apta para tratar a loucura, tem como
marca inaugural o Tratado de Pinel (1745 - 1826).
Na metade do século XVIII, com a teoria de Franz Anton Mesmer (1734 - 1815),
médico alemão, deu-se gradualmente a passagem de uma concepção diabólica da
histeria para a concepção científica.Mesmer sustentou que as doenças nervosas tinham
como origem algum desequilíbrio na distribuição de um fluido universal. A terapêutica
de Mesmer propunha que o médico se transformasse num magnetizador,
restabelecendo a distribuição de fluido pelo corpo e obtendo a cura.
Era o confronto entre as duas tendências científicas opostas: os organicistas, para
quem a histeria era uma doença cerebral, de natureza fisiológica ou de substrato
hereditário, e os defensores da psicogênese que a concebiam como uma afecção
psíquica, ou seja uma neurose.
O termo “neurose” foi introduzido em 1769, pelo médico William Cullen (1710 -
1790) e designava as afecções mentais sem alterações orgânicas e denominadas
“funcionais”, ou seja, sem inflamação ou lesão do órgão doente, sendo, portanto, uma
doença nervosa.
Em 1843, o médico James Braid (1795 - 1860) introduziu o termo hipnotismo
para demonstrar a ineficácia das intervenções do tipo magnético proposto por Mesmer.
Em 1884, Auguste Liebeault ( 1823- 1904) e Hippolyte Bernheim (1840 - 1919)
fundaram a Escola de Nancy, retomando o hipnotismo como forma de tratamento dos
pacientes nervosos. Ambos sustentavam que a hipnose era “uma mera questão de
sugestão; portanto, quase todos deviam ser suscetíveis a ela” A escola de Nancy, por sua
vez, tornou -se grande rival da Escola de Salpetrière, que tinha como expoente Jean
Martin Charcot (1825 - 1893), que defendia o estado hipnótico como uma doença
artificialmente produzida, embora com inequívocos componentes orgânicos, de modo
que só podia ser provocada em histéricos.
O que vemos no século XIX é uma forte tendência de explicar as desordens do
comportamento, as desordens afetivas, como produtos de modificações cerebrais.
“O ideal do saber visa então a fazer coincidir o mapa das doenças mentais com o das
perturbações e problemas orgânicos” (FOUCAULT 1990)
Emil Kraepelin (1856 - 1926) surgiu nesse período, como o maior representante
da concepção organicista da doença mental. Responsável pela classificação e descrição
sistemática dos sintomas, fundou a nosografia psiquiátrica, que foi por muito tempo a
base da psiquiatria; além de criar os termos "demência precoce” e “psicose maníaco -
depressiva”. Mas, se a contribuição de Kraepelin para a psiquiatria foi importante, o
olhar que tinha em relação ao doente constituiu um entrave para a compreensão do
sentido dos sintomas. Kraepelin era herdeiro de uma clínica do olhar, fundada na
prevalência do corpo, nas ausências do doente. Os sintomas eram considerados apenas
entidades mórbidas. A fala do doente não tinha importância e, nesse contexto, as
condições de observação do paciente seriam mais adequadas, ignorando -se sua fala.
Já o psiquiatra Eugen Bleuler (1857 - 1939), contemporâneo de Kraepelin e Freud,
semrenunciar à etiologia orgânica e hereditária da loucura, apontou a importância de
uma clínica baseada na escuta do paciente. Bleuler, a par das divergências teóricas com
Freud, em relação à etiologia das doenças mentais, contribuiu para retirar a loucura do
período de silêncio que lhe foi imposto quando se tornou objeto da ciência.
“A loucura, que durante tanto tempo foi evidente e indiscreta, só sairá do
silêncio com a descoberta da Psicanálise”
E a psicanálise de Freud surgiu no final do século XIX, localizando a morado dos
deuses e demônios no interior dos homens, trazendo à cena o sujeito do inconsciente, o
sujeito habitado por forças que desconhece, um sujeito que precisa ser olhado e
compreendido à luz de sua subjetividade.
Freud descobriu que os sintomas psiquiátricos possuíam um sentido a ser
descoberto. Recolocou o doente como participante de sua doença e ressaltou a
importância da fala e da escuta para o tratamento. Considerava os sintomas como
mensagens a serem interpretadas, de um indivíduo que não tem outra forma de
expressão a não ser a que se apresenta. Freud associa a loucura ao destino mesmo do
homem e sustenta que existe um contínuo, no qual não se sabe exatamente onde
começa e onde acaba a sanidade mental.
Sob essas teorias, chegamos ao século XX. O breve apanhado histórico permite
perceber que as causas da loucura e a maneira como se deve tratá-la nunca constituíram
fonte de unanimidade. Na atualidade também não é diferente e os conflitos e confrontos
ainda persistem.
CAPÍTULO 02 - O LOUCO: como se trata?
Reconhecida como ciência no século XIX, a psiquiatria trouxe contribuições
científicas que atravessaram décadas. Surgido em 1802, o termo psiquiatria
generalizou-se no início do século XIX, em substituição à antiga medicina alienista, da
qual Philippe Pinel (1745 - 1826), fundador francês no manicômio moderno, fora um dos
grandes representantes da era clássica, ao lado de Willian Tuke (1732-1822), na
Inglaterra e Benjamim Rush (1746 - 1812), nos Estados Unidos.
Como ramo da medicina, a psiquiatria tornou-se no correr dos anos e em todos
os países do mundo nos quais foi implantada, em lugar da demonologia, da feitiçaria,
uma disciplina específica que tem por objeto o estudo, o diagnóstico e o tratamento do
conjunto das doenças mentais.
Um século depois, o surgimento da Psicofarmacologia, em 1950, marcaria uma
nova etapa no tratamento das doenças mentais. A descoberta dos psicofármacos se deu
de forma casual, realizada por químicos em busca de respostas para outras questões não
relacionadas à psiquiatria. Os registros apontam para a importância dos trabalhos
desenvolvidos por Jean Delay na França, juntamente com seus colaboradores Deniker e
Pichot.
Em 1954, a Clorpromazina passa a ser usada nos Estados Unidos, dando início ao
processamento de um grande número de compostos semelhantes (fenotiazinas).
Os antidepressivos também foram descobertos de maneira acidental, durante a
Segunda Guerra Mundial. A isoniazida, um derivado do ácido nicotínico, revela-se útil
como antibiótico no tratamento de tuberculose e, no início da década de 50,
observou-se que uma substância química semelhante, a Iproniazida, induzia à euforia.
Em 1952, se relatou a utilidade da iproniazida no tratamento de depressão; nessa
mesma época, identificaram-se as propriedade antidepressivas dos tricíclicos.
Mogens Schou, em 1958, na Dinamarca, analisou as propriedades antimaníacas
do lítio, que passou a ser o medicamento eleito para o tratamento da mania bipolar.
Assim, a década de 50 foi fertil no campo da psiquiatria biológica. Fertilidade que,
com o passar dos anos, tornou-se, ousarmos dizer, perigosa. A princípio, a
psicofarmacologia deu ao homem uma recuperação da liberdade (...) os neurolépticos
devolveram a fala ao louco. Permitiram sua reintegração na cidade. Graças a ele, os
tratamentos bárbaros e ineficazes foram abandonados. Quanto aos ansiolíticos e aos
depressivos, trouxeram aos neuróticos e aos deprimidos uma tranquilidade maior.
Negar a pertinência de tal recurso seria ridículo; no entanto, a medicalização da
vida de maneira indiscriminada - como temos assistido - traz em seu bojo a concepção
reducionista de que psiquismo é equivalente a cérebro. Longe de questionar a utilidade
dessas substâncias e de desprezar o conforto que elas trazem, pretendemos mostrar que
elas não podem curar o homem de seus sofrimentos psíquicos, sejam eles normais ou
patológicos. A remissão do sintoma pelo uso dos psicofármacos promove benefícios.
Mas como um recurso isolado, não traz mudança de perspectiva.
Psicanálise
A psicanálise surgiu no cenário científico com o trabalho de Freud e Breuer.
Estudos sobre a histeria (1893) - doença recorrente na burguesia vienense, no final do
século XIX - relata o tratamento de uma série de pacientes histéricas com sintomas
conversivos, tratadas pelo método catártico de Breuer, um avanço em relação ao método
hipnótico de Charcot.
O tratamento psicanalítico começou fazendo a histérica reproduzir
acontecimentos traumáticos, primeiro pela hipnose, depois pelo método catártico,
entendendo que os sintomas resultam da conversão de excitações intensas em
processos corporais.
Todos os desdobramentos que se sucederam na teorização de freud sobre o
psiquismo humano foram frutos de um trabalho rigoroso de observação e reflexão
clínica que trouxeram a possibilidade de “cura” pela fala livre dos pacientes, sem
artifícios senão aqueles utilizados por todos nós, quando despertos ou sonhando, e que
fazem parte do psiquismo “normal” e “anormal”.
Aula 02 -
Referência: DALGALARRONDO. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. CAP 3 e
4.
CAPÍTULO 3. O conceito de normalidade em psicopatologia.
O conceito de saúde e de normalidade em psicopatologia é questão de grande
controvérsia. Obviamente, quando se trata de casos extremos, cujas alterações
comportamentais e mentais são de intensidade acentuada e de longa duração, o
delineamento das fronteiras entre o normal e o patológico não é tão problemático.
Entretanto, há muitos casos limítrofes, nos quais a delimitação entre comportamentos e
formas de sentir normais e patológicas é bastante difícil.
O conceito de normalidade em psicopatologia também implica a própria
definição do que é saúde e doença mental. Esses temas apresentam desdobramentos
em várias áreas da saúde mental. Por exemplo:
- Psiquiatria legal ou forense: a determinação de anormalidade psicopatológica
pode ter importantes implicações legais, criminais e éticas, podendo definir o
destino social, institucional e legal de uma pessoa;
- Epidemiologia psiquiátrica: neste caso, a definição de normalidade é tanto um
problema como um objeto de trabalho e pesquisa. A epidemiologia, inclusive,
pode contribuir para a discussão e o aprofundamento do conceito de
normalidade em saúde;
- Psiquiatria cultural e etnopsiquiatria: aqui o conceito de normalidade é tema
importante de pesquisas e debates. De modo geral, o conceito de normalidade
em psicopatologia impõe a análise do contexto sociocultural; exige
necessariamente o estudo da relação entre o fenômeno supostamente patológico
e o contexto social no qual tal fenômeno emerge e recebe este ou aquele
significado cultural.
- Planejamento em saúde mental e políticas de saúde: nesta área, é preciso
estabelecer critérios de normalidade, principalmente no sentido de verificar as
demandas assistenciais de determinado grupo populacional, as necessidades de
serviços, quais e quantos serviços devem ser colocados à disposição desse grupo,
etc.
- Orientação e capacitação profissional: são importantes na definição de
capacidade e adequação de um indivíduo para exercer certa profissão, manipular
máquinas, usar armas, dirigir veículos, etc. Como, por exemplo, o caso de
indivíduos com déficits cognitivos e que desejam dirigir veículos.
- Prática clínica: é muito importante a capacidade de discriminar, no processo de
avaliação e intervenção clínica,se tal ou qual fenômeno é patológico ou normal,
se faz parte de um momento existencial do indivíduo ou é algo francamente
patológico.
Critérios de normalidade
Há vários critérios de normalidade e anormalidade em medicina e psicopatologia.
A adoção de um ou outro depende, entre outras coisas, de opções filosóficas, ideológicas
e pragmáticas do profissional. Os principais critérios de normalidade utilizados em
psicopatologia são:
1. Normalidade como ausência de doença: O primeiro critério que geralmente se
utiliza é o de saúde como “ausência de sintomas, de sinais ou de doenças”.
Normal, do ponto de vista psicopatológico, seria, então, aquele indivíduo que
simplesmente não é portador de um transtorno mental definido. Tal critério é
bastante falho e precário, pois, além de redundante, baseia-se em uma “definição
negativa”, ou seja, define-se a normalidade não por aquilo que ela supostamente
é, mas, sim, por aquilo que ela não é, pelo que lhe falta.
2. Normalidade ideal: a normalidade aqui é tomada como uma certa “utopia”.
Estabelece-se arbitrariamente uma norma ideal, o que é supostamente “sadio”,
mais “evoluído”. Tal norma é, de fato, socialmente constituída e referendada.
Depende, portanto, de critérios socioculturais e ideológicos arbitrários, e, às
vezes, dogmáticos e doutrinários.
3. Normalidade estatística: a normalidade estatística identifica norma e frequência.
Trata-se de um conceito de normalidade que se aplica especialmente a
fenômenos quantitativos, com determinada distribuição estatística na população
geral (como peso, altura, tensão arterial, horas de sono, quantidade de sintomas
ansiosos, etc.). O normal passa a ser aquilo que se observa com mais frequência.
Os indivíduos que se situam estatisticamente fora (ou no extremo) de uma curva
de distribuição normal passam, por exemplo, a ser considerados anormais ou
doentes. É um critério muitas vezes falho em saúde geral e mental, pois nem tudo
o que é frequente é necessariamente “saudável”, e nem tudo que é raro é
patológico. Exemplo: a ansiedade é muito comum mas não é saudável.
4. Normalidade como bem-estar: a Organização Mundial de Saúde definiu, em 1946,
a saúde como o completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente
como ausência de doença. É um conceito criticável por ser muito vasto e
impreciso, pois o bem-estar é algo difícil de se definir objetivamente. Além disso,
esse completo bem-estar físico, mental e social é tão utópico que poucas pessoas
se encaixam na categoria “saudáveis”.
5. Normalidade funcional: tal conceito baseia-se em aspectos funcionais e não
necessariamente quantitativos. O fenômeno é considerado patológico a partir do
momento em que é disfuncional, produz sofrimento para o próprio indivíduo ou
para o seu grupo social.
6. Normalidade como processo: neste caso, mais que uma visão estática,
consideram-se os aspectos dinâmicos do desenvolvimento psicossocial, das
desestruturações e das reestruturações ao longo do tempo, de crises, de
mudanças próprias a certos períodos etários. Esse conceito é particularmente útil
em psiquiatria infantil, de adolescentes e geriátrica.
7. Normalidade subjetiva: aqui é dada maior ênfase à percepção subjetiva do
próprio indivíduo em relação a seu estado de saúde, às suas vivências subjetivas.
O ponto falho desse critério é que muitas pessoas que se sentem bem, “muito
saudáveis e felizes”, como no caso de sujeitos em fase maníaca, apresentam, de
fato, um transtorno mental grave.
8. Normalidade como liberdade: alguns autores de orientação fenomenológica e
existencial propõe conceituar a doença mental como perda da liberdade
existencial. Dessa forma, a saúde mental se vincularia às possibilidades de
transitar com graus distintos de liberdade sobre o mundo e sobre o próprio
destino. A doença mental é um constrangimento do ser, é fechamento,
fossilização das possibilidades existenciais. Assim a saúde mental poderia ser
vista, até certo ponto, como a possibilidade de dispor de “senso de realidade,
senso de humor e de um sentido poético perante a vida”, atributos estes que
permitiriam ao indivíduo “relativizar” os sofrimentos e as limitações inerentes à
condição humana e, assim, desfrutar do resquício de liberdade e prazer que a
existência oferece.
9. Normalidade operacional: trata-se de um critério assumidamente arbitrário, com
finalidades pragmáticas explícitas. Define-se, a priori, o que é normal e o que é
patológico e busca-se trabalhar operacionalmente com esses conceitos,
aceitando as consequências de tal definição prévia.
CAPÍTULO 4. Os principais campos e tipos de psicopatologia
Umas das principais características da psicopatologia, como campo de
conhecimento, é a multiplicidade de abordagens e referenciais teóricos. Tal
multiplicidade é vista por alguns como “debilidade” científica, como prova de sua
imaturidade. Os psicopatólogos são criticados por essa diversidade de “explicações” e
teorias, por seu aspecto híbrido em termos epistemológicos.
Discordo de tais críticas; querer uma única “explicação”, uma única concepção
teórica, que resolva todos os problemas e dúvidas de uma área tão complexa e
multifacetada como a psicopatologia é impor uma solução simplista e artificial, que
deformaria o fenômeno psicopatológico. A psicopatologia é, por natureza e destino
histórico, um campo de conhecimento que requer debate constante e aprofundado. Aqui
o conflito de idéias não é uma debilidade, mas uma necessidade. Não se avança em
psicopatologia negando e anulando diferenças conceituais e teóricas; evolui-se, sim, pelo
esforço de esclarecimento e aprofundamento de tais diferenças, em discussão aberta,
desmistificante e honesta.
A seguir, são apresentadas algumas das principais correntes da psicopatologia,
dispostas de forma arbitrária, por motivos estritamente didáticos, em pares antagônicos:
Psicopatologia Descritiva VS Psicopatologia Dinâmica
Para a psiquiatria descritiva, interessa fundamentalmente a forma das alterações
psíquicas, a estrutura dos sintomas, aquilo que caracteriza a vivência patológica como
sintoma mais ou menos típico.
Já para a psiquiatria dinâmica, interessa o conteúdo da vivência, os movimentos
internos de afetos, desejos e temores do indivíduo, sua experiência particular, pessoal,
não necessariamente classificável em sintomas previamente descritos.
A boa prática em saúde mental implica a combinação hábil e equilibrada de uma
abordagem descritiva, diagnóstica e objetiva e uma abordagem dinâmica, pessoal e
subjetiva do doente e de sua doença.
Quando um médico se defronta com a grande tarefa de ajudar uma pessoa
psiquicamente enferma, vê à sua frente dois caminhos: ele pode registrar o que é
mórbido. Irá, então, a partir dos sintomas da doença, concluir pela existência de um dos
quadros mórbidos impessoais que foram descritos. [...] Ou pode trilhar outro caminho:
pode escutar o doente como se fosse um amigo de confiança. Nesse caso, dirigirá a sua
atenção menos para constatar o que é mórbido, para anotar sintomas psicopatológicos
e, a partir disso, chegar a um diagnóstico impessoal, e mais para tentar compreender
uma pessoa humana na sua singularidade e vivenciar suas aflições, seus temores, seus
desejos e suas expectativas pessoais.
Psicopatologia Médica VS Psicopatologia Existencial
A perspectiva médico-naturalista trabalha com uma noção de homem centrada
no corpo, no ser biológico como espécie natural e universal. Assim, o adoecimento
mental é visto como um mau funcionamento do cérebro, uma desregulação, uma
disfunção de alguma parte do “aparelho biológico”.
Já na perspectiva existencial, o doente é visto principalmente como “existência
singular”, como ser lançado a um mundo que é apenas natural e biológico na sua
dimensão elementar, mas que é fundamentalmente histórico e humano. O ser é
construído por meio da experiência particular de cada sujeito, na sua relação com outros
sujeitos, na abertura para a construção de cada destino pessoal. A doençamental, nessa
perspectiva, não é vista tanto como disfunção biológica ou psicológica, mas, sobretudo,
como um modo particular de existência, uma forma trágica de ser no mundo, de
construir um destino, um modo particularmente doloroso de ser com os outros.
Psicopatología Comportamental Cognitivista VS Psicopatología Psicoanalítica
Na visão comportamental, o homem é visto como um conjunto de
comportamentos observáveis, verificáveis, que são regulados por estímulos específicos e
gerais, e por certas leis e determinantes do aprendizado. Associada a essa visão, a
perspectiva cognitivista centra atenção sobre as representações cognitivas conscientes
de cada indivíduo. As representações conscientes seriam vistas como essenciais ao
funcionamento mental, normal e patológico. Os sintomas resultam de comportamentos
e representações cognitivas disfuncionais, aprendidas e reforçadas pela experiência
sociofamiliar.
Em contraposição, na visão psicanalítica, o homem é visto como ser
“determinado”, dominado por forças, desejos e conflitos inconscientes. A psicanálise dá
grande importância aos afetos, que, segundo ela, dominam o psiquismo; o homem
racional, autocontrolado, senhor de si e de seus desejos, é, para ela, uma enorme ilusão.
Na visão psicanalítica, os sintomas e síndromes mentais são considerados formas de
expressão de conflitos, predominantemente inconscientes, de desejos que não podem
ser realizados, de temores aos quais o indivíduo não tem acesso. O sintoma é encarado,
nesse caso, como uma “formação de compromisso”, um certo arranjo entre o desejo
inconsciente, as normas e as permissões culturais e as possibilidades reais de satisfação
desse desejo. A resultante desse emaranhado de forças, dessa “trama conflitiva”
inconsciente, é o que se identifica como sintoma psicopatológico.
Psicopatologia Categorial VS Psicopatologia Dimensional
Visão categorial: as entidades nosológicas ou transtornos mentais específicos
podem ser compreendidos como entidades completamente individualizadas, com
contornos e fronteiras bem-demarcados. As categorias diagnósticas seriam “espécies
únicas”, tal qual espécies biológicas, cuja identificação precisa constituiria uma das
tarefas da psicopatologia. Assim, entre a esquizofrenia e os transtornos afetivos
bipolares e os delirantes, haveria, por exemplo, uma fronteira nítida, configurando-os
como entidades ou categorias diagnósticas diferentes e discerníveis na sua natureza
básica.
Em contraposição a essa visão “categorial”, alguns autores propõem uma
perspectiva “dimensional” em psicopatologia, que seria hipoteticamente mais adequada
à realidade clínica. Haveria, então, dimensões como, por exemplo, o espectro
esquizofrênico, que incluiria desde formas muito graves, tipo “demência precoce” (com
grave deterioração da personalidade, embotamento afetivo, muitos sintomas residuais),
formas menos deteriorantes de esquizofrenia, formas com sintomas afetivos, chegando
até um outro pólo, de transtornos afetivos, incluindo formas com sintomas psicóticos até
formas puras de depressão e mania (hipótese esta que se relaciona à antiga noção de
psicose unitária).
Psicopatologia Biológica VS Psicopatologia Sociocultural
A psicopatologia biológica enfatiza os aspectos cerebrais, neuroquímicos e
neurofisiológicos das doenças e dos sintomas mentais. A base de todo transtorno mental
são alterações de mecanismos neurais e de determinadas áreas e circuitos cerebrais.
Em contraposição, a perspectiva sociocultural visa estudar os transtornos
mentais como comportamentos desviantes que surgem a partir de certos fatores
socioculturais, como discriminação, pobreza, migração, estresse ocupacional,
desmoralização sociofamiliar, etc. Os sintomas e os transtornos devem ser estudados,
segundo essa visão, no seu contexto eminentemente sociocultural, simbólico e histórico.
É nesse contexto de normas, valores e símbolos culturalmente construídos que os
sintomas recebem seu significado, e, portanto, poderiam ser precisamente estudados e
tratados.
Mais que isso, a cultura, em tal perspectiva, é elemento fundamental na própria
determinação do que é normal ou patológico, na constituição dos transtornos e nos
repertórios terapêuticos disponíveis em cada sociedade.
Psicopatologia Operacional Pragmática VS Psicopatologia Fundamental
Na visão operacional-pragmática, as definições básicas de transtornos mentais e
sintomas são formuladas e tomadas de modo arbitrário, em função de sua utilidade
pragmática, clínica ou orientada à pesquisa. Não são questionados a natureza da doença
ou do sintoma e tampouco os fundamentos filosóficos e antropológicos de determinada
definição. Trata-se do modelo adotado pelas modernas classificações de transtornos
mentais; o DSM-IV, norteamericano, e a CID-10, da OMS.
Por sua vez, o projeto de psicopatologia fundamental, proposto pelo psicanalista
francês Pierre Fedida, visa centrar a atenção da pesquisa psicopatológica sobre os
fundamentos de cada conceito psicopatológico. Além disso, tal psicopatologia dá ênfase
à noção de doença mental como pathos, que significa sofrimento, paixão e passividade.
Pesquisar lei 10.216/2001
A Lei nº 10.216 de 6 de abril de 2001, também conhecida como Lei da Reforma
Psiquiátrica instituiu um novo modelo de tratamento aos transtornos mentais no Brasil.
No ano de 1989, dá entrada no Congresso Nacional o Projeto de Lei do deputado
Paulo Delgado (PT/MG), que propõe a regulamentação dos direitos da pessoa com
transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país. É o início das lutas
do movimento da Reforma Psiquiátrica nos campos legislativo e normativo. É somente
no ano de 2001, após 12 anos de tramitação e debates no Congresso Nacional, que a Lei
Federal 10.216 é sancionada no país pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.
Assim, a Lei Federal 10.216 redireciona a assistência em saúde mental,
privilegiando o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária, dispõe
sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais, mas não institui
mecanismos claros para a progressiva extinção dos manicômios.
Ainda assim, a promulgação da lei 10.216 impõe novo impulso e novo ritmo para
o processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil. É no contexto da promulgação da lei 10.216
e da realização da III Conferência Nacional de Saúde Mental, no segundo semestre de
2001, que a política de saúde mental do governo federal, alinhada com as diretrizes da
Reforma Psiquiátrica, passa a consolidar-se, ganhando maior sustentação e visibilidade.
Pesquisar portaria 336.
Logo em seguida, o Ministério da Saúde, por determinação do então ministro
José Serra, destinou recursos financeiros específicos para a rede territorial com base na
sustentação legal da lei recém-aprovada através da portaria 336, de fevereiro de 2002,
que criou as diversas modalidades de CAPS, de acordo com o porte: CAPS-I, CAPS-II e
CAPS-III, este último funcionando 24 horas, ou com a finalidade: CAPS-AD - álcool e
outras drogas e CAPS-i crianças e adolescentes, este último criado com amparo na lei e
nas deliberações da III Conferência.
https://pt.wikipedia.org/wiki/1989
https://pt.wikipedia.org/wiki/Congresso_Nacional_do_Brasil
https://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Delgado
https://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_dos_Trabalhadores
https://pt.wikipedia.org/wiki/Minas_Gerais
https://pt.wikipedia.org/wiki/2001
https://pt.wikipedia.org/wiki/Fernando_Henrique_Cardoso
Aula 03- Definição de Psicopatologia
Referência: DALGALARRONDO. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. CAP 2.
CAP. 02 Definição de psicopatologia e ordenação dos seus fenômenos
Um fenômeno é sempre biológico em suas raízes e social em sua extensão final.
Mas nós não nos devemos esquecer, também, de que, entre esses dois, ele é
mental. (Jean Piaget).
Campbell (1986) define a psicopatologia como o ramo da ciência que trata da
natureza essencial da doença ou transtorno mental – suas causas, as mudanças
estruturaise funcionais associadas a ela e suas formas de manifestação. Entretanto, nem
todo estudo psicopatológico segue a rigor os ditames de uma “ciência dura”.
A psicopatologia, em acepção mais ampla, pode ser definida como o conjunto de
conhecimentos referentes ao adoecimento mental do ser humano. É um conhecimento
que se esforça por ser sistemático, elucidativo e desmistificante.
Como conhecimento que visa ser científico, a psicopatologia não inclui critérios
de valor, nem aceita dogmas ou verdades a priori. Ao se estudar e praticar a
psicopatologia, não se julga moralmente aquilo que se estuda; busca-se apenas observar,
identificar e compreender os diversos elementos do transtorno mental. Além disso, em
psicopatologia, deve-se rejeitar qualquer tipo de dogma, qualquer verdade pronta e
intocável, seja ela religiosa, seja ela filosófica, psicológica ou biológica; o conhecimento
que se busca está permanentemente sujeito a revisões e reformulações.
O campo da psicopatologia inclui uma variedade de fenômenos humanos
especiais, associados ao que se denominou historicamente de doença mental. São
vivências, estados mentais e padrões comportamentais que apresentam, por um lado,
uma especificidade psicológica (as vivências das pessoas com doenças mentais
apresentam dimensão própria, genuína, não sendo apenas “exageros” do normal) e, por
outro, conexões complexas com a psicologia do normal (o mundo da doença mental não
é totalmente estranho ao mundo das experiências psicológicas “normais”).
A psicopatologia tem boa parte de suas raízes na tradição médica (na obra dos
grandes clínicos e alienistas do passado, sobretudo dos séculos XVIII até o presente), que
propiciou, nos últimos 300 anos, a observação prolongada e cuidadosa de um
considerável contingente de pessoas com transtornos mentais.
Em outra vertente, a psicopatologia nutre-se de uma tradição humanística e
universitária (filosofia, literatura, artes, psicologia, psicanálise), a qual sempre viu na
“alienação mental”, no pathos do sofrimento mental extremo, uma possibilidade
excepcionalmente rica de reconhecimento de dimensões humanas que, sem o fenômeno
“doença mental”, permaneceriam desconhecidas.
Apesar de se beneficiar das tradições neurológicas, psicológicas e filosóficas, a
psicopatologia não se confunde com a neurologia das chamadas funções corticais
superiores (não se resume, portanto, a uma ciência natural dos fenômenos relacionados
às zonas associativas do cérebro lesado) nem com a hipotética psicologia das funções
mentais desviadas. Assim, podemos defini-la como uma ciência autônoma, e não um
prolongamento da neurologia, da neuropsicologia ou da psicologia.
Karl Jaspers (1883-1969), um dos principais autores da psicopatologia moderna,
pensa que esta é uma ciência básica, que serve de auxílio à psiquiatria e à psicologia
clínica, a qual é, por sua vez, um conhecimento aplicado a uma prática profissional e
social concreta. Jaspers é muito claro em relação aos limites da psicopatologia: embora o
objeto de estudo seja o ser humano na sua totalidade (“Nosso tema é o homem todo em
sua enfermidade.” Jaspers, 1913/1979), os limites da ciência psicopatológica consiste
precisamente em nunca se poder reduzir por completo o ser humano a conceitos
psicopatológicos.
Assim, a psicopatologia, como ciência, exige um rigoroso pensamento conceitual,
que seja sistemático e que possa ser comunicado de modo inequívoco. Entretanto, na
prática profissional, no trabalho clínico, além da ciência psicopatológica que o clínico
deve ter, participam ainda opiniões instintivas, uma intuição pessoal que nunca se pode
comunicar. Dessa forma, a ciência psicopatológica é tida como uma das abordagens
possíveis do ser humano mentalmente doente, uma parte do que compõe o saber
clínico, mas não o único
saber ou conhecimento.
Em todo indivíduo, oculta-se algo que não se consegue conhecer, pois a ciência
requer um pensamento conceitual sistemático, o qual cristaliza e torna evidente, mas
também aprisiona e limita o conhecimento. Quanto mais conceitualiza, afirma Jaspers:
“[...] quanto mais reconhece e caracteriza o típico, o que se acha de acordo
com os princípios, tanto mais reconhece que, em todo indivíduo, se oculta
algo que não pode conhecer”.
Assim, a psicopatologia como ciência sempre perde, obrigatoriamente, aspectos
essenciais do ser humano, sobretudo nas dimensões existenciais, estéticas, éticas e
metafísicas.
[...] diante de uma obra de arte, experimentamos uma verdade inacessível
por qualquer outra via; é isso o que constitui o significado filosófico da arte.
Da mesma forma que a experiência da filosofia, também a experiência da
arte incita a consciência científica a reconhecer seus limites. Gadamer
1990.
Dito de outra forma, não se pode compreender ou explicar tudo o que existe em
um ser humano por meio de conceitos psicopatológicos. Assim, ao se diagnosticar Van
Gogh como esquizofrênico (ou epiléptico, maníaco-depressivo ou qualquer que seja o
diagnóstico formulado), ao se fazer uma análise psicopatológica de sua biografia, isso
nunca explicará totalmente sua vida e sua obra.
Forma e conteúdo dos sintomas: Patogênese e Patoplastia
Em geral, quando se estudam os sintomas psicopatológicos, dois aspectos básicos
devem ser enfocados: a forma dos sintomas, isto é, sua estrutura básica, relativamente
semelhante nos diversos pacientes e nas diversas sociedades (a forma “alucinação”,
“delírio”, “ideia obsessiva”, “fobia”, etc.), e seu conteúdo, ou seja, aquilo que preenche a
alteração estrutural (o conteúdo de culpa, religioso, de perseguição, de um delírio, de
uma alucinação ou de uma ideia obsessiva, por exemplo).
Na tradição psicopatológica, seguindo-se o modelo proposto pelo psicopatólogo
alemão Karl Birbaum (1878-1950), a forma dos sintomas se relaciona ao que ele chamou
de patogênese, que representa o processo de como os diferentes sintomas da
psicopatologia se formam e se estruturam.
À configuração e preenchimento dos conteúdos dos sintomas, ou seja, como a
forma é preenchida pelos temas específicos, Birbaum (1923) denominou patoplastia.
Assim, os contornos específicos dos sintomas, os temas e histórias que preenchem essas
manifestações, dependentes da história de vida singular do paciente e da cultura em que
vive, são determinados pela chamada patoplastia.
Enfim, a forma (patogênese) seria mais geral e universal, comum a todos os
pacientes, em todas ou quase todas as culturas, enquanto o conteúdo (patoplastia) seria
algo bem mais pessoal, dependendo da história de vida singular do indivíduo, de seu
universo cultural específico e da personalidade e cognição prévias ao adoecimento.
De modo geral, embora sejam singulares, os conteúdos dos sintomas são
extraídos ou constituídos pelos temas centrais da existência humana, como
sobrevivência e segurança, sexualidade, ameaças e temores básicos (morte, doença,
miséria, abandono, desamparo, etc.), religiosidade, entre outros.
** quadro presente no texto
A Ordenação dos Fenômenos em Psicopatologia
O estudo da doença ou transtorno mental, como o de qualquer outro objeto, se
inicia pela observação cuidadosa de suas manifestações. A observação articula-se
dialeticamente com a ordenação dos fenômenos. Isso significa que, para observar,
também é preciso definir, classificar, interpretar e ordenar o objeto observado em
determinada perspectiva, seguindo certa lógica observacional e classificatória.
Assim, desde Aristóteles, o problema da classificação está intimamente ligado ao
da definição e do conhecimento de modo geral. Segundo ele, definir é indicar o gênero
próximo e a diferença específica. Isso quer dizer que definir é, por um lado, afirmar a que
o fenômeno definido se assemelha, do que é aparentado, com o que deve ser agrupado
(gênero próximo) e, por outro, identificar do que ele se diferencia, ao que é estranho ou
oposto (diferença específica).
Classicamente, distinguem-se três tipos de fenômenos humanos para a
psicopatologia:1. Fenômenos semelhantes em todas ou quase todas as pessoas. É o plano dos
fenômenos psicológicos, fisiológicos, daquilo que é o normal. De modo geral,
todo ou quase todo ser humano sente fome, sede ou sono. Aqui se inclui também
o medo de um animal perigoso, a ansiedade perante desafios difíceis, o desejo
por uma pessoa amada, etc. Embora haja uma qualidade pessoal própria para
cada ser humano, certas experiências são basicamente semelhantes para todos.
2. Fenômenos em parte semelhantes e em parte diferentes. É o plano em que o
psicológico e o psicopatológico se sobrepõem. São fenômenos que o ser humano
comum experimenta, mas que apenas em parte são semelhantes aos vivenciados
pela pessoa com transtorno mental. Assim, todo indivíduo comum pode sentir
tristeza, mas a alteração profunda, avassaladora, que uma paciente com
depressão psicótica experimenta é apenas parcialmente semelhante à tristeza
normal. A depressão grave, por exemplo, com ideias de ruína, lentificação
psicomotora, apatia, etc., introduz algo qualitativamente novo na experiência
humana.
3. Fenômenos qualitativamente novos, distintos das vivências normais. É o campo
específico das ocorrências e vivências psicopatológicas. São praticamente
próprios a apenas (ou quase apenas) certas doenças, transtornos e estados
mentais. Aqui, incluem-se alguns fenômenos psicóticos, como alucinações e
delírios, ou cognitivos, como turvação da consciência, alteração da memória nas
demências, entre outros.
Aula - Introdução às funções psíquicas elementares
Referência: DALGALARRONDO. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. CAP 11
-22 .
CAP. 11 - Introdução às funções psíquicas elementares.
Apesar de ser absolutamente necessário o estudo analítico das funções psíquicas
isoladas e de suas alterações, nunca é demais ressaltar que a separação da vida e da
atividade mental em distintas áreas ou funções psíquicas é um procedimento
essencialmente artificial. Que fique claro: não existem funções psíquicas isoladas e
alterações psicopatológicas compartimentalizadas desta ou daquela função. É sempre a
pessoa na sua totalidade que adoece.
Nos transtornos mentais, não se trata apenas de agrupamentos de sintomas que
coexistem com regularidade e revelam, assim, sua origem comum. Os sintomas que os
compõem são ligados estruturalmente entre si.
*quadro no texto.
É, finalmente, Eugen Bleuler (1985, p. 16) quem adverte sobre o perigo
compartimentalizador de qualquer psicopatologia: Em um ato psíquico, apenas pode
ocorrer uma separação teórica, não uma separação real, entre as distintas qualidades
psíquicas de que se trata. Na observação e descrição do mundo das manifestações
psíquicas e psicopatológicas tendemos, de há muito, à fragmentação: descrevemos
funções psíquicas singulares (como a sensação, a percepção, a atenção, a memória, o
pensamento, o juízo). Se reunirmos esses fragmentos, ficamos com a impressão de que a
vida psíquica pode ser compreendida como um mosaico, a partir de uma soma de
manifestações isoladas. Esta impressão, não obstante, não corresponde à realidade.
Cada função parcial na vida psíquica e cada aspecto da realidade psíquica só existem em
vinculação estreita com toda a vida e com a realidade psíquica total.
CAP. 12 - A consciência e suas alterações.
Há acepções muito extensas, como equiparar consciência ao conjunto de
atividades psíquicas conscientes do indivíduo (consciência aqui equivale à mente
humana consciente), até acepções restritas, como equiparar consciência ao nível de
consciência (que será o uso predominante neste capítulo). Podem-se resumir os usos do
termo “consciência” em pelo menos três acepções diferentes, que implicam três
definições distintas, apresentadas a seguir.
1. A definição neuropsicológica emprega o termo “consciência” no sentido de
estado vígil (vigilância), o que, de certa forma, iguala a consciência ao grau de
clareza do sensório. Consciência, aqui, é fundamentalmente o estado de estar
desperto, acordado, vígil, lúcido. Trata-se especificamente do nível de
consciência.
2. Já a definição psicológica a conceitua como a soma total das experiências
conscientes de um indivíduo em determinado momento. Nesse sentido,
consciência é o que se designa campo da consciência. É a dimensão subjetiva da
atividade psíquica do sujeito que se volta para a realidade. Na relação do Eu com
o meio ambiente, a consciência é a capacidade do indivíduo de entrar em contato
com a realidade, perceber e conhecer os seus objetos.
3. Por fim, a definição ético-filosófica é utilizada mais frequentemente no campo da
ética, da filosofia, do direito ou da teologia. O termo “consciência” refere-se à
capacidade de tomar ciência dos deveres éticos e assumir as responsabilidades,
os direitos e os deveres concernentes a essa ética. Refere-se a consciência moral,
ética e política.
Uma corrente filosófica que se ocupou de modo particular da consciência foi a
fenomenologia, desenvolvida inicialmente pelo filósofo Edmund Husserl (1859-1938).
Husserl propõe inverter essa visão meramente passiva da consciência; para ele, o
fundamental da consciência é ser profundamente ativo, visando o mundo e produzindo
sentido para os objetos que se lhe apresentam. Não existiria, então, uma consciência
pura, pois ela é necessariamente consciência de algo. A intencionalidade, isto é, o visar
algo, o dirigir-se aos objetos e sujeitos do mundo, de modo ativo e produtivo, é próprio
da consciência na visão fenomenológica.
John Searle (2000), talvez um dos filósofos contemporâneos que mais se tem
dedicado ao estudo da consciência, ressalta a importância de articular conceitualmente
a consciência com a busca das neurociências contemporâneas de correlatos neuronais
dos estados de consciência (CNEC). O aspecto fundamental da consciência que se deve
tentar explicar, segundo ele, é seu caráter de unidade qualitativa subjetiva. Mas o que
vem a ser isso?
Todo estado de consciência vem acompanhado de um sentimento qualitativo
especial. A experiência de beber uma cerveja com os amigos é muito diferente da de
ouvir uma sinfonia de Beethoven, e ambas são distintas de sentir o perfume de uma
mulher bonita ou ver o crepúsculo na praia. Esses exemplos revelam o caráter qualitativo
das experiências conscientes. Experimentar os estados de consciência é também algo
essencialmente subjetivo. A experiência da consciência é sempre realizada em um
sujeito, vivenciada na primeira pessoa.
Searle (2000) afirma que sem subjetividade não há experiência consciente. Assim,
os estados de consciência são experimentados como um campo de consciência
unificado. Dessa forma, unidade, subjetividade e caráter qualitativo são as marcas da
experiência dos estados de consciência.
Segundo ele, estes são sempre vivenciados com caráter prazeroso ou desprazível,
como experiências totais e globalizantes (caráter gestáltico) e com um senso de
familiaridade que impregna todas as experiências conscientes (mesmo quando vejo uma
casa que nunca vi antes, ainda reconheço que é uma casa; sua forma e estrutura me são
familiares).
NEUROPSICOLOGIA DA CONSCIÊNCIA
Segundo o RDoC, deve-se salientar que o nível de consciência é o continuum de
sensibilidade e alerta do organismo perante os estímulos, tanto internos como externos.
As principais características e propriedades do nível de consciência são:
1. O nível de consciência facilita a interação da pessoa com o ambiente de forma
adequada ao contexto no qual o sujeito está inserido (p. ex., em situações de
ameaça, alguns estímulos podem ser ignorados, e, ao mesmo tempo, a
sensibilidade para outros, mais relevantes, pode estar aumentada, expressando o
chamado estado de alerta).
2. O nível de consciência adequado pode ser evocado tanto por estímulos externos
ambientais como por estímulos internos, como pensamentos, emoções,
recordações.
3. O nível de consciência pode ser modulado tanto pelas características dos
estímulos externos como pela motivação que o estímuloimplica para o indivíduo
em questão.
4. O nível de consciência varia ao longo de um continuum que inclui desde o estado
total de alerta, passando por níveis de redução da consciência até os estados de
sono (variação normal) ou coma (variação patológica).
O primeiro elemento do sistema nervoso relacionado ao nível de consciência é o
chamado sistema reticular ativador ascendente (SRAA). Os autores partiram da noção de
que a capacidade de estar desperto e agir conscientemente depende da atividade do
tronco cerebral e do diencéfalo. Essas estruturas exercem poderosa influência sobre os
hemisférios cerebrais, ativando-os e mantendo o tônus necessário para seu
funcionamento normal.
O SRAA se origina no tronco cerebral, e sua ação se estende até o córtex, por
meio de projeções talâmicas. Elementos do SRAA particularmente importantes para a
ativação cortical são os neurônios da parte superior da ponte e os do mesencéfalo.
Lesões ou disfunções no SRAA produzem alterações do nível de consciência e prejuízo a
todas as funções psíquicas.
Embora a importância do SRAA para o nível de consciência seja aceita até hoje,
sabe-se atualmente que várias estruturas mais altas, do telencéfalo, têm também
participação crítica na gênese do nível de consciência.
Assim, pode-se concluir que, além do SRAA, também o tálamo e as regiões do
córtex parietal direito e pré-frontal direito têm importância estratégica para o
funcionamento da consciência, sobretudo no seu aspecto de nível de consciência. O
tálamo é uma estrutura posicionada singularmente no centro do cérebro para filtrar,
integrar e regular as informações que chegam ao córtex cerebral, dados que partem da
periferia do organismo e meio externo e se dirigem ao córtex cerebral.
CAMPO DA CONSCIÊNCIA
Ao voltar-se para a realidade, a consciência demarca um campo, no qual se pode
delimitar um foco, ou parte central mais iluminada da consciência, e uma margem (franja
ou umbral), que seria sua periferia menos iluminada, mais nebulosa.
O conceito de inconsciente dinâmico e determinante da vida psíquica é um dos
pilares mais importantes da psicanálise e da psicopatologia dinâmica com base na
psicanálise.
Freud chegou à conclusão, ao longo de suas investigações, de que existem duas
classes de inconsciente: o verdadeiro inconsciente e o inconsciente pré-consciente. O
primeiro é fundamentalmente incapaz de consciência. Já o pré consciente é composto
por representações, ideias e sentimentos suscetíveis de recuperação por meio de esforço
voluntário: fatos, lembranças, ideias que esquecemos, deixamos de lado, mas que
podemos, a qualquer hora, evocar voluntariamente.
Por sua vez, o inconsciente é muito diferente, inacessível à evocação voluntária;
só tem acesso à via por meio de uma técnica especial (hipnose, psicanálise, etc.) pode
tornar-se consciente. A rigor, para Freud, o inconsciente verdadeiro só se revela por meio
de subprodutos que surgem na consciência, as chamadas formações do inconsciente: os
sonhos, os atos falhos, os chistes e os sintomas neuróticos.
Para Freud, o inconsciente é bem mais do que um simples estado mental fora da
consciência. Ele é, embora obscuro, a estrutura mental mais importante do psiquismo
humano. Segundo Freud, o sistema inconsciente funciona regido pelo princípio do prazer
por meio do processo primário em forma de condensação e deslocamento. É, também,
isento de contradições mútuas e não apresenta referência ao tempo.
No inconsciente, não existe tempo; ele é atemporal. Os processos inconscientes
não são ordenados temporalmente, não se alteram com a passagem do tempo, não têm
qualquer referência ao tempo. Não existe, aqui, passado, presente ou futuro. No sistema
inconsciente tudo é absolutamente certo, afirmativo.
O sentido dinâmico não designa apenas o inconsciente como sede de ideias
latentes em geral, mas especialmente como sede daquelas que têm certo caráter
dinâmico e atuante. O inconsciente é dinâmico, segundo Freud, na medida em que
exerce uma ação permanente sobre a vida psíquica.
ALTERAÇÕES NORMAIS DA CONSCIÊNCIA
As alterações normais da consciência ocorrem no contexto dos chamados ritmos
circadianos. Os ritmos circadianos são oscilações endógenas autossustentadas do ritmo
biológico no período de um dia de 24 horas, as quais, nesse intervalo, organizam a
temporalidade dos sistemas biológicos do organismo e otimizam a fisiologia, o
comportamento e a saúde.
O RDoC define sono e vigília (wakefulness) como estados comportamentais
endógenos e recorrentes que expressam mudanças dinâmicas na organização da função
cerebral e que otimizam aspectos como fisiologia, comportamento e saúde. O sono se
caracteriza por: ser um estado reversível, tipicamente expresso pela postura de repouso,
comportamento quieto e redução da responsividade; ter uma arquitetura
neurofisiológica complexa, com estados cíclicos de sono não REM e de sono REM; ter
duração e intensidade dos seus vários períodos afetadas por mecanismos de regulação
homeostáticos; ser afetado por experiências ocorridas durante a vigília; ter efeitos
restauradores.
Pode-se, portanto, descrever o sono como um estado especial da consciência,
que ocorre de forma recorrente e cíclica nos organismos superiores.
O sono REM, por sua vez, não se encaixa em nenhuma dessas quatro fases. Sua
duração total em uma noite perfaz de 20 a 25% do tempo total de sono. É um estágio
peculiar, cujo padrão do EEG é semelhante ao do Estágio 1 do não REM. O sono REM não
é, entretanto, um sono leve, tampouco profundo, mas um tipo de sono qualitativamente
diferente. Caracteriza-se por instabilidade no sistema nervoso autônomo simpático, com
variações das frequências cardíaca e respiratória, da pressão arterial, do débito cardíaco
e do fluxo sanguíneo cerebral. É durante o sono REM que ocorre a maior parte dos
sonhos, e, em 60 a 90% das vezes, se o indivíduo for despertado durante a fase REM,
relatará que estava sonhando.
O sonho, fenômeno associado ao sono, pode ser considerado uma alteração
normal da consciência.
No século XIX, tomou-se o sonho como modelo da loucura, pois, para o francês
Moreau de Tours (1804-1884), “[...] a loucura é o sonho do homem acordado”, uma
espécie de invasão da vigília pela atividade onírica. Também o antropólogo inglês
Edward Burnett Tylor (1832-1917) formulou a hipótese de que o sonho, com suas visões
arrebatadoras, seria a experiência humana que teria dado origem à crença em seres
espirituais e, posteriormente, às religiões.
Ao descrever o que chamou de “trabalho do sonho”, Freud afirma que tal
trabalho transforma os conteúdos latentes (inconscientes) do sonho original em
conteúdos manifestos (conscientes) do sonho lembrado. Isso se dá por meio da
condensação (fusão de duas ou mais representações), do deslocamento (passagem da
energia de uma representação a outra representação) e da figurabilidade (desejos
transformam-se em imagens visuais). Esses três mecanismos servem para disfarçar o
desejo reprimido (inconsciente), possibilitando seu acesso à consciência, ainda que com
deformações e restrições, pois existe a censura entre as duas instâncias: inconsciente e
consciente/ pré consciente.
ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS DA CONSCIÊNCIA
Em diversos quadros neurológicos e psicopatológicos, o nível de consciência
diminui de forma progressiva, desde o estado normal, vígil, desperto, até o estado de
coma profundo, no qual não há qualquer resquício de atividade consciente. Os diversos
graus de rebaixamento da consciência são:
1. Obnubilação: turvação da consciência ou sonolência patológica leve. Trata-se do
rebaixamento da consciência em grau leve a moderado. À inspeção inicial, o
paciente pode já estar claramente sonolento ou parecer desperto, o que pode
dificultar o diagnóstico desse estado. De qualquer forma, há sempre diminuição
do grau de clareza do sensório, com lentidão da compreensão e dificuldade de
concentração. No geral, o indivíduo diminui a atenção para as solicitações
externas, dirigindo-separa a sonolência.
2. Torpor: é um grau mais acentuado de rebaixamento da consciência. O paciente
está evidentemente sonolento; responde ao ser chamado apenas de forma
enérgica e, depois, volta ao estado de sonolência evidente. Na obnubilação e no
torpor, o paciente pode ainda apresentar traços de crítica e pudor, tentando
cobrir as partes íntimas de seu corpo com o cobertor.
3. Sopor: é um estado de marcante e profunda turvação da consciência, de
sonolência intensa, da qual o indivíduo pode ser despertado apenas por um
tempo muito curto, por estímulos muito enérgicos, do nível de uma dor intensa.
Nesse momento, o paciente pode revelar fácies de dor e ter alguma gesticulação
de defesa. Retorna, então, muito rapidamente, em segundos, à quase ausência de
atividade consciente. Portanto, aqui, ele sempre se mostra intensamente
sonolento, quase em coma.
4. Coma: é a perda completa da consciência, o grau mais profundo de rebaixamento
de seu nível. No estado de coma, não é possível qualquer atividade voluntária
consciente.
Perdas abruptas da consciência
Vários fatores e condições médicas e/ou psicopatológicas podem produzir a perda
abrupta da consciência. Tal perda pode ser causada por fatores emocionais, neuro
funcionais ou orgânicos de diversas naturezas. Podem também ser rapidamente
reversíveis ou irreversíveis, indicando quadros orgânicos mais graves.
A lipotimia se caracteriza por perda parcial e rápida da consciência (dura apenas
segundos), geralmente com visão borrada, palidez da face, suor frio, vertigens e perda
parcial e momentânea do tônus muscular dos membros, com ou sem queda do corpo ao
chão. A pessoa tem a sensação desagradável de que vai desmaiar.
A síncope designa um colapso bem súbito, com perda abrupta e completa da
consciência, perda total do tônus muscular, com queda completa ao chão. O mecanismo
básico é a instalação rápida de irrigação cerebral insuficiente por causas diversas.
O termo “desmaio” é uma designação não médica, da linguagem comum, que
geralmente significa uma perda abrupta da consciência. Corresponde de forma
genérica aos termos médicos “síncope” ou “lipotimia”.
Síndromes psicopatológicas associadas ao rebaixamento prolongado do nível de
consciência.
Delirium é o termo atual mais adequado para designar a maior parte das
síndromes confusionais agudas (o termo “paciente confuso”, muito usado em serviços de
emergência e enfermarias médicas, refere-se a tais síndromes confusionais, ou seja, ao
delirium.
O delirium diz respeito, portanto, aos vários quadros com rebaixamento leve a
moderado do nível de consciência, acompanhados de desorientação temporoespacial,
dificuldade de concentração, perplexidade, ansiedade em graus variáveis, agitação ou
lentificação psicomotora, discurso ilógico e confuso e ilusões e/ou alucinações, quase
sempre visuais. Trata-se de um quadro que oscila muito ao longo do dia. Geralmente, o
paciente está com o sensório claro pela manhã, e, no início da tarde, o nível de
consciência “afunda”, piorando no fim da tarde e à noite.
Estado onírico ou oniroide é o termo da psicopatologia clássica para designar uma
alteração da consciência na qual, paralelamente à turvação da consciência, o indivíduo
entra em um estado semelhante a um sonho muito vívido. Em geral, predomina a
atividade alucinatória visual intensa com caráter cênico e fantástico. Há carga emocional
marcante na experiência onírica, com angústia, terror ou pavor. O doente manifesta esse
estado onírico angustioso gritando, movimentando-se, debatendo-se na cama e
apresentando, às vezes, sudorese profunda. Há geralmente amnésia consecutiva ao
período em que o doente permaneceu nesse estado onírico.
Alterações qualitativas da consciência
Além dos diversos estados de redução global do nível de consciência, a
observação psicopatológica registra uma série de estados alterados da consciência, nos
quais se tem mudança parcial ou focal do campo da consciência. Uma parte do campo da
consciência está preservada, normal, e outra, alterada.
Têm-se, então, as seguintes alterações qualitativas da consciência:
a. Estados crepusculares - Consistem em um estado patológico transitório no qual
uma obnubilação leve da consciência (mais ou menos perceptível) é
acompanhada de relativa conservação da atividade motora coordenada. Nos
estados 2. crepusculares, há, portanto, estreitamento transitório do campo da
consciência e afunilamento da consciência (que se restringe a um círculo de
ideias, sentimentos ou representações de importância particular para o sujeito
acometido), com a conservação de uma atividade psicomotora global mais ou
menos coordenada, permitindo a ocorrência dos chamados atos automáticos.
b. Estado segundo - Estado patológico transitório semelhante ao estado crepuscular,
caracterizado por uma atividade psicomotora coordenada, a qual, entretanto,
permanece estranha à personalidade do sujeito acometido e não se integra a ela.
c. Dissociação da consciência - Tal expressão designa a fragmentação ou a divisão do
campo da consciência, ocorrendo perda da unidade psíquica comum do ser
humano. O termo “dissociação” pode cobrir não apenas a consciência como
também a memória, a percepção, a identidade e o controle motor.
d. Transe - Estado de alteração qualitativa da consciência que se assemelha a sonhar
acordado, diferindo disso, porém, pela presença em geral de atividade motora
automática e estereotipada acompanhada de suspensão parcial dos movimentos
voluntários.
e. Estado hipnótico - É um estado de consciência reduzida e estreitada e de atenção
concentrada, que pode ser induzido por outra pessoa (hipnotizador). Trata-se de
um estado de consciência semelhante ao transe, no qual a sugestionabilidade do
indivíduo está aumentada, e sua atenção, concentrada no hipnotizador. Nesse
estado, podem ser lembradas cenas e fatos esquecidos e podem ser induzidos
fenômenos como anestesia, paralisias, rigidez muscular, alterações vasomotoras.
Não há nada de místico ou paranormal na hipnose.
CAP. 13 -A atenção e suas alterações.
A atenção pode ser definida como a direção da consciência, o estado de
concentração da atividade mental sobre determinado objeto.A atenção se refere,
portanto, ao conjunto de processos psicológicos que torna o ser humano capaz de
selecionar, filtrar e organizar as informações em unidades controláveis e significativas. Os
termos “consciência” e “atenção” estão estreitamente relacionados. A determinação do
nível de consciência é essencial para a avaliação da atenção.
Assim, a atenção é um construto psicológico complexo que se refere a uma
variedade de componentes, sendo eles, principalmente: 1) início da atividade consciente
e focalização; 2) atenção sustentada e nível de alerta (vigilance); 3) atenção seletiva ou
inibição de resposta a estímulos irrelevantes; e 4) capacidade de mudar o foco de
atenção (set-shifting), ou atenção alternada.
Tais sistemas incluem a consciência (awareness), processos perceptivos e a ação
motora.
Tomando-se em consideração a natureza da atenção, pode-se discernir dois tipos
básicos de atenção: a voluntária, que exprime a concentração ativa e intencional da
consciência sobre um objeto, e a espontânea, que é aquele tipo de atenção suscitado
pelo interesse momentâneo, incidental, que desperta este ou aquele objeto. Esta última
geralmente está aumentada nos estados mentais em que o indivíduo tem pouco controle
voluntário sobre sua atividade mental.
Em relação à direção da atenção, pode-se discriminar duas formas básicas: a
atenção externa, projetada para fora do mundo subjetivo do sujeito, voltada para o
mundo exterior ou para o corpo, geralmente de natureza mais sensorial, utilizando os
órgãos dos sentidos. Difere-se da atenção interna, que se volta para os processos
mentais do próprio indivíduo. É uma atenção mais reflexiva, introspectiva e meditativa.
Em relação à amplitude atencional, há a atenção focal, que se mantém
concentrada sobre um campo determinado erelativamente delimitado e restrito da
consciência, em contraposição à atenção dispersa, que não se concentra em um campo
determinado, espalhando-se de modo menos delimitado.
Foi o psiquiatra suíço Eugen Bleuler (1857-1939) que sugeriu, no início do século
XX, que a atenção tinha duas qualidades fundamentais: tenacidade e vigilância. A
tenacidade consiste na capacidade do indivíduo de fixar e manter sua atenção sobre
determinado estímulo, em um tema da conversa ou em um campo de atenção. Na
tenacidade, a atenção se prende a certo estímulo, fixando se sobre ele.
A vigilância (nessa conceitualização de Bleuler) é definida como o aspecto da
atenção relacionado à mudança de foco, de um objeto para outro. Tais qualidades são
com frequência antagônicas; por exemplo, nos estados maníacos, os pacientes
costumam apresentar hipotenacidade (redução da capacidade de fixar a atenção) e
hipervigilância (uma atenção que salta rapidamente de um estímulo para outro).
Atenção flutuante é um conceito desenvolvido por Freud (1856-1939), relativo ao
estado de como deve funcionar a atenção do psicanalista durante uma sessão analítica.
Segundo Freud, a atenção do analista não deve privilegiar a priori qualquer elemento do
discurso ou comportamento do paciente, o que implica deixar funcionar livremente sua
própria atividade mental, consciente e inconsciente, deixando livre a atenção e
suspendendo ao máximo as motivações, os desejos e os planos próprios. É um estado
artificial da atenção, cultivado pela necessidade técnica do processo psicanalítico.
Nas últimas décadas, a psicologia, fortemente marcada pelas abordagens
cognitivistas e neuropsicológicas, passou a abordar e a subdividir a atenção em alguns
aspectos fundamentais:
1. Capacidade e foco de atenção - referem-se à focalização da atenção e estão
intimamente associados à experiência subjetiva de concentração. A capacidade
de atenção concentrada sobre um estímulo ou um campo atencional se verifica
quando o indivíduo consegue aplicar e focar toda sua atenção em tal campo ou
estímulo. Ela não é constante com o passar do tempo, flutuando em função de
fatores extrínsecos.
2. Atenção seletiva - diz respeito aos processos que permitem ou facilitam a seleção
de estímulos e informações relevantes para o sujeito e seu processamento
cognitivo. Ela resume a qualidade mais importante dos processos atencionais: a
seletividade. A atenção seletiva diz respeito, portanto, à manutenção da atenção
apesar da presença de estímulos distratores e/ou concorrentes. Quando a
atenção elege certos estímulos, a capacidade de responder a outros diminui
proporcionalmente. Um indivíduo que lê um livro em um ônibus lotado de
pessoas, com mil ruídos no ambiente, está exercendo exitosamente sua
capacidade de atenção seletiva.
3. Atenção dividida - Os processos atencionais não se limitam a um único alvo ou
foco da atenção (abordado no item anterior, como atenção seletiva); com
frequência, ocorre o processamento simultâneo e paralelo de dois ou mais
estímulos captados pela atenção ao mesmo tempo. A atenção dividida é,
portanto, acionada quando duas ou mais tarefas ou estímulos concorrentes se
apresentam ao sistema atencional. Quando estamos dirigindo um carro e ouvindo
música ao mesmo tempo, estamos utilizando a atenção dividida.
4. Atenção alternada - diz respeito à capacidade de mudança do foco de atenção
(set-shifting), alternando voluntariamente o foco atencional de um estímulo a
outro durante a execução de tarefas. Quando estamos assistindo a uma série na
televisão e recebemos uma chamada telefônica, atendemos o telefone e
respondemos a algumas perguntas rápidas do interlocutor, depois voltamos ao
enredo da série, estamos exercendo nossa capacidade para a atenção alternada.
5. Atenção sustentada - (sustained attention) diz respeito à capacidade de manter a
atenção ao longo do tempo, geralmente durante uma atividade contínua e
repetitiva. Quando um estudante consegue manter sua atenção em uma aula por
uma ou duas horas, seguindo o raciocínio e a exposição do professor, sem se
distrair com outros estímulos do ambiente, está utilizando sua atenção
sustentada.
6. Seleção de resposta e controle seletivo - são de extrema relevância, pois o ato de
prestar atenção está, quase sempre, associado a uma ação planejada, voltada a
certos objetivos. Assim, a atenção está sempre envolvida na seleção não apenas
dos estímulos e das informações, mas também das respostas e do controle
destas. A atenção vincula-se a processos cognitivos complexos que envolvem a
intenção, o planejamento e a tomada de decisões.
NEUROPSICOLOGIA DA ATENÇÃO
As funções executivas, processadas nos lobos frontais (áreas pré-frontais), são um
conjunto de habilidades cognitivas relacionadas à capacidade do indivíduo de planejar,
executar e monitorar de forma flexível comportamentos com objetivos.
Os déficits em funções executivas impedem o indivíduo de iniciar, parar ou mudar
seus comportamentos, conforme as exigências ambientais. As funções executivas
incluem processos cognitivos relacionados à ação apropriada sobre o ambiente, ou seja,
processos relacionados ao agir.
De qualquer forma, como modelo da interação entre a atenção e as funções
executivas (incluindo o controle executivo), quatro componentes têm sido sugeridos:
memória de trabalho, seleção competitiva (competição entre diferentes estímulos),
controle sensorial top-down (do córtex pré-frontal para os processos sensoriais e de
vigília) e filtros de saliência (seleção dos estímulos mais salientes).
No processo bottom-up, as informações sensoriais que chegam ao cérebro são
filtradas a partir de sua importância para o sujeito, sendo filtrados os estímulos mais
relevantes do ponto de vista de sobrevivência, assim como os mais infrequentes. Os
estímulos são, então, codificados e sofrem uma seleção competitiva baseada na força
relativa do sinal, no sentido de poder acessar o sistema de memória de trabalho.
Sendo um dos elementos principais das funções executivas, a memória de
trabalho usa a informação fornecida pelo processo atencional para dirigir e gerenciar os
comportamentos subsequentes, assim como faz dirigir a atenção por meio de um
mecanismo top-down mediado pelo córtex pré-frontal.
As relações entre a atenção e a memória de trabalho são complexas. A memória
de trabalho age como um núcleo gerenciador de trabalho, no qual percepções e
pensamentos, constantemente atualizados, são processados, transformados e
manipulados.
A velocidade de processamento é um aspecto geral de quase toda cognição
humana; ela corresponde ao tempo que um indivíduo leva para realizar uma tarefa
mental, da fase inicial de perceber a tarefa até sua realização completa. Na avaliação da
atenção, alguns testes medem a tarefa cronometrando o tempo que o indivíduo utiliza
para realizá-la, estimando, assim, a velocidade de processamento.
A atenção resulta da interação complexa de diversas áreas corticais e subcorticais
do sistema nervoso, não sendo, portanto, um processo unitário. As principais estruturas
subcorticais do sistema nervoso relacionadas à atenção são: no tronco cerebral, o
sistema reticular ativador ascendente (SRAA) e o locus ceruleus noradrenérgico (LCN).
O SRAA possibilita o nível de consciência básico para manter a vigilância
necessária aos processos de atenção; assim, fornece a preparação inespecífica à atenção.
O LCN é o principal centro de alerta subcortical, importante para a manutenção de um
estado de alerta eficiente.
Psicopatologia da atenção
A alteração mais comum e menos específica da atenção é sua diminuição global,
a chamada hipoprosexia. Nessa condição se verifica uma perda básica da capacidade de
concentração, com fatigabilidade aumentada, o que dificulta a percepção dos estímulos
ambientais e a compreensão; as lembranças tornam-se mais difíceis e imprecisas, e há
dificuldade crescente em todas as atividades psíquicas complexas, como o pensar, o
raciocinar e a integração deinformações.
Denomina-se aprosexia a total abolição da capacidade de atenção, por mais
fortes e variados que sejam os estímulos utilizados. Por sua vez, a hiperprosexia consiste
em um estado de atenção exacerbada, no qual há uma tendência incoercível a
obstinar-se, a deter-se indefinidamente sobre certos objetos com surpreendente
infatigabilidade.
Em psicopatologia, usa-se o termo distração para um sinal, não de déficit
propriamente (não é anormalidade), mas de superconcentração ativa da atenção sobre
determinados conteúdos ou objetos, com a inibição de tudo o mais. É o caso do cientista
que, pelo fato de seu interesse e de sua atenção estarem totalmente voltados para um
problema, comete erros do tipo esquecer onde estacionou o carro ou colocar meias de
cores diferentes.
Já a distraibilidade, diferentemente da distração, é um estado patológico que se
exprime por instabilidade marcante e mobilidade acentuada da atenção voluntária, com
dificuldade ou incapacidade para fixar-se ou deter-se em qualquer coisa que implique
esforço produtivo.
Quadros de delirium causados por distúrbios sistêmicos, neurológicos e
neuropsicológicos em que se verificam diminuição do nível de consciência e déficit de
atenção. Os distúrbios da atenção estão sempre ou quase sempre presentes nos quadros
de delirium.
No transtorno cognitivo leve (TCL) (declínio cognitivo leve), comum em idosos,
verificam-se alterações da atenção relacionadas a maior demora em realizar as tarefas
do dia a dia. Devido ao déficit de atenção, o indivíduo passa a cometer mais erros em
suas tarefas rotineiras e a ter dificuldades na atenção dividida (p. ex., dificuldade para
ouvir o noticiário no rádio e preparar a refeição).
Nas demências, as alterações de atenção costumam estar presentes desde as
fases iniciais. Clinicamente, elas se revelam pelas marcantes perturbações do paciente
em ambientes com múltiplos estímulos e nas limitações que apresenta no lidar com
eventos e estímulos concomitantes. Os déficits atencionais nas demências também se
entrelaçam com as funções executivas, a memória e a aprendizagem.
Na demência de Alzheimer (DA), assim como na demência vascular (DV), os
pacientes têm dificuldades em tarefas que requerem concentração e foco, assim como
em atividades de controle executivo. A atenção seletiva e a atenção dividida já estão
comprometidas em formas leves de DA e DV, implicando perturbação do controle
executivo.
Na demência frontotemporal, a atenção é consideravelmente prejudicada,
podendo haver pronunciada distraibilidade, impulsividade e dificuldades com estímulos
distratores, como no Stroop test.
Na demência com corpos de Lewy e na demência associada à doença de
Parkinson, as alterações da atenção costumam ser mais acentuadas que na DA. Na
demência com corpos de Lewy, as alterações de atenção e função executivas, junto com
as flutuações no nível de consciência, parecem estar implicadas na origem das
alucinações visuais, encontradas em tal demência.
Nas demências em que há um componente subcortical mais marcante, como na
demência na doença de Huntington, na demência associada a HIV/aids e, sobretudo, em
demências vasculares com predomínio subcortical, verifica-se maior prejuízo da atenção,
maior lentificação na velocidade de procedimento e prejuízo nas funções executivas
frontais.
Transtornos mentais
As alterações mais frequentes da atenção são encontradas nas seguintes
condições: transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), transtornos do
humor (depressão e mania), transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e esquizofrenia.
No TDAH, transtorno bastante importante na infância e na adolescência, mas
também significativamente presente em adultos, há dificuldade marcante de direcionar
e manter a atenção a estímulos internos e externos, pois o paciente tem a capacidade
prejudicada em organizar e completar tarefas, assim como graves dificuldades em
controlar seus comportamentos e impulsos. Os processos atencionais prejudicados,
inibição falha e impulsividade são aspectos importantes dessa condição. Pessoas com
TDAH têm, portanto, prejuízo relacionado à filtragem de estímulos irrelevantes à tarefa.
Há também perturbação da inibição de respostas no TDAH, com déficits nas
respostas inibitórias, que, por sua vez, envolve disfunção nas funções executivas frontais.
As respostas de inibição implicam inibir ou suprimir respostas inapropriadas em
determinado contexto, em favor de respostas alternativas mais apropriadas.
Já os pacientes com transtornos do humor têm importantes dificuldades de
concentração e atenção sustentada. Há, nos quadros maníacos, diminuição marcante da
atenção voluntária e aumento da atenção espontânea, com hipervigilância e
hipotenacidade. A atenção do indivíduo em fase maníaca salta rapidamente de um
estímulo para outro, sem se fixar em algo.
Nos quadros depressivos, com muita frequência há diminuição geral da atenção,
ou seja, hipoprosexia. Em alguns casos graves, ocorre a fixação da atenção em certos
temas depressivos (hipertenacidade), com rigidez e diminuição da capacidade de mudar
o foco da atenção (hipovigilância).
Já pessoas com TOC apresentam atenção e vigilância excessivas e desreguladas e
alterações em funções executivas que geralmente se sobrepõem aos déficits atencionais.
Foi identificado, no TOC, prejuízo na atenção alternada (set-shifting), no planejamento,
na inibição de respostas, na memória de trabalho e na velocidade de processamento.
Na esquizofrenia, o déficit de atenção também é muito importante. A inadequada
filtragem de informação irrelevante é uma dificuldade comum em pacientes com o
transtorno. Tais indivíduos costumam ter dificuldade em anular adequadamente
estímulos sensoriais irrelevantes enquanto realizam determinada tarefa e são muito
suscetíveis a distrair-se com estímulos visuais e auditivos externos.
CAP. 14 -A orientação e suas alterações.
A capacidade de situar-se quanto a si mesmo e quanto ao ambiente é
elemento básico da atividade mental e fundamental para a sobrevivência do
indivíduo. A avaliação da orientação é um instrumento valioso para a verificação
das perturbações do nível de consciência, da percepção, da atenção, da memória
e de toda a cognição.
Foi o grande neuropsiquiatra alemão Carl Wernicke que propôs que, na base de
todas as psicoses, sobretudo as agudas, haveria algum grau, mesmo que sutil, de
perturbação da orientação. Wernicke postulou que, para cada dimensão da vida
consciente, a saber, a corporal ou somatopsíquica, a ambiental ou alopsíquica e a
referente ao próprio psiquismo e personalidade, a autopsíquica, haveria também um
tipo específico de desorientação.
Assim, uma pessoa pode estar desorientada quanto a si mesma (desorientação
autopsíquica), quanto ao seu próprio corpo (desorientação somatopsíquica) e quanto ao
tempo e espaço (desorientação alopsíquica). Quando o paciente está desorientado em
uma ou em todas essas dimensões da orientação, é frequente surgir concomitantemente
um afeto marcante. Tal afeto, para Wernicke, é captado pela noção de perplexidade.
Assim, desorientação e perplexidade seriam dois fenômenos mentais que caminhariam
juntos.
Desse modo, investigar a orientação é também um recurso útil para aferir o nível
de consciência dos pacientes. A capacidade de orientar-se requer, de forma consistente,
a integração das capacidades de nível de consciência preservado, atenção, percepção e
memória. Alterações de atenção e retenção (memória imediata e recente), moderadas
ou graves, costumam resultar em alterações globais da orientação. Além disso, a
orientação é excepcionalmente vulnerável aos efeitos da disfunção ou do dano cerebral.
Orientação espacial
Por orientação espacial entende-se vários subtipos de orientação: quanto ao local
onde o sujeito está no momento (o local específico, o tipo de edifício, distância entre
onde está e sua casa, etc.), orientação topográfica (ter a noção do arranjo e da
organização de seu quarto, de sua casa,

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