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1 FISIOLOGIA ANIMAL/GERAL AULA 5 ELECTROCARDIOGRAMA ROSA SANTOS, ARMANDO CRISTÓVÃO e PAULO SANTOS 2013 DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA VIDA FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA UNIVERSIDADE DE COIMBRA 2 OBJECTIVOS Todos os músculos, incluindo o músculo cardíaco, produzem uma corrente eléctrica quando são excitados. Esta corrente resulta dos movimentos de iões através das membranas plasmáticas das fibras musculares, e dá origem ao potencial de acção. Uma vez que os fluidos do corpo são bons condutores, as flutuações no potencial, que representam a soma algébrica dos potenciais de acção das fibras miocardiais, podem ser detectadas e registadas à superfície do corpo. O registo destas alterações do potencial durante o ciclo cardíaco constitui o electrocardiograma (ECG). O ECG permite obter informação sobre a actividade eléctrica cardíaca em pelo menos doze posições diferentes (derivações), cada uma das quais constitui uma “vista eléctrica” do coração de pontos diferentes do espaço. Assim, o objectivo deste trabalho é obter um registo do ECG em várias derivações, determinar os intervalos de tempo das várias fases do ciclo cardíaco e comparar estes valores com os valores normais. Será ainda determinado o eixo eléctrico médio da despolarização ventricular. O ECG permite tirar conclusões sobre o estado do músculo cardíaco e sobre a condução eléctrica do coração. PARTE A INTRODUÇÃO O electrocardiograma (ECG) é um registo das alterações de potencial eléctrico que ocorrem durante despolarização e repolarização do coração registado por eléctrodos colocados à superfície do organismo. Um ECG normal consiste em três principais componentes: onda P, o complexo QRS e a onda T (Fig.1). Cada onda representa a transmissão de um impulso ou potencial eléctrico que irá estimular a contracção de uma porção específica do coração: a onda P reflecte a despolarização das aurículas a partir do nódulo sino-auricular; o complexo QRS reflecte a despolarização dos ventrículos; e a onda T é produzida pela repolarização dos ventrículos. Na Fig. 2 é esquematiza a sequência de despolarização do coração que origina as várias ondas no ECG. Fig.1 - Componentes de um ECG normal indicando os intervalos de tempo entre as várias ondas ou componentes. Na figura, Seg. refere-se a segmento e Int. a intervalo. P T R Q S Int PR Int QT Int ST 1 -0,5 Seg PR Seg ST mV 3 Fig. 2 - Sequência de excitação do coração. A excitação inicia-se por despolarização intrínseca das células do nódulo SA (A) e transmite-se às aurículas (B). Em seguida há uma demora do impulso no nódulo AV, o que permite que a excitação total das aurículas ocorra antes que se inicie a excitação dos ventrículos. Após esta demora, o impulso é conduzido pelo feixe A-V que se divide em dois feixes, o feixe esquerdo e o feixe direito, que conduzem a excitação para o vértice do ventrículo (C) e, no ventrículo esquerdo e direito respectivamente, estes feixes subdividem-se em numerosas fibras, as fibras de Purkinje, que conduzem rapidamente a excitação a toda a massa muscular dos ventrículos (D). REGISTO DO ELECTROCARDIOGRAMA O sistema que será utilizado para registar o ECG encontra-se representado na Fig. 3. Consiste num conversor de um sinal analógico para um sinal digital que é armazenado num computador através de software apropriado. Este sistema permite amplificar e registar correntes de muito baixa voltagem (µV a mV), que são transmitidos desde o coração até à superfície do corpo onde se aplicam os eléctrodos. Estes eléctrodos são placas metálicas que são humedecidas com pasta condutora e são aplicados sobre a pele ao nível da parte interna dos pulsos e dos tornozelos. Fig. 3 - Representação esquemática do sistema de aquisição de dados do ECG, indicando os principais componentes: 1. Eléctrodos; 2.Luz indicadora de contacto com o BIOAmp; 3. Ligação para o canal 1 (detector de pulsação); 4. Ligação para o canal 2 (sistema BIOAmp); 5. Vista frontal do sistema PowerLab; 6. Vista frontal do sistema BIOAmp. Excitação auricular Excitação ventricular Nódulo SA Nódulo AV Feixe AV Fibras de Purkinje A. Começa B. Completa-se C. Começa D. Completa-se 4 Fig. 4 - Representação esquemática das ligações do sistema de aquisição de dados do ECG. 1. ligação BNC ao canal 2 do PowerLab; 2. Botão para ligar e desligar o sistema; 3. Ligação de um cabo à tomada eléctrica; 4. Ligação do PowerLab ao Bioamp; 5. Ligação à placa SCSI do computador. O programa que permite controlar o sistema designa-se por “chart” e na figura seguinte, está representada a caixa de diálogo: Fig. 5 - Representação do ecrã do software que permite a aquisição de dados do ECG, indicando os principais componentes: 1. Nº de pontos a adquirir por segundo (deverá estar a 100); 2.Permite escolher a escala em Volts; 3. Permite verificar qual o amplificador que está no canal 1 e deve seleccionar-se para visualizar um pré registo; 4. Permite verificar qual o amplificador que está no canal 2 e deve seleccionar-se BIOAmp e visualizar um pré-registo para ajustar as melhores condições; 5. Inicia e pára o registo; 6. O rato nesta zona do ecrã permite controlar a amplitude da escala de cada canal; 7. permite fazer zoom após seleccionar uma parte do registo. 1 2 34 5 5 AS DERIVAÇÕES ELECTROCARDIOGRÁFICAS De acordo com a posição dos eléctrodos, assim se podem obter o ECG em várias derivações, como se esquematiza na Fig. 6 e na Tabela I para as derivações standard. R F +- R L F I R F +- R L F II R F +- R L F III R F +- R L F aVR R F +- R L F R F R L F +- R F +- R L F aVF V1-6aVL Fig. 6 - Esquema das ligações dos eléctrodos nas várias derivações do ECG: I, II, III, aVR, aVF, aVL e V. As letras referem-se a: L, braço esquerdo; R, braço direito; F, perna esquerda; RF, perna direita. TABELA I- Posições dos eléctrodos nas várias derivações POSIÇÃO DOS ELÉCTRODOS E POLARIDADES TIPO DE DERIVAÇÃO DERIVAÇÃO (+) (-) I Braço esquerdo (L) Braço direito (R) II Perna esquerda (F) Braço direito (R) PLANO FRONTAL Bipolares de extremidades III Perna esquerda (F) Braço esquerdo (L) aVR Braço direito (R) Ponto médio entre: - braço esquerdo e a perna esquerda aVL Braço esquerdo (L) - braço direito e a perna esquerda PLANO FRONTAL Unipolares de extremidades aVF Perna esquerda (F) - braço direito e o braço esquerdo PLANO HORIZONTAL Precordiais V1 a V6 No tórax (posição 1 a 6) Ponto médio entre o braço esquerdo, o braço direito e a perna esquerda 6 O EIXO ELÉCTRICO MÉDIO DE ACTIVAÇÃO VENTRICULAR As derivações bipolares entre o braço direito, o braço esquerdo e a perna esquerda formam um triângulo à volta do coração conhecido por triângulo de Einthoven (Fig. 7). Fig. 7 - Modificação do triângulo de Einthoven de modo a que as derivações I, II, III se cruzem num ponto central. Por convenção, o pólo positivo da derivação I é + 0°, o pólo positivo da derivação II é +60° e o pólo positivo da derivação III é +120°. Fig. 8 - Determinação da amplitude do potencial e da polaridade do complexo QRS nas derivações I e II. IIIII I + + + _ _ _ IIIII I + + + _ _ _ 50º B A A B Fig. 9 - Determinação do eixo eléctricomédio do coração. Neste exemplo é de 50° e o potencial médio é de 0,3 mV (comprimento do vector AB) IIIII I + + + _ _ 0º 60º 120º _ I II III _ _ + + + _Triângulo de Einthoven Braço Direito Braço Esquerdo Perna Esquerda II Derivação + 0,4 mV -0,1 mV 0,4 - 0,1=+0,3 mV I Derivação 0,1 mV + 0,3 mV -0,1 mV 0,3 -0,1=+ 0,2 mV 7 A modificação do triângulo de Einthovan, para que as derivações se cruzem num ponto central dá origem ao esquema da Fig. 7 (à direita), sem que a relação matemática entre as derivações se altere. Com base nesta disposição dos eixos das derivações, e na amplitude das ondas do complexo QRS (Fig. 8) é possível determinar o eixo eléctrico médio, isto é, a direcção preponderante do fluxo de corrente durante a despolarização dos ventrículos. Na interpretação do ECG é rotina determinar-se o eixo eléctrico em conjunto com a frequência do ritmo cardíaco. O eixo eléctrico médio pode determinar-se a partir de duas derivações bipolares de extremidades usando o sistema de referência citado (Fig. 7). O eixo anatómico do coração é o ângulo do coração no corpo desde a base ao ápice. O seu valor normal é de 55°. O eixo eléctrico não é sinónimo da posição anatómica do coração, e representa a direcção principal do fluxo de corrente eléctrica durante a despolarização ventricular. Nos ventrículos normais é de cerca de 59°. No entanto, são considerados valores normais entre -30° e +110°. Esta ampla variação deve-se a diferenças de estatura do corpo, na massa muscular dos ventrículos, na distribuição das fibras de Purkinje. Duma forma aproximada o eixo eléctrico médio pode determinar-se do seguinte modo: 1. Obter registo do ECG nas derivações I e II (Fig. 8) 2. Determinar a amplitude do potencial e a polaridade das ondas Q, R e S no complexo QRS. 3. Efectuar a soma algébrica de R+ (valor mais negativo entre Q e S). No exemplo (Fig. 8) I R+S= + 0,3 - 0,1 = 0,2 mV II R+Q = + 0,4 - 0,1 = 0,3 mV 4. Os valores + 0,2 e + 0,3 são marcados nos respectivos eixos das derivações (Fig. 9A). As perpendiculares de cada eixo são traçadas nestes pontos. O ponto de intersecção destas duas perpendiculares representa a direcção do vector resultante (vector AB, Fig. 9B). 5. O comprimento do vector AB representa o potencial eléctrico médio gerado pelos ventrículos durante a despolarização (no exemplo 0,3 mV) e a direcção do vector o eixo eléctrico médio (no exemplo 50°) ANÁLISE DO ELECTROCARDIOGRAMA O ECG fornece informação sobre o tempo requerido para a onda de despolarização passar através do sistema contráctil cardíaco e o tempo adicional necessário para a repolarização ventricular. Assim, deve analisar-se em detalhe as várias fases do ECG. A tabela II fornece informações sobre a gama normal de variação dos tempos dos vários intervalos num ECG e a explicação das suas causas. TABELA II Componentes e intervalos do ECG COMPONENTE OU INTERVALO TEMPO APROXIMADO (s) ACONTECIMENTOS ELÉCTRICOS NO CORAÇÃO Onda P 0,08 - 0,10 Despolarização das aurículas Intervalo P-R 0,14 - 0,20 Condução através do nódulo AV, feixe AV, ramos do feixe AV e fibras de Purkinje Complexo QRS 0,08 - 0,10 Despolarização dos ventrículos Onda T 0,12 - 0,16 Repolarização dos ventrículos Segmento S-T 0,08 - 0,12 Tempo para completa despolarização dos ventrículos Intervalo Q-T 0,30 - 0,35 Tempo para completa despolarização e repolarização dos ventrículos Intervalo T-P 0,25 - 0,35 Tempo para completa repolarização antes do início da excitação auricular seguinte 8 PARTE B PARTE EXPERIMENTAL 1. REGISTO DO ELECTROCARDIOGRAMA a) Ligar o sistema de acordo com as figuras 3 e 4 b) A pessoa que vai fazer o ECG deve deitar-se sobre a bancada (de preferência bem isolada) c) Limpar a pele com álcool nos pulsos e tornozelos, para remover todas as impurezas. Aplicar a pasta condutora nos eléctrodos. Efectuar as ligações de acordo com a tabela I para a derivação I e segurar os eléctrodos com ligaduras de borracha (caso o sistema não utilize pinças). d) Estabelecer as condições no programa “Chart” de acordo com o indicado na Figura 5 Settings: ECG Bioamplifier Range 2mV Notch checkbox ON High pass 1 Hz Low Pass 50 Hz e) Registar durante dez segundos em cada uma das derivações bipolares de extremidades (use o botão “start” e “stop” do programa “chart”, para ter apenas um registo) f) Após obter um registo, altere as ligações para registar as outras derivações (ver fig. 6) e repita o procedimento g) Após efectuados os registos grave este ficheiro (em menu seleccione FILE e SAVE AS) h) Copie para outro computador onde irá efectuar a análise 2. INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS 2.1. Cálculo da frequência cardíaca Com base no registo do ECG calcule, em qualquer derivação, a frequência cardíaca. Caso o ritmo cardíaco seja regular bastará medir o tempo que medeia entre dois acontecimentos eléctricos iguais e sucessivos (2 ondas R seguidas por exemplo). Tempo de 4 ciclos Frequência cardíaca (ciclos por minuto) 2.2. Determinação da duração dos intervalos no ECG Amplie no ecrã uma zona de uma derivação qualquer em que se distingam nitidamente o início e o final das várias ondas. Determinar os tempos dos vários intervalos (pode ver a figura 2 para os identificar) e componentes e indicá-los na tabela III. Comparar os valores obtidos com os valores normais (tabela II). 9 TABELA III Intervalo ou componente Duração (s) Duração Normal (s) Onda P Intervalo P-R Complexo QRS Onda T Segmento S-T Intervalo Q-T Intervalo T-P Interpretação: 3. Determinação do eixo eléctrico médio de despolarização ventricular Com base no registo do ECG nas derivações I e II ou III e de acordo com a explicação das figuras 7 a 9, determinar a amplitude e o eixo eléctrico médio do complexo QRS: Amplitude mV Eixo eléctrico graus Interpretação: 10 BIBLIOGRAFIA Goldman, M. J. (1976). Princípios de electrocardiografia clínica. Tradução brasileira 8ª edição. Editora Guanabara Koogan S. A. Rio de Janeiro. Brown, Arthur M. e. Stubbs, Donald W. (1983). Medical Physiology. Editor John Wiley & Sons, Inc, New York. Guyton, A. e Hall, John E. (1996).Tratado de Fisiologia Médica. Tradução espanhola 9ª edição. Editora McGraw-Hill - Interamericana de Espanha, Madrid. Rhoades, Rodney A. e Tanner, George A. (1996). Fisiologia Médica. Tradução espanhola. Editora MASSON- little, Brown, S.A., Barcelona.
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